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(Pronunciamento realizado pelo Prof. Dr.

Silverio Nieto Núñez na Universidade


Católica de San Antonio (Murcia, Espanha), pronunciada em 13 de junho de 2009)

INTRODUÇÃO E PRINCÍPIOS GERAIS

O tema que será desenvolvido tem por título “As Universidades Católicas segundo a
Constituição Apostólica ‘Ex Corde Ecclesiae’, do Santo Padre João Paulo II”. Trata-
se de uma aproximação jurídica, que pretende oferecer, a partir da perspectiva do
Direito e considerando os textos legais pertinentes, algumas reflexões úteis acerca
da natureza das Universidades Católicas e de sua titularidade.

Nascida do coração da Igreja, a finalidade de toda Universidade Católica é fazer


que se obtenha “uma presença”, por assim dizer, pública, contínua e universal do
pensamento cristão em todo esforço tendente a promover a cultura superior e,
também, formar todos os estudantes de maneira que cheguem a ser homens insígnes
pelo saber, preparados para desempenhar funções de responsabilidade na sociedade e
a testemunhar sua fé diante do mundo.(1)

No mundo de hoje, caracterizado por alguns progressos tão rápidos na ciência e na


tecnologia, as tarefas da Universidade Católica assumem uma importância e uma
urgência cada vez maiores. Nossa época, com efeito, tem necessidade urgente desta
forma de serviço desinteressado que é o de proclamar o sentido da verdade, valor
fundamental sem o qual desaparecem a liberdade, a justiça e a dignidade do homem.
(2)

A Universidade Católica é uma comunidade acadêmica que, de modo rigoroso e crítico,


contribui para a tutela e o desenvolvimento da dignidade humana e da herança
cultural mediante a pesquisa, o ensino e os diversos serviços oferecidos às
comunidades locais ou regionais, nacionais e internacionais. Ela goza daquela
autonomia institucional que é necessária para cumprir suas funções eficazmente e
garante aos seus membros a liberdade acadêmica, salvaguardando os direitos da
pessoa e da comunidade dentro das exigências da verdade e do bem comum.(3)

Em uma Universidade Católica, portanto, os ideais, as atitudes e os princípios


católicos penetram e abraçam as atividades universitárias. Em outras palavras:
sendo ao mesmo tempo “Universidade” e “Católica”, ela deve ser simultaneamente uma
comunidade de estudiosos, que representa diversos campos do saber humano, e uma
instituição acadêmica na qual o Catolicismo está presente de maneira vital.(4)

As atividades universitárias têm sido, por tradição, um meio graças ao qual os


leigos podem desenvolver um importante papel na Igreja. Hoje, na maior parte das
Universidades Católicas, a Comunidade acadêmica é compuesta majoritariamente por
leigos, os quais assumem, em número sempre crescente, altas funções e
responsabilidades de direção. Estes leigos católicos respondem à chamada da Igreja
“a estar presentes ao ensino da coragem e da criatividade intelectual, nos postos
privilegiados da cultura como é o mundo da educação: Escola e Universidade”.(5) O
futuro das Universidades Católicas depende, em grande parte, do competente e
generoso empenho dos leigos católicos.(6)

Toda Universidade Católica mantém com a Igreja um vínculo que é essencial para a
sua identidade institucional. Ainda que participe mais diretamente na vida da
Igreja particular em que está implantada, ao mesmo tempo participa e contribui para
a vida da Igreja Universal, assumindo, portanto, um vínculo particular com a Santa
Sé em razão do serviço de unidade, que ela é chamada a cumprir em favor de toda a
Igreja. Desta estreita relação com a Igreja derivam, como consequência, a
fidelidade da Universidade, como instituição, a mensagem cristã e o reconhecimento
e adesão à Autoridade magisterial da Igreja em matéria de fé e moral.(7)
A Universidade Católica, que presta um importante auxílio à Igreja em sua missão
evangelizadora, deve estar cada vez mais atenta às culturas do mundo de hoje, com o
fim de promover um constante e proveitoso diálogo entre o Evangelho e a sociedade
atual. Entre os critérios que determinam o valor de uma cultura, estão, em primeiro
lugar, o significado da pessoa humana, sua liberdade, sua dignidade, seu sentido da
responsabilidade e sua abertura à trascendência. No tocante à pessoa, está
relacionado o valor eminente da família, célula primária de toda cultura humana.(8)

