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Exército Brasileiro - EB

Escola de Aperfeiçoamento de Sargentos das Armas - EASA


Seção de Educação a Distância - SEAD
Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos - CAS 1ª Fase

HISTÓRIA MILITAR
CAS
2016

Cruz Alta - RS
201 4
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Créditos

Capa: Rafael Fontenele

Projeto gráfico e diagramação: Guido da Silva Godinho

Revisão: Ana Maria Andrade Araujo


Heloisa Cardoso de Castro

História Militar. EDUARDO HENRIQUE DE


SOUZA MARTINS ALVES - Cel R/1.
Revisado por AIRTON ZENKNER
PETERSEN - 1º Ten QAO – Cruz Alta: EASA,
201 4.
248p. – (Curso de Aperfeiçoamento de
Sargentos).

Escola de Aperfeiçoamento de Sargentos das Armas (EASA)


Rua Benjamin Constant 1217, Centro - Cruz Alta - RS
CEP 98025-110
Tel (55) 3322 7824
APROVAÇÃO

O Comandante da Escola de Aperfeiçoamento de Sargentos das Armas,


com base no Inciso III do Art 7° do Regulamento da EASA (R-64), de 19 Ago
2010, resolve:

- Aprovar para fins escolares, complementando as necessidades de


ensino da escola, a publicação "História Militar" - edição 2014 .

Cruz Alta, RS, 29 de abril de 2014 .

3
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................. 9
1. A ARTE DA GUERRA E O PENSAMENTO MILITAR .................................................. 9
2. A DOUTRINA MILITAR BRASILEIRA .................................................................. 13
CAPÍTULO I – COLONIZAÇÃO: A PARTILHA DAS AMÉRICAS ..................................... 15
1. ESTRUTURAS DO SISTEMA COLONIAL ................................................................ 15
2. A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA DO NORTE .......................................................... 20
3. A FRANÇA NAS AMÉRICAS .......................................................................... 22
CAPÍTULO II – BRASIL COLÔNIA (1530-1808) .............................................. 25
1. A OCUPAÇÃO EFETIVA DA COLÔNIA E O EMPREENDIMENTO CANAVIEIRO .......................... 25
2. O TRABALHO COMPULSÓRIO: A ESCRAVIDÃO INDÍGENA E O TRÁFICO NEGREIRO ................... 27
3. O BRASIL SUBMISSO À UNIÃO IBÉRICA (1580-1640) ........................................... 29
4. A EXPANSÃO DA OCUPAÇÃO PORTUGUESA PARA ALÉM DO TRATADO DE TORDESILHAS ........ 31
5. A DESCOBERTA DO OURO: UM NOVO CICLO ECONÔMICO ........................................... 33
6. REVOLTAS NATIVISTAS ............................................................................... 34
7. REVOLTAS COLONIAIS ................................................................................ 36
8. OS TRATADOS DE LIMITES: A NOVA FIXAÇÃO DE FRONTEIRAS ..................................... 37
CAPÍTULO III – O SÉCULO XIX NAS AMÉRICAS ............................................... 41
1. O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA NAS AMÉRICAS ................................................... 41
2. TEORIAS DE PAN-AMERICANISMO E COOPERAÇÃO HEMISFÉRICA ................................... 48
3. CONSTRUÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS ............................................................... 49
4. A FORMAÇÃO DO ESTADO NORTE-AMERICANO E SUA CRISE: A GUERRA CIVIL ................... 51
CAPÍTULO IV – BRASIL IMPÉRIO: FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO (1808-1889) ........ 57
1. A CRISE DO COLONIALISMO PORTUGUÊS E O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA ...................... 57
2. CONSTRUÇÃO DA NOVA ORDEM NO IMPÉRIO ....................................................... 62
3. A POLÍTICA ADMINISTRATIVA DO IMPÉRIO ........................................................... 65
4. CRISE E CONSOLIDAÇÃO DO IMPÉRIO ................................................................ 66
5. A POLÍTICA EXTERNA DO IMPÉRIO DO BRASIL ...................................................... 70
6. ECONOMIA E TRABALHO EM TRANSIÇÃO ............................................................ 75
7. O FIM DO IMPÉRIO .................................................................................... 76
CAPÍTULO V – A PRIMEIRA REPÚBLICA NO BRASIL (1889-1930) ......................... 79
1. REPÚBLICA DA ESPADA ............................................................................... 79
2. REPÚBLICA DAS OLIGARQUIAS ........................................................................ 84
CAPÍTULO VI – SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: DO CONFLITO TRADICIONAL À ERA NUCLEAR . 101
1. ITÁLIA SOB FASCISMO ................................................................................ 101
2. NAZISMO NA ALEMANHA ............................................................................. 104

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EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

3. AVANÇO DOS REGIMES TOTALITÁRIOS NA PENÍNSULA IBÉRICA .................................... 109


4. MILITARISMO JAPONÊS ............................................................................... 113
5. PRIMEIRA FASE DA GUERRA: O AVANÇO DO EIXO ROMA-BERLIM (1939-1942) ............... 114
6. SEGUNDA FASE DA GUERRA: VITÓRIA DOS ALIADOS (1942-1945) ............................. 117
7. A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) E A DIVISÃO DA ALEMANHA ................... 122
CAPÍTULO VII – BRASIL: DA REVOLUÇÃO DE 1930 AO FIM DO ESTADO NOVO (1930-
1945) .......................................................................... 125
1. REVOLUÇÃO DE 1930 ............................................................................... 125
2. O PROCESSO CONSTITUINTE (1933/1934) E AS OPÇÕES POLÍTICAS ........................... 128
3. CONTESTAÇÃO AO REGIME: REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE 1932 ........................ 129
4. FECHAMENTO DO REGIME ............................................................................. 130
5. O ESTADO NA ECONOMIA ............................................................................ 133
6. MILITARES E GOVERNO ............................................................................... 134
7. SOCIEDADE E CULTURA ............................................................................... 136
8. O BRASIL NA II GUERRA MUNDIAL ................................................................. 136
9. A CRISE DO ESTADO NOVO E A QUEDA DE VARGAS (1945) .................................... 139
CAPÍTULO VIII – BRASIL: A SEGUNDA REPÚBLICA (1945-1964) .......................... 141
1. A REDEMOCRATIZAÇÃO E O GOVERNO DUTRA (1946-1951) ................................... 141
2. OS PARTIDOS POLÍTICOS ............................................................................. 143
3. O SEGUNDO GOVERNO VARGAS .................................................................... 143
4. A CRISE DE 1954 E AS INSTITUIÇÕES REPUBLICANAS ............................................. 145
5. JUSCELINO KUBITSCHEK - JK ........................................................................ 146
6. O GOVERNO JÂNIO QUADROS E A CRISE DA COALIZÃO CONSERVADORA ........................ 148
7. SINDICALISMOS URBANO E RURAL ................................................................... 149
8. JOÃO GOULART ...................................................................................... 150
9. A POLÍTICA EXTERNA INDEPENDENTE FACE À GUERRA FRIA ....................................... 151
CAPÍTULO IX – BRASIL: OS GOVERNOS MILITARES (1964-1985) ........................... 155
1. A CRISE DO TRABALHISMO, A RADICALIZAÇÃO DA ESQUERDA E O MOVIMENTO CIVIL MILITAR DE
1964 ............................................................................................... 155
2. AS RELAÇÕES ENTRE OS GOVERNOS MILITARES E OS PARTIDOS POLÍTICOS ..................... 156
3. O PAPEL DA ESG E OS PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO ........................................ 157
4. CASTELLO BRANCO E COSTA E SILVA .............................................................. 158
5. O AI-2 E O BIPARTIDARISMO: ARENA E MDB .................................................. 159
6. A JUNTA MILITAR E O GOVERNO MÉDICI - A ESQUERDA REVOLUCIONÁRIA, A LUTA ARMADA E O
ENDURECIMENTO DO REGIME ......................................................................... 162

7. O MILAGRE ECONÔMICO ............................................................................. 163


8. CLASSE MÉDIA, CONSUMO E TELEVISÃO ........................................................... 164
9. GOVERNO GEISEL - PROJETO DE MODERNIZAÇÃO: AVANÇO TECNOLÓGICO E OPÇÃO NUCLEAR ..... 165
10. GOVERNO FIGUEIREDO - ABERTURA DEMOCRÁTICA, CRISE E ESTAGNAÇÃO ....................... 167
11. POLÍTICA EXTERNA - DO ALINHAMENTO AUTOMÁTICO AO PRAGMATISMO RESPONSÁVEL ........ 168
12. NOVOS ATORES SOCIAIS E POLÍTICOS ............................................................ 170
CAPÍTULO X – A NOVA REPÚBLICA NO BRASIL: DE 1985 AOS DIAS ATUAIS ............... 173
1. A MOBILIZAÇÃO PELAS ELEIÇÕES DIRETAS E A ELEIÇÃO DE TANCREDO NEVES ................... 173

6
2. JOSÉ SARNEY (1985-1989) ...................................................................... 174
3. FERNANDO COLLOR DE MELLO (1990-1992) .................................................... 175
4. ITAMAR FRANCO (1992-1994) E A INTERINIDADE DA NOVA REPÚBLICA ........................ 177
5. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO (1995-2002) ................................................... 178
6. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA E A ASCENSÃO DA ESQUERDA (2003-2010) ..................... 180
7. O PAPEL DO BRASIL PERANTE A INTEGRAÇÃO SUL- AMERICANA .................................. 182
8. ATUAÇÃO BRASILEIRA COMO FORÇA DE PAZ ....................................................... 184
9. RELAÇÕES INTERNACIONAIS: OS NOVOS DESAFIOS .................................................. 188
CAPÍTULO XI – A NOVA ORDEM MUNDIAL E O SÉCULO XXI .............................. 193
1. O MUNDO PÓS-GUERRA FRIA ....................................................................... 193
2. GRANDES BLOCOS REGIONAIS ....................................................................... 195
3. HEGEMONIA DOS ESTADOS UNIDOS .................................................................. 197
4. CRIMES ORGANIZADOS TRANSNACIONAIS ........................................................... 198
5. TERRORISMO INTERNACIONAL ........................................................................ 120
6. AMÉRICA DO SUL ..................................................................................... 202
7. DIREITOS HUMANOS COMO FATOR DE POLÍTICA INTERNACIONAL .................................. 205
8. RELAÇÕES INTERNACIONAIS: SURGIMENTO DA MULTIPOLAR IDADE E EQUILÍBRIO DE PODER PÓS-GUERRA
FRIA .................................................................................................. 206
CAPÍTULO XII – A PARTICIPAÇÃO DA FORÇA TERRESTRE NA HISTÓRIA NACIONAL ......... 209
1. DURANTE A COLÔNIA ................................................................................. 209
2. DURANTE A MONARQUIA ............................................................................. 218
3. DURANTE A REPÚBLICA ............................................................................... 229
4. CAMPANHAS MILITARES EM CONFLITOS EXTERNOS ................................................ 234

7
INTRODUÇÃO

1. A Arte da Guerra e o Pensamento Militar


História Militar é o campo da História que permite a reconstituição da Doutrina
Militar, desde a Antiguidade até nossos dias. Ela absorve, também, o
conhecimento sobre a ciência e a arte da guerra utilizada pelos exércitos.
Por esse motivo, a pesquisa e o estudo da evolução da arte da guerra, tanto
em nível mundial como nacional, assumem especial relevância.

O Exército Brasileiro possui, no estudo da História Militar própria e dos


demais exércitos, um manancial de ensinamentos provados, que é a base
do espírito crítico e criador para a promoção do progressivo desenvolvimento
de sua Doutrina Militar.

Clausewitz assim definiu a guerra: [...] nada mais é que um duelo em grande
escala. [...] Um ato de violência que visa a compelir o adversário a submeter-
se a nossa vontade. Preconiza o uso ilimitado da força física, não excluindo
de modo algum a colaboração da inteligência, para atingir o objetivo final
da guerra em si, desarmar o inimigo, submetendo-o à nossa vontade e
destruí-lo (CLAUSEWITZ, 1998, p. 29).

Maquiavel, no cap. XIV, de sua obra O Príncipe (1532), maximizou a


importância do poder militar como instrumento de garantia do poder político
e aconselhava aos governantes:
[...] deve, pois, um príncipe não ter outro objetivo nem outro
pensamento, nem tomar qualquer outra coisa por fazer, senão a
guerra e a sua organização e disciplina, pois que é essa a única
arte que compete a quem comanda. E é ela de tanta virtude, que
não só mantém aqueles que nasceram príncipes, como também
muitas vezes faz os homens de condição privada subirem àquele
posto; ao contrário, vê-se que, quando os príncipes pensam mais
nas delicadezas do que nas armas, perdem o seu Estado.

Acompanhando a história, verificamos que as soluções dos conflitos podem


ocorrer por meio da persuasão, mediante processos diplomáticos; ou pela
coerção, utilizando a capacidade de coagir o poder nacional, o que abrange
desde o emprego dos meios diplomáticos até a guerra declarada.

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EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

1.1 Evolução da Arte da Guerra


Na revolução agrária de 10 mil anos atrás, durante a Pré-história no período
do neolítico ou período da pedra polida, indivíduos de povos caçadores-
coletores notaram que alguns grãos que eram coletados da natureza para a
sua alimentação poderiam ser enterrados, isto é, “semeados” a fim de
produzir novas plantas iguais às que os originaram. A escassez da caça
também contribuiu para que as tribos nômades se fixassem na terra,
gradativamente se tornando camponeses. Tudo isso marca o surgimento da
primeira onda de transformações econômicas e sociais da história humana.

A partir daí têm origem outros aspectos dessas transformações. Vamos


analisá-los, especificamente focalizando a evolução da arte da guerra, no
texto a seguir. (Disponível em: <http://www.professorinterativo.com.br/
cam/historia/tadeu/3onda.htm>.)

A Guerra da Terceira Onda


Alvin e Heidi Tofler

As mídias do mundo estão repletas de descrições de como a


campanha contra o terrorismo afetará a economia global.
Contudo, pouco se diz de como a economia global influenciará
o futuro da guerra.
Em nosso livro War and Antiwar (1993), escrevemos que, quando
surge novo tipo de economia, com todas as circunstâncias
concomitantes, sociais e culturais, muda também a natureza da
guerra. Assim a revolução agrária de 10.000 anos atrás, que
lançou a Primeira Onda de transformações econômicas e sociais
da história humana, introduziu a guerra da Primeira Onda.
A guerra da Primeira Onda foi caracterizada por ataques “hit-
and-run”, com ações visando a resultados específicos, seguidos
de recuo rápido – pequenos ataques – e violência cara-a-cara, o
confronto direto. Os camponeses, tipicamente, não lutavam por
uma nação, mas por um líder militar supremo que os remunerava,
geralmente, apenas com alimentação. Os soldados travavam a
maioria dos combates durante o inverno, quando não eram
necessários na lavoura. As campanhas eram de curta duração. A
organização era imprecisa, nivelada e com características de rede.
A coesão das unidades era sólida, com membros da família
frequentemente lutando lado a lado. A comunicação entre si era
principalmente por contato pessoal. Os homens lutavam pela
“honra” do macho, para mostrar coragem. A guerra era pessoal.

10
Mesmo quando compartilhavam uma religião ou ideologia
fanática, muitas unidades militares eram subornáveis e podiam
mudar de lado.
A história apresenta numerosas exceções ao padrão genérico,
mas essa foi de fato, por milhares de anos, a forma predominante
de guerra em todo o mundo. Essa guerra da Primeira Onda é hoje
o que os afegãos melhor sabem fazer.
A revolução industrial, segunda grande onda de mudanças sociais
e econômicas da história, trouxe consigo uma forma de guerra
totalmente nova: a guerra da Segunda Onda. A era da máquina
criou a metralhadora. A produção em massa tornou possível a
destruição em massa. O recrutamento criou exércitos
massificados. A tecnologia padronizou o armamento. Soldados
e oficiais receberam treinamento. A organização tornou-se
burocrática. O controle passou a ser feito de alto a baixo, por
graduações sucessivas de oficiais. Os sistemas de armas ficaram
cada vez maiores e mais letais – porta-aviões, formações blindadas,
frotas de bombardeios, mísseis nucleares.
Depois de sua derrota no Vietnã, contudo, as forças militares
dos EUA, paralelamente à economia, afastam-se da fabricação
em massa, começam a desenvolver a nova forma de guerra da
Terceira Onda, que se afastou das antigas concepções industriais
sobre a guerra em massa. Tanto a economia quanto as forças
militares necessitaram de uma vasta infraestrutura eletrônica.
A guerra da Terceira Onda, como escrevemos em War and Anti-
War, depende menos de ocupação territorial e mais da “supremacia
da informação”. Esta supremacia pode significar a destruição do
sistema de comando e controle do inimigo ou seus equipamentos
de radar e vigilância. Mas requer também conhecermos mais sobre
o adversário do que ele sabe sobre nós. Significa privá-lo de
“olhos e ouvidos” – tecnológicos e humanos – e significa supri-
lo de informações que enganem seus planejadores e modelem
suas suposições estratégicas, para tirar proveito dos erros deles.
Significa também, como prevíamos então, dar mais destaque à
“guerra de nichos” – operações especiais, aviões robôs, armas
inteligentes, miras de precisão, forças de reação rápida e “coalizões
profundas” que vão além de um conjunto de nações, incluindo
corporações, organizações religiosas, ONGs e outros parceiros,
visíveis ou encobertos.
Acima de tudo a guerra da Terceira Onda, segundo escrevemos,
exigiria uma profunda reestruturação dos serviços de inteligência,
distanciando-se do destaque dado pela Segunda Onda ao caráter
de massas, salientando a captação de dados por meios técnicos,

11
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

maior dependência de espiões humanos, captação de dados com


metas prédeterminadas, análises muito melhores, maior contato
com “clientes” e maior participação deles, disseminação mais
rápida das “ramificações” existentes e um uso muito mais
sofisticado das informações não confidenciais de “fonte aberta”
disponíveis na Internet, imprensa, televisão e outros veículos de
comunicação.
As agências de captação de informações, escrevemos, precisariam
também fazer uso dos sistemas de software que pudessem
“concentrar a atenção em grupos terroristas, buscando relações
ocultas em múltiplas bases de dados ... Presumivelmente,
combinando tais dados com informações extraídas de contas
bancárias, cartões de crédito, listas de assinantes e outras fontes,
esses softwares podem ajudar a apontar com precisão grupos –
ou indivíduos – que se encaixem num perfil terrorista”.
Evidentemente, a forma de guerra da Terceira Onda se equipara
melhor ao desafio do Afeganistão, seus terroristas e seus fascistas
religiosos do que com a antiga forma de guerra da Segunda
Onda que ajudou os EUA a ganhar a guerra fria.
O Taleban controla (parcialmente) um país que nem sequer
completou a transição da Primeira Onda, da existência nômade
para uma economia agrária. Contudo, ironicamente, os terroristas
que ele apoia se estendem pelo mundo e fazem uso oportunista
de tecnologias da Terceira Onda – cartões de crédito, Internet,
sistemas de viagem integrados, simuladores de vôo sofisticados
e muito mais – na esperança de finalmente restaurar o mundo
islâmico do século VII.
A coalizão mundial antiterror organizada pelos Estados Unidos e
as Nações Unidas contêm países com economias de todos os
diferentes níveis de desenvolvimento, Primeira Onda, Segunda
Onda e Terceira Onda.
O que vemos hoje, entretanto, no absoluto contraste entre o
Afeganistão e a América, não é o choque de religiões, mas um
conflito de “ondas” – a primeira guerra da Primeira Onda contra
a Terceira Onda, claramente definida.
Mídias do mundo estão repletas de descrições de como a
campanha contra o terrorismo afetará a economia global.
Contudo, pouco se diz de como a economia global influenciará
o futuro da guerra.
Em nosso livro War and Antiwar (1993), escrevemos que, quando
surge novo tipo de economia, com todas as circunstâncias
concomitantes, sociais e culturais, muda também a natureza da

12
guerra. Assim a revolução agrária de 10.000 anos atrás, que
lançou a Primeira Onda de transformações econômicas e sociais
da história humana, introduziu a guerra da Primeira Onda.

Como se observa, modifica-se o conceito de guerra conforme evoluem os


Estados e suas instituições. Assim, se, por um lado, o pensamento liberal
predominante e a disseminação da democracia no mundo, no início do
século XXI, subordinaram a guerra aos interesses políticos, pressionados
estes pela força da opinião pública, da mídia e de órgãos não-governamentais,
em oposição, a subordinação da guerra à religião mesclada aos interesses
políticos - já verificados em outras épocas - renasce sob forma muito
perigosa, aliando-se a regimes teocráticos, sob a égide do fundamentalismo
de qualquer matiz, para promover a guerra santa, a guerra de quarta geração.

2. A Doutrina Militar Brasileira


Para efeito didático incluímos como Exército Brasileiro todas as Forças
Terrestres Brasileiras (FTB), do descobrimento à independência, das quais
ele é o herdeiro e o repositório, seja das tradições, seja do patrimônio
histórico-cultural acumulado por aquelas Forças.

A História do Exército Brasileiro encerra o conceito de história da arte e


ciência da guerra do Exército Brasileiro. E mais, o de história da doutrina do
Exército Brasileiro, aqui entendida como o princípio pelo qual o Exército,
desde o descobrimento até o presente, vem sendo organizado, equipado,
instruído, desenvolvidas suas forças morais e empregado em lutas internas
e externas. A História do preparo do Exército ou das FTB (organização,
equipamento, instrução e desenvolvimento das forças morais), sem muito
rigor, seria a História da Ciência da Guerra do Exército Brasileiro.

Referências
BRASIL. Exército Brasileiro. Academia Militar das Agulhas Negras. Estudo
de História Militar. v. 1. 2003.
________. História do Exército Brasileiro. Bibliex, 1974.
CLAUSEWITZ, Carl Von. Da guerra. Tradução de Inês Busse. [S.L.]:
Publicações Europa-América, 1988.
MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Disponível em: <http://
www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000052.pdf >.

13
CAPÍTULO 1

Colonização:
a partilha das Américas

1. Estruturas do Sistema Colonial


As estruturas colonialistas e as relações estabelecidas entre as metrópoles
europeias e suas colônias americanas modificaram-se com o passar do tempo e
de acordo com os acontecimentos vividos nas diferentes nações colonizadoras.
As relações metrópole-colônia também foram influenciadas pelas relações
desenvolvidas entre as potências (sejam coloniais ou não). A distinção dos projetos
coloniais de cada potência definia de que forma as metrópoles iriam se relacionar
com suas colônias e seus habitantes locais (nesse caso, os indígenas).

As regras vigentes para o mercantilismo foram norteadoras para as atividades


coloniais. A busca era por metais preciosos. O metalismo constituía fator
determinante para a consolidação do Estado-nação nascente. O monopólio
comercial ou, no caso específico, colonial, era chamado de “exclusivo
comercial”. Este adotou formas diversas de acordo com o período e consistia
na seguinte lógica: para enriquecer o país era necessário não permitir que
os demais também o fizessem, garantindo o maior número de moedas em
circulação dentro da nação.

Na maior parte dos casos a colonização se deu por intermédio das grandes
propriedades, utilizando-se de mão de obra escrava. A estrutura do sistema
colonialista buscava uma relação bastante clara: a colônia deveria fornecer
matéria-prima à metrópole e, ainda, gerar um mercado consumidor,
colaborando assim para uma balança comercial favorável.

Por sua vez, os povos colonizados tiveram que aceitar a autoridade do


Estado colonizador, pacificamente ou não. Nesse sentido, os países católicos
possuíam uma forte aliada: a Igreja, que tratava de impor efetivamente

15
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

preceitos e sucessivamente os do Estado. Porém, até mesmo a relação


Estado–Igreja foi abalada em determinado momento.

1.1 A América Portuguesa


Foram os portugueses os pioneiros nas grandes navegações e sucessivamente
na colonização da América. Foram, ainda, os primeiros a transferir recursos
humanos e financeiros da Europa para uma colônia, com o intuito de torná-la
rentável. Inicialmente, o atrativo encontrado pelos lusos foi a comercialização
do pau-brasil, que utilizou o escambo (troca sem uso de dinheiro) e a mão de
obra indígena. Para isso foram instaladas na costa brasileira as feitorias, lugares
que funcionavam como depósito da madeira que seria enviada parte para
Portugal e parte negociada pelos participantes do consórcio de exploração.

A madeira não despertou o interesse somente de portugueses. Franceses


também vieram atrás do pau-brasil, pois toda a Europa importava esta matéria-
prima do Oriente. Portugueses e franceses se associaram às diferentes tribos
indígenas, que já possuíam relações conflituosas entre si. Os franceses se
valeram desses conflitos para estabelecer concorrência com Portugal. Em
função do novo cenário, Portugal sentiu a necessidade de povoar as terras
brasileiras, para que fosse garantida sua posse:

[...] O Brasil foi arrendado por três anos a um consórcio de


comerciantes de Lisboa, liderado pelo cristão-novo Fernão de
Noronha ou Noronha, que recebeu o monopólio comercial, obrigando-
se em troca, ao que parece, a enviar seis navios a cada ano para
explorar trezentas léguas (cerca de 2 mil quilômetros) da costa e
construir uma feitoria [...]. (FAUSTO, 2003).

Foi no ano de 1530 que se deu a efetiva ocupação da colônia, por meio da
implantação do sistema de capitanias hereditárias, já utilizado pelos
portugueses, com êxito, nas ilhas da Madeira e dos Açores (costa africana).
Nesse momento, o Brasil foi dividido em quatorze ou quinze capitanias
hereditárias (a própria historiografia é divergente quanto ao número exato).
Essas faixas de terras foram concedidas a donatários, que, por sua vez,
poderiam distribuir terras aos colonos – as chamadas sesmarias1. Primeiramente
foram doadas as terras e tudo que nelas contivesse; em um segundo momento
os donatários foram obrigados a pagar em impostos. Era dever dos donatários
povoar e desenvolver o território, o que necessitava de investimento. Alguns

1 Por meio da Carta de Doação, o Donatário tinha o direito de distribuir terras para a produção
agrícola, aos colonos que viessem a se estabelecer na sua Capitania. (ARRUDA; PILETTI, 2007).

16
Capítulo 1 – Colonização: a partilha das Américas

donatários sequer chegaram ao Brasil para tomar posse da terra, outros tantos
não tiveram sucesso. O destaque ficou por conta da capitania de Pernambuco
- uma das poucas que obteve sucesso e desenvolvimento econômico.

Já na terceira fase da colonização, foi criado o Governo-Geral2. As pretensões da


Coroa portuguesa pouco tinham mudado: o povoamento era ainda seu objetivo
principal, porém, centralizando a política e a administração das capitanias que
agora passavam para as mãos reais3. Foram criados cargos administrativos nos
setores: jurídico, de defesa e de finanças, superiores aos donatários. A capitania
da Bahia foi a primeira capitania real escolhida para ser a sede do Governo-Geral.

Mapa das Capitanias Hereditárias

Fonte: ARRUDA; PILETTI, 2007.

2 Diante do fracasso do sistema de capitanias, foi criado em 1548 o Governo-Geral no Brasil. O


Governo-Geral tinha como objetivo a centralização política e administrativa, sem abolir o sistema
de capitanias. (ARRUDA; PILETTI, 2007).

3 Haveria, por certo, um novo incentivo para o desenvolvimento da atividade econômica e um


controle maior sobre o território colonial português no Brasil. (ARRUDA; PILETTI, 2007).

17
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Tomé de Souza tornou-se o primeiro governador-geral. Esse foi o momento


da chegada dos jesuítas ao território brasileiro e o início da catequização do
indígena, projeto que teve continuidade nos outros governos. Jesuítas e o
próprio Governo-Geral entraram em conflito direto com os donatários, em
função da mão de obra indígena utilizada no período. A aceitação do governo
não foi total. Alguns donatários questionaram as modificações, alegando
que vinham de encontro aos acordos anteriormente firmados (capitanias
hereditárias).

Uma colônia de exploração, sem comercialização interna, nem comunicação


eficaz entre as capitanias. Este é o retrato do Brasil no século XVI, o que
dificultou a efetiva centralização de poder, que na prática estava nas mãos
dos componentes das Câmaras Municipais (em torno de três cargos de
vereador ocupados pela elite local). Na tentativa de sanar as dificuldades
encontradas para centralizar o poder nas mãos da Coroa, o poder da
metrópole dividiu o território brasileiro em dois Governos-Gerais: o do Norte
e o do Sul, o que também não deu certo, havendo o retorno ao modelo
anterior.

1.2 A América Espanhola


Foi com a exploração colonial que os espanhóis se tornaram uma potência
europeia no século XVI. A mineração foi a principal fonte de rentabilidade
das colônias espanholas, que praticaram fortemente o “exclusivo comercial”,
obrigando os colonos a negociarem somente com a metrópole.

A organização político-administrativa e territorial da América espanhola deu-


se com a divisão de suas terras em vice-reinos e capitanias-gerais. Foram os
Vice-Reinos do Rio da Prata, Nova Granada, Peru e Nova Espanha, e as
capitanias do Chile, Cuba, Flórida, Guatemala e Venezuela.

No caso espanhol, a Igreja Católica também procedeu à catequização do


indígena em dois vice-reinos, o que não aconteceu com colônias portuguesas.
Podemos entender a Igreja Católica como legitimadora do poder do Estado,
atribuindo a ele, inclusive, o poder divino (não podemos esquecer que
estávamos vivendo o absolutismo na Europa). As ações dos reis católicos
Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão, fossem quais fossem, foram
justificadas pela Igreja. Porém, a busca de enriquecimento rápido do Estado
espanhol se contrapunha ao discurso católico, o que posteriormente provocou
desacordo entre ambos.

18
Capítulo 1 – Colonização: a partilha das Américas

Mapa da América Espanhola

Fonte: ARRUDA; PILETTI, 2007.

As primeiras tentativas de explorar as colônias foram por meio de troca com


os habitantes locais. Em um segundo momento a escravidão chegou a ser
praticada, porém não teve boa aceitação por parte dos espanhóis. Outras
motivações políticas, religiosas e principalmente administrativas da colônia
fizeram os reis logo tratarem de suspender o tráfico de escravos e declarar
que colonos americanos eram livres. Visualizamos no mapa anterior a
composição da América espanhola (ARRUDA; PILETTI, 2007). O intuito da
Coroa era não permitir que colonos aqui instalados construíssem um grande
poder local.

Os regimes de trabalho aplicados a partir de então assumiram diversas formas


e nomes, porém ficaram evidentes as semelhanças com o escravismo, que
minimamente podemos chamar de trabalho compulsório. Como o objetivo
espanhol era extrair o máximo de riqueza das terras americanas no menor
tempo possível, continuava a valer-se da escravidão agora indígena como

19
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

fonte de mão de obra, muito parecida com a escravidão africana. Porém,


aqui, esta forma de trabalho recebeu o nome de encomienda (que poderia
ser de trabalho ou de tributos). Os colonos podiam explorar os indígenas
(certo número por colono) e tinham por obrigação convertê-los ao
cristianismo.

Outra forma de trabalho foi o repartimiento, no qual determinado número


de nativos era distribuído para os funcionários reais, com o intuito de aumentar
seus rendimentos. Posteriormente surgiu a mita, que consistia em uma
rotatividade de trabalhadores, surgida quando foram descobertas as minas
de metais preciosos em colônias espanholas (nas regiões atuais do México
e do Peru). Nesse novo regime de trabalho, os nativos trabalhavam - ou
pelo menos deveriam trabalhar - uma semana e descansar duas. Na prática
não era exatamente o que ocorria. Esse regime levou à morte grande número
de indígenas. Ainda em função da descoberta de minas, surgiria outra forma
de trabalho: o cuatequil, em princípio muito semelhante à mita.

Decorrente da falta de atenção ao setor, a América espanhola sofreu


diretamente com a crise de abastecimento de alimentos, fato que também
ocorria na Europa. Os colonizadores preocupavam-se apenas com metais e
deixaram o campo abandonado à própria sorte. O indígena era retirado da
terra produtiva para trabalhar nos regimes forçados destinados ao
enriquecimento do Estado, o que colaborou para o agravamento do problema,
associado ao crescente número de espanhóis que migravam para região.
Posteriormente, os mineradores visualizaram na agricultura um negócio
rentável e a ela se voltaram.

2. A Colonização da América do Norte


A colonização inglesa, parte da “colonização tardia”, como são conhecidas
aquelas que se deram depois da portuguesa e da espanhola, teve início em
meados do século XVII. Os ingleses detiveram-se na América do Norte, que,
por sua vez, foi dividida em três regiões: as colônias inglesas do Sul, as do
Centro e as do Norte.

Os colonos ingleses que povoaram a região não vieram em missão de


converter ou catequizar como portugueses e espanhóis. A tolerância religiosa
(quando a religião era cristã) era preceito na Nova Inglaterra. Não poderia
ser diferente, visto a perseguição praticada por adeptos da Igreja Anglicana
às demais religiões. Este foi um dos fatores que determinou a transferência
de parte da população inglesa para a América do Norte.

20
Capítulo 1 – Colonização: a partilha das Américas

Aqueles que se estabeleceram na região pretendiam permanecer e não apenas


lucrar com as atividades que a colônia pudesse desenvolver. Desenvolveram
uma colônia de povoamento. A Inglaterra não praticava o “exclusivo
comercial”, o que já a diferençava dos demais modelos colonizadores. Os
colonos que se instalaram na região podiam comercializar com outros países.

De grande relevância no que diz respeito à população que se estabeleceu


nas colônias do norte foi o perfil e a motivação dos colonos. Além dos
conflitos religiosos, questões políticas e econômicas, vividas durante o
período na Europa, contribuíram para a vinda de ingleses. Aqueles que
quisessem vir para a América e não dispusessem de condições poderiam
receber passagens e o que fosse necessário, mediante trabalho por
determinado período de tempo. Na época a “Nova Inglaterra”, como era
conhecida a região, estava dividida em treze colônias.

As colônias enfrentaram grandes conflitos. As diferentes tribos indígenas


(que se apresentavam em grande número) se uniram para resistir à dominação
inglesa. Porém, quando houve interesses ingleses em jogo, a união com as
tribos indígenas chegou a ocorrer: como foi o caso da Guerra dos Sete
Anos (1756-1763)4, em que os indígenas defenderam o território inglês dos
ataques franceses.

Às colônias do sul foram aplicadas medidas semelhantes àquelas das colônias


portuguesas. Dedicaram-se à monocultura, destinada à exportação, valendo-
se do trabalho escravo africano. Nesse momento, a compra de africanos
para trabalhar em lavoura já estava consolidada pelos demais impérios
coloniais: Espanha e Portugal.

Já nas colônias do norte, onde o solo não era apropriado para o mesmo tipo
de cultivo, a colônia não poderia atender aos interesses da metrópole e do
sistema mercantilista. Nesse caso, a produtividade ficou por conta do
“trabalho livre” familiar, ou, no máximo, uma servidão temporária. Os colonos
desenvolveram a policultura, o comércio e a atividade pesqueira. Aqueles
que pagavam impostos tinham direito ao voto, e a decisões eram tomadas
de acordo com os interesses da maioria.

4 A mais importante das Guerras dos Déspotas no século XVIII, na Europa, antepondo, de um
lado, França, Espanha, Áustria e Rússia e do outro, Inglaterra e Prússia. (BURNS, Edward
Macnall. História da civilização ocidental. Porto Alegre: Globo, 1970. p. 540).

21
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

3. A França nas Américas


O Tratado de Tordesilhas5, assinado entre Portugal e Espanha, foi de
encontro aos interesses das demais nações europeias que se lançaram ao
expansionismo tardiamente. O primeiro país a ignorar a divisão do mundo
entre portugueses e espanhóis foi a França.

Uma das primeiras investidas francesas se deu com o intuito de fundar a


Nova França, no território do atual Canadá. Para a região foram enviados
trabalhadores do campo, que terminou por tornar-se a principal atividade
comercial lucrativa desenvolvida na região. A política do novo império
colonial não divergiu muito das adotadas pelas principais potências.
Buscaram povoar a colônia, enviaram católicos e desenvolveram aquilo que
seria mais lucrativo à metrópole.

A grande diferença da política adotada para com a colônia ficou por conta
de quem era enviado para povoar a Nova França: somente nobres franceses.
A ideia era construir uma sociedade colonial igual à da metrópole. O sucesso
de povoamento permitiu aos franceses ampliar seu território na América do
Norte, anexando a região chamada de Luisiana. A ampliação do território
francês foi contida pelos ingleses também presentes na região. O próprio
modelo de colonização no qual somente os nobres tinham seus interesses
atendidos propiciou as condições para que não perdurasse o sucesso colonial
francês.

Os olhos franceses também se voltaram para o território brasileiro. Foi durante


o Governo-Geral de Duarte da Costa que os franceses tentaram estabelecer
a “França Antártica” no Rio de Janeiro. Até então as ações francesas na
região ficavam por conta da pirataria. Em decorrência dos conflitos religiosos
(católicos x protestantes) que ocorreram na França, no século XVI, houve a
invasão efetiva dos franceses às terras portuguesas. O interesse francês
pelas terras brasileiras já havia sido evidenciado em relação à extração de
produtos, porém a tentativa de tomada de terras ocorreu no atual estado
do Rio de Janeiro, onde fundaram a França Antártica, com apoio de grupos
indígenas. Porém, o sucesso da empreitada francesa não durou muito. Os

5 Os países ibéricos entraram em confronto por causa das fronteiras ultramarinas, cada qual
defendendo a porção do globo conquistada. Para resolver a contenda, apelaram ao papa. Em
1494, logo após a viagem de Colombo (1492) e, portanto, antes da chegada dos portugueses
ao Brasil, D. João II (rei de Portugal) e Fernando e Isabel (soberanos espanhóis) assinaram o
Tratado de Tordesilhas. Tomando por base o meridiano que passava a 370 léguas a Oeste das
ilhas de Cabo verde, ficou estabelecido que os domínios por tugueses eram aqueles situados
a Leste dessa linha, cabendo aos espanhóis as áreas situadas a Oeste. (KOSHIBA, Luiz; PEREIRA,
Denise Manzi Frayze. História do Brasil no contexto da história ocidental. 8. ed. São Paulo:
Atual, 2003. 602p.).

22
Capítulo 1 – Colonização: a partilha das Américas

portugueses conseguiram definitivamente expulsá-los da região no Governo-


Geral seguinte, o de Mem de Sá.

À outra tentativa de fundar uma colônia em terras portuguesas foi dado o


nome de “França Equinocial”. Os franceses fundaram um forte com o nome
de São Luís, no atual estado do Maranhão, faixa de terra brasileira sem
efetiva ocupação portuguesa. A região era habitada pelos Tupinambás que
tiveram sua simpatia conquistada pelos franceses. O local era estratégico.
Os franceses foram combatidos por portugueses e espanhóis, que se uniram
para impedir a quebra de Tordesilhas.

Referências
ARRUDA, José Jobson de A.; PILETTI, Nelson. Toda a História: História
Geral e História do Brasil. 13. ed. São Paulo: Ática, 2007.

BURNS, Edward Macnall. História da civilização ocidental. Porto Alegre:


Globo, 1970.

CROUZET, Maurice. A América portuguesa. In:____________. História Geral


das civilizações: o século XVIII – o último século do antigo regime. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. v. 11.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. 11. ed. São Paulo: EDUSP, 2003.

KOSHIBA, Luiz; PEREIRA, Denise Manzi Frayze. Américas: uma introdução


histórica. 2. ed. São Paulo: Atual, 1992.

_______. História do Brasil no contexto da história ocidental. 8. ed. São


Paulo: Atual, 2003.

23
CAPÍTULO 2

Brasil Colônia (1530-1808)

1. A Ocupação Efetiva da Colônia e o Empreendimento


Canavieiro
A primeira região brasileira a ser efetivamente colonizada e,
consequentemente, urbanizada, foi o litoral do Nordeste. No princípio, a
região Sul era uma área mais periférica, por não participar ativamente da
economia agroexportadora. A cidade de Salvador foi capital da colônia e
sua principal metrópole até 1763.

A principal atividade econômica foi o empreendimento canavieiro. No século


XV o açúcar era uma especiaria muito utilizada na Europa como remédio ou
condimento exótico. Ao longo do século XVI foi se tornando um produto
bastante consumido e apreciado pela aristocracia, mas acabou por se
transformar em um artigo de consumo de massa.

O açúcar já era produzido nas ilhas portuguesas do Atlântico (Açores e


Madeira). Tendo em vista a alta lucratividade dos negócios, juntando-se às
intenções da Coroa de colonizar efetivamente suas terras no novo continente,
resolveu Portugal incentivar a produção do açúcar, especialmente na capitania
da Bahia, que andava até então abandonada. O Governo Geral concedeu,
inclusive, isenção de impostos para os produtores.

Em 1532 Martim Afonso de Souza trouxe em sua expedição mudas de cana


e, a partir daí, foram constituídos engenhos produtores de açúcar em todas
as capitanias, de São Vicente a Pernambuco. No entanto, os principais
engenhos de açúcar situavam-se nas capitanias da Bahia e de Pernambuco,
devido às condições naturais favoráveis (solo e regime de chuvas adequado),
mas também por fatores políticos e econômicos. Salvador e Recife tornaram-
se importantes portos, na medida em que havia certa facilidade no
escoamento da produção (FAUSTO, 2003, p. 78).

25
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Os engenhos eram formados pela plantação da cana e pelo equipamento


necessário para sua transformação e beneficiamento do açúcar, além da
casa-grande e da senzala. O processamento da cana era um procedimento
complexo que contava com várias etapas. Começava pela moenda da cana,
até chegar à produção do açúcar propriamente dito.

A instalação e o funcionamento de um engenho eram custosos e dependiam


da obtenção de créditos. No princípio do século XVI os financiadores eram
basicamente investidores estrangeiros ou da própria metrópole.
Posteriormente, instituições religiosas e beneficentes, além de comerciantes,
começaram a investir no empreendimento, oferecendo empréstimos a juros
aos produtores.

No que tange à estrutura social, os engenhos eram constituídos basicamente


pelos senhores e seus escravos – oposição essa representada pela “casa-
grande” e pela “senzala”. No entanto, é necessário lembrar que até 1560 a
mão de obra utilizada era a indígena. A transição para a africana ocorreu a
partir do aumento da produção canavieira e do recrudescimento do tráfico
escravo. Os escravos, independentemente da época, sempre tiveram péssimas
condições de trabalho.

Já os senhores de engenho normalmente provinham de famílias de origem


nobre, imigrantes com posses, comerciantes ou funcionários de altos cargos
da administração portuguesa. Com o tempo, os donos de engenhos foram
formando uma classe homogênea e promovendo, inclusive, casamentos
entre famílias.

Entre estes dois polos, senhores e escravos, havia os homens livres,


trabalhadores brancos (por exemplo, plantadores de cana independentes,
sem recursos para estabelecer um engenho, e também artesãos, ferreiros,
serralheiros etc.) e ex-escravos libertos.

O açúcar foi o principal produto da economia agroexportadora da colônia


portuguesa na América até os anos de 1620. Durante esse período, o negócio
se expandiu devido ao crescimento da demanda pelo produto na Europa e a
ausência de concorrência. Com as invasões holandesas no Nordeste e a
Guerra dos Trinta Anos na Europa, a produção açucareira foi prejudicada.
Além disso, a partir da década de 1630, o açúcar da América portuguesa
teve de enfrentar a concorrência da produção nas Antilhas.

Apesar do declínio da importância do açúcar ser comumente associado


com a descoberta do ouro, é preciso fazer a ressalva de que a exploração

26
Capítulo 2 – Brasil Colônia (1530-1808)

das minas no século XVIII não significou o fim da produção de açúcar, que
continuou a ser um produto relevante para a economia exportadora.

Por fim, cabe ressaltar que a economia da colônia – e mesmo da região


Nordeste – não se resumia apenas à produção do açúcar. Segundo Fausto
(2003, p. 83):

Do ponto de vista econômico e social, o Nordeste colonial não foi


só açúcar, até porque o próprio açúcar gerou uma diversificação
de atividades, dentro de certos limites. A tendência à
especialização no cultivo da cana trouxe como consequência uma
contínua escassez de alimentos, incentivando a produção de
gêneros alimentícios, especialmente da mandioca. A criação de
gado esteve também em parte vinculada às necessidades da
economia açucareira. Houve ainda outras atividades, como a
extração da madeira e o cultivo do fumo.

2. O Trabalho Compulsório: a escravidão indígena e o tráfico


negreiro
Em toda a América colonial, o trabalho compulsório foi utilizado em larga
escala. No entanto, enquanto na espanhola diferentes formas foram
utilizadas, na portuguesa predominou a mão de obra escrava.

Conforme foi mencionado anteriormente, houve uma passagem da escravidão


indígena para a africana.

Essa passagem foi menos demorada no núcleo central e mais


rentável da empresa mercantil, ou seja, na economia açucareira,
em condições de absorver o preço da compra do escravo negro,
bem mais elevado do que o do índio. Custou a ser feita nas regiões
periféricas, como é o caso de São Paulo, que só no início do
século XVIII, com a descoberta das minas de ouro, passou a
receber escravos negros em número regular e considerável.
(FAUSTO, 2003, p. 49).

Desde o início da colonização, os indígenas foram submetidos à escravização


e à catequese, por meio das ordens missionárias – dentre as quais se destacou
a ordem jesuítica. Os indígenas resistiram à sujeição por meio da guerra, da
fuga ou mesmo pela simples recusa ao trabalho compulsório. Tinham

27
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

melhores condições de resistir do que os africanos, por conhecerem bem o


território, de modo a facilitar fugas. Outro fator que contribuiu para o
abandono da escravidão indígena foi o genocídio. Milhares de índios
morreram vítimas de doenças trazidas pelos brancos ou em conflitos, dada
a superioridade bélica dos europeus.

Não por acaso, a partir da década de 1570 incentivou-se a


importação de africanos, e a Coroa começou a tomar medidas
através de várias leis, para tentar impedir o morticínio e a
escravização desenfreada dos índios. As leis continham ressalvas
e eram burladas com facilidade. Escravizavam-se índios em
decorrência de ‘guerras justas’, isto é, guerras consideradas
defensivas, ou como punição pela prática da antropofagia. Só
em 1758 a Coroa determinou a libertação definitiva dos indígenas
[...]. (FAUSTO, 2003, p. 50).

Os portugueses já praticavam o tráfico de escravos africanos desde o século


XV e utilizavam sua mão de obra na produção açucareira das possessões
insulares portuguesas no Atlântico. Sabiam, portanto, que se tratava de
um negócio rentável. Os africanos que foram trazidos para o Brasil como
escravos vieram de lugares variados da África, dependendo da organização
do esquema do tráfico. Durante o século XVI vieram africanos primordialmente
da Guiné (Bissau e Cacheu) e da Costa da Mina. Já ao longo do século
XVII, foram trazidos negros bantos, das regiões do Congo e de Angola.

Na América portuguesa, os principais centros importadores foram as cidades


de Salvador e do Rio de Janeiro:

Os traficantes baianos utilizaram-se de uma valiosa moeda de


troca no litoral africano, o fumo produzido no Recôncavo.
Estiveram sempre mais ligados à Costa da Mina, à Guiné e ao
Golfo do Benin, neste último caso após meados de 1770, quando
o tráfico da Mina declinou. O Rio de Janeiro recebeu sobretudo
escravos de Angola, superando a Bahia com a descoberta das
minas de ouro, o avanço da economia açucareira e o grande
crescimento urbano da capital, sobretudo a partir do início do
século XIX. (FAUSTO, 2003, p. 51-52).

É importante ressaltar que os negros apresentaram uma resistência cotidiana


à escravidão, além das constantes fugas e, algumas vezes, até mesmo

28
Capítulo 2 – Brasil Colônia (1530-1808)

agressões contra os senhores. A existência dos quilombos - “[...]


aglomerações de escravos fugidos, uma verdadeira reação cultural contra o
tipo de vida que o português lhes impunha no Brasil” (FROTA, 2000, p. 80)
- é a prova disso, sendo o mais importante e conhecido deles o quilombo
dos Palmares, formado no início do século XVII. Os quilombolas de Palmares
resistiram por quase um século aos ataques dos portugueses, mas acabaram
por sucumbir em 1695, em vista das ações perpetradas pelo bandeirante
Domingos Jorge Velho.

Apesar das inúmeras tentativas, com certeza os africanos tinham


possibilidades mais limitadas de resistência do que os indígenas, considerando
que eram “desenraizados de seu meio, separados arbitrariamente, lançados
em levas sucessivas em território estranho” (FAUSTO, 2003, p. 52). Além
disso, nem a Igreja Católica, nem a Coroa portuguesa se opuseram à
escravidão africana. A legislação então vigente também não oferecia a
proteção necessária aos escravos.

3. O Brasil Submisso à União Ibérica (1580-1640)


O fim da dinastia de Avis em Portugal iniciou uma crise sucessória que
resultou na transferência do trono português à Coroa espanhola. Em virtude
do domínio espanhol, houve uma série de consequências para a colônia
portuguesa na América. Devido ao conflito entre Espanha e os Países Baixos
(especificamente a Holanda), o relacionamento desses Países Baixos com
Portugal ficou comprometido.

Entre os anos de 1609 e 1621, por causa da Trégua dos Doze Anos entre
Espanha e Holanda, não houve conflitos. Contudo, no período em que
terminou a trégua, foi criada a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais.
Tal empresa, que contava com capital do Estado e de particulares, teve
como objetivo ocupar as regiões de produção açucareira na América
portuguesa e controlar o comércio de escravos no Atlântico. Como afirma
Boris Fausto (2003, p. 84):

As invasões holandesas que ocorreram no século XVII foram o


maior conflito político-militar da Colônia. Embora concentradas
no Nordeste, elas não se resumiram a um simples episódio
regional. Ao contrário, fizeram parte do quadro das relações
internacionais entre os países europeus, revelando a dimensão
da luta pelo controle do açúcar e das fontes de suprimento de
escravos.

29
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Contra as invasões holandesas resistiram não apenas os portugueses, mas


também a gente da colônia (ainda que não tivessem uma identidade
autônoma em relação à metrópole). Representou grande esforço militar e
financeiro por parte da Coroa e dos colonos envolvidos.

A história da ocupação holandesa no Brasil começou com a invasão de


Salvador, capitania da Bahia, em 1624, onde os holandeses permaneceram
por um ano, rendendo-se após grandes enfrentamentos locais, e posterior
cerco realizado por mar, com uma esquadra luso-espanhola, em 1625.

Em 1630 houve nova invasão, desta vez em Pernambuco, com a conquista


das cidades de Olinda e Recife. Por sete anos holandeses e pernambucanos
se enfrentaram e a predominância militar holandesa confirmou a conquista.
De 1637 a 1644 Pernambuco foi governada pelo príncipe holandês Maurício
de Nassau, que estabeleceu importantes iniciativas políticas e administrativas.
Nassau favoreceu a vinda de artistas e naturalistas para Pernambuco e
conseguiu manter durante seu governo um período de relativa paz. No
entanto, em 1644 foi obrigado a retornar à Europa, por causa de desavenças
com a Companhia das Índias Ocidentais.

Com a volta de Nassau à Europa, Pernambuco viveu novo período de guerra, no


qual se destacaram as Batalhas de Guararapes (1648 e 1649), campanha militar
que teve como consequência a derrota holandesa. Diversos fatores contribuíram
para a derrota holandesa: a Companhia das Índias Ocidentais entrou em crise,
cresceram entre os holandeses os partidários da paz com Portugal, e a guerra
entre Holanda e Inglaterra (1652) tornou escassos os recursos para investidas
militares no Brasil. No entanto, os conflitos em Pernambuco só cessaram em
1654, com a reconquista da região por parte dos portugueses.

Os recursos levantados localmente para a guerra no Nordeste


representaram dois terços dos gastos, na fase de resistência, e a
quase totalidade, na luta de reconquista. Da mesma forma,
enquanto na primeira fase da guerra, tropas formadas por
portugueses, castelhanos e mercenários napolitanos foram
amplamente majoritárias, na segunda fase, soldados da terra e,
mais ainda, gente de Pernambuco tiveram superioridade numérica.
A mesma coisa ocorreu com relação ao comando militar. Foram
esses homens os principais responsáveis pela tática de guerra
volante, a “guerra do Brasil”, de que resultaram vitórias decisivas
sobre os holandeses, em oposição à “guerra da Europa” do tipo
tradicional. (FAUSTO, 2003 p. 88).

30
Capítulo 2 – Brasil Colônia (1530-1808)

A luta contra os holandeses incentivou o nativismo pernambucano e a


região assistiu a inúmeras revoltas e manifestações de autonomia em relação
à metrópole portuguesa. “O nativismo de Pernambuco teve conteúdos
variados, ao longo dos anos, de acordo com as situações históricas específicas
e os grupos sociais envolvidos, mas manteve-se como referência básica no
imaginário pernambucano”. (FAUSTO, 2003, p. 89).

As invasões holandesas demonstraram bem a relação entre a produção


açucareira e o tráfico de escravos. Afinal, enquanto controlaram a indústria
açucareira no Nordeste, os holandeses tiveram também o controle do tráfico
de escravos na África. Houve, inclusive, frentes de combate também nas
colônias portuguesas na África, com a ocupação de São Paulo de Luanda e
Benguela, em Angola (1641). Os portugueses retomaram a região em 1648,
com uma expedição saída do Brasil, comandada por Salvador Correia de Sá.

O fim da União Ibérica, a partir da ascensão de D. João IV ao trono português


em 1680, não significou o fim do conflito entre Portugal e Holanda, pois
durante aqueles anos as relações entre os dois países haviam se transformado,
tendo em vista a ocupação holandesa em uma parte do território português
na América.

4. A Expansão da Ocupação Portuguesa para além do Tratado


de Tordesilhas
Se no início da colonização os portugueses se limitaram a ocupar apenas o
espaço litorâneo do território e defendê-lo da ocupação estrangeira,
posteriormente, ainda no século XVI, com o intuito de buscar metais
preciosos, organizaram “entradas” para o interior. Muitas vezes, no entanto,
não encontravam as riquezas que buscavam, mas aproveitavam a empreitada
para aprisionar indígenas que eram vendidos como escravos. Estas entradas
ficaram conhecidas como “Tropas de Resgate”. (FROTA, 2000, p. 64).

A partir de 1580 (início da União Ibérica), as entradas se tornaram mais


intensas e despreocupadas com os limites definidos pelo Tratado de
Tordesilhas. Desta forma, os portugueses chegaram até a região do
Amazonas, ao norte, e do Rio da Prata, ao sul. Além disso, os portugueses
aumentaram o território por eles conquistado com a expulsão dos franceses,
ampliando as terras utilizadas pelos engenhos de açúcar e para a criação de
gado.

As “bandeiras” eram expedições organizadas por colonos e formadas também


por indígenas e mestiços com o objetivo de encontrar na porção de terras da

31
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

América portuguesa metais preciosos, considerando que os espanhóis haviam


encontrado ouro e prata em suas terras. As bandeiras foram organizadas
fundamentalmente por paulistas. Organizaram-se segundo o modelo de disciplina
militar e não costumavam respeitar a fronteira imposta por Tordesilhas.

Também as bandeiras paulistas não tiveram o resultado esperado em um


primeiro momento e dedicaram-se a aprisionar indígenas para serem vendidos
como escravos. Essas expedições ficaram conhecidas como “bandeirantismo
de apresamento” e tiveram seu apogeu no século XVII, no período em que
os holandeses controlavam o fornecimento de escravos na costa africana e
ocupavam o nordeste brasileiro, tendo em vista que as outras regiões da
colônia portuguesa, não dominadas pelos flamengos, ficaram carentes de
mão de obra.

Apesar de ter sido o bandeirismo destrutivo em seu início, agindo


mais em extensão do que em profundidade, ele permitiu a
descoberta do ouro, o que ocasionou uma corrida para o interior.
Este, antes despovoado, coloriu-se de uma multidão que se
despencou da costa e de além-mar na ânsia de enriquecimento
fácil, provocando o alargamento político do território, mas também
o abandono das fazendas de açúcar, atingindo especialmente o
Nordeste. (FROTA, 2000, p. 76).

O avanço das fronteiras no sul da colônia esbarrou em uma série de conflitos


com os espanhóis, principalmente com o movimento paraguaio, que avançava
em direção ao mar. A região do Rio da Prata foi o alvo principal das disputas
(vista como possibilidade de fronteira natural da colonização portuguesa),
palco de um embate bélico sangrento e origem de uma série de atos e
documentos que tentaram garantir o domínio português sobre o território.

Um último aspecto do bandeirantismo, ocorrido principalmente na segunda


metade do século XVII (FROTA, 2000, p. 79-80), foi o “sertanismo de
contrato” 6. Alguns dos bandeirantes que não conseguiram encontrar grandes
riquezas, mas eram hábeis na prática de palmilhar o interior, foram
contratados pela administração para realizar buscas a escravos fugidos,
destruir quilombos, e combater indígenas.

6 Um dos aspectos do bandeirantismo ganhou o nome de sertanismo de contrato, em razão de


diversos bandeirantes, não muito felizes no encontro de riquezas, mas adestrados na prática
de palmilhar o interior, se colocavam a serviço da administração, quer para combater indígenas,
quer para desfazer quilombos de escravos fugidos. Ocorreu, principalmente, na segunda metade
do século XVII. (FROTA, 2000).

32
Capítulo 2 – Brasil Colônia (1530-1808)

5. A Descoberta do Ouro: um novo ciclo econômico


Desde o início da ocupação portuguesa nas Américas, a busca por ouro foi
constante na América portuguesa, já que metais preciosos foram encontrados
em abundância na América espanhola. Os paulistas, em suas andanças pelo
sertão, finalmente encontraram ouro em fins do século XVII. Também foram
descobertos diamantes, mas sua importância econômica foi menor.

A exploração de metais representou uma grande mudança, tanto na colônia


quanto na metrópole. A corrida pelo ouro provocou a primeira grande corrente
migratória para o Brasil, durante os primeiros sessenta anos do século XVIII.
Pessoas das mais diversas origens vieram para o Brasil em busca do circuito
do ouro. Comerciantes, pequenos proprietários, padres, prostitutas e
aventureiros, todos buscaram enriquecer com o metal aqui descoberto. De
Portugal e das ilhas do Atlântico chegaram, por ano, cerca de dez mil pessoas.

A descoberta do metal precioso aliviou momentaneamente os problemas


financeiros de Portugal. Na virada do século XVIII, a dependência lusa com
relação à Inglaterra era um fato consumado. Para ficar em um exemplo
apenas, o Tratado de Methuen, firmado pelos dois países em 1703, indicava
a diferença entre um Portugal agrícola, de um lado, e uma Inglaterra em
pleno processo de industrialização, de outro. Portugal obrigou-se a permitir
a livre entrada de tecidos ingleses de lã e algodão em seu território, enquanto
a Inglaterra comprometeu-se a tributar os vinhos portugueses importados
com redução de um terço do imposto pago por vinhos de outras procedências.
É bom lembrar que a comercialização do vinho do Porto estava nas mãos
dos próprios ingleses.

Durante muitos anos, o desequilíbrio da balança comercial entre Portugal e


Espanha, causado por essa política, foi compensado com o ouro vindo do
Brasil (FROTA, 2000, p. 98-99).

O ouro também trouxe mudanças na colônia. Aos poucos, o eixo do Nordeste


foi perdendo importância, e a proximidade das minas fez com que o Centro-
Sul se tornasse o local privilegiado do comércio com a metrópole. O porto
do Rio de Janeiro, de onde vinham escravos e suprimentos e escoava o
ouro, cresceu e a cidade tornou-se a capital da colônia, em 1763.

Com a exploração de ouro e diamantes, aumentou a necessidade da metrópole


de controlar o ouro que era comercializado fora de seus domínios. Foram criados
os impostos do quinto – a quinta parte de todos os metais extraídos pertencia
ao rei – e a capitação – imposto cobrado dos mineradores por cabeça de escravo.

33
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

O grande desequilíbrio criado pelo protagonismo da região Centro-Sul


preocupou as autoridades que tomaram algumas providências no sentido
de diminuir o desequilíbrio entre a região das minas e o resto da colônia.

Arrecadar impostos e organizar a sociedade das minas foram os


dois objetivos básicos da administração portuguesa, relacionados
aliás entre si. Para isso, era necessário estabelecer normas,
transformar acampamentos de garimpeiros em núcleos urbanos,
criar um aparelho burocrático com diferentes funções. (FROTA,
2000, p. 101).

O processo migratório causado pela busca do ouro foi responsável por mais
do que o simples aumento de número de portugueses e pessoas de diferentes
classes no Brasil. Foi criada uma máquina burocrática em torno desse
comércio que constituiu uma sociedade diferenciada organizada e formada
não só de mineradores, mas de negociantes, advogados, padres, fazendeiros,
artesãos, burocratas e militares. “Muitas dessas figuras tinham seus interesses
estreitamente vinculados à Colônia e não por acaso ocorreu em Minas uma
série de revoltas e conspirações contra as autoridades coloniais.” (FROTA,
2000, p. 102).

Apesar da intensidade do comércio e da importância que teve na construção


da sociedade da América portuguesa, o ciclo do ouro já não tinha muita
força no início do século XIX. O período do apogeu, entre os anos de 1733
e 1748, foi encerrado devido, principalmente, à queda na produção e à
dificuldade de alcançar novas grandes jazidas.

6. Revoltas Nativistas

No final do século XVII, o Brasil começou a entrar numa fase de


profundas transformações. Reinóis, nativos e escravos (habitantes
da colônia, sob a administração da coroa portuguesa)
amalgamavam-se nas duras tarefas de conquistar a terra, de
domesticar o gentio (índios) e, sobretudo, expulsar invasores.
Formava-se lentamente a argamassa do povo brasileiro,
provocando movimentos sediciosos ainda inconsistentes e de fundo
nitidamente econômico, uma reação contra o fiscalismo
exagerado. A amplitude territorial e a heterogeneidade da
população não permitiram a presença de movimentos amplos e
sim regionais. (FROTA, 2000, p. 205).

34
Capítulo 2 – Brasil Colônia (1530-1808)

6.1 Revolta de Beckman (1684)


O Estado do Maranhão foi criado em 1621, englobando as capitanias do
Ceará, do Maranhão e do Grão-Pará. Existia nessa região uma constante
perseguição aos índios para o trabalho na lavoura açucareira, já que os
senhores encontravam dificuldades para conseguir escravos negros, desde
a expulsão dos holandeses de Pernambuco. Os jesuítas, liderados pelo padre
Antônio Vieira, reagiram em defesa dos índios que trabalhavam na colheita
dominada pela ordem religiosa.

Como a exploração de escravos indígenas não trazia lucro para Portugal,


que se beneficiava muito do tráfico negreiro, a metrópole acabou apoiando
a reação dos jesuítas que despertaram ódio nos senhores, exasperados pela
falta de escravos em suas lavouras.

Liderados pelos irmãos Beckman, senhores de engenho da área organizaram-


se numa revolta contra a companhia de comércio da região (responsável
pelo comércio de escravos negros) e contra os jesuítas, que acabaram
expulsos. Mas, mesmo assim, a escravização indígena acabou proibida.

6.2 Guerra dos Emboabas (1708-1709)


A grande migração de pessoas para as áreas de garimpo era uma
preocupação constante da Coroa. Logo no início da atividade em Minas, a
Câmara de São Paulo reivindicou, junto ao rei de Portugal, que somente os
moradores da Vila de São Paulo (responsáveis pela descoberta das jazidas)
tivessem permissão para procurar ouro. Tratava-se, no entanto, de um pedido
impossível, já que muitos se dirigiam à região, não só brasileiros
(principalmente baianos) e portugueses, mas também estrangeiros.

Tal disputa se configurou num conflito civil localizado, que ficou conhecido
como a Guerra dos Emboabas (1708-1709). De um lado, paulistas; do outro,
estrangeiros e baianos. Os paulistas não obtiveram a exclusividade pretendida,
mas conseguiram a criação da capitania de São Paulo e das Minas do Ouro,
separada do Rio de Janeiro (1709), e a elevação da Vila de São Paulo à
categoria de cidade (1711). Minas Gerais se tornou uma capitania separada
somente no ano de 1720.

6.3 Guerra dos Mascates (1710-1711)


Em Pernambuco, a rivalidade entre os decadentes agricultores da vila de
Olinda e os progressistas comerciantes de Recife acabou explodindo em
1710. A dominação holandesa foi responsável por um grande

35
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

desenvolvimento em Recife, que se tornou um movimentado porto. “Mascate”


era como os ricos comerciantes portugueses de Recife eram denominados
pela aristocracia de Olinda. Por solicitação popular, D. João V elevou Recife
à categoria de vila em 19 de novembro de 1709. A partir daí uma discordância
a respeito da delimitação territorial entre as duas vilas acirrou a disputa.

