Você está na página 1de 566

A Religião Revolucionária de Marx:

Restauração Através do Caos


A RELIGIÃO REVOLUCIONÁRIA DE MARX:
RESTAURAÇÃO ATRAVÉS DO CAOS
A Religião Revolucionária de Marx: Restauração Através do Caos
Alta Linguagem Editora, 2023
Acompanhamento editorial:
Daniel Miorim de Morais e Vitor Gomes Calado
Tradutor:
Gabriel Orlando
Revisor:
Maurício Vidal dos Santos
Direitos:
Domínio Público. Este livro está livre de direitos de autor e demais
direitos conexos
Este livro é dedicado a

Francis Nigel Lee


autor da Escatologia Comunista
que segue sendo o melhor trabalho
de um único volume já escrito
sobre o pensamento marxista.
Outros Livros de Gary North
An Introduction to Christian Economics, 1973 Fighting Chance, 1986 [with Arthur Robinson]

Unconditional Surrender, 1981 [1988] Dominion and Common Grace, 1987

Successful Investing in an Age of Envy, 1981 Inherit the Earth, 1987

The Dominion Covenant: Genesis, 1982 [1988] The Pirate Economy, 1987

Government By Emergency, 1983 Liberating Planet Earth, 1987

The Last Train Out, 1983 Healer of the Nations, 1987

Backward, Christian Soldiers? 1984 Is the World Running Down? Crisis in the
Christian Worldview, 1988
75 Bible Questions Your Instructors Pray You
Won't Ask, 1984 [1988] Puritan Economic Experiments, 1988

Coined Freedom: Gold in the Age of the When justice Is Aborted: Biblical Standards for
Bureaucrats, 1984 Non-Violent Resistance, 1989

Moses and Pharaoh: Dominion Religion Trespassing for Dear Life: What About
Versus Power Religion, 1985 Operation Rescue? 1989

Negatrends, 1985 Tools of Dominion: The Case Laws of Exodus,


1989
The Sinai Strategy, 1986
Political Polytheism: The Myth of Pluralism,
Conspiracy: A Biblical View, 1986
1989
Unholy Spirits: Occultism and New Age
Pollution: A Biblical View, 1989
Humanism, 1986
Slavery: A Biblical View, 1989
Honest Money, 1986
Victim’s Rights: A Biblical View, 1989

Livros editados por Gary North


Foundations of Christian Scholarship, 1976

Tactics of Christian Resistance, 1983

The Theology of Christian Resistance, 1983

Editor, Journal of Christian Reconstruction (1974 -1981)


SUMÁRIO
PREFÁCIO...........................................................................................ix
O Dualismo de Kant ......................... Erro! Indicador não definido.
A Presença do Irracional .................. Erro! Indicador não definido.
O Que Tem Tudo Isso a Ver Com Marx? ......................................xix
As utilidades da farsa autobiográficaErro! Indicador não definido.
Conclusão ......................................................................................xxv
PREFÁCIO DA SEGUNDA EDIÇÃO............................................xxxi
Por que Escrevi Esse Livro?.......................................................xxxiv
Marx: Estudante Graduado Pelo Resto da VidaErro! Indicador não
definido.
Criticismo Criticamente Crítico .........................................................l
O Alerta de Bakunin.........................................................................lv
Não Suficientemente Autocrítico ....................................................lix
O Parceiro Indispensável.................. Erro! Indicador não definido.
Moses Hess: O Esquecido Co-Fundador.....................................lxviii
O Marx Postumamente Publicado: Becos-Sem-Saída .............. Erro!
Indicador não definido.
O “Jovem Marx” e o “Velho Marx”. Erro! Indicador não definido.
O Estilo Deste Livro..................................................................... xcvi
A chama de Billington Nas Mentes dos Homens ........................ xcix
Depois d’A Religião Revolucionária de MarxErro! Indicador não
definido.
Por que o Sucesso do Marxismo: Armas ou Dogmas? ................ cviii
Conclusão .................................................................................... cxvi
INTRODUÇÃO.................................................................................... 1
1. A BIOGRAFIA DE UM REVOLUCIONÁRIOErro! Indicador
não definido.
Os Jovens Hegelianos ..................................................................... 13
A Liga Comunista ........................................................................... 17
Infinitas Excomunhões ................................................................... 21
O Antissemitismo de Marx ............................................................. 23
2. A COSMOLOGIA DO CAOS ....... Erro! Indicador não definido.
Dialética: Lógica e História ............................................................ 30
A Dialética (Dualismo) na Filosofia Humanista ............................ 32
Hegel ............................................................................................... 37
Dialética do Hegelianismo: Direita e Esquerda .............................. 41
O Humanismo de Marx .................................................................. 48
Criação ............................................................................................ 52
Alienação ........................................................................................ 58
Classes e História............................................................................ 73
Dialética da História: Lei vs Fluxo ................................................. 80
Dialética: Luta de Classes ...............................................................88
Dialética: Controlador ou Controlado? ...........................................94
Revolução ......................................................................................106
Jovem Marx vs Velho Marx? ........................................................136
Dialética : O Papel do Proletariado ...............................................139
Revolução ou Arrependimento......................................................146
Paraíso ...........................................................................................148
Conclusão ......................................................................................158
3. A ECONOMIA DA REVOLUÇÃO ............................................176
A Teoria do Valor Trabalho ..........................................................180
Exploração: Mais-Valia.................................................................190
A Queda da Taxa de Lucro ...........................................................197
Acumulação Capitalista.................................................................199
A Miséria Crescente do Proletariado ............................................204
Contradições, Crises e Colapso .....................................................211
A crítica de Bohm-Bawerk............................................................226
Marx Sabia que Estava em Apuros ...............................................229
Empreendedorismo e Lucro ..........................................................241
Marx Ignorou o Empreendedor .....................................................245
Conclusão ......................................................................................249
CONCLUSÃO ..................................... Erro! Indicador não definido.
Uma Perda de Fé........................................................................... 260
Conquista Através do Serviço ...................................................... 263
Tempo e Auto-Confiança ............................................................. 267
Uma Visão da Vitória ................................................................... 272
Conclusão ..................................................................................... 274
APÊNDICE A: CÁLCULO ECONÔMICO SOCIALISTA .........Erro!
Indicador não definido.
Marx sobre o Dinheiro .................................................................. 284
Mises sobre Cálculo Econômico .................................................. 288
Planejamento e Produção.............................................................. 293
O Impulso Burocrático ................................................................. 300
Uma Montanha de Dados ............................................................. 305
Conclusão ..................................................................................... 309
APÊNDICE B: PLANEJAMENTO ECONÔMICO
SOVIÉTICO ........................................ Erro! Indicador não definido.
Crescimento Econômico ............................................................... 317
Padrão de Vida.............................................................................. 324
Problemas de Planejamento Central ............................................. 331
Problema Práticos Básicos............................................................ 342
Indicadores de Sucesso ................................................................. 346
Lei Econômica .............................................................................. 350
Estatística Soviética ...................................................................... 353
Conclusão ......................................................................................356
APÊNDICE C O MITO DA POBREZA DE MARX*....................365
Determinismo Econômico .............................................................367
Confortos Juvenis ..........................................................................370
Marx o Editor ................................................................................374
Pobre Garotinho Rico ....................................................................380
Pobreza Auto-Imposta...................................................................387
O que vem fácil, vai fácil ..............................................................392
A Pensão de Engels .......................................................................394
Conclusão ......................................................................................396
BIBLIOGRAFIA...............................................................................403
Escritos originais de Marx e Engels ..............................................403
Biografias de Marx (Alfabético por Autor)...................................408
Comentaristas do Sistema Marxista (Alfabético por Autor) .........410
ÍNDICE .............................................................................................416
Karl Marx, enquanto vivo, foi um fracasso deprimente. Ele
passou a maior parte de sua vida na pobreza, dependente da caridade
do capitalista Friedrich Engels. Suas obras nunca tiveram demanda
suficiente para lhe garantir um sustento. Ele tinha grande dificuldade
em terminar qualquer coisa, e a maior parte do que escreveu, nunca viu
impresso. Suas atividades revolucionárias não levaram a nada, e a
Europa capitalista estava mais tranquila e estável quando ele deixou a
cena do que quando nela apareceu.
As organizações radicais com as quais esteve associado se
desintegraram em poucos anos, ou ele mesmo as desintegrou em
desgosto. Ele brigou violentamente com praticamente todos os líderes
dos movimentos socialista e revolucionário de sua época. A classe
trabalhadora da Inglaterra, onde ele viveu, exilado, prestou-lhe pouca
atenção e logo o esqueceu. Engels preparou um tributo lisonjeiro para
seu enterro, mas apenas nove pessoas estavam lá para ouvi-lo.
Marx em seu post mortem alcançou um sucesso sem
precedentes. O marxismo hoje, é a base das ideologias oficiais que
governam cerca de um terço da população mundial e milhões de
pessoas em países não marxistas, voluntariamente, aderem a partidos
políticos e a uma ideologia apoiada por estados marxistas (ou marxista-
leninistas). O marxismo-leninismo é o único movimento político
mundial, com partidos comunistas em todos os países onde não são
suprimidos pela força. Ainda mais notável do que esse sucesso político
tem sido o apelo do marxismo a outros milhões que não aceitam
disciplina partidária, que não estão sob compulsão e que não têm nada
a ganhar materialmente ao aceitar uma perspectiva marxista.
Uma grande parte dos intelectuais e dos estudantes
universitários do mundo, especialmente fora dos países de língua
inglesa, veem Karl Marx como uma autoridade imponente, um super-
gênio. De fato, nos últimos anos, a estatura e a importância do
marxismo não-comunista cresceram, especialmente na Europa. ... Essa
enorme lacuna entre a avaliação contemporânea e a posterior precisa
urgentemente ser explicada.
Robert G. Wesson1