AS UNIVERSIDADES CATÓLICAS NO VIGENTE CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO

Uma das contribuições mais significativas do Código de Direito Canônico de 1983 é a


diferenciação entre “universidades católicas” e “universidades eclesiásticas”. As
primeiras são aquelas que acolhem as ciências em geral; e, as eclesiásticas, as
dedicadas ao estudo das disciplinas sagradas e Das matérias relacionadas com elas.
São instituições diferentes, que gozam de regime jurídico distinto.(9) O ensino das
disciplinas sagradas se vincula ao próprio múnus da Igreja. É uma parte do seu
“dever de anunciar a verdade revelada”, como assinala o cânon 815; por tal motivo,
as universidades e faculdades eclesiásticas “são próprias da Igreja”.

A Universidade Católica é uma instituição que tem gozado de ininterrupta vigência


durante séculos e que aparece dotada, atualmente, de uma grande vitalidade. Apesar
disso, o Código de 1983 não estabelece o conceito de “Universidade Católica”. No
entanto, define, contrariamente, a “escola católica”: é “aquela que é dirigida ou
reconhecida pela autoridade eclesiástica” (cânon 803). O Codex tampouco sente a
necessidade de levar a cabo um regulamento detalhado da Universidade Católica, que
[na Espanha] é definido pelo Decreto Geral da Conferência Episcopal Espanhola de 11
de fevereiro de 1995 como “aquela Universidade eregida canonicamente pela
autoridade eclesiástica ou criada por uma pessoa jurídica eclesiástica pública, ou
que a autoridade eclesiástica reconhece como católica” (art. 1). Em todo caso, para
atender à noção canônica de “Universidade Católica” não basta sê-lo na realidade,
eis que necessários determinados requisitos formais ou autorizadores, que abre
caminho à exposição da legislação específica.

AS UNIVERSIDADES CATÓLICAS NA CONSTITUIÇÃO APOSTÓLICA “EX CORDE ECCLESIAE”

Conforme à confessionalidade que impregnava o conjunto das instituições do Estado


[espanhol] anterior à Constituição de 1978 e de acordo com a Concordata de 1953,
dizia-se que todas as Universidades eram católicas.

O que resta surpreendente é que todavia [hoje] se continua empregando, pelas


posteriores normativas concordatária e civil, a expressão “Universidades da Igreja”
ou “de titularidade da Igreja” como se ainda sobrevivesse a confessionalidade
católica de todas as Universidades, sendo que a Constituição [espanhola] vigente
introduz um regime de aconfessionalidade moderada com medidas de cooperação do
Estado com a Igreja católica e com as demais confissões religiosas (art. 16). Mais
do que isso, a incorreta continuidade do uso da expressão “Universidades da Igreja”
tem gerado a errônea opinião de que todas as Universidades católicas são de
titularidade da hierarquia eclesiástica, interpretação reduzida da noção de Igreja
Católica que foi superada pelo Concilio Vaticano II com o aporte de várias acepções
integradoras como, entre outras, a de Igreja como “Povo de Deus”, acolhida pelo
vigente Código de 1983, constituída individualmente por todos os fiéis batizados e
em comunhão com a Igreja, e socialmente por todas as entidades orgânicas e meros
agrupamentos de cristãos que peseguem a realização de fins eclesiais.(10)

Sem desconhecer a centralidade da acepção de Igreja hierárquica, prima no caso da


Universidade Católica a noção de Igreja como “Povo de Deus”, cujo amplo conteúdo
pessoal corresponde melhor com a abertura da Constituição Apostólica “Ex Corde
Ecclesiae” a todos os setores da Igreja como potenciais fundadores de Universidades
Católicas, em condições de igualdade, que se dá entre todos os fiéis enquanto à
dignidade e à ação (cânon 208), igualdade no tratamento de todas as modalidades de
Universidade católica que deve ser observada também pela legislação civil, em
acatamento ao que dispõe o art. 14 da Constituição [espanhola], regulador do
Princípio da Igualdade e da não-discriminação por motivos religiosos, entre outros.
Esta interpretação histórica abona o argumento de que a expressão “Universidade da
Igreja” equivale a “Universidade Católica” e à mesma consequência se chega quando
nos referimos à Igreja em suas acepções conciliares de ampla base pessoal
igualitária.(11)

Deixando à margem outros antecedentes, o processo para o estabelecimento de uma


verdadeira liberdade de ensino tomou um impulso de esperança por motivo da
promulgação da Constituição [espanhola] de 1978, cujo artigo 27 “reconhece a
liberdade de ensino”. Também afirma que “se reconhece às pessoas físicas e
jurídicas a liberdade de criação de centros docentes, dentro do respeito aos
princípios constitucionais”. Este mesmo artigo, na única referência expressa à
Universidade, reconhece o princípio de autonomia desta instituição, “nos termos que
a lei estabeleça”.

