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O concílio de Sardica, o bispo de Roma Júlio e Atanásio (342)

Este concílio é frequentemente citado em favor do papado pelos apologistas. Eu


já tratei em detalhes do tema (AQUI
http://respostascristas.blogspot.com/2016/04/santo-atanasio-o-arianismo-se-romana-o.html).
O concílio de Niceia I (325) estabeleceu que os bispos deveriam se reunir em
sínodos semestrais dentro de cada província para atuarem como um tribunal de
segunda instância e rever casos em que sentenças de excomunhão foram
proferidas por bispos individuais. Mesmo após o partido de Atanásio ter saído
vencedor em Niceia, os arianos com o apoio do imperador continuaram a ocupar
boa parte dos cargos no oriente e excomungaram Atanásio no sínodo de Tiro
(335). Diante da falta de apoio no oriente, Atanásio apelou ao bispo de Roma –
Júlio I – que por sua vez convocou os bispos orientais para um sínodo em Roma,
com a intenção de rever a sentença de Tiro. Os bispos orientais recusaram a
revisão da sentença de tiro e formularam um novo credo num sínodo em
Antioquia (341). Diante da controvérsia, em que sínodos regionais tomavam
decisões contraditórias, um grupo de bispos orientais com o apoio do imperador
e do bispo de Roma fizeram convocar um concílio pretensamente ecumênico em
Sardica. Este é resumidamente o contexto histórico. Klaus Schatz então
comenta:
De acordo com a concepção da Igreja primitiva, o sínodo de bispos
vizinhos era o tribunal imediatamente superior que poderia proceder à
destituição de um bispo. Mas desta vez se tratava de um conflito que tal
instituição não poderia resolver, pois outros sínodos, e de maneira especial o
realizado em Roma (341), onde os bispos depostos pediram ajuda,
especialmente Atanásio, deu razão aos partidários deste.
O problema surgia nestes termos: o que fazer quando um sínodo anula o que
outro determinou? Nesta inda e vinda, surgiram várias posições. Os bispos
orientais, no sínodo de Antioquia (341), defenderam o princípio da autonomia
de cada sínodo, segundo o qual a sentença de Tiro é definitiva e não
poderia ser anulada: um bispo ou presbítero julgado por um sínodo não poderia
apelar para outro. Em última consequência, essa posição significava a
autonomia de cada igreja individual e, para fins práticos, o princípio da igreja
imperial sob o imperador. Frente esta opinião, a postura romana postulava
uma hierarquia de sínodos: nem todos os sínodos tinham o mesmo valor;
os pequenos poderiam ser anulados pelos maiores (...) (Schatz, p. 50)
Observem que o concílio ecumênico de Niceia estabeleceu uma prática que dava
aos sínodos regionais a palavra final na questão da excomunhão. No entanto,
quando sínodos regionais diferentes (como Roma e Tiro) contradiziam um ao
outro, qual seria a instância de decisão? Esta instância não existia ainda, o que
evidencia a ausência do papado neste período. O artigo católico traz a seguinte
citação do apologista católico Ybarra:
Há a situação de Atanásio e outros bispos orientais que foram restaurados às
suas vistas pelo papa São Júlio, revertendo efetivamente o sínodo provincial
oriental de Tiro (335).
Não foi o que ocorreu. Os bispos orientais não aceitaram os pedidos de Júlio e
defenderam a autonomia dos sínodos regionais. Obviamente, Júlio tentou impor
uma primazia da sé romana sobre as demais em todo este processo, mas os
fatos demonstram que foi necessário um concílio pretensamente ecumênico
(Sardica) para reverter as decisões de Tiro. Ora, se o bispo de Roma, com base
em sua própria autoridade, não conseguiu reverter as decisões de um sínodo
regional, e um concílio ecumênico precisou ser convocado para tal, qual a
implicação? Um concílio que se pretendia ecumênico tinha autoridade superior
ao bispo de Roma. O poder de Roma sobre as igrejas orientais era tão limitado
neste período, que nem as decisões de um sínodo regional ele poderia reverter
somente com base em sua própria vontade. Imagine então um concílio
ecumênico. Schatz prossegue:
A posição do bispo Júlio, defendendo a coparticipação da Igreja universal,
resultou num concílio universal na linha de Nicéia, convocado pelos dois
imperadores em Sardica a atual Sofia (342). Os bispos orientais, anti-
atanasianos exigiram primeiro que Atanásio e os outros bispos não pudessem
participar - uma reivindicação que foi rejeitada. Antes de tudo, eles defenderam
a idéia de autonomia do Oriente e Ocidente: o Ocidente não deve se
intrometer em controvérsias do Oriente e vice-versa. Finalmente, eles se
separaram com o pretexto de que tinham recebido a notícia de uma vitória
do imperador oriental sobre os persas, triunfo que deveria ser comemorado
com suas comunidades. Ocidente seguiu reunido por conta própria. Tendo
em vista a incapacidade dos sínodos em acabar com os conflitos eclesiais, essas
deliberações levaram à primeira tentativa de definir juridicamente a
responsabilidade de Roma na "comunhão" dos bispos. Pela proposta do bispo
espanhol Osio de Córdoba, se decidiu que os bispos demitidos por um
sínodo poderiam apelar ao bispo de Roma. Se o bispo romano verificasse que
a sentença proferida não tinha sido justa, então ele pediria uma nova apreciação
do caso pelos bispos da província vizinha e na presença dos presbíteros
romanos, se assim desejasse o réu, e este sínodo deveria examinar o caso
novamente. Em sentido estrito, Roma não é sequer uma instância de
apelação. Não é o bispo romano que julga o caso. O seu papel se reduz a
uma instância de revisão que deve garantir que o recurso (para outro
sínodo) seja iniciado. (Schatz, p. 51)
O apologista católico Ybarra afirmou sobre Sardica:
Depois, há o Concílio de Sárdica (343), que colocou em forma canônica o
processo de apelos à Sé de Pedro, onde bispos condenados poderiam ter seu
caso repetido (meramente carimbando o que o Papa fez com Santo Atanásio).
Observa-se que os orientais abandonaram o concílio. Por isso, ele não é
considerado ecumênico. Desta forma, apenas os ocidentais permaneceram e
aprovaram uma fórmula que sequer colocava Roma como instância de apelação.
O papel do Bispo de Roma seria garantir que outro sínodo regional examinasse
a decisão do primeiro. Ainda, o concílio não meramente carimbou o que o papa
fez, mas estabeleceu um sistema de recursos em que um sínodo regional
continuava a ser instância final de julgamento. Schatz prossegue:
A resolução de Sárdica não se impôs de imediato no Ocidente, muito menos
no Oriente. Os cânones de Sárdica, que no início do século V são publicados
em Roma falsamente como "nicenos" são a primeira célula germinal de um
longo processo evolutivo que duraria quase um milênio. Esse processo é
concluído por volta de 1200, sob Inocêncio III, no sentido de atribuir a Roma a
competência exclusiva para as "causas maiores", isto é, para tudo que
envolvesse bispos ou dioceses (demissão, transferência para outra diocese ou
renúncia ao cargo). (Schatz, p. 55)
Por razões óbvias, o Oriente não aceitou os cânones de Sardica. A respeito da
