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“Os hereges não são católicos e os que não são católicos não podem ser

Papa”. “Quem não é membro não pode ser cabeça”.

Do livro "O Príncipe dos Cruzados" (compilação doutrinária inédita).

Este artigo é baseado na maior parte no livro de Arnaldo Vidigal Xavier da


Silveira, "Considerações sobre o ordo missae de Paulo VI", 1970, onde na
primeira parte se trata exaustivamente das possibilidades do Papa herege. Este
livro foi revisado e tinha adesão do eminente católico Plinio Corrêa de
Oliveira.

-> Teses sobre a Perda do Papado

1 - Quando cai em heresia interna (falsa).

2 - Quando intervém uma declaração de sua heresia por um concílio, pelos


cardeais, por grupos de bispos, etc (falsa).
3 - Quando sua heresia se torna manifesta (verdadeira).

-> Apreciação ou refutação das Teses

1 - Quando cai em heresia interna (falsa).

Esta tese pressupõe que a jurisdição na Igreja absolutamente não pode estar
com um herege.

Código de Direito Canônico (1917) contra a negação absoluta de


jurisdição aos hereges

O herege só perde a jurisdição quando contra ele for proferida sentença


condenatória ou declaratória no Cânon 2264.

Os sacerdotes que abandonaram a Igreja têm jurisdição para dar a absolvição a


pessoas em perigo de vida no Cânon 882.

Pe.Suarez citando S.Tomás de Aquino

"A perda da fé por heresia meramente interna não acarreta a perda do poder de
jurisdição (...). Isso se prova em primeiro lugar pelo fato de que o governo
(eclesiástico) se tornaria muito incerto caso o poder dependesse de
pensamentos e culpas interiores. Outra prova: dado que a Igreja é visível,
cumpre que o seu poder governativo seja a seu modo não de meras cogitações
mentais. Esta é uma razão ―a priori‖, pois em tal caso a Igreja não retira o
poder através de seu direito humano, uma vez que não julga do que é interno,
como diremos adiante. E o poder também não é tirado por força do mero
direito divino, porque este ou é natural, vale dizer, conatural aos próprios dons
sobrenaturais, ou é estabelecido por determinação positiva. O primeiro
membro do dilema não pode ser aceito, porque pela própria natureza das
coisas não se pode demonstrar uma conexão necessária entre a fé e o poder de
jurisdição; e também porque o poder de ordem é ainda mais sobrenatural, e no
entanto não se perde, o que constitui verdade de fé, como se expõe mais
amplamente no tratado dos Sacramentos em geral, e como ensina São Tomás
(II-II, q. 39, a. 3). Portanto, embora a fé seja fundamento da santificação e dos
dons que a ela pertencem, não é contudo fundamento dos demais poderes e
graças, que são concedidos em benefício dos outros homens. O segundo
membro do dilema se elimina com a simples observação de que pela Tradição
nem pela Escritura é possível demonstrar a existência desse direito divino-
positivo. Finalmente, é consentâneo com a razão que, assim como a jurisdição
eclesiástica só é conferida através de alguma ação humana - quer seja esta
apenas designativa, isto é, eletiva da pessoa, como no caso do Sumo Pontífice,
quer seja colativa do poder, como nos demais casos - assim também não deva
ser retirada senão através de alguma ação externa, pois em ambas as situações
deve ser guardada a devida proporção, atendendo-se à condição e natureza do
homem" [1].

2 - Quando intervém uma declaração de sua heresia por um concílio,


pelos cardeais, por grupos de bispos, etc (falsa).

Esta tese se subdivide em duas: 1 - A conciliarista, que defende que um


Concílio ou um grupo de prelados pode julgar o Papa. Não avaliamos esta
porque já é uma heresia condenada pela Igreja. 2 - A que sustenta que um
Concílio (sem Papa), Sínodo ou um grupo de prelados ou grupo qualquer
poderia fazer uma declaração não-judicial, em razão da qual Nosso Senhor
Jesus Cristo deporia o Papa. Esta posição é relevante hoje já que tem sido
defendida por alguns [2] para depor o Papa Francisco, mas em geral no
passado, mesmo para isso se defendeu um Concílio.