Em conformidade com os novos princípios constitucionais, se firmou o Acordo entre a


Santa Sé e o Estado espanhol, sobre Ensino e Assuntos Culturais, em 3 de janeiro de
1979. Não há nenhuma dúvida acerca de que, conforme a sua natureza de tratado
internacional assinado pela Espanha, este texto faz parte do ordenamento interno
espanhol.

No artigo X do Acordo sobre Ensino, aparece uma alusão aos centros universitários
que se estabeleçam pela Igreja, para afirmar que se acomodarão à legislação que se
promulgue com caráter geral enquanto ao modo de exercer suas atividades. Esta norma
constitui um claro reconhecimento do direito da Igreja de criar universidades que,
como é facilmente reconhecido tanto pela Espanha quanto pelo resto da Europa,
nasceram no seio da Igreja. Conforme ao citado art. X, as autoridades eclesiásticas
são as únicas competentes para decidir sobre a questão da titularidade, elemento
essencial da estrutura orgânica de suas instituições.

Os fiéis, “entre os quais rege uma verdadeira igualdade enquanto a dignidade e ação
comum… para a edificação do Corpo de Cristo”(12), têm respondido frequentemente à
sua vocação ao apostolado realizando, ao longo da História, múltiplas iniciativas
evangelizadoras da mais diversa índole (escolas, editoras, meios de comunicação,
hospitais etc.). Estas empresas apostólicas têm sido propostas pelo Concilio
Vaticano II como modos concretos de participar da missão da Igreja, abertas a todos
os membros do Povo de Deus.(13) Daí que, o direito a promover entidades ou
instituições apostólicas deva considerar-se como originário, independente de
qualquer eventual convite da hierarquia para colaborar ativamente na
responsabilidade que lhe é própria; assim, a autoridade eclesiástica não deve
impedir ou obstaculizar o exercício deste direito, cumprindo os requisitos ou
condições estabelecidos.(14)

O Código de Direito Canônico reconhece o direito que corresponde a todos os fiéis


de promover a ação apostólica por suas próprias iniciativas, conforme o estado e a
condição de cada um. No caso dos leigos, a prática desse direito se traduz,
comumente, no impulso das tarefas apostólicas seculares, próprias, justamente, da
condição e da missão que desempenham no mundo. A docência e a pesquisa em matérias
não-religiosas constituem tarefas de índole secular que muitos fiéis leigos
desempenham profissionalmente, nas quais encontram o âmbito específico de sua
santificação e de seu apostolado. Nada tem de estranho que um grupo de fiéis
leigos, conscientes da sua vocação e invocando a liberdade que lhes corresponde no
ordenamento civil e eclesial, impulsionem iniciativas de ensino superior inspiradas
em princípios e atitudes católicas e sem pretensão de representar a Igreja, ainda
que tenham verdadeiro compromisso eclesial.(15)
Entendemos que a pretensão da Igreja – de acordo com o Princípio da Subsidiariedade
-, que informa sua atividade nas matérias não reservadas ao exercício do poder
sagrado não deve ser a de absorver institucionalmente o fenômeno do Ensino Superior
de inspiração cristã mediante fórmulas canônicas e soluções concordatárias. Melhor:
seu objetivo é o fomento da livre iniciativa dos fiéis leigos e a colaboração –
principalmente no plano espiritual – com suas realizações.

O realmente necessário é que nos Centros de Ensino Superior ou Universidades de


inspiração religiosa católica se compartilhe uma docência e se realize uma
atividade investigadora que reflitam a fidelidade à mensagem cristã tal como é
apresentada pela Igreja, e que contribuam, definitivamente, para estabelecer um
diálogo fecundo entre a fé e a cultura. Trata-se, portanto, de uma instituição
social à que se confia a tarefa da transmissão e desenvolvimento da ciência, da
técnica e da cultura, mediante a docência do mais alto nível e a pesquisa,
contribuindo assim para o enriquecimento do saber humano.