1 Robert G. Wesson, Why Marxism? The Continuing Success of a Failed Theory


(Nova Iorque: Basic Books, 1976), pp. 3-4.
PREFÁCIO
(1988)
Ao revés, ao revés, ao revés a porei, e ela não será mais, até que venha aquele
a quem pertence de direito, e a ele a darei.
(Ezequiel 21:27)

A Regeneração Através do Caos: como é apropriado esse


subtítulo revisado!1 Caos, essa palavra é ouvida em todos os lugares
nos dias de hoje.
O interesse dos intelectuais no caos como a fundação tanto da
natureza quanto da história - os inevitáveis ídolos duplos do homem-
não-cristão1 – acelerou nos anos 1980. Vimos livros populares,
científicos e não tão científicos, sobre ciência e caos. Alguns desses
livros focam em matemática e são popularizações das estranhas
percepções do que é chamado de Ciência do Caos:
Chaos: The Making of a New Science (1987), de James Gleick,
Mind Tools: The Five Levels of Mathematical Reality (1987), de Rudy
Rucker, e Mathematics and the Unexplained (1988), de Ivar Ekeland
(1988).
Desde cerca de 1975, cientistas naturais e sociais descobriram
que sob o caos aparente da matéria e ação humana existe uma coerência
inflexível. Ao mesmo tempo, o que parecem ser processos

1 O subtítulo original era The Doctrine of Creative Destruction, que eu


abandonei pelos motivos que discuto no final do Prefácio, p. lxxiii.

ix
x A Religião Revolucionária de Marx
determinísticos tanto na natureza quanto na teoria matemática
produzem um caos obstinado. Isso destruiu completamente o conceito
de um universo determinístico; o universo é complexo demais para ser
conhecido, mesmo como um ideal teórico.
O dualismo inato do pensamento humano autônomo é refletido
no dualismo inerente da natureza, ou vice-versa. Outros são versões
popularizadas da teoria física que ligam a física quântica subatômica
moderna ao misticismo oriental: The Tao of Physics (1975), de Fritjof
Capra, e The Dancing Wu Li Masters (1980), de Gary Zukav.
Até vimos o autor best-seller e palestrante Tom Peters escrever
um livro chamado Thriving on Chaos (1987)2 , uma abordagem para a
gestão corporativa aparentemente muito distante de seu enormemente
popular In Pursuit of Excellence e suas recomendadas técnicas de
“MBWA”.3
Por quê? Por que toda essa preocupação com a criatividade do
caos, até mesmo ao ponto de argumentar que o caos está na base da
realidade física - se de fato existe uma realidade física subjacente, algo
que várias versões da física quântica moderna negam? Porque existe
uma tensão filosófica contínua entre o caos e a ordem.
Um lado dominará o pensamento dos homens por um período,
e então, em seguida o outro o dominará. Sempre foi assim na mente do
quebrador da aliança2 . O homem que desafia Deus sempre viu as
origens da ordem cósmica em um caos original.

2 Isso pode até ser assim no próprio cérebro do homem, e não apenas em sua mente:
uma divisão entre o lado esquerdo e o lado direito.

x
Prefácio xi
Os racionalistas clássicos socráticos e pós-socráticos viam as
coisas desta forma: a ordem mundial em tensão dialética entre o fluxo
incessante do rio da história de Heráclito e a ordem permanente dos
princípios lógicos atemporais de Parmênides. A ciência moderna
também vê dessa forma. Escreve o físico inglês P. C. W. Davies:

Se a atividade organizada do universo está lentamente se


desintegrando em obediência à segunda lei da termodinâmica,
esperaríamos que, ao olharmos para os primeiros momentos do
universo, veríamos mais ordem em vez de menos. No entanto, a
evidência é justamente o oposto. O Cosmos primordial não era
nada ordenado, mas caótico.4

Como Van Til argumentou ao longo de sua carreira, o


racionalismo e o irracionalismo sempre tiveram um tratado secreto um
com o outro5 . Eles se apoiam mutuamente, ele brincou, ao lavar a roupa
um do outro.
Portanto, é um mito proclamar toda a ciência 'verdadeira' como
rigorosamente determinística ou toda a filosofia 'verdadeira' como
rigorosamente racional; toda ciência humanista é dualista, assim como
toda filosofia humanista é dialética. Pares de opostos lógicos
irreconciliáveis são mantidos em tensão dialética permanente, não
resolvida e irresolúvel.

O Dualismo de Kant
O dualismo primário da filosofia moderna começou com a
dicotomia númeno-fenômeno de Immanuel Kant, também conhecida
como a antinomia natureza-liberdade. O dualismo númeno-fenômeno
de toda a filosofia pós-kantiana divide a realidade em duas esferas

xi
xii A Religião Revolucionária de Marx
radicalmente separadas que são de alguma forma ligadas pela mente
(ou pela vontade) do homem: o reino fenomenal da causa e efeito
científico e o reino numenal do mistério, da personalidade humana, da
ética e (às vezes) de Deus.6
Tanto em termos científicos quanto em termos filosóficos, o
numenal é o reino da pura aleatoriedade. O numenal se torna o
conveniente depósito cósmico do homem autônomo para o ainda não
explicado e o inerentemente inexplicável.
A autonomia do homem é de fato entendida como o resultado
de sua residência simultânea em dois mundos: o reino dos fenômenos,
onde nenhum Deus transcendente se intromete, e o reino do númeno,
onde Deus está em pé de igualdade - isto é, sem nenhum nivelamento -
com todo outro dado irracional e não interpretado.
Quando é interpretado, qualquer dado necessariamente se torna
parte do fenomenal. Nenhum Deus transcendente traz sanções em
qualquer um dos reinos; portanto, o homem é autônomo, pois ele
sozinho traz sanções à história.
O dualismo entre causa e efeito externos e a responsabilidade
pessoal interna tem sido um tema fundamental na história da filosofia
ocidental.7 É igualmente básico para a ciência moderna. 8 A liberdade
humana é definida no Ocidente de duas maneiras irreconciliáveis:
1. poder sobre o ambiente totalmente determinado por
meio da razão (fenomenal)
2. 2) autonomia do ambiente totalmente determinado por
meio de uma fuga da razão (numenal).

xii
Prefácio xiii
Os princípios éticos e a tomada de decisões éticas devem sempre
ser confinados ao reino do cientificamente e logicamente
indeterminado. Mas se a ponte levadiça indefinida e indefinível -
intuição, vontade ou práxis - sobre o fosso indefinido e indefinível que
separa a ética da história de fato puder ser baixada, o que então
protegerá o numenal do fenomenal, e vice-versa?
Por um lado, o que impedirá que a ética e as decisões do homem
se tornem totalmente determinadas por forças impessoais de causa e
efeito - por exemplo, o mundo hipotetizado pelo behaviorismo
psicológico?
Por outro lado, se a ponte levadiça de alguma forma ligar os dois
reinos, o que protegerá o reino fenomenal de causa e efeito de ser
perturbado pela invasão do irracionalismo do númeno?3 Não existem
respostas humanistas que resistam ao escrutínio lógico de outros

3 Na visão de mundo da física moderna, a lei dos grandes números protege o


mundo visível contra invasões estatisticamente significativas da realidade
aparentemente não física e puramente estatística do universo subatômico.
Homens religiosamente lógicos depositaram grande fé nessa barreira
estatística por três gerações. Hoje, especialistas projetam chips de computador
e circuitos que também são parcialmente projetados por redes de
computadores, criando sistemas que ninguém pode compreender
completamente. Os projetistas nunca mencionam publicamente a possibilidade
de que o reino do noumenal - ou até mesmo aspectos do mundo do ocultismo
- possam se esconder nas "frestas" dos circuitos e lógicas projetados por
computador, aguardando para causar estragos que então serão definidos em
termos de aleatoriedade inescapável, também conhecida como “falhas”. Tudo
no noumenal deve ser impessoal, irracional e aleatório. Mas e se essa for uma
suposição incorreta?

xiii
xiv A Religião Revolucionária de Marx
humanistas. É por isso que um filósofo tão bom quanto Stephen
Toulmin sofreu com o tema da relação entre razão e ética. 9
Fran Lebowitz, uma “celebridade-intelectual” da cultura pop de
Nova York sem importância identificável, uma vez observou: “O acaso
assusta as pessoas. A religião é uma maneira de explicar o acaso.” 10 É
igualmente fácil argumentar o oposto.
A religião assusta as pessoas. O acaso é a maneira pela qual o
homem pós-Kantiano pode explicar a religião, protegendo-se dela.4
Cada vez mais, à medida que este século cambaleia em direção ao
Grande Algo (sabe-se lá o que isso quer dizer) do Ano 2000 e além11 –
uma tradição de adivinhação que começou tão longe quanto 1788,
quando o revolucionário e pornógrafo francês, Restif de La Bretonne,
que também cunhou a palavra “comunismo”, escreveu L'Année 200012
- o irracionalismo por trás da brilhante mistificação de Kant está se
tornando mais claro.
O conceito do númeno tem sido uma maneira muito eficaz de o
homem autoproclamado autônomo lidar com seu perfeitamente
justificado senso de culpa, e com seu igualmente justificado senso de
perdição iminente, tanto temporal quanto eterna.