A tranquilidade na região só durou cerca de sete meses. O conflito acabou


retornando quando Olinda foi cercada pelos comerciantes. Os Mascates, antes
expulsos, se vingaram dos olindenses e retomaram o controle da região.

7. Revoltas Coloniais
7.1 Revolta de Vila Rica (1720) e Inconfidência Mineira (1789)
“Aplacados os excessos das desavenças entre paulistas e emboabas, a região
das minas passou pela administração eficiente de D. Braz Baltazar da Silveira;
fundou vilas e ajustou uma fórmula de cobrança dos ‘quintos’”. (FROTA,
2000, p. 211).

A cobrança dos quintos garantia à Coroa uma grande parte da produção de


ouro da Colônia. Entretanto, existia uma altíssima taxa de sonegação do
imposto. Circulava ouro em pó e em pepitas, que eram usados como moeda,
facilitando a fuga da fiscalização.

Por isso, a metrópole resolveu criar, nas áreas das Minas, quatro casas de
fundição (por meio da carta-régia de 19 de fevereiro de 1719), e proibir
qualquer ouro não quintado de circular. Os habitantes, principalmente de
Vila Rica (atual Ouro Preto, MG), não aceitaram as novas regras.

A revolta, fundamentalmente um movimento econômico, no fim não


conseguiu alcançar seu objetivo. A resistência contra a medida reguladora
não se sustentou, mas conseguiu que fosse criada a Capitania Geral de
Minas Gerais, separada da de São Paulo, em dezembro de 1720.

As ideias que então sacudiram a França, produto de filósofos


racionalistas, penetraram o Brasil, trazidas por clérigos
esclarecidos e por estudantes que haviam cursado as universidades
europeias. [...] A independência das Colônias Inglesas da América
(1776) servia de exemplo pelo êxito alcançado [...] Formara-se
em Vila Rica, sede da capitania, uma elite cultural [...]. Estes
intelectuais se reuniam e discutiam a situação política. (FROTA,
p. 213-215).

36
Capítulo 2 – Brasil Colônia (1530-1808)

Dentre essa elite cultural, referida por Frota, encontrava-se o alferes Joaquim
José da Silva Xavier, alcunhado de “o Tiradentes”. Ele participou do
movimento que ficou conhecido como a Conjuração Mineira. Suas principais
reivindicações foram: a separação política de Portugal; a instauração da
república; a transferência da capital para o interior; a libertação dos escravos
que aderissem ao movimento e a criação de uma universidade. A conspiração
contra a administração colonial acabou revelada por intermédio de cartas-
denúncias enviadas ao Visconde de Barbacena.

Vários revoltosos foram presos, mas foi Tiradentes, após sete meses de
prisão, que confessou ser o mentor do movimento. Cumpriu a sentença de
pena de morte na forca em 21 de abril de 1789 e teve seu corpo esquartejado
e exposto como exemplo, para desestimular novas insurgências.

A conspiração não saiu do apertado círculo dos que a tramaram.


Malograda, traduzia, contudo, uma atitude mental que principiava
a amadurecer, de rebeldia nascente frente ao despotismo. [A
derrama]7 influiu no espírito político da época [...]. (FROTA, 2000,
p. 218).

8. Os Tratados de Limites: a nova fixação de fronteiras


Muitos foram os conflitos que contribuíram para a definição do território
brasileiro. As investidas francesas ao norte e as constantes vitórias de
Portugal acabaram por “empurrar” o domínio português além do Amapá,
chamado de Guiana brasileira. As tensões nessa área só foram solucionadas
pelos Tratados de Utrecht de 1713 e de 1715.

No tratado assinado, em 11 de abril de 1713, a França renunciava ao território


do Cabo do Norte, entre os rios Amazonas e Oiapoque.

No segundo Tratado de Utrecht, em 6 de fevereiro de 1715, a Espanha


devolveu a Colônia do Sacramento a Portugal, mas diferentemente do
primeiro, sua assinatura não deu um fim às tensões na região.

Os conflitos nessa área foram importantes para o avanço do domínio


português pelo planalto central e pela planície amazônica. Tantas foram as
tensões no Sul que a Espanha não percebeu o avanço nas outras áreas.

7 O dia da derrama, instituído pelo Marquês do Pombal, em 1785, visava à cobrança atrasada
dos impostos pela administração portuguesa. Foi o dia escolhido para a Inconfidência Mineira.
(FROTA, Guilherme Andrea. 500 anos de História do Brasil. Rio de Janeiro: BIBLIEx, 2000).

37
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Somente em 1750, com o casamento de D. Maria Bárbara, princesa de


Portugal, com Fernando VI, príncipe da Espanha, foi possível negociar o
tratado de Madri. Nele, o tratado de Tordesilhas foi finalmente abolido,
Portugal abriu mão da Colônia de Sacramento, recebendo em troca as terras
das Sete Missões, as terras do Centro e Norte do Brasil, consideradas de
pouco valor. Com o Tratado de Madri, as guerras europeias ficaram
definitivamente fora de território brasileiro.

Apesar de ter sido de extrema importância para a definição do território


brasileiro, o Tratado de Madri encontrou resistência tanto entre espanhóis
quanto entre portugueses. Tanto que em 1761, um novo tratado, em El
Pardo, tornou nulas as disposições daquele tratado.

Mapa das fronteiras do Tratado de Madri (1750)

Fonte: <http://www.diario-universal.com/2007/10/aconteceu/tratado-de-santo-
ildefonso/>. Acesso em: 20 mar. 2010.

Em 1777, sob direção de D. Maria I, com a queda de Marquês de Pombal,


foi assinado o Tratado de Santo Ildefonso. Ele definia que a Colônia do
Sacramento e os Sete Povos das Missões ficariam em poder da Espanha.

38
Capítulo 2 – Brasil Colônia (1530-1808)

Mas mesmo assim os desentendimentos persistiram. Somente em 1801 foi


firmada a paz de Badajós, que deu um fim aos movimentos armados nas
áreas das colônias e restabeleceu as relações entre Portugal e Espanha. Os
Sete Povos ficaram finalmente em poder de Portugal.

Referências
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 11. ed. São Paulo: EDUSP, 2003.

FROTA, Guilherme Andrea. 500 anos de História do Brasil. Rio de Janeiro:


BIBLIEx, 2000.

LACOMBE, Américo Jacobina. A Conjuração do Rio de Janeiro. In: HOLANDA,


Sergio Buarque. História Geral da civilização brasileira. Tomo I – A época
colonial – v. 2 – Administração, economia e sociedade. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil. Livro 5, Capítulo IV. p. 451-455.

LUZ, Nícia Vilela. Inquietação revolucionária no sul: Conjuração Mineira. In:


HOLANDA, Sergio Buarque. História Geral da civilização brasileira. Tomo I –
A época colonial – v. 2 – Administração, economia e sociedade. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil. Livro 5, Capítulo III. p. 438-450.

MATTOS, Odilon Nogueira de. A Guerra dos Emboabas. In: HOLANDA,


Sergio Buarque. História Geral da civilização brasileira. Tomo I – A época
colonial – v. 1 – Do descobrimento à expansão territorial. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil. Livro 5, Capítulo III. p. 324-334.

MELLO, Astrogildo Rodrigues de; WRIGHT, Antônia Fernanda P. A. O Brasil


no período dos Filipes. In: HOLANDA, Sergio Buarque. História Geral da
civilização brasileira. Tomo I – A época colonial – v. 1 – Do descobrimento
à expansão territorial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. Livro 4, Capítulo II. p.
197-212.

REIS, Arthur Cézar Ferreira. A Inconfidência Baiana. In: HOLANDA, Sergio


Buarque. História Geral da civilização brasileira. Tomo I – A época colonial –
v. 2 – Administração, economia e sociedade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.
Livro 5, Capítulo V. p. 456-462.

39
CAPÍTULO 3

O Século XIX nas Américas

1. O Processo de Independência nas Américas


O processo de independência das colônias da América Latina pode ser melhor
compreendido se abordado como parte da crise do Antigo Regime e do
sistema colonial europeu. Alguns eventos históricos que vinham ocorrendo
na Europa tiveram papel fundamental para a sucessão de fatos ocorridos
nas colônias do Novo Mundo. Dentre eles podemos destacar: a Revolução
Industrial8 inglesa, o rompimento do equilíbrio político do velho continente
devido às Guerras Napoleônicas, o próprio desenvolvimento interno das
colônias e a difusão dos ideais iluministas, associados aos acontecimentos
da Revolução Francesa9 de 1789.

Os interesses econômicos ingleses na emancipação das colônias ibéricas


nas Américas relacionavam-se, primeiramente, com o desenvolvimento da
Revolução Industrial, tendo em vista que representou o início de uma
profunda transformação no sistema político e econômico daquele país (o
surgimento do capitalismo como sistema, o que se ampliaria mais tarde
para o resto do mundo), que passou a enxergar as colônias da América
hispânica e portuguesa como potenciais mercados consumidores para seus
produtos industrializados. Para tanto, deveria apoiar o fim do sistema colonial
ibérico e o exclusivismo comercial que impunham aos territórios dominados.

Além desses fatores econômicos, a Inglaterra tinha também interesses


políticos no apoio às emancipações, devido aos acontecimentos relacionados
com as Guerras Napoleônicas.

8 A Revolução Industrial representou o processo de mecanização das indústrias, ocorrido


inicialmente na Inglaterra em fins do século XVIII e, posteriormente, em outros países, como a
França, os Estados Unidos da América, a Alemanha e outros. De acordo com esse conceito, a
partir da máquina a vapor, houve uma revolução industrial. (FRANCO et al., 1995, p. 126).

9 A Revolução Francesa representou a crise final do Antigo Regime, cujas estruturas foram
abolidas e substituídas por outras apropriadas ao novo Estado burguês (capitalista). (FRANCO
et al., 1995, p. 143).

41
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

No curso de sua guerra contra Napoleão, a Grã-Bretanha, perante


a necessidade de responder ao Bloqueio Continental10, desenvolveu
uma política de expansão comercial dirigida para os mercados do
Novo Mundo. Após 1815, ela avalia a estreiteza dos escoadouros
europeus e choca-se com o protecionismo. Assim, a ilha mercantil
sofre uma crise interna que a impele a arrancar ao Pacto Colonial
ibérico a clientela de um imenso continente. Ao mesmo tempo, a
marinha de Sua Majestade aproveita para exercer no Atlântico o
combate ao tráfico escravo. (CROUZET, 1996, p. 140).

Além disso, com as Guerras Napoleônicas, o rei da Espanha, Fernando VII,


foi destronado e substituído por José Bonaparte, irmão mais velho de
Napoleão Bonaparte, o que levou a um enfraquecimento do controle da
metrópole sobre suas colônias. Em Portugal as Guerras Napoleônicas e a
Revolução Liberal do Porto levaram a família real portuguesa a se transferir
para o Rio de Janeiro, sendo um dos fatores que culminariam no processo
de independência política das colônias da América portuguesa.

No entanto, é preciso lembrar que, mesmo antes de ter início o processo


emancipatório das colônias, surgiram várias revoltas nas Américas hispânica
e portuguesa. Eram lideradas por grupos de colonos que, ensejando obter
vantagens comerciais e maior liberdade, passaram a questionar os princípios
mercantilistas que norteavam as relações entre metrópole e colônia. Os
interesses dos colonos começaram, então, a entrar em choque com os da
metrópole. Ainda assim, de início, as revoltas coloniais não assumiram um
caráter separatista, mas desnudavam apenas uma crescente insatisfação
dos colonos com a política metropolitana, na medida em que as próprias
colônias alcançavam algum grau de desenvolvimento.

Por fim, devemos destacar também a influência dos ideais iluministas11 na


formação dos projetos de independência. É preciso lembrar que na maioria
dos casos tais projetos foram formulados e encampados pelas elites locais,
os criollos (denominação dada aos descendentes de espanhóis nascidos na
América) que, muitas vezes, tinham em sua formação uma passagem pela
Europa ou, ao menos, contatos com os ideais que lá eram gestados.

10 Pelo Bloqueio Continental (1806) as nações europeias continentais ficavam proibidas de


comerciar com a Inglaterra e de permitir que navios ingleses atracassem em seus portos.
(SILVA, 1992, p.112).

11 O Iluminismo, cujo palco principal foi a França, é representado por figuras exponenciais do
pensamento ilustrado europeu da época, como Voltaire, Montesquieu e Rousseau. Esses
filósofos, assim com todos aqueles que adotavam o pensamento liberal, questionaram o
despotismo monárquico e os privilégios da nobreza e do clero e defenderam os princípios da
liberdade, da igualdade e da fraternidade. (SILVA, 1992, p. 103).

42
Capítulo 3 – O Século XIX nas Américas

Relacionado com este aspecto, podemos destacar o peso da emancipação


das treze colônias da América do Norte, ocorrida em 1776, e fortemente
influenciada pelo Iluminismo. A independência dos Estados Unidos da
América, o primeiro país do continente a se emancipar, teve marcante
influência sobre o processo de independência política das demais colônias,
pois representava uma nova possibilidade de estruturação política e
administrativa independente das metrópoles europeias.

Por outro lado, os próprios Estados Unidos, por sua vez, passaram a ter interesse
na emancipação política do restante do continente, pois, entendiam que, com o
fim da colonização europeia, a América Latina poderia passar a ser uma privilegiada
área de influência. Desta maneira, o presidente norte-americano James Monroe
decretou em 1823 a famosa “Doutrina Monroe”, que tinha como máxima a
defesa da “América para os americanos”. Segundo Alves (2004, p. 88):

Em princípio, a Doutrina Monroe teria resultados poucos práticos,


representando, isto sim, um efeito simbólico, porque nem a Europa
modificou seu rumo, nem as repúblicas hispânicas ou o Brasil
deram muito peso à proclamação, como um fator de garantia da
independência conseguida e ameaçada, já que todos acreditavam
mais na esquadra britânica. [...] Foi somente com o crescimento
do poderio econômico dos Estados Unidos que a doutrina foi sendo
posta em prática, mudando seu conteúdo à medida que se
concretizava, ou seja, de inspiração progressista, passou a ser
utilizada como justificativa intervencionista – como um disfarce
para a recolonização da América Latina.

A Doutrina Monroe surgiu em reação à Santa Aliança e à Restauração na


Europa, que defendia a volta dos princípios do absolutismo e,
consequentemente, dos domínios coloniais. A ideia do “Destino Manifesto”,
de que falaremos mais adiante, também foi uma das bases para a Doutrina
Monroe. Apesar do intuito de estabelecer o restante do continente americano
como área de influência estadunidense, a Doutrina Monroe construía “a
imagem dos Estados Unidos - apesar das ações imperialistas do mesmo -
como o bastião do pan-americanismo e o anteparo na defesa dos países do
continente.” (ALVES, 2004, p. 91).

Obedecendo cada um a seus próprios interesses, portanto, Estados Unidos


e Grã-Bretanha contribuíram para a emancipação das colônias ibéricas,
inclusive com o provimento de material de guerra (CROUZET, 1996, p.
141), além do pronto reconhecimento das novas nações independentes.

43
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Dentre os países surgidos com a independência das colônias da América


ibérica, devemos destacar a emancipação política do Haiti, primeiramente
por seu pioneirismo, mas também, e principalmente, pela especificidade
deste processo. A Ilha de São Domingos, antiga Hispaniola, colonizada
pelos espanhóis, teve sua parte ocidental cedida à França em 1697,
recebendo o nome de Saint Dominique. Na banda francesa da ilha viviam
mais de 500 mil habitantes, sendo a imensa maioria da população composta
de escravos de origem africana. A base econômica era a produção de açúcar.
Havia um governador-geral, principal representante da Coroa francesa e
responsável pela administração colonial, um intendente, a quem cabia gerir
as finanças da colônia, e uma assembleia colonial formada pela diminuta
elite branca, que representava os interesses locais. (KOSHIBA, 1992).

Em 1791, os escravos da ilha, influenciados pelos ideais da Revolução


Francesa e almejando que a França colocasse em prática também nas colônias
as propostas revolucionárias de liberdade, igualdade e fraternidade, rebelaram-
se contra o domínio colonial, sob a liderança do ex-escravo Toussaint
L’Ouverture. Em 1794, na fase mais radical da Revolução, durante o governo
jacobino, foi decretado o fim da escravidão em todas as possessões
francesas. Em 1801, L’Ouverture assumiu o governo da ilha e proclamou
uma Constituição independente. Os franceses reagiram ao movimento
enviando tropas napoleônicas para invadir a ilha e aprisionaram o líder da
rebelião. Ainda assim, o movimento continuou com um novo líder, também
ex-escravo, Jean-Jacques Dessalines. Sob a liderança de Dessalines foi
proclamada a independência da ilha em 1804, sob o nome Haiti (nome
indígena). No entanto, a França só veio a reconhecer o Haiti como país
independente em 1825, quando uma elite mulata passou a dominar o
processo político, marginalizando a maioria negra.

Já a região oriental da ilha foi novamente dominada pela Espanha em 1814,


conseguindo sua independência em 1821. No entanto, em 1822 foi
submetida por tropas haitianas, que dominaram a região até 1844, quando
foi proclamada novamente sua independência, sob o nome de República
Dominicana. Em 1861 o país foi novamente anexado à Espanha,
reconquistando sua independência apenas em 1865.

O processo de independência do Haiti teve um forte impacto sobre o restante


do continente. Ao tempo em que servia de exemplo por seu pioneirismo,
criou uma “onda de medo”, não só por parte das metrópoles, mas também
das próprias elites locais. Temiam que o exemplo haitiano inspirasse processos
emancipatórios conduzidos pelas classes populares ou pelos escravos, como

44
Capítulo 3 – O Século XIX nas Américas

no caso da ilha. O medo do “haitianismo” fez com que as elites se


preocupassem ainda mais em estar à frente dos projetos de independência
que iam tomando corpo por todo o continente. Deste modo, as
independências do restante do continente se deram, de modo geral, sob o
comando das elites locais.

Assim temos:
• Vice-Reino de Nova Espanha (atual México) - houve duas tentativas
frustradas de independência, lideradas pelo padre Hidalgo, em 1811 e
1813. Mas a emancipação só foi alcançada em 1821, liderada pelo
general Itúrbide;
• Vice-Reino de Nova Granada - foi fragmentado em três países: Venezuela,
Colômbia e Equador, que alcançaram suas independências em 1817,
1819 e 1822, respectivamente, todos sob a liderança de Simon Bolívar;
• Vice-Reino do Peru, por sua vez, se dividiu em Peru, Chile e Bolívia:
- Chile - obteve a independência em 1818, sob a liderança de
O’Higgins e San Martín;
- Peru - tornou-se independente em 1824, com San Martín e o lorde
inglês Cochrane à frente do processo; e, por fim,
- Bolívia - emancipou-se da metrópole espanhola em 1825, liderada
por Bolívar e Antonio José de Sucre;
• Vice-Reino do Prata - que corresponde aos atuais Argentina, Uruguai e
Paraguai, teve seu processo de independência iniciado com a deposição do
vice-rei espanhol pelos criollos de Buenos Aires, formando-se uma junta
provisória. A independência foi obtida em 1816, no Congresso de Tucumã
(República das Províncias Unidas do Rio da Prata, mais tarde, Argentina), e
liderada pelo general San Martín. A elite criolla da região do Paraguai
proclamou sua independência da junta de Buenos Aires em 1811. O Uruguai,
antiga Banda Oriental, foi ocupado por luso-brasileiros e anexado ao Brasil
sob o nome de Província Cisplatina. Tornou-se independente em 1828,
passando a se chamar República Oriental do Uruguai.

Na América Central, da Guatemala ao Panamá, os países foram submetidos


à “audiência guatemalteca”. Em 1821, uma assembleia popular reunida na
Guatemala, proclama a liberdade de toda a América Central. No mesmo
ano, no entanto, são incorporados ao México. Em 1823 conseguem separar-
se, formando as Províncias Unidas da América Central, integradas por
Guatemala, El Salvador, Nicarágua, Honduras e Costa Rica. As Províncias
Unidas se dissolveram em 1839.

45
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Diante da situação, o rei de Espanha Fernando VII pediu apoio à Santa


Aliança para tentar conter e reverter os movimentos emancipatórios em
suas colônias. No entanto, como já explicitado anteriormente, Inglaterra e
Estados Unidos apoiaram os movimentos de independência, pois ambos
tinham interesses políticos e comerciais no surgimento das novas nações.

O fim do império colonial espanhol estava relacionado diretamente com a


própria situação da Espanha e a consequente reforma do pacto colonial nos
setores comercial e administrativo que ficou ainda mais centralizado, em
detrimento dos criollos, gerando descontentamento por parte destes. No
entanto, podemos avaliar que as independências foram, de certo modo,
políticas, tendo em vista que os novos países assumiram um lugar subalterno
dentro do capitalismo mundial que se gestava.

Mapa dos novos países da América Latina após a independência

Fonte: ARRUDA; PILETTI, 2007, p. 341.

46
Capítulo 3 – O Século XIX nas Américas

Emancipadas, as ex-colônias integraram-se na órbita da expansão


do capitalismo industrial assumindo as funções de fornecedoras
de matéria-prima, mercado consumidor, local de exportação de
capital e ponto estratégico para o novo equilíbrio internacional
que já começava a definir-se - e no qual Estados Unidos e Inglaterra
ocuparam posição de liderança na América e na Europa,
respectivamente. (KOSHIBA, 1992, p. 74).

Os criollos, elites locais que lideraram os processos de independência,


mantiveram, de certo modo, as estruturas coloniais, rompendo apenas os
laços políticos com a metrópole. Não houve ruptura nos níveis social ou
econômico. Os novos países ficaram então sob a influência do capitalismo
inglês e, posteriormente, do norte-americano. Desta maneira, foram
preservados a grande propriedade (concentração fundiária), a monocultura,
o trabalho compulsório (servidão, semi-servidão e escravidão), e a produção
em larga escala voltada para o abastecimento do mercado externo.

A América Latina, recém-liberta do domínio colonial, integrou-se


como área periférica e subordinada, pois a industrialização
aparecia como solução absolutamente inviável: pesava-lhe a
herança colonial. [...] para sobreviver nessa nova fase da expansão
do capitalismo, a América Latina preservou sua antiga estrutura
de produção colonial, reforçando os laços de dependência: para
financiar os produtos industrializados de que necessitava teria
que continuar como fornecedora de matérias-primas. [...] A
influência externa tornou-se, assim, um elemento constitutivo do
processo de formação do Estado nacional latino-americano, e foi
a relação de dominação que permitiu a esse Estado participar do
sistema mundial. Essa relação de dominação acentuou não só as
desigualdades entre os países como também as desigualdades
sociais internas de cada país. (KOSHIBA, 1992, p. 90).

Sobre a criação dos Estados Nacionais na América hispânica, desenvolveu-


se um debate entre o projeto de monarquia constitucional - defendida por
José de San Martín e Simon Bolívar - e o projeto republicano, com sufrágio
censitário. Venceu o projeto republicano. Como exceção, apenas o México
vivenciou uma monarquia entre 1822 e 1823, tendo neste ano proclamado
a república.

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EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

2. Teorias de Pan-americanismo e Cooperação Hemisférica


Apesar das tentativas de manter ao menos as unidades dos antigos vice-
reinos, o movimento em prol da unificação da América Espanhola após a
independência fracassou. Um dos maiores defensores da unidade da América
hispânica foi Simon Bolívar, líder das independências da Bolívia, Colômbia,
Equador e Venezuela e conhecido como “o Libertador”. Criollo, nascido em
1783 em Caracas (atual capital da Venezuela), influenciado pelos ideais
iluministas, Bolívar defendia a criação de uma confederação que unificasse
todos os países da América Latina e era contrário à escravidão.

O pano de fundo sobre o qual se desenhou a sua visão da Grã


Colômbia foi o da integração dos vice-reinados do Peru e da Nova
Granada ao redor de uma autoridade moral, que pairasse,
inconteste, sobre todos os poderes locais. Bolívar imaginava uma
grande nação pautada por um Legislador, ele próprio, que seria
uma força moral aglutinadora, porque encarnava o ponto de vista
da salvaguarda dos interesses públicos, contrariamente aos que
pretendiam defender os interesses particulares, como ponto de
partida para a construção das novas nacionalidades. Pesou muito,
no Libertador, a doutrina filosófica de Jean-Jacques Rousseau,
que considerava que a única forma de superar a degradação
causada nas sociedades modernas pelo materialismo e o
individualismo, seria fazendo surgir, na comunidade política,
indivíduos puros que tivessem renunciado à defesa dos seus
interesses particulares, em prol da afirmação do grande interesse
público, identificado com o Reino da Virtude. Ele, Simon Bolívar,
encarnaria essa máxima autoridade, que agiria como uma espécie
de poder supra-individual e supranacional. Resultado: Bolívar
libertou os países que integravam a Grã Colômbia, mas não
conseguiu dar estrutura administrativa às nações por ele libertadas,
que terminaram ensejando várias repúblicas, ao redor dos núcleos
de defesa dos interesses mais poderosos. (RODRÍGUEZ, 2007,
p. 2-3).

No entanto, Bolívar morreu sem ver seu projeto se concretizar. As razões


estruturais para a fragmentação dos países da América espanhola remontam
ao passado colonial. Seguindo o esquema da política mercantilista, cada
unidade colonial voltou-se inteiramente para o mercado externo, sem espaço
para que criassem relações mais fortes entre si e fazendo com que cada
região se tornasse uma unidade estanque. Essa ausência de vínculos favoreceu
disparidades regionais e um consequente localismo.

48
Capítulo 3 – O Século XIX nas Américas

Politicamente, a luta pela emancipação foi conduzida pelos criollos


representados nos cabildos, ao contrário do que ocorreu no Brasil,
onde as classes dominantes lutavam pela posse dos mecanismos
do Estado transplantado pela própria metrópole. Os cabildos
expressavam, então, os interesses localistas, impedindo a
articulação de um Estado nacional. No Brasil a integridade
territorial só pôde ser mantida porque a constituição do Estado
precedeu a ruptura colonial. Na América espanhola, a ruptura
colonial antecedeu a constituição do Estado. [...] a própria estrutura
colonial induziu à fragmentação territorial quando se suprimiu a
autoridade metropolitana. (KOSHIBA, 1992, p. 85).

Some-se a isso a ausência de recursos materiais, a fragilidade econômica e


a falta de experiência política da classe dominante criolla.

Depois de Bolívar, outros projetos de integração latino-americana surgiram


e, atualmente, é assunto que está na pauta política dos países da América
do Sul.

3. Construção dos Estados Unidos


A expansão territorial dos Estados Unidos calcou-se no “Destino Manifesto”,
ideologia que identificava o povo norte-americano como eleito por Deus
para expandir-se e civilizar novas terras, desenvolver-se economicamente e
ter uma posição preponderante no mundo.

O expansionismo interno durou um século, de fins do XVIII a fins do XIX,


fundamentado e legitimado pela ideologia do “Destino Manifesto”, que era
amplamente compartilhada pelo senso comum e tinha um apelo racial forte.
Além de abarcar um sentimento de igualdade entre os brancos, ao mesmo
tempo estimulava um sentimento de superioridade em relação a indígenas,
negros e latino-americanos (especialmente mexicanos), sendo amparada pelo
darwinismo social (a crença no funcionamento da seleção natural no meio
social, que justifica a sobrevivência do mais forte). Tal ideologia via a
expansão territorial dos Estados Unidos como um processo ilimitado, que
deveria se estender para além do Pacífico. Quer dizer, a ideia de fronteira,
aqui, praticamente inexistia - era sempre passível de ser estendida. O “Destino
Manifesto” contava com justificativas religiosas, culturais, econômicas e
políticas. Como afirma Hobsbawm (1977, p. 155): “a imagem da república

49
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

era a de uma terra de igualdade, democracia, [...] oportunidade ilimitada,


tudo isto mais tarde sendo chamado de ‘destino manifesto’ da nação”.

Desta maneira, logo no início do processo de formação do país, ainda em


1787, foi criado o Estatuto do Noroeste, que estabeleceu as bases para a
ocupação do Oeste e a criação de novos estados e como se daria a integração
destes à União.

A expansão territorial dos Estados Unidos se deu basicamente por compra


de territórios, guerras de conquista contra o México e contra populações
autóctones (habitantes nativos da região ou território sob expansão). Os
primeiros territórios anexados foram a Luisiana, comprada da França em
1803, e a Flórida, comprada da Espanha em 1819. Ao mesmo tempo foram
penetrando no território oeste por vias fluviais e fixando colonos agricultores,
que se tornaram base da ocupação, chamados de pioneiros. Depois anexaram
o Texas, conquistado do México, que se tornou estado da União em 1845.

A partir de 1840 empreenderam a expansão para além do rio Mississipi.


Nesta região os conflitos com indígenas foram intensos. Comerciantes e
caçadores de peles também eram exploradores da região que, relativamente
rápido, foi sendo povoada. Ao Norte, o Oregon foi anexado a partir de um
acordo com os ingleses, estabelecendo a fronteira dos Estados Unidos com
o Canadá. Ao Sul, os EUA iniciaram uma intervenção militar no México em
1846, conseguindo conquistar o Novo México e a Califórnia em 1848.

A descoberta de ouro estimulou o rápido povoamento da costa do Pacífico


e, posteriormente, o Oeste vivenciou uma grande expansão pecuária. Ao
mesmo tempo iam ampliando a rede ferroviária, facilitando os acessos e
comunicações por todo o país.

O Alasca foi comprado da Rússia em 1867, demonstrando a intenção


manifesta de expansão para o Pacífico.

50
Capítulo 3 – O Século XIX nas Américas

Mapa dos Estados Unidos na segunda metade do século XIX

Fonte: KOSHIBA; PEREIRA, 1992.

4. A Formação do Estado Norte-Americano e sua Crise: a guerra


civil
Ainda durante as guerras de independência, em 1777, o Congresso norte-
americano estabeleceu uma Confederação, sob o nome de Estados Unidos
da América, na qual se pactuava a união dos estados, subordinados a um
poder central. No entanto, alguns setores viam com desconfiança a ideia
da Confederação, pois valorizavam a autonomia dos estados. Dez anos
depois, em 1787, teve início o processo constituinte, com o objetivo de
rever os artigos da Confederação, em meio a debates sobre o grau de
autonomia que os estados deveriam ter. A Constituição daí resultante foi
promulgada em 1789.

A estrutura política estabelecida na Constituição, de cunho liberal, baseou-


se na divisão dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Ao
tempo em que os representantes da Câmara eram eleitos por voto direto, o
Presidente da República era escolhido por voto indireto. Desta forma foi
eleito George Washington como o primeiro presidente dos Estados Unidos,
nas eleições de 4 de março de 1789. Foi reeleito em 1792, tendo permanecido
no cargo até 1797.

51
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Neste período inicial da formação dos Estados Unidos da América se


delinearam duas tendências políticas principais: a republicana, defendida
por Thomas Jefferson – que era secretário de Estado e ligado aos grandes
proprietários escravistas do Sul - e a federalista, encampada por Alexandre
Hamilton - secretário do Tesouro, representante da burguesia e dos
comerciantes de Nova Iorque. Apesar da confusão que os nomes das
tendências sugerem, os republicanos defendiam o princípio federalista, no
qual a soberania dos estados era primordial. Já os federalistas defendiam a
constituição de um governo central forte e eficiente. Os republicanos, apesar
de defenderem princípios de liberdade individual, de pensamento e dos
estados, eram favoráveis à manutenção da escravidão. Tratava-se, em termos
gerais, de tendências que representavam as divergências entre os interesses
dos grandes comerciantes capitalistas do Norte e os dos proprietários de
terras escravistas do Sul.

Essa divisão política era expressão do passado colonial, ou seja,


do isolamento das 13 colônias e também da heterogeneidade
entre os estados do norte e do sul quanto à formação econômica
e social, em suma, diferenças entre um sistema burguês e outro
escravista. (KOSHIBA, 1992, p. 123).

Na verdade, os escravocratas do Sul combatiam o centralismo político


justamente para defender a escravidão, a partir da defesa de que cada
estado deveria ser soberano para decidir suas leis. Do outro lado, os interesses
da burguesia em um poder central estavam na ideia de unificar o mercado
interno e defender-se da concorrência externa. Apesar do discurso
antiescravista, em prol da liberdade, adotado pelos nortistas em oposição
aos sulistas, “a indústria do Norte estava certamente mais preocupada com
uma nação, do ponto de vista do comércio, metade livre e metade
protecionista, do que metade escrava e metade livre” (HOBSBAWM, 1977,
p. 159).

Os dois primeiros presidentes norte-americanos, George Washington e John


Adams (governou entre 1797 e 1801), eram federalistas. Depois se seguiram
três presidentes republicanos:
• Thomas Jefferson (1801-1809);
• James Madison (1809-18717); e
• James Monroe (1817-1825).

52
Capítulo 3 – O Século XIX nas Américas

Neste período de predomínio republicano o partido federalista perdeu força


e desapareceu. Com a eleição de Andrew Jackson para a presidência da
república em 1828 quebrou-se a hegemonia republicana e, posteriormente,
foi fundado o Partido Democrata. A ascensão dos democratas teve como
consequência o deslocamento do centro político para o Oeste, em um período
em que a expansão das fronteiras ganhava força. O país se via dividido
basicamente em três regiões: o Leste industrial, o Oeste de pequenas
propriedades agrícolas e o Sul algodoeiro e das grandes propriedades
escravistas.

Enquanto se realizava a expansão territorial para o Oeste, as divergências


entre o Norte e o Sul se mantinham, não só no campo da economia, mas
em relação aos projetos e posicionamentos políticos.

As mais sérias divergências diziam respeito à questão


alfandegária, pois os nortistas defendiam o protecionismo como
forma de preservar o mercado interno, enquanto os sulistas eram
partidários do livre-cambismo, em função de sua dependência ao
mercado externo. No plano político, os nortistas lutavam pelo
fortalecimento do poder central, protetor da produção interna, e
os sulistas sustentavam a autonomia dos estados a fim de
preservarem a escravidão. (KOSHIBA, 1992, p. 139).

A marcha para o Oeste gerou tensões, na medida em que se configurou


uma disputa entre Sul e Norte por influência na criação dos novos estados.
Houve uma tentativa de regulamentação desta questão com o “Compromisso
de Missouri” (1820), que definiu o paralelo 36º 30’ como o limite entre Sul
e Norte, entendendo que a localização dos novos estados em relação a este
marco definiria se seriam livres ou escravistas. Instalou-se uma grave crise
quando a Califórnia, situada ao sul do paralelo, requereu sua entrada na
União, como estado livre (não-escravista). O “Compromisso de Missouri”
foi finalmente quebrado quando o Congresso aprovou que os territórios do
Kansas e de Nebraska poderiam se organizar escolhendo, mediante decisão
popular, se seriam ou não estados escravistas. A partir daí, o conflito entre
estados livres e escravistas foi declarado.

O Norte, através do Partido Republicano, sustentava a ideia de


que era dever do Congresso proibir a escravidão por toda a parte
onde se estendia sua jurisdição; para os nortistas, a liberdade era

53
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

nacional e a escravidão, regional. Os sulistas contra-


argumentavam que o Congresso não tinha poder para isso e, ao
contrário, deveria apoiar a escravidão, pois se tratava de uma
forma de propriedade, e era dever do Congresso defender a
propriedade dos cidadãos que representava. (KOSHIBA, 1992,
p. 141).

Na medida em que o conflito se desenvolvia, a campanha abolicionista


tomava corpo - mas, como já vimos, o maior interesse dos nortistas não
estava exatamente na defesa de uma pretensa igualdade entre brancos e
negros, mas em questões econômicas. Na medida em que a região se
desenvolvia segundo os moldes capitalistas, marcada pela crescente
industrialização, a presença de mão de obra escrava nos estados sulistas
limitava o mercado consumidor daquela região.

Com as eleições presidenciais de 1860, que elegeram Abraham Lincoln


(1861-1865), do Partido Republicano, deu-se então a secessão entre estados
livres e estados escravistas. O primeiro estado escravista a se desligar da
União foi a Carolina do Sul, sob a alegação de que o Norte elegera um
presidente contrário à escravidão. A este estado, seguiram-se outros (Flórida,
Alabama, Mississipi, Luisiana, Tennessee, Virgínia, Carolina do Norte,
Arkansas, Texas e Geórgia) que, em 1861, fundaram os Estados
Confederados da América.

Lincoln negou o direito à secessão, alegando que a União precedia os


estados. Deste modo teve início a guerra civil. Os estados do Norte, além
de mais numerosos e com maior população, tinham recursos financeiros,
humanos e material bélico superiores. Em meio à guerra, Lincoln decretou a
abolição da escravidão nos estados do Sul. Em 14 de abril de 1865 deu-se a
rendição dos estados do Sul e a escravidão foi abolida em todo o território
nacional. Lincoln, no entanto, foi assassinado por um sulista.

54
Capítulo 3 – O Século XIX nas Américas

Mapa da divisão dos Estados Unidos durante a Guerra de Secessão

Legenda:

Estados da União

Estados da Confederação

Estados escravistas que mantiveram-se do lado da União

Territórios que seriam posteriormente elevados à categoria de Estado

Fonte: Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra Civil Americana>.


Acesso em: 13 de janeiro de 2009.

Com o passar dos anos, emendas constitucionais foram criadas a fim de


estabelecer a cidadania civil e política dos negros em igualdade com relação
aos brancos. Ainda assim, em muitos estados os negros não obtiveram o
direito ao voto, e permaneceram à margem da sociedade, vítimas de
preconceito e discriminação. Em reação à derrota sofrida e a estas medidas
que vinham sendo tomadas, foi fundada por sulistas, em 1866, a Ku-Klux-
Klan, uma sociedade racista clandestina que pratica atos de violência contra
negros até os dias de hoje.

A Guerra Civil norte-americana é considerada como a primeira guerra moderna


de massas. Foi um conflito que resultou em muitas mortes, inclusive de
civis. “Em termos de destruição e mortes, era de longe a maior guerra em
que qualquer país ‘desenvolvido’ havia se envolvido [...]”. (HOBSBAWM,
1977, p. 160).

55
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Referências
ALVES, Francisco das Neves. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil
e o centenário da Doutrina Monroe. In: Biblos. Rio Grande, 2004. p. 87-96.
Disponível em: <http://www.seer.furg.br/ojs/index.php/dbh/article/
viewPDFInterstitial/414/98>. Acesso em: 09 de janeiro de 2009.

ARRUDA, José Jobson de A.; PILETTI, Nelson. Toda a História: História


Geral e História do Brasil. 13. ed. São Paulo: Ática, 2007.

CROUZET, Maurice. A afirmação da América em face do velho colonialismo.


Recuo e reinício da expansão europeia. In: ________. História Geral das
civilizações: o século XIX – o apogeu da civilização europeia. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1996. v. 13. Primeira parte. p. 139-151.

FRANCO, Denise de Azevedo et al. História das sociedades brasileiras. Rio


de Janeiro: Livro Técnico, 1995.

HOBSBAWM, Eric. A era do capital: 1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e


Terra, 1977.

KOSHIBA, Luiz; PEREIRA, Denise Manzi Frayze. Américas: uma introdução


histórica. 2. ed. São Paulo: Atual, 1992.

RODRIGUEZ, Ricardo Vélez. Integração sul-americana: projetos e perspectivas


estratégicas. Ibérica – Revista interdisciplinar de estudos ibéricos e ibero-
americanos. Ano I, n. 2. Juiz de Fora: dez/2006-fev/2007. p. 1-11. Disponível
em: <http://www.eceme.ensino.eb.br/portalcee/arquivos/artigo_prof_
ricardo_velez_nov_06.pdf>. Acesso em: 12 jan 2009.

56
CAPÍTULO 4

Brasil Império: formação e


desenvolvimento (1808-1889)

1. A Crise do Colonialismo Português e o Processo de


Independência
No início do século XIX, a guerra que Napoleão travava contra a Europa se
fez sentir na Coroa portuguesa. O tradicional comércio, entre Portugal e
Inglaterra, permaneceu apesar do bloqueio imposto por Napoleão. Essa
desobediência aos ditames napoleônicos rendeu uma invasão de Portugal
pelas tropas francesas em novembro de 1807. Pouco tempo após a invasão,
o príncipe D. João optou pela transferência para o Brasil. Junto com ele
veio sua mãe, Dona Maria, que cedeu o trono ao filho em 1792, após ser
declarada incapaz.

Com a vinda da família real, em 1808, modificou-se profundamente a relação


entre colônia e metrópole.

Logo ao chegar, durante sua breve estada na Bahia, D. João


decretou a abertura dos portos do Brasil às nações amigas (28
de janeiro de 1808). Mesmo sabendo-se que naquele momento a
expressão ‘nações amigas’ era equivalente à Inglaterra, o ato
punha fim a trezentos anos de sistema colonial. Já no Rio de
janeiro, no mês de abril, o príncipe regente revogou os decretos
que proibiam a instalação de manufaturas na colônia, isentou de
tributos a importação de matérias-primas destinadas à indústria,
ofereceu subsídios para as indústrias da lã, da seda e do ferro,
encorajou a invenção e introdução de novas máquinas. (FAUSTO,
2003, p.122).

57
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Se a Inglaterra foi quem mais gostou das novas medidas, os comerciantes


do Rio de Janeiro e de Lisboa foram os que mais protestaram. Em 1810 foi
assinado o Tratado de Navegação e Comércio, que selou a superioridade
inglesa no comércio, já que seus produtos passaram a ter vantagens até
sobre os portugueses.

Esse tratado, apesar dos grandes ganhos que a Inglaterra teve com o tráfico
de escravos, obrigava a Coroa portuguesa a limitar o tráfico de escravos e a
tomar medidas, ainda pouco claras, para acabar com ele.

A transferência da sede da monarquia portuguesa para o Brasil


mudou o quadro das relações internacionais no contexto da
América do Sul. A política externa de Portugal passou a ser decidida
na colônia, instalando-se no Rio de Janeiro o Ministério da Guerra
e Assuntos Estrangeiros. [...] A vinda da família real deslocou
definitivamente o eixo da vida administrativa da colônia para o Rio
de Janeiro, mudando também a fisionomia da cidade. Entre outros
aspectos, esboçou-se aí uma vida cultural. (FAUSTO, 2003, p.125).

Apesar da presença da corte no Rio de Janeiro contribuir para um processo


de independência gradual, isso não significou a paz completa entre metrópole
e colônia. A Coroa favorecia abertamente os interesses de portugueses no
Brasil. Um grande exemplo desse favorecimento foi a convocação das tropas
portuguesas para as principais cidades e a organização de um exército em
que os principais postos de comando pertenciam a nobres portugueses.
Além disso, para manter sozinha o custo da presença da corte e as incursões
militares na área do Rio da Prata, a colônia sofreu um aumento significativo
nos impostos, o que também causava descontentamentos.

Por volta de 1817, quem dissesse que dentro de cinco anos o


Brasil se tornaria independente estaria fazendo uma previsão muito
duvidosa. A Revolução Pernambucana, confinada ao Nordeste,
fora derrotada. Por sua vez, a Coroa tomava medidas no sentido
de integrar Portugal e Brasil como partes de um mesmo reino. A
guerra terminara na Europa, em 1814, com a derrota de Napoleão.
As razões da permanência da Corte no Brasil aparentemente já
não existiam. D. João decidiu, entretanto, permanecer na colônia
e em dezembro de 1815 elevou o Brasil à condição de Reino
Unido a Portugal e Algarves. Meses depois, após a morte da
rainha, seria sagrado rei de Portugal, do Brasil e Algarves, com o
título de D. João VI. (FAUSTO, 2003, p.129).

58
Capítulo 4 – Brasil Império: formação e desenvolvimento (1808-1889)

1.1 Revolução Nativista ou Pernambucana


Ocorrida em 1817, situa-se na linha das reações nativistas que se vinham
fazendo sentir no Brasil desde o século XVII. Agora, com maior extensão e
profundidade, mesclavam-se ao impulso nativista as ideias características
do novo século: liberdade, autodeterminação política, republicanismo.

Tal como a Conjuração Mineira, o movimento pernambucano inspirou-se


em arrebatado idealismo, pelo qual se sacrificaram os chefes mais
destacados. Infelizmente, a falta de preparação e de firmeza ideológica do
povo já o condenava, desde o início, ao irremediável fracasso. Ademais, se
o movimento lograsse êxito, naquele momento, aquela região poderia ficar
separada em definitivo das demais, que se mantinham fiéis ao governo
central.

É sob a perspectiva da integridade nacional, em particular, que se avalia o


benefício do desfecho, embora se condene a dureza da repressão. Devem
igualmente ser condenados os atos de vingança e violência de que foram
vítimas os revolucionários, os simpatizantes ou os suspeitos de apoiarem o
movimento, a partir do prenúncio da vitória do governo joanino. Muitas das
medidas punitivas foram aplicadas por indivíduos que antes apoiavam a
revolução. Se isto põe em evidência uma das muitas contradições que
anunciavam o fracasso da tentativa revolucionária, pode também evidenciar
uma fraqueza que se apresenta para reflexão aos que se preocupam com o
aperfeiçoamento do caráter nacional, por intermédio da restauração ou do
fortalecimento de valores morais.

1.2 Outros Movimentos de Emancipação


Após a vinda da família real para o Brasil em 1808, a colônia passou a ter
caráter de metrópole, provocando, também, uma mudança no perfil
socioeconômico brasileiro. As novas políticas de D. João se concentravam
somente na região centro-sul do Brasil, resultando no descontentamento
dos habitantes de outras regiões. Além disso, os militares brasileiros estavam
bastante insatisfeitos com a política de D. João, que privilegiava os militares
portugueses, dando a estes os melhores postos da oficialidade.

A região Nordeste era a mais insatisfeita. A crise da produção do açúcar,


aliada à grande seca, de 1816, fez com que a região ficasse muito debilitada
economicamente. Com a independência dos EUA e de algumas colônias
espanholas, os pernambucanos, sob influência dos ideais iluministas,

59
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

organizaram um movimento emancipacionista, que seria a última tentativa


de independência antes de 1822.

O movimento foi liderado por Domingos José Martins, Antônio Carlos de


Andrada e Silva e Frei Caneca. Alimentada por um forte sentimento de
patriotismo, a revolta se espalhou por outros estados, como Ceará, Rio
Grande do Norte e Paraíba. Foi instalado um governo provisório, o qual
aboliu alguns impostos e estabeleceu uma Constituição, em que eram
assegurados princípios iluministas, como liberdade de expressão e igualdade
de todos perante a Lei.

Dois meses após o surgimento do movimento, o governo português cercou


Recife, a capital pernambucana, por mar e terra, resultando no desespero
dos revolucionários e no fim do movimento.

1.3 A Independência
A decisão de D. João de permanecer no Brasil não agradou a Portugal e, em
agosto de 1820, a crise política causada pela ausência do rei, combinada
com uma crise econômica e militar (causada pela presença de oficiais ingleses
no exército português), construiu as bases para uma revolução liberal. Assim,
no fim de 1820, os revolucionários montaram uma junta provisória para
governar no lugar do rei, aumentando a pressão para sua volta.

No Brasil, o “Partido Brasileiro”, composto por grandes proprietários rurais,


não queria a volta de D. João a Portugal. Mas a possibilidade de perder o
trono português fez com que o rei voltasse em 1821. D. João foi, mas
deixou seu filho, D. Pedro, como príncipe regente.

Quando a pressão de Portugal se voltou para o retorno de D. Pedro, o


Partido Brasileiro reagiu. O Dia do Fico, em 9 de janeiro de 1822, quando o
príncipe regente proferiu sua intenção de ficar no Brasil em frente à
população, foi um momento marcante e o início da ruptura com Portugal.

Alcançado a 7 de setembro de 1822, às margens do riacho


Ipiranga, D. Pedro proferiu o chamado Grito do Ipiranga,
formalizando a independência do Brasil. A 1º. de dezembro, com
apenas 24 anos, o príncipe regente era coroado imperador,
recebendo o título de D. Pedro I. (FAUSTO, 2003, p.134).

60
Capítulo 4 – Brasil Império: formação e desenvolvimento (1808-1889)

A independência veio com a manutenção da monarquia. O fato de o novo


ocupante do trono ser um português causava desconforto, já que era uma
figura da metrópole dirigindo a antiga colônia, o que levaria a várias disputas
nos anos que se seguiram. No processo de consolidação da independência
ocorreram alguns conflitos militares nos quais brasileiros lutaram contra
portugueses que estavam aqui desde a vinda da família real em 1808.

Ao contrário do que muitos chegam a imaginar, a proclamação


de independência do Brasil não foi comemorada por todas as
províncias que receberam a notícia. Depois da proclamação, o
imperador D. Pedro I teve grande trabalho para conter as várias
revoltas que ocorreram contra o processo de independência.
Contudo, como seria possível que em algumas regiões do país os
laços coloniais fossem defendidos de tal forma?
Para solucionar a questão, devemos nos reportar ao governo de
D. João VI (1808 - 1822), marcado por uma série de medidas
que concediam privilégios e direitos aos súditos brasileiros.
Preocupados com tal ação, os parlamentares das Cortes
portuguesas decidiram frear o sentimento autonomista
patrocinado pelo monarca lusitano. Dessa forma, os políticos
lusitanos exigiram a volta do rei a Portugal e colocaram o governo
das províncias sob o controle direto dos portugueses.
No momento em que declarou a independência do Brasil os
governos e tropas de algumas províncias foram levados a expressar
sua incondicional fidelidade ao governo lusitano. Na Bahia, um
violento conflito se desenrolou entre 7 de setembro de 1822 e 2
de julho de 1823. Na região do Grão-Pará, a resistência contra o
domínio imperial acabou deixando cerca de 1300 mortos, sendo
uma parte por asfixia no porão de navios capturados pelas forças
de D. Pedro I. A vitória do governo brasileiro na Bahia foi de
importância fundamental para que outros levantes de menor
proporção também fossem sufocados. Nas províncias do
Maranhão, Piauí, Alagoas, Sergipe e Ceará aconteceram outras
tentativas de resistência que não conseguiram de fato ameaçar
a ordem instituída. Além disso, os moradores da Cisplatina, atual
Uruguai, também viram na transição uma oportunidade de se
livrar do jugo brasileiro.
Para obter tantas vitórias militares em território nacional, D. Pedro
I não tinha condições de organizar um exército que pudesse
cumprir todos esses expedientes. Não por acaso, nosso primeiro
imperador recorreu ao auxílio financeiro da Inglaterra e contratou
os serviços de mercenários ingleses que tiveram importante papel

61
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

nestes conflitos. Entre os principais nomes britânicos a serem


grifados nas guerras de independência, podemos citar John Pascoe
Grenfell e Lord Cochrane.
(SOUSA, Rainer. Guerra da Independência do Brasil).

2. Construção da Nova Ordem no Império


Os dois primeiros anos do Brasil Império foram dominados pelo debate
político em torno da aprovação de uma nova Constituição. As divergências
entre as atribuições do Poder Executivo, exercido pelo imperador D. Pedro
I, e o Poder Legislativo, representado, neste primeiro momento, pela
Assembleia Constituinte, foram profundas. Em função destas disputas, D.
Pedro I, orientado por seu ministro José Bonifácio e apoiado pelos militares,
dissolveu a Assembleia Constituinte tratando, em seguida, de elaborar o
projeto de Constituição que seria efetivado na promulgação da carta em 25
de março de 1824.

Apesar de algumas modificações, a Constituição vigorou até o fim do período


imperial. Definia a forma de governo monárquica, hereditária e constitucional.
Os títulos de nobreza (barão, conde, duque etc.) seriam concedidos pelo
imperador, mas sem seguir o princípio da hereditariedade. A religião oficial
era católica, mas outras religiões podiam ser praticadas no âmbito particular.
No Poder Legislativo, passaram a existir a Câmara e o Senado, com eleições
indiretas e voto censitário.12

As províncias que dividiam o país eram governadas por presidentes indicados


pelo próprio Imperador. O Conselho de Estado foi criado para opinar sobre
assuntos de grande importância na administração.

Mas foi a figura do Imperador a responsável por alguns dos traços mais
marcantes da nova Constituição. Sua pessoa era sagrada e inviolável, não
podendo ser responsabilizada por nada. Era dele o poder para nomear
senadores, dissolver a Câmara e convocar novas eleições para reconstituí-
la. Era dado a ele poder de veto e aprovação sobre as decisões das casas do
Poder Legislativo. A esse poder imperial era dado o nome de Poder
Moderador.

12 De acordo com o que fora definido pelo anteprojeto, o voto continuava censitário, isto é,
baseado na renda, independente do nível de alfabetização do eleitor. O analfabeto podia votar
desde que possuísse a renda exigida para tanto. Enfim, o direito ao voto se baseava no
critério econômico e não no cultural. (SILVA, 1992, p. 129).

62
Capítulo 4 – Brasil Império: formação e desenvolvimento (1808-1889)

Enquanto as rebeliões agitavam o país, as tendências políticas no centro


dirigente iam-se definindo. Apareceram em germe os dois grandes partidos
imperiais - o Conservador e o Liberal. Os conservadores reuniam magistrados,
burocratas, parte dos proprietários rurais, especialmente do Rio de Janeiro,
Bahia e Pernambuco, e os grandes comerciantes, entre os quais muitos
portugueses. “Os liberais agrupavam a pequena classe média urbana, alguns
padres e proprietários rurais de áreas menos tradicionais, sobretudo de São
Paulo, Minas e Rio Grande do Sul.” (FAUSTO, 2003, p. 171).

Durante o período regencial, o país foi palco de muitas revoltas e


turbulências, causadas, de uma forma ou de outra, por contradições do
regime imperial. Mas foi nessa época que começaram a surgir os partidos
que comporiam a cena política por muito tempo no Brasil.

2.1 A Confederação do Equador


De acordo com Rainer Sousa, em A Confederação do Equador, temos:

O autoritarismo que marcou o processo de outorga da Constituição


de 1824 inaugurou uma fase na história política do Brasil, em
que a centralização política se transformou em uma prática
severamente questionada. Mesmo contando com alguns princípios
de natureza liberal, a Constituição de 1824 também foi marcada
por uma série de dispositivos contrários ao seu aparente
liberalismo. A centralização dos poderes acabava gerando a
insatisfação de muitos dos representantes políticos do período.
Tomado por essa orientação contraditória de sua carta
constitucional, o governo de D. Pedro I acabou sendo alvo de
diversos ataques políticos, bem como de revoltas. Naquele mesmo
ano, inspirados pelos levantes de 1817, um grupo de habitantes
de Pernambuco iniciou um movimento antimonarquista. Tal
oposição originou-se nas constantes crises da economia regional
e nas cargas tributárias impostas pelo governo.
[...]
A crise agravou-se quando D. Pedro I depôs o então governador,
Manuel de Carvalho Paes de Andrade, e indicou um substituto
para o cargo. A troca do governo seria o último episódio que
antecedeu a formação do movimento que ficou conhecido como
Confederação do Equador, que ganhou esse nome devido a sua
proximidade geográfica com a Linha do Equador.
[...]

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EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Rio Grande do Norte, Ceará e Paraíba também se juntaram ao


movimento. Impassíveis às tentativas de negociação do Império,
os revoltosos buscaram criar uma constituição de caráter
republicano e liberal. Além disso, o novo governo resolveu abolir
a escravidão e organizou forças contra as tropas imperiais.
[...]
Não resistindo ao enfraquecimento interno do movimento e à
dura reação imperial, a Confederação do Equador teve seu fim.
Dezesseis envolvidos foram acusados e executados pelas
instituições judiciárias do Império. Entre eles, Frei Caneca teve
como pena a morte por fuzilamento.

2.2 A Reafirmação da Ordem Agrário-Escravista


No início do século XIX, surgiu no país um novo produto de exportação
que se tornaria o mais importante em pouco tempo, o café. A produção se
concentrava no Vale do Paraíba, que tomava uma parte do Rio de Janeiro e
de São Paulo. A área, conhecida principalmente pelas trilhas que levavam à
região das Minas, possuía terra propícia para o cultivo da planta do café.
Além disso, a proximidade da região, com o porto do Rio de Janeiro, garantia
a facilidade tanto do escoamento do produto para o comércio exterior,
quanto para os contatos comerciais necessários à atividade.

A tradicional plantation13 operada com mão de obra escrava foi escolhida


como modelo das fazendas de café.

Embora o hábito de consumir café se generalizasse no Brasil, o


mercado interno era insuficiente para absorver uma produção em
larga escala. O destino dos negócios cafeeiros dependia, e ainda
hoje depende do mercado externo. O avanço da produção caminhou
lado a lado com a ampliação do hábito de consumir café entre a
classe média cada vez mais numerosa nos Estados Unidos e nos
países da Europa. Os Estados Unidos tornaram-se o principal país
consumidor do café brasileiro [...]. (FAUSTO, 2003, p.189).

O café foi responsável por mudanças profundas na estrutura do Império. O


Centro-Sul tornou-se o polo comercial mais importante com a criação de
portos, empregos, mecanismos de crédito na região, tudo isso em função

13 Grande plantação de café, cana-de-açúcar e algodão. Denominação de uma agricultura extensiva


e intensiva de um determinado produto. No caso, a monocultura do café. (FROTA, 2000).

64
Capítulo 4 – Brasil Império: formação e desenvolvimento (1808-1889)

da atividade cafeeira. Na década de 1870, o Nordeste já tinha perdido


definitivamente a posição de área mais importante do país.

Com a independência e o aquecimento comercial, o tráfico de escravos


aumentou e a Inglaterra, em 1826, conseguiu que o Brasil assinasse um
tratado se comprometendo a, em um prazo de três anos, declarar ilegal o
tráfico de escravos para o país. A Inglaterra teria o direito de inspecionar,
em alto mar, os navios que considerasse suspeitos. Mas foi só em 1845,
com o Tratado Unilateral de Bill Aberdeen14 , que a marinha inglesa pôde
tratar os navios negreiros como piratas.

A partir daí tinham o direito tanto de apreender o navio quanto de julgar a


tripulação e envolvidos em tribunais ingleses.

3. A Política Administrativa do Império


Até a abdicação de D. Pedro I15, o Exército cumpria um papel muito importante
na administração pública, com inúmeros oficiais ocupando cargos no governo
imperial. Porém, a partir do período regencial, essa importância começou a
cair. A participação de oficiais em revoltas populares, como foi o caso da
Farroupilha, acabou por criar desconfiança por parte do governo em relação à
instituição. Tal desconfiança acabou levando o regente Feijó, e seus aliados,
liberais em sua imensa maioria, a optar por uma alternativa ao Exército,
criando a Guarda Nacional. Para tanto, eles diminuíram os efetivos militares,
pretendendo assim reduzir a influência dos oficiais no governo.

Em 1881, ocorreu uma reforma eleitoral no Império que ficou conhecida


como Lei Saraiva. Uma das principais mudanças foi o estabelecimento do
voto direto para eleições legislativas. Acabava assim a antiga distinção entre
“eleitores”, de um lado, e “votantes” de outro: agora todos em condição de
votar eram considerados “eleitores”. Mas não eram todos que poderiam ser
“eleitores”. Existia um censo econômico, quer dizer, era necessária uma renda
mínima. E em 1882 foi introduzido o censo literário: a partir daí somente
quem sabia ler e escrever poderia votar. Outra mudança foi a extensão do
direito de voto aos brasileiros naturalizados, aos libertos e aos não-católicos.

14 O Parlamento inglês aprovou um ato que no Brasil ficou conhecido como “Bill Aberdeen”, em
uma referência a Lord Aberdeen, então ministro das Relações Exteriores do Governo Britânico.
O ato autorizou a marinha inglesa a tratar os navios negreiros como navios de piratas, com
direito a sua apreensão e julgamento dos envolvidos pelos tribunais ingleses. (FAUSTO, 2003).
15 A crise econômico-financeira, o insucesso na Guerra da Cisplatina e os descontentamentos
políticos geraram um contencioso entre o imperador e a classe política. O recrudescimento
dos confrontos entre defensores e contestadores das ações imperiais, com a morte do jornalista
Líbero Badaró, levou à abdicação do trono brasileiro em 1831. Nota do organizador.

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4. Crise e Consolidação do Império


Após a abdicação de D. Pedro I, o país passou por um período de turbulência.
Como D. Pedro II era ainda muito novo para assumir o trono, a direção do
Império ficou na responsabilidade de regentes que representavam o
Imperador.

Esse período, conhecido como Regência, até 1834, teve três regentes, e no
resto do tempo, até 1840 (quando a maioridade de D. Pedro II foi antecipada)
apenas um.

A centralização ou descentralização do poder, a organização das Forças


Armadas e a autonomia das províncias eram os grandes temas dos debates
na época. A instabilidade, que tinha como pano de fundo o vazio da figura
do Imperador, acabou levando várias partes do país à revolta. Tais revoltas,
muitas vezes, colocavam em risco a unidade territorial do Brasil.

Algumas tentativas foram feitas nessa época no sentido de flexibilizar o


sistema político e garantir liberdades individuais. Entretanto, tais medidas
não eram sempre bem recebidas e criavam atritos entre as elites e os grupos
de poder locais.

As revoltas do período regencial não se enquadram em uma


moldura única. Elas tinham a ver com as dificuldades da vida
cotidiana e as incertezas da organização política, mas cada uma
delas resultou de realidades específicas, provinciais ou locais.
(FAUSTO, 2003, p.164).

4.1 Cabanada
Entre 1832 e 1835, em Pernambuco, ocorreu uma revolta que se diferenciou
de outras insurreições por seu conteúdo. Os cabanos eram pequenos
proprietários rurais, trabalhadores do campo, escravos e índios, e no início
do movimento alguns senhores de engenho, que travaram uma luta religiosa
pela volta do imperador. O motivo do descontentamento eram as mudanças
implementadas pelos regentes que não eram compreendidas por essa
população rural. Tais pessoas viviam distantes dos problemas da corte e
viam o Imperador como a possibilidade de retorno às condições anteriores.
O movimento contou com o apoio, tanto de restauracionistas do Rio de
Janeiro, quanto de comerciantes portugueses de Recife.

66
Capítulo 4 – Brasil Império: formação e desenvolvimento (1808-1889)

4.2 Cabanagem
Essa revolta, a Cabanagem, ocorreu no Pará, entre 1835 e 1840, uma região
pouco ligada à capital do Império.

O termo Cabanagem se origina das habitações – cabanas –


humildes, na beira dos rios, nas quais vivia a população pobre, em
particular indígenas e mestiços. Parte dessa população já havia
participado da Guerra de Independência do Brasil e dos diversos
conflitos que se desenvolveram na província na década de 20,
marcados por forte sentimento liberal e anti-lusitano. Mesmo com
o reconhecimento da Independência, a elite mercantil de origem
portuguesa se manteve no controle político e econômico da região.
(RECCO, Claudio. Cabanada e Cabanagem. HISTORIANET: a nossa
história. Disponível em: <http://www.historianet.com.br/conteudo/
default.aspx?codigo=997>. Acesso em: 19 dez. 2009).

Um desentendimento a respeito da nomeação do presidente da província


entre as elites locais acabou dando espaço para a eclosão de uma revolta
popular. O Pará acabou se declarando independente depois que uma tropa
formada por negros, mestiços e índios tomou Belém após vários dias de luta.
Apesar da tomada da capital da província e da declaração de independência,
os cabanos não formularam uma proposta para a organização do território e
se concentraram em criticar os estrangeiros, maçons e na defesa do catolicismo,
do Pará, do Brasil, do Imperador e da liberdade. A rebelião acabou derrotada
após o bloqueio do Rio Amazonas e de uma série de lutas violentas.

4.3 Sabinada
A Sabinada, movimento de 1837 a 1838, teve o nome inspirado em seu
principal líder, Sabino Barroso, jornalista e professor da Escola de Medicina
de Salvador. Desde a independência, a Bahia foi palco de uma série de
revoltas urbanas, inclusive rebeliões escravas. Essa revolta tinha o apoio da
classe média e de comerciantes de Salvador que apoiavam as ideias
federalistas e republicanas de Sabino. A grande presença de escravos em
Salvador e sua tradição de revolta fizeram com que o movimento buscasse
um compromisso em relação a eles. Os escravos considerados nacionais -
nascidos no Brasil - que pegassem em armas em prol da Revolução Sabinista
seriam libertados. Os demais, estrangeiros e não participantes da revolução,
continuariam cativos. A Sabinada acabou derrotada após um cerco à cidade,
deixando um saldo de aproximadamente 1800 mortos.