Como já dissemos, o regime jurídico das Universidades Católicas foi completada em


virtude de uma norma legal da máxima categoria: a Constituição Apostólica “Ex Corde
Ecclesiae” (ECE), do Sumo Pontífice João Paulo II, datada de 15 de agosto de 1990.
(16) Constitui o primeiro documento pontifício específico, de natureza legislativa,
sobre as Universidades Católicas, considerado pelo Romano Pontífice a Magna Carta
na matéria. Esclarece os requisitos constituintes de uma Universidade Católica ao
assinalar os elementos necessários jurídicos e substanciais.

Para determinar a natureza desta classe de Universidade em sentido canônico se faz


necessário recorrer a critérios de índole formal. Estes são basicamente dois, a
saber:

1) A condição da pessoa que erege a Universidade; e,


2) O grau de vinculação da Universidade com a Igreja.

A Constituição Apostólica ECE indica quais são os diversos tipos ou formas de


ereção de uma Universidade Católica (art. 3), que recolhem uma larga experiência
histórica. O que constitui a diferença fundamental entre os diversos tipos de
Universidades Católicas? Parece que a chave está em quem toma a responsabilidade e
iniciativa para fundar e dirigir a universidade. Esta responsabilidade é
determinada em grande parte por circunstâncias e motivos bastante diversos
(históricos, econômicos, políticos, etc). Se, em uma região qualquer, as pessoas
privadas ou leigas (art. 3.3) não têm tomado a iniciativa de fundar suficientes
Universidades Católicas e os Institutos Religiosos ou outras pessoas jurídicas
públicas tampouco o fizeram (art. 3.2), a responsabilidade de promover uma presença
estável do pensamento cristão nos ambientes universitários corresponde à autoridade
eclesiástica (art. 3.1). Evidentemente, uma Universidade Católica fundada e
dirigida pela autoridade eclesiástica obterá características diferentes com relação
àquelas fundadas e dirigidas por fiéis leigos. Também estas últimas serão
diferentes daquelas fundadas por Institutos Religiosos. No entanto, em todas elas,
os elementos substanciais de sua identidade católica são os mesmos.

Em virtude do exposto e com relação à condição da pessoa que erege a universidade,


o artigo 3º de “Ex Corde Ecclesiae” estabelece, três categorias: as do primeiro
tipo são aquelas eregidas ou aprovadas pela Santa Sé, por uma Conferência Episcopal
ou por outra Assembleia da hierarquia católica, ou por um Bispo diocesano; compõem
o segundo grupo as universidades eregidas por pessoas jurídicas públicas. Fecha a
classificação, o terceiro grupo, formado pelas Universidades Católicas eregidas por
outras pessoas eclesiásticas (privadas) ou por leigos.

O outro critério atendível em ordem à qualificação formal de um Centro como


Universidade Católica é o grau de vinculação com a Igreja. Segundo a citada
Constituição Apostólica, a Universidade Católica “está vinculada à Igreja ou pelo
trâmite de um formal vínculo constitutivo ou estatutário, ou em virtude de um
compromisso institucional assumido por seus responsáveis”.(17).

As Universidades que têm um vínculo constitutivo são as eregidas pela Santa Sé, a
Conferência Episcopal ou o Bispo, que, por sua vez, em virtude do próprio Decreto
de sua ereção, são Universidades Católicas. Uma Universidade Católica pode também
ser aprovada, diz o artigo 3.1, pela Santa Sé, a Conferência Episcopal ou o Bispo.

Como toda pessoa jurídica eclesiástica pública, as Universidades Católicas a que se


refere o art. 3.1. do ECE, devem cumprir, em nome da Igreja, a teor das prescrições
do direito, a missão que se lhes confia, visando o bem público.(18) E somente deve
ser eregida se persegue “um fim verdadeiramente útil e que, ponderadas todas as
circunstâncias, disponham de meios que se prevê possam ser suficientes para
alcançar o fim a que se propõem”.(19)

As Universidades católicas assim constituídas formam parte da estrutura docente da


Igreja Universal ou particular, com todas as consequências jurídicas deste íntimo
vinculo estrutural.