resistência no Ocidente, vimos o caso da Igreja norte-africana, que no séc. V
determinaria que os pedidos de revisão não deveriam ser encaminhados à
Roma. Neste momento, se verifica o primeiro caso de um artifício que Roma
usaria com frequência nos séculos seguintes: o uso de falsificações. Robert Eno
comenta:
Roma apresentou um dos cânones de Sardica como um cânone de Niceia.
Os bispos africanos disseram corretamente que não encontraram tal cânon em
seus registros (...) Em Roma, os cânones de Sardica foram assimilados aos
cânones de Nicéia (uma afirmação que continuou a ser feita mesmo depois
da correção africana!) (Doctrinal Authority In Saint Augustine, Augustinian
Studies, Vol. 12 - 1981, pp. 162)
Schatz ainda comenta como terminou toda essa questão de Atanásio, o bispo
de Roma e a disputa com os arianos:
Ao longo de sua expansão, o conflito ariano se apresenta como um debate em
que Roma não consegue impor seu ponto de vista, nem mesmo tenta dar um
golpe enérgico ao processo de evolução que se aparta de Niceia. Os bispos
romanos Júlio e, inicialmente, o seu sucessor Liberio (352-366) pertencem ao
grupo dos que permanecem fiéis a Atanásio. No longo prazo, esta postura ajudou
a fortalecer a autoridade de Roma, e especialmente no Oriente; mas não se
pode falar de uma imposição da própria vontade. A igreja romana também
teve seu momento de debilidade. O bispo Liberio sob pressão imperial (foi
enviado ao exílio, separado de sua comunidade e em Roma se nomeou um anti-
bispos) deu a sua aprovação a uma fórmula de fé, que se não nega
especificamente a fórmula nicena, prescinde dela e na prática a abandona.
Assim rompia a comunhão eclesial com Atanásio. (Schatz, p. 56)
Em suma, o que esta controvérsia do séc. IV evidencia é que o bispo de Roma
exercia uma autoridade bastante limitada, que não poderia nem de longe ser a
de um bispo que tinha primazia jurídica sobre a igreja universal.
Celestino I, Cirilo de Alexandria e o Concílio de Éfeso (séc. V)
Nesta parte, o apologista católico apresenta uma autoridade patrística em seu
favor – o anglicano J.N.D Kelly:
Em sua correspondência e através de seus legados no Concílio Celestino
repetidamente afirmou, com uma insistência sem precedentes, a reivindicação
do papa, como sucessor e representante vivo de São Pedro, à supervisão
paterna de toda a Igreja, oriental e ocidental” (Oxford Dicionário do Papa, pág.
42).
Ele na verdade está citando o apologista Ybarra que citou Kelly. Agora, no que
esta citação contradiz as teses defendidas em meus artigos? Que os bispos de
Roma tentaram impor uma supremacia sobre a Igreja universal em algum
momento da história não é um ponto de discussão. A questão é se a Igreja
Universal aceitou tais imposições. Além disso, Kelly afirma que se tratava de
uma “insistência sem precedentes”, ou seja, não era algo do qual se pode dizer
tradicional. É oportuno notar que na mesma obra, na mesma página na verdade,
Kelly aponta os limites da jurisdição de Celestino, mesmo no ocidente:
Sua convicção [de Celestino] de que Roma poderia receber apelos de qualquer
província o colocou em coalizão com a igreja norte-africana. Apesar de ele
ter se rendido ao apelo de Agostinho para não atender a demanda de
reinstaurarão de Antônio de Fussala – um bispo deposto que apelou para
Bonifácio I, ele solicitou a reabilitação de Apiario, um sacerdote desonrado
que havia sido restaurado mediante o pedido de Zósimo, mas novamente caiu e
foi excomungado, e fora enviado de volta para África com um legado
notoriamente arrogante – Faustino. Um concílio plenário ocorreu em Cartago
(426), no qual Apiario desmoronou e admitiu sua culpa. Os bispos africanos
aproveitaram a oportunidade para lembrar ao papa a respeito de sua
tradicional autonomia, e o pressionaram para não entrar em comunhão
com pessoas que eles excomungaram. (Kelly, The Oxford dictionary of popes,
3ª edição, p. 41)
O historiador ortodoxo A. Edward Siecienski comenta o caso de Apiario:
Em 424, um padre africano de nome Apiario (nomeado “poço de vícios” pelos
seus acusadores), apelou a Roma após sua sentença de excomunhão, mais uma
vez levantando a espinhosa questão da habilidade do papa de se envolver em
questões puramente locais. Os ferozmente independentes bispos africanos –
significativamente sem a participação de Agostinho – escreveram para
Celestino, pedindo a ele para não “admitir em sua presença pessoas [como
Apiario] vindo de lá, nem deveria aqueles que são do além-mar estarem
dispostos, daqui em diante, aceitar de volta a comunhão aqueles que foram
excomungados”, desde que isto era uma clara violação do cânon 5 de Niceia.
Numa carta na qual eles “nem mesmo tentaram esconder sua fúria” os bispos
sarcasticamente perguntaram a Celestino se “há alguém que acredita que nosso
Deus escolheu dotar apenas uma pessoa com o senso de justiça e negar isto ao
incontável número de bispos reunidos num concílio”. Apesar de eles
“considerarem Roma como uma indispensável fonte de conselho e julgamento”
É o que defendi no artigo sobre Agostinho e o papado. A Igreja norte-africana
lutou por sua autonomia, e embora rendesse grande deferência à Igreja de
Roma, não aceitava sua jurisdição suprema neste período. Ademais, nas
mesmas páginas, Kelly aponta a superioridade do concílio ecumênico de Éfeso
ao bispo de Roma. Kelly afirma que Celestino “condenou estas visões [de
Nestório] num sínodo romano em 10 de agosto de 430, e exigiu a retratação de
Nestório dentro de 10 dias ou enfrentaria a excomunhão” (p. 42). O apologista
cita essas palavras de Celestino e as comenta:
Ao ler o artigo original do Bruno, fica evidente que nosso apologista protestante
tenta inserir uma visão conciliarista onde a mesma não existe. O dado histórico
apresentado acima demonstra claramente que o Bispo de Roma possui
autoridade sobre um Colégio de Bispos.
Primeiro, eu afirmei que Agostinho coloca o concílio universal como autoridade
superior ao bispo de Roma, e que no caso da igreja norte-africana, até mesmo
os concílios regionais resistiram ao papa. Como já visto, o mesmo ocorreu com
sínodos regionais ocorridos no oriente que resistiram as pretensões de Roma. A
conclusão sem pé nem cabeça do apologeta é que eu disse que o bispo romano
não tinha jurisdição sobre nenhum sínodo. E para mostrar que eu estou errado,
ele cita o sínodo realizado em Roma. É óbvio que ele tinha precedência sobre
este sínodo, caso contrário, ele sequer poderia ser bispo de Roma, pois esta era
parte do território da igreja sobre o qual ele tinha jurisdição. Ele repetidas vezes
comete um erro tão básico que é tirar minhas palavras do seu devido contexto e
aplicar a outros contextos aos quais não me referi. O ponto nevrálgico é que toda
a controvérsia demonstra a limitação da jurisdição do bispo romano.
Mesmo com condenação explícita de Roma, não foi suficiente. O imperador
“Teodósio II convocou um concílio universal (o terceiro) a se encontrar em Éfeso
em junho de 431 para resolver o caso” (p. 42). Kelly também menciona que “as