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EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

4.4 Balaiada
No Maranhão, disputas entre grupos da elite acabaram resultando em uma
revolta popular, de 1838 a 1841. O centro das disputas ocorreu próximo à
fronteira com o Piauí, ao sul da província, em uma área de pequenas
produções de algodão e gado. O movimento tinha muitas vertentes e disputas
internas, o que o enfraqueceu. O governo central controlou rapidamente a
insurreição em meados de 1841. A anistia que se seguiu para os revoltosos
teve algumas condições. A primeira delas foi a reescravização dos negros
participantes na revolta. O responsável pelo comando das tropas que
derrotaram a Balaiada foi Luís Alves de Lima e Silva.

4.5 Revoltas em São Paulo e Minas Gerais


Em 1842, disputas acirradas entre conservadores e liberais, em Minas (Ouro
Preto, Barbacena, São João Del Rei) e em São Paulo (Sorocaba, Itu, Porto
Feliz, Faxina, Capivari, Curitiba) conduziram à crise. Os liberais visualizaram
a derrubada do Gabinete de Ministros conservadores, sob o argumento de
verem nele indícios de autoritarismo. Em São Paulo, o pretexto foi a
substituição do Presidente da Província, Rafael Tobias de Aguiar, a
manutenção do Comandante-das-Armas e o adiamento da abertura das
câmaras legislativas. Em 17 de maio 1842, estourou a revolução em Sorocaba,
cuja Câmara proclamou Tobias de Aguiar e o ex-regente do Império, o
Padre Feijó, presidente e vice-presidente interinos de São Paulo. A Corte
agiu rápido. Nomeou o Barão de Caxias, que acabara de pacificar o Maranhão,
Comandante-em-Chefe com carta branca para pacificar São Paulo. Com
iniciativa, Caxias debela o movimento e, em 13 de julho, quando retornava
ao Rio, em Guaratinguetá, soube de sua nomeação para pacificar Minas
Gerais, com carta branca, como o fizera em São Paulo.

Em 10 de junho de 1842, três dias após a vitória de Caxias em Venda


Grande, em São Paulo, estourou a revolta de Barbacena, cuja Câmara aclamou
presidente interino de Minas, o coronel José Feliciano, futuro Barão de
Cocais. Os motivos foram os mesmos que determinaram a revolta de
Sorocaba. O presidente interino tomou diversas medidas administrativas.
Várias cidades aderiram à revolução. Ouro Preto resistiu à revolução sob a
liderança do presidente legal Bernardo Veiga. Mas, apesar disso, os
revolucionários dominavam a região mais populosa de Minas e as
comunicações com o Rio de Janeiro.

Caxias, após rápida campanha, entrou vitorioso em Ouro Preto em 10 de


setembro, neutralizando a revolta.

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Capítulo 4 – Brasil Império: formação e desenvolvimento (1808-1889)

4.6 Revolução Praieira

Foi uma revolta de caráter liberal e federalista, ocorrida na


província de Pernambuco entre os anos de 1848 e 1850. Dentre
as várias revoltas acontecidas durante o Brasil Império, esta foi
a última. Ganhou o nome de Praieira, pois a sede do jornal
comandado pelos liberais revoltosos (chamados de praieiros)
localizava-se na Rua da Praia.
Em 1848, o Senado brasileiro era dominado [pela maioria] dos
senadores do Partido Conservador. Estes conservadores vetaram
a indicação, para uma cadeira do Senado, do liberal pernambucano
Antônio Chinchorro da Gama. Este veto provocou uma revolta
em determinado grupo de políticos liberais de Pernambuco,
principalmente dos mais pobres, que viviam oprimidos e sofriam
com as péssimas condições sociais. Os pernambucanos também
estavam insatisfeitos, com a falta de autonomia política das
províncias e a concentração de poder nas mãos da monarquia.
(Revolução Praieira. SuaPesquisa.com. Disponível em:< http://
www.suapesquisa.com/historiadobrasil/revolucao_praieira.htm>.

Os praieiros reivindicavam ainda: independência dos poderes e fim do Poder


Moderador16; voto livre e universal; nacionalização do comércio de varejo;
liberdade de imprensa; reforma do Poder Judiciário; federalismo; fim da lei
do juro convencional; fim do sistema de recrutamento militar.

A rebelião foi derrotada pelas forças oficiais no começo de 1850.


Muitos revoltosos foram mortos durante os combates com as
forças oficiais. Os líderes e demais participantes foram presos e
julgados, embora tenham sido anistiados no ano seguinte. (Idem).

4.7 Guerra dos Farrapos


De 1835 a 1845, no Rio Grande do Sul, ocorreu a Guerra dos Farrapos, ou
Farroupilha. A expressão “Farrapos”, que significa “maltrapilho”, foi cunhada
pelos inimigos dos revoltosos que queriam depreciá-los. Mas esse nome
não refletia a situação dos dirigentes da revolta, estancieiros ricos, criadores
de gado. O motivo da revolta eram os pesados impostos devidos ao governo
central. Os revoltosos tinham por objetivo a conquista de uma autonomia

16 O Poder Moderador foi instituído na Constituição de 1824. Esse poder era concentrado nas
mãos do Imperador. (Nota do organizador).

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EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

maior em relação ao poder central. Cogitaram, inclusive, a possibilidade de


separação do Estado brasileiro. Essas antigas reivindicações eram defendidas
no Rio Grande do Sul tanto por conservadores, quanto por liberais.

Apesar da magnitude da revolta, ela não uniu toda a população gaúcha. Os


charqueadores que dependiam do comércio com a capital da província,
principal consumidora de charque e couro, acabaram apoiando o governo
central. A disputa se baseou na ação da cavalaria farroupilha, liderada por
Bento Gonçalves, Giuseppe Garibaldi e Davi Canabarro. A revolta teve, em
sua relação com o governo, violentos combates, mas lograram concessões.
A região do Rio Grande do Sul era de extrema importância para o Império,
que acabou cedendo, no início de 1840, a uma das maiores reivindicações
dos farrapos, a taxação de 25% sobre a carne da região da Prata, concorrente
da nacional.

Com o prolongamento do conflito, o governo designou o Barão de


Caxias para conduzir as tropas da Guarda Nacional. Nessa mesma
época, dissidências políticas e a crise econômica acabaram
ameaçando as intenções dos revolucionários. De fato, nenhum
dos lados desta guerra tinha condições suficientes para oferecer
resistência. Com isso, o próprio governo optou em desmobilizar
os farrapos atendendo a sua principal reivindicação: o aumento
da taxa sobre o charque estrangeiro.
A partir de então, o Barão de Caxias começou a articular as
negociações que, finalmente, encerrariam essa penosa guerra.
Após serem derrotados na batalha dos Porongos, em 1844, os
farrapos enviaram um grupo que negociaria secretamente a
rendição das tropas insurgentes na capital federal. Em março de
1845, o tratado do Ponche Verde garantiu os interesses dos
revolucionários gaúchos e a hegemonia territorial do Império.
(SOUZA, Rainer. Guerra dos Farrapos).

5. A Política Externa do Império do Brasil

Ao governo imperial interessava o reconhecimento da


independência, sem o qual o Brasil não podia pertencer ao concerto
das nações, sendo igualmente indispensável para a realização do
comércio internacional. Não dispunha o nosso imperador de
diplomatas de carreira. Esta realidade determinou serem

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Capítulo 4 – Brasil Império: formação e desenvolvimento (1808-1889)

aproveitados homens de saber e confiança, que atuaram junto


aos governos estrangeiros. (FROTA, 2000, p. 291).

Depois da independência, os Estados Unidos foram o primeiro país a


reconhecer oficialmente o Brasil como nação livre. Isso porque os EUA
tinham passado por um processo de independência e defendiam
internacionalmente o principio da liberdade das nações e estavam marcando
essa posição ante o resto do mundo.

No pós-independência, algumas questões de política externa tomaram um


grande espaço nos debates políticos da época. A questão da Cisplatina foi
uma delas:

A Cisplatina não passava de uma área dominada militarmente


pelo Império, onde tradições e cultura apresentavam-se diferentes
das do Brasil. A República das Províncias Unidas (Argentina hoje)
ansiava incorporá-la, chegando, mesmo, a tentativas diplomáticas
no Rio de Janeiro. (FROTA, 2000, p. 294).

5.1 Lutas Contra os Caudilhos Platinos

Com a fundação da Colônia do Sacramento, na margem norte do


estuário do Prata, os portugueses manifestaram claramente sua
intenção de usufruir das benesses das ricas planícies platinas e
de atingir limites naturais, mais fáceis de defender. Evidentemente,
os espanhóis, radicados na área desde meados do século XVI,
não estavam dispostos a compartilhar, em condomínio, com seu
vizinho ibérico, a soberania no Prata. Por isso, reagiram
firmemente à pretensão portuguesa. Por força de tratados
sucessivos, seria legada ao Brasil a região dos Sete Povos das
Missões. Aparentemente, os espanhóis abriram mão de seu sonho
na região do Prata.
Dez anos de ocupação portuguesa só fizeram agravar
ressentimentos mútuos. O desembarque, em Agraciada, dos trinta
e três patrícios do caudilho uruguaio Lavalleja, desencadeou o
processo que iria culminar no enfrentamento, às margens do Rio
Santa Maria, no Passo do Rosário, dos Exércitos do Império do
Brasil e da República Argentina. À Batalha do Passo do Rosário,
de resultado militar indefinido, seguiu-se frágil período de paz, de
efêmera duração.

71
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Assim, Brasil, Argentina, Paraguai e o futuro Uruguai herdaram,


de Portugal e Espanha, suas desavenças. Por longos anos,
entreveros sucessivos caracterizaram a região platina. A vinda
da família real para o Brasil ensejou ocasião para a retomada das
intenções expansionistas portuguesas, o que acabou redundando
na incorporação, mais tarde, da Banda Oriental do Uruguai, com
o nome de Província Cisplatina. Ocorre que esta já se encontrava
colonizada pelos espanhóis, vinculada irreversivelmente aos países
de origem hispânica, pela língua, pelas tradições e pelos costumes,
o que dificilmente permitiria a concretização dessa incorporação.
Nesses embates nos Pampas, notabilizaram-se chefes militares,
como o Marechal José de Abreu, Barão do Cerro Largo, imolado
no campo de batalha. Também despontaram guerreiros
renomados, como o capitão Emílio Luís Mallet e o tenente Manuel
Luís Osório, entre outros, que escreveram, à ponta de espada,
páginas memoráveis da nossa História Militar.
Todavia, os ventos ameaçadores da guerra voltariam a soprar na
região, em meados do século XIX. O problema não residia
propriamente na animosidade dos povos dos países do Prata em
relação ao Brasil, mas nos caudilhos que teimavam em ressuscitar
antigos ressentimentos, revigorados por delírios imperialistas.
Rosas, da Argentina, pretendia reconstituir o antigo Vice-Reinado
do Rio da Prata, à custa de território brasileiro. Ao seu ideal
expansionista, aliou-se Oribe, do Uruguai. A aliança dos caudilhos
platinos trazia perigo para as fronteiras brasileiras.
[...] A expedição brasileira é rápida e eficiente. Oribe é deposto e
Rosas, em face da derrota de seu exército na batalha de Monte
Caseros, exila-se na Europa. A vitória é decisiva, mas não
definitiva. [...]
Em 1864, outro ditador uruguaio, Aguirre, testa a disposição do
Império de fazer prevalecer seus interesses na região. Restitui a
nota diplomática brasileira que protestava contra invasões do
território brasileiro. Em consequência, nova expedição punitiva é
desencadeada.
Solano Lopes, ditador do Paraguai, entende a intervenção
brasileira no Uruguai como ameaça à sua soberania. Vale-se da
oportunidade para tentar romper a então asfixiante
mediterraneidade de seu país, dependente da livre navegação
dos rios platinos e sujeito às imposições portenhas para exportar
seus produtos.
Elegendo equivocadamente o Brasil como seu principal inimigo,
aprisiona o navio Marquês de Olinda, que conduzia o Governador

72
Capítulo 4 – Brasil Império: formação e desenvolvimento (1808-1889)

de Mato Grosso para aquela província. Ato contínuo determina a


invasão do território brasileiro, dando início à Guerra da Tríplice
Aliança. (Disponível em: < http://www.exercito.gov.br/01inst/
Historia/sinopse/pampas.htm>.

5.2 Guerra da Tríplice Aliança


O Paraguai precisava de um acesso ao mar para facilitar seu comércio e não
ter mais que depender de países vizinhos. O Brasil necessitava manter livre
o trânsito no Rio Paraguai para alcançar, por via fluvial, a província de Mato
Grosso. Para tanto, mantinha uma constante presença política na Região
do Prata. A necessidade paraguaia de romper o cerco em que viviam e a
crença de que, desde a época colonial, terras pertencentes ao Paraguai
haviam sido espoliadas, acabaram dando início à guerra.

Solano Lopes determina a invasão do território brasileiro. Ao Sul, as tropas


paraguaias atingem Uruguaiana. Ao Norte, na região do Pantanal, conquistam
o Forte de Coimbra e a Colônia Militar de Dourados. Em Mato Grosso
frustrada tentativa ofensiva redundaria na épica “Retirada da Laguna”17. O
acordo firmado por Brasil, Argentina e Uruguai redundou na assinatura do
Tratado da Tríplice Aliança18, esforço de guerra conjunto da Argentina, do
Brasil e do Uruguai, para dobrar o ditador e não o povo paraguaio.

A superioridade brasileira, conquistada nas águas do Paraná,


representou o ponto de inflexão da campanha - o que a Marinha
começara em Riachuelo, a 11 de junho de 1865, o Exército iria
terminar em Tuiuti, a 24 de maio de 1866, maior batalha campal
travada em continente sul-americano. Depois dela, a derrocada
do ditador seria questão de tempo. [...] Comandou grande parte
do esforço de guerra aliado, o Marechal Luís Alves de Lima e
Silva. (Disponível em:< http://www.fortedecopacabana.com/
modules/mastop_publish/?tac=No_Imp%E9rio>.)

Entretanto o fim dos confrontos bélicos não significou a resolução das


disputas. Somente em 3 de fevereiro de 1876 as nações da Tríplice Aliança
conseguiram assinar um tratado de paz, um tratado de limites territoriais e,
17 Movimento realizado por tropas brasileiras, sediadas no Mato Grosso, no início da Guerra da
Tríplice Aliança. Perseguida pelo exército paraguaio, a coluna de marcha conseguiu chegar ao
seu destino e em Cuiabá. (Nota do Organizador).
18 Aliança feita entre o Brasil, o Paraguai e o Uruguai, em 1870, para que fizessem do conflito
armado contra o Paraguai uma ação combinada. (Nota do Organizador).

73
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

por último, um que regulava o comércio e a navegação. Outras questões


ainda ficaram pendentes: a questão territorial entre Paraguai e Argentina só
se resolveu em 1878, com a arbitragem norte-americana, e a dívida de
guerra paraguaia ficou pendente até 1953, quando Getúlio Vargas a perdoou
em uma visita do presidente paraguaio ao Brasil.

A vitória no Paraguai foi um grande feito imperial, que refletiu internamente


na administração do ministério do visconde do Rio Branco. Entretanto,
várias questões surgidas durante o período de guerra, como a situação dos
escravos que lutaram, o emprego das Forças Armadas e os conflitos religiosos,
acabaram por fortalecer os partidários da República.

5.3 Crise entre Brasil e Inglaterra


A relação com a Inglaterra no Período Imperial foi turbulenta. Três incidentes
significativos acabaram levando ao corte de relações entre os países. O
pano de fundo dos desentendimentos era a intenção inglesa de pôr um fim
ao tráfico de escravos no mundo todo. O Brasil sofria os efeitos do Bill
Aberdeen, uma legislação inglesa de 1845, que restringia o tráfico.

Os incidentes que levaram a termo os desentendimentos começaram quando


marujos da fragata inglesa Emerald, em julho de 1860, se desentenderam
com alguns remadores, um marinheiro e dois soldados que estavam no
posto da alfândega do porto do Rio de Janeiro. Na luta, um soldado foi
morto. Os presos ingleses foram levados ao navio britânico e o representante
da corte inglesa na capital do Império, conhecido como Christie, acobertou
os delitos, recusando-se a entregá-los às autoridades brasileiras. Outra crise
aconteceu quando, um ano depois, em 1861, um cargueiro britânico, Prince
of Wales, naufragou na costa do Rio Grande do Sul e sua carga acabou
sendo saqueada. Finalmente, em julho de 1862, três oficiais ingleses, da
fragata britânica Fort, desacataram uma sentinela num posto policial em
um passeio que fazia pela Tijuca.

Christie reuniu todos esses três incidentes em um único documento e exigiu


indenização pela carga roubada e explicações sobre os episódios que, segundo
ele, teriam desrespeitado oficiais de Sua Majestade, a Rainha Vitória. O
imperador não concordou com as alegações se recusando a pagar qualquer
indenização ou dar qualquer satisfação sobre os episódios. As tentativas
diplomáticas de resolução do conflito falharam e as relações entre os dois
países acabaram cortadas.

74
Capítulo 4 – Brasil Império: formação e desenvolvimento (1808-1889)

6. Economia e Trabalho em Transição


“Com base no Bill Aberdeen, a Marinha inglesa não se limitou a apreender
em alto-mar navios suspeitos de contrabandear escravos. Navios britânicos
penetraram em águas territoriais brasileiras, ameaçando mesmo bloquear os
principais portos.” (FAUSTO, 2003, p. 193).

A pressão inglesa para pôr um fim ao tráfico de escravos e da escravidão


aumentava em meados do século XIX. Finalmente, em 1850 foi assinada a
Lei Eusébio de Queiroz que proibia o tráfico de escravos para o país. Os
senhores de terras, que sempre se apoiaram nesse comércio bastante
lucrativo, nunca se preocuparam com a reprodução da mão de obra escrava
em terras brasileiras. Assim, o fim do tráfico acabava determinando o fim
próximo da própria escravidão, já que além da tendência de se tornar pequeno
o número de escravos, o país vivia uma guinada político-ideológica. O fim
do trafico trazia uma série de perguntas sobre a manutenção do sistema
escravista: por quanto tempo ele sobreviveria? Como seria realizado agora
o trabalho antes realizado por escravos?

Uma reação rápida à Lei Eusébio de Queiroz foi a promulgação, apenas


duas semanas depois, da Lei de Terras. Essa lei buscava regularizar a situação
da terra no Império, determinando que as terras públicas, a partir daquela
data, não poderiam mais ser doadas. Teriam que ser vendidas, como
acontecera com as antigas sesmarias. Foram estabelecidas normas para
legalizar a posse de terras e forçar o registro das propriedades. A motivação
principal dessa lei era tentar impedir que os imigrantes, que chegariam para
trabalhar, pudessem ter acesso à terra.

Apesar da medida tomada para impedir que imigrantes se tornassem


proprietários, a grande onda de imigração só aconteceu mais tarde. A solução
encontrada pelos senhores foi buscar novos escravos, intensificando o tráfico
interno, principalmente trazendo escravos do Norte-Nordeste, uma região
em decadência, para o Centro-Sul do país.

Outra lei que contribuiu para o fim do período escravista foi a Lei Rio
Branco ou Lei do Ventre Livre, de 1871:

[...] determinava que todos os filhos de escravas, nascidos depois


daquela data, continuariam em poder dos senhores de suas mães,
que deviam criá-los até oito anos, quando então se beneficiariam
de uma indenização paga pelo Estado ou utilizariam os serviços
deste menor até 21 anos. (FROTA, 2000, p.459)

75
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

A lei era cumprida nos grandes centros, mas desconsiderada nas grandes
plantações do interior. Isso era um dos fatores que faziam com que os
abolicionistas radicais considerassem que o processo adotado era muito
lento. Assim, abolicionistas como Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, José do
Patrocínio, Castro Alves, João Clapp, André Rebouças, Chiquinha Gonzaga,
a cantora Luiza Regadas, entre outros, começaram a organizar comícios,
conferências em clubes e a formar sociedades secretas, tentando assim
transformar a opinião pública sobre o assunto.

Em 1885, quatro anos antes do fim da escravidão, outra lei, conhecida


como a Lei dos Sexagenários ou Saraiva-Cotegipe, garantia que após os 60
anos os escravos teriam sua liberdade concedida. Como muito poucos
chegavam até essa idade, a lei teve pouca repercussão.

Em 1887, o imperador D. Pedro II ficou doente e teve que ir para a Europa


se tratar. Nessa época o processo de abolição entrou numa fase mais objetiva.
A princesa Isabel, que já era bastante influenciada pelas ideias abolicionistas,
assumiu como regente do Império. Esse ano foi de particular agitação,
sendo organizada uma campanha de perseguição de escravos fugidos. Nesse
momento, Deodoro da Fonseca assinou uma petição elaborada no Clube
Militar, recusando a participação do Exército em tal tarefa. A partir daí, o
Exército também estava ligado à causa abolicionista. Finalmente, em 13 de
maio de 1888, a princesa Isabel, na condição de regente, assinou a Lei de
Abolição, que ficou conhecida como a Lei Áurea.

7. O Fim do Império
A doença do Imperador trazia à tona a questão de um terceiro mandato
imperial. “Quase todos admitiam a inviabilidade de um Terceiro Reinado,
acreditando-se que a princesa Isabel não seria capaz de desempenhar as
altas funções majestáticas [...]”. (FROTA, 2000, p. 464).

Dentre outros motivos que levaram à Proclamação da República e, portanto,


ao fim do Império, podemos citar:
• a crise econômica causada pelas despesas do governo com a Guerra
da Tríplice Aliança, que obrigou o Governo Brasileiro a realizar grandes
empréstimos;
• a proibição, imposta pela monarquia, ao manifesto dos militares na
imprensa; o descontentamento das elites agrárias (principalmente os
cafeicultores), que se sentiram prejudicadas pela Lei Áurea (libertação
dos escravos); e

76
Capítulo 4 – Brasil Império: formação e desenvolvimento (1808-1889)

• o crescimento nas cidades da classe média (constituída por jornalistas,


comerciantes, artistas, funcionários públicos etc.), que desejava e
apoiava a república porque almejava maior liberdade, bem como
participação na política nacional.

O movimento que ajudou a derrubar a monarquia contou com a ajuda de


personagens republicanos, dentre os quais podemos destacar: Aristides Lobo,
Quintino Bocaiúva, Francisco Glicério (chefe do Partido Republicano Paulista,
fundado em 1873, que defendia as ideias republicanas e os ideais federativos), Rui
Barbosa (jornalista e deputado) e o professor, estadista e militar Benjamin Constant.

No Exército a influência positivista (a doutrina positivista preconizava o


uso da racionalidade e da comprovação científica dos fatos e das ocorrências
na natureza) do pensamento de Augusto Comte crescia, principalmente
entre os oficiais mais jovens. O Positivismo e o Republicanismo se tornaram
a tônica do discurso militar. Desde 1883, vários conflitos vinham ocorrendo
entre Governo e Exército. Em 1887 foi organizado o Clube Militar que,
tendo como presidente Deodoro da Fonseca, pretendia defender
permanentemente os interesses dos oficiais do Exército (inclusive se
recusando a perseguir escravos fugidos).

Nesse clima, surgiram as questões militares. Declarações, em defesa pública da


honra, realizadas por um oficial, levaram a proibir os militares de se manifestarem
pela imprensa sobre assuntos políticos, contrariando costume vigente à época.

Em junho de 1889, em meio à crescente insatisfação com o Governo Imperial,


D. Pedro II convoca um liberal, visconde de Ouro Preto, para um novo gabinete,
talvez tentando aplacar os ânimos. Mas a medida não foi eficaz. Os constantes
contatos entre republicanos paulistas, gaúchos e militares, que vinham
acontecendo desde o ano de 1887, se intensificaram. Até que em 11 de
novembro de 1889, numa reunião com marechal Deodoro, Rui Barbosa,
Benjamin Constant, Aristides Lobo e Quintino Bocaiúva articularam um
movimento contra o regime que teria Deodoro como figura central. Ele, que
a princípio estava relutante, foi convencido pelos outros que entendiam ser
necessária a participação de uma figura do Exército com o seu prestígio na
derrubada do regime imperial. No dia 15 do mesmo mês, foi proclamada a
República no Brasil. Em seguida, uma série de reformas de inspiração
republicana foi decretada, entre elas, a separação do Estado e da Igreja. A
redação de uma nova constituição foi finalizada em junho de 1890. Inspirada
na Constituição dos Estados Unidos foi adotada em fevereiro de 1891, fazendo
do Brasil uma República Federal, sob o título de Estados Unidos do Brasil.

77
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Referências
BRASIL ESCOLA. Guerra da Independência do Brasil. Disponível em: <http:/
/www.guerras.brasilescola.com/seculo-xvi-xix/guerra-independencia-
brasil.htm>. Acesso em: 15 dez. 2009.

CAMPOS, Pedro Moacyr; PANTALEÃO, Olga. O reconhecimento do império.


In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da civilização brasileira: o
processo de emancipação. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 377-
430.

COSTA, Emília Viotti da. O escravo na grande lavoura. In: HOLANDA, Sérgio
Buarque de. História Geral da civilização brasileira: reações e transações.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. p. 165-214.

CUNHA, Pedro Octávio Carneiro da. A fundação de um império liberal. In:


HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da civilização brasileira: o
processo de emancipação. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 270-
297.

DORATIOTO, Francisco F. M. Maldita guerra: uma nova história da Guerra


do Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. 11. ed. São Paulo: EDUSP, 2003.

FROTA, Guilherme Andrea. 500 anos de História do Brasil. Rio de Janeiro:


Bibliex, 2000.

SILVA, Francisco de Assis. História do Brasil. São Paulo: Moderna, 1992.

SOUSA, Rainer. A Confederação do Equador. Brasil Escola. Disponível em:


<http://www.guerra-independencia-brasil.htm>. Acesso em: 19 dez. 2009.

78
CAPÍTULO 5

A Primeira República no Brasil


(1889-1930)

A modernização trazida pela Era Mauá e pelas novas ideias empresariais do


Oeste Paulista acabou deixando a monarquia ultrapassada e sem sintonia
com o novo momento histórico permitindo que a ideia da república se
tornasse favorável à nova mentalidade material. Outros fatores foram também
responsáveis pela queda da monarquia: a abolição da escravatura, a questão
sucessória, a questão religiosa e a questão militar.

Cabe destacar que é durante a primeira república que se dá a consolidação


da nova ordem liberal-oligárquica; a centralização e o regionalismo. A Primeira
República, conhecida como República Velha, teve seu corte cronológico
entre 1889 (proclamação da República) e 1930 (revolução liberal que levou
Getúlio Vargas ao poder). Dois períodos distintos caracterizaram essa fase
republicana: República da Espada e República das Oligarquias.

1. República da Espada
A República da Espada foi o período compreendido entre a Proclamação da
República e a eleição de Prudente de Morais (1894). Neste período o Brasil
foi governado pelo marechal Deodoro da Fonseca (o Proclamador) e, em
seguida, pelo marechal Floriano Peixoto (o Consolidador da República). O
Brasil, no início da República, foi governado por dois militares.

Cabe lembrar que o 15 de novembro de 1889 não resultou de um movimento


popular, mas sim da conjugação de interesse políticos entre os militares,
que representavam a classe média urbana, e a elite agrária, principalmente
os cafeicultores do oeste paulista.

Depois da proclamação da República, foi estabelecido no Brasil um governo


provisório que permaneceu no poder até a escolha do governo definitivo. O

79
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

novo governo era representado pela classe proprietária exportadora, os


latifundiários, pelos militares e por alguns profissionais liberais. Entre os
membros do governo provisório, destacaram-se o Mal Deodoro da Fonseca,
Rui Barbosa, Ministro da Fazenda e Quintino Bocaiúva, Ministro do Exterior.

O Governo Provisório tomou inicialmente as seguintes medidas:


• dissolveu as Assembleias Provinciais, as Câmaras Municipais e a Câmara
dos Deputados;
• extinguiu a vitaliciedade do Senado;
• decretou a expulsão da família real;
• transformou as províncias em estados;
• nomeou interventores, principalmente militares, para governar os
estados;
• criou a bandeira republicana com o lema positivista “Ordem e Progresso”;
• decretou a grande naturalização, tornando brasileiro todo estrangeiro
residente no Brasil, com exceção daqueles que não quisessem;
• decretou a separação entre a Igreja e o Estado, a liberdade de culto e a
regulamentação do casamento civil;
• realizou o reconhecimento dos compromissos assumidos pelo governo
imperial;
• convocou uma Assembleia Constituinte para elaborar a nova
Constituição;
• extinguiu o Conselho de Estado;
• estabeleceu como sede do governo federal a cidade do Rio de Janeiro; e
• promulgou a Constituição de 1891, a primeira da República.

Em 24 de fevereiro de 1891 foi promulgada a primeira constituição


republicana, que teve como principal modelo a constituição norte-americana.

A Constituição de 1891 ficou marcada pelas seguintes características básicas


e fundamentais descritas a seguir: federalismo, presidencialismo, regime de
representatividade e três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).

Î Federalismo
O Brasil era constituído por uma federação de vinte estados, aos quais
foi concedida ampla autonomia econômica e administrativa; porém
cabiam à União as melhores fontes de renda pública, a defesa nacional e
as relações exteriores (a ampla autonomia dos estados não representava
o esfacelamento do poder central).

80
Capítulo 5 – A Primeira República no Brasil (1889-1930)

Î Presidencialismo
O chefe do Poder Executivo era o Presidente da República.

Î Regime de representatividade
O Presidente da República, o Vice-presidente, os governadores dos
estados e os membros do Poder Legislativo, em todos os níveis, seriam
eleitos diretamente pelo povo, dentro das normas de votação da
Constituição.

Î Três poderes
O governo do País foi confiado a três poderes: Executivo, Legislativo e
Judiciário.
- Poder Executivo
Era composto por um Presidente eleito diretamente, com mandato de
quatro anos, que seria auxiliado pelo Vice-presidente e por um
ministério. O Presidente, que não podia ser reeleito, tinha a prerrogativa
para determinar a intervenção federal na administração dos estados
em certos casos.
- Poder Legislativo
Era exercido pelo Congresso Nacional, composto pelo Senado Federal
e pela Câmara dos Deputados, todos eleitos mediante sufrágio universal
direto.
- Poder Judiciário
Tinha como órgão máximo o Supremo Tribunal Federal e juízes federais
(vitalícios).

A Constituição de 1891 era liberal, presidencialista e federativa. Regeu os


destinos políticos do Brasil até a década de 1930, tendo sofrido uma pequena
reforma em 1926. A Proclamação da República foi mais um fato importante
no processo histórico brasileiro que não contou com a participação da
massa popular.

Um dos problemas ocorridos no início da República foi a chamada “Crise do


Encilhamento”19. Rui Barbosa, Ministro da Fazenda, acreditava ser possível
transformar um país que era essencialmente agrário, com uma oligarquia

19 A explicação mais plausível é a de que se tomou um dos sentidos da palavra “encilhamento”-


local onde são dados os últimos retoques nos cavalos de corrida antes de disputarem os
páreos. Por analogia, teria sido aplicada à disputa entre ações das empresas na Bolsa do Rio
de Janeiro, trazendo em si a ideia de jogatina. (FAUSTO, 2003).

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EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

poderosa, em uma nação industrializada com uma burguesia poderosa.


Industrializar o país e realizar a independência econômica frente ao
capitalismo europeu era o objetivo pretendido.

Dentre as muitas medidas adotadas por Rui Barbosa - como aumento das
tarifas alfandegárias, facilidade na importação de matérias-primas e outras -,
houve uma, que foi a emissão de moeda, visando o aumento do meio
circulante e facilidade de crédito para estimular os negócios e a produção
interna, que acabou resultando numa violenta inflação e uma desenfreada
especulação na Bolsa de Valores.

Com a inflação galopante faliram muitas empresas que não puderam saldar
suas dívidas. E a República conheceu sua primeira crise econômica chamada
de “Crise do Encilhamento”, que foi duramente combatida pelos grandes
fazendeiros e pelos grupos financeiros internacionais, para os quais
interessava um Brasil economicamente dependente. A crise culminou com
a renúncia de Rui Barbosa.

A seguir, são apresentadas as principais características dos governos deste


período.

Î DEODORO DA FONSECA (1891)

Após a promulgação da Constituição, foram eleitos pelo Congresso


Nacional, que sofreu forte pressão dos militares, o Presidente
Deodoro da Fonseca e o Vice Floriano Peixoto. No curto período
que esteve no poder, Deodoro governou com minoria parlamentar,
pois o Legislativo era dominado pelas oligarquias estaduais que
lhe faziam oposição.
Diante do descompasso político entre o Executivo e o Legislativo,
Deodoro mandou ocupar o Congresso Nacional em 03 de
novembro, declarando dissolvido o poder Legislativo. O Golpe
teve apoio imediato do Exército e dos governos estaduais, exceto
do governador do Pará, Lauro Sodré, um jovem militar positivista.
Enquanto isso, Custódio de Melo, Floriano e congressistas
organizavam o contragolpe. Deodoro ameaçou resistir, ordenando
a prisão de Custódio de Melo, que escapou e sublevou a Esquadra,
ameaçando bombardear o Rio de Janeiro. Diante da iminência de
uma guerra civil, Deodoro renunciou e entregou o poder a quem
competia constitucionalmente, ao vice Floriano Peixoto.
(Disponível em: http://www.ensino.eb.br/cpeceme/docs/
informativos/4Informativo2009Nr113.pdf)

82
Capítulo 5 – A Primeira República no Brasil (1889-1930)

Î FLORIANO PEIXOTO (1891 - 1894)

Floriano assumiu a Presidência da República apoiado numa forte


ala militar florianista e nas oligarquias estaduais antideodoristas,
o que lhe deu força e poder, coisa que Deodoro não possuía. Com
sua ascensão ao poder, foi suspensa a dissolução do Congresso e
foram depostos todos os governadores que haviam apoiado o
golpe de Deodoro. Floriano julgou necessário governar pela força,
pois eram grandes e muitos os problemas nacionais. Um dos
primeiros que teve de enfrentar foram os protestos da oposição,
que não o consideravam legítimo presidente. Segundo a
Constituição de 1891, se o presidente fosse impedido de governar
por alguma razão, antes de ter passado dois anos no poder,
deveriam ser convocadas novas eleições. Como Floriano não
convocou, teve de enfrentar as revoltas dos Fortes de Santa
Cruz e de Laje e um manifesto de treze generais. Floriano mandou
fuzilar o [“cabeça”] da revolta do Forte de Santa Cruz e exonerou
os treze generais, numa demonstração de força. O Congresso
que simpatizava com o Marechal de Ferro (cognome de Floriano)
legitimou seu poder em 1892. Floriano Peixoto teve ainda de
enfrentar duas revoltas iniciadas em 1893: a Revolução
Federalista (RS)20 e a Revolta da Armada (RJ)21 .
Após o advento da República, as lutas partidárias no RS
transformaram-se numa violenta guerra civil. O presidente do
estado, Júlio de Castilhos, enfrentava a oposição dos federalistas
que queriam a predominância do poder federal sobre o estadual e
a reforma da Constituição gaúcha, que, tendo caráter positivista,
possibilitava a ditadura do governo do estado.
Esses federalistas (maragatos) revoltaram-se em fevereiro de
1893 com o propósito imediato de libertar o RS da tirania de
Castilhos (os pica-paus). Os revoltosos se uniram aos participantes
da Revolta da Armada, que estava ocorrendo na mesma época
no RJ, mergulhando o país, na mais sangrenta revolução da
República Velha. Posteriormente foram derrotados.

20 Uma das regiões politicamente mais instáveis do país nos primeiros anos da República era o
Rio Grande do Sul. Opunham-se, de um lado, os republicanos históricos, adeptos do positivismo
e, de outro os federalistas, antigo partido liberal do Império. A guerra civil entre os dois
grupos, conhecida como Revolução Federalista, começou em fevereiro de 1893 e só terminou
mais de dois anos e meio depois, já no governo de Prudente de Morais. A luta foi implacável,
dela resultando milhares de mortos. Muitos deles não morreram em combate: foram degolados
após terem caído prisioneiros. (FAUSTO, 2003).
21 Iniciada nos navios estacionados no Rio de Janeiro, tendo como causa a rivalidade entre o
Exército e a Marinha e ressentimentos do Almirante Custódio de Melo, que se vira frustrado
em seu objetivo de substituir a Floriano na Presidência da República. (FAUSTO, 2003).

83
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Em setembro de 1893, o almirante Custódio de Melo sublevou a


Armada exigindo a imediata reconstitucionalização do país. Depois
de bombardear o Rio de Janeiro, zarpou para o sul e uniu-se aos
federalistas que haviam ocupado Florianópolis, (antiga Desterro)
instalando aí um Governo Revolucionário. A rebelião se propagou
com a ocupação do Paraná e o ataque a São Paulo.
Floriano começou a combater os rebeldes que se asilaram em
navios portugueses, provocando uma questão diplomática com
Portugal e o rompimento de relações com esse país. Com a
deposição dos governos revolucionários do Paraná e Santa
Catarina, e a violenta repressão aos rebeldes, a rebelião terminou
e o Marechal de Ferro consolidou a República.
No campo econômico a política de Floriano caracterizou-se por uma
ação favorável à classe média e à nascente burguesia brasileira.
Com o objetivo de defender a indústria nacional, Floriano estabeleceu
um novo protecionismo alfandegário, isentou o pagamento de taxas
alfandegárias para a importação de máquinas, equipamentos e
matérias-primas, e autorizou os empréstimos para as indústrias. Com
tanta força e poder nas mãos, Floriano tinha tudo para permanecer
no poder após terminar seu mandato, em 1894, porém não continuou,
pois a Constituição não permitia reeleição.
Nem mesmo a implantação da República devolveu ao Exército as
condições necessárias à defesa do país na eventualidade de uma
agressão estrangeira. A Revolução Federalista e a Revolta da
Armada trouxeram graves prejuízos à reorganização e ao
reaparelhamento das Forças Armadas.
Com a ascensão de Prudente de Morais, começou uma nova etapa
da República Velha. Foi a fase da República das Oligarquias,
caracterizada pelo domínio dos fazendeiros e pelo reinado absoluto
do café. (Disponível em: < http://www.ensino.eb.br/cpeceme/
docs/informativos/4Informativo2009Nr113.pdf>)

2. República das Oligarquias


A República das Oligarquias iniciou seu período após a eleição de Prudente
de Morais (o Pacificador da República) até o governo de Washington Luís,
deposto depois da Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas.
Denominou-se República das Oligarquias por ter sido a fase da história
republicana caracterizada pela supremacia política das grandes oligarquias
(grupos formados por elementos da classe dominante, fundamentalmente
grande proprietários de terras, cafeicultores).

84
Capítulo 5 – A Primeira República no Brasil (1889-1930)

As principais características desta república são:


• política do café com leite (alternância no poder entre São Paulo
e Minas Gerais, principais centros eleitorais e financeiros);
• política dos governadores (os presidentes das províncias dirigem
o voto do eleitorado do seu estado para o candidato oficial da
política do café com leite, em troca da autonomia do seu estado
- troca de favores);
• política dos coronéis (mesma política dos governadores,
reduzidas para determinadas regiões controladas por um
grande latifundiário local, sendo conhecida como voto de
cabresto, curral eleitoral, voto de bico de pena);
• comissão de verificação (a legitimidade da eleição era dada
pelo legislativo comprometido com a política do café com leite).
(República Velha - Fase das Oligarquias. Disponível em: <http:/
/www.objetivoitajuba.com.br/gilberto/historia/brasil/
frmbrasil14.html>)

A seguir, são apresentados os principais fatos e características dos governos


deste período.

Î PRUDENTE DE MORAIS (1894-1898)


Foi o primeiro presidente civil, natural de Itu - São Paulo, além de
ser o primeiro eleito pelo voto direto.
Assumiu o governo em época de crise financeira e política, tendo
que combater os “jacobinistas” (militares radicais que não
aceitavam a perda de poder para os civis), e o próprio presidente
acabou sofrendo um atentado que vitimou o marechal Bittencourt.
No sertão baiano, surgiu uma revolta de caráter sócio-religioso
que ficou conhecida como a guerra de Canudos. Deflagrada por
fanáticos religiosos e injustiçados do sistema liderados por Antônio
Vicente Mendes Maciel, conhecido como beato Antônio
Conselheiro que ocupava um latifúndio improdutivo, fundando a
cidade de Belo Monte e o arraial de Canudos.
Canudos era uma comunidade autossuficiente e antirrepublicana
(devido à separação entre a Igreja e o Estado), organizada
administrativamente, onde João Abade cuidava da segurança,
Antônio Beatinho das atividades religiosas e assim por diante.
Os latifundiários tentaram vencer Canudos e foram derrotados,
passando a pedir auxílio do Exército. Derrotados em três
tentativas, acabaram preparando uma quarta invasão que

85
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

exterminou a comunidade. (República Velha - Fase das


Oligarquias. Disponível em: <http://www.objetivoitajuba.com.br/
gilberto/historia/brasil/frmbrasil14.html>)

Terminara a participação do Exército na defesa das instituições, enfrentando


o fanatismo e o banditismo que durante alguns anos trouxeram
intranquilidade ao interior baiano. Cerca de 5 mil homens morreram na luta.
Canudos foi o maior movimento nordestino de resistência à opressão dos
latifundiários. Surgiu nos sertões da Bahia e teve caráter diferente daqueles
que ocorreram nos governos republicanos anteriores. Movidos pelo
misticismo e fugindo à miséria provocada pela seca, milhares de sertanejos
reuniram-se em torno de Antônio Conselheiro, que se dizia enviado por
Deus.

A Igreja perdia seus adeptos e os coronéis sua mão de obra. O governo,


para atender aos interesses destes grupos, resolveu exterminar Canudos,
enviando duas expedições militares.

Prudente de Morais enfrentou uma forte oposição florianista, com muitos


distúrbios no Rio de Janeiro. Os radicais acusaram o governo de fraqueza
na repressão ao movimento de Canudos. O governo, resolvido a encerrar de
vez o movimento revoltoso, organizou um verdadeiro exército para atacar
Canudos. Após intenso bombardeio de artilharia, o arraial não resistiu e
caiu a cinco de outubro de 1897. Os principais livros sobre o movimento
foram: “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, e “A Guerra do Fim do Mundo”,
de Mário Vargas Llosa.

No governo de Prudente de Moraes, as questões de fronteira da região de


Palmas ou das Missões e da Ilha da Trindade foram situações em que a
política externa brasileira conseguiu sucessos expressivos.

Questão da região de Palmas


A região de Palmas estava situada na fronteira entre o Brasil e a Argentina,
na extremidade oeste dos atuais estados de Santa Catarina e Paraná. Os
argentinos alegavam que ela fazia parte das antigas missões perdidas pelos
portugueses para os espanhóis ainda na época colonial. As partes
interessadas se submeteram ao arbitramento internacional.

Durante muito tempo, a instabilidade política da região argentina


impossibilitou qualquer tentativa de estabelecimento jurídico de seus limites.

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Capítulo 5 – A Primeira República no Brasil (1889-1930)

Somente depois de sua unificação e pacificação essa questão foi posta em


jogo. A assinatura do primeiro tratado de limites ocorreu em 1857. Apesar
de aprovado pelo Senado e Câmara argentinos, o Tratado ficou sem efeito
por ter o governo deixado vencer o prazo de execução. Então, a região de
Palmas entrou em litígio. Nesta região, a colonização havia sido
predominantemente portuguesa, mas a fronteira nunca chegou a ser
demarcada com precisão; assim, após a independência argentina, o governo
de Buenos Aires passou a reivindicar a área.

Em 1890, Quintino Bocaiúva, ministro das Relações Exteriores do Brasil,


assinou com o governo argentino o Tratado de Montevideu, que dividia a
área entre os dois países. O acordo, no entanto, teve uma péssima
repercussão na opinião pública brasileira, a ponto de a Câmara dos Deputados
recusar-se a ratificá-lo. Três anos depois, a questão foi submetida ao
arbitramento do presidente Cleveland, dos Estados Unidos, sendo indicado
o Barão do Rio Branco para defender a posição brasileira. A sentença,
inteiramente favorável, ao Brasil, foi proferida em 1895, estabelecendo por
fronteira os rios Peperi-Guaçu e Santo Antônio, como reivindicava o governo
brasileiro, e não os rios Chapecó e Chopin, como queriam os argentinos.
Em consequência, a linha divisória foi fixada em 1898, pelo Tratado do Rio
de Janeiro.

Questão da Ilha da Trindade


A questão sobre a Ilha da Trindade foi recorrente. Durante o Império havia
um contencioso sobre a posse da Ilha. Em 1895, os ingleses ocuparam a
ilha de Trindade que fica a 1120 km da costa brasileira sob a alegação de
que o Brasil nunca se havia interessado por ela. Após longas discussões, os
países recorreram ao arbitramento de D. Carlos I de Portugal. A sentença
foi favorável ao Brasil, tendo os ingleses se retirado da ilha.

Î CAMPOS SALES (1898-1902)


Paulista de Campinas, responsável pela consolidação da república
das oligarquias baseada na ação política administrativa das
oligarquias estaduais, Campos Sales assumiu o governo em 1898.
[...]
Em seu governo acontece a política do saneamento financeiro
efetuada pelo ministro da fazenda Joaquim Murtinho que inicia
uma política deflacionista reduzindo drasticamente as despesas

87
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

do governo e redução de salários (arrocho salarial). Em troca


acontece o reconhecimento, inclusive com o estabelecimento do
1º Funding Loan (empréstimo de 10 milhões de libras e da
moratória por treze anos). No fim do governo as finanças estavam
saneadas, mas o povo e a classe média estavam mais pobres.
Foi ainda neste governo que o Barão do Rio Branco conseguiu, na
questão do Amapá, determinar a anexação deste território para
o Brasil em litígio com a França. (República Velha - Fase das
Oligarquias. Disponível em: <http://www.objetivoitajuba.com.br/
gilberto/historia/brasil/frmbrasil14.html>)

Questão do Amapá

O Tratado de Utrecht havia sido claro quanto aos limites com a Guiana
Francesa, fixando-os no rio Oiapoque ou Vicente Pinson.

Em 1836, o governo francês, aproveitando-se das dificuldades com que


lutava o Brasil na repressão da Guerra Civil dos “Cabanos”, ordenou o
estabelecimento de um posto militar à margem do lago Amapá.

Em 1840, devido à interferência da Inglaterra, os franceses abandonaram a


região, retirando-se para trás do rio Oiapoque. Para garantir nossos direitos,
o governo imperial criou uma colônia militar à margem esquerda do rio
Araguari. A superfície total do território em litígio foi calculada em 260.000
quilômetros quadrados.

Entre 1842 e 1849, foram feitas várias tentativas para um acordo sobre a
fronteira entre a França e o Brasil, sem êxito. Entre 1853 e 1855, o Visconde
de Uruguai quis entrar em entendimento com o governo francês, representado
pelo Barão de Butenval, oferecendo várias linhas fronteiriças. Não teve êxito.
Por volta de 1890, foi descoberto ouro na área em litígio, o que levou,
alguns anos depois, os residentes das duas nacionalidades a se conflitarem.

As negociações com o governo de Paris foram bastante difíceis, tendo


ocorrido mesmo ameaças veladas de ação militar. Apesar das ameaças
francesas de intervenção, o governo suíço foi encarregado de arbitrar a
questão. A sentença de 1900 nos foi inteiramente favorável, apoiada nos
argumentos que Rio Branco apresentara em dois livros que escrevera para
justificar a posição brasileira. A sentença não só nos restituiu o território
contestado entre os rios Oiapoque e Araguari, como tirou da França o
ambicionado acesso ao Amazonas.

88
Capítulo 5 – A Primeira República no Brasil (1889-1930)

Î RODRIGUES ALVES (1902-1906)


Paulista de Guaratinguetá que estabeleceu uma política de
modernização conhecido como quadriênio progressista utilizando
dos recursos positivos deixados pelo governo anterior e pelo
aumento da exportação do café e da borracha.
Iniciou uma campanha do saneamento no Rio de Janeiro com
duas frentes de ações: o bota-abaixo e o combate às epidemias.
O bota-abaixo foi liderado pelo prefeito Pereira Passos, derrubando
cortiços, biroscas e quiosques, e colocando obras arquitetônicas
inspiradas na França, além do estabelecimento da luz elétrica
gerada pela companhia canadense Light and Power.
[O combate às epidemias se deu por intermédio da campanha de
vacinação efetuada pelo médico sanitarista Osvaldo Cruz.] A
oposição mobilizou o povo descontente com o arrocho salarial e
o deslocamento para as regiões periféricas, dizendo que a vacina,
ao invés de combater doenças, trouxe novas, gerando a “Revolta
da Vacina” que destruiu bondes e depredou prédios. (República
Velha - Fase das Oligarquias. Disponível em: <http://
www.objetivoitajuba.com.br/gilberto/historia/brasil/
frmbrasil14.html>)

Novamente o Barão do Rio Branco foi levado a intervir para resolver o


problema de fronteira com a Bolívia, conhecido como a questão do Acre e,
também, o problema do Pirara.

Questão do Acre

O primeiro Tratado de Limites com a Bolívia foi assinado em 1827, em La


Paz. Ficou acordado que a linha limítrofe seria “uma paralela” tirada da
margem esquerda do rio Madeira em latitude sul 10º20' “até encontrar o
Javari”, explicando que, “se este tivesse suas nascentes ao norte, aquela
linha seguiria por uma reta tirada da mesma latitude a buscar a nascente
principal do mesmo rio”.

Essas determinações do tratado, em vez de solucionar a questão, criaram


mais problemas, pois eram ambíguas. Entre 1870 e 1880, a região do rio
Acre foi povoada por nordestinos (sobretudo cearenses), expulsos pela seca
de suas terras e atraídos pela riqueza representada pela borracha. Em fins
do século, a região contava com cerca de 60.000 habitantes. Por isso,
apesar de reconhecer que a região deveria pertencer à Bolívia, de acordo

89
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

com o Tratado de 1867, em 1895 o Brasil retomou as negociações sobre a


região. A questão da fronteira tornara-se concreta e humana (uti possidetis).

Em 1899, José Paravicini fundou a povoação de Puerto Alonso (Porto Acre),


no rio Acre, instalando alfândega e governo a mando do governo boliviano.
Os moradores da região se revoltaram e, sob o comando de José Carvalho,
expulsaram o delegado boliviano. O aventureiro espanhol Luís Aurias
proclamou a independência do Acre. A situação foi restabelecida por uma
força naval brasileira a pedido do governo da Bolívia. Não podendo manter
permanentemente a ordem na região, a Bolívia resolveu arrendá-la a um
consórcio anglo-americano - o “Bolivian Sindicate”.

A população do território, em 1902, insurgiu-se novamente sob o comando


de Plácido de Castro e se apoderou de todo o território acreano. O Brasil
interveio junto à Bolívia em busca de uma solução. Indignada, a Bolívia
optou pela violência e enviou uma expedição sob o comando do próprio
Presidente da República. O governo dos EUA, por sua vez, anunciou que
não podia ser indiferente aos interesses de seus nacionais. Rio Branco
assumiu a direção do Ministério do Exterior, em 1902, com o propósito de
tornar o Acre território brasileiro. Retomando as negociações, fez propostas
de indenização do território, permuta de áreas, mas não logrou êxito. Com
a notícia de que a Bolívia só entraria em negociações depois que a insurreição
fosse debelada, Rio Branco avisou ao governo da Bolívia que o Brasil ia
ocupar militarmente a região, fato que aconteceu no início de 1903.

Paralelamente à ocupação, Rio Branco retomou as negociações. Conseguiu


o que era fundamental para o êxito de qualquer acordo - a desistência do
sindicato anglo-americano de todo e qualquer direito ou reclamação,
mediante uma indenização de 110.000 libras esterlinas. Em 17 de novembro
de 1903, Brasil e Bolívia assinam o Tratado de Petrópolis no qual:
• a “parte meridional do Acre”, povoada exclusivamente por brasileiros,
com cerca de 191 mil quilômetros quadrados, passaria a pertencer ao
Brasil;
• uma pequena área de 3.200 quilômetros quadrados, na confluência do
rio Abunã e do Madeira, seria da Bolívia;
• uma estrada de ferro ao longo do trecho encachoeirado dos rios Madeira
e Mamoré deveria ser construída, com livre trânsito para os dois países;
a ferrovia Madeira-Mamoré, que custou milhões de libras e a vida de
40 mil trabalhadores (que morreram de malária), tornou-se conhecida
como “ferrovia do diabo” e foi desmontada por ser antieconômica;

90
Capítulo 5 – A Primeira República no Brasil (1889-1930)

• o trânsito fluvial até o mar seria permitido aos dois países; e


• o governo boliviano receberia o pagamento de 2 milhões de libras
esterlinas, em duas parcelas.

Questão do Pirara

Outra questão de fronteira que foi solucionada nesse período foi a Questão
do Pirara. Em 1755, para fazer face aos holandeses, que haviam se
estabelecido no Alto Essequíbo, foi criada a capitania do Rio Negro. Vinte
anos mais tarde, foi fundado o forte de São Joaquim, um posto mais
avançado para o nordeste, às margens do rio Pirara, afluente do rio Maú.

Os holandeses, na ocasião de posse da Guiana, não protestaram contra a


fundação desses postos militares, aprovando implicitamente a expansão
luso-brasileira até o rio Maú. Sob o patrocínio da Sociedade Real de Geografia
de Londres, o explorador Schomburgk realizou viagens, em 1835 e 1836,
pelo interior da Guiana Inglesa e em seu relatório reconheceu que a linha
divisória fora, até então, formada pela Serra Pacaraima até o monte Annay
e pelo alto Rupumuni.

Em 1838, o mesmo explorador retornou à região e encontrou o forte de São


Joaquim e o posto de Pirara sem efetivo. Schomburgk resolveu tomar posse
da área em nome do governo inglês, incentivando a fundação de uma
missão de catequese para os índios.

Em 1840, os brasileiros voltaram a guarnecer os fortes e obrigaram os


religiosos ingleses a se retirarem para as terras da Guiana Inglesa. O governo
inglês, ignorando os atos anteriores de jurisdição brasileira sobre o território
do Pirara, e considerando usurpação a reocupação brasileira em 1840,
determinou a expulsão do destacamento brasileiro.

A fim de evitar um conflito armado, o governo brasileiro propôs a


neutralização provisória da região.

Em 1891, novas tentativas de negociações foram realizadas, mas não


resultaram em nada de concreto. A questão foi submetida ao arbitramento
do rei Vítor Emanuel, da Itália, a defesa da posição brasileira foi entregue
ao barão do Rio Branco. A sentença, emitida em 1904, dividia o território
contestado entre os dois litigantes. A Inglaterra, porém, ficava com uma
saída fluvial para o rio Amazonas, alcançando, assim, seu principal objetivo.

91
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Î AFONSO PENA (1906-1909)


Foi o primeiro mineiro a assumir a presidência, depois de uma
aliança com o Rio Grande do Sul para evitar a entrada de um
novo paulista. Apesar de muito idoso governou com jovens, o
que valeu a seu ministério o apelido de “Jardim de Infância”.
Aproveitando a expansão da borracha, efetivou uma política de
integração da Amazônia colocando cabos telegráficos na região
[através de expedições] lideradas pelo Marechal Rondon.[...]
Durante seu mandato Rui Barbosa representou o Brasil na
Conferência de Haia, onde recebeu o título de “Águia de Haia”.
Aconteceu também o marco da aviação com o 14 Bis de Santos
Dumont.
Morreu antes de completar o mandato. (República Velha - Fase
das Oligarquias. Disponível em: <http://
www.objetivoitajuba.com.br/gilberto/historia/brasil/
frmbrasil14.html>)

Î NILO PEÇANHA (1909-1910)

Apesar do pouco tempo de mandato, o positivista carioca criou o SPI (Serviço


de Proteção ao Índio)22, cujo primeiro presidente foi o Marechal Cândido
Rondon, e a primeira escola técnica do Brasil.

No seu governo aconteceu a primeira disputa efetiva eleitoral para a


presidência entre: Marechal Hermes da Fonseca com a “política de salvação
nacional” apoiado pelo RJ, RS e MG, e Rui Barbosa, com a “campanha
civilista”, apoiado por SP e BA. A vitória coube a Hermes da Fonseca.

Î HERMES DA FONSECA (1910-1914)

Esse gaúcho, sobrinho do marechal Deodoro da Fonseca, foi o primeiro a


colocar a faixa presidencial.

No início do governo foi obrigado a enfrentar a Revolta da Chibata,


movimento que estourou na Marinha contra maus tratos. O que precipitou
o ápice da revolta acabou sendo a punição aplicada ao marinheiro Marcelino
Rodrigues Menezes, do Encouraçado Minas Gerais. Por ter trazido cachaça
para bordo e, em seguida, ter ferido com uma navalha o cabo que o

22 Mais tarde, na ditadura militar, o SPI foi substituído pela FUNAI (Fundação Nacional do
Índio).

92
Capítulo 5 – A Primeira República no Brasil (1889-1930)

denunciou, foi punido, não com as vinte e cinco chibatadas máximas


regulamentares, e sim com duzentos e cinquenta, na presença da tropa
formada.

O exagero dessa punição, considerada desumana, provocou uma indignação


da tripulação muito superior à que já vinham sentindo durante a conspiração
da revolta. Liderados pelo cabo negro João Cândido, “o almirante negro”,
os marinheiros ocuparam os dois principais navios “São Paulo” e “Minas”
depois de matarem os almirantes, e apontaram as armas para o Rio de
Janeiro, exigindo o fim dos maus tratos.

Negociou com os revoltosos prometendo anistia, no entanto, puniu


severamente os revoltosos. Depois daquele episódio, nunca mais houve
maus tratos na Marinha. Neste governo o verdadeiro articulador foi o senador
gaúcho Pinheiro Machado, que pretendeu se tornar o próximo presidente,
criou o partido republicano conservador com a intenção de substituir a
velha oligarquia do café com leite por uma mais obediente e voltada para
seus interesses, entrando em choque com velhos latifundiários como padre
Cícero, Floro Bartolomeu etc.

No fim do seu governo, em 12 de setembro de 1912, foi deflagrada uma


rebelião na região de litígio entre os atuais estados do Paraná e Santa
Catarina, conhecida como zona do Contestado, onde as tropas do governo
do Paraná iniciaram o primeiro confronto na cidade de Irani. Entre os 23
sertanejos mortos, estava o beato José Maria, líder do movimento que
pretendia fundar uma “monarquia celestial” na região.

Três meses antes do fim do mandato do Mal. Hermes estourou a Primeira


Guerra Mundial.

Î VENCESLAU BRÁS (1914-1918)


Este mineiro governou durante o período da primeira guerra
mundial, sendo obrigado pelas condições históricas a criar uma
política industrial de substituição aos produtos importados ingleses
ausentes devido ao problema do conflito internacional; além de
favorecer a entrada de produtos norte-americanos em substituição
aos ingleses.
Em seu governo aconteceram dois assassinatos de pessoas
importantes:

93
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

1º do empresário Delmiro Gouveia, fabricante de linhas e


concorrente das linhas “Correntes”, provavelmente com ordens
desta última;
2º do senador gaúcho Pinheiro Machado, provavelmente a mando
da velha oligarquia do café com leite. (República Velha - Fase das
Oligarquias. Disponível em: <http://www.objetivoitajuba.com.br/
gilberto/historia/brasil/frmbrasil14.html>)

Questão do Contestado

Neste governo tem fim a questão de contestado, iniciada no fim


do século passado quando um grupo de imigrantes ocupa terras
na região fronteiriça de Santa Catarina com o Paraná, e acabam
liderados por um fanático, o monge João Maria. Depois da morte
deste surge outro monge se dizendo irmão do primeiro, o monge
José Maria que dá continuidade às condições milenaristas,
messiânicas e sebastianistas deste movimento. No governo
anterior do marechal Hermes da Fonseca fora autorizada a
construção da estrada de ferro inglesa Brasil Railway, com
resistência dos revoltosos. Embora ocorresse a morte do monge
José Maria, uma virgem encarnando o religioso continuou o
movimento. (República Velha - Fase das Oligarquias. Disponível
em: <http://www.objetivoitajuba.com.br/gilberto/historia/brasil/
frmbrasil14.html>).

Venceslau autorizou a debelada do movimento mediante ação militar liderada


pelo general de Setembrino de Carvalho.

Cidade de São Paulo - greve de 1917

[Na cidade de São Paulo] eclode a grande greve de 1917,


reivindicando melhor salário, redução da jornada para 8 horas,
proibição do trabalho para menores de 14 anos, do trabalho
noturno para mulheres e menores de 18 anos, a paz mundial etc.
Com a criação da OIT (Organização Internacional do Trabalho)
acenando com mudanças trabalhistas para evitar a aproximação
destes ao socialismo, os anarquistas contrários ao Estado
entraram num dilema de apoiar ou não as reformas propostas, e
acabaram superados pelos comunistas, surgidos com a criação
do Partido Comunista em Niterói (1922). (República Velha - Fase

94
Capítulo 5 – A Primeira República no Brasil (1889-1930)

das Oligarquias. Disponível em: <http://


www.objetivoitajuba.com.br/gilberto/historia/brasil/
frmbrasil14.html>)

Î RODRIGUES ALVES (Não assumiu)

Eleito, não tomou posse, pois morreu vitimado de gripe espanhola.


Seu vice Delfim Moreira assumiu até novas eleições. (República
Velha - Fase das Oligarquias. Disponível em: <http://
www.objetivoitajuba.com.br/gilberto/historia/brasil/
frmbrasil14.html>)

Î DELFIM MOREIRA (1918-1919)

Não podia [exercer] todo o mandato, [em função da Constituição


da época]. Mas ficou o tempo necessário para mandar uma
comissão chefiada por Epitácio Pessoa para o Tratado de
Versalhes (tratado que encerrou a primeira grande guerra na
Europa com a rendição do exército alemão). (República Velha -
Fase das Oligarquias. Disponível em: <http://
www.objetivoitajuba.com.br/gilberto/historia/brasil/
frmbrasil14.html>)

Î EPITÁCIO PESSOA (1919-1922)

Epitácio, paraibano, disputou a sucessão de Delfim Moreira, vice-presidente


da república que assumiu a presidência devido ao falecido presidente eleito
Rodrigues Alves. Foi indicado candidato a presidente quando representava
o Brasil na Conferência de Versalhes.

A eleição de Epitácio Pessoa ocorreu quando ele estava na França, caso


único na história da república brasileira. Sua eleição também foi a única na
República Velha que não ocorreu na data oficial das eleições presidenciais:
1º de março.

Institucionalizou a indústria da seca, favorecendo a impunidade dos grandes


latifundiários que desviaram recursos emprestados pelo governo federal,
alegando o problema da seca.

95
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Com o término da Primeira Guerra Mundial, começaram a ocorrer alterações


na doutrina militar e no material bélico, com os consequentes reflexos
sobre a organização dos efetivos militares. O advento das armas automáticas
provocou mudanças nas antigas formações de combate, em que predominava
a linha de atiradores. O momento era oportuno para atualizar o Exército.
Por isso o Brasil contratou a Missão Militar Francesa, que nos prestou grande
e inegável benefício.

Empossado na Presidência da República, Epitácio Pessoa trouxe para o


Ministério da Guerra o estadista João Pandiá Calógeras, conhecedor do
problema militar brasileiro e velho apaixonado pelos assuntos da caserna.
Coadjuvado por oficiais de elevado nível profissional e com base nos
ensinamentos da Missão Militar Francesa, Calógeras conseguiu realizar obra
notável, revigorando o espírito do Exército, atualizando a instrução
profissional, aparelhando escolas, fábricas e arsenais e construindo quartéis
nas guarnições de fronteira. Entretanto, ainda uma vez esse desenvolvimento
promissor seria interrompido, pois os políticos vieram de novo aos quartéis
perturbar sua atividade.

O candidato Arthur Bernardes estava sendo preparado para o poder, mas a


oposição formada pela burguesia industrial e pelos militares lançaram a
candidatura de Nilo Peçanha. Apesar de o primeiro ter sido vitorioso,
aconteceu o episódio das cartas falsas atribuídas a Arthur agredindo
verbalmente os militares, e apesar do desmentido, muitos não acreditaram
nas provas apresentadas.

Em 5 de julho de 1922, uma revolta irrompeu no Forte de Copacabana, com


a adesão do Forte do Vigia e dos alunos da Escola Militar. Foi o primeiro
levante tenentista no Brasil. Visavam os revoltosos a derrubada do Presidente
e o impedimento da posse de Artur Bernardes. A maior parte dos inúmeros
oficiais que haviam acordado à revolta, no entanto, desistiu. Apenas
dezessete oficiais optaram por manter a rebelião, obtendo o apoio de um
civil, Otávio Correia.