No nº 2 do artigo 3, já mencionado, encontramos outro tipo de Universidades


Católicas: as que são “eregidas por um instituto religioso ou outra pessoa jurídica
pública”, porém só com o consentimento do Bispo diocesano. Convém recordar que os
institutos religiosos, conforme o cânon 634.1 gozam de personalidade jurídica
pública. Neste sentido, os estatutos terão, no futuro, que ser aprovados pela
autoridade eclesiástica competente.(20) O consentimento do Bispo é necessário
porque ele tem a responsabilidade de coordenar todas as atividades apostólicas em
sua diocese.(21) Este tipo de Universidade estará vinculada à Igreja pelo trâmite
de um formal vínculo estatutário. Não tem um vínculo formal constitutivo, ainda que
tenha sido fundada com o consentimento do Bispo diocesano.(22)

O nº 3 do artigo 3º da Constituição Apostólica “Ex Corde Ecclesiae”, é o


desenvolvimento do cânon 808 em relação com o cânon 216, do Código de Direito
Canônico. Este item assinala que “uma Universidade Católica pode ser eregida por
outras pessoas eclesiásticas ou por leigos”. A Norma, portanto, reconhece às
pessoas jurídicas privadas e, inclusive, às pessoas físicas, a facultade de
“eregir” universidades, isto é, inclui explicitamente os fiéis leigos. Em
consequência, podemos afirmar que qualquer fiel cristão pode fundar uma
Universidade Católica se reunir as condições requeridas.

Como já dissemos, seria perfeitamente possível, de acordo com a legislação em


vigor, que uma associação privada de fiéis ou uma fundação civil constituísse uma
Universidade e obtivesse o consentimento do Bispo, segundo as condições acordadas
pelas partes, para apresentar-se como um Centro Católico. Qualquer outra
interpretação, além de não ser conforme à normativa que rege esta matéria, teria
como fundamento a ideia, errônea, já exposta anteriormente, de que são “da Igreja”
(Santa Sé, Diocese etc., segundo os casos) todas as Universidades Católicas,
independentemente de quem seja o seu titular dominical.

Pois bem; uma Universidade eregida “por outras pessoas eclesiásticas ou por leigos”
poderá considerar-se Universidade Católica só com o consentimento da autoridade
eclesiástica competente, “segundo as condições acordadas pelas partes”.(23) A
prestação do consentimento, por parte da autoridade eclesiástica competente,
conforme o artigo 3.3º, será a expressão do seu vínculo jurídico com a Igreja. Em
outras palavras: o consentimento é a resposta ao compromisso institucional assumido
por seus responsáveis, que é uma das causas previstas para aceder ao “status” de
Universidade Católica.(24)

Em virtude do repetido compromisso institucional, segundo se deduz da literalidade


das normas jurídicas que estamos examinando, a origem destas Universidades
Católicas seria privada e manteria a sua condição. Sua atividade não teria lugar em
nome da Igreja, nem seu patrimônio resultaria eclesiástico. Por analogia com o que
acontece no campo do regime jurídico das associações privadas, tampouco seria
exigível a aprovação dos seus Estatutos por parte da autoridade eclesiástica.(25)

Os promotores destas Universidades, ao dizer da Constituição Apostólica, são outras


pessoas eclesiásticas (se entende que privadas) ou leigas. Pois bem: mais além de
quem ostente a titularidade, será necessário constituir algum tipo de entidade
civil que assegure a viabilidade do projeto (por exemplo, uma fundação).

Neste sentido, não se pode sustentar juridicamente que um leigo sozinho, ou


associado com outros, ou constituindo uma pessoa jurídica civil, não possa fundar
ou criar e, portanto, ser titular de uma Universidade Católica. Se estaria
estabelecendo um limite aos direitos dos fiéis leigos, não acolhido na Constituição
Apostólica, assim como limitando, também sem nenhuma base jurídica, o direito
fundamental de associação. O vínculo com a Igreja Católica, como expressão de
eclesialidade, se manifesta pela condição majoritária de membros fiéis da Igreja,
de sujeitos componentes da entidade fundadora e, sobretudo, pelo consentimento do
Bispo do lugar. Por isso, entendemos que o Conselho de Estado [da Espanha](26), no
Ditame não-vinculante nº 3452/97, de 16 de outubro, relativo à Universidade
Católica de Ávila, ao analisar os componentes da entidade fundadora e afirmar que
nenhuma entidade civil pode ser titular de uma Universidade da Igreja, se refere a
pessoas jurídicas estritamente civis, isto é, sem fins religiosos. Não esqueçamos
que a Fundação Universidade Católica Santa Teresa de Jesús, que é quem motivou o
mencionado Ditame, era integrada majoritariamente por instituições da Administração
Pública (Junta de Castela e Leão; Deputação Provincial e Ajuntamento de Ávila),
sujeitas ao Princípio da Aconfessionalidade; por esta razão, somente poderia ser
promotora da criação da Universidade Católica de Ávila; porém, não fundadora da
mesma.