S.Roberto Bellarmino

"Além disso, a segunda afirmação de Cajetano, de que o Papa herege pode ser
verdadeira e autoritativamente deposto pela Igreja, não é menos falsa do que a
primeira. Pois se a Igreja depõe o Papa contra a vontade deste, está certamente
acima do Papa; o próprio Caietano entretanto defende, no mesmo tratado, o
contrário disto. Caietano responde que a Igreja, depondo o Papa, não tem
autoridade sobre o Papa, mas apenas sobre o vínculo que une a pessoa ao
Pontificado. Do mesmo modo que a Igreja, unindo o Pontificado a tal pessoa,
não está por isso acima do Pontífice, assim também pode a Igreja separar o
Pontificado de tal pessoa em caso de heresia, sem que se diga estar acima do
Pontífice.

Mas contra isso deve-se observar em primeiro lugar que, do fato de que o
Papa depõe Bispos, deduz-se que o Papa está acima de todos os Bispos,
embora o Papa ao depor um Bispo não destrua a jurisdição episcopal, mas
apenas a separe daquela pessoa. Em segundo lugar, depor alguém do
Pontificado contra a vontade do deposto, é sem dúvida uma pena; logo, a
Igreja, ao depor um Papa contra a vontade deste, sem dúvida o está punindo;
ora, punir é próprio ao superior e ao juiz. Em terceiro lugar, dado que,
conforme Cajetano e os demais tomistas, na realidade o todo e as partes
tomadas em seu conjunto são a mesma cosa, quem tem autoridade sobre as
partes tomadas em seu conjunto, podendo separá-las entre si, tem também
autoridade sobre o próprio todo constituído por aquelas partes [3].

3 - Quando sua heresia se torna manifesta (verdadeira).

Dr.Arnaldo Vidigal [4], seguindo Suarez [5] subdivide em três as teses sobre a
natureza do "manifesto":

1º No momento em que exterioriza a sua heresia.


2º Quando a heresia chega ao conhecimento de certo número de pessoas,
ainda que reduzido.
3º Quando sua heresia se torna “notória e divulgada de público” ("Notoria et
palam divulgata", segundo Wernz-Vidal [6]).

Mostraremos argumentos de que só a terceira pode ser certa dado um dogma


da Igreja. Antes, algumas palavras sobre a posição de S.Roberto Bellarmino,
que não deixou suficientemente clara a sua tese sobre o momento em que o
Papa herege perderia "ipso facto" o Pontificado. Explica Dr.Arnaldo:

"Diz ele que isso se daria quando a heresia se tornasse "manifesta"; e opõe o
conceito de "manifesto" ao de "oculto". Ora, a heresia oculta pode ser a
interna (oculta "per se"), como pode ser a externa desconhecida por outrem
(oculta "per accidens"). A se atribuir a São Roberto Bellarmino a primeira
dessas interpretações, o Papa perderia o Pontificado no momento em que
exteriorizasse sua heresia, ainda que ninguém o percebesse. A se lhe atribuir a
segunda interpretação, a perda do Pontificado se daria quando algumas outras
pessoas – talvez uma só – soubessem do fato.

Caberia ainda uma terceira interpretação? Poder-se-ia entender como heresia


oculta aquela que já é do conhecimento de muitas pessoas, mas ainda não
atingiu o grande público, ainda não se tornou "notória e divulgada de
público"? – Tal interpretação é adotada por Wernz-Vidal, que afirma mesmo,
sem hesitar, que segundo São Roberto Bellarmino o Papa herege só estaria
destituído quando sua defecção na fé se tornasse ―notória e divulgada de
público".

Ademais, o santo também reconheceu esta tese como provável, mas não como
a mais provável.

São Roberto Bellarmino

"Esta é a sentença de todos os antigos Padres, que ensinam que os hereges


manifestos perdem imediatamente toda jurisdição, e nomeadamente de São
Cipriano (lib. 4, epíst. 2), o qual assim se refere a Novaciano, que foi Papa
(antipapa) no cisma havido durante o Pontificado de São Cornélio: ―Não
poderia conservar o Episcopado, e, se foi anteriormente feito Bispo, afastou-se
do corpo dos que como ele eram Bispos e da unidade da Igreja‖. Segundo
afirma São Cipriano nessa passagem, ainda que Novaciano houvesse sido
verdadeiro e legítimo Papa, teria contudo decaído automaticamente do
Pontificado caso se separasse da Igreja.

(...) O mesmo diz Melchior Cano (lib. 4 de loc., cap. 2), ensinando que os
hereges não são partes nem membros da Igreja, e que não se pode sequer
conceber que alguém seja cabeça e Papa, sem ser membro e parte (cap. ult. ad
argument. 12). E ensina no mesmo local, com palavras claras, que os hereges
ocultos ainda são da Igreja, são partes e membros, e que portanto o Papa
herege oculto ainda é Papa. Essa é também a sentença dos demais autores que
citamos no livro 1 "De Eccles.".