Os dezoito amotinados, saíram pela praia de Copacabana em busca de seus


objetivos, o que resultou no enfrentamento com o restante do exército.
Foram metralhados. Dezesseis morreram; os outros dois, muito embora
baleados, sobreviveram. Um dos sobreviventes foi Siqueira Campos, o outro
Eduardo Gomes, que posteriormente tornou-se brigadeiro e concorreu à
presidência da república pela União Democrática Nacional - UDN.

96
Capítulo 5 – A Primeira República no Brasil (1889-1930)

Î ARTHUR BERNARDES (1922-1926)


Mineiro de Viçosa, Arthur Bernardes governou por meio de estado
de sítio. Em seu governo aconteceu no Rio Grande do Sul uma
oposição armada23 contra o quinto mandato de Borges da
Fonseca. O governo federal acabou intervindo, estabelecendo o
Acordo de Pedras Altas, determinando que o governador eleito
assumisse, mas não poderia concorrer para um novo mandato.
Em 5 de julho de 1924 aconteceu o segundo movimento
tenentista, desta vez em São Paulo, liderado pelo general Isidoro
Dias Lopes, Miguel Costa (major da Força Pública) e os irmãos
Távora (Joaquim e Juarez). Esse movimento conseguiu tomar o
palácio de Campos Elíseos, e o governador Caetano de Campos
pediu auxílio às tropas legalistas do Rio de Janeiro.
Em desvantagem os tenentistas fugiram para o interior de São
Paulo, onde se encontraram com outra tropa tenentista vinda do
Rio Grande do Sul liderada por Luís Carlos Prestes, formando a
Coluna Prestes / Miguel Costa que atravessou cerca de 25 mil
km de território brasileiro utilizando a tática do movimento.
Os tenentistas formaram um movimento elitista e reformista.
Dentre suas reivindicações principais estavam: moralização
política e administrativa da máquina do Estado; substituição do
voto aberto pelo secreto; centralização do Estado etc.
Os revoltosos não reciclavam seus quadros nas batalhas e,
desgastados, foram obrigados a se refugiar na Bolívia, em 1927.
(República Velha - Fase das Oligarquias. Disponível em: <http://
www.objetivoitajuba.com.br/gilberto/historia/brasil/
frmbrasil14.html>)

A campanha presidencial iniciada em 1921 caracterizou-se pela grande


exacerbação, talvez a maior no período republicano. Concorriam Artur Bernardes,
Presidente de Minas Gerais, e Nilo Peçanha, ex-presidente da República.

Partidários de ambas as facções logo quiseram envolver o Exército na


campanha sucessória. A excitação dos ânimos atingiu proporções de
explosão, quando o jornal Correio da Manhã publicou, em 9 de outubro de
1921, uma carta atribuída a Artur Bernardes, endereçada a Raul Soares,
Ministro da Marinha, contendo conceitos ofensivos aos chefes militares.
Seguiu-se uma segunda carta, publicada no dia 13. Explorado por intensa
campanha jornalística, o fato exaltou a opinião pública. Exigida a prova
pericial que permitisse comprovar ou desmentir a autenticidade dos

23 O movimento era liderado por Assis Brasil.

97
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

documentos, o Clube Militar, presidido pelo Marechal Hermes, reuniu-se


em sessão extraordinária a 12 de novembro e resolveu nomear uma comissão
para examinar o problema. A 28 de dezembro foi aprovada por assembleia a
moção Frutuoso Mendes:

[...] Considerando que ficou apurada a autenticidade da carta


contendo expressões ofensivas ao Exército e à Armada, dada à
publicidade nesta capital a 9 de outubro último e porque não
tenha este Clube qualidade jurídica para promover ação em
desafronta das corporações ofendidas resolve entregar por isso
o caso ao julgamento da Nação.

A Reação Republicana (de Nilo Peçanha) valeu-se da exasperação dos espíritos


para correr o país, agitando as massas. Realizaram-se as eleições num
ambiente de intranquilidade, vencendo, apesar de tudo, o candidato
situacionista Artur Bernardes, vitória que foi reconhecida pelo Congresso,
sendo marcada a posse para o dia 15 de novembro.

Outro fator que contribuiu para tumultuar a situação foi a campanha


sucessória em Pernambuco, onde o governo federal foi acusado de querer
colocar o Exército a serviço da causa a que estavam ligados parentes do
Presidente Epitácio Pessoa. Era crença generalizada nos meios militares que
o Presidente exercia interferência nos assuntos de Pernambuco. Hermes da
Fonseca, magoado com a intransigência do Presidente Epitácio Pessoa em
acreditar na inocência de Artur Bernardes, resolveu enviar, como presidente
do Clube Militar, um telegrama ao comandante da 6ª Região Militar, com
sede em Recife, coronel Jaime Pessoa da Silveira, datado de 29 de junho,
lembrando ao oficial que meditasse sobre os artigos 60 e 140 da Constituição
e, assim, deixasse de cumprir ordens que atentavam contra a destinação
constitucional da Força Terrestre.

No mesmo dia da publicação do telegrama, 30 de junho, o Ministro da Guerra


indagou ao Marechal Hermes, por intermédio do General Neiva de Figueiredo,
se o despacho era de sua autoria, recebendo resposta afirmativa. Imediatamente
o Presidente da República mandou repreender o presidente do Clube Militar,
por ato datado de 1º de julho. Como este não aceitasse a punição, revidando
em carta dirigida ao Presidente da República, ela foi agravada para prisão por
24 horas, a ser cumprida no 3º Regimento de Infantaria, ao mesmo tempo
fechou o Clube Militar por seis meses. Sem amparo legal para tal medida,
valeu-se de legislação afrontosa à honra das instituições armadas.

98
Capítulo 5 – A Primeira República no Brasil (1889-1930)

Î WASHINGTON LUÍS (1926-1930)


“Paulista de Macaé”, o presidente Washington Luís acabou com
o estado de sítio, mas efetuou outras medidas arbitrárias, não
permitindo a anistia dos tenentistas na Bolívia, além de criar a lei
celerada, proibindo a livre manifestação dos sindicatos, jogou o
partido comunista na ilegalidade, e este foi obrigado a atuar por
meio do BOC (Bloco Operário Camponês).
No fim do seu governo deveria indicar o mineiro Antônio Carlos
Andradas para a presidência, mas acabou indicando o paulista
Júlio Prestes devido à necessidade de proteção do café em função
da queda da Bolsa de Nova York em 1929 - “Quinta-feira negra”
ou a grande depressão - acontecida durante o governo do
presidente Hoover.24
Os mineiros, revoltados com a traição dos paulistas, se uniram
ao Rio Grande do Sul e à Paraíba formando a Aliança Liberal,
lançando o gaúcho Getúlio Vargas para presidente e João Pessoa
para vice.
A máquina corrupta da política do café com leite deu vitória para
Júlio Prestes, porém, a ala jovem da Aliança liberal formada por
Flores da Cunha, Oswaldo Aranha e Lindolfo Collor, não aceitou
o resultado e procurou o auxílio dos tenentistas exilados na Bolívia.
Luís Carlos Prestes se recusou, pois depois de ler Marx e Engels,
livros emprestados por Astrojildo Pereira, um dos fundadores do
partido comunista em 1922, em Niterói, adotou a tese
revolucionária de defesa da luta de classes e do fim da propriedade
privada. Juarez Távora assumiu o projeto tenentista.
O assassinato passional de João Pessoa foi transformado em caso
político. Isto radicalizou ainda mais o processo e, quando parecia
inevitável o choque, as tropas legalistas surpreendentemente
deram o golpe, formando a Junta Pacificadora com os generais
Mena Barreto, Tasso Fragoso e o almirante Isaías Noronha.
Getúlio Vargas teve de estruturar uma campanha da legalidade
com auxílio dos tenentistas, da burguesia industrial e do povo,
alegando ter sido o candidato derrotado pela fraude e, portanto,
o legítimo presidente. Sem apoio os militares passaram o poder,
iniciando a Era Getulista. (República Velha - Fase das Oligarquias.
Disponível em: <http://www.objetivoitajuba.com.br/gilberto/
historia/brasil/frmbrasil14.html>)

24 Hoover, utilizando a justificativa liberal de não intervenção do Estado na economia, permitiu


que o processo de produção e subconsumo chegasse a níveis insuportáveis. O problema foi
resolvido por Franklin Delano Roosevelt por meio da política de New Deal (Novo Acordo),
baseado na teoria econômica de Keynes, de desinflação e intervenção estatal.

99
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Referências
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 11. ed. São Paulo: EDUSP, 2003.

FROTA, Guilherme Andrea. 500 anos de História do Brasil. Rio de Janeiro:


Bibliex, 2000.

KOSHIBA, Luiz; PEREIRA, Denise Manzi Frayze. História do Brasil no contexto


da história ocidental. 8. ed. São Paulo: Atual, 2003.

100
CAPÍTULO 6

Segunda Guerra Mundial:


do conflito tradicional à era nuclear

1. Itália sob Fascismo


A vitória na Primeira Guerra Mundial não trouxe grandes prêmios para a
Itália. Suas reivindicações territoriais foram recusadas pelos Aliados, tendo
como maior símbolo disso as negociações em torno da cidade de Fiume,
considerada pelos italianos como parte de seu país, em função da grande
população italiana que residia na cidade. Os Aliados decidiram que Fiume
seria um Estado Livre, enfurecendo os italianos, que logo atacaram a cidade
em uma revolta popular, ocupando-a. O impasse perdurou até 1924, quando
o Tratado de Roma cedeu Fiume à Itália e parte do Estado Livre para o
Reino da Iugoslávia.

O governo enfrentava sérios protestos com as resoluções da Conferência


de Paz de Paris, que recusou todas as reivindicações italianas. A democracia
passou a ser vista como corrupta, fraca e servil aos interesses estrangeiros.

Movimentos radicais começaram a ganhar força, como o comunista, que


estimulava greves e cabalava votos para obter vagas na Câmara dos
Deputados, tornando-se uma força temida pelo governo, que era composto
por social-democratas.

Em tão turbulenta conjuntura, viu-se o nascimento do movimento fascista.


Benito Mussolini, jornalista que havia lutado na Primeira Guerra Mundial e
que tinha um longo passado comunista, rompeu com os socialistas por
discordar da posição adotada quando da eclosão da guerra, a qual entendia
que a Itália deveria manter-se neutra. Mussolini via na guerra a oportunidade
do país obter riquezas e melhor posição na política.

101
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Ao retornar da guerra, Mussolini entendeu que o socialismo havia fracassado


e decidiu pela composição de uma nova doutrina política. Surgia o Fascismo,
a ideologia pela qual o Estado deveria possuir absoluto e completo controle
sobre a sociedade, que deveria ser organizada em corporações com funções
bem definidas. Seu emblema e seu nome vieram das “fasces”, símbolo dos
magistrados do Império Romano, compostas por um machado rodeado de
varas de madeira, simbolizando a unidade entre o poder do Estado e o
povo. Mussolini aproveitava-se de símbolos do passado italiano para mostrar
a força de seu movimento.

O Fascismo cresceu rapidamente aproveitando-se da turbulenta situação


política italiana, com os militantes fascistas, “os camisas negras” saindo às
ruas e atacando comunistas e dissidentes que desagradassem as lideranças
fascistas. O movimento logo se tornou o Partido Nacional Fascista. Em
1921 Mussolini foi eleito deputado, em uma eleição na qual os fascistas
obtiveram muitas cadeiras na Câmara dos Deputados, tornando-se uma
grande força política.

Mussolini planejou a tomada do poder por intermédio de uma audaciosa


manobra: a Marcha para Roma. Os fascistas de todo o país começaram a
marchar na direção da capital, como forma de pressionar o governo a fazer
Mussolini Primeiro-Ministro. Em 27 de outubro de 1922, os fascistas
convergiram próximos a Roma e o Primeiro-Ministro Luigi Facta acusou o
golpe ao rei Vitor Emanuel. Como o Rei temia mais aos comunistas que aos
fascistas, que, em sua visão, eram os únicos capazes de conter os primeiros,
retirou seu apoio à Facta, que caiu.

Mussolini assumiu o governo e pôs em prática o programa fascista.


Incorporou ao Estado “os camisas negras”, criando a Milícia Voluntária pela
Segurança Nacional. Implantou um programa de obras públicas que visava
à criação de empregos e que recebeu grandes incentivos após a crise de 29.
Foram aprovadas leis, transformando o governo da Itália em uma composição
única, criando o precedente para o governo de partido único. Vale lembrar
que, apesar de todas essas mudanças, a Itália continuou sendo uma
monarquia até 1946, o Reino da Itália, e Mussolini tinha a aprovação do Rei
Vitor Emanuel III, o que o ajudou a conseguir os poderes de que necessitava.

Os fascistas mantiveram certa participação de outros políticos nos primeiros


anos de poder, mas suas táticas truculentas, como intimidação e fraude de
eleições, atentados e assassinatos de rivais, rapidamente causaram
descontentamento nos meios políticos. Os adeptos do fascismo enfrentaram

102
Capítulo 6 – Segunda Guerra Mundial: do conflito tradicional à era nuclear

diversas crises políticas em decorrência do estilo de governar, mas se


mantiveram no poder e implantaram o regime de partido único.

Foi construído um estado policial, com vigilância severa sobre a sociedade,


aliado a uma poderosa máquina de propaganda, que exaltava as qualidades
do Duce (Líder), o líder, “Primeiro Marechal do Império” e “Fundador do
Império”, para destacar alguns dos títulos que Mussolini utilizava. Curioso
é notar que, apesar de seu poder, Mussolini não havia se tornado o topo do
regime: estava abaixo do Rei e do Grande Conselho do Fascismo, que eram
as forças que poderiam demiti-lo, por serem as que lhe “delegaram” o poder,
diferindo do princípio alemão de liderança, o “Führerprinzip”, que pregava a
obediência cega ao líder, topo do sistema político.

Além do nacionalismo extremado, o fascismo buscava a construção de um


império, ligando-se ao passado – o Império Romano – e advogava o
nascimento da “potência italiana”. Envolta nessa ideologia, a Itália enviou
forças para a Abissínia (Etiópia), visando conquistar a região e fundar seu
“império”. A guerra foi bem mais difícil que o previsto e causou grandes
baixas, além de ter um elevado custo, arruinando as finanças do Estado.
Toda a comunidade internacional, com exceção da Alemanha Nazista,
condenou a invasão e tomada da Abissínia, em um tempo em que a ideia de
descolonização começava a surgir.

A fuga do Imperador da Etiópia e a entrada de tropas italianas, na capital


Adis Abeba, em maio de 1936, anunciaram a vitória, embora forças irregulares
ainda resistissem no interior. Além do equipamento superior, as forças
italianas utilizaram armas químicas contra os etíopes, fato que isolou ainda
mais a Itália internacionalmente.

Com o isolamento, a Itália rapidamente se aproximou da Alemanha Nazista,


contrariando pactos secretos assinados com a Grã-Bretanha, que previam
uma aliança contra os nazistas em caso de guerra. Com a condenação
internacional de seus atos, Mussolini virou-se para a Alemanha de Hitler,
com quem firmaria vários tratados. Em 1936, assinou com o Führer25 e com
o Japão o Pacto Tripartite, pelo qual Alemanha nazista, Itália e Japão
formavam uma aliança político-militar que levaria o mundo à Segunda Guerra
Mundial.

25 Führer - título criado por Hitler, significa líder.

103
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

2. Nazismo na Alemanha
A conjuntura política surgida ao fim da Primeira Guerra Mundial foi
especialmente turbulenta na Alemanha. A Revolução Alemã, de 1919,
caracterizou-se por um feroz e brutal embate entre nacionalistas, comunistas
e social-democratas. Após sangrentos combates, os social-democratas
obtiveram uma pequena maioria e formaram um frágil governo de coalizão.
A República de Weimar ganhava forma: criada em 1919, com a abdicação
do Kaiser Guilherme II e a instalação da república no país, visava a instauração
de uma democracia parlamentarista, mas acabou por criar um Executivo
forte, com o Presidente tendo grandes poderes, similares aos do Kaiser.

Nesse período, não houve paz - a instabilidade política marcou o período tal
como a econômica: enquanto a inflação se tornava galopante, com taxas
enormes ao dia, a violência fazia parte do processo político - atentados,
assassinatos e brigas entre militantes de partidos eram frequentes e muitas
vezes utilizados para causar o caos e desestabilizar a democracia.

Durante essa época floresceu o “Mito da Punhalada pelas Costas”, que


advogava que o Exército alemão não havia sido derrotado no campo de
batalha, mas teria sido traído por uma conspiração de comunistas e judeus,
apoiada pelos social-democratas, fato que levou a Alemanha à derrota na
guerra.

O mito rapidamente passou a ser utilizado nos debates e enfrentamentos


que se seguiam na política de Weimar, especialmente pelo Partido Nacional
Socialista dos Trabalhadores Alemães, o Partido Nazista, fundado, em 1919,
por um grupo de nacionalistas radicais vindos de diversos matizes políticos,
em que logo se destacou um veterano da guerra, Adolf Hitler.

A oratória e o carisma de Hitler rapidamente o alçaram à liderança do partido.


Articulando uma série de contatos com personalidades importantes,
conseguiu trazer algumas para o partido, como o general Erich Ludendorff,
chefe do Estado-Maior alemão durante a guerra, dando grande projeção ao
movimento.

Apesar da projeção obtida, os nazistas fracassaram em se aproximar das


elites alemãs, que não os viam com bons olhos. Em 1923, os nazistas
tentaram um golpe, o Putsch da Cervejaria de Munique, mas foram
rapidamente reprimidos pela polícia do Estado da Bavária. Adolf Hitler
sobreviveu aos tiroteios nas ruas fugindo, mas foi preso e condenado, sendo
encarcerado na prisão de Landsberg.

104
Capítulo 6 – Segunda Guerra Mundial: do conflito tradicional à era nuclear

O tempo preso foi, de certa forma, essencial para a fundamentação do


nazismo. Hitler ditou a militantes que o visitavam na prisão a obra que se
tornou emblemática - Mein Kampf (Minha Luta), na qual foi revelada a
doutrina nazista, em uma plataforma antissemita (que advogava que os
judeus desejavam conquistar o mundo): a necessidade da criação do espaço
vital para os alemães (Lebensraum) crescerem como nação, a militarização
total do Estado, a luta contra o comunismo, a invasão e a conquista da
União Soviética, entre outras medidas.

A plataforma ditou todos os movimentos do Partido Nazista, cuja


popularidade começou a aumentar na medida em que a República de Weimar,
apesar de começar a melhorar a situação político-econômica alemã, era
acusada de ser subserviente aos interesses das potências estrangeiras e do
Tratado de Versalhes.

A República de Weimar dinamizou a administração pública, o recolhimento


de impostos e o controle federal sobre as vias de comunicação, especialmente
as ferrovias. Isso não foi suficiente para manter a popularidade e a estabilidade
política do regime, que foi duramente solapada com a crise de 1929.

Com a crise, a economia alemã, que estava se reerguendo, foi devastada


totalmente, pois dependia de investimentos estrangeiros, especialmente
dos americanos, que rapidamente cessaram. Com a falta dos investimentos,
a produção começou a ficar estocada, derrubando os preços das ações das
empresas, tal como nos Estados Unidos. Começaram, então, as demissões
em massa, jogando grande parte da população no desemprego.

O governo começou a emitir moeda a fim de realizar pagamentos e manter


a economia fluindo, mas só fez explodir o valor da moeda alemã, o marco,
criando uma inflação absurda, que logo fez com que, por exemplo, o preço
dos pães chegasse à casa dos milhões de marcos. A desvalorização do
dinheiro chegou a tal ponto que notas de um milhão de marcos passaram a
ser usadas como blocos de notas pelos alemães.

O quadro de instabilidade ajudou a promover os movimentos políticos de


natureza radical, especialmente os nazistas, que aproveitaram o momento e
ganharam eleições seguidas para o Parlamento (Reichstag), indo compor o
governo junto com partidos de diferentes matizes políticos, em uma frágil
coalizão que veio a ser solapada pela luta política que se seguiu.

Em 1932, os nazistas obtiveram uma votação expressiva nas eleições gerais


de maio, e logo fizeram grande pressão para poder fazer com que Hitler

105
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

fosse nomeado Chanceler pelo Presidente Paul von Hindenburg, herói da


guerra e extremamente respeitado por políticos e militares alemães.
Hindenburg negou-se a fazê-lo por diversas vezes, até que Fritz von Papen,
político que já havia sido Chanceler, convenceu o presidente de que seria
capaz de manipular Hitler se este fosse nomeado Chanceler e ele Vice-
Chanceler.

A pressão foi crescendo e em janeiro de 1933 Hindenburg nomeou Hitler


Chanceler e, rapidamente, apesar do poder do presidente, os nazistas
começaram a fazer valer seu governo. A oposição de esquerda foi banida e
líderes de centro foram ameaçados para aceitar as políticas nazistas ou
abandonar a política.

Em fevereiro de 1933, ocorreu o incêndio do Reichstag, e os nazistas


culparam os comunistas por tal ato. Hitler então pressionou Hindenburg a
assinar decretos que conferiam grandes poderes ao Chanceler e suspendiam
as liberdades civis na Alemanha por tempo indefinido. Com base nesses
decretos, os nazistas aproveitaram para realizar prisões em massa de
comunistas, além de ataque ao Partido Comunista da Alemanha, incluindo-
se aí os parlamentares da legenda. Vários líderes comunistas desapareceram.

Os nazistas aumentaram mais ainda sua presença no Reichstag após o


banimento dos líderes e, com maioria no parlamento, puderam aprovar leis
que permitiam a Hitler legislar sem a aprovação do Reichstag. O caminho
para a ditadura nazista de partido único foi aberto, pois, com tais poderes,
acabava-se a República de Weimar, abrindo espaço para a Alemanha Nazista,
o Terceiro Reich.

O presidente Hindenburg era a este ponto a única força capaz de se contrapor


a Hitler, e este habilmente não o enfrentava, por saber que o velho marechal
contava com o firme apoio das Forças Armadas, da elite, principalmente a
prussiana, e de importantes intelectuais alemães. Mas Hindenburg estava
muito esgotado pela idade e pela doença e acabou por ser incapaz de se
opor a Hitler.

Com a morte de Hindenburg em 1934, Hitler ficou livre para assumir o topo
do governo, assumindo os poderes do cargo de presidente e criando o
título de Führer, enquanto declarava a Presidência do Reich vacante.

Mas os nazistas não possuíam o controle da vida política alemã tal como
queriam. Havia dois importantes atores a serem convencidos a fazerem
parte do projeto: as elites e o Exército.

106
Capítulo 6 – Segunda Guerra Mundial: do conflito tradicional à era nuclear

As elites estavam preocupadas com a natureza violenta do Partido Nazista,


cujos militantes, em especial a SA (Sturmableitung - Grupos de Assalto),
que compunha a força de choque nazista - os “camisas pardas”. Durante os
enfrentamentos nas ruas com militantes de outros partidos possuía um
efetivo que chegava à casa dos três milhões de homens. Os partidários
estavam provocando desordens nas ruas, além de seu efetivo causar fortes
temores entre a alta oficialidade do Exército, que temia que a SA tomasse o
lugar deste. Não era um delírio, pois Ernst Röhm, líder da SA afirmava que
o Exército era antiquado e deveria ser substituído pela moderna SA.

Após negociações secretas, principalmente com o Exército, Hitler decidiu


agir contra Röhm e as lideranças da SA. Sua principal ferramenta era a SS
(Schutzstaffel – Esquadrão de Proteção), fundada em 1925 como uma força
de guarda-costas para os líderes nazistas, especialmente Hitler.
Diferentemente da SA, que era vista como independente demais do partido,
a SS era totalmente fiel e obediente aos princípios nazistas, tanto que, para
se filiar à corporação, o candidato deveria apresentar registros de pureza
racial alemã de sua linhagem, que recuavam até 1750.

Seu comandante era Heinrich Himmler, um dos primeiros quadros do Partido


Nazista, que, ressentido com o poder que possuía a SA, buscou fortalecer a
SS, transformando-a de um grupo de guarda-costas em uma força militar e
policial. Por volta de 1934, a SS possuía 52 mil homens escolhidos de
acordo com a filosofia da “super-raça” ariana, o ideal nórdico dos guerreiros
loiros de olhos claros. Ironicamente, Himmler não se encaixava nesse perfil
- era baixo, franzino e de cabelos negros.

Em 30 de junho de 1934, utilizando o subterfúgio de convocar uma reunião


com Röhm e as lideranças da SA, Hitler chegou a Munique acompanhado
de todo o alto escalão nazista:
• Hermann Göring: marechal do Reich e comandante da Força Aérea
Alemã (Luftwaffe);
• Joseph Goebbels: ideólogo do Partido Nazista e Ministro de Propaganda
e Informação do Reich;
• Rudolf Hess: assessor especial do Führer;
• Heinrich Himmler: comandante das SS; e
• Reinhard Heydrich: chefe da Gestapo, a polícia política nazista, e chefe
do SD (Sicherheitsdienst - Serviço de Segurança).

107
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Este último foi pessoalmente prender Röhm, acusado de usar a SA para


realizar um golpe de estado.

A cúpula da SA foi rapidamente presa ou executada e o próprio Röhm foi


executado na prisão no dia 2 de julho, mas a Noite das Longas Facas, como
ficou conhecida a ação na noite de 30 de junho, não foi apenas contra a
SA, mas contra outros políticos também. O fundador do Partido Nazista,
Gregor Strasser, foi assassinado, bem como o general Kurt Von Schleicher,
que havia precedido Hitler como Chanceler. O Vice-Chanceler Papen ficou
detido em casa e logo renunciou ao cargo, enquanto vários de seus
colaboradores próximos foram executados, bem como diversos conservadores
e social-democratas considerados não-confiáveis pelos nazistas.

O Exército aproximou-se do regime, e logo todos os militares alemães foram


obrigados a realizar juramentos de fidelidade a Hitler, que passou a executar
o projeto nazista rapidamente. Em 1935, foram proclamadas as Leis de
Nuremberg, que destituíam os judeus da cidadania alemã e proibiam o
casamento entre judeus e alemães, bem como instituíam severas restrições
trabalhistas. O cerco aos judeus e outras minorias rapidamente se
estabeleceu, e logo começou a ocorrer um êxodo dessas minorias.

Nesse ano a Alemanha também começou a demonstrar sinais de seu


rearmamento, proibido pelo Tratado de Versalhes, ao assinar com a Grã-
Bretanha o Tratado Naval Anglo-Alemão que limitava a Marinha Alemã em
35% da tonelagem da Marinha Real britânica.

A economia começou a ter problemas em 1936, pois as grandes somas


voltadas para o rearmamento e a expansão das Forças Armadas começaram
a fazer falta em outros campos, como na agricultura e na produção. Parte
desses problemas se dava devido aos ataques contra judeus, bem como às
leis antissemitas, que danificaram a economia alemã, pois boa parte do
capital investido nela era de origem judia, e que com as perseguições acabou
por afluir para outras nações. Hitler, de forma relutante, teve de retirar
verbas dos militares e redirecioná-las para evitar uma crise de abastecimento.

Para manter a popularidade, aumentou-se o tom ufanista e triunfalista da


propaganda do regime, bem como a busca de uma política externa cada vez
mais agressiva. Hitler ordenou a ocupação militar da Renânia, proibida
expressamente pelo Tratado de Versalhes, e encorajou-se para exigir mais,
devido à reação nula de França e Inglaterra.

108
Capítulo 6 – Segunda Guerra Mundial: do conflito tradicional à era nuclear

As demandas nazistas cresceram rapidamente, ao mesmo passo que uma


aliança foi firmada com a Itália fascista, criando o Eixo Roma-Berlim. A
Alemanha exigia a anexação da Áustria e esta foi feita sem negociações
com as potências europeias. O episódio veio a ser conhecido como o
Anschluss (União). Um plebiscito ratificou a anexação e os nazistas logo
continuaram a marcha por mais territórios.

Ainda em 1938, Hitler passou a exigir que a Tchecoslováquia entregasse os


Sudetos, região que abrigava um grande número de alemães, sob o pretexto
de protegê-los do governo tcheco. Mais uma vez, França e Inglaterra buscaram
o apaziguamento e na conferência de Munique, em setembro, concordaram
com a anexação dos Sudetos pela Alemanha. Em março de 1939, os alemães
acabaram por ocupar toda a Tchecoslováquia, violando os acordos firmados.
Em breve, os alemães começariam a pedir para anexar a cidade livre de
Dantzig, mas a Polônia se recusou a aceitar e a Alemanha decidiu aumentar
o tom, ameaçando inclusive ir à guerra para fazer valer seu interesse. Dessa
vez, França e Inglaterra decidiram mudar a atitude em relação à Alemanha,
recusando as reivindicações nazistas e se aliando para ir à guerra em conjunto
contra os alemães, caso invadissem a Polônia.

3. Avanço dos Regimes Totalitários na Península Ibérica


Na Península Ibérica, o processo político rapidamente passou a trilhar o
caminho do totalitarismo, devido à crise mundial que afetou seriamente os
países ibéricos. A política já estava há décadas com problemas, pois os dois
países enfrentavam severas mudanças em pouco tempo: deixaram de ser
monarquias e transformaram-se em repúblicas.

3.1 Espanha
A república espanhola, implantada em 1931 com a abolição da monarquia,
era caracterizada por uma grande instabilidade causada pelos partidos de
direita e esquerda, que recorreram à violência por diversas vezes para fazer
valer seus interesses. A polarização era tal que produziu severas clivagens
na sociedade espanhola dividindo até famílias.

De um lado, comunistas, socialistas e anarquistas, além de outros grupos


de esquerda, organizados na Frente Popular. Em outro, militares, fazendeiros,
representantes do clero e monarquistas compunham os partidários da direita,
que alegava que as tradições da Espanha estavam sendo destruídas pelo
governo esquerdista.

109
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

O mais jovem general do Exército, Francisco Franco, que já havia reprimido


greves a mando do governo, conquistou o apoio da direita e rapidamente
tornou-se o líder da facção nacionalista, devido às mortes dos generais
Sanjurjo e Mola, que eram proeminentes líderes da rebelião contra o governo
republicano.

Franco comandava o Exército da África, que possuía as melhores unidades


do Exército espanhol, devido a recentes campanhas de apaziguamento e
conquista colonial. Do Marrocos iniciou sua marcha rumo ao território
espanhol, invadindo o sul do país, enquanto forças do general Mola
controlavam o norte. O centro e a Catalunha estavam nas mãos dos
republicanos, mas a natureza da aliança governista acabou por depor contra
o governo, pois anarquistas e comunistas tomaram o controle de diversas
regiões implantando leis próprias e não respondendo aos chamados de Madri,
ainda sob controle governista.

Franco contava com uma rápida reação por parte de outros militares para
concluir o golpe rapidamente, mas a reação dos anarquistas, comunistas e
socialistas foi inesperada e a guerra estourou.

Desde o início, o conflito foi marcado pela violência contra civis, no caso
republicano, especialmente dirigido contra o clero. Mais de sete mil membros
da Igreja ou simpatizantes foram executados sumariamente pelos
republicanos. No caso nacionalista, era típica a realização de grandes
execuções como forma de atemorizar a população e garantir sua fidelidade.

As lutas entre nacionalistas e republicanos ficaram marcadas por uma


intensidade que só fez aumentar quando começou a ocorrer o envolvimento
internacional em ajuda aos dois lados. As Brigadas Internacionais, compostas
por voluntários de diversos países e forças da União Soviética, que enviara
armas, equipamentos e pessoal, começaram a chegar à Espanha para lutar
junto aos republicanos, enquanto a Alemanha nazista e a Itália fascista
enviaram forças para lutar junto aos nacionalistas, com suporte logístico de
Portugal, que já estava em um regime autoritário liderado por Antonio de
Oliveira Salazar.

Os alemães enviaram a Legião Condor, que forneceu apoio aéreo e ficou


conhecida mundialmente pelo bombardeio da cidade de Guernica,
imortalizado pela obra de mesmo nome, um painel pintado por Pablo Picasso.
Os italianos enviaram o Corpo Truppe Volontarie, que envolvia forças de
terra e ar, chegando a ter efetivos de 50 mil homens, compostos por militares

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Capítulo 6 – Segunda Guerra Mundial: do conflito tradicional à era nuclear

do Real Exército da Itália, da Força Aérea Real e paramilitar do Partido


Fascista.

O ano de 1937 viu grandes batalhas ocorrerem entre nacionalistas e


republicanos, com o fracasso das ofensivas de Franco para capturar Madri,
embora conseguisse capturar outros territórios na Espanha. A luta também
era firme no campo ideológico: os republicanos faziam propaganda, aliados
a importantes figuras da esquerda europeia, mostrando a guerra como a
chance de lutar contra o fascismo efetivamente e impedi-lo de crescer, ao
passo que os nacionalistas caracterizavam o conflito como uma cruzada da
cristandade contra o comunismo e a anarquia que destruiria a Espanha.

As diferenças ideológicas entre os grupos que compunham as forças que


lutavam pela república espanhola acabaram por minar a capacidade de luta
desta contra os nacionalistas, que, com cada vez mais recursos e forças
bem treinadas, impunham vitórias e iam tomando mais e mais regiões da
Espanha, isolando as forças republicanas.

Franco obteve a vitória em 1939, declarando em 1º de abril o fim da guerra,


após a rendição das últimas forças republicanas e a queda de Valencia,
última grande cidade nas mãos republicanas (a capital Madri havia caído
dias antes), concluindo o conflito que devastou a Espanha.

Nos anos do pós-guerra civil, Franco buscou manter a independência da


Espanha, conduzindo com habilidade as pressões de Itália e Alemanha para
ingressar na Segunda Guerra Mundial. Franco ora mostrava-se disposto, ora
apresentava aos alemães uma lista de exigências tal que estes ficaram
desencorajados de incluir os espanhóis na guerra, porém, quando a Alemanha
invadiu a União Soviética em 1941, Franco autorizou o envio de um corpo
de voluntários para a luta contra o bolchevismo, a Divisão Azul. Os voluntários
foram proibidos de lutar contra as potências ocidentais e ficaram conhecidos
na frente russa pela alta capacidade de combate.

Após o fim da guerra, Franco afastou-se do fascismo, e a cúpula do regime


foi tomada por um grupo de tecnocratas que estabeleceram políticas de
crescimento para a Espanha nas décadas de 1950 e 1960, ajudando a romper
o isolacionismo em que a nação se encontrava desde o fim da guerra civil.
O fim do franquismo chegaria com a morte de Franco e o retorno do Rei a
Espanha, em 1975, surgindo a monarquia constitucional pluripartidária e
democrática.

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EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

3.2 Portugal
Em Portugal, a jovem república sofria com a grande instabilidade política,
desde seu nascimento, quando do regicídio de 1910, que acabou com a
monarquia. O início da república foi marcado por um grande jacobinismo e
um forte movimento anticlerical. Profundos choques políticos se seguiram
e, em 1926, a república foi derrubada pelo presidente eleito, o general
Oscar Carmona, líder de um movimento militar que há muito planejava a
derrubada da república para implantar um regime de ordem estável.

O regime veio a ser conhecido como a Ditadura Nacional, e os militares


logo colocaram no ministério um professor que rapidamente se tornaria o
líder do regime: Antonio de Oliveira Salazar, que, como Ministro das Finanças,
conseguiu combater a caótica situação econômica em que Portugal se
encontrava e, assim, foi nomeado Presidente do Conselho de Ministros,
Primeiro-Ministro de Portugal.

A ascensão de Salazar ao poder coincidiu com o fechamento do regime e a


transformação da ditadura no Estado Novo, em que uma nova constituição
foi publicada em 1933, com um regime autoritário de partido único (a
União Nacional) e a divisão da sociedade em corporações que seriam
representadas no Parlamento.

O Estado Novo tinha uma inspiração fortemente fascista e pró-católica. O


lema do regime era “Deus, Pátria e Família”, que demonstrava claramente a
natureza conservadora e tradicionalista que Salazar impôs ao país. Qualquer
questionamento à ordem estabelecida era vigiado pela PIDE (Polícia
Internacional e de Defesa do Estado) e por outras organizações criadas por
Salazar para o aparato de segurança estatal, que rapidamente espalhou o
terror entre a população portuguesa.

Portugal entrou em um forte isolacionismo, pois a visão de Salazar não


coadunava com o que se passava no exterior. Manteve a duras penas a
neutralidade portuguesa na Segunda Guerra Mundial e depois a política
“Orgulhosamente Sozinho”, pela qual se recusava a conceder independência
às colônias ultramarinas portuguesas, deixando o país cada vez mais isolado
na política internacional. Na visão salazarista, Portugal era um império plural,
multicultural e multirracial e assim deveria permanecer.

Em 1968, Salazar sofreu um acidente em casa e logo ficou incapacitado


para governar, sendo substituído pelo Ministro das Colônias, Marcello
Caetano, que governou até 1974, quando foi derrubado em 25 de abril pela

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Capítulo 6 – Segunda Guerra Mundial: do conflito tradicional à era nuclear

Revolução dos Cravos, encabeçada pelo Movimento das Forças Armadas


(MFA), que conduziu Portugal à democracia e à abertura política, com o
retorno do pluripartidarismo.

4. Militarismo Japonês
No século XIX o Japão havia passado de país passível de sofrer invasões
estrangeiras e mesmo colonização, tal como a China, a uma potência
imperialista respeitada. Sua vitória sobre os russos na guerra Russo-Japonesa
de 1905 demonstrou os esforços do Estado Imperial para modernizar o país
e colocá-lo dentro de uma severa industrialização.

Como o Japão é um país pobre em recursos naturais, a necessidade destes


ocasionou mais a busca desses recursos do que a de mercados para suas
mercadorias, como no caso europeu. Assim, os japoneses invadiram diversas
áreas da Ásia, sendo as de maior proeminência a Manchúria e Coreia, que
foram os principais provedores de matérias-primas para o Império.

Durante a Primeira Guerra Mundial, os japoneses lutaram contra os alemães


e invadiram várias possessões desses no Pacífico, tentando expandir sua
influência sobre a China, quase a transformando em um protetorado, o que
não conseguiram devido à condenação internacional e ao forte sentimento
antinipônico da população chinesa.

Os anos do entreguerras viram uma crescente militarização do Estado


Imperial, assim como a ascensão do Imperador Hirohito, que acabou por
marginalizar os políticos moderados, dando força aos militares em diversos
postos da administração. A visão política dos militares não era única: os
generais do Exército defendiam uma filosofia política que mesclava o antigo
código de conduta samurai (Bushido) com o fascismo europeu, e pregavam
um processo político em que o Imperador se tornaria uma figura decorativa
em um “xogunato militar”, indo de encontro aos almirantes da Marinha,
que acreditavam que o Imperador deveria reter poderes em uma monarquia
constitucional com natureza até religiosa.

O regime político se fechou, e o Japão se lançou à conquista de novas


regiões na Ásia. Em 1937, após a conquista da Manchúria, o Império declarou
guerra à China, e uma cruenta guerra se seguiu, sendo considerada por
especialistas um prelúdio asiático da Segunda Guerra Mundial, tal como a
Guerra Civil Espanhola foi o prelúdio europeu.

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EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

A Liga das Nações, já combalida a esse tempo, condenou as ações japonesas


e só fez o Japão se retirar da entidade. Em 13 de dezembro de 1937, os
japoneses capturaram a capital da China Nacionalista, Nanking, e realizaram
uma ação que ficou conhecida como “o Estupro de Nanking”, em uma
brutal ação que vitimou 300 mil chineses, caracterizada por estupros, saques,
pilhagens e massacre deliberado de civis.

Os japoneses não se limitaram apenas à China em sua ofensiva pela Ásia.


Buscaram também aumentar seus domínios na Manchúria, atacando território
contestado pela União Soviética, o que resultou em uma rápida guerra
vencida pelos soviéticos na Batalha de Khalkhin Gol, fazendo com que os
japoneses decidissem por não mais atacar as forças soviéticas.

Com a derrota em Khalkhin Gol, a tese de avanço territorial rumo à Sibéria


em busca de recursos perdeu força no governo japonês, que passou a tratar
da tese da Marinha: a busca por recursos no Pacífico, o que guiaria a ação
japonesa na guerra.

5. Primeira Fase da Guerra: o avanço do Eixo Roma-Berlim


(1939-1942)
As ambições de conquista territorial da Alemanha foram cada vez maiores,
e a relutância de França e Inglaterra em tomar uma atitude ofensiva fazia
com que os nazistas fizessem exigências cada vez maiores. Após tomar
Áustria e Tchecoslováquia e reivindicar a Cidade Livre de Dantzig, fechando
o Corredor de Dantzig, os alemães forçaram a situação na Europa a um
impasse, pois França e Inglaterra mudaram de atitude e garantiram à Polônia
a sua independência. Ao mesmo tempo, em agosto de 1939, a Alemanha
assinava com a União Soviética um pacto de não-agressão.

Garantidos pelas promessas anglo-francesas, os poloneses recusaram as


demandas alemãs e passaram a se preparar para a agressão alemã. Com as
propostas recusadas, os nazistas decidiram pela guerra e, em 1º de setembro
de 1939, invadiram a Polônia, usando o método que seria conhecido como
Blitzkrieg, a guerra-relâmpago. Em 17 de setembro, os soviéticos invadiram
a fronteira leste da Polônia e dividiram o país com os alemães.

Esse movimento acompanha a anexação da Albânia pela Itália fascista em


abril de 1939; a Inglaterra havia estendido as promessas de defesa à Grécia
e à Romênia contra uma possível ação do Eixo Roma-Berlim. O domínio das
técnicas da Blitzkrieg pelos alemães foi fundamental para compreender a
rapidez e a natureza de seu avanço pela Europa, pois muitos dos exércitos

114
Capítulo 6 – Segunda Guerra Mundial: do conflito tradicional à era nuclear

europeus ainda esperavam travar uma guerra nos moldes da Primeira Guerra
Mundial.

Entre maio e junho de 1940, Dinamarca, Holanda, Bélgica e Noruega caíram


sob domínio alemão. A conquista de Holanda e Bélgica se deu em uma
grande manobra para flanquear a Linha Maginot, um gigantesco complexo
de fortalezas que a França havia construído na fronteira com a Alemanha, a
fim de se proteger de uma eventual invasão. A linha se mostrou ineficaz
diante da manobra alemã, que devastou os exércitos anglo-franceses e
forçou os britânicos a retirarem suas tropas em Dunquerque, enquanto os
franceses eram batidos e se rendiam aos alemães em 14 de junho de 1940.
A Itália entrou na guerra em 10 de junho, ao lado da Alemanha, invadindo o
sul da França e, logo após a rendição francesa, o país foi dividido em duas
zonas: uma sob controle das forças do Eixo e uma composta por um regime
colaboracionista com os alemães, comandado pelo Marechal Pétain,
conhecido como França de Vichy.

Um grupo de franceses conseguiu fugir em meio à retirada britânica,


formando o grupo dos Franceses Livres, liderado pelo general Charles de
Gaulle. Londres se tornou um porto seguro na Europa para diversos
movimentos de resistência como os de poloneses e tchecos, que formaram
grupos para lutar contra o domínio nazista em seus países.

A Inglaterra ficou sozinha para lutar contra a Alemanha, que começou a


bombardeá-la dia e noite com intensos ataques aéreos, buscando obter a
superioridade aérea para promover uma invasão. Os ingleses resistiram por
meio da Royal Air Force (RAF) que impôs severas perdas a Luftwaffe, a
Força Aérea alemã. A incapacidade de dobrar os ingleses fez com que os
planos de invasão fossem cancelados.

Durante esse período, uma intensa batalha se seguiu no mar, entre a Royal
Navy (Marinha inglesa) e a Kriegsmarine (Marinha alemã), com os U-boats
(submarinos) buscando bloquear a chegada de suprimentos a Inglaterra. A
esse tempo, os EUA eram neutros na guerra mas já demonstravam certa
apreensão com a luta da Inglaterra contra os nazistas e rapidamente
aprovaram leis, gerando um fluxo de suprimentos e equipamentos militares
para os ingleses que permitiu fôlego a estes na luta contra os alemães. A
ajuda americana também foi estendida aos chineses.

Em 1941, Hitler decidiu-se por lançar a ofensiva contra a União Soviética,


mas seu planejamento foi atrasado por uma ação de Mussolini, que desejava
tomar a Grécia, enquanto forças britânicas atacavam os domínios italianos

115
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

na África, após ataques destes ao Egito. Em uma rápida campanha, os


britânicos capturaram 115 mil soldados italianos, destruindo o exército
italiano na região. Os alemães tiveram que mandar forças para impedir que
os britânicos dominassem as regiões coloniais italianas.

Ao mesmo tempo, os alemães decidiram invadir a Iugoslávia, após a queda


do regime pró-Alemanha, e aproveitaram para conquistar a Grécia, aliada
dos britânicos, que, apesar de tenaz defesa, tiveram que se retirar. Um feito
impressionante da campanha foi a luta em Creta, tomada por efetivos de
pára-quedistas alemães e forças transportadas inteiramente pelo ar.

Apesar da torrente de sucessos nazistas, a Inglaterra obteve um grande


sucesso nesse ano, quando do afundamento do encouraçado alemão
Bismarck.

O contra-ataque alemão na África foi devastador para as forças britânicas,


que perderam os ganhos que haviam obtido contra os italianos, e tiveram
de recuar para o Egito. No Pacífico, os japoneses preparavam sua frota para
lançar ataques contra as desprotegidas colônias das potências europeias, e
concluía um tratado de não-agressão com a União Soviética.

Ainda nesse ano, a guerra que já possuía dimensões europeias, com conflitos
na África e no Oriente Médio, iria ganhar escala global com dois fatos. O
primeiro ocorreu em 22 de junho de 1941, quando os alemães invadiram a
União Soviética, lançando todo o peso de sua força militar.

A ofensiva alemã foi devastadora, com os alemães batendo todos os exércitos


soviéticos na fronteira e capturando milhões de soldados soviéticos nos
primeiros meses de ação. A velocidade do avanço permitiu que os alemães
lançassem um ataque contra Moscou em outubro de 1941.

A brava resistência soviética e a vinda de forças da Sibéria comandadas


pelo general Zhukov derrotaram a ofensiva alemã, combinada à chegada do
inverno, que acabou com as estradas, vitais para o esforço de guerra alemão,
especialmente para as forças Panzer, compostas por carros de combate e
tropas mecanizadas. Os russos foram capazes de lançar uma contraofensiva
que forçou os alemães a recuarem às posições originais do ataque à cidade.

Ao mesmo tempo em que os alemães recuavam, no Pacífico ocorria o segundo


fato que iria lançar o conflito na escala global: os japoneses atacaram
possessões holandesas, francesas, britânicas e americanas, bombardeando
a base naval de Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941, destruindo vários
navios da Marinha dos EUA.

116
Capítulo 6 – Segunda Guerra Mundial: do conflito tradicional à era nuclear

No dia seguinte, os EUA declararam guerra ao Japão e logo a Alemanha e a


Itália declararam guerra aos EUA. A entrada dos americanos na guerra, com
seu grande complexo industrial, bem como a força soviética, iriam mudar a
balança do conflito.

Em uma rápida campanha em 1942, os japoneses conquistaram grandes


domínios coloniais, obtendo diversos recursos para sua indústria de guerra,
mas foram derrotados no mar em Midway e em terra em Port Moresby, na
Papua Nova Guiné.

Na África, os alemães passaram a novas ofensivas, empurrando os britânicos


para o Egito, que se refugiaram na localidade de El Alamein, onde formaram
uma linha defensiva para deter as forças do Afrika Korps, sob o comando
do general Rommel. As forças britânicas foram reagrupadas no VIII Exército,
comandado pelo general Montgomery.

6. Segunda Fase da Guerra: vitória dos Aliados (1942-1945)


Em 1942, os alemães lançaram nova ofensiva na Rússia, dessa vez com o
objetivo de capturar o Cáucaso, que possuía ricos recursos petrolíferos
capazes de manter o esforço de guerra alemão. Novamente os alemães
impuseram um avanço impressionante no sul, conquistando grandes
extensões de território e capturando milhares de soldados russos.

O ponto-chave da ofensiva era a cidade de Stalingrado e os soviéticos


estavam dispostos a manter a cidade, enquanto os alemães tinham ordens
para capturá-la a qualquer custo. A Batalha de Stalingrado começara, com
violentos e sangrentos combates de rua, com os alemães obtendo um lento
avanço em um tipo de enfrentamento no qual seus carros de combate eram
totalmente inúteis.

Ao mesmo tempo, na África, Rommel e suas forças se preparavam para


lançar uma ofensiva contra o VIII Exército britânico, que estava recebendo
suprimentos e equipamentos em El Alamein, em posições entrincheiradas.
Montgomery esperava um ataque alemão, que só poderia ser frontal, pois
estava protegido em seus flancos por uma depressão à esquerda e com o
mar pelo outro lado.

O assalto alemão falhou em romper o dispositivo britânico e boa parte da


força do Afrika Korps foi destruída na batalha. A ofensiva na África passou
aos Aliados, ocorrendo a Operação Tocha poucos dias depois com

117
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

desembarque de tropas americanas em solo africano apoiando as forças


britânicas contra os alemães.

Na mesma ocasião, forças alemãs tinham tomado quase toda Stalingrado,


após uma verdadeira carnificina por diversos pontos da cidade, como a
Colina Mamayev, a Fábrica de Tratores - onde eram produzidos carros de
combate e canhões, muitas vezes usados ainda na linha de produção para
defender a área - e a Estação de Trens, que em um dia de combate, mudou
de mãos nada menos que 14 vezes.

Nesse momento, em que os alemães achavam que a conquista da cidade


era questão de tempo, forças soviéticas concentradas na margem do rio
Volga comandadas pelo general Zhukov se preparavam para lançar um ataque
aos flancos do VI Exército alemão, comandando pelo general Paulus. Na
segunda quinzena de novembro de 1942, os soviéticos lançaram sua ofensiva,
destruindo unidades aliadas dos alemães, formadas por romenos, italianos
e búlgaros.

Os soviéticos cercaram o VI Exército, que ficou refém da cidade que desejava


conquistar, Stalingrado. Uma tentativa de estabelecer uma ligação capaz
de resgatar as tropas cercadas fracassou devido à tenaz resistência dos
soviéticos e o ressuprimento por ar prometido pela Luftwaffe falhou. O
marechal Von Manstein, que comandava os esforços alemães para salvar o
VI Exército pediu a Hitler que autorizasse um ataque deste para ligar-se às
forças alemãs que tentavam criar o corredor para salvá-lo, mas Hitler negou
e deu ordens para que o VI Exército lutasse até o último homem dentro de
Stalingrado.

A sorte das forças alemãs na cidade estava selada. Em janeiro, Hitler


promoveu Paulus a marechal. Esperava que ele lutasse até a morte ou se
suicidasse, pois nunca um marechal alemão havia sido capturado pelo
inimigo, mas Paulus acabou se rendendo aos soviéticos, bem como 22
generais alemães, para fúria de Hitler. Efetivos alemães, italianos, romenos
e húngaros foram capturados. Dos 91 mil alemães capturados, somente 5
mil sobreviveriam aos campos de prisioneiros russos.

No início de fevereiro, terminava a Batalha de Stalingrado, um dos maiores


desastres militares alemães e a batalha mais sangrenta da história
contemporânea, com quase dois milhões de baixas estimadas entre civis e
militares. A derrota foi completa, e os alemães perderam forças consideráveis
na luta da frente oriental.

118
Capítulo 6 – Segunda Guerra Mundial: do conflito tradicional à era nuclear

No ano de 1943 as forças aliadas passaram à ofensiva contra as forças do


Eixo em todos os teatros de operações. No Pacífico, as forças aliadas,
especialmente americanas, capturavam ilhas uma a uma, além dos
bombardeios estratégicos que minavam a capacidade da economia japonesa
de manter a guerra.

Na Europa, a aviação aliada bombardeava a Alemanha dia e noite, destruindo


cidades e indústrias. A guerra na África terminaria em 13 de maio de 1943,
com a rendição das forças do Eixo. 252 mil soldados alemães e italianos
foram capturados e os Aliados logo desembarcaram tropas na Sicília em
julho, seguida pela invasão da Itália.

A invasão causou a queda do regime fascista, com a deposição de Mussolini


pelo Grande Conselho Fascista e sua prisão, sendo o governo assumido
pelo general Badoglio, que negociou a rendição e inserção da Itália aos
Aliados para lutar contra a Alemanha. Os alemães responderam ocupado o
norte, libertando Mussolini e fundando uma “República Social Italiana”
chefiada por este.

A guerra na Itália seria o destino das forças do Brasil, que havia declarado
guerra ao Eixo em 1942. Para lá seriam mandados os 25 mil homens da
Força Expedicionária Brasileira e do 1º Grupo de Aviação de Caça. A
participação brasileira ocuparia lugar de destaque nos efetivos do V Exército
americano.

Porém, mesmo com o desastre em Stalingrado, os alemães ainda possuíam


uma formidável capacidade e lançaram uma ofensiva para recuperar a
iniciativa na frente oriental, na região de Kursk. Em um último esforço, a
força de submarinos alemã lançava um novo ataque na Batalha do Atlântico,
sendo derrotada por uma série nova de táticas, equipamentos e medidas
empreendidas pelos Aliados.

A batalha de Kursk iniciou-se em 4 de julho de 1943, com forças alemãs


avançando contra o saliente estabelecido pelas forças soviéticas durante o
inverno, fortemente defendido, pois os soviéticos receberam informações
sobre a movimentação alemã. Em uma das maiores batalhas de carros de
combate da história, os soviéticos detiveram o avanço alemão, mas foram
incapazes de realizar um contra-ataque devido às terríveis perdas sofridas.

Os alemães falharam em alcançar seus objetivos e as perdas foram tais que


nunca mais teriam capacidade de iniciativa na frente oriental. Os soviéticos

119
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

lançaram ofensivas que acabaram por minar as forças alemãs, retomando


território, terminando com o sítio de Leningrado, em janeiro de 1944.

O ano de 1944 seria o início do ocaso das forças do Eixo. A luta na frente
italiana continuou, e as forças aliadas capturaram Roma, após quebrar a
resistência alemã em Monte Cassino. No Pacífico, o perímetro da Grande
Esfera de Prosperidade Asiática, o nome dado pelo Japão à ocupação da
Ásia, foi rompido pelos americanos, que desembarcaram em diversas ilhas e
atóis, capturando bases que permitiram aumentar os bombardeios aéreos
sobre o Japão, causando efeito devastador nas cidades japonesas.

Os soviéticos lançaram uma ofensiva que expulsou os alemães de grande


parte do território da União Soviética, além de efetuar ataques em território
da Romênia. Essa ação, conhecida como Operação Bagration, acarretou a
pior derrota alemã da guerra, pois, durante os combates, foi totalmente
destruído o Grupo de Exércitos Centro e três de seus componentes: 4º
Exército, 9º Exército e 9° Exército Panzer, dando acesso à Polônia e aos
estados bálticos, bem como à Bulgária e à Iugoslávia. As ações soviéticas
desencadearam golpes de Estado na Romênia e Bulgária, que mudaram de
lado e passaram a lutar contra a Alemanha.

Ao mesmo tempo, em 6 de junho de 1944, ocorreu o Dia D, a invasão da


Normandia pelas forças aliadas, com efetivos dos EUA, Grã-Bretanha, Canadá
e França. A liberação da França começara e, em dura luta, os Aliados abriram
caminho por entre as sebes da Normandia, forçando as tropas nazistas a
recuar.

No Pacífico, os americanos liberaram as Filipinas do domínio japonês e


acabaram com a capacidade de combate da Marinha Imperial Japonesa na
batalha do Golfo de Leyte, uma das maiores batalhas navais da história. No
combate os japoneses lançaram mão pela primeira vez dos kamikazes, pilotos
suicidas destinados a afundar navios americanos lançando-se contra eles
com seus aviões.

Em dezembro de 1944, os alemães lançaram sua última ofensiva, nas Ardenas,


sendo batidos em poucas semanas. A contraofensiva levou as tropas aliadas
até as margens do Reno, já em território alemão, enquanto os soviéticos
conduziam uma nova ofensiva na primavera de 1945 que invadiu a Alemanha
e se aproximou de Berlim.

Na Itália, após o inverno, as forças aliadas retomaram a ofensiva e, a esse


tempo, a Força Expedicionária Brasileira obteve importantes vitórias, dentre

120
Capítulo 6 – Segunda Guerra Mundial: do conflito tradicional à era nuclear

as quais se destacaram Monte Castelo e Montese, além de capturar a 148ª


Divisão Alemã e efetivos adjuntos a esta, fazendo um total de 20.573
prisioneiros de guerra.

No Pacífico, os americanos invadiram ilhas que pertenciam ao território


metropolitano japonês, como Iwo Jima, em uma batalha contra as forças
japonesas, gerando um grande número de baixas. O Presidente Franklin
Roosevelt morreu em 12 de abril, sendo sucedido por seu vice, Harry Truman.

Nesse mesmo mês, os soviéticos invadiram e cercaram a capital alemã,


Berlim, dominando a cidade em uma violenta e terrível batalha, que acabou
por levar o ditador nazista Adolf Hitler a cometer suicídio, quando os
soviéticos estavam a menos de um quilômetro de seu bunker, em 30 de
abril. Dois dias antes havia morrido o ditador fascista Benito Mussolini,
capturado e executado por guerrilheiros italianos.

Com a morte de Hitler, o novo líder alemão, o Almirante Doenitz, ordenou a


rendição das forças alemãs em 8 de maio de 1945, sendo a data conhecida
como o Dia da Vitória na Europa.

No Pacífico, os americanos enfrentavam duríssimos combates em Okinawa,


onde forças japonesas resistiam até o último homem, vendendo suas
posições da maneira mais custosa possível. Um general americano foi morto
em combate e diversos navios foram afundados por ação dos kamikazes,
mas em junho Okinawa foi tomada.

Apesar de ter sua marinha quase totalmente destruída, e os americanos


terem praticamente pulverizado diversas de suas cidades, o Japão se negava
a aceitar a rendição incondicional imposta pelos Aliados.

Em agosto de 1945, duas bombas atômicas foram lançadas pelos EUA nas
cidades de Hiroshima e Nagasaki, enquanto os soviéticos invadiam a
Manchúria, as Ilhas Kurilas, as Ilhas Sacalinas e a Coreia. Após violentos
bombardeios sobre Tóquio, o Japão se rendeu em 15 de agosto, sendo
ocupado por forças aliadas a 28 de agosto. A cerimônia formal de ocupação
ocorreu a bordo do encouraçado Missouri em 2 de setembro.

Com as últimas operações conduzidas em território alemão, foram


descobertos diversos campos de concentração, nos quais os nazistas
colocaram judeus, ciganos, inimigos políticos do regime, poloneses,
homossexuais, testemunhas de Jeová, deficientes físicos e mentais. Nesses
campos, as minorias eram exterminadas por diversos meios (choques
elétricos, fome, trabalhos escravos e forçados, execuções em massa,

121
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

experimentos pseudocientíficos, dentre outros) que chocaram o mundo, tal


o nível de barbárie a que chegou a Alemanha nazista. O total de mortes nos
campos é estimado em 12 milhões, sendo 6 milhões de judeus. Os japoneses
também tiveram sua cota: a Unidade 731 conduziu experimentos de guerra
química e biológica em prisioneiros e civis, especialmente chineses, sendo
responsável por boa parte dos crimes de guerra japoneses.

Estes crimes de guerra seriam julgados em tribunais criados pelos Aliados


para tal. Na Europa, o Tribunal de Nuremberg julgaria os crimes de guerra
da Alemanha, enquanto o Tribunal de Crimes de Guerra do Extremo Oriente
julgaria os crimes japoneses.

A Segunda Guerra Mundial, o conflito mais brutal da história humana,


havia terminado, com 60 milhões de mortos, segundo estimativas. O mundo
estava mudado e duas potências surgiram no contexto mundial, logo sendo
alçadas à categoria de superpotências: EUA e URSS.

7. A Organização das Nações Unidas (ONU) e a Divisão da


Alemanha
Apesar das tensões que passaram a ocorrer com o fim da guerra, as potências
buscavam uma maneira de impedir uma nova guerra mundial. Foram
conjurados esforços múltiplos na criação de um órgão que pudesse
supervisionar a comunidade internacional e medir disputas e impedir conflitos
entre nações.

Em 24 de outubro de 1945 foi criada a Organização das Nações Unidas,


cuja instância mais importante é o Conselho de Segurança, composto por
EUA, URSS, Grã-Bretanha, França e China. Quinze membros são eleitos
para compor o conselho temporariamente, com mandatos de dois anos.

A primeira missão da ONU foi supervisionar a ocupação da Alemanha, como


acertado pelas conferências mantidas entre os poderes aliados durante a
guerra, como as ocorridas em Yalta e Potsdam, quando as zonas de divisão
da Alemanha foram acertadas basicamente entre URSS, Grã-Bretanha e
EUA.

A Alemanha foi dividida em quatro zonas, bem como sua antiga capital,
Berlim, que foi dividida também em quatro zonas. Tais zonas eram ocupadas
por americanos, britânicos, franceses e soviéticos e logo viriam a se tornar
um dos campos de confrontação da nova ordem do pós-guerra, a Guerra
Fria.

122
Capítulo 6 – Segunda Guerra Mundial: do conflito tradicional à era nuclear

Logo, as zonas de ocupação se tornariam novas nações. Em maio de 1949,


com a fusão das zonas francesa, britânica e americana, surgiria a República
Federal da Alemanha, ou Alemanha Ocidental, que se tornaria um dos
principais países capitalistas da Europa e se tornaria a terceira maior economia
do mundo. Mas, apesar do status, as forças de ocupação permaneceram na
Alemanha Ocidental e, somente com sua entrada na OTAN, as forças
estrangeiras tornaram-se aliadas ao país.

A República Democrática Alemã, ou Alemanha Oriental, foi fundada em


outubro de 1949, tutelada pelos soviéticos até 1955, quando foi reconhecida
como independente e passou a fazer parte do bloco socialista, aliando-se
ao Pacto de Varsóvia. Porém, tal como na Alemanha Ocidental, havia diversas
forças militares estrangeiras em seu território.

Referências
ARRUDA, José Jobson de A.; PILETTI, Nelson. Toda a História: História
Geral e História do Brasil. 13. ed. São Paulo: Ática, 2007.

BOBBIT, Philip. A luta começa: fascismo, comunismo, parlamentarismo,


1914-1919. In:__________. A guerra e a paz na História Moderna: o impacto
dos grandes conflitos e da política na formação das nações. Rio de Janeiro:
Campus, 2003. p. 22-30.

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História Moderna: o impacto dos grandes conflitos e da política na formação
das nações. Rio de Janeiro: Campus, 2003. p. 31-40.

CROUZET, Maurice. A Ásia Sul e Extremo Oriente. A Índia. In:__________.


História geral das civilizações: a Época Contemporânea – o desmoronamento
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HOBSBAWM, Eric. A queda do liberalismo. In:_________. Era dos extremos.


O breve século XX, 1914-1919. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras,
1995. p.113-143.

123
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KOSHIBA, Luiz; PEREIRA, Denise Manzi Frayze. História do Brasil no contexto


da história ocidental. 8. ed. São Paulo: Atual, 2003.

MENDES, Cristiano Garcia. A Organização das Nações Unidas – ONU. In:


OLIVEIRA, Henrique Altemani de; LESSA, Antonio Carlos (Orgs.). Política
internacional contemporânea: mundo em transformação. São Paulo: Saraiva,
2006. p. 17-30.

124
CAPÍTULO 7

Brasil: da Revolução de 1930 ao


fim do Estado Novo (1930-1945)

1. Revolução de 1930
A estabilidade da República Velha, conhecida como República do Café
com Leite26, ficou seriamente abalada quando Washington Luís, ao contrário
do que se esperava, insistiu na candidatura de um paulista, e não de um
mineiro, à sua sucessão. O indicado era o governador de São Paulo na
época, Júlio Prestes.

Esse fato levou tanto gaúchos quanto mineiros a buscar uma outra opção
para as eleições. Durante o ano de 1929 foi lançada a candidatura de
Getúlio Vargas. Seu vice era João Pessoa, sobrinho de Epitácio Pessoa e
governador da Paraíba. Estava formada a Aliança Liberal.

O programa da Aliança Liberal refletia as aspirações das classes


dominantes regionais não associadas ao núcleo cafeeiro e tinha
por objetivo sensibilizar a classe média. Defendia a necessidade
de se incentivar a produção do produto nacional em geral e não
apenas o café. (FAUSTO, 2003, p. 319).