4 Para uma discussão detalhada dessa tese, confira meu livro, Gary North,
Unholy Spirits: Occultism and New Age Humanism (Ft. Worth, Texas:
Dominion Press, 1986).

xiv
Prefácio xv

Livre Arbítrio vs. Predestinação


Ninguém escapa desta contradição contínua: determinismo
(pessoal ou impessoal) versus tomada de decisão responsável. Na
melhor das hipóteses, só podemos desistir de pensar sobre isso
profundamente, seja por uma questão de princípio ou por preguiça
intelectual.
Na teologia cristã, sua forma mais familiar aparece no debate
sobre ‘livre arbítrio versus predestinação’. Para resolver a óbvia
contradição lógica — um Deus que predestina totalmente tanto o
homem quanto seu ambiente versus a total responsabilidade pessoal do
homem por cometer o mal — o apóstolo Paulo se posicionou
abertamente a favor da predestinação absoluta, e então negou a
legitimidade moral de sequer levantar essa profunda questão filosófica
(mas, em última análise, ética) sobre a aparente contradição:

Dir-me-ás talvez: Por que ele ainda se queixa? Quem


pode resistir à sua vontade? Mas quem és tu, ó homem, para
contestar a Deus? Porventura o vaso de barro diz ao oleiro: Por
que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro poder sobre o barro
para fazer da mesma massa um vaso de uso nobre e outro de
uso vulgar? (Romanos 9:19-21).

Romanos 9:9-23 é um trecho da Bíblia que raramente foi


pregado em púlpitos teologicamente arminianos (de livre arbítrio). As
palavras de Paulo não podem ser reconhecidas como moral e
logicamente vinculantes sem abandonar a teologia arminiana, então são
ignoradas em vez disso.

xv
xvi A Religião Revolucionária de Marx
Em vez de obedecer a Paulo, reconhecendo a soberania absoluta
de Deus, independentemente das consequências lógicas para conceitos
antipactuais de liberdade humana e a suposta responsabilidade de Deus
pelo pecado, os cristãos arminianos preferem se empalar perpetuamente
nos chifres de uma contradição lógica aparentemente inescapável: a
soberania de Deus e a responsabilidade (autonomia) do homem.
Os arminianos afirmam o livre-arbítrio parcial do homem
reduzindo a soberania de Deus. Os humanistas afirmam o livre-arbítrio
total do homem—isto é, livre de Deus—reduzindo a soberania de Deus
a zero.5 Nenhum dos grupos reconhece a legitimidade filosófica da
resposta moral de duas partes de Paulo a este dilema filosófico: 'Não
pergunte! Obedeça a Deus!
Se a clara declaração de Paulo parece ser uma manifestação de
covardia intelectual, lembre-se de que toda filosofia tem pressupostos
fundamentais que não podem ser questionados sem tornar o
pensamento humano impossível. Existem suposições pré-teóricas que
sustentam e legitimam todo o raciocínio subsequente dentro de cada
sistema filosófico.13
Há sempre certas questões filosóficas que são “proibidas” em
qualquer sistema. Por exemplo, a questão “proibida” número um de

5 O Humanist Manifesto II (1973) declara: “Mas não podemos descobrir


nenhum propósito divino ou providência para a espécie humana. Embora haja
muito que não sabemos, os humanos não são responsáveis pelo que somos ou
pelo que nos tornaremos. Nenhum deus nos salvará; nós mesmos devemos nos
salvar.” Humanist Manifestos I and II, editado por Paul Kurtz (Buffalo, Nova
Iorque: Prometheus Books, 1973), p. 16.

xvi
Prefácio xvii
Marx era esta questão crucial: Qual foi a origem do homem? Ele
escreveu:

Quem gerou o primeiro homem, e a natureza, como um


todo? Só posso responder: Sua pergunta é em si mesma um
produto da abstração... Eu digo a você: Desista de sua
abstração e desistirá de sua pergunta.14

Em outras palavras: “Não pergunte! Obedeça a mim!”.

A Presença do Irracional
Os defensores do determinismo científico absoluto geralmente
podem ser intelectualmente pressionados a admitir a presença do
mistério - o “desconhecido” – dentro do reino das supostamente
inquebrantáveis causa e efeito físicos. Há sempre algum vestígio do
evento aleatório, algum evento fisicamente indeterminado e indefinido,
nos processos físicos.
Por exemplo, o aparecimento imprevisível de um evento
fisicamente não causado pode produzir alterações permanentes em
sistemas físicos agregados. Isso não faz sentido, é claro, mas é, no
entanto, básico para a mecânica quântica moderna e, portanto, para toda
a teoria física moderna.15
Em algumas épocas, as discussões populares sobre “como o
mundo funciona” tendem a enfatizar o “científico”, significando a
ciência popular dos livros didáticos, onde o fisicamente não causado e
o irracional são educadamente deixados de lado. O século XIX é um
bom exemplo de tal era. Mas essa supressão do irracional não pode
durar para sempre.

xvii
xviii A Religião Revolucionária de Marx
As verdades recebidas sobre a racionalidade inerente do
universo são subsequentemente atacadas por cientistas e filósofos
sociais mais jovens. A fase atual do ataque ao racional-fenomenal
começou no Ocidente na filosofia no final do século XIX (por exemplo,
Nietzsche), na ciência na virada do século (Einstein) e especialmente
na década de 1920 (física quântica), e na filosofia social e ciência
popular após 1964.16
A busca pela aleatoriedade é sistematicamente empreendida por
cientistas e matemáticos. A aleatoriedade é o padrão pelo qual a ciência
mede padrões significativos (ou seja, não aleatórios), no entanto, os
cientistas têm tido dificuldade em criar a aleatoriedade pura de forma
racional. Eles são atormentados pela ordem crescente.
Escreve James Gleick

Como usar a aleatoriedade, como criá-la e como


reconhecer a coisa real se tornaram questões desafiadoras na
era dos computadores, tocando muitas áreas distantes da
ciência e filosofia. o business da aleatoriedade está cheio de
armadilhas; a não-aleatoriedade insidiosa minou as
expectativas de muitos consumidores, desde loterias estaduais e
jogadores de bridge em torneios até fabricantes de
medicamentos e sistemas judiciais.

Um embaralhamento perfeito de cartas, ou “riffle shuffle”, traz


o baralho de volta à sua ordem original em oito embaralhamentos.
Assim, se os embaralhamentos fossem perfeitos, o jogo de cartas
cessaria. Mas a ciência, assim como o jogador profissional, busca a
perfeição. Aqui reside um dilema.

xviii
Prefácio xix
Os cientistas, para racionalizarem suas vocações escolhidas,
estão procurando maneiras de produzir aleatoriedade de forma
previsível, massiva e “científica”. Gleick aponta que os geradores de
números aleatórios continuam produzindo sequências de números que
não são completamente aleatórias.

Nenhuma sequência de números é realmente aleatória se


puder ser produzida por um processo simples de computador.17

E assim o dilema intelectual continua, geração após geração,


programa de software preliminar após programa de software
preliminar. (“Hoje, teste beta; amanhã, o mundo!”)

O Que Tem Tudo Isso a Ver Com Marx?


Karl Marx era um filósofo treinado, não um economista,
sociólogo, historiador, antropólogo, poeta, jornalista, estatístico,
psicólogo ou cientista político treinado (embora tenha tentado a sorte
em todas essas áreas). Ele estava bem ciente desse paradoxo racional-
irracional na história da filosofia. Ele pregava uma filosofia social da
ação humana, ou práxis.

Toda vida social é essencialmente prática. Todos os


mistérios que levam a teoria ao misticismo encontram sua
solução racional na prática humana e na compreensão desta
prática.18

A práxis, segundo ele, é o único meio possível de resolver os


dualismos filosóficos tradicionais: sujeito vs. objeto, mente vs. matéria,
estrutura vs. mudança, lei vs. fluxo, homem vs. sociedade e, acima de
tudo, homem vs. Deus.

xix
xx A Religião Revolucionária de Marx
Vemos como subjetividade e objetividade,
espiritualidade e materialidade, atividade e sofrimento perdem
seu caráter antitético e, assim, sua existência como tais
antíteses, apenas dentro do quadro da sociedade; vemos como
a resolução das antíteses teóricas só é possível de maneira
prática, por virtude da energia prática do homem.19

Escreve Gajo Petrović

Em Marx o conceito de práxis se tornou o conceito


central de uma nova filosofia que não deseja permanecer como
filosofia, mas transcender a si mesma tanto em um novo
pensamento meta-filosófico quanto na transformação
revolucionária do mundo.20

Marx tinha fé de que a grande práxis da violência revolucionária


reconciliaria todos os opostos históricos, sociais, culturais e
epistemológicos. A revolução proletária regenerará a humanidade ao
regenerar as instituições econômicas e sociais do homem. Esta é a
mensagem principal do marxismo. Este é o próprio cerne da religião da
revolução de Marx.
A violência sistematicamente imposta pela revolução proletária
é o único meio válido de curar a luta de classes que é o resultado direto
das antíteses econômicas da sociedade na história. Da produção
sistemática e das relações de propriedade do capitalismo, surgiu a
civilização burguesa, a "superestrutura" do modo de produção.
A partir dos métodos e instituições de produção capitalista
também surgiu o proletariado industrial, uma classe social que
inevitavelmente se erguerá e destruirá as muitas contradições internas
da civilização burguesa ao encerrá-la. Portanto, da ordem industrial

xx
Prefácio xxi
surge o caos social e desse caos surge a próxima (e última) fase da
civilização, o comunismo.
Marx escreveu em 1850:

As revoluções são as locomotivas da história.21

De alguma forma, as revoluções sociais individuais violentas


devem terminar quando a classe proletária impuser o sistema de
revolução permanente do comunismo, a transvaloração permanente de
valores.