atas do concílio não foram submetidas a Celestino” (p. 42). Então, Kelly está de
acordo com a historiografia quando apresenta Celestino como alguém que
possuía a ambição do primado jurídico, mas que de fato não o exerceu sobre a
Igreja universal. Destaca-se também que, a exemplo de Éfeso, nenhum dos sete
primeiros concílios ecumênicos foi convocado pelo papa. Todos eles foram
convocados pelo imperador. O teólogo católico Jacques-Bénigne Bossuet
escreveu:
Ficou arranjado que tudo estava suspenso quando a autoridade do sínodo
universal foi invocada, embora a sentença do Romano Pontífice sobre
doutrina e sobre pessoas acusadas de heresia tivesse sido proferida e
promulgada. (Cited in Whelton, M (2006) Popes and Patriarchs: An Orthodox
Perspective on Roman Catholic Claims, (Concillar Press; Ben Lomond, CA), p.
71)
O arcebispo católico romano Henri Charles Maret também escreveu:
O papa havia pronunciado no caso de Nestório um julgamento canônico vestido
com toda a autoridade de sua sé. Ele havia prescrito sua execução. No entanto,
três meses após esta sentença e antes de sua execução, todo o episcopado é
convidado a examinar novamente e decidir livremente a questão em
disputa. (Du Concile General, vol. I, p.183)
Ou seja, o exemplo de Celestino apenas reforça a tese amplamente defendida
pelos historiadores da Igreja de que o concílio universal tinha autoridade superior
ao bispo de Roma. Ainda, o apologista traz a citação de Felipe, que era o legado
do bispo romano no concílio de Éfeso, no qual Celestino afirma que já havia
julgado a causa em análise:
“Filipe, o presbítero e legado da Sé Apostólica, disse: Abençoamos a santa e
adorável Trindade que nossa humildade foi considerada digna de participar de
seu Santo Sínodo. Há muito tempo atrás ( πάλαι ) nosso mais sagrado e
abençoado papa Cœlestino, bispo da Sé Apostólica, através de suas cartas
àquele homem Santo e mais piedoso, Cirilo, bispo de Alexandria, julgou a causa
e o caso atuais ( ὥρισεν ) que cartas foram mostradas a sua santa assembléia.
E agora, novamente, para a corroboração da fé católica (καθολικῆς ), ele enviou
através de nós cartas para todas as suas santidades, as quais você irá oferecer
( κελούσατε ) para serem lidas com reverência (πρεπόντως) e ser inscrito nas
atas eclesiásticas .” – Todas as citações das sessões do Conselho são extraídas
do NewAdvent; Grifo nosso
Estas palavras são do representante de Roma que obviamente iria defender a
causa papal e não faz parte de nenhum cânon do concílio. Ou seja, é
basicamente a opinião de Roma sobre si mesma e não a opinião do concílio
sobre Roma. As atas do concílio não foram preservadas integralmente, de forma
que temos apenas extratos da segunda seção (AQUI http://www.sacred-
texts.com/chr/ecf/214/2140278.htm). Na fonte citada, Schaff comenta nas notas
de rodapé, referindo-se a uma das falas de Felipe:
Isto parece-me ser o clímax de afirmações improváveis. Há muitas outras
coisas que induzirão o leitor curioso a suspeitar que os Atos não estão em boa
forma.
Pairam dúvidas sobre a confiabilidade dos extratos que sobreviveram. A carta
de Celestino (AQUI http://www.sacred-texts.com/chr/ecf/214/2140279.htm) não afirma
que o concílio deveria seguir suas decisões porque sua autoridade era final e
inquestionável, mas porque as decisões da sé romana refletiam a doutrina
apostólica. Ao menos neste documento, Celestino não parece ter feito do
primado papal o argumento mais importante. Obviamente, ele estava consciente
de que o concílio iria analisar a questão e não apenas replicar a decisão de
Roma. Por isso, neste documento, seu tom é mais ameno e apela mais ao
convencimento do que à autoridade. Celestino disse para os bispos do concílio:
“Pois esta não é a primeira vez que os campos eclesiásticos recebem vocês
como seus governantes”. O apologista católico Ybarra cita estre trecho da
carta:
(...) nós enviamos nossos santos irmãos e companheiros sacerdotes, que são
unos conosco e são os homens mais aprovados, Arcedio e Projecto, os bispos,
e nosso presbítero, Filipe, para que possam estar presentes naquilo que é feito
e possam defender aquilo que já foi decretado por nós.
Que os legados papais estavam no concílio para defender a posição de Roma,
não há dúvida. Agora, a conclusão de que o papa estava afirmando que a
questão já havia sido de direito definitivamente decidida é falaciosa e não pode
ser inferida do trecho acima. Na verdade, todo o processo implica o oposto.
Celestino precisava convencer o concílio a respeito da justeza e sua posição. Se
o oriente considerava a decisão romana final, a própria convocação do concílio
seria desnecessária. O concílio só existiu justamente porque o sínodo romano
não teve autoridade para decidir definitivamente a questão. Ainda na segunda
sessão (AQUI http://www.sacred-texts.com/chr/ecf/214/2140280.htm), Projecto
– um legado de Celestino – escreveu:
Que vossa Santidade considere a forma das cartas do santo e venerável Papa
Celestino, o Bispo, que exortou a sua Santidade, não como instruindo aqueles
que são ignorantes, mas como lembrando aqueles que estão conscientes: para
que vocês possam comandar para que seja completamente e finalmente
estabelecido de acordo com o Cânon de nossa fé comum, e a utilidade da Igreja
Católica, o que ele determinou antes e tem agora a bondade de lembrá-los.
Se o concilio deveria comandar para ser “completamente e finalmente”, a
implicação é que a decisão do concílio tinha mais autoridade. Schaff comenta
este trecho:
Esta é a vantagem de um concílio. Depois deste tipo de sentença não há nova
discussão ou novo julgamento, mas apenas execução. E isso os legados pedem
para ser comandados pelo concílio, no qual eles reconhecem essa autoridade
suprema. (Fonte - http://www.sacred-texts.com/chr/ecf/214/2140254.htm)
Schaff comenta sobre a atitude de Cirilo e a deliberação do concílio:
E há aqueles que dizem que as questões concernentes à fé, uma vez julgadas
pelo pontífice romano debaixo de sua autoridade apostólica são examinadas
em concílios gerais a fim de entender seu conteúdo, mas não para decidir
sobre sua substância, como sendo ainda uma matéria de debate? Deixe-os
ouvir Cirilo - o presidente do concílio - que eles atendam ao que ele propõe para
a investigação do concílio. Embora ele não estivesse consciente de nenhum erro
em si mesmo ainda, para não confiar em si mesmo, pediu a sentença do
concílio com estas palavras “se escrevi corretamente e sem culpa ou não”.
Este Cirilo, o chefe do concílio propõe a deliberação. Quem já ouviu que, depois
de um julgamento final e irreversível da Igreja sobre uma questão de fé, alguma
dúvida ou pergunta foi feita? Isso nunca foi feito, pois isso seria duvidar da
própria fé, quando declarada e discutida. Mas isso foi feito após o julgamento
do papa Celestino. Nem Cirilo nem ninguém pensou em qualquer outra coisa:
que, portanto, não foi um julgamento final e irreversível. (Fonte -
http://www.sacred-texts.com/chr/ecf/214/2140254.htm)