Tal proposta vinha acompanhada da defesa das liberdades individuais, de


medidas de proteção aos trabalhadores, além de defesa da anistia, que
servia como forma de buscar o apoio dos tenentes, além de propor uma
reforma política capaz de garantir a idoneidade das eleições.

26 Denominação da política de alternância de poder, na ocupação do cargo de Presidente da


República, ora com São Paulo (café) ora com Minas Gerais (leite). Nota do organizador.

125
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Em meio a esse processo eclodia a crise mundial de 1929. Isso trouxe mais
problemas para o setor cafeicultor que pediu novos financiamentos e o
perdão de suas dívidas, como forma de enfrentar a crise. Esta crise econômica
repercutiu na disputa presidencial já em conflito com a disposição de
Washington Luis de romper o Pacto de Ouro Fino celebrado em 1912 que
fixara alternância entre São Paulo e Minas Gerais no poder governamental,
com a famosa política café com leite, ao insistir no nome de seu afilhado
político Júlio Prestes, de São Paulo, em detrimento do mineiro Antonio
Carlos, que pelo Pacto deveria ser o próximo presidente.

Apesar da insatisfação dos paulistas, Júlio Prestes venceu as eleições no


início de março de 1930. Estas eleições foram marcadas por desconfiança
sobre o uso dos poderes locais na definição dos resultados, para benefício
do vencedor, mas também para benefício da Aliança Liberal em alguns
estados, Rio Grande do Sul, por exemplo. A derrota nas eleições foi seguida
da tentativa de aproximação com o movimento tenentista que, apesar de
derrotado, continuava influenciando bastante o universo político da república,
principalmente dentro do Exército.

Os participantes desse movimento acabaram tecendo um acordo com os


políticos da Aliança, juntando, no mesmo campo, políticos mais novos e
militares rebeldes. Somente Luís Carlos Prestes, o líder do movimento,
escolheu ficar de fora desse acordo se declarando um socialista revolucionário
e condenando o apoio a qualquer oligarquia dissidente.

As alianças promovidas depois das eleições não foram suficientes para dar
vulto à conspiração revolucionária que se formava. Em meados do ano de
1930 ela ainda se encontrava bastante desarticulada, mas um fato foi o
estopim de que precisavam para dar o impulso final aos planos conspiratórios:

A 26 de julho, João Pessoa era assassinado em uma confeitaria


do Recife por João Dantas, um de seus adversários políticos. O
crime combinava razões privadas e públicas mas, na época, só
se deu destaque às últimas, pois as primeiras arranhariam a figura
de João Pessoa como mártir da revolução. (FAUSTO, 2003, p.
323).

A morte de João Pessoa teve papel decisivo no processo de mudança de


poder que se seguiu. Seu enterro, no Rio de Janeiro, para onde o corpo fora
levado, acabou reunindo um grande número de pessoas. Isso foi um presente

126
Capítulo 7 – Brasil: da Revolução de 1930 ao fim do Estado Novo (1930-1945)

para os oposicionistas que agora ancoravam seu movimento na figura de


um mártir, explorando muito bem o apelo emocional que o fato criava. A
articulação para a revolução tomava vulto.

Finalmente, em 3 de outubro de 1930, estourou a revolução em Minas


Gerais e no Rio Grande do Sul. Em Minas Gerais os revoltosos encontraram
resistência, a luta se estendeu por cinco dias, e só acabou quando o regimento
de infantaria resistente ficou sem mantimentos. Já no Nordeste, o movimento
liderado por Juarez Távora, que comandava tudo da Paraíba, encontrou um
desfecho na madrugada do dia 4. Somente em São Paulo, estado que não
participou ativamente das articulações revolucionárias, a situação se manteve
inalterada.

A revolução caminhou com o planejamento de um grande ataque às forças


de apoio a Washington Luís. Antes mesmo do confronto final, em 24 de
outubro, o Exército, representado pelos generais Tasso Fragoso, Mena Barreto
e Leite Castro, e a Marinha, por intermédio do almirante Isaías Noronha,
depuseram o Presidente da República constituindo uma junta provisória de
governo.

Entretanto, a junta não teve vida longa. As manifestações populares,


principalmente as vindas do Sul, reivindicavam Getúlio Vargas. Ele foi de
trem até São Paulo, dali seguiu para o Rio de Janeiro, aonde chegou precedido
por três mil soldados, vindos de seu estado de origem, Rio Grande do Sul.
Assim, em 3 de novembro de 1930 tomou posse como Presidente da
República, dando um fim definitivo ao período que conhecemos como a
Primeira República.

A estrutura agrária, dominante desde os anos coloniais, iria ceder


aos grupos urbanos, que se fundamentavam no comércio e
indústria nascentes. O crescimento material das cidades, como
Rio de Janeiro e São Paulo, provocou um conjunto de mudanças
em seus habitantes, cercados por uma multiplicidade de confortos
novos e desconhecidos. (FROTA, 2000, p. 603).

O governo de Getúlio surgia como uma nova forma de pensar o Estado. Se


antes as oligarquias se alternavam no poder, agora o Estado estava mais
centralizado e o presidente gozava de uma maior autonomia em relação a
essas elites tradicionais. Além disso, no campo econômico, Getúlio se voltou
para o objetivo de promover uma industrialização gradual, fugindo do modelo

127
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

unicamente agroexportador da administração anterior. No campo social


buscou incorporar os trabalhadores urbanos em uma aliança de classes,
ampliando a proteção estatal da categoria. Tudo isso, além, é claro, de dar
às Forças Armadas, especialmente ao Exército, um papel central, tanto na
manutenção da ordem interna, quanto na tarefa de apoiar o desenvolvimento
industrial de base.

Fausto (2003, p. 327) assim resume a proposta do novo governo:

Tentando juntar esses elementos em uma síntese, poderíamos


dizer que o Estado getulista promoveu o capitalismo nacional,
tendo dois suportes: no aparelho de Estado, as Forças Armadas;
na sociedade, uma aliança entre a burguesia industrial e setores
da classe trabalhadora urbana.

2. O Processo Constituinte (1933/1934) e as Opções Políticas


Em 1933 o governo provisório decidiu constitucionalizar o país. E em maio
desse mesmo ano foram realizadas eleições para a Assembleia Nacional
Constituinte. Nos estados surgiram inúmeros partidos, alguns representantes
de uma base sólida, outros, formados sem grande consistência. Mas, de
qualquer forma, salvo o Partido Comunista (nessa época ilegal) e a Ação
Integralista, não se formaram partidos nacionais, o que revelou a imensa
força que as elites regionais ainda tinham no cenário nacional.

A Constituição de 14 de julho de 1934, formulada depois de vários meses


de discussões, se aproximava do texto da de 1891 ao estabelecer uma
república federativa. Entretanto muitos aspectos indicavam as recentes
mudanças na estrutura política do país. Três novos pontos, que não existiam
na constituição anterior, davam a “cara” da nova administração: o primeiro
tratava da ordem econômica e social, com intenções claramente nacionalistas
no que dizia respeito ao desenvolvimento econômico; o segundo tratava da
família, da educação e cultura; e o terceiro da questão da segurança nacional.

Enquanto os constituintes elaboravam o texto constitucional,


começou a se esboçar a questão presidencial. Vários políticos
encontravam-se de acordo em lançar o nome de Getúlio Vargas
como candidato presidencial, muito do agrado do político gaúcho.
(FROTA, 2000, p. 620).

128
Capítulo 7 – Brasil: da Revolução de 1930 ao fim do Estado Novo (1930-1945)

Em 15 de julho de 1934 Getúlio Vargas foi eleito, pelo voto indireto, como
Presidente da República pela Assembleia Nacional Constituinte. Seu mandato
deveria se estender até 3 de maio de 1938.

Durante essa época algumas doutrinas povoaram o cenário das disputas


políticas. As eleições de 1933, que iriam conduzir à Constituição de 1934,
marcaram o esgotamento de um movimento de jovens oficiais - o tenentismo
- que abalou as bases da Primeira República, teve um papel decisivo na
Revolução de 1930 e empalmou grandes parcelas do poder nos primeiros
anos da Era Vargas. O tenentismo se diluiu porque se mostrou incapaz de
construir uma sólida base política, necessária à implementação de seu projeto
de mudanças nas estruturas do país.

O fascismo chegou ao Brasil durante a década de 1920, entretanto foi nos


anos 30 que tomou proporções maiores. Em outubro de 1932 Plínio Salgado
e outros intelectuais fundaram, em São Paulo, a Ação Integralista Brasileira
(AIB), baseada nos princípios fascistas. O integralismo tinha bandeiras que
estavam mais no plano cultural do que econômico. Tratava-se de uma
doutrina nacionalista que defendia o controle do Estado sobre a economia.
Seu lema era Deus, Pátria e Família e por meio dele os integralistas enalteciam
a grandeza da nação, seu valor espiritual e moral.

Nos anos 30 os integralistas constantemente se envolviam em embates


contra os comunistas. Se ambos os movimentos criticavam o Estado liberal
e o partido único, suas diferenças não poderiam ser maiores. Os integralistas,
como vimos, estavam referidos ao movimento fascista europeu,
extremamente conservador. Defendiam a família, a Igreja Católica e a
tradição. Já os comunistas tinham agendas revolucionárias, ligadas à crítica
aos preconceitos, à Igreja, se baseando nos conceitos de luta de classes e
buscando, na luta pela reforma agrária e contra o imperialismo, a
emancipação nacional. Na verdade se tratavam de polos opostos na política
nacional e refletiam muito bem as lutas que transcendiam o espaço nacional,
reeditando as disputas que ocorriam na Europa, opondo o comunismo
soviético aos fascismos que cresciam naquele continente.

3. Contestação ao Regime: Revolução Constitucionalista de 1932


O período pós 1930 foi marcado pela desconfiança de alguns setores contra
a recente revolução. Essas desconfianças se concentravam principalmente
em São Paulo, mas em março de 1932, o rompimento da Frente Única
Gaúcha (formada por partidos regionais) com o governo deu nova dimensão
ao movimento. A junção desse grupo com os grupos ligados ao Partido

129
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Democrático de São Paulo (PD), que já conspiravam contra Getúlio, fez


deslanchar o processo da Revolução Constitucionalista.

A 9 de julho, 23h30min, São Paulo deflagrava uma revolução


com um tímido apoio de Mato Grosso, arvorando a bandeira da
constitucionalização, sendo, no fundo, o último estertor da política
tradicional, o derradeiro lampejo do passado a se extinguir.
(FROTA, 2000, p. 616).

Entretanto a revolução começou a dar errado antes mesmo de começar. O


apoio esperado do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais acabou não
chegando. Flores da Cunha, interventor do Rio Grande do Sul, recuou e
apoiou Getúlio contra os revoltosos em São Paulo, chegando até a mandar
tropas contra eles. Mesmo assim, no Sul houve um foco da rebelião, que
foi rapidamente derrotado.

Os setores sociais envolvidos no processo revolucionário constituinte eram


inflados pelas discussões sobre autonomia, sobre a superioridade de São
Paulo em relação ao resto do país e pela necessidade de uma nova
constituição. A população paulista - cafeicultores, classe média e industriais
- constituía a base do movimento. Somente a classe operária, protagonista
de algumas greves no início daquele ano, se manteve fora da disputa.

Sem dúvida São Paulo estava em imensa desvantagem no embate contra o


governo federal, entretanto a luta durou quase três meses. As tropas federais
foram avançando a partir do sul do estado de São Paulo a fim de alcançar a
capital, centro da revolta. Mas se a revolta não foi bem-sucedida, pelo
menos ela foi capaz de unir representantes de duas correntes bastante
diferentes. Lutando pela Constituição estavam tanto aqueles velhos
representantes da política oligárquica que gostariam de retomar a antiga
república, quanto os setores voltados para a construção de algo novo, uma
democracia liberal no país.

4. Fechamento do Regime

O ano de 1934 foi marcado por reivindicações operárias e pela


fermentação em áreas de classe média. Uma série de greves explodiu
no Rio, em São Paulo, em Belém e no Rio Grande do Norte,
destacando-se as paralisações no setor de serviços: transportes,
comunicações, bancos. As campanhas contra o fascismo ganharam
ímpeto, culminando com um violento choque entre antifascistas e

130
Capítulo 7 – Brasil: da Revolução de 1930 ao fim do Estado Novo (1930-1945)

integralistas em São Paulo, em outubro de 1934. O governo


respondeu propondo ao Congresso, no início de 1935, uma Lei de
Segurança Nacional (LSN). (FAUSTO, 2003, p. 359).

Nesse clima de instabilidade o governo federal tentava manter o controle


da situação por intermédio da edição da Lei de Segurança Nacional.
Entretanto, um grupo de oficiais militares, fazendo coro com sindicatos e
jornais, condenou a proposta de lei. Inspirados pela tradição do movimento
tenentista, esses militares se recusavam a endossar uma medida que iria
aumentar a repressão às classes populares.

Mas se a lei em sua versão original não passou, o apoio de políticos liberais
permitiu que uma lei substituta fossa aprovada pelo Congresso em 4 de
abril de 1935. A partir dessa lei a greve de funcionários públicos; a
provocação de animosidade nas classes armadas; a incitação de ódio entre
as classes sociais; a propaganda subversiva; a organização política ou social,
por meios não permitidos em lei, enfim, tudo isso ficava caracterizado como
crime contra a ordem política e social.

Já no fim de 1936 e início de 37 começaram a se definir as candidaturas da


próxima eleição, que estava prevista para o início de 1938. Entretanto,
Getúlio Vargas e seus assessores mais próximos não tinham intenção de
entregar o poder. Durante o ano de 1937 o governo promoveu intervenções
em vários Estados. No Rio de Janeiro, capital da época, destituiu o prefeito
Pedro Ernesto, que, apesar da sua popularidade, foi acusado de participar
da extinta Aliança Nacional Libertadora (ANL). Mas não era somente nos
Estados que o governo federal estava intervindo. No Exército, vários oficiais
legalistas foram afastados dos seus cargos de comando.

Entretanto, os distúrbios responsáveis pelas intervenções federais nos estados


não eram suficientes para justificar um reordenamento da ordem política do
país. Para tanto era preciso um fato inconteste, algo que não deixasse
dúvidas sobre a necessidade da manutenção de Getúlio no cargo. Esse fato
ocorreu, foi a descoberta do Plano Cohen27. Mas, de qualquer forma, depois
de sua divulgação, o Congresso, temeroso de uma revolução comunista em

27 A verdadeira história tem, até hoje, muitos aspectos obscuros. Um oficial integralista - o
capitão Olimpio Mourão Filho - foi surpreendido, ou deixou-se surpreender, em setembro de
1937, datilografando no Ministério da Guerra um plano de insurreição comunista. O autor do
documento seria um certo Cohen - nome marcadamente judaico - que poderia também ser
uma corruptela de Bela Khun, líder comunista húngaro. Aparentemente, o “plano” era uma
fantasia a ser publicada em um boletim da Ação Integralista Brasileira, mostrando como seria
uma insurreição comunista e como reagiriam os integralistas diante dela.

131
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

solo brasileiro, imediatamente aprovou o estado de guerra e a suspensão


das garantias constitucionais por noventa dias.

A censura de imprensa e o fechamento dos partidos políticos


(02.12.1937) deram mais força ao governo. Alguns liberais e
políticos não aceitaram o Estado Novo, a massa popular
demonstrou indiferença, mas a burguesia e a classe média urbana
o apoiaram muito bem, achando que Getúlio Vargas encarnava o
tipo ideal para chefiá-lo. (FROTA, 2000, p. 630).

No dia 10 de novembro de 1937, tropas da Polícia Militar (o general Dutra


vetou a participação de forças do Exército na operação) cercaram o Congresso
e impediram a entrada dos congressistas. Naquela mesma noite Getúlio Vargas
anunciava o início de uma nova fase política, regida por uma nova Carta
constitucional, elaborada por Francisco Campos. Era o início do Estado Novo.

A criação autoritária do Estado Novo acabou não enfrentando muita


oposição. Os comunistas, abatidos pela política de repressão do Estado,
não tinham condições de reação; as elites, resignadas com a inevitabilidade
do golpe, até o enxergavam como algo benéfico; e os congressistas, com o
Congresso dissolvido, não tiveram outra saída senão submeter-se.

A nova Constituição trazia uma série de mudanças que ampliava o poder


presidencial, consolidando assim o Estado Novo, entre elas:

O Presidente da República aí recebia poderes para confirmar ou


não o mandato dos governadores eleitos, nomeando interventores
nos casos de não confirmação. A Constituição entrava em vigor
imediatamente. [...] O Parlamento, as Assembleias estaduais e
as Câmaras Municipais eram dissolvidas, devendo realizar-se
eleições para o Parlamento somente depois do plebiscito. Enquanto
isso, o presidente tinha o poder de expedir decretos-lei em todas
as matérias de responsabilidade do governo federal. O artigo 186
das ‘disposições gerais e transitórias’ declarava em todo o país o
estado de emergência, suspendendo assim as liberdades civis
garantidas formalmente pela própria Carta constitucional. Outro
preceito transitório, mais tarde prolongado indefinidamente,
autorizava o governo a aposentar funcionários civis e militares,
‘no interesse do serviço público ou por conveniência do regime’.
(FAUSTO, 2003, p. 365).

132
Capítulo 7 – Brasil: da Revolução de 1930 ao fim do Estado Novo (1930-1945)

5. O Estado na Economia
A centralização política do Estado Novo estendeu-se também ao campo
econômico. O café continuava sendo o principal produtor de riqueza para o
país. Assim, o governo Vargas manteve uma estreita relação com esse setor.
Mas, se o café continuava importante, era o presidente que segurava as
rédeas da política cafeeira. A crise mundial de 1929 obrigou o governo a
reeditar uma série de políticas de proteção ao setor, impedindo um efeito
cascata devastador no país.

Entretanto, quando falamos de Estado Novo, estamos falando de uma aliança


política entre a burocracia civil, os militares e a burguesia industrial, aliança
que tinha como norte a promoção da industrialização do país. Cada um
desses setores tinha seus motivos para acreditar na necessidade da
industrialização. Enquanto a burocracia civil defendia o programa de
industrialização por considerar que era o único caminho para a independência,
os militares o faziam porque acreditavam que a instalação de uma indústria
de base fortaleceria a economia, respaldando assim a segurança nacional,
enquanto a burguesia industrial entendia que só poderia crescer com o
apoio e a intervenção estatais.

A política de substituição de importações, incrementada em novembro de


1937, ganhou força pelos riscos crescentes de eclosão de uma guerra
mundial. Existia a compreensão, que de fato se concretizou, de que a guerra
dificultaria as importações, e assim o Brasil deveria se preparar para produzir,
pelo menos uma parte, daquilo que era importado.

Um dos aspectos mais marcantes da administração Vargas foi a política


trabalhista. De uma forma geral essa política significou um esforço para
reprimir as tentativas de organização da classe trabalhadora urbana, fora do
controle do Estado, e atraí-la para um espaço organizativo de controle
estatal. Sobre essa política:

A política trabalhista do governo Vargas constituiu um nítido


exemplo de uma ampla iniciativa que não derivou das pressões
de uma classe social e sim da ação de Estado [...] Embora as
associações de industriais e comerciantes acabassem por aceitar
a legislação trabalhista, elas a princípio combateram as medidas
governamentais, especialmente aquelas que concediam direitos
aos trabalhadores. (FAUSTO, 2003, p. 336).

133
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

A política trabalhista do Estado Novo estabeleceu a imagem de Getulio


Vargas como protetor dos trabalhadores. A criação de leis de regulação do
trabalho, como a criação do salário mínimo, regularização das férias etc.,
foram essenciais para essa caracterização. A legislação trabalhista
implementada por Vargas foi inspirada pela Carta del Lavoro, vigente na
Itália fascista. Nela, voltava a existir o princípio da unidade sindical (prática
que na verdade nunca tinha sido abandonada), além de proibir a greve e o
lockout, ou seja, a greve patronal. As linhas da organização sindical foram
estabelecidas, finalmente, em agosto de 1939 quando um decreto-lei as
regulamentou. A estrutura vertical dos sindicatos (já presente na Constituição
de 1934) permaneceu, estabeleceram-se as federações e confederações de
sindicatos. Os sindicatos se tornavam assim cada vez mais dependentes do
Governo Federal.

Em julho de 1940 foi criado o instrumento básico de financiamento dos


sindicatos, o imposto sindical, o que aumentou ainda mais a dependência
dos sindicatos. Ainda no universo das questões trabalhistas, o governo de
Getúlio organizou, em maio de 1939, a Justiça do Trabalho e em junho de
1943 sistematizou e ampliou as leis trabalhistas com a criação da CLT -
Consolidação das Leis do Trabalho.

6. Militares e Governo
A importância das Forças Armadas no governo de Vargas foi um de seus
pontos característicos. As forças estaduais perdiam força e, enquanto isso,
as forças militares ganhavam cada vez mais equipamentos, efetivos e seu
prestígio aumentava. Entretanto, o Exército não era uma força homogênea,
principalmente nos primeiros anos de governo. Além dos defensores do
tenentismo, havia muitos ocupantes de altos cargos ainda ligados às
estruturas da República Velha. A eclosão da revolução antirregime, em
1932, foi importante para a construção de um grupo de confiança do
presidente. Nesse grupo dois nomes se destacaram: Góis Monteiro e Eurico
Gaspar Dutra.

Em março de 1935 foi criada a ANL - Aliança Nacional Libertadora, tendo


como presidente de honra Luís Carlos Prestes. A organização, que buscava
consolidar uma aliança de classe, em pouco tempo ganhou bastante projeção.
Existia, dentro da ANL, a perspectiva de um movimento insurrecional para a
derrubada do governo Vargas. Em 5 de julho daquele mesmo ano, período
em que Prestes se encontrava no Brasil clandestinamente, uma carta do
presidente de honra da ANL foi lida por Carlos Lacerda. Nesse manifesto ele

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Capítulo 7 – Brasil: da Revolução de 1930 ao fim do Estado Novo (1930-1945)

apelava para a derrubada do regime de Vargas, classificando-o como odioso,


e propunha a tomada do poder por um governo nacional, popular e
revolucionário. Se o governo já vinha reprimindo sistematicamente as ações
da ANL, essa foi a gota d’água necessária para que Vargas, em 11 de julho
de 1935, decretasse seu fechamento.

A repressão se intensificou, muitas pessoas estavam sendo presas e o PCB


começou a organizar uma insurreição para a tomada do poder. Foi a tentativa
de golpe militar de novembro de 1935, que contava com alguns setores do
Exército, fiéis a Prestes e herdeiros do movimento tenentista, críticos ao
governo Vargas. O levante acabou não dando certo, começou em 23 de
novembro, no Rio Grande no Norte, antes do início da operação coordenada
no Rio de Janeiro. Em Natal uma junta tomou o poder, se manteve lá por
quatro dias, até ser rendida. As cidades de Recife e Rio de Janeiro seguiram
o exemplo de Natal e tiveram suas rebeliões deflagradas. No Rio de Janeiro
as proporções do confronto foram maiores, os conflitos resultaram em várias
mortes e prisões até que os comunistas se rendessem finalmente.

Uma das consequências mais claras desse levante foi a intensificação da


repressão e das medidas autoritárias. O medo do comunismo internacional,
ampliado pelo fato de Moscou ter mandado alguns quadros para ajudar no
levante, tomou proporções enormes e ditou uma série de políticas a partir
dali.

Em 1937, com a instituição do Estado Novo, a oposição de esquerda,


devido à intensa repressão, não tinha forças para reagir. Entretanto os
Integralistas continuavam organizados, esperando que o apoio dado ao
golpe levasse Plínio Salgado ao posto de Ministro da Educação. Mas Getúlio
não o fez. A insatisfação levou com que, em maio de 1938, um grupo de
integralistas atacasse o Palácio Guanabara para tentar depor o presidente.
A tentativa foi frustrada, os golpistas acabaram cercados e muitos morreram,
aparentemente foram fuzilados nos jardins do palácio. Frota (2000, p. 633)
observa que: “este fracassado contragolpe dos Integralistas resultou em
aumento do poder do presidente. A 16 de maio, instituía a pena de morte,
como emenda constitucional”.

Os militares possuíam grande influência no governo de Getúlio Vargas,


entretanto, não podemos encará-los como um grupo homogêneo com
propostas claras para os diversos setores da política estatal. O ponto comum
que dava unidade à corporação era a crença na necessidade de uma

135
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

modernização no Brasil, feita pela via autoritária. Mas apesar da importância


dos militares eles não eram a única força a influenciar a administração:

Embora o poder formal e informal das Forças Armadas fosse


muito extenso, seria errôneo imaginar que ele fosse absoluto. Os
militares não desejavam e nem tinham condições para substituir
simplesmente as elites civis. Isso já ficara claro no momento do
golpe. O ponto de vista favorável à candidatura militar não tivera
maior expressão e mesmo o envolvimento ostensivo do Exército
no episódio foi evitado pelo ministro da Guerra, ao impedir que
homens do Exército fossem empregados na operação de fechar
o Congresso. (FAUSTO, 2003, p. 368).

7. Sociedade e Cultura
O Estado Novo contava com um amplo apoio popular. Isso porque existia
um controle intenso dos meios de comunicação e uma produção constante
de material de propaganda do governo. Nesse sentido foi criado o DIP -
Departamento de Imprensa e Propaganda, que exerceu controle sobre a
produção cinematográfica, de rádio, teatro, imprensa, e, principalmente da
literatura social e política. O DIP proibiu também a importação de publicações
nocivas aos interesses brasileiros, e agiu tentando controlar as notícias que
eram vinculadas sobre o Brasil em mídias estrangeiras. Além disso, também
criou o programa de rádio Hora do Brasil, que desde então vem funcionando
como espaço de divulgação das obras do governo.

O rádio foi muito importante para a construção da imagem de Getúlio como


líder da nação, amigo dos trabalhadores e pai dos pobres. A partir de janeiro
de 1942, a Hora do Brasil tornou-se um canal de aproximação entre a figura
do presidente e a população. Alexandre Marcondes Filho, Ministro do
Trabalho da época, usava o rádio semanalmente para dar palestras, que
alcançavam um bom nível de audiência. Nelas falava sobre as leis sociais do
governo, falava de casos específicos, e, algumas vezes, falava para públicos
específicos, como mulheres, aposentados, migrantes etc. Isso tudo ia
moldando a figura do presidente no imaginário popular.

8. O Brasil na II Guerra Mundial


A política externa do governo Vargas foi durante muito tempo um pouco
ambígua em relação ao cenário internacional. Isso porque a eclosão da crise
mundial já havia comprometido a hegemonia inglesa. Assim, os EUA,

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Capítulo 7 – Brasil: da Revolução de 1930 ao fim do Estado Novo (1930-1945)

apoiados nas medidas anticrise do presidente Roosevelt, começavam a


aparecer como a nova grande força mundial. Entretanto os EUA não estavam
emergindo sozinhos. Na Alemanha, o governo nazista, eleito em 1933,
ganhava forças e começava a se impor na política internacional. Os dois
países começaram uma disputa de influência na América Latina.

O governo brasileiro não se alinhava completamente com nenhum dos dois


lados, tirando vantagem da rivalidade entre as duas potências. No ano de
1935 o governo Vargas assinou um acordo comercial com os EUA, para no
ano seguinte assinar outro com a Alemanha.

A neutralidade brasileira sofria fortes pressões quer dos pró-


aliados, quer dos simpatizantes do nazi-fascismo. Discursando a
bordo do encouraçado Minas Gerais, em 11 de junho de 1940,
[...] Vargas deixou escapar a frase: ‘Passara o tempo dos
liberalismos imprevidentes, com as democracias políticas
substituindo as democracias econômicas’. Para muitos analistas
pareceu que o governo de Vargas pendia ou poderia vir a se
declarar favorável aos nazi-fascistas. (FROTA, 2000, p. 640-
641).

Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial ficou difícil para o Estado Novo
manter sua postura muitas vezes ambígua. O bloqueio imposto pela Inglaterra
acabou fazendo com que a Alemanha se retraísse economicamente no
continente. Entretanto, a potência europeia não conseguia aproveitar o
espaço deixado pela rival. Os EUA estavam prontos para preencher essa
lacuna, já que o presidente Roosevelt, imaginando as possíveis proporções
da guerra, tinha iniciado uma campanha de aproximação com os países
latino-americanos. O interesse pelo lado sul do continente estava ligado
também à obtenção de material estratégico, como borracha, minério de
ferro, manganês etc.

Assim, um ano antes de os EUA entrarem oficialmente na guerra, em julho


de 1940, ficou definida a implantação de uma usina em Volta Redonda.
Financiada por créditos norte-americanos concedidos pelo Export-Import
Bank e por dinheiro do governo brasileiro, a Companhia Siderúrgica Nacional
- CSN ficou sob controle de uma empresa de economia mista. O acordo
envolvendo essa construção não encontrou apoio incondicional em todo o
governo. Entretanto, a necessidade de iniciar a produção nacional de aço

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EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

se impunha diante da dificuldade que a importação desse produto significava


para a balança comercial brasileira.

Além dos acordos comerciais, os norte-americanos também se engajaram


em promover uma ofensiva político-ideológica por intermédio das
Conferências Pan-americanas. A proposta dessas conferências era no sentido
de permitir uma união dos países americanos, independentemente de seus
regimes políticos, na defesa do continente, sob o comando, é claro, dos
EUA. Diante desse quadro, o Estado Novo foi se aproximando cada vez
mais do vizinho do Norte. A entrada dos Estados Unidos na guerra, em
dezembro de 1941, foi o fato que levou Getúlio Vargas a começar a falar
mais claramente a linguagem do pan-americanismo.

O apoio aos EUA requeria um incremento militar no país e, em fins de 1941,


tropas norte-americanas chegaram ao Nordeste. Mas esse apoio não ocorreu
sem resistência. Góis Monteiro e Dutra, homens de confiança do presidente,
não estavam plenamente seguros da decisão tomada no início de 1942,
quando o governo brasileiro finalmente rompeu relações com o Eixo. Além
disso, um acordo político-militar secreto tinha sido fechado entre Brasil e
Estados Unidos.

Entretanto não foi somente de acordos secretos ou comerciais que se fez a


parceria com os EUA e com a frente antifascista:

O alinhamento brasileiro ao lado da frente antifascista se


completou com o envio de uma força expedicionária – a FEB –
para lutar na Europa, a partir de 30 de junho de 1944. A FEB não
foi uma iniciativa imposta pelos Aliados. Pelo contrário, consistiu
em uma decisão do governo brasileiro, que teve de superar as
restrições dos americanos e a franca oposição dos ingleses. [...].
Mais de 20 mil homens lutaram na Itália, sob o comando do
general Mascarenhas de Morais, até o fim do conflito naquele
país, a 2 de maio de 1945, poucos dias antes do término da
guerra. Morreram em combate 454 brasileiros que foram
enterrados no cemitério de Pistoia, [...] A volta dos ‘pracinhas’
da FEB ao Brasil, a partir de maio de 1945, provocou um grande
entusiasmo popular, contribuindo para acelerar as pressões pela
democratização do país. (FAUSTO, 2003, p. 381-382).

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Capítulo 7 – Brasil: da Revolução de 1930 ao fim do Estado Novo (1930-1945)

9. A Crise do Estado Novo e a Queda de Vargas (1945)

Os problemas do regime resultaram mais da inserção do Brasil no


quadro das relações internacionais do que das condições políticas
internas do país. Essa inserção impulsionou as oposições e abriu
caminho para as divergências no interior do governo. Após a
entrada do Brasil na guerra e os preparativos para enviar a FEB à
Itália, personalidades da oposição começaram a explorar a
contradição existente entre o apoio do Brasil às democracias e a
ditadura de Vargas. (FAUSTO, 2003, p. 383)

Um fator que contribuiu muito para a desestabilização do regime foi a


crença, de um dos idealizadores do regime, que o Estado Novo não poderia
sobreviver às mudanças trazidas pela Segunda Guerra Mundial. Essa figura
era o general Góis Monteiro, que, diante disso, deixou seu cargo de
embaixador para ocupar o Ministério da Guerra. Sua intenção era, antes de
tudo, promover a saída de Getúlio Vargas.

Nesse período de instabilidade as manifestações contra o regime


aumentaram. Os estudantes organizaram a UNE, articulando um discurso
de oposição à ditadura.

A contradição em que se encontrava o governo, por causa da questão


internacional, fez com que, no dia 28 de fevereiro, Getúlio baixasse o chamado
ato adicional à Carta de 1937. Entre outros pontos estava a fixação de um
prazo de noventa dias para a definição de datas para as eleições gerais.
Exatamente no prazo estipulado foi lançado o Novo Código Eleitoral, que
regulava o alistamento eleitoral e as eleições. A próxima consulta popular
ocorreria no dia 2 de dezembro de 1945, seriam eleitos o Presidente da
República e uma Assembleia Constituinte. Além disso, ficava estipulada a
data de 6 de maio de 1946 para a realização das disputas estaduais.

Foi uma época muito intensa politicamente, no governo já se falava da


candidatura do general Dutra, em oposição a Eduardo Gomes. Getúlio Vargas
garantia que não iria se candidatar. Foi nesse ano também, 1945, que
foram criados os três principais partidos que dominaram a cena política até
1964: União Democrática Nacional (UDN), partido do candidato Eduardo
Gomes, Partido Social Democrático (PSD), do general Dutra e o Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB).

139
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Entretanto, a figura de Vargas continuava forte. Em um dos fatos mais


controvertidos da época, o PCB, seguindo orientações vindas de Moscou,
declarou seu apoio ao governo Vargas. O motivo era a diretriz do PC
internacional no sentido de dar apoio aos governos nacionais que haviam
integrado a frente antifascista. Esse apoio se somou ao desejo dos círculos
trabalhistas de manter Getúlio no poder. Assim, em meados de 1945, foi
iniciada a campanha “queremista”, cujo objetivo se sintetizava na palavra
de ordem “queremos Getúlio”. Eles saíram em defesa da instalação de uma
Assembleia Nacional Constituinte com Getúlio no poder. As eleições deveriam
acontecer, mas só depois da Assembleia, e com Getúlio concorrendo.

A queda de Getúlio Vargas resultou de uma complexa combinação de fatores.


Em 25 de outubro o chefe da polícia do Rio de Janeiro, João Alberto, foi
afastado do cargo. Em seu lugar foi indicado Benjamin Vargas, cujo apelido
era “Bejo”, irmão do presidente. Bejo era conhecido por seu jeito truculento
e sua indicação desagradou a muitas pessoas. O general Góis, Ministro da
Guerra na ocasião, acabou mobilizando as tropas do Distrito Federal. Dutra
ainda tentou demover Vargas da indicação do irmão, mas não obteve sucesso.
O presidente acabou forçado a renunciar, mas fez uma declaração pública
dizendo que concordava em deixar o poder. Depois disso Vargas se retirou
da cena política por um tempo em São Borja, sua cidade natal, mas sua
figura continuou extremamente popular, tanto que voltaria ao poder pela
via democrática anos depois, na década de 1950.

Referências
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 11. ed. São Paulo: EDUSP, 2003.

FROTA, Guilherme Andrea. 500 anos de História do Brasil. Rio de Janeiro:


Bibliex, 2000.

140
CAPÍTULO 8

Brasil: a Segunda República


(1945-1964)

1. A Redemocratização e o Governo Dutra (1946-1951)


Com o fim do governo de Getúlio Vargas os militares e a oposição liberal
começaram a organizar a transição para um período democrático. Os dois
candidatos à presidência concordaram com a indicação de José Linhares,
presidente do Supremo Tribunal Federal, para ocupar o cargo de presidente
até as próximas eleições. O calendário eleitoral não foi alterado, as eleições
aconteceriam em 2 de dezembro daquele mesmo ano. Enquanto isso, novos
interventores foram nomeados para os Estados, e alguns prefeitos foram
substituídos.

O novo governo mudou algumas posturas da administração anterior. Além


disso, os comunistas, postos de volta na legalidade no fim do governo
Vargas (e participantes do movimento queremista), começaram novamente
a ser reprimidos e algumas sedes do PCB invadidas.

O ponto alto de seu governo [Dutra] residiu na implantação, após


maio de 1947, do Plano SALTE (Saúde, Alimentação, Transporte
e Energia), do qual emergiu a Campanha de Alfabetização de
Adultos e a Campanha do Trigo. Dele também saiu o projeto para
o nascimento do Ministério da Saúde (criado no governo seguinte)
e a campanha de erradicação da malária. (FROTA, 2000, p. 667).

Entretanto, apesar da queda, a figura de Vargas ainda possuía muita força.


Poucos dias antes da eleição, em 28 de novembro, Getúlio veio a público
declarar apoio à candidatura do general Dutra. Mas seu apoio era
condicionado pelo cumprimento das promessas de campanha, caso contrário
ele se voltaria contra o presidente, ao lado do povo. Na verdade Getúlio foi

141
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

um dos grandes vencedores da eleição de 1945. O apoio a Dutra rendeu


uma vitória que surpreendeu a oposição. Além disso, o próprio Getúlio foi
eleito senador por dois estados, Rio Grande do Sul e São Paulo, e deputado
em sete. As legendas do PSD e do PTB ganharam força, e Getúlio acabou
assumindo a cadeira de senador pelo PSD do Rio Grande do Sul.

O novo presidente, Dutra, tomou posse no fim de janeiro de 1946 e começou


imediatamente os trabalhos para a instalação da constituinte. Muito debate
foi causado por essa empreitada política que terminou em 18 de setembro,
quando foi promulgada a nova Constituição.

Sem dúvida, a Constituição se afastava da Carta de 1937, optando


pelo figurino liberal-democrático. Em alguns pontos, entretanto,
abria caminho para a continuidade do modelo corporativo. O Brasil
foi definido como uma República Federativa, estabelecendo-se
as atribuições da União, Estado e municípios. Fixaram-se também
as atribuições dos três poderes: o Executivo, o Legislativo e o
Judiciário. O Poder Executivo seria exercido pelo presidente da
República, eleito por voto direto e secreto para um período de
cinco anos. (FAUSTO, 2003, p.399).

O governo Dutra foi marcado por uma política econômica conduzida a


partir de postulados liberais, pelo rápido esgotamento das reservas cambiais
acumuladas durante a guerra e por uma severa política de arrocho salarial.
Afastou o país do bloco socialista leste-europeu, inclusive colocando na
ilegalidade o Partido Comunista do Brasil (PCB) e rompendo relações
diplomáticas com a União Soviética. Definitivamente deve-se a Dutra boa
parte da predominância que os Estados Unidos exerceram sobre o Brasil nas
décadas seguintes. No plano interno, elaborou o plano SALTE (Saúde,
Alimentação, Transporte e Energia), de caráter desenvolvimentista, mas
que fracassou e foi abandonado. Iniciou a ligação rodoviária do Rio de
Janeiro a São Paulo, através da estrada que hoje é conhecida como Rodovia
Presidente Dutra — uma das mais importantes do país.

Nem bem o governo Dutra tinha chegado à metade e já tinham começado as


movimentações para a construção das próximas candidaturas. Getúlio novamente
ocupava uma posição de destaque na política nacional. Em São Borja, sua
cidade natal, recebia uma série de políticos que iam lá prestar apoio. Afastado
do Senado, sua principal agenda era a construção de uma base sólida e a
manutenção da lealdade da máquina política do PSD, visando as próximas eleições.

142
Capítulo 8 – Brasil: a Segunda República (1945-1964)

2. Os Partidos Políticos
As eleições para a Câmara e para o Senado revelaram o novo panorama
partidário da Segunda República. Na realidade, ficaria demonstrada nessas
eleições a força das relações pessoais e clientelistas na política nacional. A
verdade é que os arranjos políticos construídos no período ditatorial ainda
eram definidores dos apoios ao longo do território. O grande eleitorado,
maioria de pessoas de instrução rudimentar, votava de acordo com suas
relações mais próximas, a questão liberal versus estado-novistas significava
quase nada para o eleitorado.

O PSD afirmou-se como o maior partido, garantindo ampla maioria das


cadeiras, tanto no Senado, quanto na Câmara. Em segundo lugar ficou a
UDN, partido de orientação liberal.

O PCB continuou figurando na política nacional de forma conturbada. Em


maio de 1947 dois deputados do PTB fizeram uma denúncia no Superior
Tribunal Federal contra o Partido Comunista. Ela se fundamentava em um
trecho da Constituição que vedava a existência de qualquer partido político
cujo programa ou ação contrariasse o regime democrático, baseado na
pluralidade dos partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem.
A decisão de cassar o partido não foi unânime, na verdade somente um
voto (três a dois) decidiu a votação. Em janeiro de 1948 o PCB estava de
volta à clandestinidade, uma lei determinava a cassação dos mandatos de
vereadores, deputados e senadores eleitos pelo partido.

3. O Segundo Governo Vargas


A disputa eleitoral que seguiu o governo Dutra colocou em discussão um
discurso desenvolvimentista, que dava à industrialização uma posição central,
e outro, que via na abertura ao capital estrangeiro o caminho a ser seguido.
Getúlio Vargas acabou derrotando seus opositores com o discurso da
necessidade da industrialização e de ampliação da legislação trabalhista.
Getúlio teve apoio de três partidos, o PTB, o PSP e, também, de uma parte
do PSD.

A posse aconteceu em 31 de janeiro de 1951, não sem a tentativa da UDN


(partido da oposição a Vargas) de impugnar os resultados da eleição. A
UDN defendia que o eleito deveria ter 50% mais um dos votos, mas isso
não estava previsto na legislação da época.

143
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

O antigo e experimentado político tomou posse [...] em meio a


uma grande euforia popular, juntamente com seu vice, João Café
Filho, do Rio Grande do Norte. Era, porém, um homem mudado,
mais velho, beirando os 70 anos, retraído, amargurado, mas,
ainda, um grande homem público; contudo, seus correligionários
estavam desejando revanche do golpe de 45 que os apeara do
poder. Governo constitucional, diverso dos anteriores que
exercera, Vargas teve de conviver com os partidos políticos e,
em especial, com o PSD que lhe havia garantido a vitória, e com
o PTB, ao qual estava ligado. (FROTA, 2000, p. 669, 670).

O governo Vargas tentou desde o começo atrair diferentes setores sociais.


Para atrair a UDN montou um governo de feição conservadora. A maioria
dos ministérios foi ocupada por representantes do PSD, aliado mais à direita
do governo. Mas não eram somente os conservadores que compunham os
ministérios. Para o posto de Ministro da Guerra o escolhido foi um antigo
tenente da corrente nacionalista e presidente do Clube Militar, o general
Estillac Leal. As Forças Armadas, inclusive, apoiaram a posse, demonstrando
ao mesmo tempo um caráter de afirmação da democracia e de fragilidade
desta mesma democracia.

A oposição entre nacionalistas e liberais se concentrava no conflito entre,


de um lado, a ideia de que era necessário criar um desenvolvimento baseado
na industrialização, tornando o país cada vez mais autônomo em relação ao
sistema capitalista internacional, e, por outro lado, em uma controlada
abertura dos mercados nacionais ao capital estrangeiro e uma intervenção
estatal mínima. Esta oposição, entretanto, não significava a recusa dos
nacionalistas em aceitar financiamento do capital estrangeiro. Apesar de
verem o investimento estrangeiro como possível ameaça à soberania
nacional, o papel regulador do Estado no desenvolvimento dos setores
estratégicos dos transportes, petróleo, comunicação e siderurgia, se deu
com a entrada de capital internacional na economia do país.

Desta maneira, o início da década de 50 foi marcado pelos investimentos


públicos no setor energético e de transporte, utilizando a abertura de um
crédito externo de quinhentos milhões de dólares para desenvolver a
economia industrial nacional.

Desde 1949 ocorria também um grande investimento no desenvolvimento


das Forças Armadas. Tinha como objetivo a criação de uma intelectualidade
militar capaz de planejar e dirigir a segurança nacional. Essa política foi

144
Capítulo 8 – Brasil: a Segunda República (1945-1964)

viabilizada pela organização da Escola Superior de Guerra (ESG), que teve,


em 1949, assistência de conselheiros franceses e norte-americanos em sua
fundação, sendo que estes últimos permaneceram no país até 1960. O
principal organizador da ESG foi o general Golbery do Couto e Silva, que
contribuiu para o aumento da capilaridade das ideias ali formuladas e
difundidas, não só entre militares, mas também entre civis. Desta forma a
ESG formulava juntamente com o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
(IPES) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) o projeto político
de combate à subversão da ordem e de garantia do modelo de
desenvolvimento econômico proposto pelos militares.

4. A Crise de 1954 e as Instituições Republicanas


As contradições do início da década de 50 não demoraram muito a colocar
o governo de Getúlio em cheque. O ano de 1954 foi marcado pela derrocada
do governo, que culminaria com o suicídio do presidente em 24 de agosto
do mesmo ano.

Em uma nova reformulação do ministério, Vargas nomeou para o Ministério


da Guerra, no lugar do general Estillac Leal - que estava desgastado após o
manifesto dos coronéis”, o general conservador Zenóbio da Costa. Mesmo
com essa postura, os conservadores criticavam os discursos nacionalistas
em que Getúlio responsabilizava o capital estrangeiro pelos problemas
econômicos que enfrentava. A oposição, capitaneada por Lacerda, esperava
um motivo mais contundente para obter o apoio das Forças Armadas, e
minar de vez a base já fragilizada do governo. Foi em função de uma ação
criminosa frustrada que a oposição obteve este motivo.

Gregório Fortunato, chefe da guarda presidencial e homem de confiança do


presidente, elaborou uma tentativa de assassinato de Lacerda. A tentativa,
entretanto, se voltou contra o governo, no momento em que Lacerda saiu
vivo do atentado e o major da Aeronáutica Rubens Vaz faleceu em seu
lugar.

Apoiado pela Aeronáutica o movimento pela renúncia de Vargas tomou


proporções maiores, até a assinatura de um manifesto por 27 generais do
Exército exigindo a renúncia, na véspera de seu suicídio.

Vargas convocou, então, o Ministério na madrugada de 24 de


agosto (3 horas), concluindo-se que o melhor caminho era a
renúncia. Havia, porém, dor no semblante de Vargas, que,

145
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

intimamente, já havia encontrado outra solução. O suicídio se


consumou às 8:35 min de 24 de agosto de 1954. Ele consternou
profundamente a Nação que logo tomou conhecimento de uma
carta-testamento; várias greves, paralisação de serviços,
suspensão de aulas escolares, assalto à embaixada norte-
americana, no Rio de Janeiro, e o empastelamento do jornal O
Globo consistiram o saldo desse dia. (FROTA, 2000, p. 673).

Após a trágica decisão que pôs fim ao governo de Getúlio a presidência foi
ocupada pelo então vice-presidente, Café Filho. Tendo apoiado a oposição
nos últimos momentos, Café Filho, político do Rio Grande do Norte, compôs
um ministério udenista e garantiu as eleições de 1955.

5. Juscelino Kubitschek - JK
O mineiro Juscelino Kubitschek foi o candidato escolhido pelo PSD para
disputar as eleições. Sua capacidade de aglutinar o PSD e o PTB, em função
da vertente getulista que representava, foi a peça chave que garantiria a
vitória nas eleições, por uma pequena diferença em relação a João Goulart,
que se tornaria o vice-presidente.

O governo Kubitschek restabeleceu um clima de estabilidade política, e,


segundo Boris Fausto, os anos de seu governo representaram mais do que
isso, tendo sido “[...] anos de otimismo, embalados por altos índices de
crescimento econômico, pelo sonho realizado da construção de Brasília. Os
‘cinquenta anos em cinco’ da propaganda oficial repercutiram em amplas
camadas da população.” (2003, p. 422).

A idealização da nova capital do país ficou a cargo do arquiteto Oscar


Niemeyer e do urbanista Lúcio Costa e a construção, a cargo dos imigrantes
nordestinos, chamados de “candangos”. Este grande empreendimento não
foi unanimidade na época, causando descontentamento entre o
funcionalismo público do Rio de Janeiro, capital federal até então.

No plano político Juscelino manteve os sindicatos sob controle e construiu


o lema “desenvolvimento e ordem”. Desta forma as insatisfações militares
foram apaziguadas pela política de JK, que atendeu a algumas das
reivindicações das Forças Armadas, indicando militares para postos
estratégicos em instituições como o Conselho Nacional do Petróleo e a
própria Petrobras. Seu principal apoio militar foi, entretanto, o general Lott,
Ministro da Guerra durante grande parte dos cinco anos de presidência.

146
Capítulo 8 – Brasil: a Segunda República (1945-1964)

No que diz respeito à economia o governo JK adotou uma postura nacional-


desenvolvimentista, focalizada em investimentos nos setores de indústrias
de base, energia, transportes, educação e alimentação, além da empreitada
da construção de Brasília. Essa política formava o Programa de Metas do
governo Juscelino.

O Programa de Metas fez com que a produção industrial entre 1955 e 1961
crescesse em cerca de 80%. Foi na área do desenvolvimento industrial que
JK teve maior êxito. Abrindo a economia para o capital internacional, atraiu
o investimento de grandes empresas. Foi no governo JK que entraram no
país grandes montadoras de automóveis como, por exemplo, Ford,
Volkswagen, Willys e GM (General Motors). Estas indústrias instalaram suas
filiais na região sudeste do Brasil, principalmente, nas cidades de São Paulo,
Rio de Janeiro e ABC (Santo André, São Caetano e São Bernardo).

É forçoso ressaltar, contudo, que a estratégia desenvolvimentista


do governo, a qual logrou dinamizar a economia, não aboliu a
dependência tecnológica, pois as empresas recém-criadas
importavam equipamentos, e nem extinguiu a dependência
financeira, pois os lucros dessas empresas continuaram a ser
enviados para o estrangeiro. Contudo, uma forte corrente política
acreditava que a pobreza do Brasil podia ser resolvida com menor
participação do setor agroexportador, intensificando-se a
industrialização. (FROTA, 2000, p. 677).

Os investimentos realizados causaram grande déficit, que foi aumentando


progressivamente durante todo o período do governo Kubitschek.

Os problemas maiores se concentraram nas áreas interligadas


do comércio exterior e das finanças do governo. Os gastos
governamentais para sustentar o programa de industrialização e
a construção de Brasília e um sério declínio dos termos de
intercâmbio com o exterior resultaram em crescentes déficits do
orçamento federal. (FAUSTO, 2003, p. 432).

147
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

6. O Governo Jânio Quadros e a Crise da Coalizão


Conservadora
As eleições presidenciais de 3 de outubro de 1960 viram a disputa entre o
general Lott - reeditando a aliança PSB e PTB e tendo João Goulart como
candidato a vice -, e o governador de São Paulo, Jânio Quadros, que saía
com apoio de Lacerda pela legenda do pequeno PTN. Apesar das
propagandas polêmicas de Jânio que atraíam a população, ao mesmo tempo
em que desprezavam as políticas partidárias, a UDN acabou por apoiar
Jânio e não lançou candidatura própria.

A candidatura de Jânio foi vitoriosa, alcançando 48% dos votos.

Jânio Quadros recebeu, em Brasília, a faixa presidencial, no dia


31 de janeiro de 1961. Depositário de muita esperança, instalou
dois ministérios: Minas e Energia e Indústria e Comércio. Adotou
logo uma política econômica austera, baixando a Instrução 204,
que estabelecia a liberdade cambial e extinguia os subsídios
cambiais à importação de combustíveis, trigo, papel etc. (FROTA,
2000, p.679).

Entretanto, as propagandas polêmicas da época eleitoral acabaram se


revelando uma política repleta de incoerências e de atitudes descabidas em
relação ao cargo que ocupava. Contudo, não foram apenas suas atitudes
excêntricas que levaram seu governo ao fim em apenas sete meses.

O presidente perdia a base de apoio em função das queixas da UDN, da


passagem de Lacerda para a oposição e da força do PSD e PTB no Congresso.
Para controlar os problemas herdados pelo governo JK, Jânio procurou
estabilizar a economia contendo os gastos públicos, a expansão monetária
e promovendo uma forte desvalorização cambial. Sua postura independente
em relação à política externa e a simpatia pela reforma agrária também
causavam descontentamento nos demais setores políticos.

O estopim para a renúncia de Jânio se deu após um discurso de Lacerda,


então governador da Guanabara, que pela rádio denunciava a articulação
presidencial para um suposto golpe, orquestrado conjuntamente com Oscar
Pedroso Horta, Ministro da Justiça da época. Mesmo negando a acusação,
Jânio não suportou as pressões e, no dia seguinte ao discurso de Lacerda,
25 de agosto de 1961 comunicou, ao Congresso Nacional, a decisão de
renunciar ao cargo.

148
Capítulo 8 – Brasil: a Segunda República (1945-1964)

7. Sindicalismos Urbano e Rural


Enquanto ocorria o processo de queda do governo Jânio e de ascensão do
governo João Goulart se desenvolviam novos movimentos sociais
impulsionados pelo crescimento urbano e pela industrialização que
avançavam no país desde a década de 1950. Um dos principais movimentos
ocorreu no meio rural, tendo como gênese o Estado de Pernambuco. Esse
movimento foi chamado de Ligas Camponesas e teve como líder o advogado,
de origem de classe média, Francisco Julião. As Ligas logo se expandiram
por todo o país, entretanto a maior concentração permaneceu no Nordeste.
Tendo sido os maiores afetados pelas políticas do nacional-
desenvolvimentismo, os camponeses, pequenos proprietários, meeiros ou
arrendatários lutavam:

[...] contra a expulsão da terra, a elevação do preço dos


arrendamentos, a prática do “cambão”, pela qual o colono -
chamado no Nordeste de morador - deveria trabalhar um dia por
semana de graça para o dono da terra. (FAUSTO, 2003, p.444).

Em função do posicionamento reformista não radical e de legitimação do


governo adotado pela Igreja Católica, as Ligas Camponesas não foram
apoiadas por esta instituição, ao contrário, sofreram oposição, uma vez que
a Igreja optou por promover no Nordeste a sindicalização rural.

Em relação ao movimento operário, o governo João Goulart obteve, em


geral, apoio para sua política populista. Contudo, existiam divergências, o
que levava os sindicalistas urbanos a disputar tanto os órgãos do sindicalismo
oficial - como a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria
(CNTI) -, como a organizar órgãos paralelos - como o CGT. Começaram a
crescer entre os sindicatos as reivindicações de caráter político mais amplo,
fazendo com que as demandas mais especificamente operárias passassem
para segundo plano. Essa postura pode ser vista no quadro de alianças
entre as direções sindicais e o governo João Goulart, uma vez que o
crescimento dos movimentos grevistas pelo país concentrou-se no setor
público. As greves faziam pressão para a implementação das reformas
pretendidas pelo governo.

149
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

8. João Goulart
As políticas de Jango, como João Goulart era conhecido, deixaram os setores
militares desconfiados, mesmo antes de sua posse como presidente. No
momento da renúncia de Jânio, Jango estava em visita à China, país
comunista. Foi então aberta uma disputa entre setores militares que apoiavam
ou não apoiavam a posse do vice-presidente. O apoio mais contundente à
tomada de posse se deu no Rio Grande do Sul, tendo como lideranças o
então governador Leonel Brizola, cunhado de Jango, e o comandante do III
Exército, general Machado Lopes.

Assim, houve por bem o Congresso, de acordo com o parecer do


Deputado Oliveira Brito, promulgar a Emenda Constitucional nº 4
(02.09.1961) à Constituição, criando o parlamentarismo, com
isso resolvendo-se o impasse: assumiria João Goulart a Presidência
como chefe de Estado, mas o governo seria exercido por um
primeiro-ministro, sob a vigilância do Parlamento. (FROTA, 2000,
p. 697-698).

O PTB vinha se beneficiando eleitoralmente da ilegalidade do PCB e também


do avanço da industrialização. O crescimento do PTB em consonância com
o clima de transformação social e com as medidas nacionalistas de
intervenção do Estado na vida econômica aumentava as tensões com os
setores oposicionistas e colocava em risco a aliança com o PSD, que declinava
juntamente com a UDN. O governo iniciou uma política de fortalecimento
da Petrobras, de nacionalização das empresas concessionárias de serviço
público, da indústria farmacêutica e dos frigoríficos, e também, de
regulamentação mais contundente da remessa de lucros para o exterior.

Às mobilizações sociais já indicadas anteriormente somava-se também o


movimento estudantil, que radicalizava suas propostas, intervindo
diretamente no jogo político por intermédio da União Nacional dos
Estudantes (UNE), com objetivo de alcançar transformações sociais mais
profundas.

Em 1963, as contradições se ampliam após a vitória do presidencialismo em


um plebiscito que restituiu a plenitude do poder político de João Goulart
como chefe do governo.

150
Capítulo 8 – Brasil: a Segunda República (1945-1964)

9. A Política Externa Independente Face à Guerra Fria


Em relação à política externa, o período aqui tratado foi marcado pelo fim
da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), no contexto internacional. Afinal,
a partir de então as relações de poder internacionais se modificaram,
passando para a bipolaridade entre Estados Unidos e União Soviética. Desta
forma, o mundo ficou dividido em áreas de influência.

A América Latina passou a ser, para os Estados Unidos, uma área estratégica,
tendo em vista a questão da segurança. As relações entre os países latino-
americanos e os Estados Unidos passaram, então, a se subordinar a este
novo contexto. Especialmente após a Revolução Cubana, tornou-se
importante para os Estados Unidos definir o continente americano como
sua área de influência, de modo a afastar tendências socialistas da região.

De acordo com Oliveira (2005, p. 60):

No pós-guerra, a expectativa dos países latino-americanos era


de ampliação dos laços de solidariedade, tanto no plano político
quanto no econômico, em função da aproximação crescente a
partir dos anos 1930 e, principalmente, em virtude da colaboração
efetiva ao esforço de guerra norte-americano. Note que a guerra
e a exclusão de concorrentes no plano das relações econômicas
transformaram os Estados Unidos no mais importante mercado
tanto para as exportações e importações latino-americanas.

Prova disso é que, em 1948, foi criada a Organização dos Estados Americanos
(OEA), um organismo regional de cooperação entre os países americanos.

No pós-guerra, o governo brasileiro esperava que a aproximação com os


Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial trouxesse um
relacionamento diferenciado e um consequente alinhamento automático.
Durante o Estado Novo, esse alinhamento se dava como uma estratégia da
política externa; já no governo Dutra o alinhamento era o próprio objetivo
da política externa. (OLIVEIRA, 2005, p. 64)

Getúlio Vargas assumiu seu segundo governo (1950-1954) propondo que


as relações internacionais se voltassem para o desenvolvimento econômico
do país e que as relações Brasil”Estados Unidos se pautassem em uma
“maior cooperação econômica”, sem que se caracterizasse como uma relação
de subserviência. (OLIVEIRA, 2005, p. 67).

151
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Em 1952 Brasil e Estados Unidos assinaram um acordo de assistência militar


recíproca. Os Estados Unidos tinham a intenção de que o Brasil pudesse
participar das operações de guerra na Coreia, enquanto ao Brasil interessavam
os treinamentos e transferência de tecnologia militares. No entanto, os
Estados Unidos impuseram uma separação entre os acordos militares e o
que pertencesse à esfera econômica ou de contrapartida financeira. Isso fez
com que no Brasil voltasse a discutir questões relacionadas com alinhamento
e nacionalismo. “Assim, o tema dominante nas políticas externas de Dutra
e Vargas foi o da participação do capital norte-americano no processo de
desenvolvimento nacional”. (OLIVEIRA, 2005, p. 71).

No governo Juscelino Kubitschek (1956-1960) a política externa foi marcada


pela Operação Panamericana (OPA), criada em 1958, que seria :

[...] uma nova tentativa de vinculação mais íntima com os Estados


Unidos, em uma tática multilateral com a inclusão da América
Latina no projeto. Esquemática e sucintamente, a OPA visava
atrair os Estados Unidos a participar do processo de reversão do
quadro de subdesenvolvimento regional, enquanto fonte de
investimento, de tecnologia e igualmente de mercado. (OLIVEIRA,
2005, p. 73).

A Operação Panamericana trouxe à tona algumas inovações, entre as quais


se destacam:

a) o papel exercido pelos Estados Unidos nos processos de


desenvolvimento da América Latina;
b) a associação entre o desenvolvimento e segurança; e
c) a perspectiva multilateral. (OLIVEIRA, 2005, p. 82).

Para que o Plano de Metas de JK tomasse forma era imprescindível a entrada


de capital estrangeiro no país, o que de fato ocorreu, com a instalação de
empresas estrangeiras e a transferência de tecnologias. Isto devido ao
desenvolvimentismo proposto e às facilidades legais que o Brasil oferecia,
mas também à concorrência internacional.

JK entendia que os países latino-americanos deveriam se unir em prol da


superação do subdesenvolvimento político e econômico e que o
panamericanismo, que os norte-americanos propunham como mecanismo
de garantir sua hegemonia no continente, poderia ser também um

152
Capítulo 8 – Brasil: a Segunda República (1945-1964)

instrumento importante para o alcance desta união. No entanto, “como a


OPA não conseguiu viabilizar a participação norte-americana no processo
de desenvolvimento brasileiro, cristalizou-se a percepção de que a
manutenção do ideário de uma relação especial com os Estados Unidos era
totalmente inviável”. (OLIVEIRA, 2005, p. 88).

A partir de então começou a se visualizar a adoção de uma política externa


independente, de modo que o Brasil se liberasse um pouco da influência
norte-americana a fim de buscar maior inserção internacional. No entanto,
essa perspectiva de uma política externa independente “[...] apresentava-se
muito mais como uma intenção, um discurso, que atingiria sua maior
capacidade de ação e implementação, no governo do general Geisel, na
metade dos anos 1970” (OLIVEIRA, 2005), ainda que os governos Jânio
Quadros (1961) e João Goulart (1961-1964) já procurassem cumprir tal
perspectiva.

Referências
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 11. ed. São Paulo: EDUSP, 2003.

FROTA, Guilherme Andrea. 500 anos de História do Brasil. Rio de Janeiro:


BIBLIEx Editora, 2000.

OLIVEIRA, Henrique Altemani de. A operação panamericana e a política


externa independente. In:__________. Política externa brasileira. São Paulo:
Saraiva, 2005. p. 73-105.

__________. Do contexto sub-regional à constituição do sistema inter-


americano. In:__________. Política externa brasileira. São Paulo: Saraiva, 2005.
p. 55-72.

153
CAPÍTULO 9

Brasil: os governos militares


(1964-1985)

1. A Crise do Trabalhismo, a Radicalização da Esquerda e o


Movimento Civil Militar de 1964
A inquietação reinante no cenário político brasileiro no início dos anos 60
pode ser explicada pela multiplicidade de causas que levaram à eclosão do
Movimento de 1964.

A crise econômica em que o Brasil se encontrava minava a capacidade do


governo, a pasta da Fazenda foi ocupada por diversos ministros, quase
todos demonstrando a Goulart que, para deter a crise, seria necessário
lançar medidas drásticas, dentre as quais a estabilização, que sempre havia
sido rejeitada pelos presidentes anteriores. Não havia crédito estrangeiro
em quantidade, pois os investidores externos constatavam que a situação
da economia brasileira estava ficando descontrolada.

Entre o remédio amargo previsto pelos economistas e outra solução, Goulart


buscou na radicalização nacionalista a suposta panaceia para salvar a
economia. Sua manifestação nacionalista era diferente daquela exercida
por Juscelino, pois pendia para uma posição radical de esquerda. Os partidos
e movimentos de esquerda aproveitaram o momento para se fortalecerem,
ocupando diversas posições no governo e lançando situações de conflito
interno, que acabaram por levar o País a uma crise política sem precedentes.

O capítulo final da crise política de 1964 foi encabeçado por dois episódios:
o comício de 13 de março, na Central do Brasil, no qual Goulart garantiu
que a crise econômica só seria resolvida com a aprovação de suas reformas
político-sociais e a revolta dos marinheiros, em 20 de março. Tal revolta

155
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

gerou sérios problemas nas Forças Armadas, pois grupos de praças passaram
ao confronto contra os oficiais. Diante da quebra da hierarquia, base da
estrutura militar, as Forças Armadas logo reagiram, começando a compor
um movimento civil-militar que teve por objetivo depor Goulart.

A reação da sociedade se deu rapidamente, com a Marcha da Família com


Deus pela Liberdade, respondendo às ações de Goulart e se opondo às
tentativas de comunização no País. Em 30 de março, Goulart compareceu a
uma reunião de sargentos das Forças Armadas no Automóvel Clube do Rio
de Janeiro, na qual o radicalismo protagonizou os debates.