O fundamento desta sentença é que o herege manifesto não é de modo algum


membro da Igreja, isto é, nem espiritualmente nem corporalmente, o que
significa que não o é nem por união interna nem por união externa. Pois
mesmo os maus católicos estão unidos e são membros, espiritualmente pela
fé, corporalmente pela confissão da fé e pela participação nos sacramentos
visíveis; os hereges ocultos estão unidos e são membros, embora apenas por
união externa; pelo contrário, os catecúmenos bons pertencem à Igreja apenas
por uma união interna, não pela externa; mas os hereges manifestos não
pertencem de modo nenhum, como já provamos" [7].

Dr.Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira

"A Igreja é uma sociedade visível e perfeita.


Ora, os fatos da vida oficial e pública de uma sociedade visível e perfeita, só
se tornam juridicamente consumados quando notórios e divulgados de
público.
Ora, a perda do Papado é um fato da vida pública e oficial da Igreja.
Logo, a perda do Papado só se torna juridicamente consumada quando notória
e divulgada de público.

Tal conclusão, decorrente de uma verdade revelada e de uma premissa


evidente à razão natural, expressa a vontade certa de Nosso Senhor. Não seria
uma verdade formalmente revelada, mas uma verdade virtualmente revelada,
uma conclusão teológica.

O próprio Jesus Cristo, portanto, sustentaria a jurisdição do Papa herético até


o momento em que sua defecção na fé se tornasse "notória e divulgada de
público".

Em conseqüência, seriam válidos todos os atos jurisdicionais praticados pelo


Papa durante esse período. Imaginado mesmo o caso de proferir ele uma
definição dogmática, esta seria infalível. O Espírito Santo, em tal hipótese,
falaria através dele como falou pela mula de Balaão" [8].

1] De Legibus, lib. IV, cap. VII, n.º 7, p. 360


[2] Robert J.Siscoe e John Salza, membros ligados a FSSPX. Eles publicaram um livro contra o
sede-vacantismo defendendo esta posição. Um resumo se encontra no
link: https://fratresinunum.com/2015/10/30/a-igreja-pode-depor-um-papa-herege/
[3] De Rom. Pont., lib. II, cap. 30, pp. 418-420
[4] Op.cit pg.28
[5] "De Leg...", lib. IV, cap. VII, n.º 6, p. 360
[6] Ius Can., vol. II, p. 517
[7] "De Rom. Pont.", lib. II, cap. 30, p. 420
[8] Op.Cit., pg.32
Do livro "O Príncipe dos Cruzados" (compilação doutrinária inédita).

Este artigo é baseado na maior parte no livro de Arnaldo Vidigal Xavier da


Silveira, "Considerações sobre o ordo missae de Paulo VI", 1970, onde na
primeira parte se trata exaustivamente das possibilidades do Papa herege.
Este livro foi revisado e tinha adesão do eminente católico Plinio Corrêa de
Oliveira.

-> Um Papa pode ser herege

Bíblia

Considerando que possa cair em heresia: "Roguei por ti, para que a tua fé
não desfaleça; e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos" S. Lucas
22:32.

Papa Adriano II

"Lemos que o Pontífice Romano sempre julgou os chefes de todas as igrejas


(isto é, os Patriarcas e Bispos); mas não lemos que jamais alguém o tenha
julgado. É verdade que, depois de morto, Honório foi anatematizado pelos
orientais; mas deve-se recordar que ele foi acusado de heresia, único crime
que torna legítima a resistência dos inferiores aos superiores, bem como a
rejeição de suas doutrinas perniciosas" [1].

III Concílio de Constantinopla, VI Ecumênico considerando um Papa do


passado herege

"Julgamos que, juntamente com esses, foi lançado fora da Santa e Católica
Igreja de Deus, e anatematizado, também Honório, outrora Papa de Roma,
pois verificamos, por seus escritos enviados a Sérgio, que em tudo seguiu o
pensamento deste último e confirmou seus princípios ímpios" [2].