Schaff deveria estar respondendo alguns apologistas católicos de seus dias.


Parece que os argumentos não mudaram desde então. Schaff ainda traz
informações que fulminam totalmente o argumento católico. Ele menciona as
palavras do imperador que era de fato o detentor do direito de convocar o
concílio:
O Imperador, movido por estas e outras razões, escreveu a Cirilo: “É nossa
vontade que a doutrina sagrada seja discutida e examinada em um sínodo
sagrado, que seja ratificada e que apareça de acordo com a fé correta, quer a
parte errada seja perdoada pelos padres ou não”. Aqui vemos três coisas.
Primeiro, após o julgamento de são Celestino, outro ainda é requerido, o do
concílio. Em segundo lugar, que estas duas coisas repousariam com os padres:
julgar doutrina e pessoas. Em terceiro lugar, que o julgamento do concílio seria
decisivo e final. Ele acrescenta: “os que em toda parte presidem os sacerdotes
e por quem nós mesmos somos e professamos a verdade, devem ser juízes
deste assunto”. Veja de quem a fé repousa. Veja em cujo julgamento está a
autoridade final e irreversível (...) o Imperador havia expressamente decretado
que “antes da sentença comum e da reunião do santíssimo concílio,
nenhuma mudança deveria ser feita em qualquer assunto, debaixo de
qualquer autoridade pessoal”. Corretamente, e em ordem, pois isso foi exigido
pela majestade de um concílio universal. Portanto, tanto Cirilo obedeceu
como os bispos descansaram. E foi estabelecido que, embora a sentença do
pontífice romano em questões de fé e sobre pessoas julgadas por violação da fé
tivesse sido promulgada, tudo estava suspenso, enquanto a autoridade do
concílio universal era aguardada. (Fonte - http://www.sacred-
texts.com/chr/ecf/214/2140254.htm)

Ainda a respeito de uma fala de Felipe (outro legado papal), Schaff afirma na
nota de rodapé: “Isso parece ser certamente corrupto. Eu literalmente segui o
grego.”