Em 31 de março, forças militares de Minas Gerais se dirigiram ao Rio de


Janeiro e rapidamente o movimento se pôs em marcha. Em 1º de abril, a
situação já estava decidida: Jango e diversos líderes de esquerda haviam
fugido do País.

2. As Relações entre os Governos Militares e os Partidos


Políticos
O sistema político brasileiro era multipartidário e, pela falta de programas e
de comprometimento dos partidos, era a fonte das diversas crises políticas
que haviam abalado a República. Esse sistema, herdado do período anterior
pelo governo de Castello Branco, inicialmente foi mantido com a intenção
de ser preservada, ao máximo, a ordem institucional vigente.

O governo rapidamente contou com apoio da União Democrática Nacional


(UDN) e de parte do Partido Social Democrático (PSD), na busca de uma
base política que viabilizasse seus projetos e diretrizes desenvolvimentistas.

O PTB, de esquerda e populista, estava plenamente descontente com a


deposição de Goulart, pois fora apartado do governo. Lançou diversos
protestos junto com a ala esquerda do PSD pela discussão da legalidade
sobre o impedimento de Goulart e sobre as cassações de diversas figuras
ilustres. Tais movimentos foram insuflados por deputados e políticos ligados
ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), que, embora estivesse na ilegalidade,
tinha grande influência no Legislativo.

Apesar de ter a UDN e parte do PSD a seu lado, ainda assim o governo não
tinha a força necessária para fazer passar pelo Congresso as reformas e
planos que buscavam mudar o País e adaptá-lo às novas ideias que orientavam
o Movimento de 64.

156
Capítulo 9 – BRASIL: os governos militares (1964-1985)

Carlos Lacerda, importante chefe político da UDN - que inicialmente apoiou


o movimento militar, ia de encontro ao “espírito de equipe” que Castello
Branco queria ver na base do governo. Sua ruptura com o movimento causou
instabilidade ao sistema político vigente até então.

Para os militares era preciso romper com as práticas populistas no País, que
eram as responsáveis pelo atraso desenvolvimentista e social do Brasil.

3. O Papel da ESG e os Projetos de Desenvolvimento


A economia se encontrava em estado caótico. O governo Goulart havia
deixado o País em séria crise econômica, com uma dívida de US$ 3 bilhões
e sem crédito algum no exterior. Os fornecedores estrangeiros só vendiam
algo ao Brasil se recebessem o pagamento à vista, com divisas, que estavam
esgotadas. A inflação chegara à taxa de 100% por ano.

Castello Branco nomeou para seu ministério Roberto Campos (Planejamento


e Coordenação Econômica) e Octavio Gouveia de Bulhões (Fazenda) que
conduziram a equipe econômica na difícil tarefa de diagnosticar e tratar a
economia brasileira. Estipularam um plano chamado Programa de Ação
Econômica do Governo (PAEG) no qual delimitaram que o principal obstáculo
ao desenvolvimento era a inflação alta e acelerada. Para combatê-la,
estipularam uma estabilização econômica que acabou por gerar críticas
mesmo dentro do governo, devido ao forte ajuste fiscal que teria de ser
feito.

Roberto Campos, na intenção de controlar a inflação, levou o Brasil a uma


onda de desemprego com consequências desastrosas, como uma queda
abrupta dos salários. Entre 1964 e 1967 várias empresas de pequeno porte
faliram. Foram realizados cortes nos gastos públicos. O governo assumiu o
pleno controle da economia, reduziu o crédito bancário, aumentou os
impostos e iniciou a prática da redução dos salários, que ficou conhecida
como política de arrocho salarial.

O PAEG provocou mudanças que de certa forma agradaram tanto a Castello


Branco quanto ao círculo de oficiais próximos a ele, todos ligados à Escola
Superior de Guerra (ESG). Tinham um pensamento econômico simpático a
essas mudanças. Esses oficiais, dentre os quais se destacavam Golbery do
Couto e Silva, Osvaldo Cordeiro de Farias e Jurandir Bizarria Mamede, dentre
outros, comungavam dos mesmos objetivos. Os dois últimos seriam inclusive
cogitados por Castello Branco para serem seus sucessores, mas tal
movimento foi frustrado pela intensa movimentação de Costa e Silva pela

157
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

candidatura presidencial, que ocorria desde 1964. Mesmo assim, o papel


político do grupo da ESG não estava minado, pois a Doutrina de Segurança
Nacional, formulada por aquela Escola, direcionava os planos do governo e
logo ganharia uma influência ainda maior.

Castello Branco e esses oficiais foram considerados como a “linha moderada”


dos militares pela historiografia do período e, também, chamados de
“castelistas”. Diferente dos militares da “linha dura”, que eram nacionalistas
radicais, e tinham grandes problemas em lidar com o capital estrangeiro, os
“moderados” não viam problema algum na entrada de capital estrangeiro
para investimentos no Brasil, bem como a presença de empresas estrangeiras
no País, comprando firmas nacionais. Tal mentalidade favoreceu o combate
da crise econômica no Brasil, empreendido pelo governo Castello Branco,
que teve de travar séria luta para recuperar o prestígio internacional do
País, arruinado por Goulart, que havia realizado diversas moratórias
unilaterais, além de ter desorganizado a política fiscal.

O plano deu certo, e logo o País voltou a receber créditos externos. O


severo ajuste realizado pelos ministros Campos e Bulhões derrubou a inflação
em um terço, criando a percepção geral no exterior de que o Brasil poderia
voltar a crescer, fazendo com que o País tivesse uma farta oferta de crédito
internacional, aceitando as metas econômicas de Castello que eram:
• redução da inflação,
• melhoria na balança de pagamentos pelo aumento das exportações; e
• preparação das bases para o desenvolvimento a longo prazo.

4. Castello Branco e Costa e Silva


Castello Branco tentou fazer seu sucessor, mas todos os seus esforços
foram frustrados pelo Ministro da Guerra, o general Costa e Silva, principal
figura do grupo que foi denominado pela historiografia como “linha dura”
ou “nacionalistas autoritários”. O ministro vinha trabalhando sua candidatura
presidencial desde 1964, circulando entre militares e civis, e pedia, sem
cerimônia, apoio para sua futura campanha. Os momentos políticos seguintes
dariam força ao grupo de Costa e Silva.

As políticas articuladas por Castello Branco não mostrariam resultados antes


de 1965, e neste ano estavam marcadas eleições presidenciais. A bancada
governista no Congresso conseguiu a extensão do mandato presidencial
até março de 1967, fato que Castello aceitou com relutância, sendo
convencido a permanecer, principalmente pelos ministros Campos e Bulhões,

158
Capítulo 9 – BRASIL: os governos militares (1964-1985)

cujos planos econômicos precisariam de tempo para ajustes e começar a


funcionar. Havia ainda a questão do Serviço Nacional de Informações (SNI),
criado em 1964 e comandado pelo general Golbery do Couto e Silva, que
estava se institucionalizando, recebendo meios para cumprir sua missão,
dentro do espectro da segurança nacional.

Adiada a questão presidencial para 1966, foram mantidas as eleições de


1965 para governador nos estados, o que seria uma forma de testar a
aceitação popular do Movimento. Os candidatos apoiados pelo governo
ganharam em todos os estados, exceto Guanabara e Minas Gerais, e como
tais estados sempre foram de grande importância na República, ocorreu
séria crise entre Castello e a linha dura, que tinha em Costa e Silva seu
porta-voz.

A linha dura não desejava a posse dos vencedores desses estados e fazia
forte pressão para que Castello também não o quisesse, mas este acreditava
que a legalidade do Movimento de 64 dependia de aceitar eleições legais.
Aproveitando o quadro, radicais civis da UDN aumentaram a crise quando
se imiscuíram na questão, e o governo acabou por ter de negociar. A solução
encontrada foi a de que o governo no futuro deveria ter poderes para
impedir tais reveses políticos. Para Costa e Silva e a linha dura, a dependência
da UDN no Legislativo havia se mostrado incapaz. E o Ministro da Guerra
gostava da ideia de repudiar a UDN, pois era da legenda o seu principal
adversário na eleição vindoura à presidência, Carlos Lacerda.

Castello levou projeto de lei ao Congresso que concedia tais poderes ao


Executivo, sendo rejeitado na Câmara, graças ao PSD, que se recusava a
conceder poderes ao Executivo desde a queda de Goulart. Tal recusa levou
Castello Branco a fazer o que não desejava, mas que era necessário, a fim
de preservar a ordem no País: editou um novo Ato Institucional.

5. O AI-2 e o Bipartidarismo: ARENA e MDB


O Ato Institucional 2 (AI-2), com validade até o fim do mandato de Castello
Branco (15 de março de 1967), instituiu eleições indiretas para presidente,
vice-presidente e governadores. Concedia ao presidente poderes para cassar
os mandatos de autoridades eleitas e suspender os direitos políticos de
qualquer cidadão por dez anos. Aumentava o número de ministros do
Supremo Tribunal Federal de 11 para 16 e ainda abolia todos os partidos
políticos, para criar uma nova ordem partidária no Brasil, bipartidária.

159
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

A adoção da ordem bipartidária por Castello Branco representava sua


admiração pela política anglo-saxã e pela ordem partidária na monarquia, a
qual via como positiva para o Brasil, pois fora bipartidária em grande parte
do tempo. Além disso, dificultava em muito a vida da oposição, pois criava
uma maioria permanente para o governo. Os partidos criados foram a Aliança
Renovadora Nacional (ARENA), governista, e o Movimento Democrático
Brasileiro (MDB), oposicionista.

Devido às diferenças entre Castello Branco e Costa e Silva, foi natural que,
ao fim do governo, Castello buscasse proteger seu legado aprovando medidas
que enquadrassem seu sucessor, e limitassem sua liberdade de ação. Assim,
uma nova Constituição foi aprovada pelo Congresso em 1967, bem como a
Lei de Segurança Nacional. Planos decenais também foram criados para a
área econômica.

O compromisso de Costa e Silva com tais planos não era garantido, visto
que nada disse sobre isso a Castello, porém sua campanha não atacou as
demandas reformistas do presidente. Assumindo em 15 de março de 1967,
o ministério do novo presidente tinha um forte componente militar, ao
contrário de Castello, que deixou os militares apenas nos ministérios
militares.

Suas políticas econômicas seriam guiadas por Delfim Netto, jovem e


ambicioso professor universitário que, usando de pragmatismo, manteve
muito da obra de Roberto Campos e Octavio Bulhões, continuou com o
desenvolvimento lançando mão de pesados investimentos estrangeiros,
gerando oposição entre a linha dura, que tinha uma posição mais nacionalista
na economia.

Seu governo foi marcado por uma tentativa de “humanização” do regime,


que foi logo abortada, pois, na tentativa de abrir o regime, criou-se espaço
para a radicalização. Os protestos começaram a surgir nas ruas e logo
verdadeiras batalhas se seguiram entre polícia e manifestantes. Alguns dos
protestos só foram dissolvidos com ajuda de tropas do Exército. A UNE
realizou um congresso clandestino em Ibiúna, São Paulo, que terminou
com a prisão de todos os participantes, muitos dos quais iriam depois
integrar a luta armada.

Porém, por mais que se fizesse repressão às agitações urbanas, setores da


linha dura estavam descontentes e acreditavam que o governo estava
vacilante, e pressionaram Costa e Silva a endurecer o regime, o que ocorreu
depois de diversos militares mortos em ações de guerrilha urbana, como:

160
Capítulo 9 – BRASIL: os governos militares (1964-1985)

PMs mortos em São Paulo e Rio de Janeiro; o soldado Mário Kozel Filho,
sentinela do QG do II Exército; e o capitão do Exército dos EUA, Charles
Chandler, que “segundo os ‘guerrilheiros’, era um ‘agente da CIA’ e
‘encontrava-se no Brasil com a missão de assessorar a ditadura militar na
repressão’”. (DUMONT, F. Disponível em: <http://www.ternuma.com.br/
chandler.htm>).

A situação estava tensa, e buscando controlá-la, em 13 de dezembro de


1968, o presidente, após reunião com o Conselho de Segurança Nacional,
decretou o Ato Institucional–5 e o Ato Complementar–38, sem data para
expirar. O vice-presidente Pedro Aleixo se opôs à adoção de tal medida,
pois era a favor da implantação do estado de sítio.

O Executivo passou a dispor de grandes poderes para lidar com a situação,


ainda mais depois que foi decretado o recesso do Congresso em decorrência
do discurso do deputado Márcio Moreira Alves, que foi considerado
insultuoso às Forças Armadas. Diante da recusa do Congresso em processá-
lo, como pedido pelos militares, o presidente não teve outra saída senão
decretá-lo.

Entretanto, Costa e Silva não desejava governar com o poder autoritário


concedido pelo AI-5. Tinha em mente buscar um equilíbrio entre as medidas
desse poder e a futura redemocratização (que era uma promessa do
Movimento de 64) e, junto com o vice-presidente Aleixo, lançou-se à tarefa
de criar uma nova Constituição, que ficou pronta em 26 de agosto de
1969, concedendo grandes poderes ao Executivo, ligeiramente menores
que os concedidos pelo AI-5, restringindo bastante o Executivo e o Judiciário,
que voltou a ter 11 ministros no Supremo Tribunal Federal.

O plano de presidente era promulgar a nova Constituição em 2 de setembro


para que ela entrasse em vigor no dia 7 de setembro, mas tais planos foram
abortados em função de sua própria saúde. Em 27 de agosto o presidente
teve um problema de desorientação momentânea enquanto falava com o
governador de Goiás e foi mais cedo para o Palácio da Alvorada, residência
presidencial. Lá passou mal novamente. O médico da presidência foi chamado
e pediu ao presidente que repousasse totalmente. Costa e Silva se recusou
a isso, afirmando que só o faria depois de 8 de setembro, após a entrada
em vigor da nova Constituição.

No dia 28 de agosto Costa e Silva sofreu um acidente vascular cerebral


(AVC) que fez com que seu lado direito ficasse completamente paralisado e
perdesse a capacidade de fala. O general Portella, chefe do Gabinete Militar,

161
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

apressou sua ida para o Rio de Janeiro, onde médicos já esperavam o


presidente enfermo. Os médicos viram a gravidade da situação e o presidente
foi levado ao Palácio Laranjeiras.

Na madrugada do dia 30 de agosto, Costa e Silva foi devastado pela


isquemia, perdendo total capacidade de comunicação. Começaram as gestões
entre o general Portella e os ministros militares sobre o que fazer para
resolver tal crise. Como Pedro Aleixo era civil e havia protestado contra o
AI-5, rapidamente se percebeu que somente um militar poderia manter a
estabilidade.

Em 30 de agosto, após uma reunião do Estado-Maior das Forças Armadas


(EMFA), decidiu-se por uma Junta Militar, composta pelos ministros militares
que assumiria o governo temporariamente enquanto o presidente se
recuperava da doença.

6. A Junta Militar e o Governo Médici - a esquerda


revolucionária, a luta armada e o endurecimento do regime
A Junta Militar - composta pelo Ministro do Exército, general-de-exército
Aurélio de Lyra Tavares; o Ministro da Marinha, almirante-de-esquadra
Augusto Rademaker Grünewald, e pelo Ministro da Aeronáutica, o marechal-
do-ar Márcio de Souza e Mello, por meio do Ato Institucional nº 12 - assumiu
o poder em 31 de agosto de 1969.

Rapidamente tiveram de enfrentar o radicalismo político em cores fortes no


Brasil. A luta armada se lançara, realizando ataques a bomba, como o ocorrido
no Aeroporto de Guararapes, em Recife, que vitimou fatalmente três pessoas.
O atentado visava matar o presidente Costa e Silva, mas este se atrasou.

O sequestro do embaixador americano, Charles Elbrick, e o cumprimento


das exigências dos sequestradores deram esperança à luta armada, que via
nos sequestros uma forma de obter publicidade, recursos e libertação de
companheiros. Diplomatas tornaram-se o alvo predileto, pois o governo
não se arriscava a realizar operações de resgate, haja vista a possibilidade
de morte dos reféns, coisa que levou os terroristas a sequestrarem aviões.

Diversas facções terroristas praticaram atos contra a ordem pública, com a


justificativa de que estariam reagindo ao aumento do aparato repressivo do
Estado. Guerrilheiros como Carlos Marighella, que editou o “Manual do
Guerrilheiro Urbano”, utilizado por organizações terroristas em todo o globo
e o ex-capitão e desertor do Exército Carlos Lamarca (que executou o roubo

162
Capítulo 9 – BRASIL: os governos militares (1964-1985)

de 63 fuzis FAL, três metralhadoras INA e pistolas calibre 45, além de muita
munição) foram nomes que se destacaram no período.

Desempenhou intensa atividade subversiva, notabilizando-se por matar um


guarda civil durante um assalto duplo em São Paulo. Após isso, criou um
foco no Vale do Ribeira, interior do São Paulo, sendo caçado por forças
policiais e militares. Na fuga, encontrou-se com a patrulha da PMSP liderada
pelo Tenente Alberto Mendes Junior. O tenente ofereceu-se como refém
em troca da vida de seus homens, sendo assassinado pelo comando de
Lamarca, que assumiu a responsabilidade da morte.

Coincidindo com a posse do general Emílio Garrastazu Médici na Presidência


da República em 30 de outubro de 1969, entrou em vigor a Emenda
Constitucional nº 1, que reformulou a Constituição de 1967. Nesse período,
formou-se em São Paulo a Operação Bandeirante (Oban), com a finalidade
de coordenar a ação contra grupos terroristas nesse estado.

O governo, para combater os terroristas, ainda contava com diversos órgãos


federais e estaduais, como o Serviço Nacional de Informações (SNI), o
Departamento de Polícia Federal, o Departamento de Ordem Pública e Social
(DOPS) e os Departamentos Estaduais de Ordem Pública e Social (DEOPS)
de diversos estados.

Em 1975, a luta armada encontrou seu fim, com os guerrilheiros mortos ou


presos. A luta armada estava acabada tanto no campo quanto na cidade.

Outro fator para entender o fracasso da luta armada no Brasil foi que os
guerrilheiros usaram de teorias que muitas vezes não levavam em conta a
realidade brasileira, e diversas vezes conheciam mais sobre a “teoria do
foco”, a qual usaram para criar seus focos, do que sobre a realidade ou a
dinâmica do Brasil. O bom desempenho da economia era outro fator que
gerava grande popularidade do governo em meio ao povo, e que foi
habilmente explorado pelo governo, bem como a conquista do campeonato
mundial de futebol de 1970. Slogans poderosos surgiram: “Brasil Grande”,
“Ninguém Segura Esse País” entre outros, demonstrando a vitória do governo.

7. O Milagre Econômico
Se, por um lado, o governo vencia a luta armada, por outro apresentava
espetacular desempenho da economia brasileira. O período acabou por ser
chamado de “Milagre Econômico”, pois o País cresceu a taxas de 10% por
quase todo o mandato do presidente Médici.

163
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

As razões para compreender como foi possível obter tal progresso econômico
são de fácil compreensão tendo em vista a política econômica e sua
reorganização, desenvolvida desde o governo Castello Branco. Os estímulos
à indústria, especialmente a automobilística, deram resultado: a indústria
era o setor que mais crescia, puxando o crescimento econômico.

Porém, diferente da política econômica de Castello, liderada por Roberto


Campos e Octávio Bulhões, era a equipe econômica de Costa e Silva e de
Médici, com a permanência de duas importantes figuras: Delfim Netto e
Reis Velloso. A estratégia de Delfim para promover o crescimento vinha do
controle do sistema financeiro, de incentivos tributários e da redução do
custo da mão de obra.

A dinamização e a organização da máquina tributária do governo aumentaram


sua capacidade de arrecadação, além do resultado positivo na balança de
pagamentos, com superávit nas contas.

Com esses recursos, o governo se lançou à construção do “Brasil Grande”.


Era a construção, a materialização do projeto “Brasil Potência”. Tratava-se
de criar as condições para que o Brasil fizesse valer o antigo projeto de
tornar-se uma potência. Grandes obras começaram a ser realizadas, previstas
pelo I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND): a construção da Ponte
Rio–Niterói, a rodovia Transamazônica, para realizar a integração da região
Norte do País, e a construção de 15 usinas hidrelétricas. Outras obras se
realizaram, lançando investimentos federais em todos os lugares do País.

A concessão de crédito rural estimulou a produção agrícola, gerando um


crescimento vertiginoso nessa atividade, colocando o Brasil no rol dos
principais produtores de gêneros agrícolas diversos, como concentrado de
laranja e soja, dentre outros. Esse aumento de produção foi acompanhado
de uma expansão agrícola por meio de abertura de novos campos para a
produção, especialmente no cerrado.

8. Classe Média, Consumo e Televisão


Uma das principais consequências do crescimento acelerado criado pelo
“Milagre” ao Brasil foi a expansão do mercado interno, com eletrodomésticos
acessíveis à população em geral. O consumo aumentou, gerando outro
fator de crescimento na economia. A aquisição de televisores explodiu nesse
momento, graças a um crescimento no poder aquisitivo da classe média,
inclusive a novidade da televisão a cores.

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Capítulo 9 – BRASIL: os governos militares (1964-1985)

Tal novidade tornou-se o símbolo do período para a classe média, que


também passou a adquirir carros, aumentando as vendas. Devido aos
estímulos governamentais à indústria automobilística, vindos do governo
Castello Branco, e ao consumo, a demanda de investimentos nessa área
subiu consideravelmente e, após 1964, a produção de carros foi alterada no
País, dos carros econômicos preconizados pelo governo Kubitschek para os
carros médios.

A mudança nos regulamentos gerou grandes custos ao País. A opção pelo


transporte rodoviário, em detrimento do ferroviário, com ênfase em carros
de passeio gerou um problema sério a longo prazo para o Brasil, pois, além
do custo de manutenção das rodovias, havia a questão do combustível -
vital - já que o Brasil importava 80% de sua demanda de petróleo.

9. Governo Geisel - projeto de modernização: avanço


tecnológico e opção nuclear
A transição do presidente Médici para o presidente Geisel foi relativamente
tranquila. Geisel tinha bastante experiência ao chegar à presidência, em 15
de março de 1974. Sua carreira havia conciliado a vida militar e postos
importantes, como o Conselho Nacional do Petróleo, o Superior Tribunal
Militar e a presidência da Petrobras.

O presidente Geisel assumiu dizendo que daria início ao processo de abertura


política de modo “lento, gradual e seguro”, com base no binômio segurança
e desenvolvimento, formulado pela ESG. De fato, o presidente era do grupo
ligado à ESG, e que tinha estado no governo Castello Branco. Diferente do
ministério de Médici, que delegava grande poder a seus ministros, Geisel
deixou claro, desde o início, que seria o responsável final por todas as
decisões.

A composição revelava um ministério com figuras de importância política


relativa, exceto pelo Chefe do Gabinete Civil da Presidência, o general
Golbery do Couto e Silva, que passou a estabelecer negociações com a
oposição ao governo, a Igreja Católica e setores da sociedade. Por essas
conversas, muitos dos processos da abertura seriam acordados e conduzidos.

Geisel tinha uma grande crença em promover uma forte industrialização e o


avanço tecnológico do País. Sua estratégia, preparada durante a transição
do poder, teve de ser mudada devido ao primeiro “choque do petróleo”,
quando os países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP)

165
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

aumentaram os preços do barril de petróleo em resposta à vitória israelense


na Guerra do Yom Kippur.

Como a demanda do petróleo brasileiro era na ordem de 80% de seu


consumo, o aumento do preço foi um cruel baque para a economia. O
presidente buscou novas estratégias por meio do II Plano Nacional de
Desenvolvimento (II PND), que buscava soluções para a questão energética
no Brasil com ambiciosas metas, que mudariam o modelo de produção e
gestão no País. Também era parte do plano fortalecer as indústrias de base
e retirar o capital estrangeiro dos setores de infraestrutura do País.

Entre os destaques do plano estão a implantação do Programa Nacional do


Álcool (Proálcool) e o acordo nuclear Brasil-Alemanha, representada ainda
pela empresa KWU do grupo Siemens, visando a implantação das usinas
nucleares de Angra I e Angra II, na Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto,
em Angra dos Reis (RJ). Além disso, a utilização de contratos de risco entre
a Petrobrás e empresas estrangeiras no País para a prospecção de petróleo
gerou descobertas de reservas no litoral do País, considerado já o limite de
duzentas milhas marítimas como parte do mar territorial brasileiro.

Em seu governo, o Brasil denunciou o Acordo Brasil–Estados Unidos,


acabando o alinhamento automático com esse País e criando uma política
externa independente que ampliou as relações diplomáticas na Ásia, África
e Europa.

Os desafios não se encontravam apenas no plano econômico. Geisel e Golbery


estavam determinados a levar adiante o plano de liberalização, apesar da
resistência de diversos grupos radicais que não desejavam o processo de
abertura política. Havia no presidente o propósito de manter o controle das
Forças Armadas e em especial no Exército, pois ainda havia nessas instituições
integrantes do núcleo da “linha dura”.

Os contatos com a Igreja foram importantes para abrir caminho em meio à


sociedade civil, pois Geisel desejava controlar o processo a fim de ser o
condutor e não o conduzido. Medida relevante para esse movimento foi o
abrandamento das restrições à imprensa. A presença de Golbery no governo
foi alvo de severas críticas por parte dos militares da linha dura, chegando à
redação de manifestos e protestos, que viam com maus olhos a presença
dele no governo, pois antes havia sido presidente da Dow Chemical no
Brasil, e atacavam Golbery por acreditarem que este era submetido aos
interesses dos grandes grupos estrangeiros.

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Capítulo 9 – BRASIL: os governos militares (1964-1985)

Os conflitos foram sendo resolvidos pouco a pouco, embora o governo


tivesse que adotar medidas duras a fim de manter o processo de abertura
em movimento. O ápice da crise com a linha dura foi a demissão do Ministro
do Exército, general Sylvio Frota. Além disso, foi baixado o “Pacote de
Abril” em 1977, que elegeu um terço do Senado indiretamente e estendeu
o mandato do sucessor do próximo presidente para seis anos, mantendo as
eleições indiretas para governadores. A Lei Falcão alterou a propaganda
eleitoral, e candidatos não mais apareceriam ao vivo na televisão e rádio.

Geisel cuidou de sua sucessão, sendo escolhido o general João Figueiredo,


ministro-chefe do SNI para tal, encarregado de levar adiante o processo de
abertura. Como mostra da distensão levada adiante pelo presidente, o AI-5
foi revogado em 31 de dezembro de 1978.

10. Governo Figueiredo - abertura democrática, crise e estagnação


O general João Figueiredo assumiu a presidência em 15 de março de 1979,
com o compromisso de levar adiante a abertura política no País. Seu governo
aprovou a Lei de Anistia, que promoveu a anistia ampla, geral e irrestrita
tanto para os cassados durante os governos militares quanto para os que
tinham cometido excessos como integrantes das forças de segurança.

Foi revogado o bipartidarismo, sendo estabelecidas eleições diretas para


governadores e senadores.

Foram constatadas reações à abertura promovida pelo presidente, com grupos


de extrema direita realizando atentados a bancas de jornais, sedes da OAB,
resultando na morte de uma pessoa e ferindo outras. O atentado que pôs
fim à ofensiva foi o do Riocentro, em 1981. A investigação e a polêmica em
torno do ato dissuadiram tais grupos de realizarem novas ações.

A economia estava seguindo as normas progressistas ditadas pelo III PND,


porém não foi possível deter a crise. O desemprego aumentou, a inflação
disparou e a dívida externa cresceu. Foi necessário negociação com o FMI,
com a consequência da ingerência de banqueiros estrangeiros na política
econômica. O período acabou por se caracterizar como estagnação, com
uma forte crise inflacionária.

Os partidos políticos criados foram: o Partido Democrático Social (PDS), o


Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o Partido Popular
(PP), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o Partido Democrático Trabalhista
(PDT) e o Partido dos Trabalhadores (PT).

167
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

A abertura política teve um capítulo interessante a partir de 1983, quando


surgiu um movimento que congregava partidos políticos e entidades da
sociedade civil, na campanha pelas eleições diretas para a Presidência da
República, chamada de “Diretas Já”. A emenda proposta por eles foi
derrotada, mas marcou a vida política do País.

Em 15 de janeiro de 1985 elegeu-se Tancredo Neves, que prometeu fundar


uma Nova República, baseada em um pacto social que amenizasse as tensões
entre os segmentos da sociedade brasileira. Seu vice era José Sarney, que
acabou por assumir, quando Tancredo adoeceu na iminência da posse e
faleceu em 21 de abril de 1985.

11. Política Externa - do alinhamento automático ao


pragmatismo responsável
A política externa dos governos militares foi marcada por mudanças
profundas em suas diretrizes. No governo Goulart, o País estava saindo de
um alinhamento com os Estados Unidos para o bloco socialista, mas o
Movimento de 1964 abortou tal iniciativa, retornando-se ao alinhamento
com os Estados Unidos.

A política externa vinculada aos EUA causou profundos choques entre a


linha dura e a linha moderada. A primeira era de forte cunho nacionalista, e
era a favor de romper qualquer política que sujeitasse o Brasil a outra nação.
Já a linha moderada, era a favor do alinhamento com os americanos,
principalmente no governo Castello Branco, que buscava reorganizar a
situação político-econômica do País.

Para tal fim, era preciso recorrer ao governo americano que, além de ser
simpático ao Movimento de 1964, poderia ser o avalista do Brasil no exterior,
dada a caótica situação financeira em que Goulart havia deixado o País. Por
meio de empréstimos, créditos e gestões junto ao Banco Mundial e FMI, o
governo dos EUA avalizou os esforços de recuperação da economia brasileira,
e logo o País pôde receber uma grande quantidade de investimentos, que
ajudaram a lançar as bases do crescimento econômico e incentivar a indústria
nacional, conforme ditava a política governamental.

Com Costa e Silva, as relações não sofreram alteração, realizando inclusive


uma visita presidencial aos EUA, onde esteve com o presidente Lyndon
Johnson. Essa relação não se alterou no governo Médici, que também
contava com o apoio do presidente americano Richard Nixon, que considerava
importante o papel do Brasil nos destinos políticos na América do Sul.

168
Capítulo 9 – BRASIL: os governos militares (1964-1985)

Contudo, não se deve pensar que os dois presidentes não buscaram


alternativas. O mandato de Costa e Silva viu a busca por uma diplomacia
próxima aos países do Terceiro Mundo. Esse projeto veio a se conciliar
depois com o “Brasil Potência” de Médici.

A mudança profunda se deu no governo Geisel. Com a posse de Jimmy


Carter nos Estados Unidos, começaram a ser feitas fortes críticas ao governo
brasileiro, além do fato de a busca por fontes alternativas de energia realizada
pelo Brasil ser atacada pelos EUA.

O Acordo Brasil-Alemanha quase foi desfeito por ação americana. Assim,


com a distância aumentando cada vez mais, o presidente Geisel denunciou
o acordo Brasil–Estados Unidos e o governo se lançou em uma política
externa independente, que visou projetar o País na comunidade mundial.

O reconhecimento da independência das colônias portuguesas na África foi


um dos principais marcos da diplomacia brasileira, tendo especial atenção o
caso de Angola, pois o Brasil foi o primeiro País a reconhecer a nova nação.

A busca por uma nova posição no cenário mundial se deu pela aproximação
do Brasil com países de África, Ásia e Europa, e neste período podem-se
constatar as bases da política diplomática brasileira empreendida até os
dias atuais. Tal forma de conduzi-la acabou por se chamar “Pragmatismo
Responsável”.

Essa política se pautava pela defesa dos interesses econômicos brasileiros,


que nem sempre estavam de acordo com os americanos ou os europeus. O
reconhecimento de Angola foi bom exemplo disso, pois o Brasil buscava
fontes alternativas de recursos, dentre os quais o petróleo, para sua alta
demanda. A diplomacia brasileira viu-se numa batalha contra a americana e
a europeia, que buscavam manter o colonialismo português na área. O
processo se deu de tal forma que o Brasil reconheceu o governo socialista
que era enfrentado por milícias financiadas por Portugal, África do Sul e
EUA. O governo angolano conseguiu se manter e resistir graças à ajuda
financeira soviética e militar cubana.

O Brasil foi bem-sucedido, a tal ponto que o secretário de Estado americano,


Henry Kissinger, disse que os brasileiros atrapalharam os esforços dos EUA.
O episódio compõe um dos melhores exemplos da política do Pragmatismo
Responsável e a nova posição do Brasil. Tal foi seu sucesso que o presidente
Figueiredo buscou manter essa política, cujos fundamentos estão presentes
até hoje na diplomacia brasileira.

169
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

12. Novos Atores Sociais e Políticos


12.1 Igreja, Movimentos Sociais e o “Novo” Sindicalismo
A Igreja teve um importante papel durante os governos militares, tanto no
apoio ao Movimento de 1964 quanto nas críticas aos excessos que ocorreram
durante o conturbado período que se seguiu, demonstrando sua presença
nos episódios da vida nacional.

Tornou-se um dos principais foros de discussão sobre o País durante tal


período, especialmente no mandato do presidente Médici, no qual se deu o
auge da batalha entre o regime e a luta armada, sendo presos, nesse processo,
diversos padres e religiosos, acusados de cooperar com a subversão.

Os bispos e cardeais reagiram e protestaram abertamente, pois, apesar das


divisões internas da Igreja brasileira, não admitiam violência de qualquer
matiz. Esses grupos eram: os “progressistas”, que atacavam as injustiças
sociais que assolavam o País; os “conservadores”, que estavam perfeitamente
alinhados com o governo; e a grande maioria, o grupo dos “moderados”,
que equilibrava as tensões entre os outros dois grupos e buscava preservar
a Igreja em tão difícil contexto que atravessava o País.

Os progressistas acabaram por fazer surgir uma “Igreja Popular”, visando


uma maior atenção aos pobres. Era o reflexo dos avanços da esquerda
eclesiástica, que tinha laços com a esquerda em diversos níveis e influência
do marxismo. Nascia o movimento da Teologia da Libertação, que causou
fortíssima controvérsia dentro da Igreja, encontrando oposição no movimento
da Renovação Carismática Católica, apoiado pelo Vaticano, que, em 1984,
se declarou contra a Teologia da Libertação, fazendo com que diversos
religiosos ligados a tal doutrina se desligassem da Igreja.

Por fim, a Igreja contribuiu ativamente com o processo de abertura, junto


ao general Golbery, mantendo canais de diálogo entre o governo e a sociedade
civil, além de estreita cooperação, que facilitou a ação do governo.

Junto com a Igreja, outro importante ator do período foi o novo sindicalismo.
Fora das esferas tradicionais do sindicalismo, que eram controladas pelo
PCB, surgiu uma nova liderança sindical que buscava lutar por melhorias de
vida para os trabalhadores. A primeira grande greve do ABC paulista, onde
se deu o nascimento desse movimento, foi bem-sucedida e os trabalhadores
conseguiram aumentos substanciais, que tinham sido retidos por seus
empregadores.

170
Capítulo 9 – BRASIL: os governos militares (1964-1985)

O grupo ganhou força e influenciou outras regiões do País, bem como


outros sindicatos, que se inspiravam nos discursos de Luís Inácio da Silva,
o Lula, presidente do sindicato de metalúrgicos do ABC, que desdenhava
dos líderes sindicais ligados a comunistas ou ao governo. Essa liderança
teria seu forte choque em 1979, com greves que seriam reprimidas inclusive
por tropas federais. Apesar disso, a negociação direta rendeu resultados
proveitosos, com obtenção de ganhos salariais. Lula ganhou projeção
nacional no episódio e logo foi para a atividade partidária.

12.2 Do Sindicalismo Rural ao Movimento dos Sem-Terra


Tal como a mudança no sindicalismo urbano, o período também viu mudanças
no campo. Uma nova forma de sindicalismo rural surgiu: o Movimento dos
Trabalhadores Sem-Terra (MST). União de movimentos esparsos pelo campo
brasileiro, fundado em 1984, tinha como principais bandeiras a luta pela
terra e a reforma agrária. A estas vieram se juntar outras que se deram ao
longo dos anos com o crescimento do movimento, que atualmente está
presente em 22 estados da federação, com 124 mil famílias.

O movimento é parte de um processo político no campo onde conflitos e


mortes são comuns, na busca por terras e poder. A insegurança no campo
se intensifica em conflitos que estão se transformando em verdadeiros
combates entre o MST, fazendeiros e outros grupos de luta pela terra. No
esteio das antigas Ligas Camponesas, o MST é um movimento de inspiração
marxista, e que busca resolver as questões agrárias no Brasil de qualquer
forma, mesmo sendo com o uso da força. Sua atuação tem sido largamente
notada e, embora o movimento tenha entendimentos com o atual governo,
as invasões continuam, assim como os programas desenvolvidos, alguns de
própria vontade, outros em cooperação com ONGs e entidades internacionais
como o Unicef.

O MST luta pela mudança da sociedade brasileira, pois, a seu ver, ela é
promotora das injustiças tanto no campo quanto na cidade, uma vez que o
movimento procurou avançar sobre diversas bandeiras que não estão ligadas
à luta pela terra. O desgaste do movimento com outras entidades de defesa
dos trabalhadores rurais já levou a conflitos e eventos nos quais foi
necessária intervenção policial. Militantes urbanos têm sido a saída do MST
para manter seu atual número e a dependência dos recursos federais tem
gerado críticas ao grupo, inclusive da própria esquerda.

171
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Referências
ARRUDA, José Jobson de A.; PILETTI, Nelson. Toda a História: História
Geral e História do Brasil. 13. ed. São Paulo: Ática, 2007.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. 11. ed. São Paulo: EDUSP, 2003.

FROTA, Guilherme Andrea. 500 anos de História do Brasil. Rio de Janeiro:


Bibliex, 2000.

KOSHIBA, Luiz; PEREIRA, Denise Manzi Frayze. História do Brasil no contexto


da história ocidental. 8. ed. São Paulo: Atual, 2003.

OLIVEIRA, Henrique Altemani de. A política externa nos governos militares.


In:__________. Política externa brasileira. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 107-
167.

SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo. 8. ed. Rio de Janeiro:


Paz e Terra, 1988.

172
CAPÍTULO 10

A Nova República no Brasil:


de 1985 aos dias atuais

1. A Mobilização pelas Eleições Diretas e a Eleição de Tancredo


Neves
O último presidente militar foi João Baptista Figueiredo, porém o
esgotamento dos governos militares e a necessidade de retomada da
democracia eram evidentes anteriormente. A intenção de um grupo de
militares, conhecidos como “moderados”, era conduzir o país à
redemocratização, enquanto outros, conhecidos como “linha dura”, se
opunham fortemente à entrega do poder. Cabe destacar aqui que estes
últimos foram “responsabilizados” por ações (como o caso do Riocentro,
no ano de 1981) no sentido de frear o processo que surgiria, talvez por
temor às represálias que sofreriam com o governo nas mãos de um civil.

Neste momento o bipartidarismo deixou de ser interessante aos militares, e


o MDB, partido de oposição ao governo, passou a ser oposição de fato.

O movimento na direção de retomar o processo eleitoral para presidente da


República teve início no ano de 1983, por meio de um projeto de emenda
constitucional, que ficou conhecida como emenda Dante de Oliveira, nome
do então deputado do Estado do Mato Grosso que a propôs. Rapidamente
teve início a campanha Diretas Já, com adesão de boa parte da população,
porém a emenda foi derrotada no Congresso no ano seguinte.

O enfrentamento foi travado pelo candidato do PMDB, Tancredo Neves,


com o candidato apoiado pelo governo, e, pelo PDS, Paulo Maluf. Tancredo
foi eleito pelo Colégio Eleitoral, derrotando seu opositor, com larga
vantagem, contudo veio a falecer antes de tomar posse, assumindo o cargo
seu vice Sarney.

173
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

2. José Sarney (1985-1989)


Primeiro presidente civil desde 1964, José Sarney tomou inicialmente
medidas no campo político, estabelecendo que as eleições para a sucessão
do seu mandato seriam diretas e com amplo direito a voto, inclusive de
analfabetos, anteriormente impedidos. Certamente o principal acontecimento
do governo de José Sarney ficou por conta da promulgação da Constituição
Federal de 1988, elaborada pela Assembleia Nacional Constituinte, então
presidida por Ulisses Guimarães, que a chamou de Constituição Cidadã.

Segundo Koshiba (2003, p. 575), o debate acerca da Constituição foi


orientado por dois grandes blocos dentro do Congresso Nacional: o dos
trabalhadores e o dos empresários. A elaboração da Constituição foi marcada
por fortes embates entre os conservadores e os progressistas, este último
composto pelos partidos políticos de orientação de esquerda.

Os principais avanços se deram no que tange aos direitos dos trabalhadores,


direitos humanos e de igualdade entre os povos.

Quanto à situação das Forças Armadas, os esquerdistas queriam restringir a


competência militar a defender o país de ações estrangeiras, mas a vitória
(dentro da própria disputa interna travada na Força) foi dos militares ainda
influentes, tendo as Forças Armadas ficado, também, responsáveis pela
garantia da lei e da ordem.

Em relação à economia, o Brasil estava francamente comprometido, segundo


Koshiba (2007, p. 660). A inflação no ano de 1985 girava em torno de
235%, quando Sarney lançou o Plano Cruzado, um plano econômico que
objetivava essencialmente conter a inflação crescente, estabilizando a
economia. A primeira providência tomada foi substituir a então moeda do
país, o cruzeiro, pelo cruzado; os preços foram congelados e estipulados
limites para os índices de inflação. Assim, quando estes fossem atingidos,
os salários seriam automaticamente reajustados - era o chamado “gatilho”.

A aprovação popular ao governo e ao PMDB, partido governista, fez com


que o PMDB elegesse a maioria da Assembleia, bem como dos governadores
de estado. Quanto ao Plano, não durou muito tempo, principalmente porque
produtores e comerciantes sentiam-se prejudicados em função do
congelamento de preços. Não tardou e o desaparecimento de produtos e
gêneros alimentícios começaria a ocorrer, era a falta de abastecimento, seja
pela demanda que excedeu o esperado ou pela retirada dos produtos das
prateleiras. Em muitos casos, os comerciantes se negavam a comercializar

174
Capítulo 10 – A Nova República no Brasil: de 1985 aos dias atuais

produtos com o congelamento de preços. Estes foram os primeiros sinais


de ruína do Plano Cruzado, que, conforme Koshiba (2003, p. 584), atingiu
índices históricos de inflação, de crise econômica e de recessão, reduzindo
a aprovação popular do governo a praticamente zero.

Os problemas recorrentes do Plano Cruzado estavam diretamente associados


a uma de suas principais medidas, o congelamento de preços. A população,
que vivia há alguns anos a instabilidade de preços, se lançou ao consumo,
possibilitado pela estabilidade do preço das mercadorias; o desequilíbrio do
consumo versus produtividade chegou logo, o desabastecimento fez a alta
de preços retornar às prateleiras e a inflação ressurgir com força total.

Outro desequilíbrio resultante do novo plano econômico se caracterizou


pelo alto consumo interno que interferiu diretamente na dívida externa
brasileira. A indústria que sequer dava conta de produzir para o mercado
interno cessou as exportações, obrigando o governo a suspender o pagamento
da dívida externa, quando ocorreu a declaração de moratória.

Na tentativa de conter o desgaste, o governo lançou o Plano Cruzado II,


liberando o preço de alguns produtos, elevando tarifas e impostos.

O resultado das tentativas fracassadas não cessou aqui e se refletiu diretamente


no entra e sai de ministros da fazenda, de acordo com a durabilidade e o
sucesso de seus planos. Dentre os planos que se seguiram estavam o Plano
Bresser e o Plano Verão que criou nova moeda, o cruzado novo, com o corte
de três dígitos da moeda anterior. Aos poucos todos foram retomando as
intenções de negociar com o Fundo Monetário Internacional (FMI), abrindo-
se ao mercado externo, reduzindo gastos públicos, pondo fim ao “gatilho”
salarial, ou seja, praticando políticas de orientação neoliberal.

3. Fernando Collor de Mello (1990-1992)


Foi em 1990 que os brasileiros retornaram às urnas para as eleições
presidenciais, quando foi eleito Fernando Collor de Mello.

Logo no primeiro dia de mandato, o então presidente lançou o Plano Collor,


com medidas inusitadas como o bloqueio das poupanças e das contas
correntes. O Plano visava reter cerca de dois terços da moeda em circulação
por um ano e meio, o chamado confisco. O dinheiro foi disponibilizado
após esse período em doze parcelas mensais. A regra era: devolução do
dinheiro confiscado após dezoito meses, porém havia exceções - para
empresas, em função do pagamento de quadro de funcionários; para doentes

175
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

necessitados de determinados tipos de tratamento de saúde, dentre outras


- o que possibilitou uma infindável rede de corrupção devido a interesses
particulares.

A promessa era de correção para o dinheiro confiscado, porém o reajuste


aplicado foi muito menor do que a inflação do período, fazendo com que o
dinheiro devolvido tivesse uma redução substancial.

O Plano pôs fim à moeda anterior, o cruzado novo, retornando-se, então, à


moeda anterior, o cruzeiro. Já em um segundo momento no ano de 1991,
foi lançado o Plano Collor II, este com medidas de praxe de outros planos:
salários e preços foram novamente congelados.

O país entrou em recessão profunda, atingindo diretamente a indústria em


decorrência da abertura para entrada de produtos estrangeiros. O Plano Collor
obteve como resultado um dos maiores índices de desemprego da história.

A redução ou eliminação de impostos sobre importações fez modernizar a


indústria e o campo, houve benefícios quanto à qualidade dos produtos e
redução de seus preços, em função da competitividade que se estabelecia,
porém aumentou em muito o desemprego nestes setores. Ainda assim muitas
indústrias nacionais faliram, já que a concorrência com produtos importados,
como aqueles vindos da China, era inviável.

Uma prática que conhecemos hoje, e que teve início durante seu governo,
foi o processo de privatização, na tentativa de reduzir custos do aparelho do
Estado. Outra nova política foi a concessão de exploração de setores como
telecomunicações, transporte e energia a empresas privadas. Por meio de
leilões o Estado privatizou/terceirizou funções que eram suas, mas que estavam
muito decadentes e acumulando imenso prejuízo. As consequências dessas
novas práticas políticas são claras: a retirada do Estado do setor produtivo.

A campanha presidencial de Fernando Collor de Mello centrou suas promessas


na população mais carente de diversos tipos de recursos, sempre negando
o apoio de grandes empresários e prometendo combater os políticos
tradicionais com sua modernidade. O discurso não se sustentou na prática,
pois logo no segundo ano de mandato começaram a surgir escândalos
envolvendo o nome do Presidente da República e de seu tesoureiro de
campanha, Paulo César Farias. As denúncias tratavam da exigência de
quantias a grandes empresas para obter benefícios do governo. O cenário
se agravou em muito quando Pedro Collor, irmão do Presidente, veio a
público denunciar os atos de corrupção.

176
Capítulo 10 – A Nova República no Brasil: de 1985 aos dias atuais

Essa série de denúncias associou-se a grave crise e recessão econômica, o


descontentamento popular latente fez os brasileiros tomarem as ruas pedindo
a deposição do Presidente. O movimento “Fora Collor” chegou a ser
comparado com o “Diretas Já” e ganhou força inclusive no Congresso
Nacional que abriu uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar as
denúncias.

O clamor da população, junto com o resultado das investigações da CPI,


que comprometiam o Presidente, e ainda o pedido de impeachment no ano
1992, fizeram Fernando Collor de Mello renunciar à Presidência da República
para evitar o impeachment. Este último esforço de Collor para evitar a
cassação foi em vão. O Senado deu continuidade aos trabalhos e cassou
seus direitos políticos por oito anos.

4. Itamar Franco (1992-1994) e a Interinidade da Nova


República
Em decorrência da renúncia de Collor, foi empossado Presidente da República
Itamar Franco, seu vice. O desafio de Itamar era fazer uma política econômica
de resultado, porém por outro viés que não aquele já praticado, de
congelamento, seja de preço ou de salários, nem com elevação de juros.

As modificações econômicas desta vez ficaram a cargo do sociólogo Fernando


Henrique Cardoso, que assumiu a pasta da economia, anteriormente ocupada
por três nomes nos sete primeiros meses do governo Itamar, todos sem
sucesso. A ordem dada ao ministro era reduzir a inflação e reorganizar a
economia. Fernando Henrique montou uma equipe para assessorá-lo
composta de acadêmicos e economistas para elaboração de um novo plano
econômico.

O plano levou um ano para ser elaborado. Somente em 1994, Fernando


Henrique lançou o Plano Real que, primeiramente, cortou três zeros da
moeda em vigência e passou a chamá-la de cruzeiro real.

O Plano criou uma unidade monetária chamada de Unidade Real de Valor


(URV), cuja cotação acompanhava a cotação da moeda norte-americana,
que servia de referência para os preços de produtos. Os produtos tinham
seu valor determinado em URV e em cruzeiro real, ou seja, mesmo que
houvesse alteração de valor de produtos em cruzeiros, ainda assim, este
produto continuaria valendo as mesmas tantas URV. Posteriormente o
cruzeiro foi eliminado e a URV passou a ser chamada de real, transformando-
se na moeda brasileira.

177
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

O Plano Real representava um novo cenário econômico para o Brasil,


consumidores, produtores, comerciantes e empresários, todos deveriam se
adequar à nova moeda, que teve seu início marcado pela igualdade de valor
com a moeda norte-americana, isto é, cada real tinha o mesmo valor de um
dólar.

Para os consumidores o real significava a possibilidade de planejar seu


orçamento e de ter noção do poder de compra do seu dinheiro. Já para os
empresários nos mais distintos ramos o real não foi tão benéfico assim.
Muitas empresas habituadas aos altos rendimentos financeiros tiveram seu
lucro reduzido em relação aos ganhos de épocas anteriores.

A tradicional elevação dos preços de produtos foi contida com a entrada de


produtos estrangeiros no país e a equiparação monetária entre as moedas
brasileira e americana fez aumentar em muito as importações. A renegociação
da divida externa também contribuiu para o retorno do dólar ao Brasil. A
política de privatização foi praticada a fim de reduzir os gastos públicos,
assim como no governo anterior.

Todos os esforços foram feitos para que o Plano Real obtivesse sucesso e
ele teve, dando total crédito e visibilidade ao Ministro da Fazenda, Fernando
Henrique Cardoso.

5. Fernando Henrique Cardoso (1995-2002)


Nas eleições de 1994 o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) lançou
candidato ao cargo de Presidente da República o Ministro da Fazenda do
governo Itamar. Com forte aprovação popular, visto a imensa redução da
inflação que seu plano obteve, o êxito esperado nas urnas realmente se
concretizou. Fernando Henrique venceu no primeiro turno Luiz Inácio Lula da
Silva, candidato do Partido dos Trabalhadores, que participara do pleito eleitoral
desde as eleições anteriores, quando fora vencido por Fernando Collor.

Fernando Henrique Cardoso recebeu apoio dos eleitores novamente no ano


de 1998, quando se reelegeu com a bandeira de dar prosseguimento ao
Plano Real e sua política de estabilidade econômica. Na Constituição de
1988 estava vetada a reeleição, porém, em 1997, o então Presidente da
República conseguiu junto ao Congresso Nacional a aprovação de uma
emenda, na qual presidentes, governadores e prefeitos poderiam ser reeleitos.
Tal medida foi alvo de muitas críticas por parte dos demais partidos que
não compunham o governo, contudo Fernando Henrique Cardoso se elegeu
novamente no primeiro turno.

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Capítulo 10 – A Nova República no Brasil: de 1985 aos dias atuais

Foi no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso que foi efetivamente


criado o Ministério da Defesa. Já na Constituição de 1946, e, posteriormente,
na Constituição de 1988, a questão vinha sendo debatida sem prosperar. A
ideia era a criação de um ministério que integrasse as três forças: Exército,
Marinha e Aeronáutica, e assim, formalizar uma política de defesa.

Nesse intuito o Presidente criou um grupo de trabalho para avaliar a


necessidade e a viabilidade do projeto. Foi este grupo interministerial que
definiu as diretrizes do Ministério da Defesa, implantando-o em 1999, no
início do segundo mandato do então Presidente.

Sem qualquer sombra de dúvida o Plano Real de Fernando Henrique foi


providencial para o Brasil que, antes de sua implantação, vivia índices de
inflação históricos. Entretanto, também surgiram efeitos negativos.

O governo acreditava que a estabilidade econômica por si só traria


crescimento e desenvolvimento para o país. Porém, um dos problemas
enfrentados pelo Plano estava diretamente ligado a seu sucesso: a igualdade
cambial do real ao dólar fez a balança comercial brasileira ficar muito
desfavorável; o crescente aumento das importações e a consequente
diminuição das exportações geraram um déficit gigantesco, que só poderia
ser combatido com entrada de capital estrangeiro no país.

Na tentativa de minimamente equilibrar a balança comercial, o governo entendeu


que seria necessário aumentar os juros em relação aos mercados internacionais
para atrair investimentos estrangeiros, porém, com esta prática a economia
interna estagnava, sem investimento, sequer em obras do próprio governo, e
com baixa no consumo. Vivia-se um período de estagnação da economia, que
gerou crise em diversos setores, inclusive nos básicos, como no setor energético.
No ano de 2001, o Brasil viveu o famoso “apagão”, racionamento de energia
imposto pelo governo federal, resultado da crise do abastecimento.

Os altos juros praticados pelo governo, na tentativa de atrair o capital e a


especulação estrangeira, terminaram por inibir o crescimento do Produto Interno
Bruto (PIB). As consequências sociais do Plano Real também não favoreceram
a maior e mais necessitada parte da população brasileira. Com a livre entrada
de produtos estrangeiros a baixo custo, produtores, indústrias, comerciantes
em geral tiveram de reduzir seus custos a fim de competir com os produtos
importados de baixo custo, e a redução se apresentou na forma de demissões
- era o desemprego atingindo diversos setores e classes sociais. O governo
federal já não investia em setores básicos, como saúde e educação, visto que
uma das premissas do novo governo era a redução de gastos públicos.

179
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Os resultados do Plano na área social cobraram um alto preço pela


estabilidade da moeda e da economia em geral. Juros absurdamente altos
desestimularam a produtividade, altos índices de desemprego afetaram
inclusive a classe média, a ausência de investimentos do Estado em setores
públicos, como saúde e educação, fez o Brasil figurar entre os piores
indicadores do mundo no que dizia respeito a desenvolvimento humano e
desigualdade social.

O cenário que surgiu como consequência do Plano Real e da estabilização


da moeda brasileira fez a nova candidatura do PSDB à Presidência da
República ficar difícil.

6. Luiz Inácio Lula da Silva e a Ascensão da Esquerda (2003-


2010)
Os descontentamentos em relação ao quadro final do governo de Fernando
Henrique Cardoso fizeram o candidato da situação, José Serra, do PSDB,
entrar na disputa eleitoral em desvantagem. Sem poder levantar a bandeira
da continuidade do governo anterior, José Serra precisava propor mudanças.
Já o candidato da oposição, Luiz Inácio Lula da Silva, estava em vantagem,
com grande parte da população insatisfeita com os resultados sociais
negativos. A bandeira petista pregava um discurso populista que previa a
reforma agrária, o combate à fome e às desigualdades sociais, almejando
uma melhor distribuição de renda e o combate à corrupção.

Desta vez o processo eleitoral não foi vencido no primeiro turno. Passaram
para o segundo turno os candidatos do Partido dos Trabalhadores e do
Partido da Social Democracia Brasileira. O pleito foi vencido por Lula, o ex-
metalúrgico, líder sindical do ABC Paulista, candidato pela quarta vez. Era a
ascensão da esquerda ao poder.

Um dos principais campos que necessitava de transformações era o


econômico, e na busca de solucionar a crise foi nomeado Ministro da Fazenda
Antônio Palocci, cuja missão era:
• reverter a tendência inflacionária;
• baixar os juros praticados por seu antecessor; e
• restabelecer a confiança internacional para atrair novamente
investimentos em nosso território.

Crítico feroz da política neoliberal praticada por Fernando Henrique, até o


ano de 2002, quando era oposição, na prática as medidas adotadas por

180
Capítulo 10 – A Nova República no Brasil: de 1985 aos dias atuais

Lula não diferiam em muito daquelas do governo anterior. Centrado no


combate à inflação e na busca pela estabilidade econômica, o governo do
PT não praticou políticas de estímulo ao crescimento econômico, tão
necessário ao país. A postura assumida pela esquerda quando ascendeu ao
poder deixou claro o distanciamento do discurso inicial que a elegera.

Na tentativa de equilibrar os gastos públicos a equipe de Lula propôs reformas


estruturais em setores como previdência e tributário, sendo que alguns
desses projetos já foram executados e outros ainda estão em andamento.

Quanto à política interna, Lula deu início a seus projetos lançando o programa
Fome Zero, com o objetivo de proporcionar condições mínimas de
alimentação aos mais necessitados. Também foram unificados os demais
projetos herdados do governo anterior que receberam o nome de Bolsa
Família, programa que beneficia famílias de baixa renda.

As criticas às políticas sociais praticadas pelo governo Lula são muitas,


classificadas muitas vezes como assistencialistas, empregadas por um
governo neopopulista, que não beneficia os cidadãos efetivamente. Os
críticos julgam que na verdade os programas impossibilitariam os mais
necessitados da autossuficiência, passando a uma dependência de benefícios
do Governo Federal.

Na prática os resultados do governo, segundo o Instituto de Pesquisa


Econômica Aplicada - Ipea28, foram positivos. Foi identificada melhoria na
distribuição de renda, aumento significativo do salário mínimo. Há previsão
de altos investimentos em obras de infraestrutura básica como abastecimento
de água, de energia e, principalmente, em obras que envolvem o setor de
transporte brasileiro. As novas pretensões nestes setores por parte do Governo
Federal estão a cargo do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)29.

Outra bandeira levantada pelo candidato petista foi a do combate à


corrupção. Aliás, foi na corrupção que o governo Lula teve sua credibilidade
parcialmente comprometida. Os escândalos foram sucessivos:
• no ano de 2004 o escândalo dos bingos, envolvendo o nome do então
Ministro da Casa Civil, José Dirceu;
• no ano seguinte o do mensalão, no qual deputados receberiam dinheiro
para votar a favor dos projetos governistas.

28 A esse respeito, consultar: < http://www.ipea.gov.br/>.


29 A esse respeito, consultar: <http://www.brasil.gov.br/pac/>.

181
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Por mais que o Presidente tenha alegado desconhecer os casos de corrupção


em seu governo, é fato que sua imagem não saiu ilesa dos escândalos.

Porém, segundo a opinião pública da maioria da população brasileira, o


balanço do governo Lula foi positivo, tanto que, no pleito de 2006, o
Presidente foi reeleito no segundo turno que disputou com o candidato do
PSDB, Geraldo Alckmim.

A reeleição de Lula pode ser atribuída aos resultados positivos obtidos por
seu primeiro mandato: a inflação estava controlada, os juros bastante
reduzidos, o dólar em queda e o real em valorização; a dívida externa estava
sendo honrada - graças às reservas internacionais que, segundo Koshiba
(2007, p. 668), giravam momentaneamente em torno de 150 bilhões de
dólares.

Estes foram os fatores que favoreceram o país no cenário internacional,


reduzindo o risco do Brasil aos níveis mais baixos da História. Nesse cenário
de projeção e visibilidade internacional, o Presidente Lula investiu
massivamente nas relações junto ao continente sul-americano, onde
conseguiu liderar o bloco. Outro fator importante para a projeção brasileira
no exterior foi a criação do G-3, em que Brasil, África e Índia se uniram para
tentar fazer frente ao G-8, grupo composto pelos países mais ricos do
mundo.

A cobrança continuava voltada para a mesma questão: o crescimento


econômico. Em resposta às cobranças, o governo se justificou alegando
que a base para o crescimento estava criada e que este aconteceria de
forma sólida, gradual e constante.

7. O Papel do Brasil perante a Integração Sul- Americana


A integração sul-americana passou a ter foco central na política externa
brasileira na década de 1990, principalmente no governo Lula. Até então,
por mais que formalmente o Mercosul estivesse criado, sua eficiência oscilava
em decorrência de diversos fatores internos e externos.

Foi no ano de 1991 que ocorreu a assinatura do Tratado de Assunção por


Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, resultado de um longo processo de
aproximação dos países da América do Sul.

Aconteceram outros acordos e tratados, como a Associação Latino-Americana


de Livre Comércio (Alalc), de 1960, a Associação Latino-Americana de
Integração (Aladi), de 1980, a ata para a integração argentino-brasileira,

182
Capítulo 10 – A Nova República no Brasil: de 1985 aos dias atuais

denominada Declaração do Iguaçu, assinada pelo presidente Sarney e o


então presidente da Argentina, Raúl Alfonsín, isso no ano de 1986. Esta
última precedeu o Cone Sul, em que os dois países buscaram reorientar
suas economias para o novo cenário exterior, porém, ainda, com práticas
protecionistas de seus mercados.

Essas experiências anteriores na busca pela integração da região sul-americana


forneceram a base para construção do Mercado Comum do Sul (Mercosul),
nome adotado pelo Tratado de Assunção (assinado por Brasil, Argentina,
Paraguai e Uruguai). O Mercosul obteve seu reconhecimento jurídico e
internacional mediante a assinatura do Protocolo de Ouro Preto.

O Mercosul é uma aliança comercial, que visa possibilitar o desenvolvimento


econômico dos países signatários, estabelecendo uma zona de livre comércio,
sem tributação a importações ou exportações, que passaria a ser uma união
aduaneira com uma tarifa externa comum.

Para a concentração do foco de política externa no continente sul-americano,


mais propriamente no Mercosul, foi necessário ter ocorrido o fim da Guerra
Fria. Os países membros, assim como os demais da América do Sul, não
dispunham mais, na cena externa, de um mundo bipolar, para ordenar sua
política. Este momento foi crucial para o Brasil frente aos outros países da
região. A posição do Brasil, por sua diversidade de fronteiras e extensão
territorial, fez com que o país visualizasse a possibilidade de ganhar influência
e exercer liderança na região.

Por meio de blocos regionais era possível almejar alguma estabilidade e


poder de negociação juntos aos demais organismos internacionais e blocos
regionais. O bloco não mais buscava políticas de protecionismo ou de
cooperação industrial, agora os países buscavam abrir suas economias,
segundo Onuki (2006, p. 304), o chamado regionalismo aberto, em que os
países membros visualizavam atuar no comércio internacional e competir
globalmente, se afirmando como uma nova estrutura do sistema
internacional.

Outros presidentes de Brasil e Argentina que viam no Mercosul grande


futuro para suas políticas externas foram, respectivamente, Collor e Menem.
Porém a efetiva visibilidade brasileira e sua projeção enquanto liderança
regional surgiram com o presidente Fernando Henrique Cardoso e o Plano
Real, fatores que podem ser atribuídos à estabilidade econômica obtida.

183
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Os sinais de credibilidade que o bloco atingiu vieram com a busca de


integração de outros países sul-americanos, bem como pelos acordos firmados
com outros blocos econômicos, como a União Europeia em 1995. Já as
investidas norte-americanas de integração hemisférica, por intermédio da
ALCA, não foram bem vistas pelo Brasil e o país contou com o apoio da
Argentina. O foco de construção de parceiras e integração era o Cone Sul.

A quantidade de negociações expressivas e em constante crescimento


permitiram medir o sucesso do Mercosul referente às questões comerciais.
O projeto de integração teria atingido tal nível que questões cambiais de
um determinado país (como a crise enfrentada pelo Brasil em 1999)
interferiam diretamente nos demais, isto é, a relação de interdependência
estava formada, muito mais dos outros países em relação ao Brasil do que o
inverso.

8. Atuação Brasileira como Força de Paz


Signatário da Carta das Nações Unidas, o Brasil age em busca da paz em
regiões onde conflitos internos ou externos estejam ocorrendo. A participação
brasileira em missões de paz da ONU teve início no ano de 1957 e, desde
então, não cessou, por vezes atuando com o envio de tropas, observadores
ou diplomatas.

A necessidade de missões de paz se tornou latente no contexto pós-Guerra


Fria. Até então as questões internas, como embates religiosos, étnicos e
políticos eram suprimidos pela disputa travada entre EUA e URSS. A
necessidade de atuação de forças a serviço da ONU cresceu enormemente.
Até 1989 o Brasil tinha participado apenas de uma missão a serviço da
ONU, em Suez (a fim de garantir o cessar fogo entre árabes e israelenses).
Já no contexto da Nova Ordem Mundial as missões que contaram com a
participação brasileira foram quatro: Moçambique, Angola, Timor Leste e
Haiti (em execução).

