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A Igreja reconhece ser depositária de um corpo doutrinal entregue por Jesus Cristo

para a salvação dos homens. É o chamado “depósito de fé”. É função da Igreja


defender a integridade do depósito de fé, para o qual conta com a indefectibilidade
prometida pelo Senhor (cf. Mateus 16,18; 28,20). Por isso, um dos elementos desta
função da Igreja consiste em apontar aquilo que não se encontra incluso no depósito
da fé.

A Igreja, ademais, tem a missão de difundir o depósito da fé entre os homens, para


o qual está consciente de que a verdade que a Igreja ensina “se propõe” e “não se
impõe”, ou, como diz o Concílio Vaticano II, “a verdade não se impõe de outra
maneira, mas pela força da própria verdade, que penetra suave e fortemente nas
almas” (Declaração “Dignitatis Humanae”, nº 1).

Faz parte da doutrina da Igreja o direito à imunidade de coação nesta matéria, “de
tal modo que, em matéria religiosa, nem se obrigue a ninguém a agir contra a sua
consciência, nem se lhe impeça que aja conforme a ela em particular e em público,
sozinho ou associado com outros, dentro dos limites devidos” (Declaração
“Dignitatis Humanae”, nº 2). Ninguém pode ser coagido a abraçar os ensinamentos da
Igreja, porém, a Igreja tem o direito de indicar qual é o corpo doutrinal ao qual
devem aderir todos aqueles que queiram se considerar católicos.

O CISMA, A HERESIA E A APOSTASIA

O Código de Direito Canônico define estas três figuras:

– “Cânon 751. Chama-se ‘heresia’ a negação pertinaz, após a recepção do batismo, de


uma verdade que deve-se crer com fé divina e católica, ou a dúvida pertinaz sobre a
mesma; ‘apostasia’ é a rejeição total da fé cristã; ‘cisma’, a rejeição da sujeição
ao Sumo Pontífice ou da comunhão com os membros da Igreja a ele submetidos”.

A HERESIA

Portanto, heresia é a negação pertinaz de uma verdade que deve crer com fé divina e
católica. O cânon 750, §1 define o que se deve crer com fé divina e católica:

– “Cânon 750, §1. Deve-se crer com fé divina e católica tudo aquilo que está
contido na Palavra de Deus escrita ou transmitida por tradição, isto é, no único
depósito da fé confiado à Igreja, e que, ademais, é proposto como revelado por
Deus, seja pelo magistério solene da Igreja, seja por seu magistério ordinário e
universal, que se manifesta na comum adesão dos fiéis sob a condução do sagrado
magistério; portanto, todos estão obrigados a evitar qualquer doutrina contrária”.

Entre estas doutrinas encontram-se os artigos do Credo e os dogmas proclamados pelo


Papa ou pelos Concílios Ecumênicos, como os dogmas marianos ou a infalibilidade do
Romano Pontífice. A rejeição destas doutrinas constitui heresia.

O CISMA

O cisma é a rejeição da sujeição ao Sumo Pontífice ou da comunhão com os membros da


Igreja a ele submetidos. Aquele que incorre em cisma não nega nenhuma verdade de
fé, mas rompe o vínculo que o une ao Romano Pontífice e aos demais membros da
Igreja. Rompe um dos “tria vincula” que nos une aos católicos – o “vinculum
regendi” – ao declarar-se não submetido à autoridade do Papa.

Não incorre em cisma quem desobedece ao Santo Padre; se isto ocorre, ainda que
possa ser bastante grave, em si mesmo não constitui um cisma. O que é essencial
para [a caracterização do] cisma é negar ao Papa sua autoridade sobre a Igreja.
Como disse o Pontifício Conselho para a Interpretação dos Textos Legislativos na
“Nota Explicativa”, de 24 de agosto de 1996, sobre a excomunhão em que incorrem os
seguidores de Lefebvre, em seu nº 5, o cisma (e a consequente excomunhão) afeta
àqueles que aderem formalmente a um movimento cismático. Ainda que sobre a questão
do alcance exato da noção de “adesão formal ao cisma” seja competente a Congregação
para a Doutrina da Fé, parece que tal adesão deve implicar dois elementos
complementares:

a) Um de natureza interna, que consiste em participar livre e conscientemente na


substância do cisma, isto é, em optar pelos seguidores de Lefebvre de tal modo que
coloque tal opção acima da obediência ao Papa;

b) Outro elemento, de índole externa, consistente na exteriorização desta opção,


cujo sinal mais manifesto seria a participação exclusiva nos atos lefebvrianos, sem
tomar parte nos atos da Igreja Católica. Trataria, no entanto, de um sinal não-
unívoco, visto que existe a possibilidade de que algum fiel tome parte nas funções
litúrgicas dos seguidores de Lefebvre sem, porém, participar de seu espírito
cismático.