Importa destacar que o concílio inicialmente se referiu a Nestório como


“reverendo”, quando o prazo de retratação (10 dias) dado pelo bispo de Roma já
havia vencido há muito tempo. A implicação é que o concílio não considerava
Nestório excomungado, portanto, a decisão de Roma só seria efetivada após o
carimbo do concílio. O apologista Ybarra alega que Cirilo considerou Nestório
excomungado antes do concílio, logo ele acreditava no primado jurídico de
Roma. Este raciocínio falha ao não considerar que Cirilo era inimigo mortal de
Nestório e considerava a cristologia nestoriana herética em essência, logo, ele
não era um juiz imparcial na questão. Ainda assim, a premissa é falsa, pois Cirilo
escreveu uma carta à Nestório, após a decisão de Celestino e o prazo de 10
dias, onde fica evidente que ele ainda não o considerava excomungado (AQUI
http://www.sacred-texts.com/chr/ecf/214/2140260.htm). Vejam como ele inicia a carta:

Ao mais reverendo e amante de Deus, Nestório, Cirilo e o Sínodo reuniram-


se em Alexandria, na Província Egípcia, Saudando no Senhor.
Notem que mesmo após o sínodo de Roma, outro sínodo foi realizado em
Alexandria. Ao pedir que Nestório renuncie sua doutrina, Cirilo não apela
somente ao sínodo romano, mas ao testemunho da Escritura, dos pais da igreja
e ao concílio de Niceia. Na verdade, a incompatibilidade da doutrina nestoriana
com o concílio de Niceia é o argumento principal. Niceia já era considerado há
muito um concílio ecumênico e sua cristologia o critério da ortodoxia:
Mas não seria suficiente para sua reverência confessar conosco apenas o
símbolo da fé exposta há algum tempo pelo Espírito Santo no grande e santo
Sínodo convocado em Niceia. Afinal, você não a tem sustentado e
interpretado corretamente, mas perversamente, mesmo que você confesse
com a sua voz a forma das palavras.
Cirilo afirma o que Nestório deveria fazer:
Mas, além disso, por escrito e por juramento, você deve confessar que também
anatematiza os dogmas poluídos e profanos de vocês, e que irá manter e ensinar
aquilo que todos nós, bispos, mestres e líderes do povo, tanto no leste
quanto no oeste, sustentamos. O santo sínodo de Roma e todos nós
concordamos com a epístola escrita à sua Santidade da Igreja de Alexandria,
como sendo correta e inocente. Nós adicionamos a estas nossas próprias cartas
e aquilo que é necessário que você mantenha e ensine, e o que você deve ter o
cuidado de evitar. Agora, esta é a Fé da Igreja Católica e Apostólica, à qual
todos os Bispos Ortodoxos, tanto do Oriente como do Ocidente,
concordam:
Notem como Roma não era colocada como uma autoridade final. Cirilo apela
também ao consenso da Igreja, tanto do leste como oeste. O sínodo Romano é
citado, mas o sínodo alexandrino também. A fé de Cirilo seria a fé de toda a
Igreja. Por óbvio, Cirilo exagerava. Havia uma divisão verdadeira na igreja
oriental, e só um concílio ecumênico poderia resolver. Na verdade, o concílio de
Éfeso não foi aceito por todos, e causaria o primeiro grande cisma da Igreja. O
caráter ecumênico do sínodo é desafiado até os dias atuais. Ainda, o sínodo
alexandrino foi além do sínodo romano, basta ler a carta. A fórmula de fé que
Nestório deveria confessar contém diversos artigos que não constam do sínodo
de Roma. Então, não foi uma mera cópia. Na sessão 3 (aqui http://www.sacred-
texts.com/chr/ecf/214/2140281.htm), Cirilo falou:

As profissões que foram feitas por Arcádio e Projecto, os bispos mais santos e
piedosos, assim como por Filipe, o mais religioso presbítero da Igreja Romana,
manifestam-se ao santo Sínodo. Pois eles fizeram a sua profissão no lugar da
Sé Apostólica, e de todo o santo sínodo dos bispos amados e santos do
Ocidente. Por isso, que as coisas que foram definidas pelo mais sagrado
Celestino, o bispo amado por Deus, sejam efetivadas, e que o voto lançado
contra Nestório, o herético, pelo santo Sínodo, que se reuniu na metrópole de
Éfeso, seja aceito universalmente.
É interessante que este trecho seja usado em favor do papado. No entanto, Cirilo
está dizendo que a decisão do bispo de Roma foi efetivada pelo Concílio e
implica que, apenas após a decisão conciliar, seria de aceitação universal. Como
o papa poderia estar acima do concílio se sua decisão necessitou ser efetivada
por ele? Nota-se que Cirilo considerava os legados papais não apenas
representante de Roma, mas de todo o ocidente. Ainda assim, como já
demonstrado, mesmo no Ocidente, Roma não havia imposto o primado jurídico
ao norte da África neste período.
Outra afirmação sem sentido é que o concílio apenas reproduziu a decisão
anterior de Roma. Na verdade, bastar dar uma verificada nos cânones do
concílio para perceber que as decisões foram muito além da excomunhão de
Nestório (aqui http://www.sacred-texts.com/chr/ecf/214/index.htm). Os atos em que os
legados papais exaltam a autoridade de Roma estão na sessão II, mas a fase
deliberativa do concílio ocorreu na sessão I. Os extratos desta sessão deixam
claro que os bispos reunidos não estavam apenas reproduzindo a decisão de
Celestino, mas de fato analisaram a questão e emitiram o parecer:
E depois que a carta foi lida, Cirilo, o bispo de Alexandria, disse: Este santo e
grande Sínodo ouviu o que escrevi ao mais religioso Nestório, defendendo a
fé correta. Eu penso que em nenhum aspecto me afastei da verdadeira
declaração da fé, isto é, do credo estabelecido pelo santo e grande sínodo
anteriormente reunido em Niceia. Por isso desejo a vossa santidade [isto é, o
Concílio] para dizer se com razão e sem culpa e de acordo com o santo
sínodo eu escrevi estas coisas ou não. (Sessão I, Concílio de Éfeso -
http://www.sacred-texts.com/chr/ecf/214/2140258.htm)

Cirilo submete a carta que havia escrito a Nestório à deliberação do concílio.