Seu grito deve ser: A Revolução em Permanência .22

Marx aderiu à visão ordenada do mundo newtoniana de causa e


efeito físico-natural, mas ele ressuscitou e batizou uma antiga tradição
de caos social. Sua visão de mundo era uma estranha mistura de história
linear ocidental (Agostinho), utopia ocidental (comunismo),
racionalismo científico (Newton), economia clássica do século XVIII
(teoria do valor do trabalho e teoria do custo de produção), ateísmo
(materialismo dialético) e história cíclica pagã (os festivais do caos).
É por isso que existem tantas interpretações concorrentes do
“significado do marxismo”. Argumento ao longo deste livro que é o
último elemento — a religião do caos pagão — que tem sido mais
negligenciado por estudiosos e discípulos, e, no entanto, esta é a
doutrina fundamental do marxismo.
Marx foi, acima de tudo, um ateu, e esse ateísmo culminou em
uma guerra contra Deus e todos os vestígios de Deus na civilização
ocidental. Ele ofereceu uma cosmologia de caos social como alternativa

xxi
xxii A Religião Revolucionária de Marx
à teologia da Bíblia. Foi a figura revolucionária de Prometeu, o portador
do fogo revolucionário, que capturou a visão de Marx.

As utilidades da farsa autobiográfica


Como podemos esperar resumir a vida e o pensamento de um
homem cujas palavras, postumamente, transformaram o mundo? Como
podemos esperar entender o que o motivou? O historiador Donald
Treadgold levantou a questão, admitiu que não há uma resposta
simples, mas então apontou para um documento de origem primária
esquecido que ele acredita lançar luz sobre a visão de Marx sobre sua
vida.23 Em 1865, dois anos antes da publicação de “O Capital”, Marx
escreveu as seguintes palavras no livro de visitas de alguns parentes:

Sua ideia de felicidade: "lutar"

Sua ideia de miséria: "submeter-se"

Sua característica principal: "singularidade de


propósito"

Isso nos diz o que Marx era? Apenas na medida em que revela
um autoengano vitalício. Ele lutou? De fato, ele lutou durante toda a
sua vida, raramente contra defensores intelectuais específicos do
capitalismo, mas sim contra inimigos intelectuais alemães
desconhecidos (naquela época e agora) e indistintos, todos socialistas e
ateus.
Ele se submeteu? Ele se submeteu durante toda a sua vida à
caridade benevolente de Engels. Economicamente, ele foi o “homem
sustentado” de Engels, que teve um filho ilegítimo com a mulher

xxii
Prefácio xxiii
mantida por sua esposa, a governanta vitalícia da família, Helena
Demuth, e depois se recusou a reconhecer sua paternidade ou permitir
que a mãe criasse o bebê em sua casa, com medo do escândalo na
comunidade socialista da época e por medo do ciúme de sua esposa. 24
Ele forçou a mãe a dar o bebê para pais adotivos em situação de
pobreza.25 (Devotado Prometeu!) De 1883, na morte de Marx, até sua
própria morte em 1890, Helena Demuth se tornou a governanta de
Engels, e foi amplamente assumido que Engels tinha sido o pai de seu
filho.26
Ele manteve sua singularidade de propósito? Após os 49 anos,
ele nunca mais escreveu um livro, mas se enterrou em um programa
autoimposto de leitura frenética e volumosa sem direção—um retorno
ao padrão de sua juventude, quando lia dia e noite (entre sessões
noturnas no pub local),6 mas nunca conseguiu enfrentar os rigores (o
“julgamento final”) de um exame de doutorado na Universidade de
Berlim.
Em resumo, em sua arrogância, ele estava completamente auto-
iludido. Ele também conseguiu enganar a grande maioria de seus
comentaristas acadêmicos burgueses. Eles aceitaram suas bravatas
verbais como verdadeiras.
Sua máscara pública escolhida era a imagem de Prometeu, o
portador do fogo. Ele odiava a religião “autoritária” do cristianismo.

6 Ele continuou suas “bebedeiras em bares” com amigos e até inimigos durante
seus anos em Londres. Após uma dessas ocasiões, às 2 da manhã, Marx e seus
amigos começaram a quebrar postes de iluminação nas ruas com pedras,
escapando da polícia local: Payne, Marx, p. 282.

xxiii
xxiv A Religião Revolucionária de Marx
Ele estava conscientemente em revolta contra o deus da civilização
burguesa, tudo em nome do homem proletário e da escatologia do
paraíso milenar comunista iminente e imanente.
Como Prometeu, ele trouxe o fogo para a sociedade dos homens
- ou, como colocado por Billington, Marx e seus colegas
revolucionários trouxeram o fogo para as mentes dos homens. 27 Esse
fogo ainda arde.

Papai Sabia Mais


Em última análise, foi o pai de Marx quem melhor descreveu a
vida de seu filho, mas o fez em 1837, quando seu filho tinha apenas 19
anos. Ele não viveu para ver suas especulações proféticas se tornarem
realidade; ele morreu em 1838. O parágrafo de abertura desta carta ao
seu filho deveria ser reimpresso em todas as biografias de Karl Marx;
nunca vi isso ser reimpresso em nenhuma delas.

É notável que eu, que por natureza sou um escritor


preguiçoso, me torne bastante inexaurível quando tenho que
escrever para você. Não vou e não consigo esconder minha
fraqueza por você. Às vezes meu coração se deleita ao pensar
em você e em seu futuro.

E, ainda assim, às vezes, não consigo me livrar de ideias


que despertam em mim medo e presságios tristes quando sou
atingido, como que por um raio, pelo pensamento: seu coração
está em acordo com sua cabeça, seus talentos?

Tem ele espaço para aqueles sentimentos terrenos, mais


gentis, que neste vale de tristeza são tão essencialmente
consoladores para um homem de sentimento? E uma vez que

xxiv
Prefácio xxv
esse coração é claramente animado e governado por um
daemon que não é concedido a todos os homens, esse daemon é
celestial ou faustiano?

Você alguma vez - e essa não é a menor dúvida dolorosa


do meu coração - será capaz de felicidade doméstica, felicidade
verdadeiramente humana? Você alguma vez - e essa dúvida me
atormenta não menos, recentemente, desde que passei a amar
uma pessoa em particular como minha própria filha [Jenny von
Westphalen - G.N.] - você alguma vez será capaz de
proporcionar felicidade àqueles que estão imediata mente ao seu
redor? 28

Onze anos depois, Karl publicou o Manifesto do Partido


Comunista. Trinta anos depois, ele publicou O Capital. Naquela época,
ficou claro que seu daemon não era celestial. Seu pai já suspeitava
disso. O verdadeiro modelo pessoal de Karl Marx - em contraste com
seu modelo ideológico - não era Prometeu, o portador do fogo, mas
Fausto, o autor da barganha incomparavelmente ruim.

Conclusão
Marx e seus cúmplices humanistas negaram veementemente
que fosse Deus quem ateava os incêndios da história, quem derrubava
homens e civilizações, e quem impunha Suas sanções no meio da
história. No entanto, eles nunca esqueceram que o alvo de seus esforços
revolucionários era o Deus da Bíblia.
Cedo em sua carreira literária, Marx fez uma pergunta política,
uma pergunta que foi feita ao longo dos séculos XVIII e XIX e que só
foi respondida de forma definitiva nos meses imediatamente após o
final da Primeira Guerra Mundial:

xxv
xxvi A Religião Revolucionária de Marx
Esta é a pergunta: a soberania que é reivindicada pelo
monarca não é uma ilusão? Soberania do monarca ou
soberania do povo - essa é a questão.29

O povo venceu em 1918, o que significa que novos grupos de


agentes políticos, que afirmavam falar oficialmente em nome dos povos
nacionais, venceram.
O senhor soberano de qualquer civilização sempre deve falar
por meio de um pequeno número de agentes humanos autorizados: esta
é a doutrina bíblica da representação hierárquica.30 Jesus falou na
Terra em nome de Seu Pai no céu; representantes autorizados na igreja,
no estado e na família agora devem falar em nome de Jesus por meio
de Sua palavra revelada, a Bíblia, e por meio da edificação pelo Espírito
Santo.
Marx compreendeu completamente que a questão crucial da
soberania política está inevitavelmente relacionada com outra pergunta,
ainda mais fundamental:

Deus é soberano, ou o é o homem? 7

À medida que o marxismo realiza seus últimos esforços


desesperados para trazer o caos social, a tirania estatista e o terror

7 Marx, “Contribution to the Critique of Hegel's Philosophy of Law” (1843),


Collected Works, vol. 3, p. 28. Fui lembrado da existência dessa segunda
pergunta pelo livro de Klaus Bockmuehl, The Challenge of Marxism
(Colorado Springs: Helmers & Howard, [1980] 1986), p. 52. É interessante
notar que a discussão de Bockmuehl é negligente com mencionar o contexto
da citação: a política.

xxvi
Prefácio xxvii
permanente aos seus inimigos políticos, tudo em nome de trazer
propósito cósmico, ordem social e prosperidade mundial à civilização
pós-capitalista, veremos qual autoridade possui maior soberania, Deus
ou o homem autoproclamado autônomo. Veremos quem é aquele que
derruba, derruba, derruba.
Minha sugestão: não aposte no homem.