8.1 Moçambique
O Brasil, duas décadas depois de sua primeira atuação, estava de volta às
operações de ajuda a países que momentaneamente encontravam-se em
situação de dificuldade de algum gênero. Neste novo contexto de atuação
da ONU, Moçambique, país da África Austral, foi o primeiro a contar com a
participação brasileira. Ex-colônia portuguesa, com um longo e doloroso
processo de independência (o país entrou em guerra civil após o processo
de independência).

184
Capítulo 10 – A Nova República no Brasil: de 1985 aos dias atuais

A Missão das Nações Unidas para Moçambique (ONUMOZ) foi a força


internacional que atuou na área. A operação durou cerca de dois anos e
culminou com a formação de um exército unificado e com a organização das
primeiras eleições gerais multipartidárias, em 1994. A FRELIMO foi o partido
mais votado, passando a ter maioria no parlamento e constituindo o governo.

O mandato da ONU previa:


• verificação do cessar-fogo;
• desmobilização e reintegração de combatentes dos movimentos
envolvidos;
• retirada de tropas estrangeiras do território moçambicano;
• apoio humanitário e a organização; e
• verificação do processo eleitoral.

Neste intuito o Brasil esteve presente por praticamente dois anos, de janeiro
de 1993 a dezembro de 1994, exercendo inclusive o comando do contingente
por um ano. O Contingente Brasileiro de Força de Paz em Moçambique
escolheu por competência a Brigada de Infantaria Paraquedista do Rio de
Janeiro para realizar a missão. Mesmo com o pouco tempo de preparação
da tropa, o Brasil cumpriu sua missão com êxito.

8.2 Angola
O caso de Angola não difere muito do moçambicano, país também africano,
só que situado na costa ocidental. Trata-se de uma antiga colônia de Portugal
que conquistou a independência em 1975, quando foi acirrada a disputa
entre os movimentos internos UNITA, FNLA e MPLA, pelo poder do país. O
caos estava instalado em Angola, com toda a colaboração do cenário
internacional da Guerra Fria.

A guerra civil angolana que vigorava desde 1975 só teve fim em 2002, com
a morte de Jonas Savimbi, líder da UNITA. A longa guerra foi devastadora
para o país e sua população e a recuperação se caracterizou como tarefa
árdua. Desde o início dos acordos de cessar fogo entre os movimentos, a
ONU se fez presente primeiramente no de 1998 para fiscalizar a retirada das
tropas cubanas do território angolano. A participação brasileira nessa primeira
missão contou com participação de observadores militares.

Já a segunda missão destinada a socorrer Angola, se deu com o objetivo de


treinar a polícia angolana e também fazer o monitoramento do processo
eleitoral acertado no acordo de paz. Desta vez, além dos observadores

185
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

militares e policiais, o Brasil enviou uma equipe médica e funcionários do


Tribunal Superior Eleitoral, para garantir o processo eleitoral que seria
realizado. Esta segunda missão durou até 1995.

Na terceira missão, a mais expressiva das três, o Brasil ampliou sua equipe
médica, enviou um batalhão de engenharia e um de infantaria para
reconstrução da infraestrutura. Manteve, ainda, os observadores já
disponibilizados nas missões anteriores. O Brasil chegou a ser o país que
mais contribuiu com material humano para a terceira missão de paz para
Angola. As tarefas da ONU e das tropas sob sua bandeira eram muitas e
complexas nesta terceira missão:
• fazer cumprir os acordos de cessar fogo firmados pelos movimentos
em conflito;
• consolidar a paz, alcançar a reconciliação nacional; além de
• reconstruir um país devastado.

Após o encerramento desta missão, outras se seguiram a fim de viabilizar a


manutenção da paz no território angolano. Todas contaram com a
participação brasileira em maior ou menor escala, seja com observadores ou
batalhões, mas sempre exercendo seu dever de signatário da Carta das
Nações Unidas.

8.3 Timor Leste


O caso do Timor Leste também ficou conhecido como Timor Português, em
função de sua colonização. Tornou-se independente em 1975, porém a
independência foi reconhecida pela ONU somente em 1999. A necessidade de
intervenção da ONU por meio de forças de paz deu-se em função do embate
entre os nacionalistas e a Indonésia que julgava o país como sua 27ª província.

O cenário pós-independência não foi diferente dos anteriores, pois conflitos


sangrentos massacraram a população. Somente em 1999 o acordo teve início,
firmado entre as partes envolvidas, Portugal e a ONU; o acordo previa um
referendo a fim de verificar a vontade popular quanto à independência e
neste intuito foi formada a primeira missão de paz para o Timor Leste.

A primeira missão tinha por preceito garantir a realização do referendo, que


obteve resultado favorável à independência, o que desencadeou forte onda
de violência no país, novamente. A violência que assombrava os timorenses
fez com que os indonésios assumissem sua incapacidade de resolução das
questões, e assim a ONU criou a força internacional para atuação no país.

186
Capítulo 10 – A Nova República no Brasil: de 1985 aos dias atuais

Das várias missões de paz para o Timor Leste todas contaram com a
participação brasileira, sendo que, na primeira missão, que objetivava
supervisionar o desarmamento dos grupos conflitantes e viabilizar o processo
eleitoral do país, o Brasil enviou oficiais do Exército, bem como policiais,
peritos e funcionários do TSE.

Já na segunda e na terceira missões o Brasil ampliou o número de homens,


enviando inclusive um pelotão de Polícia do Exército. A ampliação do
contingente fez-se necessária em função do aumento de atribuições do
Brasil, que se tornou responsável pela segurança de autoridades, de
instalações e de estradas.

Na quarta missão para o Timor, o Brasil foi um dos responsáveis pelo


treinamento de homens para formação de novos policiais para segurança
do país, além da parte final da assistência prestada ao Timor: a manutenção
da paz na região, sem possibilitar o surgimento de novas hostilidades dos
envolvidos nos conflitos ali travados.

8.4 Haiti
No caso haitiano, estamos tratando de uma missão em desenvolvimento. O
Haiti vive mais de duas décadas de conflitos intensos, decorrentes do processo
de independência, de invasões, de conflitos políticos nos mais diversos
níveis e de uma longa ditadura. Estes foram os fatores que tornaram
imprescindível a formação de diversas missões de paz.

A primeira missão de paz data de 1993, porém a participação brasileira teve


início em 2004 (o Brasil ficou de fora das quatro primeiras missões), quando
foi montada uma Brigada Brasileira de Força de Paz, que contou com mil e
duzentos homens. Segundo Bastos (2007), essa missão diferia das demais,
seria uma missão de imposição da paz por meio de forças militares, ou seja,
aquela exercida quando um dos grupos envolvidos não concorda com a
interferência na região. Nas demais missões aqui abordadas, verificamos
que realmente a imposição da paz não havia sido exercida, e sim o
monitoramento dos mais diversos aspectos, a manutenção da paz, a garantia
de execução de acordos firmados entre as partes envolvidas, mas não de
imposição da paz.

Hoje podemos dizer que a situação do país está praticamente controlada,


porém a fragilidade do Haiti faz permanecerem em seu território as forças
estrangeiras, integradas principalmente por militares brasileiros. Agora, sim,
a ONU emprega uma missão de manutenção da paz.

187
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Quanto ao combate à criminalidade, ao tráfico e aos conflitos diretos,


podemos dizer que as missões empregadas estão obtendo sucesso. O desafio
hoje e anteriormente também está focado no povo haitiano: sua pobreza,
falta de assistência de saúde, educação e desemprego.

9. Relações Internacionais: os novos desafios


9.1 Relação Brasil–EUA
A relação Brasil – EUA data de há muito, e é de extrema importância para o
nosso país, visto que é norte-americano o principal mercado comprador de
produtos e serviços brasileiros no exterior, produtos que vão de manufaturas
a itens de alta tecnologia.

Embora o mercado norte-americano seja o maior do mundo, com importações


expressivas, a participação brasileira é muito pequena quando comparada
com o volume de mercadorias movimentadas por outras nações naquele país.

Pensando somente neste sentido - relações comerciais - teria sido interessante


a adesão brasileira à Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), deixada
de lado em função de divergências entre Brasil-EUA, quanto a políticas
protecionistas dos dois países. Sem recuo de nenhuma das partes o projeto
foi adiado.

O Brasil passou a ser visto como uma nação com poder de negociação e
peso regional, um elemento de equilíbrio na América do Sul e, neste sentido,
as relações estabelecidas, não só no continente sul-americano, fizeram o
Brasil conquistar junto aos EUA o papel de interlocutor preferencial no
Terceiro Mundo.

As modificações e a estabilidade monetária conquistada pelo Brasil, bem


como as próprias transformações do novo mundo globalizado, tornaram o
país um parceiro interessante na também nova política externa norte-
americana. A própria desaceleração da economia americana, devido em
grande parte às guerras do governo Bush, fez a política americana se
transformar ou fazer novos arranjos, dando mais importância aos aspectos
regionais, buscando um multilateralismo.

Foi neste momento que o Brasil atingiu perante os olhos americanos o


status de parceiro estratégico, uma liderança natural na América do Sul,
deixando clara a autonomia atingida pelo Brasil no cenário internacional,
evidenciada na participação brasileira no G-8, como convidado, bem como,
num contexto mais amplo, no comando da missão de paz no Haiti.

188
Capítulo 10 – A Nova República no Brasil: de 1985 aos dias atuais

Neste novo cenário de um mundo multipolar o Brasil busca desenvolver


uma política externa pragmática, de resultados reais para o país, de ascensão
no cenário internacional no amplo sentido da palavra. Neste sentido as
relações Brasil–EUA, que passaram por fases de alinhamento e autonomia,
hoje buscam um diálogo necessário a ambos os países.

Cabe salientar que as divergências políticas e ideológicas dos governantes


de ambos os países obviamente persistem, porém dão espaço a questões
de interesse comum. Ainda assim identificamos avanços, e os EUA já
sinalizam alguma disposição para assuntos de interesse brasileiro como a
intenção de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU
e de fazer parte do próprio G-8.

9.2 Relação Brasil-Ásia


Até a década de 90 a relação Brasil-Ásia era restrita ao diálogo apenas com
o Japão. Na nova política praticada pelo Estado brasileiro, a pragmática, as
relações foram ampliadas buscando uma aproximação inter-regional de
blocos, o Mercosul-Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático).

O Brasil visualiza na Ásia um vasto mercado consumidor, assim como se


identifica atrelado ao continente asiático devido a sua modernização
tecnológica, fator que compõe o espaço especial ocupado pela região na
atual política externa brasileira. No entanto, no que diz respeito ao interesse
asiático no Brasil, ele está diretamente relacionado ao fornecimento de
insumos básicos e manufaturas, dos quais não dispõe.

Visualizamos aqui a ampliação das relações Brasil-Ásia para países como


Coreia do Sul, China e países do Sudeste Asiático, diretamente ligados ao
interesse econômico, com exportações e importações de ambos os lados,
enquanto, anteriormente, a ligação do Brasil com a região estava restrita ao
campo sociocultural. Os laços mais fortes estabelecidos eram advindos da
imigração de japoneses e chineses vindos para o Brasil no fim do século XIX
e início do XX.

Seus objetivos oficiais podem ser definidos em termos de gerar


condições favoráveis para ampliação e aprofundamento das
relações inter-regionais em cooperação econômica e social e a
troca de visões sobre desenvolvimento, estratégias de mercado,
educação, formação de capital humano, criação de emprego e
desenvolvimento social. (OLIVEIRA; LESSA, 2002, p. 10 ).

189
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Neste novo cenário as relações não se restringem ao campo econômico, e a


China, que tem assento permanente no Conselho de Segurança, apoia o
Brasil em sua busca por um. Por sua vez o Brasil apoia a entrada chinesa na
Organização Mundial do Comércio (OMC). Logo é de fácil identificação que
a parceria Brasil-China está arraigada no campo estratégico, e uma das mais
importantes nesse campo é a parceria que visa desenvolver satélites de
sensoreamento remoto, a fim de conquistar a independência de ambos os
países no tange a esse tipo de tecnologia.

Já as relações brasileiras com a Coreia do Sul e com o Sudeste Asiático


tiveram seu início nos anos 90, a fim de buscar uma reestruturação mundial
no cenário do pós-Guerra Fria. A inicialmente tímida parceria é firmada nos
campos comercial com Coreia do Sul e no campo político, com o Sudeste
Asiático (relação: Mercosul-Asean).

Cabe observar que o continente asiático, assim como o norte-americano, a


União Europeia e o Mercosul, busca uma integração regional a fim de se
projetar e enfrentar os novos desafios .

Esse novo preceito asiático faz a Asean se aproximar ainda mais do Brasil e
do Mercosul. É o resultado da nova realidade econômica mundial: o Japão
não representa mais única e exclusivamente a Ásia frente aos demais
territórios do mundo.

O Japão continua mantendo um locus importante no


relacionamento econômico-comercial, enquanto no político
destaca-se o relacionamento com a China. A Coreia do Sul e o
Sudeste Asiático, pelos respectivos processos de desenvolvimento
econômico acelerado, passaram igualmente a ser visualizados
como possíveis parceiros políticos e econômicos. (OLIVEIRA;
LESSA, 2002, p. 8).

Nota-se que essa iniciativa asiática corresponde às demandas da América do


Sul, mais propriamente do Mercosul, de ampliação dos contatos políticos e
econômicos com a Ásia. Tanto o Brasil quanto o continente asiático,
representado pela Asean + 3 (em que foram incluídos Japão, China e Coreia
do Sul), buscam garantir o acesso aos mercados externos, em relação ao comércio
e às alianças políticas, tanto nos planos bilaterais quanto nos multilaterais,
demonstrando assim a vontade política dos continentes de estreitamento de
relações em função da necessidade de estabelecimento de parcerias.

190
Capítulo 10 – A Nova República no Brasil: de 1985 aos dias atuais

“Como proposta básica, trata-se de uma iniciativa com vistas a


institucionalizar uma aproximação política de alto nível e implementar
programas e planos que ampliem os laços econômicos, políticos e culturais
entre as duas regiões.” (OLIVEIRA; LESSA, 2002, p. 9).

9.3 Relações Brasil-Europa


O quadro das relações internacionais brasileiras com a Europa deu-se em
dois âmbitos: o bilateral e o inter-regional. No que tange ao bilateralismo o
principal parceiro brasileiro é a Alemanha, principalmente nos campos
econômico e científico, além do principal alento que une os dois países: o
desejo e a campanha de ambos para ascender a um assento permanente no
Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ainda no campo das relações
bilaterais, Portugal dispõe de uma relação sociocultural mais estreita com o
Brasil e se vê fortificada pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
(CPLP), que resulta em fator importante na agenda dos dois países.

A real novidade das relações bilaterais com a Europa ficou por conta das
relações com a Espanha, sendo de extrema importância para o Brasil o
capital espanhol que nos é dispensado, destinado aos campos político e de
investimento. Outra relação que floresce é com a Rússia, já que os dois
países têm interesse no reordenamento do sistema internacional, sendo
candidatos natos a ocupar um lugar de destaque na nova ordem mundial.
Essa relação representa bem a nova política externa brasileira que teve
início na última década do século passado.

A Rússia, na busca por aproximação com potências médias depois de sua


mudança de regime político, não só se aproximou das relações com o Brasil,
mas também com outros países da Europa Centro-Oriental.

Das relações bilaterais cada vez mais são transferidas competências para as
inter-regionais, com os blocos ganhando eficiência e maior projeção nas
negociações externas. O estreitamento dessa relação e a liderança que vem
sendo exercida pelo Brasil no bloco regional do Mercosul proporcionam a
nosso país fortalecimento como ator internacional, mediador de relações
com o continente sul-americano, promotor de debates diplomáticos acerca
de políticas comuns com a Europa, como a democracia e os direitos humanos,
fatores a respeito dos quais tanto o Brasil quanto a UE não têm divergido.
Já o mesmo não se pode dizer quanto à OMC e ao protecionismo exercido
pela Europa nos seus mercados. A relação brasileira com a UE é pauta nas
dimensões política e econômica.

191
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

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Geral e História do Brasil. 13. ed. São Paulo: Ática, 2007.
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192
CAPÍTULO 11

A Nova Ordem Mundial e o


Século XXI

1. O Mundo Pós-Guerra Fria


1.1 Rússia
Os choques de ideologia que dominavam o mundo por quase meio século
chegariam ao fim em 1991. Por volta de 1985, as políticas que foram
implantadas pelo novo premiê soviético, Mikhail Gorbachev, a glasnost e a
perestroika, visavam a abertura e liberalização da URSS, com transparência
e liberdade de expressão e imprensa.

As reformas que tinham o intuito de dinamizar a URSS acabaram por criar o


caminho para o fim do país, quando o relaxamento do sistema soviético fez
com que um clamor nacionalista surgisse em diversas repúblicas soviéticas,
abalando e fazendo ruir o sistema.

Tais mudanças vieram acompanhadas de transformações também no Leste


Europeu, ocorridas em 1989 e 1990. Com o relaxamento das relações com
a URSS, diversos países foram varridos por uma onda liberalizante que fez
com que os partidos comunistas perdessem o controle dos países da região,
sendo substituídos por políticos pró-democracia.

1.2 Alemanha
A Alemanha, que havia sido dividida no pós-Segunda Guerra Mundial, viu
correr uma intensa onda de protestos por liberdades individuais e democracia,
seguindo a abertura das fronteiras da Hungria, por onde milhares de alemães
orientais fugiram para a Alemanha Ocidental. A crise política forçou a
realização de mudanças, como eleições livres, mas não impediu a queda do
governo da Alemanha Oriental, que logo entrou em conversações com a

193
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Alemanha Ocidental para a reunificação. O principal símbolo da divisão, o


Muro de Berlim, começou a ser derrubado pelos próprios alemães, que não
aguentavam mais viver separados por aquela barreira. Por volta de 1989, os
primeiros pedaços do Muro foram retirados e, logo, grande parte da muralha
foi derrubada ao longo do ano de 1990, enquanto avançava o processo de
reunificação. Ainda hoje existem fragmentos do muro por Berlim,
transformados em pequenos memoriais dos anos de divisão da Alemanha.

Em outubro de 1990, com o consentimento de EUA e URSS, que renunciaram


a seus direitos de ocupação, bem como França e Grã-Bretanha, ocorreu a
reunificação da Alemanha, com a absorção da parte oriental pela ocidental,
formando a República Federal da Alemanha.

1.3 OTAN e OEA


No contexto da mudança da ordem mundial, muitos países e instituições
acabaram por sofrer mudanças ou precisaram rever seu papel na nova ordem
que surgia. Duas dessas organizações, a OTAN e a OEA, haviam
desempenhado papéis importantes na Guerra Fria, e estavam ligadas à
política desenvolvida pelos Estados Unidos durante o período. Com o fim
da ordem, uma mudança se seguiu nas políticas das duas instituições.

A OTAN, Organização do Tratado do Atlântico Norte, se viu diante de um


grande questionamento sobre o que fazer com a aliança, após o fim do
Pacto de Varsóvia, que era seu principal rival. Diversas ações mudaram a
natureza da aliança, que passou a desempenhar um papel mais político,
como as intervenções na Bósnia e em outras repúblicas surgidas da dissolução
da Iugoslávia, em especial, no Kosovo, cujo status é uma questão controversa
até os dias atuais.

Além disso, a aliança iniciou uma expansão, absorvendo diversas nações do


Leste Europeu e mesmo ex-repúblicas soviéticas. Tal política gerou um sério
problema com a Rússia, que questionava a ação da OTAN como uma ameaça
a sua segurança. Entendimentos entre a organização e os russos criaram
uma comissão conjunta, o que ajudou a reduzir as tensões.

Um novo papel surgiu para a aliança após os ataques terroristas de 11 de


setembro de 2001. Pela primeira vez na história da aliança foi invocada a
cláusula: o ataque a um membro da organização conta como um ataque a
todos. A OTAN apoiou os ataques americanos contra o Talibã no Afeganistão,
e enviou forças para o país, em conjunto com as forças americanas,
compondo a Força de Segurança e Assistência Internacional (International

194
Capítulo 11 – A Nova Ordem Mundial e o Século XXI

Security Assistance Force - ISAF), que possui militares de quase todas as


nações que compõem a aliança.

Outra organização que viu uma mudança em seu papel foi a Organização
dos Estados Americanos, a OEA. Durante a Guerra Fria, suas ações foram,
em muitos casos, mero respaldo da política dos EUA para a América Latina.
No pós-Guerra Fria, a organização passou a ser um fórum de debates dos
países latino-americanos, definindo políticas e formas de integração entre
as nações do continente.

A Organização tem como metas: a promoção da paz e da democracia no


continente, a defesa dos direitos humanos e o desenvolvimento sustentável.
Mais recentemente, a OEA também tem feito gestões no sentido de combate
ao tráfico de drogas e da integração das nações nesse sentido. Além disso,
a exclusão de Cuba foi removida, fazendo com que, para esta nação retornar
ao concerto do sistema interamericano, bastaria aderir aos conceitos da
OEA, como a cláusula dos direitos humanos e a democracia. O governo
cubano não demonstrou interesse em retornar à OEA. Porém, apesar de tais
iniciativas, ainda ocorrem grandes questionamentos sobre o papel da
organização, como na crise hondurenha de 2009.

2. Grandes Blocos Regionais


O fim da Guerra Fria deu força à presença de diversos blocos regionais que
já se constituíam mesmo quando esta estava em curso, como no caso da
União Europeia (UE), cujas origens remontam a tratados comerciais firmados
entre as nações europeias em 1957.

No atual momento, início de 2010, a União Europeia engloba quase todas


as nações da Europa, operando um governo de 27 nações que possuem
uma política comum sobre defesa, direitos humanos, economia, liberdades
civis e sistema político. A União tem uma moeda única, não adotada por
todas as nações do bloco, que é o euro. A UE é o bloco que está mais
próximo de um governo federado de diversas nações, com instituições que
quase formam um “Estado Europeu”, composto por suas nações, capaz de
agir onde Estados-Nações da Europa não poderiam ou estariam limitadas.

Todos os países enviam representantes ao Parlamento Europeu, sediado em


Bruxelas, onde também está a sede da Comissão Europeia, o ramo executivo
do bloco. Além disso, um sistema de leis rege as relações dos cidadãos dos
países, que podem viajar sem passaporte entre os estados que compõem a
UE.

195
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

No plano das relações internacionais, a UE vem assumindo posições de


protagonismo, com uma política externa bem definida e a implantação da
Política Comum de Segurança e Defesa, que prevê a intervenção da UE em
crises humanitárias e operações de paz. Nessa política, a UE formou “grupos
de batalha” (battlegroups), com o efetivo mínimo de 1500 homens, composto
por soldados de diversas nações, totalizando 15 battlegroups, com dois
grupos em prontidão para mobilização imediata anualmente.

Diferente da União Europeia, a Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Asia-


Pacific Economic Cooperation - APEC) é um bloco focado nas questões
econômicas das nações banhadas pelo Oceano Pacífico, visando a
liberalização do comércio, o fortalecimento da cooperação entre as nações
do bloco, bem como a promoção de crescimento econômico e prosperidade
compartilhados entre as nações do bloco.

Além dessas metas, a APEC também promove a cooperação técnica entre


as nações. Apesar de se tratar de uma região onde diversas nações possuem
grandes problemas históricos entre si, a APEC é relativamente bem-sucedida
na gestão das questões econômicas e na promoção de soluções de
contenciosos. Os próximos passos da APEC estão sendo direcionados na
criação de uma zona de livre comércio no interior da APEC, a princípio
integrada por alguns países a título de experiência e, em caso de sucesso,
expandida para todo o bloco. As negociações para a criação dessa zona
estão ganhando força com a falta de progresso na Rodada Doha da
Organização Mundial do Comércio.

Um outro bloco econômico importante na atualidade é o Acordo Norte-


Americano de Livre Comércio (North American Free Trade Agreement -
NAFTA) que regula as relações comerciais entre Estados Unidos, Canadá e
México. O tratado prevê a eliminação das tarifas no comércio entre os
países, criando uma grande zona de livre comércio.

O NAFTA tornou-se objeto de críticas nos três países que o compõem, por
ter criado diversos efeitos em suas economias. Acabou com grande parte
da capacidade da produção agrícola mexicana, incapaz de competir com o
agronegócio dos EUA, bem como produziu uma grande saída das indústrias
dos EUA para o México, onde os custos de produção são bem menores. No
Canadá, muitos eram contra um tratado de livre comércio com os EUA,
crendo que a economia americana destruiria a independência da economia
canadense. Apesar de tais críticas, o tratado continua em vigor, e com
fortes sinais de integração entre as economias dos três países membros.

196
Capítulo 11 – A Nova Ordem Mundial e o Século XXI

Na esteira de tais blocos políticos e econômicos, surgiu na América do Sul


o Mercosul (Mercado Comum do Sul), entre Brasil, Argentina, Uruguai e
Paraguai, visando reduzir e por fim acabar com as barreiras comerciais entre
estes países. O Mercosul pretende ser mais que apenas um bloco econômico.

Inspirado no modelo europeu, os países do Mercosul estão compondo um


parlamento do Mercosul, que terá representantes de todos os membros, na
busca de uma maior integração para os países membros e futuramente para
a América Latina. Entendimentos entre Brasil e Argentina visam a criação
de uma moeda única para o bloco, o “Gaúcho”.

Mas os principais obstáculos ao Mercosul encontram-se dentro do próprio


bloco. Existem diversos desentendimentos entre os países membros,
principalmente sobre as questões tarifárias.

Em 2004, o bloco assinou protocolos de cooperação com a Comunidade


Andina, dando status de membros associados ao bloco a Bolívia, Chile,
Colômbia, Equador e Peru. O México, atualmente, ocupa um status de
observador no bloco.

3. Hegemonia dos Estados Unidos


O fim da Guerra Fria deixou o mundo com apenas uma superpotência, os
EUA, que possuem uma liderança inquestionável nos campos militar, político
e econômico. A década de 1990 viu os EUA buscarem a afirmação da sua
hegemonia, bem como buscar evitar a ascensão de uma nova superpotência.

Um dos marcos para a hegemonia americana se deu com a Guerra do Golfo,


em 1991, em que a liderança americana e seu poderio esmagador destruíram
as pretensões do Iraque de anexar o Kuwait. Após a guerra, a eleição de Bill
Clinton deu início a um período de prosperidade impressionante na economia
americana.

A onda de expansão econômica seguiu até o fim do mandato de Clinton,


além de os EUA buscaram um maior diálogo diplomático com nações
consideradas hostis por eles, como Coreia do Norte e Irã. A busca por esse
diálogo também fez com os americanos mediassem um acordo de paz na
Irlanda do Norte e se lançassem em diversas missões humanitárias, como na
Somália, Haiti e, a principal, na Bósnia-Herzegovina, onde forças americanas
e da OTAN garantiram segurança à missão da ONU para o fim da guerra
entre bósnios e sérvios.

197
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

A presença das forças da ONU não foi suficiente para deter os sérvios, e
mais uma vez os americanos intervieram, dessa vez em Kosovo, em uma
campanha de bombardeio aéreo que demoveu os sérvios de suas intenções
e abriu espaço para que tropas da OTAN ocupassem a região e impedissem
que os sérvios massacrassem os kosovares. Tais intervenções acabaram
forjando a “Doutrina Clinton”, por meio da qual os EUA interviriam onde
houvesse violações aos direitos humanos e à democracia.

Antes do fim do mandato de Clinton, os EUA bombardearam o Iraque


diversas vezes e tiveram duas embaixadas destruídas na África por atentados.
Mais tarde, ficou provado que haviam sido ordenados por Osama Bin Laden,
da rede terrorista al-Qaeda.

Em janeiro de 2001, George W. Bush assumiu a presidência dos EUA, e


logo se viu diante do maior ataque terrorista contra o país, em 11 de
setembro. Bush declarou uma “Guerra contra o Terrorismo” e invadiu o
Afeganistão em 7 de outubro, mudando completamente a política externa
americana, levando-a a um patamar considerado como uma política “imperial”
por muitos países, pela falta de diálogo por parte dos EUA e pela vontade
de se impor ao mundo.

Em 2003, os EUA invadiram o Iraque, sem aprovação da ONU e da OTAN,


uma decisão que se mostrou controversa e acabou por isolar o país no
cenário internacional. Ao fim de seu mandato, Bush foi pesadamente criticado
por não agir de forma apropriada em relação à crise financeira que estourou
nos EUA. Na eleição que se seguiu, o candidato do Partido Democrata,
Barack Obama, venceu, buscando iniciar uma nova relação dos EUA com o
mundo.

Em suas primeiras gestões, Obama tem convidado o Brasil a ser um parceiro


regional nas Américas, bem como propõe um novo diálogo com a América
Latina. No mundo, Obama busca reafirmar a liderança americana por meio
do diálogo com outras nações, usando medidas de visibilidade, como uma
escala e uma data-limite para a saída das tropas americanas do Iraque e
reforços para as operações no Afeganistão.

4. Crimes Organizados Transnacionais


Nos dias atuais o crime organizado tornou-se uma das maiores ameaças ao
equilíbrio internacional. Com grande poder financeiro e uma capacidade de
enfrentar as forças da lei, os diferentes ramos do crime organizado se aliam
ou se interligam, para escapar dos sistemas legais dos Estados.

198
Capítulo 11 – A Nova Ordem Mundial e o Século XXI

4.1 Tráfico de Armas


Uma das vertentes mais importantes do crime organizado - e bastante
lucrativa - é o tráfico de armas. Dados indicam que o tamanho estimado da
movimentação dessa atividade estaria na casa dos bilhões de dólares. Tal
atividade ilícita movimenta também milhões de armas, obtidas de diversas
formas ilegais, como compras no mercado negro, roubos a fábricas, armazéns,
quartéis militares e unidades policiais, bem como ataques a comboios
militares e navios transportando armas.

O flagelo do tráfico de armas assola todas as regiões e, na América Latina,


sua força é sentida especialmente por dar capacidade a criminosos de
portarem armas de grande poder de fogo, como fuzis e armas anticarro,
bem como metralhadoras antiaéreas, desafiando as polícias da região em
enfrentamentos que se assemelham a uma guerra.

Tais enfrentamentos se dão muitas vezes nas periferias das grandes cidades
da região, e, em muito, pela polêmica questão do tráfico de drogas, outra
poderosa fonte de renda para o crime organizado.

4.2 Tráfico de Drogas


Para garantir o acesso a usuários, traficantes estabeleceram verdadeiros
grupos criminosos com capacidade de enfrentar ou corromper as forças
governamentais, controlar áreas e possuir os meios para suprir a demanda
dos usuários.

Uma atividade bilionária, o tráfico de drogas é a atividade criminosa de


larga escala que está mais próxima da percepção do cidadão comum, na
medida em que muitas vezes sofre com as consequências dos enfrentamentos
entre polícia e traficantes de drogas, sendo um clássico exemplo, no Brasil,
o problema do tráfico nas favelas do Rio de Janeiro. A fim de fazer frente
às forças de segurança, os criminosos revidam as ações policiais com
violência, resultando em tiroteios, que têm tirado a vida de cidadãos
inocentes, roubos de carros, fechamentos de vias e estabelecimentos
comerciais, homicídios, enfim, toda uma gama de crimes buscando atrair a
atenção da imprensa e a comoção popular.

Recentemente, alguns especialistas, ligados a ideologias de esquerda, têm


advogado a descriminalização parcial ou total das drogas como forma de
vencer a guerra contra as drogas. Alegam que isso ajudaria a reduzir a
corrupção na polícia e em setores do governo e ajudaria a desarmar as
facções criminosas que assolam as grandes cidades do Brasil. Mas diversos

199
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

estudos e iniciativas de governos têm demonstrado que a descriminalização


é uma solução inviável, pois não irá gerar o desarmamento nem o fim das
facções, mas pelo contrário, pode acabar por fortalecê-las.

O tráfico de drogas também se serve de uma outra variedade importante do


crime organizado: o tráfico de seres humanos.

4.3 Tráfico de Seres Humanos


Este tipo de tráfico constitui uma arma poderosa do crime organizado para
expandir suas atividades e tem crescido sensivelmente, à medida que grupos
de criminosos e de terroristas têm assumido o controle de redes de migração
em diversas áreas do mundo. A situação mais dramática é na Ásia, onde
milhões de pessoas são traficadas para diversas partes do mundo, em especial
os EUA, Europa e Oriente Médio, para trabalho escravo de diversas naturezas,
inclusive exploração sexual.

Apesar dos esforços das forças de segurança internacionais, a repressão é


bastante complicada, especialmente por causa dos métodos empregados
pelos traficantes para transportar grupos, como em carrocerias fechadas,
em meio a mercadorias, ou utilizando pessoas como “mulas”, ou seja,
carregam quantidades de drogas em seu próprio corpo, resultando em mortes
causadas pela liberação da excessiva quantidade de drogas no organismo.

As três principais atividades criminosas têm movimentado bilhões de dólares


ao redor do mundo, com poder para corromper governos, ameaçar e produzir
insegurança até regional, com base em seu poder de fogo e força financeira,
ameaçando nações.

5. Terrorismo Internacional
Após os grandes ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, contra os
EUA, realizados pela rede terrorista al-Qaeda, liderada por Osama Bin Laden,
o fenômeno do terrorismo encontrou grande interesse no mundo ocidental,
que buscava entender as razões do ataque e como poderia ter se processado.

As raízes do terrorismo podem remontar até o século XIX, quando grupos


ligados a minorias étnicas se armaram a fim de enfrentar as potências
imperiais europeias, sendo desbaratados pelo tempo ou pela força das armas.
Porém, o terrorismo ganhou força a partir do século XX em diversas regiões
do mundo, em especial na Europa e na Ásia.

200
Capítulo 11 – A Nova Ordem Mundial e o Século XXI

Diversos grupos foram fundados no seio das lutas pela independência das
colônias europeias e passaram a lutar contra as potências. Muitos foram
bem-sucedidos em sua luta por autodeterminação e abandonaram a causa
das armas logo após a independência. Porém, vários desses movimentos
foram chamados de terroristas, principalmente por uma coisa que ocorre
até os dias atuais. Não existe um conceito único de terrorismo e nem um
consenso internacional quanto a tipificar o termo, pois muitos países utilizam
a terminologia para designar opositores políticos e minorias inimigas.

No meio de tal debate, em 2004, o Conselho de Segurança das Nações


Unidas (CS/ONU) lançou o entendimento de que terrorismo seria “um ou
mais atos com a intenção de matar ou ferir gravemente civis e não-
combatentes com o propósito de intimidar uma população e compelir um
governo ou uma organização internacional a realizar ou não um ato.” O
entendimento, apesar de tudo, não forjou um consenso, com a definição
de terrorismo cabendo ainda a cada país em particular.

Dentre as diversas manifestações do terrorismo, a que obteve maior


proeminência e demonstra maior poder tem sido o terrorismo islâmico, que
tem realizado ataques em diversas cidades do mundo, causando muitas
mortes de civis. Suas raízes remontam às associações do fundamentalismo
islâmico e à criação de grupos militantes que buscavam lutar, em um primeiro
momento, por um fervor nacionalista. Tal causa logo foi sendo substituída
pelas causas religiosas, em leituras do islamismo que justificassem o uso da
violência inclusive contra muçulmanos.

Tais interpretações são condenadas pelas elites religiosas islâmicas, relegando


o fundamentalismo a um extremo do Islã, que acaba por gerar grupos
terroristas dedicados a violar o próprio Corão, que ensina que um muçulmano
não pode matar outro. Essa deturpação tem sido estimulada por alguns
milionários e clérigos renegados, que lideram grupos terroristas,
aproveitando-se da situação de extrema pobreza em todo o Oriente Médio
para arregimentar militantes para seus grupos.

Utilizando-se de ataques suicidas, bombas, sequestros de pessoas, de aviões


e de outros meios de transporte, além de assassinatos em massa, o terrorismo
islâmico tem empreendido uma campanha de terror tanto contra as nações
ocidentais, e também contra as nações islâmicas que eles consideram
apóstatas, pois os grupos terroristas alegam lutar pela pureza do Islã e a
volta ao Islã como era no tempo do profeta Maomé, seu fundador. Dentre
os diversos grupos islâmicos, podem-se destacar:

201
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

• o Hezbollah e o Hamas, que lutam no conflito árabe-israelense;


• a rede terrorista al-Qaeda, liderada por Osama Bin Laden, que realizou
diversos ataques ao redor do mundo; e
• o Talibã, movimento extremista que controlou o Afeganistão entre
1996 e 2001.

A força dos ataques do terrorismo islâmico forçou as nações ocidentais,


quando da invasão do Afeganistão pela OTAN em 2001, a adotarem um
novo tipo de guerra, pois o Talibã se utiliza de métodos de guerrilha para
combater as forças da aliança. Esse novo tipo de travar uma guerra assimétrica
tem sido caracterizado pelo grande uso de forças de operações especiais
combinadas a agências de inteligência, numa junção de recursos com a
finalidade de capturar ou neutralizar líderes terroristas.

Após os ataques de 11 de setembro de 2001, nos EUA; 11 de março de


2004, em Madri, Espanha; e 7 de julho de 2005, em Londres, a “Guerra
Contra o Terrorismo”, lançada e liderada pelos EUA, demonstrou a
necessidade de melhorar os mecanismos de segurança em aeroportos e
portos, bem como um maior fluxo de pessoal e recursos para os serviços de
inteligência, para combater a ameaça.

Porém, esse novo tipo de guerra tem cobrado seu preço em vidas civis.
Quando da busca pelos responsáveis pelos atentados de Madri, a polícia
espanhola estava próxima de capturar os terroristas quando estes se
explodiram, destruindo metade do prédio residencial onde estavam
escondidos, matando diversos civis. Na Inglaterra, o trágico caso do brasileiro
Jean Charles de Menezes, morto por um comando especial da polícia inglesa
quando embarcava no metrô, confundido com um dos terroristas dos ataques
de 7 de julho de 2005, causou grande consternação e julgamento dos
policiais envolvidos, que foram inocentados.

As operações antiterror têm cobrado seu preço e os terroristas, cientes


disso, buscam sempre se abrigar em áreas densamente povoadas, para
imobilizar as ações que as forças de segurança podem empreender.

6. América do Sul
Nos anos 2000, a América Latina viu uma ressurgência da esquerda na
região, com vitórias de políticos de esquerda nas eleições de diversos países.
Tais governos têm buscado alterar o jogo de forças na região, buscando
maior proeminência na política regional, inclusive estabelecendo uma aliança.

202
Capítulo 11 – A Nova Ordem Mundial e o Século XXI

Porém, um movimento que se diz de esquerda, contando com a simpatia de


diversas organizações de esquerda do continente e, no entanto, é condenado
como terrorista por diversas nações, são as FARC (Fuerzas Armadas
Revolucionarias de Colombia). Trata-se de um grupo que nasceu nos anos
1960, como ala militar do Partido Comunista da Colômbia, com inspiração
marxista, visando transformar o país em um estado comunista.

Nas décadas de 1960 e 1970, as FARC lutaram contra o governo central;


em 1982, adicionaram o sufixo EP à sigla do grupo, que significa “Ejército
del Pueblo”, ou “Exército do Povo”, em uma mudança de paradigma, em
que as FARC-EP acreditavam que seriam capazes de sair da guerrilha para a
guerra convencional e a tomada do Estado rapidamente.

A partir do fim de década de 1980, as FARC passaram a se envolver com o


tráfico de drogas, primeiro cobrando proteção aos produtores de drogas, e
depois se envolvendo na própria produção de drogas. A esse ponto, muitos
dos grupos surgidos com as FARC foram dissolvidos pelo governo
colombiano, por meio de negociações ou ataques militares.

A década de 1990 viu um intenso processo de negociação entre as FARC e


o governo, que acabaram falhando quando as FARC se aproveitaram da
zona desmilitarizada para promover diversos crimes e ataques terroristas.
Em 2002, assumiu o Presidente Álvaro Uribe, que lançou uma dura campanha
militar contra a guerrilha, ajudado pelo Plano Colômbia, no qual os EUA
investiram mais de US$ 1 bilhão para treinar e equipar as forças colombianas.
As ofensivas de Uribe enfraqueceram em muito o movimento, que recuou
para as selvas e passou a realizar apenas ações pontuais, diferentes das
grandes ofensivas do passado.

Com o resgate dos reféns mais importantes das FARC, em julho de 2008,
incluindo a ex-candidata à Presidência, senadora Ingrid Betancourt, e a
morte dos seus principais líderes, as FARC parecem experimentar um grande
período de refluxo, embora o apoio de diversos grupos e nações estrangeiras
tenha garantido seu acesso a armas e equipamentos. A prisão de membros
do Exército Republicano Irlandês (IRA) em Bogotá em 2001 e a declaração
do grupo de se considerar um movimento “bolivariano” levanta suspeitas
quanto à atuação de algumas nações, em especial a Venezuela, pois material
venezuelano bem como armas de tal origem tem sido encontrados
sistematicamente em diversos refúgios da guerrilha.

O Bolivarismo, movimento lançado pelo presidente venezuelano Hugo


Chávez, busca um elo entre as ideias pan-americanas de Simon Bolívar, o

203
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

grande libertador da América Espanhola, e o marxismo latino-americano.


Tais interpretações têm suscitado grande polêmica, especialmente quanto
à política interna empreendida por Chávez, que tem sido acusado pela
oposição e pelas nações sul-americanas de estar acabando com a democracia
na Venezuela e implantar uma ditadura comunista ao estilo de Cuba. Apesar
de denominar o movimento Bolivarismo, Chávez viu os seguidores cunharem
o termo “Chavismo” e se denominarem “chavistas”, para definir a “revolução”
que tem ocorrido na Venezuela.

A filosofia política “chavista” busca uma alternativa para as Américas, fora


da influência dos EUA, a quem Chávez denomina “o Império” e que acusa
frequentemente de tentar intervir na Venezuela e seus aliados: Bolívia,
Equador e Nicarágua. Junto com esses países, Chávez compôs uma aliança,
a Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA), que se opõe frontalmente
às políticas americanas e mesmo europeias para a América Latina.

Atualmente, Chávez tem sido acusado por nações como Chile e Colômbia
de ser um fator desestabilizador no continente, principalmente pelos
colombianos, que acusam Chávez de fornecer armas e suprimentos às FARC,
bem como guarida em território venezuelano. A Venezuela e seu presidente
se tornaram um assunto controverso e vivo debate se segue a respeito dos
rumos da “revolução bolivariana”, que garantiu diversos ganhos à população
mais pobre, mas, ao mesmo tempo, tem garantido poderes excepcionais à
figura do presidente Chávez, em um processo denunciado por alguns como
o fim da democracia na Venezuela.

Muito da inspiração de Chávez vem do exemplo da Revolução Cubana de


1959, realizada por Fidel Castro, Raúl Castro, Che Guevara e Camilo
Cienfuegos, entre outras figuras importantes da esquerda latino-americana.
Durante bastante tempo, Cuba pôde bancar uma situação confortável para
o regime, com o dinheiro da URSS e os subsídios de outras nações
socialistas.

Com o fim da Guerra Fria, Cuba experimentou um amargo período de crise


e muito da estrutura montada pelo governo teve de ser desmontada devido
à carência de recursos em que a ilha ficou, uma vez que os EUA não
levantaram o embargo. Assim, diversas reformas econômicas tomaram lugar,
para permitir a entrada de dólares em Cuba e assim garantir algum crédito à
combalida economia cubana.

Com a crise financeira e a avançada idade da cúpula dirigente do regime,


ocorreu um grande debate na comunidade internacional sobre o futuro de

204
Capítulo 11 – A Nova Ordem Mundial e o Século XXI

Cuba. Em 2006, tal debate aumentou com a saída de Fidel Castro para se
tratar de uma doença que o acometia. Fidel se recuperou, mas ficou
fragilizado e não retornou ao posto. Em 2008, Raúl Castro foi apontado
Presidente de Cuba e assumiu o cargo que exercia temporariamente desde
a doença do irmão.

Raúl Castro também já está em avançada idade e isso continua a estimular


o debate. Os EUA aprovaram leis a favor da transição democrática na ilha,
visando aumentar a pressão sobre o regime, mas até o momento Cuba tem
se mostrado irredutível em sua opção socialista de governo. Analistas creem
que uma real mudança só tomará lugar após a morte de Fidel Castro,
enquanto outros apontam que, com as reformas empreendidas por Raúl, já
esteja ocorrendo uma transição no poder em Cuba.

7. Direitos Humanos como Fator de Política Internacional


O tema dos Direitos Humanos tem cada vez mais ganho atenção nos fóruns
internacionais, bem como preconizado intervenções, especialmente da ONU
em nações em conflito. Tem sido um tema importante nas relações
internacionais e forjado novos conceitos, especialmente em segurança.

Tal proeminência tem motivado um aumento das missões de paz da ONU,


com foco em garantir os direitos da população civil. O principal órgão
capaz de tomar decisões de peso sobre o tema é o Conselho de Segurança,
apesar de haver um Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e,
ainda, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
Isso se deve a que estas duas entidades da ONU não possuem poderes e
sua função é fazer recomendações à Assembleia Geral da ONU e promover
a causa dos Direitos Humanos pelo mundo, conjugando esforços junto a
governos e Organizações Não-Governamentais (ONGs).

A década de 1990 viu uma expansão nas missões de paz da ONU, com
contingentes militares sendo enviado para vários continentes, em especial
à África, para preservar ou impor a paz se preciso, e impedir ou solucionar
crises humanitárias. Muitas missões obtiveram bons resultados, embora
pesadas críticas tenham sido feitas à ONU e às potências ocidentais pela
falta de ação durante o genocídio em Ruanda, em 1994, e o massacre em
Srebrenica, Bósnia, em 1995, e também pela inação diante da crise em
Darfur que vem desde 2003. Esta já considerada como genocídio por vários
analistas e organizações internacionais, pois, segundo a própria ONU, mais
de 400 mil pessoas já foram mortas nos conflitos entre milícias islâmicas
apoiadas pelo Sudão e por grupos rebeldes.

205
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Tais falhas em eventos importantes têm levantado dúvidas sobre a efetividade


ou validade das políticas de Direitos Humanos e da política de Segurança
Humana da ONU, que passaram a ganhar forma a partir de 1994, mas ainda
recebem muitas críticas por serem consideradas vagas e não
operacionalizadas.

Em recentes gestões, a ONU tem sinalizado para uma mudança na política


das missões de paz, visando a evitar genocídios e massacres, incorporando
mudanças nos paradigmas de manutenção da paz no mundo, conjugando
esforços com diversas ONGs, das quais a mais importante é a Human Rights
Watch, que realiza pesquisas no campo dos Direitos Humanos na esfera do
Direito Internacional, produzindo relatórios e estudos sobre a situação dos
Direitos Humanos em todo o mundo, lançando iniciativas contra abusos em
todo o planeta, em uma mudança no panorama do tema nas relações
internacionais.

8. Relações Internacionais: surgimento da multipolar idade e


equilíbrio de poder pós-Guerra Fria
O mundo assistiu a grandes mudanças nos anos 2000. A ordem mundial fui
sacudida por ações empreendidas não mais por Estados, mas por atores
não-estatais. Grupos terroristas, com força, tornaram-se verdadeiras ameaças
às nações, enquanto ONGs possuem hoje uma força jamais vista, capaz de
impedir ações de países.

Os diversos blocos regionais têm demonstrado uma busca dos Estados por
alianças que lhes garantam segurança, economia e força política. Nesse
ínterim, a formação de blocos e alianças tende a ser uma constante no
mundo que se aproxima.

O governo Bush, com a política externa unilateral empreendida pelos EUA,


demonstrou a impossibilidade de, nas relações internacionais, uma nação
sozinha impor sua vontade a outra, o que acabou por solapar a credibilidade
americana. Atualmente, o governo Obama busca recuperar a imagem dos
EUA diante do mundo, mas os resultados de sua política ainda são incertos
para serem avaliados.

Mesmo as Nações Unidas, considerada uma instituição acabada após


fracassar em impedir a invasão liderada pelos EUA ao Iraque em 2003, vem
recuperando prestígio, embora esse movimento venha acompanhado de
fortes questionamentos a respeito da reforma da entidade, com pressões
vindas tanto das potências quanto dos países em desenvolvimento. A

206
Capítulo 11 – A Nova Ordem Mundial e o Século XXI

principal pressão é pela reforma do Conselho de Segurança, considerado


datado como produto do fim da Segunda Guerra Mundial.

É cada vez mais comum ver blocos de países se formando com siglas que
lembram a sigla do G-8, o grupo dos oito países mais ricos. O Brasil tornou-
se uma das principais lideranças do G-20, grupo das vinte nações em
desenvolvimento mais avançadas (não confundir com o G-20, grupo das
vinte maiores economias). Tal grupo tem batalhado em foros internacionais
a favor de uma melhor relação em meio ambiente, distribuição de riqueza e
comércio. Os líderes ativos desse bloco são chamados de G-4, composto
por Brasil, Rússia, Índia e China, também simbolizados pela sigla BRIC, que
ficou famosa nas publicações de economia e logo foi adotada nas relações
internacionais.

A composição e a organização de blocos, especialmente envolvendo países


em desenvolvimento, têm trazido um novo debate para o mundo atual,
caracterizado por um equilíbrio de poder entre as potências, a despeito do
desequilíbrio militar demonstrado pelos EUA. A articulação do G-20 tem
trazido um novo poder à mesa, já que os países em desenvolvimento
concentram grande parte da população mundial, bem como dos produtores
de gêneros agrícolas.

Tal equilíbrio de poder se demonstra pelas negociações da Rodada Doha da


Organização Mundial do Comércio. Antes, as potências poderiam impor
sua vontade sem grandes problemas, mas atualmente a Rodada enfrenta
sérios problemas para ser finalizada, pois os países em desenvolvimento
colocaram as potências em situação difícil, questionando os subsídios
agrícolas, bem como as sobretaxas a produtos vindos desses países, buscando
atacar o protecionismo praticado especialmente por alguns países europeus.

Entretanto, os esforços em conjunto não são completos, e o Brasil mesmo


possui sérias discordâncias em relação a seus parceiros, como China e Índia,
em várias questões, que vão desde as barreiras alfandegárias até o meio
ambiente. O governo brasileiro tem trabalhado para reduzir essas dissensões,
colocando o Brasil muitas vezes ao lado dos parceiros em favor de que
estes ajudem a promover o protagonismo do G-4 no mundo.

207
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Referências
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entre o inter-regionalismo e o bilateralismo. In: OLIVEIRA, Henrique A. de;
LESSA, Antonio Carlos (Orgs.). Relações internacionais do Brasil: temas e
agendas. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1. p. 129-167.

208
CAPÍTULO 12

A Participação da Força Terrestre


na História Nacional

1. Durante a Colônia
O período compreendido entre o descobrimento do Brasil (1500) e o ano da
Proclamação da Independência (1822) é conhecido historicamente como
Período Colonial. Inúmeros foram os conflitos, revoltas e batalhas ocorridos
no período em questão. Alguns com origens e motivações internas e outros
travados contra agressores externos.

Dentre os conflitos, revoltas e batalhas internas ocorridas no Período


Colonial, podemos destacar:
• a Revolta de Beckman, em 1684;
• a quase secular Guerra dos Palmares (1694-1698);
• a Rebelião Baiana, de 1711;
• a Guerra dos Emboabas, 1708-09;
• a Guerra dos Mascates, 1710-11;
• a Revolta de Vila Rica, 1721;
• a Guerra Guaranítica, 1754-56; e
• as Inconfidências Mineira e Carioca (1789-1798).

Quanto àquelas travadas contra inimigos estrangeiros, podemos dizer que


as Forças Terrestres Brasileiras, de 1500 a 1822, por mais de três séculos,
venceram seis grandes batalhas para preservar a integridade do Brasil.

A primeira batalha resultou do estabelecimento de feitorias francesas no


Nordeste (Sergipe, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará e

209
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Maranhão) e no Norte (Pará e Amazonas), com apoio dos índios locais.


Foram expulsos em 1532 de Pernambuco, que serviu de ponto de partida
para a reconquista dos demais locais onde os franceses se haviam fixado. A
reconquista mais difícil e disputada com os franceses foi na Paraíba. Sua
importância era estratégica, pois era a chave das comunicações do Nordeste
com o Norte. A Paraíba foi conquistada em 1585; Sergipe, em 1557; depois,
o Rio Grande do Norte, quando teve início a construção do Forte Três Reis
Magos. No Ceará, a conquista teve início em 1603; em 1611, foi fundada
Fortaleza. Estava vencida a primeira grande batalha pela integridade do
Brasil no Nordeste e Norte.

A segunda batalha foi travada no Sudeste, de 1556 a 1567, para expulsar


os franceses que ali se estabeleceram, fundando, no Rio de Janeiro, a
França Antártica.

A terceira batalha teve início em 1612 quando os franceses invadiram o


Maranhão, fundando ali a França Equinocial. Ergueram o Forte São Luís,
em homenagem a Luís XIII, Rei da França, nome que permaneceu na capital
maranhense. Liderou a invasão, que durou mais de três anos e meio, Daniel
de La Touche, senhor de La Ravardière, tendo-se destacado na reconquista
o Capitão-Mor Jerônimo de Albuquerque.

A quarta batalha iniciou-se em 1616. Foi enviado ao Maranhão o Capitão


Francisco Caldeira Castelo Branco, que fundou o atual Forte do Castelo
(origem da cidade de Belém). Desse ponto, o Capitão Pedro Teixeira atuou
para expulsar as feitorias inglesas, irlandesas e holandesas que se haviam
estabelecido no estuário e no baixo Amazonas. Coube a Pedro Teixeira
liderar viagem de Belém a Quito (1634-36), dela resultando a conquista da
Amazônia, que há mais de três séculos e meio integra o Brasil, depois de
conquistada para Portugal em nome do rei comum a Portugal e Espanha.

A quinta batalha seria travada no Nordeste (1624-54) com as invasões


holandesas na Bahia e depois em Pernambuco. Esta grande campanha
culminou com as Batalhas de Guararapes em 1648 e 1649, nas quais, segundo
o consenso de intérpretes do processo histórico brasileiro, despertou o
espírito de Exército e de Nação brasileiros.

A sexta batalha, pela integridade do Brasil, foi travada no Sul, na região


Platina. Iniciou-se em 1680, com a fundação da Colônia do Sacramento por
Portugal, em frente a Buenos Aires. Tal luta se prolongou até 1870, com o
término da Guerra do Paraguai (Brasil Império).

210
Capítulo 12 – A Participação da Força Terrestre na História Nacional

1.1 Primeiras Formas de Organização Militar


Os primeiros núcleos de colonização no interior do Brasil enfrentavam o
perigo permanente das investidas dos índios, e os núcleos no litoral, as
investidas dos assaltantes do mar. No Sul, os paulistas, de início fortemente
ameaçados pelos índios, logo que puderam passaram à ofensiva, vencendo
o adversário em todas as frentes. Houve dois focos iniciais de irradiação em
São Paulo:
• no litoral, em Santos e São Vicente;
• no planalto, em São Paulo de Piratininga.

Pela costa, os paulistas estenderam-se para o norte até Angra dos Reis,
fundada em 1624; para o sul foram surgindo várias povoações, até Laguna
(SC), durante muito tempo base do avanço dos paulistas pelos campos
sulinos.

São Paulo deu origem a três outros centros de expansão:


• Taubaté, de onde partiam expedições para a bacia do São Francisco,
Bahia e Nordeste;
• Itu, de onde desciam o rio Anhembi ou Tietê, alcançando a Bacia do
Prata; e
• Sorocaba, início do caminho para o Sul, para os vastos campos das
Palmas (PR), Lajes (SC) e Vacaria (RS).

Cabe destacar a atuação de milícias, organizadas em expedições de caráter


nitidamente ofensivo, inclusive destruindo ou submetendo pelas armas
grupos adversos. Constituíram uma das mais importantes forças terrestres
no tempo colonial. Para suas campanhas, adaptavam os ensinamentos
militares portugueses às condições regionais. Como a maioria do efetivo
das expedições era de índios aliados, os sertanistas aprendiam seus métodos
de combate e, ao mesmo tempo, sua língua e seus costumes. Os caminhos
utilizados também eram os conhecidos pelos silvícolas.

Da organização militar ibérica, os milicianos herdaram a prática da hierarquia.


Suas expedições geralmente estruturavam-se em escalões definidos: um
comandante ou chefe-geral, que era denominado cabo da tropa; alguns
comandantes brancos; um corpo mais numeroso, que era o escalão
intermediário, constituído por mamelucos; e o grosso da tropa, a verdadeira
força de choque, composto de índios submissos ou aliados.

211
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Em suas ações ofensivas, a expedição dividia-se em colunas de ataque,


formadas de companhias, as quais se apoiavam mutuamente, para não
serem batidas isoladamente. Os colonos evitavam a formação em massa
diante do inimigo: preferiam a dispersão, que aprenderam com os indígenas.
Em seus deslocamentos de dezenas de léguas, não descuidavam da
segurança, protegendo-se com destacamentos de vanguarda, retaguarda e
flancoguarda. Não subestimavam o valor dos adversários, acerca dos quais
procuravam manter-se sempre informados. Quando percorriam terras do sul
de Mato Grosso e de Goiás, habitadas pelos guaicurus, índios cavaleiros,
deslocavam-se junto às orlas da mata, evitando a campanha rasa, onde
poderiam ser destroçados pela cavalaria indígena. Atacavam sempre de
surpresa e da maneira mais agressiva possível, aos gritos, com forte fuzilaria,
desfraldando os estandartes de guerra, procurando aterrorizar e desorganizar
o inimigo. Habituados às emboscadas, usavam de embustes os mais variados,
chegando a se vestir de padres para granjear a confiança dos indígenas. Em
situações perigosas, sabiam manobrar em retirada ou então dispersar-se
pelo mato, esperando pacientemente a oportunidade de retornar ao ataque.
Adquiriram a paciência dos índios: quando acabavam os meios de
subsistência, acampavam durante meses, esperando que as colheitas das
plantações permitissem a continuação das longas jornadas.

As tropas deslocavam-se a pé, marchando antes da aurora. Os sertanistas


conheciam as vantagens da guerra psicológica: procuravam ampliar a imagem
de suas façanhas, tornando-se admirados pelos homens do governo e
atemorizando os adversários.

Em função da importância dos fatos ocorridos durante os episódios das


Invasões Holandesas, como o avanço doutrinário, por exemplo, vamos analisá-
las com mais detalhes.

1.2 Invasões Holandesas


Por ocasião da invasão holandesa em Pernambuco, em 1634, cerca de 7.000
homens invadiram Pernambuco (principal capitania produtora de açúcar e
com menor proteção militar), derrotando o efetivo militar da região governada
por Mathias de Albuquerque. Este seguiu para o interior, usando a “Tática
da Terra Devastada” ou “Arrasada” (colocavam veneno nas águas, queimavam
as produções e fugiam para o interior), onde fundou o Arraial de Bom Jesus
(centro irradiador da ação de guerrilha durante cinco anos consecutivos,
esmorecendo o efetivo holandês).

212
Capítulo 12 – A Participação da Força Terrestre na História Nacional

Este panorama se reverteu com a prisão de Domingos Fernandes Calabar,


que acabou informando a localidade do arraial, permitindo o domínio efetivo
da região.

A administração nassoviana ocorreu de 1637 até 1644. Maurício de Nassau


Siegen foi indicado pela Companhia das Índias Ocidentais (CIO) como
representante holandês no Brasil. Político hábil e grande diplomata, Maurício
de Nassau iniciou uma política de boa vizinhança, anistiando as dívidas
brasileiras contraídas com Portugal, estipulando 18% de juros e reativando
engenhos desativados.

No campo político-administrativo, dominou praticamente todo o Nordeste


(com exceção da Bahia), dando à região o nome de Nova Holanda; criou o
Conselho dos Escabinos (espécie de Câmara Municipal), liderados por um
esculteto. No campo religioso, favoreceu a liberdade de culto. Na economia,
ocupou as feitorias africanas, interrompendo o tráfico de escravos para a
parte do território brasileiro dominado pela Espanha. Os espanhóis foram
obrigados a reorganizar a escravidão indígena. Estes eram emboscados pelos
bandeirantes nas reduções (locais de índios guaranis aculturados pelos
jesuítas). No campo cultural, trouxe o primeiro observatório astronômico,
primeiro jardim botânico e zoológico, primeira biblioteca, obras de
embelezamento de Recife, fundação da cidade de Maurícia etc.

A libertação contra o jugo holandês, no Brasil, teve início com a Insurreição


Pernambucana (1644-1654). O atraso no pagamento das dívidas brasileiras
contraídas com a Holanda estava causando prejuízo para a Companhia das
Índias Ocidentais, irritada com a benevolência de Nassau e com o desperdício
de recursos em obras na colônia para a autopromoção do governador. Nassau,
acuado pela CIO, acabou renunciando, sendo substituído por três
representantes, que iniciaram uma política de exploração direta da Nova
Holanda.

A revolta contra a mudança de posicionamento da CIO aconteceu primeiro


no Maranhão, mas acabou se fortalecendo em Pernambuco, com a liderança
de André Vidal de Negreiros, João Fernandes Vieira, o índio Felipe Camarão
(Poti) e o negro Henrique Dias.

Î Insurreição Pernambucana
A Insurreição Pernambucana (1645-1649) foi o segundo grande conflito
inserido no episódio das invasões holandesas do Brasil (o primeiro foi a
invasão de Salvador – 1624 a 1625), culminando com a expulsão dos

213
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

neerlandeses, da região Nordeste do Brasil. O movimento foi constituído


por forças lideradas pelos senhores de engenho André Vidal de Negreiros e
João Fernandes Vieira, pelo africano Henrique Dias e pelo indígena Felipe
Camarão.

No contexto da Insurreição, as duas batalhas de Guararapes destacaram-se


pela importância estratégica e doutrinária naquele momento. A primeira
batalha ocorreu em 19 de abril de 1648, e a segunda em 19 de fevereiro de
1649. A batalha de 1648 é, simbolicamente, considerada a origem do Exército
Brasileiro. Estes embates foram travados entre as tropas invasoras holandesas
e os defensores luso-brasileiros, nos Montes Guararapes, atual município
de Jaboatão dos Guararapes, ao sul do Recife, no estado de Pernambuco.
O emprego das emboscadas e da surpresa, por parte das tropas “brasileiras”,
causou inúmeras baixas ao contingente holandês.

Sob o comando de João Fernandes Vieira, as forças nacionais derrotaram o


inimigo, o que significou o término das Invasões holandesas no Brasil, no
século XVII. A assinatura da capitulação deu-se em 1654, no Recife, de
onde partiram os últimos navios holandeses em direção à Europa. (BENTO,
1971).

As doutrinas militares espanholas e de Gustavo Adolfo, dominantes à época,


na Europa, consistiam no emprego de tropa, visando um confronto de
massa em campo aberto.

Acostumados a lutar em campo aberto na Europa, a artilharia


pesada do Exército holandês mostrou-se vulnerável às novas
táticas de guerrilha empregadas por seus adversários no Brasil.
De maneira geral, cada companhia do Exército holandês formada
por 500 homens era dividida em dois grupos: 300 piqueiros
(carregavam os piques, lanças grandes no estilo medieval) que
iam se revezando com o grupo de 200 mosqueteiros. Enquanto
os mosqueteiros carregavam suas armas, os piqueiros assumiam
a luta – e, quando os mosqueteiros estavam prontos para atirar,
iam à frente dos piqueiros. “O problema é que esse tipo de luta
não era adequado à vegetação local”, diz Dantas da Silva. “Em
meio à mata e aos terrenos úmidos, não havia sequer raio de
ação para a artilharia. A luta se dava mesmo na batalha corpo a
corpo”. (CAVALCANTE, Rodrigo. Disponível em: < http://
historia.abril.com.br/guerra/guararapes-nosso-vietna-
435980.shtml>. Revista Abril, 2009).

214
Capítulo 12 – A Participação da Força Terrestre na História Nacional

Com a Insurreição Pernambucana, houve um avanço doutrinário, face ao


pensamento dos grandes chefes militares de então. A doutrina militar luso-
brasileira, empregada contra as invasões holandesas, contribuiu para essa
evolução, com a inserção de algumas novidades até então desconhecidas
ou desprezadas, pelos demais contingentes militares:
• aproveitamento minucioso das características do terreno;
• utilização das táticas de emboscada;
• uso da espada como arma de choque; e
• espírito de iniciativa, rapidez e agressividade da infantaria luso-brasileira.

Fonte: BRASIL. Exército Brasileiro. Academia Militar das Agulhas Negras.


História Militar do Brasil. 1979.