Lembremos que a ortodoxia da carta já havia sido aceita e afirmada por
Celestino. O mais importante é que o critério de ortodoxia pela qual Cirilo seria
julgado era o concílio de Niceia e não a carta a decisão de Celestino. Se esta
não é a clara evidência da supremacia do concílio sobre o bispo de Roma, o que
mais poderia ser? Ainda na sessão I:
Paladio, o bispo de Amasea, disse: A próxima coisa a ser feita é ler a carta do
mais reverendo Nestório, da qual o mais religioso presbítero Pedro fez menção;
para que possamos entender se concorda ou não com a exposição dos
pais de Nicéia (...)
E depois que esta carta foi lida, Cirilo, o bispo de Alexandria, disse: O que parece
bom para este sínodo sagrado e grande em relação à carta que acabamos de
ler? Parece também consonante com a fé estabelecida pelo Santo Sínodo
reunido na cidade de Niceia?
[Os bispos, então como antes, expressam individualmente sua opinião, e
finalmente os Atos continuam (col. 502)]
Após, a carta de Celestino condenando Nestório também foi lida:
Juvenal, o bispo de Jerusalém disse: “Leia-se a carta do mais sagrado e
reverendo Celestino, arcebispo da Igreja de Roma, que ele escreveu sobre a fé.
Os bispos conciliares então disseram:
(...) que o Credo de Nicéia e a carta de Cirilo concordam e harmonizam em
todas as coisas.
Ou seja, os atos evidenciam que houve uma deliberação genuína, o que só é
possível quando uma decisão final ainda não fora tomada. Notem que os
membros do concílio se referem a Nestório ainda como um membro da Igreja. A
excomunhão só se efetivou pela decisão do concílio. E, acima de tudo, o
documento a ser colocado como o critério final da ortodoxia não foi a carta
romana, mas Niceia. A carta de Celestino é também objeto da deliberação do
concílio. O cânon 8 é de especial interesse, pois ecoa um antigo costume da
Igreja:
Nosso irmão bispo Regino, o amado de Deus, e seus companheiros bispos de
Deus, Zeno e Evagrio, da Província de Chipre, nos relataram uma inovação que
foi introduzida contrária às Constituições eclesiásticas e aos Cânones dos
Santos Apóstolos, e que afeta a liberdades de todos. Portanto, uma vez que os
danos que afetam a todos requerem mais atenção, pois causam danos maiores
e, particularmente, quando são transgressões de um costume antigo; e
desde aqueles excelentes homens, que pediram ao Sínodo, nos disseram por
escrito e por palavra que o bispo de Antioquia realizou ordenações no
Chipre. Portanto, os Governantes das igrejas sagradas de Chipre gozarão, sem
disputa ou dano, de acordo com os Cânones dos santos Pais e costumes
antigos, o direito de realizar para si mesmos a ordenação de seus excelentes
Bispos. A mesma regra deve ser observada nas outras dioceses e províncias
em todos os lugares, de modo que nenhum dos bispos amados por Deus
assuma o controle de qualquer província que não tenha, desde o início,
estado sob sua própria mão ou de seus predecessores. Mas se alguém
violentamente tomou e sujeitou [uma Província], ele deve desistir; para que os
Cânones dos Pais não sejam transgredidos; ou as vaidades da honra mundana
sejam trazidas sob pretexto de ofício sagrado; ou percamos, sem saber, pouco
a pouco, a liberdade que Nosso Senhor Jesus Cristo, o Libertador de todos os
homens, nos deu pelo seu próprio Sangue. (Cânon VIII - http://www.sacred-
texts.com/chr/ecf/214/2140294.htm)