1 Herbert Schlossberg, Idols for Destruction: Christian Faith and Its


Confrontation with American Society (Nashville, Tennessee: Thomas Nelson
Sons, 1983), p. 11.
2 Gary North, Is the World Running Down? Crisis in the Christian Worldview
(Tyler, Texas: Institute for Christian Economics, 1988), ch. 1.
3 MBWA: Management By Walking Around : Gestão Via “Andar por Aí”.
4 P. C. W. Davies, “Order and Disorder in the Universe,” The Great Ideas Today
(Chicago: Encyclopedia Britannica, 1979), p. 49.
5 Cornelius Van Til, Apologetics (Syllabus, Westminster Theological Seminary,
1959), p. 81.
6 Richard Kroner, Kant's Weltanschauung (University of Chicago Press, [1914]
1956).
7 Herman Dooyeweerd, A New Critique Of Theoretical Thought, 4 vols.
(Philadelphia: Presbyterian & Reformed, 1953-58).
8 Sidney Hook (ed.), Determinism and Freedom in the Age of Modem Science
(Nova Iorque: New York University Press, 1958).
9 Stephen Toulmin, An Examination of the Place of Reason in Ethics
(Cambridge: At the University Press, 1958).

xxvii
xxviii A Religião Revolucionária de Marx

10 The Portable Curmudgeon, editado por Jon Winokur (Nova Iorque: New
American Library, 1987), p. 234.
11 Fritz Baade, The Race to the Year 2000 (London: Cresset, 1962); Herman
Kahn and Anthony J. Weiner (eds.), The Year 2000: A FrameworkjiJr
Speculation on the Next Thirty-Three Years (Nova Iorque: Macmillan, 1967);
Daniel Bell (ed.), Toward the Year 2000: Work in Progress (Boston: Houghton
Miffiin, 1968); V. Kosolapov, Mankind and the Year 2000 (Moscow: Progress
Publishers, [1973] 1976); Andrew M. Greeley, Religion in the Year 2000
(Nova Iorque: Sheed & Ward, 1969); Foreign Policy Association (ed.),
Toward the Year 2018 (Nova Iorque: Cowles Education, 1968); Desmond
King-Hefe, The End of the Twentieth Century? (Nova Iorque: St. Martin's,
1970); Council for Environmental Quality, Global 2000 Report to the
President: Entering the Twenty-First Century, 3 vols. (Nova Iorque:
Pergamon, 1981); Global 2000: Is There Still Time? (Oklahoma City:
Southwest Radio Church, 1984).
12 James Billington, Fire in the Minds of Men: Origins of the Revolutionary Faith
(Nova Iorque: Basic Books, 1980), p. 7. Ver também Robert A. Nisbet, “The
Year 2000 and All That,” Commentary (June 1968), pp. 60-66.
13 Herman Dooyeweerd, In the Twilight of Western Thought: Studies in the
Pretended Autonomy of Philosophical Thought (Philadelphia: Presbyterian &
Reformed, 1960).
14 Karl Marx, “Private Property and Communism,” Economic and Philosophic
Manuscripts of 1844, em Collected Works (Nova Iorque: International
Publishers, 1975), vol. 3, p. 305.
15 Nick Herbert, Quantum Reality: Beyond the New Physics (Garden City, Nova
Iorque: Anchor Press/Doubleday, 1985). Cf. Gleick, Chaos.
16 Gary North, Unholy Spirits, Introduction, ch. 1.

xxviii
Prefácio xxix

17 James Gleick, “Achieving Perfect Randomness,” New York Times (April 19,
1988).
18 Karl Marx, Thesis 8, “Theses on Feuerbach” (1845), Collected Works (Nova
Iorque: International Publishers, 1976), vol. 5, p. 5.
19 Marx, “Private Property and Communism,” Economic and Philosophic
Manuscripts of 1844, ibid., vol. 3, p. 302.
20 “Praxis,” em A Dictionary of Marxist Thought, editado por Tom Bottomore
(Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1983), p. 386.
21 Marx, “The Class Struggles in France, 1848 to 1850” (1850), Collected Works
(Nova Iorque: International Publishers, 1978), vol. 10, p. 122. Também
reimpresso em Marx and Engels, Selected Works, 3 vols. (Moscow: Progress
Publishers, 1969), vol. 1, p. 277.
22 Marx and Engels, “Address of the Central Authority to the [Communist]
League” (1850), Collected Works, vol. 10, p. 287; Selected Works, vol. 1, p.
185.
23 Donald W. Treadgold, Introduction to Sergei Bulgakov, Karl Marx as a
Religious Type: His Relation to the Religion of Anthropotheism of L.
Feuerbach (Belmont, Massachusetts: Nordland, [1907] 1979), p. 14.
24 Robert Payne, Marx (Nova Iorque: Simon & Schuster, 1968), pp. 265-66, 532-
38.
25 Fritz Raddatz, Karl Marx: A Political Biography (Boston: Little, Brown,
[1975] 1978), p. 134.
26 Ibid., p.135.
27 Billington, Fire in the Minds of Men, op. cit.
28 Heinrich Marx para Karl Marx, 2 de Março de 1837, Collected Works, vol. 1,
p. 670.

xxix
xxx A Religião Revolucionária de Marx

29 Marx, “Contribution to the Critique of Hegel's Philosophy of Law” (1843),


Collected Works, vol. 3, p. 28.
30 Ray R. Sutton, That You May Prosper: Dominion By Covenant (Tyler, Texas:
Institute for Christian Economics, 1987), ch. 2.

xxx
PREFÁCIO DA SEGUNDA EDIÇÃO
E aliás, por este conselho, filho meu, sejas advertido: não conhece fim, a
criação de muitos livros; e o exagerado estudo é pesado para a carne.
(Eclesiastes 12:12).
Para a revisão de muitos livros não há fim, enquanto o autor ainda vive.
(Gary North).
Ó morte, onde está o teu ferrão?
(1 Coríntios 15:55).

Há mais de uma década espero encontrar tempo para atualizar


este livro. Finalmente percebi, no final de 1987, que não só é
improvável que eu encontre tempo para atualizar este livro
extensivamente, como provavelmente não deve ser atualizado
extensivamente.
Foi escrito originalmente como um documento de fonte
secundária, uma análise cristã contundente do pensamento de Marx. É
mais provável que sirva no futuro como um documento de fonte
primária. Vai ganhar vendas não porque é um livro sobre Marx, mas
porque foi meu primeiro livro completo.
Eu tenho um público de compra de livros hoje que eu não tinha
quando esse livro foi publicado pela primeira vez. As pessoas que
tentarem entender qual foi a minha contribuição para o movimento de
Reconstrução Cristã acharão este livro útil em sua tarefa. Muitos dos
temas sobre os quais escrevo hoje já faziam parte do meu pensamento
aos 24 e 25 anos, quando escrevi a maior parte deste livro.
Quando escrevi este livro em 1966-67, o movimento de
Reconstrução Cristã ainda não existia. Se pensarmos na Reconstrução

xxxi
xxxii A Religião Revolucionária de Marx
Cristã como um sistema teológico baseado inicialmente nos “quatro
P's” – predestinação, pronomianismo (lei bíblica), pós-milenismo e
apologética pressuposicional (Vantilianismo)1 – então um elo
importante ainda estava por ser forjado, os detalhes da lei bíblica. 2
R. J. Rushdoony ainda não havia começado sua série de
palestras sobre a lei bíblica no final da década de 1960, que culminou
em seu monumental livro "The Institutes of Biblical Law" (Craig Press,
1973). No entanto, Rushdoony já estava ensinando os requisitos básicos
do sistema Reconstrucionista, mesmo que os detalhes da lei bíblica
ainda não tivessem sido estabelecidos.

Por que Escrevi Esse Livro?