Papa São Leão II (+ 683)

"Anatematizamos também os inventores do novo erro: Teodoro, Bispo de


Pharan, Ciro de Alexandria, Sérgio, Pirro (...) e também Honório, que não
ilustrou esta Igreja apostólica com a doutrina da tradição apostólica, mas
permitiu, por uma traição sacrílega, que fosse maculada a fé imaculada" [3].
Papa Adriano VI († 1523)

“Se por Igreja Romana se quer dizer a sua cabeça ou pontífice, é fora de
dúvida que ele pode errar, mesmo em matérias que tocam a fé. Ele faz isso
quando ensina heresia por seu próprio julgamento ou decreto. Na verdade,
muitos pontífices romanos foram hereges. O último deles foi o Papa João XXII
(† 1334)“ [4].

São Francisco de Sales

“Nos termos da Lei antiga, o Sumo Sacerdote não usava o Rational, exceto
quando estava investido com as vestes pontificais e entrava diante do
Senhor. Assim nós não dizemos que o Papa não pode errar em suas opiniões
privadas, como fez João XXII; ou não ser totalmente um herege, como, talvez,
Honório era” [5].

São Bruno ao Papa Pascoal II insinuando que ele podia cair em heresia
obstinada

"(...) Eu vos estimo como a meu pai e senhor (...). Devo amar-vos; porém
devo amar mais ainda Àquele que criou a vós e a mim. (...) Eu não louvo o
pacto (assinado pelo Papa), tão horrendo, tão violento, feito com tanta
traição, e tão contrário a toda piedade e religião. (...) Temos os Cânones;
temos as constituições dos Santos Padres, desde os tempos dos Apóstolos
até vós. (...) Os Apóstolos condenam e expulsam da comunhão dos fiéis
todos aqueles que obtêm cargos na Igreja através do poder secular. (...) Esta
determinação dos Apóstolos (...) é santa, é católica, e quem quer que a ela
contradiga, não é católico. Pois somente são católicos os que não se opõem à
fé e à doutrina da Igreja católica. E, pelo contrário, são hereges os que se
opõem obstinadamente à fé e à doutrina da Igreja católica. (...)" [6].

Santo Ivo de Chartres

"(...) não queremos privar as chaves principais da Igreja (isto é, o Papa) de


seu poder, qualquer que seja a pessoa colocada na Sé de Pedro, a menos que
se afaste manifestamente da verdade evangélica" [7].

Fatos a favor desta doutrina


Principalmente a partir da época do Concílio Vaticano II, heresias foram
defendidas em documentos pontifícios, o que não temos objetivo de
demonstrar aqui. Considerando as teses teológicas que garantem a
continuação do Papa nesta condição que mostraremos em seguida, isto
corrobora a possibilidade de um Papa herege.

Outras autoridades contra esta doutrina

São Roberto Belarmino pessoalmente se alinhou ao o que ele próprio


chamou de “parecer piedoso” de Albert Pighius [8], ou seja, que um Papa
não poderia cair em heresia pessoal, mas admitiu que “a opinião comum é a
contrária” [9]. Cardeal Billot e Suarez também acreditaram ser esta sentença
a mais provável, mas só Matthaeuccius a considerou de fé [10].

-----------------------------------------
[1] Adriano II, alloc. III lecta in Conc. VIII, Act. 7 - citado por Billot, Tract. de Eccl. Christi, tom. I, p. 619 - Ver também Hefele-Leclercq, tome V, pp. 471-
472
[2] Denz.-Sch. 552.
[3] Denz.-Sch. 563
[4] Quaest. in IV Sent. Quote in: “L’Infaillibilité du pape et le Syllabus”, (Besançon: Jacquin; Paris: P. Lethielleux, 1904)
[5] St. Francis de Sales, The Catholic Controversy (TAN Books) p 305-306
[6] Carta de São Bruno de Segni a Pascoal II, escrita em 1111 - P.L., tom. 163, col. 463. Ver também: Baronius, Annales, ad ann. 1111, n.º 30, p. 228;
Hefele-Leclercq, tom. V, part. I, p. 530
[7] P.L., tom. 162, col. 240
[8] Hierarch. Eccles., lib. 4, cap. 8
[9] De Romano Pontifice, lib II, cap. 30
[10] Op.Cit. A.Xavier, pg. 8

Objecção ao Sedevacantismo: "O


Papa Honório foi condenado por
heresia e não deixou de ser papa."

por Ir. Miguel Dimond e Ir. Pedro Dimond


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objecções
14ª
Objecção:
O Papa
Honório
foi
condenado
por
heresia
por um
concílio
geral após
a sua
morte,
contudo, a
Igreja não
considera
que tenha
deixado de
ser papa,
apesar de
ter sido
acusado
de heresia
durante o
seu
reinado.
Papa Honório I

Resposta: Como já vimos, é um facto dogmático que


um herege não pode ser papa, já que é um dogma
infalivelmente definido que um herege deixa de ser
membro da Igreja Católica.

