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19/03/2024 09:00 O Magistério Não Infalível | Unam Sanctam | Artigos contra os erros do sedevacantismo

O Magistério Não Infalível


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Texto do Mons. Maurílio Leite-Teixeira Penido, considerado por muitos um dos


melhores teólogos e o maior tomista brasileiro.

Magistério Não Infalível

Nem sempre a Igreja exerce o seu Magistério solene ou ordinário universal, e por
conseguinte, nem sempre assiste-lhe garantia absoluta de não errar. O Papa raramente
fala “ex cathedra”; entretanto ensina diariamente, já por exortação ou cartas a indivíduos,
grupos, nações, já por documentos destinados à Igreja universal: encíclicas, decisões
doutrinais das Congregações romanas. [1]

Quanto a estas últimas, é de notar que são infalíveis, logo irreformáveis, quando o Papa
— rara vez — as faz pessoalmente suas.[2] Aprovadas porém, “na forma comum”, não
são absolutamente isentas de erro, logo, podem vir a ser reformadas. (Pelo que,
combatem contra moinhos de vento, os que opõem à infalibilidade papal, a condenação
de Galileu).

Comporta assim o tesouro da doutrina católica enorme acervo de verdades que não são
objeto de fé divina. Umas delas poderão vir a ser definidas — e por isso sói-se dizer de
algumas, que estão “próximas da fé”; por ex.: “Maria é medianeira de todas as graças” —
outras jamais poderão sê-lo; por ex.: as aparições de Lourdes.

Como é sabido, a Igreja, além do dogma, ensina também a moral. Cabe aqui igualmente
a distinção entre magistério infalível (por ex.: a Igreja pregando o decálogo, definindo
que o celibato religioso é mais perfeito do que o estado conjugal) [3]; e o magistério não
infalível; por ex.: nas grandes Encíclicas dos últimos Papas, sobre a questão social ou
contra os totalitarismos, temos grande número de verdades morais ou sociais, ou de
erros condenados, sem intenção de definir irrevogavelmente.

O fato de não ser este ensino absolutamente garantido contra o erro, não significa que
esteja eivado de falsidade. Muita vez pode até ser considerado praticamente infalível,
por ex.: a condenação do aborto medico, da esterilização, da inseminação artificial.

A diferença entre os dois tipos — infalível ou não — de Magistério provém da autoridade


em virtude da qual ensina. No primeiro caso, é a autoridade imediata de Deus; a Igreja
age apenas como porta-voz, transmite-nos fielmente a palavra revelada (2 Cor 5, 20). No

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segundo, é a autoridade imediata da Igreja, em virtude de seu poder pastoral sobre seus
filhos. Sem dúvida, tal poder, a Igreja recebeu-o de Deus, porém a autoridade divina
intervém apenas mediatamente, como fonte e guia da autoridade da Igreja.

À primeira doutrinação deve corresponder, de nossa parte, a obediência da fé cristã (2


Cor 10, 5); ao segundo, o assentimento interno, fruto de uma submissão religiosamente
filial.

Com efeito, o ensinamento não infalível da Igreja é também assistido pelo Espírito Santo,
embora não de maneira absoluta. Muito se enganaria, pois, quem cuidasse que ele nos
deixa inteiramente livres de assentir ou de discordar.

Não obrigar sob pena de heresia, está longe de equivaler a não obrigar de todo,
conforme ensina o Concílio do Vaticano: “Não bastaria evitar a perversão da heresia, se
não fugíssemos ainda diligentemente os erros que dela se aproximam mais ou menos”.
[4] Pio X condenou os que pretendiam eximir de qualquer culpa moral quem não levasse
em conta as censuras decretadas pelas Congregações romanas. [5] Cabe à Igreja não
só propor a verdade revelada, como ainda mostrar o que — direta ou indiretamente — a
ela leva ou dela afasta.

Nem basta acolher este ensinamento com um silêncio respeitoso; impõe-se uma adesão
intelectual. [6] Dando-a, nossa piedade filial se curva a Cristo, que conferiu autoridade
sobre nós a sua Esposa.

Assim, embora esta modalidade de ensino não esteja garantida, de maneira absoluta,
contra o erro, sempre acertamos, aceitando-a com docilidade, porque rendemos
homenagem ao Senhor Jesus, nosso Mestre.