Neste ponto temos de nos perguntar se a Fundação Universitária San Antonio, foi
promotora ou fundadora e, portanto, titular e proprietária da Universidade Católica
San Antonio. A resposta encontra-se no acordo adotado pelo Patronato Reitor de
referida Fundação, em sessão celebrada a 24 de setembro de 1996, em que se debateu
e votou a única proposta da Ordem do Dia, redigida nos seguintes termos: “Criação
da Universidade Católica San Antonio, de inspiração católica, capaz de servir de
instrumento de Ensino Superior e de evangelização de todas aquelas pessoas que se
integrem no círculo de tal instituição e, especialmente, da juventude murciana”.
Por unanimidade e à proposta de D. José Luis Mendoza, se acordou erigir a UCAM, com
a titularidade anexa.

A catolicidade da Fundação San Antonio manifesta-se pela condição de fiéis leigos


de todos os membros, majoritariamente pertencentes à Associação Canônica Caminho
Neocatecumenal e pelos fins religiosos expressos em seus Estatutos. Não cabe dúvida
de que por via do artigo 3.3º da Constituição Apostólica “Ex Corde Ecclesiae”
restou eregida legalmente a UCAM, cuja titularidade corresponde à Fundação San
Antonio, como anexa ao seu ato fundacional, tal e como tem reconhecido
expressamente a Secretaria de Estado da Santa Sé, organismo encarregado de tramitar
os assuntos da Igreja Universal e que realiza sua função em nome e por autoridade
do Romano Pontífice.(27) Neste sentido, convém recordar que a Igreja particular não
representa juridicamente a Igreja Universal, nem o Bispo é Vigário do Papa, nem
representante por delegação do mesmo, se aquele não lhe confere as faculdades
consequentes.(28)

Mediante escrito de 16 de outubro de 1996, dirigiu-se o Presidente da Fundação


Universitária San Antonio, D. José Luis Mendoza, ao Sr. Bispo da Diocese, Mons.
Azagra Labiano, solicitando o seu consentimento à já eregida Universidade Católica
San Antonio, o qual, mediante o oportuno Decreto episcopal, ratificou ditos atos,
além de prestar o consentimento solicitado e de erigir a Universidade Católica San
Antonio como pessoa jurídica canônica, conforme o preceituado pelo cânon 322,1º.
(29)

Esta interpretação e o reconhecimento de que a titularidade e propriedade da UCAM


correspondem à Fundação Universitária San Antonio, tal e como dispõe o art. 2º dos
seus Estatutos,(30) foi confirmada em posteriores declarações e documentos dos
sucessores de Mons. Azagra, recolhidas em diversas atas notariais e avalisada pela
prática desenvolvida por mais de doze anos durante os quais a UCAM vem funcionando
como Universidade Católica de fundação laica privada, com titularidade
institucional da Fundação San Antonio.(31)

REFLEXÃO FINAL

No marco da legislação universitária vigente na Espanha é possível fazer uso da


ampla liberdade de criação de Universidades Católicas reconhecidas pela
Constituição Apostólica “Ex Corde Ecclesiae”. É possível e desejável o surgimento
de novas Universidades Católicas, em qualquer das suas diversas formas. Em
particular, as associações e grupos católicos privados têm a possibilidade de
exercer desta maneira a sua missão de evangelizar a cultura, prestando assim um
meritório serviço à Igreja e à sociedade espanhola.(32)

Em 1996, um grupo de leigos católicos, integrados na Fundação Universitária San


Antonio e presididos por D. José Luis Mendoza, promotor e fundador da UCAM, deram
vida a uma autêntica Universidade Católica que se vem diferenciando pela qualidade
da investigação e do ensino e, ao mesmo tempo, pela fidelidade ao Evangelho e ao
Magistério da Igreja, entre dificuldades e incompreensões de todo tipo.