Papa Eugénio IV, Concílio de Florença,ex cathedra:


“A Santa Igreja Romana crê firmemente,
professa e prega que nenhum dos que estão fora da
Igreja Católica, não só pagãoscomo
tambémjudeus,heréticose cismáticos…”1
O caso do Papa Honório não prova que um herege
possa ser papa. Na condenação do Papa Honório como
herege depois de sua morte, o Terceiro Concílio de
Constantinopla não fez nenhuma declaração — nem a Igreja alguma vez
fez qualquer declaração — de que ele permanecera sendo papa até a sua
morte.
Terceiro Concílio de Constantinopla, Exposição
da fé, 680-681:

“… não descansou o autor do mal, buscando um


cúmplice na serpente e através dela introduziu
na natureza humana o veneno da morte; do
mesmo modo agora ele encontrou instrumentos
adequados para seus próprios fins ―
nomeadamente, Teodóro… Sérgio, Pirro, Paulo e
Pedro… e também Honório, que foi papa da
antiga Roma, Ciro… e Macário… ― e [esta
serpente] nunca descansa em levantar por meio
deles obstáculos de erro contra todo o corpo da
Igreja, semeando com voz de aldrabice em
pessoas ortodoxas a heresia de uma única
vontade e um só princípio de acção…”2
Terceiro Concílio de Constantinopla

A Igreja não abordou a questão de Honório ter perdido


ou não o ofício papal após ter caído em heresia;
simplesmente o condenou. (Honório também foi
condenado pelo Quarto Concílio de Constantinopla e o Segundo
Concílio de Nicéia). Visto que Honório foi um papa eleito
validamente (por isso o seu nome se encontra na lista
dos verdadeiros papas), se ele tornou-se um verdadeiro
herege durante seu reinado, então ele perdeu o ofício
papal; pois, tal como os próprios não-sedevacantistas
que usam este argumento admitem: “os hereges não são
católicos e os que não são católicos não podem ser papas.”
O Papa Honório havia falecido fazia mais de quarenta
anos quando foi condenado pelo Terceiro Concílio de
Constantinopla. Honório não promulgou nenhum decreto
dogmático, e somente “reinou” por três anos e meio
depois de ocorrido o incidente da heresia. Portanto, a
questão de se ele continuou sendo papa e governou a
Igreja universal nos últimos três anos e meio de seu
pontificado de treze anos não era algo relevante para os
fiéis daquela altura.
Portanto, é perfeitamente compreensível que a Igreja
não tenha emitido uma declaração oficial que dissesse
que Honório perdera o seu ofício por ser um herege, visto
que esse não foi um tema que tenha sido discutido na
altura e, além disso, porque haver-se-ia criado todo um
debate teológico desnecessário.