Fui trazido ao movimento conservador aos 14 anos, no outono
de 1956, pelo palestrante anticomunista Fred Schwarz, então o
marxismo já era um tópico que me interessava há muito tempo. No

1 Gary North and David Chilton, “Apologetics and Strategy,” Christianity and
Civilization, 3 (1983). Faltava um quinto elo, o modelo de pacto de cinco -
pontos, que Ray Sutton descobriu no final de 1985 e que ele apresenta em That
You May Prosper: Dominion By Covenant (Tyler, Texas: Institute for
Christian Economics, 1987). Chilton mais tarde usou esse esboço para
estruturar The Days of Vengeance: An Exposition of the Book of Revelation
(Ft. Worth: Dominion Press, 1987).
2 Em certo sentido, a hermenêutica da lei bíblica ainda precisa ser desenvolvida.
Existem pontas soltas que não foram suficientemente amarradas nem pelo
Institutes of Biblical Law, de R. J. Rushdoony (Nutley, New Jersey: Craig
Press, 1973) nem pelo Theonomy in Christian Ethics, de Greg L. Bahnsen (2nd
ed.; Phillipsburg, New Jersey: Presbyterian & Reformed, 1984).

xxxii
Prefácio da segunda edição xxxiii
entanto, esse interesse não era uma motivação suficiente para escrever
um livro sobre Marx em 1966-67.
Eu estava ocupado como estudante de pós-graduação na
Universidade da Califórnia, Riverside, trabalhando no meu doutorado.
Escrever um livro sobre Marx naquela fase da minha carreira era uma
atividade periférica, embora não totalmente inútil para o meu curso de
estudos.
Grande parte da minha motivação imediata veio da leitura de
um ensaio influente sobre Marx escrito por Louis J. Halle. Encontrei
“Marx's Religious Drama” pouco tempo depois de ser publicado, em
outubro de 1965. Halle fez uma pergunta muito importante no início do
ensaio: Por que Marx se tornou tão importante? Sua resposta: A visão
religiosa de Marx.
O que esse homem tinha que o tornou, afinal, uma influência
tão poderosa na história? Como revolucionário, organizando ação
revolucionária, ele não era melhor do que outros de sua época. Ele
passaria a se dedicar à economia mais tarde, baseando seu pensamento
na teoria do valor do trabalho clássica de uma forma um tanto ingênua,
mas não foi como economista que ele alcançaria os mais altos
patamares de destaque.
Como analista político, ele certamente não era tão bom quanto
seu contemporâneo de menor fama, Walter Bagehot; como filósofo
social, ele era inferior a Alexis de Tocqueville. Seu desenvolvimento
da visão sociológica de que os conceitos dos homens refletem as
circunstâncias materiais de suas vidas produtivas - isso certamente o
qualificaria para um lugar importante na história do pensamento

xxxiii
xxxiv A Religião Revolucionária de Marx
humano. Mas dificilmente é compatível com a magnitude de sua
influência.
Marx era extraordinário, concluo, não como um homem de ação
ou como um pensador acadêmico, mas como um dos grandes
visionários da história. Foi Karl Marx que viu uma visão imensa e
cativante da sociedade humana, Karl Marx que, com base nessa visão,
criou um mito convincente da sociedade humana - este é o Marx que
foi extraordinário entre seus contemporâneos. Ele tinha mais de São
Paulo nele do que de cientista social ou estudioso empírico. Sua missão
também começou com uma visão no Caminho de Damasco.1
Eu me perguntei: Halle está correto? Em relação às realizações
intelectuais de Marx, ele está geralmente correto: Marx não era um
estudioso distinto. Quanto à influência da visão religiosa de Marx, ele
também está correto, embora eu não tenha conhecimento de nenhuma
experiência do tipo Damasco.
R. J. Rushdoony ainda não havia começado sua série de
palestras sobre a lei bíblica no final da década de 1960, que culminou
em seu monumental livro "The Institutes of Biblical Law" (Craig Press,
1973). No entanto, Rushdoony já estava ensinando os requisitos básicos
do sistema Reconstrucionista, mesmo que os detalhes da lei bíblica
ainda não tivessem sido estabelecidos.

Por que Escrevi Esse Livro?


Fui trazido ao movimento conservador aos 14 anos, no outono
de 1956, pelo palestrante anticomunista Fred Schwarz, então o
marxismo já era um tópico que me interessava há muito tempo. No

xxxiv
Prefácio da segunda edição xxxv
entanto, esse interesse não era uma motivação suficiente para escrever
um livro sobre Marx em 1966-67.
Eu estava ocupado como estudante de pós-graduação na
Universidade da Califórnia, Riverside, trabalhando no meu doutorado.
Escrever um livro sobre Marx naquela fase da minha carreira era uma
atividade periférica, embora não totalmente inútil para o meu curso de
estudos.
Grande parte da minha motivação imediata veio da leitura de
um ensaio influente sobre Marx escrito por Louis J. Halle. Encontrei
“Marx's Religious Drama” pouco tempo depois de ser publicado, em
outubro de 1965. Halle fez uma pergunta muito importante no início do
ensaio: Por que Marx se tornou tão importante? Sua resposta: A visão
religiosa de Marx.
O que esse homem tinha que o tornou, afinal, uma influência
tão poderosa na história? Como revolucionário, organizando ação
revolucionária, ele não era melhor do que outros de sua época. Ele
passaria a se dedicar à economia mais tarde, baseando seu pensamento
na teoria do valor do trabalho clássica de uma forma um tanto ingênua,
mas não foi como economista que ele alcançaria os mais altos
patamares de destaque.
Como analista político, ele certamente não era tão bom quanto
seu contemporâneo de menor fama, Walter Bagehot; como filósofo
social, ele era inferior a Alexis de Tocqueville. Seu desenvolvimento
da visão sociológica de que os conceitos dos homens refletem as
circunstâncias materiais de suas vidas produtivas - isso certamente o
qualificaria para um lugar importante na história do pensamento

xxxv
xxxvi A Religião Revolucionária de Marx
humano. Mas dificilmente é compatível com a magnitude de sua
influência.
Marx era extraordinário, concluo, não como um homem de ação
ou como um pensador acadêmico, mas como um dos grandes
visionários da história. Foi Karl Marx que viu uma visão imensa e
cativante da sociedade humana, Karl Marx que, com base nessa visão,
criou um mito convincente da sociedade humana - este é o Marx que
foi extraordinário entre seus contemporâneos. Ele tinha mais de São
Paulo nele do que de cientista social ou estudioso empírico. Sua missão
também começou com uma visão no Caminho de Damasco.3
Eu me perguntei: Halle está correto? Em relação às realizações
intelectuais de Marx, ele está geralmente correto: Marx não era um
estudioso distinto. Quanto à influência da visão religiosa de Marx, ele
também está correto, embora eu não tenha conhecimento de nenhuma
experiência do tipo Damasco.
Marx de fato perdeu seu compromisso juvenil com o
cristianismo liberal quase da noite para o dia, entre sua formatura no
Gymnasium e seus primeiros anos como estudante universitário. 4 Isso

3 Louis J. Halle, “Marx's Religious Drama,” Encounter, XXV (Oct.,


1965), p.29.
4 A evidência de sua juventude cristã é encontrada em um ensaio escolar de
1835, “On the Union of Believers with Christ According to John 15:1 -14.” Sua
peça inédita radicalmente anti-cristã de um ato, Oulanem, foi disponibilizada
em inglês na coletânea de 1971 de Robert Payne, The Unknown Karl Marx
(Nova Iorque: New York University Press, 1971). Não está datado, mas foi um

xxxvi
Prefácio da segunda edição xxxvii
tem sido um padrão familiar no Ocidente por mais de um século.
Admitidamente, poucos estudantes escrevem poemas como o poema de
Marx de 1841, “The Player”, publicado na revista literária de Berlim,
Athenaeum. Payne o republica.5
Look now, my blood-dark sword shall stab
Unerringly within thy soul.
God neither knows nor honors art.

esforço inicial. Oulanem, escreve Payne, é um anagrama: oulanem = Manuelo


= Emmanuel = Deus (p. 63). Emmanuel é a palavra do Novo Testamento que
significa “Deus conosco” (Mt. 1:23). Ambos esses documentos agora estão
disponíveis no Volume 1 do Collected Works (Nova Iorque: International
Publishers, 1975), embora o ensaio sobre a “Union of the Faithful with Christ”
esteja misteriosamente colocado nos Apêndices.Está claro que em sua
adolescência tardia, Marx era um cristão liberal e pietista. No entanto, quando
atingiu o início dos seus vinte anos, ele era um ateu confirmado.
5 Unknown Karl Marx, p. 59. É este poema, Oulanem, e a aparente perda
repentina da fé de Marx que levou o Pastor Richard Wurmbrand, vítima de
muitos anos de tortura em prisões comunistas, a concluir que Marx fez algum
tipo de pacto com o diabo: Marx and Satan (Westchester, Illinois: Crossway,
1985), ch. 2. Wurmbrand cita Albert Camus, que afirmou em 1951 que o
Instituto Marx-Engels da União Soviética havia suprimido a publicação de 30
volumes de materiais de Marx: The Rebel: An Essay on Man in Revolt (Nova
Iorque: Vintage, [1951] 1956), p. 188. Wurmbrand escreveu para o Instituto e
recebeu uma resposta de M. Mtchedlov, que insistiu que Camus estava
mentindo e, em seguida, explicou que mais de 85 volumes ainda não foram
publicados, devido aos efeitos da Segunda Guerra Mundial. Ele escreveu isso
em 1980. Isso foi 35 anos após o fim da guerra. Marx and Satan, pp. 31-32.

xxxvii
xxxviii A Religião Revolucionária de Marx
The hellish vapors rise and fill the brain.
Till I go mad and my heart is utterly
changed.
See this sword - the Prince of Darkness
sold it to me.
For he beats the time and gives the signs.
Ever more boldly I play the dance of death.