O saudoso e inesquecível João Paulo II, na Constituição Apostólica “Ex Corde


Ecclesiae” demonstrou que o fato de ser “católica” não retira nada à Universidade,
mas que, melhor, a valoriza ao máximo, como o demonstra a UCAM, com seus milhares
de alunos e o prestígio de que goza na Região da Murcia, no resto da Espanha e no
estrangeiro, como se constata pela entidade estatal Agência Nacional de Avaliação
da Qualidade e Crédito. Realmente, se a missão fundamental de toda Universidade é
“a constante busca da verdade mediante a pesquisa, a conservação e a comunicação do
saber para o bem da sociedade”,(33) uma comunidade acadêmica católica se distingue
pela inspiração cristã dos membros e da própria comunidade, pela luz da fé que
ilumina a reflexão, pela fidelidade à mensagem cristã tal e como é apresentada pela
Igreja.(34)

Escolher a Universidade Católica significa eleger esta aproximação que, apesar dos
inevitáveis limites históricos, qualifica a cultura da Europa, a cuja conformação –
e não é por acaso – as universidades nascidas historicamente “ex corde Ecclesiae”
(do coração da Igreja), deram uma contribuição fundamental.

Fiéis ao espírito dos primórdios, ao compromisso que com tanta ilusão e não sem
dificuldades, assumiram os promotores, fundadores e titulares da UCAM, em
circunstâncias muitas vezes adversas, inclusive quando se experimenta o cansaço e a
desilusão, desejo que prossigam construindo, dia após dia, com entusiasmo e
alegria, a Universidade Católica de San Antonio.

[Encerro] com as palavras de Bento XVI: “No vasto mar da cultura, Cristo sempre tem
necessidade de pescadores de homens, isto é, de pessoas de consciência e bem
preparadas que ponham suas competências profissionais ao serviço do bem e, em
última instância, ao serviço do Reino de Cristo”.(35)

Muito obrigado!