Para além disso, como afirma A Enciclopédia Católica de


1907, persiste todavia uma certa confusão (inclusive
entre os sucessores de Honório) de se o Papa Honório foi
um herege ou meramente culpável por não reprimir a
heresia ou foi completamente mal entendido. Alguns
estudiosos, que até analisaram a fundo a questão, ainda
não estão convencidos de que Honório fora condenado
como herege pelo Terceiro Concílio de Constantinopla. O
argumento deles baseia-se no facto de que o Papa Santo
Agatão, que viveu durante o concílio, morreu antes que esse
terminasse. Visto que os decretos de um concílio somente
possuem a autoridade que lhes são outorgadas pela
confirmação do papa, eles mantêm que o Papa São Leão
II, que confirmou o concílio, somente confirmou a condenação de
Honório no sentido de ter falhado em reprimir a heresia e, por
consequência, ter permitido que a fé se contaminasse.
Esta confusão explica a razão de São Francisco de Sales
ter dito o que disse acerca de Honório (ver mais
adiante).
Para distinguir ainda mais o caso de Honório do caso
dos antipapas do Vaticano II, é importante indicar que o
erro do Papa Honório foi quase completamente desconhecido durante o
seu reinado e anos seguintes. As duas cartas de Honório que
favoreciam a heresia monotelita (escritas em 634) foram
cartas dirigidas a Sérgio, o patriarca de Constantinopla.
Estas cartas não somente eram quase completamente
desconhecidas na altura, mas foram também mal
interpretadas por um papa que reinou pouco depois de
Honório.
Por exemplo, o Papa João IV (640-643), que foi o segundo Papa a
reinar após o Papa Honório, defendeu Honório de qualquer acusação de
heresia. O Papa João IV estava convencido de que Honório
não havia ensinado a heresia monotelita (isto é, que
Cristo tem uma só vontade), mas que Honório
simplesmente afirmou que nosso Senhor não tem duas
vontades contrárias.
Papa João IV, carta Dominus qui dixit, ao
imperador Constantino, a respeito do Papa
Honório, 641: “… Assim, pois, o supracitado
predecessor meu [Honório] disse do mistério da
incarnação de Cristo, que não havia n'Ele, como
em nós pecadores, duas vontades contrárias da
mente e da carne. Alguns, acomodando isto ao seu
próprio gosto, suspeitaram que Honório ensinou que a
divindade e a humanidade d'Ele não têm mais que uma só
vontade, interpretação que é totalmente contrária à
verdade.”3
Tomando em conta estes factos, podemos ver: 1) o
caso do Papa Honório não prova que os hereges possam
ser papas, uma vez que a Igreja nunca declarou que ele
permaneceu sendo papa depois de sua queda em
heresia; e 2) os factos do caso do Papa Honório são drasticamente
diferentes dos do caso dos antipapas do Vaticano II, já que as duas cartas
de Honório que continham heresia eram praticamente desconhecidas
naquela época, e foram mal interpretadas inclusive pelos papas que lhe
sucederam. Comparar as duas cartas do Papa Honório com
as acções e declarações dos hereges manifestos Paulo
VI, João Paulo II e Bento XVI, é como comparar um grão
de areia com uma praia.
Por último, se você quer mais confirmações acerca de
que os hereges deixam ipso facto de ser papas, e de que o
caso do Papa Honório não proporciona nenhuma evidência do
contrário, você não precisa acreditar em nossa palavra.
São Francisco de Sales (séc. XVII), Doutor da
Igreja, A Controvérsia Católica, pp. 305-306: “Portanto,
não dizemos que o Papa não possa errar em
suas opiniões privadas, tal como aconteceu a João XXII, ou
ser um completo herege, como talvez o foi Honório. Agora,
quando ele [o Papa] é explicitamente um herege, ele cai ipso
facto da sua dignidade e para fora da Igreja…”4
No mesmo parágrafo que São Francisco de Sales
(Doutor da Igreja) menciona o Papa Honório, ele afirma
inequivocamente que um papa deixa de ser papa caso se torne um herege.
São Francisco de Sales não tinha a certeza se o Papa
Honório foi um herege ou se simplesmente não reprimiu
a heresia; contudo, independentemente disso, São
Francisco sabia que o caso de Honório não afectava a
verdade de que os hereges não podem ser papas.
São Roberto Belarmino e Santo Afonso Maria de Ligório
também estavam familiarizados com o caso do Papa
Honório e isso não lhes impediu de declararem o
seguinte:

São Roberto Belarmino (1610), Doutor da Igreja:


“Um Papa que é manifestamente um herege automaticamente
deixa de ser Papa e Cabeça, tal como ele deixa
automaticamente de ser cristão e um membro da Igreja. Por
conseguinte, ele pode ser julgado e punido pela
Igreja. Este é o ensinamento de todos os Padres
da antiguidade que ensinam que hereges
manifestos perdem automaticamente toda a
jurisdição.”
Santo Afonso de Ligório (1787), Doutor da
Igreja: “Se alguma vez um papa, como pessoa privada,
caísse em heresia, ele cairia imediatamente do pontificado.”5
Tomando em conta estes factos, podemos ver que o
argumento baseado em Honório não prova nada para o
não-sedevacantista, mas que, pelo contrário, recorda-
nos o ensinamento dos Doutores da Igreja, os quais, ao
considerarem o caso, declararam que os hereges não
podem ser papas.

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Notas finais:
1 Decrees of the Ecumenical Councils, vol. 1, pág. 578;
Denzinger 714.
2 Decrees of the Ecumenical Councils, vol. 1, pp. 125-126.
3 Denzinger 253.
4 São Francisco de Sales, The Catholic Controversy, pp. 305-
306.
5 Oeuvres Complètes, 9:232.
Do livro: A Verdade sobre o que Realmente Aconteceu à Igreja Católica
depois do Vaticano II

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