A primeira vista, parece estranha essa adesão interna a uma doutrina, afinal de contas,
passível de reforma. Guarde-se silêncio: é questão de disciplina; mas, que se dê
assentimento verdadeiro, espanta.

Atentemos todavia em que, frequentes vezes, um sábio admite, como cientificamente


certas, doutrinas que, mais tarde, novas descobertas obrigá-lo-ão a abandonar. Nem
essa atitude se lhe afigura incoerente. Com efeito, ao assentir, o sábio subentendia uma
condição: “certa — no estado atual da ciência”. De modo semelhante, quando o Santo
Ofício ou a Comissão bíblica publicam um decreto com sanção pontifícia, devemos
admitir-lhe a doutrina como certa — no estado atual da teologia ou da exegese católicas.
Com o progredir dos estudos, é possível que ela apareça não apenas certa senão
divinamente revelada; possível também que venha a ser abandonada. Tais
possibilidades remotas não tornam o nosso assentimento atual imprudente ou ilógico,
porque não é incondicional.

O “silêncio respeitoso” liga somente a língua e a pena; rompê-lo implica malícia da


vontade que se não submete; a “adesão interna” liga também a inteligência — conquanto
não absolutamente; negá-la implica temeridade intelectual. Todavia, como a decisão

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romana, no caso, não é irreformável, será lícito ao teólogo ou ao exegeta que


encontrassem porventura novos e fortíssimos argumentos, propô-los com a devida
reverência. O que já sucedeu, sobretudo em matéria de interpretação bíblica.

Maior ou menor será a obrigação de aderir, segundo a Igreja urgirá mais ou menos a
aceitação da verdade, a repulsa ao erro As decisões doutrinais das Congregações
Romanas, válidas para o orbe católico, obrigam muito mais, por exemplo, do que as
exortações papais a grupos de peregrinos.

Por vezes não se trata, propriamente, de docilidade, mas antes de prudência. Ao


terminar a Encíclica Pascendi, Pio X adverte no que toca ao culto de relíquias ou à
crença em aparições, que, da permissão eclesiástica "ainda não segue que a Igreja
tenha o fato por verdadeiro, mas apenas não proíbe que se lhe dê crédito, uma vez que
para isto não faltem argumentos humanos. Foi isso precisamente o que, há trinta anos, a
Sagrada Congregação dos Ritos declarou: Essas aparições ou revelações não foram
aprovadas ou condenadas pela Santa Sé, foram apenas aceitas como merecedoras de
piedosa crença, com fé puramente humana, em vista da tradição de que gozam, também
confirmada por testemunhas e documentos idôneos”.[7]

Mas então terá cada fiel que se improvisar historiador, arqueólogo, médico ou psicólogo,
para criticar a aparição, ou discutir a autenticidade da relíquia? De todo. Vale aqui,
proporcionalmente, o que mais alto dizíamos das decisões doutrinais não infalíveis:
aceitando-as, o fiel sempre acerta — sobrenaturalmente. O culto de uma aparição ou
relíquia se dirige, primordialmente, às mesmas pessoas dos Santos a quem se honra, e
estas não podem ser nem ilusórias, nem falsas.

[1] Como a fala “ex cathedra” é denominada magistério extraordinário, chama-se a fala
não “ex cathedra” de magistério ordinário (Humani Generis, n. 19). Donde certa
ambiguidade, pois este magistério ordinário (o Papa falando isoladamente, sem
intenção de definir) é falível; enquanto o magistério ordinário universal (o Papa falando
conjuntamente com os Bispos não reunidos em Concílio) é tão infalível quanto o
magistério extraordinário.

[2] Assim Pio X avalizou por “motu próprio” o decreto Lamentabili do Santo Oficio
(Denz., nn. 2065a, 2114).

[3] Denz., n. 981 (Conc. Trident.),

[4] Denz., n. 1820; Código de Direito Canônico, c. 1324; Pio XII, Humani Generis, n. 17.

[5] Denz., n. 2008; cf. 1684, 1698, 1722 (Pio IX).

[6] Denz., nn. 1350 (Clemente XI), 2007 (Pio X).

[7] Enc. Pascendi, ed. Vozes, n. 57.

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Fonte: Penido, Padre Maurílio Teixeira-Leite. Iniciação Teológica – Vol. I – O Mistério da


Igreja. Pág. 328-331. 1952. Ed. Vozes. Petrópolis – RJ.

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