(Olhe agora, minha espada enegrecida de sangue há de perfurar


/ Infalivelmente adentro de vossa alma. / Deus nem conhece nem honra
a arte. / Os vapores infernais levantam-se e preenchem o cérebro. / Até
que eu enlouqueça e meu coração seja finalmente mudado. / Veja esta
espada - o Príncipe da Escuridão vendeu-a a mim. / Pois ele vence o
tempo e dá os sinais. / Ainda mais corajosamente eu interpreto a dança
da morte.)
Mas e quanto à equiparação de Halle de Marx e São Paulo? Isso
foi o que mais me incomodou no ensaio de Halle. É certo que Karl Marx
ofereceu à humanidade um drama religioso; no entanto, afirmar que
tinha algo em comum com a experiência ou teologia de São Paulo é
uma interpretação errônea da religião de Marx, pois a dele era uma
versão modernizada da religião de revolução do paganismo antigo.
Pouco antes de ler o ensaio de Halle, li o livreto de R. J.
Rushdoony, “A Religião da Revolução” (1965), que me apresentou ao
objetivo final da religião pagã antiga: regenerar o mundo por meio do

xxxviii
Prefácio da segunda edição xxxix
caos. Rushdoony demonstrou que esse mesmo objetivo é inerente a
muitas formas de humanismo moderno.2
Eu reconheci imediatamente que o marxismo é, de fato, uma
recapitulação racionalista desse antigo impulso religioso. Depois, li o
ensaio de Halle. Vi imediatamente que ele estava correto quanto a
Marx, o visionário religioso, mas equivocado sobre a natureza da visão
de Marx.
Unerringly within thy soul.
God neither knows nor honors art.
The hellish vapors rise and fill the brain.
Till I go mad and my heart is utterly
changed.
See this sword - the Prince of Darkness
sold it to me.
For he beats the time and gives the signs.
Ever more boldly I play the dance of death.

(Olhe agora, minha espada enegrecida de sangue há de perfurar


/ Infalivelmente adentro de vossa alma. / Deus nem conhece nem honra
a arte. / Os vapores infernais levantam-se e preenchem o cérebro. / Até
que eu enlouqueça e meu coração seja finalmente mudado. / Veja esta
espada - o Príncipe da Escuridão vendeu-a a mim. / Pois ele vence o
tempo e dá os sinais. / Ainda mais corajosamente eu interpreto a dança
da morte.)

xxxix
xl A Religião Revolucionária de Marx
Mas e quanto à equiparação de Halle de Marx e São Paulo? Isso
foi o que mais me incomodou no ensaio de Halle. É certo que Karl Marx
ofereceu à humanidade um drama religioso; no entanto, afirmar que
tinha algo em comum com a experiência ou teologia de São Paulo é
uma interpretação errônea da religião de Marx, pois a dele era uma
versão modernizada da religião de revolução do paganismo antigo.
Pouco antes de ler o ensaio de Halle, li o livreto de R. J.
Rushdoony, “A Religião da Revolução” (1965), que me apresentou ao
objetivo final da religião pagã antiga: regenerar o mundo por meio do
caos. Rushdoony demonstrou que esse mesmo objetivo é inerente a
muitas formas de humanismo moderno.6
Eu reconheci imediatamente que o marxismo é, de fato, uma
recapitulação racionalista desse antigo impulso religioso. Depois, li o
ensaio de Halle. Vi imediatamente que ele estava correto quanto a
Marx, o visionário religioso, mas equivocado sobre a natureza da visão
de Marx.
Concluí que o que era necessário era uma refutação auto-
conscientemente bíblica das principais obras de Marx e Engels, uma
vez que tal estudo não existia.7 O livre mercado discordou de mim.

6 R. J. Rushdoony, The Religion of Revolution (Victoria, Texas:


Trinity Episcopal Church, 1965).
7 Foi publicado como parte da série universitária da Craig Press: Historical
Studies. Chegou o ano seguinte ao lançamento de Marx's Religion, a Craig
Press publicou mais dois livros sobre o comunismo na mesma série, o
Communism and the Reality of Moral Law, James D. Bales, e o Communism

xl
Prefácio da segunda edição xli

Versus Creation, de Francis Nigel Lee. A editora Wedge, uma editora neo-
Dooyeweerdiana em Toronto, publicou em 1976 o livro de Johan van der
Hoven: Karl Marx: The Roots of His Thought. É difícil imaginar um livro
acadêmico mais complicado de ler do que este.

Não posso deixar de mencionar brevemente um livro publicado em 1980 pela


InterVarsity Press: The Challenge of Marxism, do Professor Klaus Bockmuehl.
Também é curto. É uma discussão acadêmica agradável, séria, estritamente
focada, cautelosa, sobre o caráter ateu do mais importante rival religioso
mundial do cristianismo.
Imagine, se puder, um livro sobre a filosofia e a história do marxismo que não discute
os seguintes tópicos academicamente desagradáveis: o sistema secreto de
polícia soviética, a fome em massa do início dos anos 1920, o assassinato de
Stalin de seus principais rivais, a coletivização forçada da agricultura e
destruição de 6 milhões de camponeses kulaks, a fome resultante do início dos
anos 1930, suas purgas do final dos anos 1930, nas quais de 20 a 30 milhões
de pessoas morreram, seu terrorismo, a história dos campos de concentração
(Gulag), a filosofia do comunismo de dominação mundial por meio da
conquista militar e subversão ilegal, a expansão militar soviética real, o
financiamento pelos soviéticos do terrorismo internacional, a tomada
comunista das artes, mídia, academia e governos de nações estrangeiras, o
arsenal soviético de armas nucleares e químicas, as guerras de libertação
comunistas, programas de desinformação soviéticos ou a rede internacional de
espionagem soviética.

Também não menciona a execução igualmente implacável de cerca de 60 a 100


milhões de chineses por Mao. Não discute o fracasso do planejamento
econômico socialista. Em vez de mencionar os anos de Solzhenitsyn no Gulag,
sua expulsão da URSS ou a supressão sistemática de suas obras pelo governo,
Bockmuehl se concentra nesta “história de horror”: o governo insistiu “que

xli
xlii A Religião Revolucionária de Marx
Cerca de 2.000 cópias foram publicadas pela Craig Press em 1968. A
edição se esgotou no início da década de 1970 e não foi reimpressa.
Dificilmente você encontrará referências a ela nas notas de rodapé de
qualquer pessoa. Francamente, “Marx e sua Religião de Revolução”
afundou sem deixar vestígios.

Rituais Acadêmicos
No entanto, escrever o livro foi um exercício intelectual
produtivo para mim. A autodisciplina que ele exigiu foi altamente
benéfica. Além disso, é provavelmente sensato para um jovem
estudioso dedicar parte de sua energia intelectual inicial para dominar
um corpo específico de informações, ou seja, os escritos de uma figura-
chave em sua área de estudo escolhida.
Há essa vantagem adicional: é mais fácil para um estudioso que
fala inglês produzir um estudo razoável das ideias de uma pessoa
importante porque há muitos materiais de fontes primárias impressos e
cuidadosamente editados disponíveis em inglês.

Alexander Solzhenitsyn substituísse a letra maiúscula ‘D’ em Deus em um de


seus manuscritos por uma letra minúscula antes da publicação” (p. 111).
Ah, a implacabilidade do comunismo! Isso é o que chamo de anticomunismo da sala
dos professores. Não é que seja tecnicamente incorreto; é irrelevante. Se você
quiser ler sobre “o desafio do marxismo”, leia as memórias de prisioneiros
vítimas, como os três volumes do Arquipelago Gulag (Nova Iorque: Harper &
Row, 1974-79), ou o To Build a Castle, de Vladimir Bukovsky (Nova Iorque:
Viking, 1978), ou o Against All Hope, de Armando Valladares (Nova Iorque:
Knopf, 1986).

xlii
Prefácio da segunda edição xliii
É uma forma menos arriscada de pesquisa jovem do que, por
exemplo, biografias8 ou estudos institucionais intrincados. A
experiência de lidar com temas importantes e recorrentes no campo de
estudo de um jovem estudioso também é muito produtiva
intelectualmente.
Quando escrevi o livro, estava trabalhando como assistente de
ensino de meio período no programa de Civilização Ocidental.
Também havia recebido uma bolsa Earhart de dois anos da Fundação
Relm, graças às recomendações dos economistas W. H. Hutt e Donald
Kemmerer.
Como tive permissão para preencher alguns dos meus requisitos
acadêmicos com cursos de "estudos especiais" - pesquisa detalhada e
um trabalho sobre qualquer tópico que eu quisesse, que aconteceu de
ser Marx e Engels -, aproveitei essa oportunidade. Consegui alguns
créditos do curso por escrever um livro que eu já pretendia escrever de
qualquer maneira.
O Capítulo 2 é basicamente o trabalho que escrevi para o
sociólogo Robert Nisbet. Meus instrutores me ajudaram como editores
não remunerados - não remunerados por mim, quer dizer. Meus

8 Ainda estou impressionado com a magnitude do que Ernst Kantorowicz


realizou aos 32 anos com a primeira edição de sua biografia de Frederico II da
Sicília, Frederick the Second, 1194-1250 (Nova York: Ungar, [1931] 1957).
A versão em inglês, com 689 páginas, não contém o segundo volume de notas
de rodapé, que está disponível apenas em alemão. Mas ele só escreveu um
livro significativo depois disso, The King's Two Bodies (Princeton, New
Jersey: Princeton University Press, 1957). Foi quase como se ele tivesse se
esgotado na juventude.