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EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Fonte: BENTO, 1971

A situação veio a se modificar para os brasileiros quando, em 1651, o lorde


protetor Oliver Cromwell, da Inglaterra, estabeleceu o Ato de Navegação
(tratado internacional que determinava a primazia comercial marítima da
Inglaterra ou das metrópoles em relação ao comércio com suas respectivas
colônias). Os holandeses, prejudicados pela medida, foram obrigados a abrir
duas frentes de batalha, com os brasileiros e com os ingleses, sendo
derrotados em ambas.

Como consequências da expulsão dos holandeses:


• os holandeses levaram a técnica de produção de açúcar para as Antilhas,
local mais próximo do mercado consumidor, gerando a queda gradativa
do preço do açúcar brasileiro; e
• formação do sentimento nativista no Brasil, em virtude da ausência de
auxílio inicial português, na luta contra os holandeses.

A doutrina militar, empregada na época, considerando o exército holandês


um dos melhores da Europa, criou características próprias ao exército colonial.
Quanto à organização, podemos observar:

216
Capítulo 12 – A Participação da Força Terrestre na História Nacional

• Comando: Mestre de Campo General Barreto de Menezes.


• Conselho de Guerra: comandantes de terços Fernandes Vieira, Vidal
de Negreiros, Felipe Camarão, Henrique Dias e o major Antônio Dias
Cardoso, experimentado profissional militar do Exército Patriota, de
1644/1645.
• Exército patriota: à base de Infantaria. Composto de quatro terços,
organização com a qual os espanhóis marcaram a supremacia na Europa
após a batalha de Pávia, 1521, que recolocou em relevo a posição da
infantaria, perdida durante a Idade Média. Iria enfrentar a infantaria
holandesa, que seguia os melhores padrões táticos europeus,
aperfeiçoada de 1567 a 1625, na luta contra os espanhóis, pelo Príncipe
de Nassau (não confundir com Maurício de Nassau). Nassau havia
criado o batalhão, com 500 homens cada, dos quais 300 piqueteiros e
200 mosqueteiros. Por ocasião das batalhas, os holandeses baseavam-
se nos ensinamentos de Nassau e naqueles colhidos por Gustavo Adolfo,
rei da Suécia, durante a Guerra dos 30 anos na Europa 1618-1648. A
ela correspondeu, no Brasil, com pequena defasagem de seis anos, a
nossa guerra de 30 anos contra os holandeses 1624-1654, conflito
conhecido e estudado na Europa de então, pelos chefes estudiosos
europeus, como Guerra do Brasil ou Guerra Brasílica.
• Tropa: terço de Fernandes Vieira, subcomandado por Antônio Dias
Cardoso. O mais potente, com 720 homens; terço de André Vidal de
Negreiros, com 340 homens; terço de Henrique Dias, com 380 homens,
integrados por homens de cor, muitos com tradição guerreira na África;
terço de Felipe Camarão, integrado por índios, com 350 homens. Cada
terço subdividia-se em troços de 100 homens. Na 2ª Batalha, seriam
introduzidas duas companhias de cavalaria com 20 homens cada. Elas
desempenharam relevante papel como reserva móvel. Os terços de
Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros podiam ser considerados
infantaria meio pesada e os de Felipe Camarão e Henrique Dias como
infantaria leve. Os dois primeiros seriam usados no centro e os dois
últimos nas alas.
• Serviço Militar: obrigatório para todos os homens válidos. Havia também
voluntários.
• Informações e Comunicações: formou-se um eficiente serviço de
informações sobre qualquer movimento holandês. As informações
obtidas chegavam rapidamente ao Arraial Novo do Bom Jesus. Havia
espiões no Recife.

217
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

• Equipamento: improvisado. A maior parte fora obtida dos próprios


holandeses nas emboscadas, golpes de mão e outros combates. Eram
usados escudos de couro endurecido, que ofereciam proteção contra
mosquetes próximos de seu alcance máximo (100m) e na esgrima com
espada.
Com relação ao equipamento e ao armamento individuais: a espada,
que se constituía no poder de choque luso-brasileiro, foi a responsável
pela maior parte das baixas holandesas. Complementarmente, eram
usados chuços e paus tostados afilados, na falta de piques e pouco
armamento de fogo (mosquetões).

A guerra brasílica foi desenvolvida em alto grau durante 18 anos de luta,


particularmente em tática de emboscadas. Neste tipo de ação, o combatente
se adestrava no corpo a corpo, na esgrima a espada e aprendia a tirar o
máximo partido da surpresa, do terreno e da velocidade. Eram impositivas a
coragem e a iniciativa. Antes da batalha, ao chegarem reforços holandeses
no Recife, a região de Cabo (e adjacências) foi transformada em campo de
instrução. O major Dias Cardoso, que vencera os holandeses no Monte das
Tabocas, quatro anos antes, treinou secretamente o Exército patriota nas
matas de pau-brasil, em Pernambuco, durante seis meses.

2. Durante a Monarquia
2.1 Primeiro Reinado
Com o regresso de D. João VI a Portugal, cresceu a animosidade entre
portugueses e brasileiros. A situação agravou-se quando o general Avilez,
comandante da Divisão Auxiliadora, trazida de Portugal por ocasião da
Revolução Pernambucana de 1817, recusou-se a obedecer às ordens do
Príncipe Regente.

Desiludido com a deslealdade da tropa portuguesa, D. Pedro chegou a


preparar seu retorno a Portugal. Porém, o decidido apoio do povo e dos
militares brasileiros o fez reconsiderar sua decisão, no episódio que ficou
conhecido como o Dia do Fico. Dominada a rebelião e embarcada a Divisão
Auxiliadora para Portugal, José Bonifácio de Andrada e Silva, líder da facção
que pugnara pela independência, foi nomeado Ministro do Reino e de
Estrangeiros. Logo se empenhou em robustecer a autoridade do Regente,
baixando decreto que declarava sem valor as ordens emanadas de Portugal
sem o “cumpra-se” de D. Pedro.

218
Capítulo 12 – A Participação da Força Terrestre na História Nacional

Reconhecendo a necessidade de recompor a unidade do país, prejudicada


com as sedições e agitações que ocorriam em algumas províncias, sugeriu
ao príncipe que visitasse as duas mais próximas da Corte: Minas Gerais e
São Paulo. Nessa última, quando viajava de Santos para São Paulo, D.
Pedro foi alcançado, às margens do Ipiranga, por emissários de José Bonifácio
trazendo despachos de Lisboa com novas exigências, entre as quais a de
que retornasse a Portugal para completar sua educação.

Com a declaração da independência no dia 7 de setembro de 1822, tornou-


se necessário a submissão de todas as províncias ao governo central, bem
como a configuração legal do novo Estado, a ser estabelecida por uma
Constituição. Lutava-se se ainda em algumas províncias (na Bahia, a reação
da guarnição portuguesa só foi vencida no dia 2 de julho de 1823).

O Exército, agora brasileiro, embora guardasse semelhanças com o da antiga


metrópole e tivesse em seus quadros, particularmente nos postos mais
elevados, muitos oficiais portugueses, apresentava sérias deficiências em
organização, armamento e efetivos. O Imperador logo procurou melhorá-lo,
preocupado com as lutas para eliminar a reação portuguesa nas províncias,
tanto no norte como no sul do país. Criou a Imperial Guarda de Honra, o
Batalhão do Imperador, e reorganizou o Quartel-General da Corte, atribuindo-
lhe funções de comando e de planejamento, vale dizer, de estado-maior.
Regulamentou o armamento e deu atenção aos problemas de apoio,
mandando organizar o Depósito Geral de Recrutas, bem como fábricas e
arsenais de armamento e munições.

Foi com esse exército que o Império fez calar a reação portuguesa no
Maranhão e na Bahia e envolveu-se na campanha Cisplatina de 1825-1828.
Com exceção da perda desta última, a unidade territorial foi preservada,
enquanto a América espanhola se fragmentara. Na Guerra Cisplatina, o
Exército fora mandado lutar uma guerra longa e impopular, que acabou por
desgastar o governo.

A vida dissoluta de D. Pedro, a morte da imperatriz Leopoldina, a prisão de


militares envolvidos em conflitos de rua, entre outros eventos, contribuíram
para criar um clima pré-revolucionário contrário ao Imperador. A notícia de
que o governo mandara prender diversos líderes liberais precipitou os
acontecimentos. Grande multidão reuniu-se no Campo de Santana. As tropas,
lideradas pelo próprio Comandante das Armas da Corte, Brigadeiro Francisco
de Lima e Silva, juntaram-se ao povo. Esgotadas as negociações e diante
da impossibilidade de contar com a força para solucionar o impasse, Pedro

219
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

abdicou em favor de seu filho, então com apenas cinco anos de idade, no
dia 7 de abril de 1831.

O Exército brasileiro nasceu, oficialmente, ao proclamar sua independência


da organização castrense portuguesa, que era integrada em grande parte
por contingentes nacionais de milícias, seguindo os modelos e as normas
militares tradicionais da metrópole lusitana. As lutas pela emancipação e as
guerras no sul do país exigiram que a força militar tivesse moral elevado e
bom adestramento, e não havia melhor meio para isso do que apoiá-la na
organização existente, emprestando-lhe a motivação patriótica que o ideal
de liberdade e de unidade nacional despertava naquelas circunstâncias.

D. Pedro I procurou, desde logo, melhorar as tropas da guarnição do Rio de


Janeiro. Transferiu para a capital forças de São Paulo e de Minas Gerais.
Por decreto de 23 de setembro de 1822, criou a Guarda Cívica, que
compreendia “gente limpa da cidade do Rio de Janeiro”, com quatro
batalhões de infantaria a quatro companhias cada um, e dois esquadrões
de cavalaria com duas companhias. Por decreto de 1º de dezembro de
1822, criou a Imperial Guarda de Honra, unidade de elite de cavalaria,
ligada diretamente ao Imperador e que gozava de vários privilégios especiais,
como por exemplo, o de prestar honras militares apenas ao Imperador e à
família imperial. Em 1823, instituiu-se o Batalhão do Imperador, destinado
a operar na Bahia contra as forças portuguesas do brigadeiro Madeira. Com
os pretos libertos, organizou-se um batalhão de artilharia de posição.

Havia preocupação com a formação moral do militar, do qual se exigia


irrepreensível conduta e espírito profissional. Para que a impregnação
castrense inicial não se interrompesse nem fosse prejudicada pela influência
do meio civil, os recrutas ficavam confinados durante os dois primeiros
meses no Depósito Geral, só podendo sair em casos de extrema necessidade
e ainda assim obrigatoriamente acompanhados por uma praça antiga, que
se tornava responsável pela saída. Ao ingressar no quartel para a prestação
do serviço militar, o recruta recebia uma esteira para dormir e tinha de
comprar com seu próprio soldo uma tigela, um prato de barro, uma colher e
uma faca sem ponta.

O Quartel-General da Corte foi reorganizado no início de 1824. Esse


importante órgão, que tinha funções de comando-geral e de estado-maior
para a Força Terrestre, representava a instituição central da administração
militar. Serviu de modelo aos quartéis-generais nas Províncias.

220
Capítulo 12 – A Participação da Força Terrestre na História Nacional

Regulamentou-se o emprego de armamento por todas as unidades do


Exército, pelo decreto de 3 de setembro de 1824. A infantaria manteve a
espingarda e o rifle e os acessórios, que eram a vareta, o martelinho, o
sacatrapo e a baioneta; a cavalaria dispunha de clavina com martelinho e
sacatrapo, pistola e espada. A lança só apareceu mais tarde. A artilharia
utilizava, além dos canhões, armamento portátil semelhante ao da infantaria
ou cavalaria, conforme o caso. O Regimento de Estrangeiros, com pouco
mais de um ano de existência, reestruturou-se em dois batalhões de caçadores
e um de granadeiros. Os corpos de tropa, dentro de cada arma, foram
renumerados seguidamente, a 24 de dezembro de 1824, inclusive as unidades
de segunda linha. As unidades de milícias continuaram com a designação
tradicional dos locais de origem.

Na administração militar, foi relevante o trabalho de D. Pedro I para dotar a


nascente organização de elementos indispensáveis. Criaram-se o
Comissariado Geral do Exército, o Depósito Geral de Recrutas, arsenais e
fábricas de material bélico e munições. Melhoraram-se alguns
estabelecimentos do período colonial, como o Trem Real e a Fábrica da
Casa de Armas da Conceição .

Tudo isso representou notável esforço do primeiro governo imperial a fim


de dar ao Exército organização, disciplina e eficiência.

2.2 Período Regencial


Com a abdicação, desapareceu subitamente o esteio principal de toda a
arquitetura política da monarquia. A figura do soberano representava um
último recurso para a solução dos problemas quando as diferentes correntes
de opinião não se entendiam. Criou-se um vácuo, imperfeitamente preenchido
no dia mesmo do afastamento do imperador com a instituição da Regência
Trina Provisória. Reunidos no Senado, os parlamentares indicaram para
compô-la dois senadores e o Comandante das Armas, o brigadeiro Francisco
de Lima e Silva.

Com a regulamentação das funções da Regência, transformada em


permanente, elegeram-se dois deputados para substituir os senadores,
continuando o brigadeiro Lima e Silva a dar ao colegiado o respaldo da
força militar. Para Ministro da Justiça, foi nomeado o padre Diogo Feijó,
político enérgico e de personalidade forte.

Cerca de um mês após a posse dos novos regentes, o 26º Batalhão de


Caçadores sublevou-se. Dominado pela Guarda Municipal, teve sua sede

221
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

transferida para a Bahia. Vários outros batalhões amotinaram-se contra o


governo, a despeito de nele figurar o Comandante das Armas. Estabeleceu-
se tal clima de indisciplina nas unidades aquarteladas na Corte que o governo
teve de dissolver muitas delas. Apelou, então, para os oficiais superiores do
Exército para garantir a manutenção da ordem no Rio de Janeiro. Improvisou-
se a organização de uma tropa com 400 oficiais – o Batalhão Sagrado –
cujo subcomandante era o major Luís Alves de Lima e Silva, filho do regente
Lima e Silva. Começava, então, a participação de Caxias no cenário nacional,
com marcante atuação nos principais conflitos ocorridos no Segundo
Reinado.

Para dar uma solução mais permanente ao problema da manutenção da


ordem, o governo criou, em 18 de agosto de 1831, a Guarda Nacional.
Destinava-se a ser uma força ligada às comunidades-sede de suas unidades,
aliviando o Exército de funções policiais. Justamente por ser ligada ao
ambiente provincial e municipal, acabou por se tornar instrumento das
oligarquias locais, perdendo valor como força militar.

A agitação prosseguia por todo o país, a despeito dos esforços do governo


para a normalização das atividades políticas. Em 1832, ocorreu no Rio de
Janeiro a Abrilada, sedição republicana liderada pelo major Miguel de Frias,
que fora colega de Luís Alves de Lima e Silva na Academia Militar. Feijó
determinou que o futuro Duque de Caxias, com a tropa de oficiais-soldados
do Batalhão Sagrado, dispersasse os sediciosos concentrados no Campo de
Santana e prendesse seus chefes. Após breve, mas sangrento combate
(morreram 12 revoltosos), a rebelião foi dominada. Todavia, Miguel de Frias
conseguiu fugir. Neste mesmo ano, irrompeu em Alagoas uma revolta
popular denominada Guerra dos Cabanos.

O Decreto Legislativo de 21 de agosto de 1834 promulgou um Ato


Institucional que, entre outras modificações na Constituição, estabelecia a
Regência Una e concedia mais autonomia às províncias. Era uma espécie de
monarquia federativa, assemelhada ao modelo republicano. Nas eleições do
ano seguinte, Feijó voltou como Regente. Às vésperas de sua posse eclodiu
no sul, em 1835, a Revolução dos Farrapos. Iniciada com as comemorações
dos liberais pela instalação da Assembleia Legislativa provincial do Rio Grande
do Sul, transformou-se em franca rebelião, alimentada por questões políticas,
sociais, econômicas e, até, de posição geográfica. Daí, evoluiu para o
separatismo republicano. Essa rebelião longa, com a duração de 10 anos,
foi a mais séria de todas as ameaças à unidade nacional.

222
Capítulo 12 – A Participação da Força Terrestre na História Nacional

Tantas e tão graves agitações paralisavam as atividades administrativas do


governo e punham em sério risco a própria existência do Império. A Regência
mostrara-se incapaz de pacificar o ambiente nacional, o que fortaleceu os
partidários da maioridade do monarca, afinal decretada em 1840. O
Imperador, com apenas 14 anos de idade quando assumiu o trono, em um
esforço pessoal para pacificar a província mais meridional do país, mandou
cessar a repressão armada aos rebeldes e, num gesto de boa vontade,
ofereceu-lhes a anistia. Porém, os farrapos, esperançosos de obter apoio
dos vizinhos do Prata, recusaram a oferta.

No Maranhão, afastado geograficamente do poder central, com ligações


mais fáceis com a Europa do que com o Rio de Janeiro, irrompeu em 1838
um movimento sedicioso, a Balaiada, que tinha por objetivo e que chegou a
pôr em risco a unidade nacional. Surgido em uma pequena vila do interior,
alastrou-se por outras cidades, inclusive Caxias, a segunda mais importante
da província.

Preocupado, o governo central lembrou-se do comandante da Guarda


Municipal do Rio de Janeiro, Luís Alves de Lima e Silva, para debelá-lo. O
ainda jovem coronel obteve da Regência não apenas o comando das armas,
mas também o governo da província. Esta exigência, que iria repetir sempre
que designado para pacificar províncias, revela sua clara percepção de que
o poder militar depende do poder político para levar a bom termo missões
que sejam, simultaneamente, bélicas e políticas. Em janeiro de 1841, terminou
o conflito em que Lima e Silva iniciou sua atuação em prol da pacificação e
da unidade nacional. Em sinal de reconhecimento, Pedro II concedeu-lhe o
título de Barão de Caxias. Após haver pacificado as revoltas liberais de
Minas e de São Paulo, em 1842 – em que se destacou o combate de Santa
Luzia –, e o Rio Grande do Sul, em 1845, a nação o intitulou de “O
Pacificador”.

Este conflito não encerraria o ciclo revolucionário no Império. Em 1848,


uma revolta liberal conhecida como Praieira irrompeu em Pernambuco, com
a intenção de estabelecer uma república independente. Após dura repressão
exercida pelo poder central, os revoltosos foram derrotados em 2 de fevereiro
de 1849, pondo fim ao ciclo de revoltas internas.

2.3 Segundo Reinado


Durante o 2º Reinado, o Exército Brasileiro participou de três conflitos
externos: a campanha contra Oribe e Rosas (1851-1852), a campanha contra
Aguirre (1864) e a Guerra do Paraguai ou Guerra da Tríplice Aliança (1864-

223
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

1870), todas na região do Rio da Prata. Esses três conflitos constituem


episódios relevantes da História Militar Brasileira, sendo a última considerada
o segundo maior conflito das Américas. A Guerra da Tríplice Aliança teve
repercussões duradouras, inclusive, na formação da mentalidade militar na
transição para a República.

A formação do Exército como instituição nasceu da necessidade de


consolidar o Estado Brasileiro recém-independente e assegurar sua integridade
territorial. As tropas de terra também tiveram grande importância no processo
de independência. Porém, com o advento do período regencial, não
interessava aos poderes locais das províncias a existência de um exército
forte nas mãos do poder central. Dessa maneira, foram tomadas medidas
no sentido de relegar o Exército a uma força mínima e mal-preparada.

Criou-se uma Guarda Nacional em 1831, nas mãos das elites locais, com o
objetivo de impor a ordem nos problemas internos. Porém, com a eclosão
das lutas internas de contestação do poder central do Rio de Janeiro, nas
quais se destacaram revoltas de caráter republicano como a Revolução
Farroupilha, tornou-se necessário o emprego de um exército nacional para
debelar as ameaças de desintegração do território. Surgiu a figura de Caxias,
que iria participar ativamente como pacificador de revoltas de Norte a Sul
do território. Apesar disso, o Exército Brasileiro, até o início da guerra do
Paraguai, era uma força marginalizada no seio da sociedade, com suas
graduações mais baixas ocupadas por elementos alijados da sociedade no
Império.

Os conflitos externos em que o Brasil se envolveu a partir de 1850


contribuíram para a evolução das instituições militares nacionais. Nas guerras
travadas antes da Tríplice Aliança, a demanda por efetivos era suprida por
elementos da Guarda Nacional, sobretudo da Província do Rio Grande, o
que causou a falsa impressão de que esta tropa seria suficiente para as
demandas regionais no cone sul. Neste período, pouca ou nenhuma
importância era dada ao adestramento e o governo imperial não contava
com um sistema de recrutamento.

A eclosão da guerra contra Lopez provocou profundas mudanças no


pensamento militar nacional. Talvez a mais importante tenha sido a consciência
da necessidade de um exército permanente e profissional, com quadros bem
treinados e equipados. No relatório anual do Ministro de Estado e dos
Negócios da Guerra, datado de 1868, merece destaque o seguinte trecho:

224
Capítulo 12 – A Participação da Força Terrestre na História Nacional

[...] Se por fatalidade formos de novo provocados a outra guerra,


que não nos surpreenda ela mais uma vez. Aperfeiçoemos todos
os serviços do exército, melhoremos o nosso material de guerra
e, finalmente, tenhamos as nossas fortificações guarnecidas e
bem artilhadas; e assim, fortes, com um pessoal, posto que
pequeno, disciplinado e aguerrido, faremos em face de toda e
qualquer emergência imprevista: a qualidade suprirá bem a
quantidade. A experiência adquirida na presente guerra parece
impor-nos o dever de meditar sobre essas verdades, que, aliás,
estão na consciência de todos, profissionais ou não [...].

Sobre o preparo e a organização do Exército na guerra contra Lopez, diversos


episódios mostraram as dificuldades sofridas pelos comandantes militares
pela carência de um exército profissional. O próprio Duque de Caxias, ao fim
da guerra, defende a necessidade de um sistema de recrutamento mais eficiente
e a necessidade de um exército permanente e adestrado. Nos episódios da
guerra do Paraguai, há inúmeros relatos de tropas mal comandadas que
debandavam frente ao inimigo aguerrido, o que mostrava a falta de preparo
de comandantes e comandados. Outro aspecto que refletia a falta de
adestramento era o não aproveitamento pleno das potencialidades do
armamento do Exército Imperial, por falta de conhecimento dos comandantes
militares da capacidade do material empregado. No que diz respeito à logística
de guerra, destacam-se as dificuldades enfrentadas pelas tropas, fruto da
não existência de serviços de apoio profissional no Teatro de Operações.
Dessa maneira, as operações do Exército Imperial foram seriamente
prejudicadas, o que levou os comandantes da época a repensar a forma de
combater. Infelizmente, ao fim da guerra tais ensinamentos foram relegados
e o Exército não soube aproveitar as lições de uma guerra que custara tanto.

O Brasil consolidou-se como Nação a partir do Segundo Império. Nesse


período as tradições e o culto à nacionalidade ganharam força no seio da
sociedade. Naquele contexto, as instituições militares, sobretudo o Exército,
foram importantes para o processo, que não se verificou apenas no Brasil.
Emprestando o nome de heróis, como Caxias e Osório, o Exército exerceu
papel fundamental no surgimento da ideia de nacionalidade, incutindo uma
conotação psicológica no imaginário do brasileiro. As lutas externas, que
ocorreram neste período, serviram como força centrípeta, conjugando
vontades nacionais que se uniram em torno de um objetivo comum. Assim,
as instituições militares cumpriram, naquele momento histórico, seu papel
na formação do Brasil como a Nação que hoje conhecemos.

225
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Muitos regulamentos, instruções, quadros de organização e efetivos,


equipamentos e armamentos foram modificados no correr dessa época,
sempre visando a atender com eficiência os grandes compromissos do Exército
nacional.

Coube a Caxias um papel relevante na implantação das novas ideias. Ele


procurou adaptar as inovações em curso na Europa à nova formulação
doutrinária brasileira, que tinha características próprias. Quando Ministro
da Guerra, lançou pela primeira vez, em 1855, as bases da nova escola, com
o objetivo de renovar a tática vigente e enquadrá-la nas exigências modernas.
Propôs a adaptação da tática elementar das três armas, contida nas
ordenanças em vigor no Exército português, “enquanto não se organiza
uma tática elementar privativamente nossa, em harmonia com as
circunstâncias peculiares ao nosso exército e com a natureza de nossas
guerras”. Caxias buscou realizar as reformas sem introduzir alterações bruscas
na estrutura do Ministério da Guerra. Experimentou-as e testou-as primeiro
nas campanhas do Prata.

Os processos de combate modificaram-se em todas as armas e as antigas


prescrições de Frederico Guilherme de Schaumburg-Lippe - o Conde de
Lippe - foram substituídas. As principais alterações introduzidas foram as
seguintes:

Î Infantaria
Adotou-se o sistema de instrução do coronel Bernardo Antônio Zagalo,
do Exército português, que duraria até 1892, quando foi substituído
pelo Regulamento Moreira César. Segundo Zagalo, a ordem unida
dominava no campo de batalha, regulando as evoluções dos pelotões e
batalhões - não havia escola e companhia - para realizar o tiro nas melhores
condições, seja avançando ou recuando. O fogo a pé firme podia ser em
conjunto ou por atiradores. O pelotão era a unidade de tiro e o batalhão
de emprego. A baioneta seria utilizada como arma ofensiva, no assalto
ou na defesa, nos quadrados ou em outras formações de combate,
especialmente contra a cavalaria.

Î Cavalaria
Adotou-se o Regulamento do marechal Beresford, do Exército inglês,
que durante a invasão napoleônica a Portugal comandara o Exército
lusitano contra as forças de Junot. A regra geral era o combate a cavalo.
Procurava-se tirar partido da ação de choque da arma e empregá-la

226
Capítulo 12 – A Participação da Força Terrestre na História Nacional

ofensivamente. O ataque era o principal emprego da cavalaria e em sua


execução buscava-se obter velocidade e regularidade. As unidades deviam
dispor sempre de uma reserva.

Î Artilharia
Adotou-se o Regulamento da Guarda Francesa, que era muito rudimentar;
os alvos compensadores eram formações de infantaria e cavalaria.

Î Engenharia
Não existia propriamente uma engenharia militar. No entanto, já
apresentavam importância a organização do terreno e a transposição de
cursos d’água.

Î Emprego de armas combinadas


Nas instruções do sistema Zagalo encontrava-se explícito o emprego de
armas combinadas, na parte relativa ao serviço de segurança em campanha.
Na segurança em marcha havia prescrições sobre o dispositivo e o emprego
de vanguardas. Nos estacionamentos lançavam-se os postos avançados.

Î Operações combinadas
Não havia doutrina sobre o emprego combinado de forças terrestres e
navais que, no entanto, foi levado à prática algumas vezes por iniciativa
de alguns comandantes. Por exemplo, na guerra contra Rosas, quando a
Marinha transportou forças do Exército ao longo dos rios da Prata e
Paraná, vencendo o Passo de Toneleiro, e na expedição do chefe-de-
esquadra Pedro de Oliveira, em 1855, para exigir explicações de Carlos
Antonio Lopez, presidente do Paraguai. Em operações de guerra ao longo
do rio Uruguai, em 1864, realizadas pelo almirante Tamandaré, em
cooperação com forças terrestres, evidenciou-se que em um conflito
com o Paraguai teríamos a necessidade do concurso simultâneo de forças
terrestres e navais, em operações combinadas.

No mesmo período em que se introduziam modificações na organização e


nos esquemas de combate, os comandantes de nosso Exército procuravam
acompanhar o progresso das técnicas e dos processos de combate, como,
por exemplo, aqueles introduzidos por ocasião da Guerra de Secessão norte-
americana, considerada uma guerra total. Nessa luta, aplicaram-se as grandes
inovações do século XIX, decorrentes da Revolução Industrial - o transporte
de tropas por via férrea, o emprego de balões de observação e, sobretudo,
as operações combinadas.

227
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

O conhecimento adquirido com o estudo e a aplicação dos novos


regulamentos, o intercâmbio e o contato com instrutores estrangeiros, a
experiência recolhida em operações e campanhas anteriores, dentro e fora
do Brasil - tudo isso, somado aos ensinamentos militares de outros países,
representou um conjunto de ideias sugestivas para os chefes militares do
Império, na iminência do conflito com o Paraguai.

Como reflexo industrial, houve uma melhor utilização do ferro em virtude


da invenção do coque por Abraham Derby, no século XVIII, e o emprego do
alto forno para produzir aço, associados à descoberta da máquina a vapor
por James Watt, no século XIX. Tais inovações modificaram o mundo,
iniciando a era industrial. A par do aumento da produção, ocorria um
incremento na capacidade de transporte em navios a vapor e por estradas
de ferro. Essas realizações, complementadas com a invenção do telégrafo e
outras mais, teriam reflexos em todos os campos da atividade humana,
particularmente no campo militar, alterando fundamentalmente as milenares
concepções da arte da guerra que haviam atingido sua fase áurea na era
napoleônica.

Com a produção industrial, puderam os exércitos contar com os canhões


raiados de carregamento pela culatra, com projéteis alongados, com novos
fuzis de retrocarregamento, com canos raiados e tiro de repetição e também
com as primeiras metralhadoras. Os novos meios acarretaram diversas
modificações no campo da estratégia e da tática, como por exemplo:
• utilização das estradas de ferro, permitindo transportar grandes efetivos
a grandes distâncias e em prazo relativamente curto;
• emprego do telégrafo, embora ainda com rendimento pequeno, mas,
já possibilitando a rápida transmissão de mensagens, o que trazia
mobilidade aos exércitos;
• aumento do alcance e da potência dos fogos das armas, o que fez
com que se ampliasse a frente e a profundidade das forças desdobradas
no campo de batalha e melhorasse a ligação com a artilharia.

O Exército brasileiro sofreu inúmeras modificações durante os anos que


precederam a guerra da Tríplice Aliança. Graças à clarividência dos chefes
militares, as forças terrestres evoluíam em conformidade com as
transformações proporcionadas pela Revolução Industrial. A experiência
adquirida nas campanhas do Prata e a assimilação dos ensinamentos da
Guerra de Secessão embasaram os generais em suas ações.

228
Capítulo 12 – A Participação da Força Terrestre na História Nacional

3. Durante a República
3.1 Campanha de Canudos
A Guerra de Canudos foi deflagrada por fanáticos religiosos e injustiçados
no Nordeste brasileiro, liderados por Antônio Vicente Mendes Maciel,
conhecido como beato Antônio Conselheiro, que fundou a cidade de Belo
Monte e o Arraial de Canudos, no interior da Bahia. As principais
características do movimento foram: o Milenarismo e o Messianismo.
Canudos era uma comunidade autossuficiente e antirrepublicana (devido à
separação da Igreja do Estado), bem organizada administrativamente. Os
latifundiários tentaram vencer Canudos e foram derrotados, vindo a pedir o
auxílio do Exército.

O episódio foi fruto de uma série de fatores, como a grave crise econômica e
social pela qual passava a região à época, historicamente caracterizada por
latifúndios improdutivos, secas cíclicas e desemprego crônico. Milhares de
sertanejos partiram para Canudos, cidadela liderada por Conselheiro, unidos
na crença de uma salvação milagrosa que pouparia os humildes habitantes
do sertão dos flagelos do clima e da exclusão econômica e social.

Os grandes fazendeiros da região, unindo-se à Igreja, iniciaram uma forte


pressão junto à república recém-instaurada, pedindo que fossem tomadas
providências contra Antônio Conselheiro e seus seguidores. Criaram-se
rumores de que Canudos se armava para atacar cidades vizinhas e que iria
partir em direção à capital para depor o governo republicano, reinstalando a
monarquia. Apesar de não haver nenhuma prova para tais rumores, o Exército
foi mandado para Canudos.

Três expedições militares saíram derrotadas, inclusive uma comandada pelo


coronel Antônio Moreira César. A derrota das tropas do Exército pelos
canudenses nestas primeiras expedições apavorou a opinião pública, que
acabou exigindo a destruição do arraial, dando legitimidade ao massacre de
até vinte mil sertanejos. Estima-se que cinco mil militares tenham morrido.
A guerra terminou com a destruição total de Canudos, após um intenso
bombardeio, em 5 de outubro de 1897, e com o incêndio de todas as 5.200
casas do arraial.

Durante a campanha de Canudos, a tropa republicana utilizou um


ensinamento da Guerra do Paraguai (1864-1870). Na batalha de Tuiuti, a
tropa brasileira, para proteger-se do contingente paraguaio, formou uma
grande posição defensiva, balizada por uma extensa trincheira, conhecida

229
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

como “Linha Negra”. Em Canudos, ao fim de um dia de combates, os


soldados entrincheiravam-se para passar a noite, na expectativa de reação
dos insurretos. As posições conquistadas balizavam à frente uma linha que,
aperfeiçoada com o tempo, recebeu o mesmo nome de Tuiuti (Linha Negra).

Quanto à doutrina logística, Canudos teve muita importância para seu


aprimoramento e valorização, pois as deficiências encontradas neste sistema
prejudicaram o andamento das operações. Como exemplo dessas deficiências,
podemos citar:
• o grande número de baixas na operação, o pequeno efetivo disponível
e a distância das fontes de recompletamento;
• pouca disponibilidade de suprimento para a alimentação da tropa, pois
se imaginava que o conflito seria de resolução rápida, não havendo
necessidade de estoque de reservas desse suprimento. A tropa foi
obrigada a empreender incursões em busca de aquisição de alimento,
inicialmente nas redondezas e, depois, cada vez mais longe, à medida
que se iam esgotando os recursos próximos;
• o abastecimento de água era crítico; ela provinha de cacimbas cavadas
no leito seco do rio Vaza-Barris e somente à noite podia ser colhida,
desde que os jagunços não estivessem com o domínio sobre a área.

Em função dessas deficiências, a logística foi reorganizada, com as seguintes


evoluções:
• otimização do sistema logístico, tomando por base o posicionamento
de depósitos na área de operações, visando o reabastecimento da tropa;
• regularização do apoio logístico à tropa, acompanhando-a em seus
deslocamentos.

3.2 Campanha do Contestado


A guerra do Contestado foi um conflito armado entre a população sertaneja
e os representantes dos poderes estadual e federal brasileiro, travado entre
outubro de 1912 e agosto de 1916, em uma região rica em erva-mate e
madeira, disputada pelos estados brasileiros do Paraná e de Santa Catarina.

Originada nos problemas sociais, decorrentes principalmente da falta de


regularização da posse de terras, e da insatisfação da população desassistida,
numa região em que a presença do poder público era pífia, o embate foi agravado
ainda pelo fanatismo religioso, expresso pelo messianismo e pela crença, por
parte dos caboclos revoltados, de que se tratava de uma guerra santa.

230
Capítulo 12 – A Participação da Força Terrestre na História Nacional

No ano de 1912, um monge, conhecido como José Maria, uniu-se aos


sertanejos revoltados e fundou vários povoados, ignorando, a partir de
então, qualquer mandado vindo da autoridade da República. Essa região de
povoados ficou conhecida como Contestado e o conflito ganhou feição
messiânica, sendo denominado também de Guerra Santa.

Como novidade no emprego do Exército, em operações internas, tem-se


que, no mês de novembro de 1912, quando da batalha de Irani/SC, o poder
federal resolveu usar tropas de soldados equipados com fuzis, canhões,
metralhadoras e aviões, nunca antes usados em uma ação bélica desta
magnitude, com a finalidade de abater as últimas fortificações resistentes.
A Guerra do Contestado acabou em 1916 com a capitulação dos revoltosos.

Mapa do Contestado

Fonte: FRAGA, Nilson Cesar. Mudanças e Permanências na Rede Viária do Contestado:


uma abordagem acerca da formação territorial no sul do Brasil. Curitiba: Tese
(Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento)- Universidade Federal do Paraná,
Paraná, 2006. Disponível em: <http://egal2009.easyplanners.info/area08/
8073_FRAGA_NC.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2010.

231
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

3.3 O Exército e a Era Vargas


Com a aprovação da Constituição de 1934, na Era Vargas, o Exército
manteve-se como fator de estabilidade do Estado.

A Intentona de 35 representou um violento golpe no moral do Exército, que


se transformou, a partir daí, no mais inflexível adversário da ideologia e dos
processos comunistas. Enquanto no cenário mundial a Alemanha e a Itália
propagavam as virtudes de seus regimes autocráticos anticomunistas e a
Espanha vivia uma guerra civil entre facções comunistas e fascistas, no
Brasil se enfraquecia a democracia, apoiada em uma Constituição autoritária.
Com esses exemplos, e com a justificativa de conter o comunismo, Getúlio
Vargas promoveu um golpe de Estado em 1937, instaurando o regime
ditatorial do chamado Estado Novo.

Para finalizar este item, extraímos um trecho do texto disponível em <


http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/estado-novo/exercito-e-o-estado-
novo.php>.

A ditadura parecia-lhes, numa fase de extremismos, a solução


mais favorável ao desenvolvimento nacional - um governo
autoritário e moralizador. Toda a conjuntura internacional tendia
para o autoritarismo. Líderes carismáticos impunham-se no
panorama político do mundo, enquanto o liberalismo declinava
em meio a sucessivas concessões. Os regimes democráticos
pareciam ter os dias contados.
Os militares brasileiros encontravam-se possuídos de evidente
pessimismo, diante da incapacidade revelada por uma política
essencialmente liberal. A justificativa ao autoritarismo era a
imperiosa necessidade de fortalecimento do Estado, diante das
ameaças que se prenunciavam à segurança nacional, com a
perspectiva de um próximo conflito internacional.
A motivação de que se valeu o governo junto ao povo foi o
nacionalismo econômico. A semente encontraria terreno fértil.
Inúmeros segmentos da comunidade nacional pleiteavam o
controle estatal dos recursos estratégicos e dos serviços
essenciais à segurança do país. Renascia o ideal tenentista, que
fizera do nacionalismo uma de suas mais importantes bandeiras.
A guerra na Europa eclodiu em setembro de 1939. O aumento
do consumo e a dificuldade de importações, ocasionada pelo
bloqueio naval nazista, constituíram incentivos para uma política
de industrialização, insistentemente preconizada pelo Exército.
A indústria siderúrgica foi a primeira a surgir em Volta Redonda,

232
Capítulo 12 – A Participação da Força Terrestre na História Nacional

em 1946, iniciando-se um novo ciclo em nossa história econômica.


Comprovava-se o fato que a depressão de 1929 prenunciara. O
Brasil jamais se poderia modernizar e emancipar sem o apoio de
uma indústria de base eficiente e desenvolvida.
Desta forma, o Estado Novo, regime inspirado no modismo
ditatorial, conseguiu, com o apoio do setor militar, proporcionar
o despontar de um período de industrialização, essencial a seu
desenvolvimento futuro.
O Exército aparecia, pela gênese do sistema e por sua consciência
institucional, como o verdadeiro sustentáculo do Estado Novo.
Apoiaria a sua criação, naquelas horas difíceis em que a
deterioração política impunha o fortalecimento do poder legal
(Fonte: www.aman.ensino.eb.br).
É possível que hoje, revendo tranquilamente os fatos, sem a pressão
inquietante dos acontecimentos, muitos possam julgar que o
Exército tivesse perdido sua sensibilidade ou se deixasse
ingenuamente enlear no jogo político ao apoiar uma ditadura
incompatível com a formação do povo brasileiro. Tais apreciações
pecariam por não considerar todos os fatores em presença naquelas
circunstâncias em que o interesse nacional tinha de ser colocado
acima dos modelos institucionais. O mundo empenhava-se na mais
violenta guerra de todos os tempos e a união nacional era um
elemento decisivo. As decisões não admitiam delongas. Não havia
lugar nem tempo para discussões doutrinárias. As democracias ou
se fortaleceriam ou seriam esmagadas. Medidas autoritárias e
centralizadoras foram adotadas em toda parte, inclusive nas
democracias mais estáveis - na Inglaterra e nos Estados Unidos.
A personalidade de Vargas reunia características que respondiam
aos requisitos da situação. O Exército estava convicto de que a
abertura democrática teria de aguardar melhores condições.

3.4 Combate à Subversão e ao Terrorismo durante os Governos Militares


Durante o governo Costa e Silva (1967-1969), o movimento de contestação ao
regime intensificou-se, com manifestações estudantis e o início da oposição
armada. A recusa do Congresso em aceitar o pedido presidencial para autorizar o
início do processo contra um de seus membros teve, como consequência, a
promulgação do Ato Institucional nº 05, em dezembro de 1968, que deu ao
Presidente poderes para: fechar o Congresso; cassar mandatos e direitos políticos;
intervir nos Estados e Municípios; e decretar estado de sítio sem autorização do
Congresso. Previa também a suspensão do habeas corpus nos casos de crimes
políticos contra a segurança nacional, a ordem social e a economia popular.

233
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

O governo Médici (1969-1974) foi marcado pelo início do desmantelamento


de boa parte das organizações guerrilheiras, que se opunham ao regime: a
Ação Libertadora Nacional (ALN), liderada por Carlos Marighella, ex-dirigente
do Partido Comunista Brasileiro, morto pelas forças de segurança, em São
Paulo (1969); a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), comandada pelo
ex-capitão do Exército Carlos Lamarca, morto no interior da Bahia, em 1970;
a Guerrilha do Araguaia, grupo ligado ao Partido Comunista do Brasil (PC
do B), dissidência do PCB, extinta no governo seguinte.

A principal contribuição para a evolução da Doutrina Militar Brasileira, neste


período, foi o desenvolvimento de conhecimentos específicos sobre uma
nova forma de combate: o combate à subversão rural e urbana, deflagrada
pelos movimentos alimentados por inspiração marxista, contra o regime
militar. Esses conhecimentos, divulgados para a Força por meio de disciplina
institucionalizada (Guerra Revolucionária Urbana e Rural), passaram a servir
de referência para esse tipo de combate assimétrico, tendo sido incluídos,
inclusive, nas provas de seleção para os Cursos de Altos Estudos Militares.

Dentre os vários confrontos contra forças subversivas, o combate conhecido


como “Guerrilha do Araguaia” trouxe vários ensinamentos para o
aprimoramento da então insípida doutrina para a guerra irregular (Fonte:
www.ternuma.com.br):
• importância da utilização do sistema de inteligência militar, que realizou
reconhecimentos e obteve valorosas informações acerca da região;
• valorização da utilização de tropa constituída por militares especialistas
no ambiente da área;
• valorização dos princípios de guerra da mobilidade e da surpresa,
utilizados em combates não-convencionais;
• importância da utilização das operações psicológicas, a fim de obter
apoio da população (maior ênfase ao ACISO);
• importância do “estrangulamento” do apoio logístico aos subversivos,
comprometendo sobremaneira suas operações.

4. Campanhas Militares em Conflitos Externos


4.1 Guerra da Tríplice Aliança
A guerra do Paraguai ou da Tríplice Aliança teve início no ano de 1864, a
partir da ambição do ditador Francisco Solano Lopez, que tinha como objetivo
aumentar o território paraguaio e conseguir uma saída para o Oceano

234
Capítulo 12 – A Participação da Força Terrestre na História Nacional

Atlântico, utilizando os rios da Bacia do Prata. Ele iniciou o confronto com


a criação de inúmeros obstáculos impostos às embarcações brasileiras, que
se dirigiam a Mato Grosso, através da capital paraguaia.

Visando a província de Mato Grosso, o ditador paraguaio aproveitou-se da


fraca defesa brasileira naquela região para invadi-la e conquistá-la. Fez isso
sem grandes dificuldades e, após esta batalha, sentiu-se motivado a dar
continuidade à expansão do Paraguai através do território que pertencia ao
Brasil. Seu próximo alvo foi o Rio Grande do Sul, mas, para atingi-lo,
necessitava passar pela Argentina. Com isso, invadiu e tomou Corrientes,
província argentina que, naquela época, era governada por Mitre.

Decididos a não mais serem ameaçados e dominados pelo ditador Solano


Lopez, Argentina, Brasil e Uruguai uniram suas forças em 1° de maio de
1865, com a elaboração de um acordo conhecido como a Tríplice Aliança.
A partir daí, os três países lutaram juntos para deterem o Paraguai, que foi
vencido em 01 de março de 1870.

Durante este conflito, o Exército Imperial teve de adequar-se à situação e


ao terreno, para obter o êxito esperado. O Corpo de Exército possuía
organização variável.

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C
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Infanta taria
ria
O BS E RVAÇÕ E S: No 3º C Ex
No 1º C Ex ( re par tição de saúd e, e nf er maria
ce nt ral, en fe rmaria do Passo d a Pát ria, re par tição ecle siástica, r ep art iç ão
fiscal, p agador ia militar ) F ON TE – HI ST ÓR IA D A GU E RR A E N TR E A TR Í PL I CE A L IA N Ç A E O BR A SI L –T A SSO F R A GOSO

Fonte: FRAGOSO, 1957

235
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

O Exército Brasileiro, ainda sob a influência da Doutrina Portuguesa,


caracterizou sua participação no conflito, dentre outros aspectos por
(BENTO, 2000):

Î Heterogeneidade dos uniformes

HETEROGENEIDADE DOS UNIFORMES

31º CVP SOL DADO


(EX- CO RPO 33º CVP
POLICIAL DA RI O GRANDE
CO RT E) DO SUL

SO LDADO
SOL DADO COM PANHIA
11º CVP DE CO URAÇAS
PE RNAMB UCO BAHIA

FONT E – OS VOLUNT ÁRI OS DA P ÁT RI A NA GUE R RA D O P A RAGU AI – BI B LI E X

Fonte: DUARTE, 1981

Î Multiplicidade de armamentos

AR M A M ENT O IN D IV ID U A L

E S P IN G A R D A M I N I É - F U Z I L E IR O S - 1 4 , 8 0 m m

B A I O N E T A T R IA N G U L A R

C A R A B IN A M IN I É
S A B R E B A IO N E T A IN F A N T A R I A L IG E I R A

C L A V I N A M IN IÉ P I S T O LA
C A V A LA R I A L I G EI R A C AVA LARIA
F O N T E – A A R TE D A G U E R R A – R U A S S A N TO S – BI BL I EX

Fonte: RUAS SANTOS, 1998

236
Capítulo 12 – A Participação da Força Terrestre na História Nacional

Î Imobilidade tática no período de 1866 a 1867

PARA HUMAITÁ

UC
E LINHAS NEGRAS
SA

POSIÇÕES DEFENSIVAS
QUE MARCARAM A
IMOBILIDADE DA
FRENTE DE COMBATE
EM 1866 / 1867 A
AS
NORDESTE DE TUIUTI.
R
NE G
HA S
LIN

PARA TUIUTI

FONTE – OS VOLUNT ÁRI OS DA P ÁTRI ANA GUERRADO P ARAGUAI – BI BLI EX

Fonte: DUARTE, 1981

Î Valorização do apoio da arma de Engenharia


A Engenharia teve grande importância nas missões de transposição de cursos
de água.

PONTE DE CIRCUNSTÂNCIA
TRAVESSIA DO JUQUERI-GRANDE - 15 JUL 1865
Fonte: DUARTE, 1981

237
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Na parte logística, Caxias planejava o apoio constante às Unidades


Operacionais, com constantes mudanças de base:
• Caxias estabelecia Bases de Operações e Logísticas, movendo-as com
o desenrolar das Operações: Tuiuti, Humaitá, Vileta, Assunção;
• Caxias trabalhou com um bem montado sistema de comboios,
escoltados entre Tuiuti e Tuyu-Cué na execução da manobra de
Humaitá;
• Caxias estabeleceu bases para o suprimento da esquadra construindo
uma linha férrea até Porto Elisário e depois uma base em Tayí.

Quanto à instrução, especialmente a dos Voluntários da Pátria, era deficiente


e, na verdade, seu adestramento foi obtido a duras penas, já em combate.

VOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA EM INSTRUÇÃO EM CAMPANHA

Fonte: DUARTE, 1981

238
Capítulo 12 – A Participação da Força Terrestre na História Nacional

Fonte: DUARTE, 1981

239
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

4.2 Primeira Guerra Mundial


O Governo de Venceslau Brás coincidiu com o período da Primeira Guerra
Mundial. Os fatores que colaboraram para a entrada do Brasil no conflito
foram os seguintes:
· o prestígio que a França possuía junto aos intelectuais brasileiros;
· a entrada dos Estados Unidos na guerra; e
· o afundamento de navios mercantes brasileiros por submarinos alemães.

Tendo em vista a ocorrência destes fatores, dentre outros, o Brasil declarou


guerra à Alemanha e seus aliados, em outubro de 1917. A posição do governo,
em relação à guerra, inicialmente, foi de neutralidade. O ataque a navios brasileiros,
por parte dos alemães, entretanto, foi o estopim, que levou o Brasil a participar
do conflito. A colaboração brasileira aos aliados constou do envio de um corpo
médico e de gêneros alimentícios. Entretanto, os ensinamentos colhidos no
conflito provocaram grandes alterações na estrutura e doutrina militar brasileira:
· missão indígena (grupo de oficiais especialmente selecionados para
melhorar o nível da instrução na Escola Militar do Realengo);
· mudanças doutrinárias advindas da Missão Militar Francesa (introduziu
a doutrina da I GM adaptada às condições brasileiras - 1920 a1940);
· implantação da Aviação Militar; e
· aquisição e formulação de doutrina para emprego dos blindados.

4.3. Evolução da Doutrina Militar Terrestre Brasileira (antes da 2ª GM)


No limiar do século XX, o EB estruturava-se em Ministério da Guerra, Secretaria
da Guerra, EME, órgãos de direção setorial e Divisão Territorial Militar.

ORGANIZAÇÃO DO EXÉRCITO
MINISTRO DA
GUERRA

EME SECRETARIA DA
GUERRA

INT GERAL DIREÇÃO CONTADORIA DIRETORIA


GUERRA GERAL ENG GERAL SAÚDE

DM

INF CAV ART

Fonte: <http://www.exercito.gov.br>

240
Capítulo 12 – A Participação da Força Terrestre na História Nacional

A Divisão Territorial Militar compreendia sete Distritos Militares (antigo


Comando das Armas), onde se encontrava a força terrestre. Esta contava
com as armas de Inf, Cav e Art, que, grupadas, formavam as Brigadas
comandadas por um coronel.

As unidades do Exército, em sua maioria, concentravam-se no Rio Grande


do Sul (35%), Rio de Janeiro (10%) e Mato Grosso (5%). Seu efetivo total
beirava os 18.000 homens.

O Batalhão de Infantaria organizava-se a quatro companhias, tendo como


armamento individual o fuzil Mauser modelo 1891.

Os regimentos de Cavalaria contavam com quatro esquadrões, sendo dois


de lanceiros e dois de clavineiros.

Os regimentos de Artilharia eram a quatro baterias, sendo cada uma a quatro


peças. Usavam, na maioria das unidades, o canhão Krupp 75 mm (tiro lento).
Além disso, havia os batalhões de Artilharia, que guarneciam as fortalezas.

Os batalhões de Engenharia organizavam-se a duas companhias de Sapadores,


uma de Pontoneiros e uma de Telegrafistas e Ferroviários. Em 1908 a
Engenharia surge como arma.

Fonte: <http://www.exercito.gov.br>

No período compreendido entre a Proclamação da República e o fim da


década de 30, a força terrestre recebeu influências estrangeiras e promoveu
reformas internas, as quais contribuíram para a evolução da Doutrina Militar
Terrestre Brasileira.

241
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

4.4 Segunda Guerra Mundial


Por ocasião da 2ª Guerra Mundial, o Brasil foi atingido mais profundamente
pela violência bélica dos submarinos nazi-fascistas. Nossa participação no
conflito bélico foi precedida pela tomada de medidas no campo diplomático,
pelo governo brasileiro, visando honrar o compromisso assumido, por ocasião
da III Reunião de Consulta dos Ministros de Relações Exteriores das Repúblicas
Americanas, realizada no Rio de Janeiro e encerrada a 28 de janeiro de
1942. Nessa oportunidade, cumprindo o acordo firmado com as nações do
continente, o Brasil rompeu relações diplomáticas com as potências do
Eixo: Alemanha, Itália e Japão.

Esta atitude diplomática do governo brasileiro, assumida em nome da


solidariedade do Continente Americano ante a ameaça nazi-nipo-fascista,
provocou uma reação violenta do governo de Berlim. Em 15 de junho de
1942, Adolph Hitler, em reunião com o almirante Reader, decidiu desencadear
uma ofensiva submarina contra a navegação marítima, nas costas brasileiras.
Para esta missão, foi destacada uma flotilha de submarinos, sendo oito de
500 toneladas e dois de 700 toneladas. Partindo da costa da França ocupada,
essa fIotilha foi reabastecida já próximo à nossa costa pelo submarino-
tanque U-460.

Em seguida, começou a ação corsária dos submarinos alemães e,


possivelmente, alguns italianos do governo fascista de Benito Mussolini.
Em dois dias, de 15 a 17 de agosto de 1942, cinco navios mercantes
brasileiros foram torpedeados e afundados, a poucas milhas de nossa costa.
Seguiram-se outros ataques que afundaram 31 barcos mercantes brasileiros.
Era a guerra não declarada, era a violência, a pretexto de responder a um
ato diplomático de rompimento de relações.

Era o Brasil, em 1942, um país já mais expressivo na balança do poder do


que o Brasil de 1917. A resposta teria que ser mais forte, como foi. Reagindo
às agressões militares sofridas, o governo brasileiro, a 22 de agosto de
1942, declarou guerra à Alemanha e à Itália. A Nota Ministerial, comunicando
a Declaração de Guerra aos governos de Berlim e Roma, foi firmada pelo
embaixador Oswaldo Aranha, Ministro de Relações Exteriores.

Em seguida, o governo de Getúlio Vargas decretou estado de guerra em


todo o território nacional e foi determinada a mobilização geral do país.

242
Capítulo 12 – A Participação da Força Terrestre na História Nacional

A ORGANIZAÇÃO DA FEB

FEB

OND 1ª DIE

Fonte: O Exército na História do Brasil, BIBLIEx, 2003

A 2ª GM trouxe valorosos ensinamentos, para o Brasil, na parte doutrinária:


• sistematização de nova doutrina com base na doutrina norte-americana
empregada na 2ª GM, preocupando-se com as adaptações necessárias;
• decreto da nova constituição das FFAA (Op isoladas e combinadas);
• inovações como:
- Regulamento de Operações
- Manual de Estado-Maior e Ordens
- Trabalho de Comando / estudo de situação
• equipamento e armamento:
- motorização de viaturas militares
- cavalaria - surgimento de unidades mecanizadas e blindadas
• criação da Escola de Pára-quedismo e organização do Núcleo da Divisão
Aeroterrestre;
• maior especialização profissional;
• grande evolução na logística;
• abandonados os velhos conceitos defensivos franceses, em troca das
normas ofensivas norte-americanas (envolvimento e desbordamento,
além da ênfase dada à mobilidade estratégica;
• a situação operacional e o terreno da Campanha da Itália dificultaram
a manobra de flanco e condicionaram nossa mentalidade em optar
pelas ações frontais, tendência verificada até há pouco tempo;
• influência da doutrina norte-americana:
- generalizou e sistematizou o ensino.
- os quadros e as tropas tornaram-se mais homogêneos e capazes
com a elevação do nível intelectual dos militares.

243
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

• no fim da década de 50, ocorreram grandes manobras no terreno e na


carta;
• uma nova lei de ensino abrangeria toda a estrutura de formação e
aperfeiçoamento, tornando-se propulsora da nova doutrina militar;
• emprego de blindados condicionado ao acompanhamento de tropas
de infantaria;
• reorganização da Força Terrestre à base de Brigadas, que integravam,
em número variado, as Divisões.

4.5 Conquista e Ocupação da Amazônia


Além da expedição de Raposo Tavares, várias outras se lançaram de São
Paulo para a Amazônia. Em 1613, partiu a leva de Pero Domingues, que
percorreu parte das bacias do Araguaia e do Tocantins. Quando regressavam
a São Paulo, subindo o Araguaia, aprisionaram cerca de três mil índios que
tinham ligação com os franceses. Outra bandeira, comandada por Sebastião
Paes de Barros, desceu o Tocantins e o Amazonas, atingindo Belém do
Pará. Em 1673 foi repelida por tropa enviada pelo governador do Pará, sob
a alegação de que os bandeirantes andavam capturando alguns guajarás,
prejudicando-lhes a catequese.

Na segunda metade do século XVII, várias bandeiras de São Paulo


vasculharam os sertões de Goiás, entre elas a de Bartolomeu Bueno da
Silva, o Anhanguera, no período de 1670 a 1673. Em 1616, Francisco
Caldeira Castello Branco fundou Belém do Pará, onde ergueu uma
fortificação. Começava a ocupação da Amazônia, naquela época muito
cobiçada por holandeses, franceses e ingleses que percorriam o baixo
Amazonas, comerciando com os nativos, criando estabelecimentos
comerciais e construindo fortins.

Durante este período de conquista e ocupação da Amazônia, alguns


fundamentos doutrinários foram implantados e desenvolvidos na região,
como:
• Para o controle da região seria essencial o estabelecimento de um
maciço investimento na área psicossocial, onde missionários, já em
contato com os silvícolas, procuravam catequizá-los e civilizá-los, além
de intensa propaganda e doutrinação a favor de Portugal. Como
exemplo, tem-se: em 1658, com os rumores de guerra iminente com a
Holanda, as autoridades resolveram solucionar o problema dos
nheengaíbas, índios hostis que ocupavam a ilha de Marajó, até então

244
Capítulo 12 – A Participação da Força Terrestre na História Nacional

inimigos dos portugueses e, possivelmente, ligados aos holandeses e


franceses. Tendo eficaz atuação à época, o padre Antônio Vieira
solicitou, uma vez mais, que se fizesse nova tentativa de aliança com
aqueles índios. Pelo seu grande prestígio, conseguiu convencer os
indígenas a aceitar aliança com os luso-brasileiros. Após a missa
comemorativa da aliança, colocou os índios alinhados e fez com que
repetissem, em coro, o juramento de fidelidade ao Rei de Portugal.
Não fossem o trabalho sereno dos missionários e a ação pessoal de
Vieira, tornar-se-ia difícil o domínio do delta do Amazonas, com graves
consequências futuras;
• Construção de fortificações nas grandes hidrovias evitando, com a
colocação destes bastiões defensivos, o livre trânsito na região.

Além dos fatores aqui levantados, os bandeirantes organizavam-se em


expedições de caráter nitidamente ofensivo, inclusive destruindo ou
submetendo, pelas armas, grupos adversos. Constituíram uma das mais
importantes forças terrestres no tempo colonial. Para suas campanhas,
adaptavam os ensinamentos militares portugueses, às condições regionais.
Como a maioria do efetivo das expedições era de índios aliados, os sertanistas
aprendiam seus métodos de combate, sua língua e seus costumes. Os
caminhos utilizados também eram os conhecidos pelos silvícolas.

Da organização militar ibérica, os bandeirantes herdaram sentimento prático


da hierarquia. Suas expedições geralmente estruturavam-se em escalões
definidos: um comandante ou chefe geral, que era denominado cabo da
tropa; alguns comandantes brancos; um corpo mais numeroso, que era o
escalão intermediário, constituído por mamelucos; e o grosso da tropa, a
verdadeira força de choque, composto de índios submissos ou aliados.

Em suas ações ofensivas, a expedição dividia-se em colunas de ataque,


formadas de companhias ou bandeiras, as quais se apoiavam mutuamente,
para não serem batidas isoladamente. Os bandeirantes evitavam a formação
em massa diante do inimigo: preferiam a dispersão, que aprenderam com os
indígenas.

Em seus deslocamentos de dezenas de léguas, não descuidavam da


segurança, protegendo-se com destacamentos de vanguarda, retaguarda e
flanco-guarda. Não subestimavam o valor dos adversários, acerca dos quais
procuravam manter-se sempre informados. Quando percorriam terras do sul
de Mato Grosso e de Goiás, habitadas pelos guaicurus, índios cavaleiros,
deslocavam-se junto às orlas da mata, evitando a campanha rasa, na qual

245
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

poderiam ser destroçados pela cavalaria indígena. Atacavam sempre de


surpresa e da maneira mais agressiva possível, aos gritos, com forte fuzilaria,
desfraldando os estandartes de guerra, procurando aterrorizar e desorganizar
o inimigo.

Habituados às emboscadas, usavam embustes os mais variados, chegando


a se vestir de padres para granjear a confiança dos indígenas. Em situações
perigosas sabiam manobrar em retirada ou então dispersar-se pelo mato,
esperando pacientemente a oportunidade de retornar ao ataque. Adquiriram
a paciência dos índios: quando acabavam os meios de subsistência,
acampavam durante meses, esperando que as colheitas das plantações
permitissem a continuação das longas jornadas.

As tropas deslocavam-se a pé, marchando antes da aurora. Os sertanistas


conheciam as vantagens da guerra psicológica: procuravam ampliar a imagem
de suas façanhas, tornando-se admirados pelos homens do governo e
atemorizando os adversários.

4.6 Missões de Paz (Evolução do Conceito)


A mudança da natureza dos conflitos resultante do término da Guerra Fria
fez ressurgirem antigos desafios para a manutenção da paz que colocam
em risco a segurança coletiva mundial.

Por muitos anos, as operações de paz significaram ações militares para


evitar a ampliação de conflitos. Atualmente, as missões de paz tornaram-se
mais complexas, alterando os padrões originais.

As operações de paz tradicionais resumiam-se em desdobramento de forças


de coalizão ou multinacionais no terreno, com a finalidade de monitorar e
facilitar a implementação de acordo de cessar-fogo, em apoio de esforços
diplomáticos para solucionar politicamente o conflito armado.

No passado, as operações de paz deviam satisfazer a três princípios:


• ter a anuência das partes em confronto, inclusive um convite explícito
do(s) país(es) onde a força de paz seria desdobrada;
• ser imparcial;
• fazer uso de armas somente em defesa própria.

No presente, novos conceitos vêm sendo aceitos, para garantir a paz no


mundo. A doutrina emergente dos novos desafios de crescente violência
criou outras formas de operações de paz:

246
Capítulo 12 – A Participação da Força Terrestre na História Nacional

• de manutenção da paz - monitoramento de cessar-fogo estabelecido;


• de imposição de paz - intervenção militar convencional em separação
dos beligerantes pela força;
• de pacificação - mediação diplomática com assessoria militar para
colocar fim a disputas;
• de construção da paz - esforço nacional do tipo ação cívico-social que
implique desdobramento preventivo de força.

Atualmente, com operações em andamento no Haiti (MINUSTAH), o Exército


tem obtido grandes avanços doutrinários na área da Garantia da Lei e da
Ordem (GLO), servindo de base para contínuas palestras acerca do assunto.

No Haiti, o Exército Brasileiro tem se aperfeiçoado em várias áreas da


expressão do poder, como: relacionamento com ONG e organizações
internacionais, operações civis-militares de ajuda humanitária, relacionamento
diplomático, Operações de Garantia da Lei e da Ordem etc. Estas situações
são imprescindíveis para adestrar as diversas células e sistemas operacionais
do Batalhão de Força de Paz, que está materializando no Haiti a capacidade
que o Exército Brasileiro possui em operações dessa natureza.

O Centro de Instrução de Operações de Paz foi criado em 2005 e tem por


missão contribuir para a pesquisa, o desenvolvimento e a validação da
doutrina de emprego da Força Terrestre no que se refere às Operações de
Paz. Dessa forma planeja e conduz cursos e estágios a fim de habilitar
militares para o comprimento das diversas Missões de Paz.

247
EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR

Referências
BENTO, Cláudio Moreira. As Batalhas dos Guararapes: descrição e análise
militar. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1971. 2 v.

BRASIL. Exército Brasileiro. Academia Militar das Agulhas Negras. História


do Exército Brasileiro. Bibliex, 1974.

______. História Militar do Brasil. 1978.

CAMARGO, Aspásia; GÓES, Walder de. Diálogo com Cordeiro de Farias:


meio século de combate. Rio de Janeiro: Bibliex, 2001.

CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e política no Brasil. Rio de


Janeiro: Zahar, 2005.

COELHO, Edmundo Campos. Em busca da identidade: o Exército e a política


na sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1976.

DONATO, Hernani. Dicionário das batalhas brasileiras: dos conflitos indígenas


aos choques da reforma agrária (1500-1996). Rio de Janeiro: Bibliex, 2001.

FAORO, Raimundo. Os donos do poder. São Paulo: Edusp, 1975.

FORJAZ, Maria Cecília Spinna. Tenentismo e política. Rio de Janeiro: Paz e


Terra, 1997.

HAYES, Robert Annes. Nação armada: a mística militar brasileira. Rio de


Janeiro: Bibliex, 1991.

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