O bispo de Antioquia havia realizado ordenações na província do Chipre, o que


era contrário às constituições eclesiásticas, aos cânones dos santos apóstolos,
dos santos pais e ao costume antigo. A regra em questão era que nenhum bispo
assumisse o controle de uma província que não havia segundo o costume
tradicional estado debaixo de sua jurisdição. Como a província do Chipre não
estava debaixo do controle do patriarcado de Antioquia, as ordenações eram
inválidas. O que se está afirmando é a independência eclesiástica das igrejas,
que por óbvio, também obrigava a Igreja de Roma. Os romanos não poderiam
ordenar sacerdotes em outras sedes, o que evidencia os limites de sua
jurisdição. Mas o que seriam os documentos citados? O antigo epítome deste
cânon trazia a seguinte redação:
Que os direitos de cada província sejam preservados puros e invioláveis.
Nenhuma tentativa de introduzir qualquer forma contrária a estes será de
qualquer utilidade.
Schaff, ao comentar este cânon, cita com aprovação o argumento de Beveridge:
Beveridge é de opinião que esta é uma leitura mais verdadeira, pois, embora
sem dúvida os Padres Efésios tivessem em mente os Cânones Apostólicos,
ainda assim parecem ter se referido mais particularmente neste lugar aos
cânones de Niceia. E isto parece estar declarado no libelo dos Bispos de
Chipre, que deram origem a este mesmo decreto, no qual se diz que a prática
condenada é “contrária aos cânones apostólicos e às definições do santíssimo
Concílio de Niceia."
O Concílio de Éfeso está reverberando Niceia que apresenta vários cânones a
respeito da independência eclesiástica das Igrejas. De especial interesse é o
cânon 6, que, como já visto, instituiu e delimitou as áreas de jurisdição dos
patriarcados:
O bispo de Alexandria terá jurisdição sobre o Egito, Líbia e Pentápolis; assim
como o bispo Romano sobre o que está sujeito a Roma. Assim, também, o
bispo de Antioquia e os outros, sobre o que está sob sua jurisdição. Se alguém
foi feito bispo contrariamente ao juízo do Metropolita, não se torne bispo. No caso
de ser de acordo com os cânones e com o sufrágio da maioria, se três são contra,
a objeção deles não terá força. (Cânon VI de Niceia - http://www.e-
cristianismo.com.br/historia-do-cristianismo/documentos-historicos/canones-do-
concilio-de-niceia.html)
O concílio está implicitamente afirmando a jurisdição limitada de Roma, como
fora afirmado em Niceia. O apologista ainda traz outra questão atinente ao
concílio:
Ainda há o julgamento de Nestório e de um bispo de Antioquia de nome João no
Concílio de Éfeso, onde fica a cargo da Sé Apostólica (neste caso o Papa da
época). Fica um pergunta aos detratores da Primazia de Roma: por que um
considerado herege oriental, segundo aqueles que advogam que o conciliarismo
era a instância superior, deixou-se para ser julgado por Roma?
Com relação a Nestório, que foi o grande motivador do concílio, já fora
demonstrando como sua excomunhão só se efetivou após a decisão do concílio.
João era o patriarca de Antioquia, e a ele se atribuía uma simpatia pelas ideias
de Nestório. Ocorre que o Concílio foi iniciado antes da chegada de João e seus
partidários. Diante do imbróglio, João iniciou um concílio paralelo ao de Éfeso. A
fonte citada pelo apologista é a carta do sínodo encaminhada ao bispo de Roma
(AQUI http://www.sacred-texts.com/chr/ecf/214/2140296.htm#fn_273). O trecho a qual
se refere é o seguinte:
Sendo justamente contrariado, portanto, nós determinamos infligir de acordo
com a lei a mesma penalidade sobre ele e aqueles que estavam com ele, o que
ele contrariamente à lei havia pronunciado contra aqueles que tinham sido
condenados sem nenhuma culpa. Porém, embora de maneira mais justa e de
acordo com a lei, ele sofreria esse castigo ainda na esperança de que, pela
nossa paciência, sua temeridade pudesse ser dominada, reservamos isso à
decisão de sua santidade. Enquanto isso, nós os privamos da comunhão e
retiramos deles todo o poder sacerdotal, para que eles não sejam capazes
de fazer mal algum por suas opiniões.
João havia acusado Cirilo e outros membros do concílio de serem hereges
apolinaristas. No entanto, o Concílio em nenhum de seus cânones declara João
como herege, pois de fato não era claro se ele endossava a doutrina de Nestório.
Esta decisão teria sido reservada ao bispo romano. De qualquer forma, João e
seus partidários foram depostos de seus cargos e privados da comunhão, mas
não excomungados.
Quando havia sido lido no santo Sínodo o que havia sido feito tocante ao
depoimento dos pelagianos e celestinos mais irreligiosos, de Célestio, Pelágio,
Juliano, Présidio, Florus, Marcelino e Orôncio, e os inclinados a gostar dos erros,
nós também julgamos correto (ἐδικαιώσαμεν) que as determinações de sua
santidade concernentes a elas permaneçam fortes e firmes. E todos nós
éramos da mesma mente, mantendo-os depostos.
Este trecho da carta é relevante. Os pelagianos e celestinos já haviam sido
julgados como heréticos pelo bispo de Roma neste tempo. Eles foram
considerados hereges e depostos de seus cargos. Todavia, o concílio julga
essas decisões como corretas e as mantém. Novamente, se a decisão de Roma
era final, porque o concílio se manifestaria? Zósimo, depois de apoiar Pelágio,
voltara atrás e confirmara a condenação de seu predecessor Inocêncio. Mesmo
após a condenação de dois papas, Agostinho relata que Pelágio foi para a
Palestina onde um sínodo local não o considerou herege (Sobre o pecado
origina, capítulo 15). A condenação de dois bispos romanos não era final, de
forma que Pelágio ainda poderia ter seu caso analisado por sínodos de outras
igrejas. Por isso, a seguinte afirmação de Ybarra é falsa:
Bem, ele pode ter sabido da controvérsia pelagiana que recebeu um julgamento
final do papa Santo Inocêncio I.
Falar do imperador:
Ybarra

Como presidente da Sé Apostólica, ele tem a autoridade para convocar e


ratificar o que é sinodicamente alcançado, tornando sua primazia de
significado.
Mais material sobre os africanos e Celestino.
https://books.google.com.br/books?id=Z8DXDQAAQBAJ&pg=PT208&dq=St.+C
yril+of+Alexandria+papal+primacy&hl=en&sa=X&ved=0ahUKEwibpKqKndPiAh
XpIbkGHfZvCfkQ6AEINjAC#v=onepage&q=Cyril%20of%20Alexandria%20&f=f
alse

Éfeso também condenou o pelagianismo.

Importante trecho onde Schaff atesta que o papa não foi ortodoxo:
As it is impossible to treat the theological question here, so too is it impossible to
treat the historical question. However I may remind the reader that Nestorius and
his heresy were defended by Theodore of Mopsuestia, and that he and Celestius
were declared by Pope Zosimus to be innocent in the year 417, a decision which
was entirely disregarded by the rest of the world, a Carthaginian Synod
subsequently anathematizing him. Finally the Pope retracted his former decision,
and in 418 anathematized him and his fellow, and gave notice of this in his
“epistola tractoria” to the bishops. Eighteen Italian bishops, who had followed the
Pope in his former decision of a twelve month before, refused to change their
minds at his bidding now, and were accordingly deposed, among them Julian of
Eclanum. After this Pelagius and Celestius found a fitting harbour of refuge with
Nestorius of Constantinople, and so all three were condemned together by the
council of Ephesus, he that denied the incarnation of the Word, and they twain
that denied the necessity of that incarnation and of the grace purchased thereby.