NOTAS
(1) João Paulo II, Constituição Apostólica sobre as Universidades Católicas “Ex
Corde Ecclesiae” (ECE), de 15 de agosto de 1990, nº 9.
(2) ECE, nº 4.
(3) ECE, nº 1.2.
(4) ECE, nº 1.4.
(5) João Paulo II, Exortação Apostólica pós-sinodal “Christifideles Laici”, de 30
de dezembro de 1988.
(6) ECE, nº 2.5.
(7) ECE, nº 2.7.
(8) ECE, nº 4.5.
(9) As Universidades Eclesiásticas são reguladas pela Constituição Apostólica
“Sapientia Christiana”, de 1979.
(10) M. López Alarcón, A titularidade da UCAM a partir da perspectiva jurídica
concordataria, diário “A Verdade” de Murcia.
(11) M. López Alarcón, ibidem.
(12) Lumen Gentium, 32c.
(13) Presbyterorum Ordinis, 9b; Perfectae Caritatis, 20; Apostolicam Actuositatem,
24; Ad Gentes, 6c.
(14) O mesmo Concílio, no Decreto “Apostolicam Actuositatem”, sobre o apostolado
dos seculares, declara que “guardada a relação devida com a autoridade
eclesiástica, os seculares têm o direito de fundar e dirigir associações e o de
afiliar-se às já fundadas” (AA 19). Mantendo uma união bastante estreita com a
hierarquia, os “seculares oferecem sua experiência e assumem sua responsabilidade
na direção destas organizações” (AA 20b). Neste sentido, afirma o Concílio, “há na
Igreja muitas obras apostólicas constituídas pela livre escolha dos seculares e
dirigidas por seu prudente juízo… Nenhuma obra, no entanto, deve arrogar-se o nome
de ‘católica’ sem o assentimento da legítima autoridade eclesiástica” (AA 24).
(15) Em relação com o exposto, o cânon 225, dentro do título relativo
especificamente aos direitos e obrigações dos leigos, confirma o apontado no
parágrafo anterior: “Os leigos têm a obrigação geral e gozam do direito, tanto
pessoal quanto associadamente, de trabalhar para que a mensagem divina de salvação
seja conhecida e recibida por todos os homens em todo o mundo; obrigação que lhes
exige todavia mais naquelas circunstâncias nas quais só através deles podem os
homens ouvir o Evangelho e conocer a Jesus Cristo”. É evidente que se trata de um
forte apelo à responsabilidade destes fiéis cristãos, para que se façam presentes
no âmbito das realidades seculares.
(16) Este texto se baseia no Código de Direito Canônico (cc. 807-814), porém é, ao
mesmo tempo, seu desenvolvimento ulterior. Por outra lado, as Normas Gerais da “Ex
corde Ecclesiae” informarão a legislação particular.
(17) Constituição Apostólica ECE, art. 2.2.
(18) Cânon 116.
(19) Cânon 114, §3.
(20) ECE, Normas Gerais, art. 3.4.
(21) Cânon 394, §1.
(22) ECE, Normas Gerais, art. 2.2.
(23) ECE, Normas Gerais, artigo 3.3º e cânon 808.
(24) O conteúdo do compromisso institucional é, pelo que se vê, a aceitação da
legislação canônica na matéria, no que seja de pertinente aplicação: o Código, a
Constituição Apostólica “Ex Corde Ecclesiae” e o direito particular emanado da
Conferência Episcopal. Qualquer dúvida neste sentido é desfeita pelo art. 1.3 do
ECE, em virtude do qual, as Universidades do segundo e terceiro grupos – as
eregidas por pessoas jurídicas públicas ou privadas – “farão próprias” as Normas
Gerais da Constituição Apostólica e suas aplicações locais e regionais,
incorporando-as aos documentos relativos ao seu governo e – enquanto seja possível
– adequarão seus vigentes estatutos às Normas Gerais como às suas aplicações.
(25) Tal é a razão pela qual a “Ex Corde Ecclesiae” (art. 3.4), limita às
Universidades do primeiro e segundo grupos a exigência de aprovação estatutária.
(26) Conforme o artigo XVI do Acordo entre a Santa Sé e o Estado espanhol, sobre
Ensino, de 3 de janeiro de 1979, cabe às Altas Partes (Santa Sé e Governo
espanhol), “proceder de comum acordo na resolução das dúvidas ou dificuldades que
puderem surgir na interpretação ou aplicação de qualquer cláusula do citado Acordo,
inspirando-se para isso nos princípios que o informam”. Neste sentido, o ditame ou
informe que, em seu caso, emita o Conselho de Estado não é vinculante para a Igreja
Católica, enquanto se refira à interpretação do Acordo internacional ou à
legislação específica da Igreja sobre Universidades.
(27) Cânon 360 e Constituição Apostólica “Pastor Bonus”, de 28 de junho de 1988.
(28) O Diretório “Ecclesiae Imago”, para o Ministério Pastoral dos Bispos, de 22 de
fevereiro de 1973, no nº 42, dispõe que “o poder de que goza cada Bispo em sua
diocese é próprio, ordinário e imediato, ainda que circunscrito dentro de
determinados limites em vista da utilidade da Igreja e dos fiéis. Aos Bispos está
confiado plenamente o ofício pastoral, ou seja, o habitual e cotidiano cuidado de
sua grei; porém, não devem ser considerados vigários do Romano Pontífice, porque
são revestidos de autoridade própria”.
(29) A UCAM foi eregida como pessoa canônica privada; por isso, se lhe aplica o
art. X do Acordo sobre Ensino e Assuntos Culturais, sem contradizer a doutrina do
Conselho de Estado. Esta personificação canônica é independente da titularidade e
propriedade que corresponde à Fundação Universitária (FUNSA), como entidade
fundadora.
(30) Os Estatutos da Universidade Católica San Antonio foram aprovados pelo Decreto
350/2007, de 9 de novembro, do Conselho de Governo da Região de Murcia, cujo art.
2º declara que “a titularidade da Universidade Católica San Antonio, assim como as
faculdades de governo, gestão e administração correspondem perpetuamente à Fundação
Universitária San Antonio”.
(31) A UCAM pertence à Igreja certamente – e por isso ostenta a denominação de
“católica”; porém, à Igreja-comunhão, em razão de ser fundada e integrada por
pessoas físicas batizadas que, como estabelece o cânon 96, estão incorporadas à
Igreja de Cristo e constituídas em pessoas nela, “com os deveres e direitos que são
próprios dos cristãos, considerando a condição de cada um, enquanto estão em
comunhão eclesiástica e não o impeça uma sanção legitimamente imposta”.
(32) Preâmbulo, Decreto Geral da Conferência Episcopal para aplicar na Espanha a
Constituição Apostólica “Ex Corde Ecclesiae”.
(33) ECE, nº 30.
(34) ECE, nº 13.
(35) Bento XVI, discurso ao visitar a Universidade Católica do Sagrado Coração de
Roma.

Autor: Silverio Nieto Núñez (Diretor do Serviço Jurídico da Conferência


Episcopal Espanhola).
Fonte: http://iuscanonicum.org / Universidade Católica de San Antonio
Tradução Livre: Carlos Martins Nabeto

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