Naturalmente, estas indicações dever-se-ão aplicar a movimentos cismáticos


análogos.

A APOSTASIA

A apostasia é a rejeição total da fé cristã. Neste caso não se está rejeitando uma
doutrina católica, mas sim à Igreja Católica inteira. Pode ser que o apóstata
compartilhe algumas doutrinas católicas, porém, rejeita a autoridade da Igreja. Um
exemplo seria o do católico que se torna muçulmano: este sujeito seria um apóstata,
ainda que cresse em algumas doutrinas católicas, como a existência do Deus Uno. No
entanto, crê nessas doutrinas não pela autoridade da Igreja, mas por outros
motivos. Por isso, pode-se afirmar que rejeita totalmente a fé cristã.

Um caso particular é o abandono formal da Igreja Católica. Dela falou especialmente


a “Comunicação aos Bispos sobre o ato formal de abandono da Igreja Católica”,
enviada pelo Pontifício Conselho para a Interpretação dos Textos Legislativos, em
13 de março de 2006.

Neste documento, o seu nº 2 diz:

– “O conteúdo do ato de vontade tem de ser a ruptura daqueles vínculos de comunhão


– fé, sacramentos, governo pastoral – que permitem aos fiéis receber a vida da
graça no interior da Igreja. Isto significa que um tal ato formal de abandono não
tem só caráter jurídico-administrativo (sair da Igreja no sentido relativo ao seu
registro com as correspondentes consequências civis), mas que se configura como uma
verdadeira separação com relação aos elementos constitutivos da vida da Igreja;
supõe, portanto, um ato de apostasia, de heresia ou de cisma”.

SANÇÃO CANÔNICA

A heresia, o cisma e a apostasia estão tipificados como delitos canônicos


castigados com excomunhão “latae sententiae” (cf. cân. 1364). Ademais, as
“Modificações às Normas dos delitos mais graves”, de 21 de maio de 2010, em seu
art. 2º, estabelece que estes são delitos mais graves e estão reservados à
Congregação para a Doutrina da Fé.

A heresia, o cisma e a apostasia têm outras consequências:

a) O cân. 1184, §1, 1, indica que se deve negar as exéquias eclesiásticas “aos
notoriamente apóstatas, hereges ou cismáticos”, salvo quando tenha manifestado
algum sinal de arrependimento antes de morrer.

b) Segundo o cân. 1041, 2, são irregulares para receber as ordens sagradas “quem
tenha cometido o delito de apostasia, heresia ou cisma”.

c) O cân. 194, §1, 2, estabelece que seja removido do oficio eclesiástico “ipso
iure” “quem se tem afastado publicamente da fé católica ou da comunhão da Igreja”.

AS DOUTRINAS DEFINITIVAS

A Igreja não somente professa doutrinas de fé divina e católica. Também há


doutrinas declaradas “definitivas”. O cân. 750, §2, redigido pelo Motu proprio “Ad
tuendam fidem”, indica:

– “Cân. 750, §2: Da mesma forma se deverão aceitar e reter firmemente todas e cada
uma das coisas sobre a doutrina da fé e os costumes propostos de modo definitivo
pelo magistério da Igreja, a saber, aquelas [coisas] que são necessárias para
custodiar santamente e expor fielmente o próprio depósito da fé; se opõe, portanto,
à doutrina da Igreja Católica quem rejeita tais proposições que devem reter-se de
modo definitivo”.