Novamente, isto só corrobora que a condenação do bispo romano era


insuficiente e, para se tornar efetiva, dependia da aprovação do concílio. Além
disso, as palavras do legado papal não implicam em nenhuma autoridade do
bispo sobre o concílio.
A Jurisdição de Roma começa a se impor, o problema do artigo de Bruno não é
ele afirmar sobre a questão da Jurisdição de Roma, que é objeto de controvérsia.
Mas usar Santo Agostinho para endossar isso. O que é vergonhoso.
Não começa a se impor não. Neste caso (de Celestino), é o concílio que ratifica
a posição do bispo de Roma, que, de fato, não era só dele, mas também de Cirilo
de Alexandria. Schatz comenta:
Debaixo desta absolutização de Niceia, a cristologia alexandrina da unidade
obteve no Concílio de Éfeso I (431) o primeiro grande triunfo frente a cristologia
antioquena da distinção. Era o triunfo de Alexandria (Cirilo), em aliança com
Roma (Celestino), frente a Constantinopla (Nestório). (Schatz, p. 75)
Ou seja, não foi apenas a posição do bispo romano, mas também a posição do
bispo alexandrino que acabou vencedora. Os apologistas católicos citam o fato
de Cirilo ter apelado a sé romana como evidência do papado. Esta é uma técnica
argumentativa muito aplicada aos pais da Igreja, contudo parte de uma premissa
falaciosa. Cirilo era o bispo de Alexandria – seu oponente Nestório de
Constantinopla e o bispo de Antioquia (João) era mais simpático a Nestório. Além
disso, o imperador que tinha uma autoridade importante sobre os assuntos da
Igreja também nutria simpatia às ideias de Nestório. Obviamente, Cirilo apelaria
a Roma, afinal diante de tantos oponentes poderosos no Oriente, o apoio de
Roma seria de grande ajuda. Além disso, Cirilo estava consciente da antipatia
de Roma por Nestório, já que ele ofereceu certo apoio aos pelagianos – um
grupo que Celestino intentava eliminar.
O fato de um bispo oriental apelar ao bispo romano e passar a patrocinar sua
causa no concílio, como fez Cirilo, é insuficiente para evidenciar o primado
jurídico universal, afinal o alexandrino era o maior oponente de Nestório,
portanto, estava acima de tudo patrocinando sua própria causa. Se os
apologistas católicos realmente desejam defender a supremacia papal nestas
controvérsias, eles precisam demonstrar que as Igrejas Orientais retrocederam
de posições teológicas com base somente num direito divino concedido ao bispo
de Roma de definir finalmente e irreformavelmente a posição ortodoxa. Contudo,
os concílios ecumênicos mostram exatamente o oposto. Reiteradas vezes o
bispo de Roma teve que aceitar decisões conciliares contra sua vontade. Ainda,
em toda a controvérsia, o patriarcado de Antioquia tomou o partido de Nestório,
tendo seu bispo João até mesmo instaurando um concílio paralelo. Dessa forma,
como o primado universal pode ser defendido quando uma parte significante da
Igreja resistiu à condenação de Nestório. Apenas em algum tempo posterior ao
concílio, o bispo de João de Antioquia reatou os laços de comunhão com Cirilo.
Philip Schaff escreveu:
Cirilo primeiro escreveu para Nestório; depois, para o imperador, a imperatriz
Eudokia e a irmã do imperador Pulquéria, que se interessavam
intensamente pelos assuntos da igreja, e finalmente ao bispo romano
Celestino. Ele [Cirilo] advertiu bispos e igrejas do leste e do oeste contra as
perigosas heresias de seu rival. Celestino, movido pelo instinto ortodoxo,
lisonjeado pelo apelo à sua autoridade, e indignado pela acolhida amigável de
Nestório aos pelagianos exilados, condenou sua doutrina em um concílio romano
e o demitiu da cadeira patriarcal, a menos que se retratasse dentro de dez dias
(430). Como Nestório persistiu em sua opinião, Cirilo, desprezando a
mediação amigável do patriarca João de Antioquia, lançou doze anátemas,
ou fórmulas de condenação, contra o patriarca de Constantinopla a partir de um
concílio em Alexandria por ordem do papa (430). Nestório respondeu com doze
contra anátemas, nos quais acusou seus oponentes da heresia de Apolinário.
Teodoreto de Ciro, o expositor erudito e historiador da igreja, também
escreveu contra Cirilo a pedido de João de Antioquia. A controvérsia tornou-
se tão geral e crítica que só poderia ser resolvida por um concílio
ecumênico. (Fonte - https://www.ccel.org/s/schaff/history/3_ch09.htm#_edn289)
Observem que Cirilo não apelou apenas ao bispo de Roma, mas também ao
imperador. O papel do imperador ficaria mais evidente durante o concílio:
Na nota de rodapé 1583 da mesma obra, Schaff afirma:
Antes da sentença de deposição ser assinada, o número aumentou para cento
e noventa e oito. De acordo com os relatos romanos, Cirilo presidiu em nome e
debaixo da comissão do papa; mas neste caso, ele deveria ter cedido a
presidência na segunda e subsequentes sessões aos legados papais que
estavam presentes, o que ele não fez.
O fato de que Roma possuía uma jurisdição limitada neste período (séc. V) não
é objeto de controvérsia na historiografia moderna. Até então, os únicos autores
citados pelo apologista em favor do oposto são meramente apologistas católicos.
O apologista faz ainda outras afirmações sobre o Concílio de Éfeso:
Carta do concílio ao papa Celestino:
http://www.tertullian.org/fathers2/NPNF2-14/Npnf2-14-85.htm

Artigo do Ybarra

https://erickybarra.org/2019/05/24/pope-st-celestine-i-422-432-and-immediate-universal-
jurisdiction/#more-6632

Schaff

https://www.ccel.org/ccel/schaff/hcc3.iii.xii.xxii.html

Falar sobre o cânon que proibiu os antioquenos de ordenarem fora de suas sedes.

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