Segundo explica a Congregação para a Doutrina da Fé, na “Nota doutrinal ilustrativa


à profissão de fé e o juramento de fidelidade”, estas verdades “podem ser de
natureza diversa e revestem, portanto, um caráter diferente devido ao modo com que
se relacionam com a Revelação. Existem, com efeito, verdades que estão
necessariamente conectadas com a Revelação através de uma relação histórica;
enquanto que outras verdades evidenciam uma conexão lógica, a qual expressa uma
etapa na maturação do conhecimento da própria Revelação, que a Igreja se vê chamada
a recorrer. O fato de que estas doutrinas não sejam propostas como ‘formalmente
reveladas’, enquanto agregam ao dado de fé elementos não-revelados ou não-
reconhecidos todavia expressos como tais, em nada afetam o seu caráter definitivo,
o qual deve-se sustentar como necessário, pelo menos pelo seu vínculo intrínseco
com a verdade revelada. Ademais, não se pode excluir que em certo momento do
desenvolvimento dogmático, a inteligência tanto da realidade quanto das palavras do
depósito da fé possa progredir na vida da Igreja e o Magistério chegue a proclamar
algumas destas doutrinas também como dogmas de fé divina e católica” (nº 7).

Além disso, não há diferença no que se refere ao caráter pleno e irrevogável do


assentimento devido a elas respectivamente. A diferença se refere à virtude
sobrenatural da fé: no caso das verdades do primeiro item [as doutrinas de fé
divina e católica], o assentimento se fundamenta diretamente sobre a fé na
autoridade da Palavra de Deus (doutrinas de “fide credenda”); no caso das verdades
do segundo item [as doutrinas definitivas] o assentimento se fundamenta sobre a fé
na assistência do Espírito Santo ao Magistério e sobre a doutrina católica da
infalibilidade do Magistério (doutrinas de “fide tenenda”) (cf. n. 8).

Entre estes ensinamentos pode-se citar a doutrina do sacerdócio ministerial


reservado somente aos homens ou a da maldade em se eliminar uma vida inocente,
proclamada na encíclica “Evangelium vitae”; ou as canonizações dos santos, entre as
verdades que se referem a fatos históricos conectados com a Revelacão e que nunca
poderão fazer parte da Revelacão.

A negação de uma doutrina definitiva é delito canônico, como veremos no seguinte


item.

OUTRAS DOUTRINAS DO MAGISTÉRIO AUTÊNTICO

O cânon 752 fala de outra categoria de ensinamentos da Igreja:


– “Cân. 752. Deve-se prestar um assentimento religioso do entendimiento e da
vontade, sem que chegue a ser de fé, à doutrina que o Sumo Pontífice ou o Colégio
dos Bispos, no exercício de seu magistério autêntico, ensinam acerca da fé e dos
costumes, ainda que não seja sua intenção proclamá-la com um ato decisório;
portanto, os fiéis cuidem de evitar tudo o que não seja congruente com a mesma”.

A este grupo de doutrinas, segundo a “Nota doutrinal ilustrativa à profissão de fé


e o juramento de fidelidade”, “pertencem todos aqueles ensinamentos – em matéria de
fé e moral – apresentados como verdadeiros ou, pelo menos, como seguros, ainda que
não tenham sido definidos por meio de um juízo solene, nem propostos como
definitivos pelo Magistério ordinário e universal”.

Como exemplo, “pode-se, em geral, os ensinamentos propostos pelo Magistério


autêntico e ordinário de modo não-definitivo, que exigem um grau de adesão
diferenciado, segundo a mente e a vontade manifestada, a qual se faz patente
especialmente pela natureza dos documentos, ou pela frequente proposição da mesma
doutrina, ou pelo teor das expressões verbais”, conforme o documento mencionado.

A negação de uma doutrina declarada definitiva ou de uma doutrina pertencente ao


Magistério autêntico também tem sanção canônica: segundo o cân. 1371, 1º, deve-se
castigar com pena justa a quem “ensina uma doutrina condenada pelo Romano Pontífice
ou por um Concílio Ecumênico, ou rejeita pertinazmente a doutrina descrita no cân.
750, §2 ou no cân. 752, e, advertido pela Sé Apostólica ou pelo Ordinário, não se
retrata”.

Autor: Pedro María Reyes Vizcaíno


Fonte: http://iuscanonicum.org
Tradução Livre: Carlos Martins Nabeto

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