xliii
xliv A Religião Revolucionária de Marx
agradecimentos atrasados vão para os contribuintes sobrecarregados da
Califórnia do governador Ronald Reagan (que mais tarde se tornaram
os contribuintes sobrecarregados e portadores da dívida nacional da
América do Presidente Reagan).3
O ensino superior nos Estados Unidos é um processo altamente
ritualizado. É considerado inadequado que um jovem estudioso não
certificado desafie o trabalho de uma grande figura histórica,
especialmente alguém que moldou o pensamento e a vida de grandes
segmentos da guilda acadêmica profissional.
Os estudantes de pós-graduação em ciências sociais e
humanidades geralmente acham mais seguro escrever estudos
estritamente focados, aparentemente objetivos, mas na verdade
favoráveis a figuras intelectuais importantes, se escreverem sobre
figuras importantes.
Dois objetivos sensatos de dissertação são:
1. escolher uma figura com a qual você se identifica e que
é esquecida por quase todos, e especialmente por todos
em seu comitê de doutorado, ou
2. escolher uma figura famosa cujo trabalho seja
favorecido pelo principal orientador de sua dissertação.
Eu ignorei essa estratégia de senso comum. Escrevi um livro
crítico sobre Marx antes de avançar para a candidatura. Felizmente,
nunca fui criticado publicamente de forma alguma pelos meus
professores, pelo que fiquei grato. Escrever o livro também me ajudou
a ganhar uma bolsa Weaver em 1968 do Instituto de Estudos
Intercolegiais, para a qual havia competido sem sucesso no ano anterior
à sua publicação.

xliv
Prefácio da segunda edição xlv

Marx: Estudante Graduado Pelo Resto da Vida


Escrever um livro com uma crítica negativa é um bom exercício
para um estudioso recém-certificado após o doutorado, mas é um sinal
de imaturidade quando um estudioso passa toda a sua vida criticando
as ideias dos outros, nunca construindo uma alternativa positiva. Isso é
evidência de que ele não tem uma alternativa positiva.
O que acabei de descrever é a carreira intelectual de Karl Marx.
Marx nunca parou de escrever refutações críticas longas de seus
oponentes. Os alvos de seus livros eram quase sempre os escritos de
seus rivais socialistas, e geralmente rivais muito obscuros, não Adam
Smith, David Ricardo, John Stuart Mill ou outros importantes
defensores da economia clássica.
Ele escreveu notas críticas sobre os economistas clássicos, mas
essas não foram publicadas em sua vida: Teorias da Mais-Valia. Marx
nunca forneceu nenhum plano sobre o funcionamento da sociedade
comunista que viria.
Ele não ofereceu nenhum programa para construir uma nova
sociedade após a revolução, exceto pelos famosos dez pontos do
Manifesto Comunista (1848). Ele nunca mais mencionou o assunto da
transição da sociedade capitalista para a socialista e depois para a
sociedade comunista.
Dez pontos em um panfleto não constroem uma civilização. Ele
então roubou esta frase do Code de la Nature de Morelly (1755-60):

De cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo


suas necessidades!4

xlv
xlvi A Religião Revolucionária de Marx
Isso é um slogan, não um programa. Lenin jogou o mesmo jogo
quando escreveu que uma sociedade comunista é simplesmente aquela
que combina poder e eletricidade políticas5 , uma que dá salário igual a
todos os trabalhadores e pode ser administrada por simples contadores9 ,
uma em que o ouro será usado para banheiros públicos. 10 Marx e Lenin
poderiam produzir slogans, mas não planos detalhados.
Eles podiam destruir, mas não podiam construir. Esse também
é o problema de Satanás ao longo da história.
Minha visão sobre a importância do pensamento de Karl Marx
na história intelectual está intimamente ligada à minha visão sobre a
importância política de Lenin. Se Lênin não tivesse tido êxito com a
Revolução de Outubro em 1917, o nome de Karl Marx seria conhecido

9 “Contabilidade e controle - essas são as principais coisas necessárias para a


organização e funcionamento correto da primeira fase da sociedade comunista.
Todos os cidadãos aqui se transformam em empregados contratados pelo
estado, que é composto pelos trabalhadores armados. Todos os cidadãos se
tornam empregados e trabalhadores de um ‘sindicato’ nacional do estado.
Tudo o que é necessário é que eles trabalhem igualmente, façam regularmente
sua parcela de trabalho e recebam salários iguais. A contabilidad e e o controle
necessários para isso foram simplificados pelo capitalismo ao máximo, até se
tornarem operações extraordinariamente simples de observação, registro e
emissão de recibos, ao alcance de qualquer pessoa que saiba ler, escrever e
conheça as quatro primeiras regras da aritmética.” - Lenin, O Estado e a
Revolução (Nova York: International Publishers, [1918] 1932), pp. 83 -84.
10 “Quando formos vitoriosos em escala mundial, acredito que usaremos ouro
para construir banheiros públicos nas ruas de algumas das maiores cidades do
mundo.” - Lenin, “A Importância do Ouro Agora e Depois da Vitória
Completa do Socialismo” (1921), em The Lenin Anthology, p. 515.

xlvi
Prefácio da segunda edição xlvii
apenas por especialistas em história da sociologia, 6 por um punhado de
especialistas em história dos sindicatos do final do século XIX, social-
democracia alemã e história intelectual russa, e para um grupo ainda
menor de especialistas na história da filosofia hegeliana materialista do
meio do século XIX.
Wilhelm Windelband, por exemplo, dedicou apenas duas breves
entradas bibliográficas e parte de um parágrafo a Marx e Engels em sua
obra História da Filosofia de 1901.7 A verdade é que Marx teve muito
pouca influência antes de 1917, especialmente nos Estados Unidos. 11
Se não fosse por Lenin, as referências a Marx se limitariam a
uma série de notas de rodapé obscuras, em vez de uma biblioteca de
livros, mas Lênin e seus colegas conseguiram realizar a Revolução
Russa, para a surpresa da Europa.
Isso me lembra o comentário de Herr Schober, o insignificante
oficial de polícia que mais tarde se tornou Chanceler da Áustria.
Ludwig von Mises registra o seguinte sobre ele:

No final de 1915, ele informou a seus superiores que


duvidava da possibilidade de uma revolução russa. ‘Quem,

11 Solomon Bloom escreve: “Especificamente, foi a Revolução Bolchevique de


novembro de 1917 que trouxe os Estados Unidos, de forma bastante repentina,
face a face com o marxismo…” - Bloom, “Man of His Century: A
Reconsideration of the Historical Significance of Karl Marx,” Journal of
Political Economy, 1.1 (dezembro de 1943); reimpresso em Shepard B.
Clough, Peter Gay e Charles K. Warner (eds.), The European Past (Nova
York: Macmillan, 1964), 2, p. 143.

xlvii
xlviii A Religião Revolucionária de Marx
então, poderia fazer essa revolução? Certamente não este Sr.
Trotsky, que costumava ler jornais no Café Central.’ 8

Os intelectuais humanistas modernos, sempre respeitosos com


aqueles que vencem guerras importantes e respeitosos com qualquer
grupo radical que conduza uma revolução sangrenta contra a autoridade
tradicional apoiada pela religião, ressuscitaram a reputação intelectual
de Marx postumamente. Em resumo, se não fosse por Lenin, você
nunca teria ouvido falar de Marx. As prateleiras da biblioteca dedicadas
ao marxismo seriam dedicadas a algum outro tópico.
Se os alemães tivessem vencido a Segunda Guerra Mundial,
tenha certeza de que muitas dessas prateleiras estariam hoje repletas de
livros elogiando a visão humanista criativa e o planejamento
econômico racional dos nazistas. O fascínio que o nazismo exerceu
sobre estudiosos e políticos ocidentais durante a década de 1930,
incluindo o economista britânico John Maynard Keynes, 12 sem
mencionar os empresários americanos que comercializavam

12 Keynes escreveu estas palavras no Prefácio da edição em língua alemã de 1936


de sua obra Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda : “A teoria da
produção agregada, que é o ponto deste livro, pode, no entanto, ser muito mais
facilmente adaptada às condições de um estado totalitário [eines totalen
Staates] do que a teoria da produção e distribuição apresentada sob condições
de livre concorrência e um grande grau de laissez-faire. Esta é uma das razões
que justifica o fato de eu chamar minha teoria de teoria geral.” A citação foi
traduzida com o texto original em alemão por James J. Martin e pode ser
encontrada em Revisionist Viewpoints (Boulder, Colorado: Ralph Myles Press,
1971), páginas 203 e 205. Ela também aparece em The Collected Writings of
John Maynard Keynes, volume 7 (Nova York: St. Martin's, 1973), página xxvi.

xlviii
Prefácio da segunda edição xlix
extensamente com o Estado Nazista,9 é uma história que não se
encontra nos livros didáticos de hoje. Por quê? Porque Hitler perdeu.
Os acadêmicos querem estar do lado vencedor.
Marx é importante pela religião que pregou, não pelas notas de
rodapé que compilou. Ele é importante porque forneceu o que parecia
ser uma prova científica para a revolução demoníaca. Ao capturar as
mentes de várias gerações de revolucionários sanguinários e gângsters
ideológicos, Marx e Engels mudaram a história do mundo.
Foi a visão de Marx de um apocalipse escatológico, não sua
erudição tediosa, que prevaleceu. Ele forneceu às gerações de
intelectuais o que eles buscaram acima de tudo: ligação com vencedores
políticos, seja vicariamente ou diretamente a seu serviço.
Também foi emocionalmente conveniente para eles que Marx
fosse membro de sua própria classe social, em vez de ser um proletário.
Karl Marx, assim como Lenin, serviu como um profeta inspirado, não
da vitória proletária, que nunca ocorreu, mas da vitória burguesa
disfarçada habilmente como uma vitória proletária.
Ele serviu como uma espécie de vendedor ambulante intelectual
do século XIX, vendendo "jeans de designer proletário" para as festas
à fantasia da classe média alienada. Para adicionar autenticidade antes
de serem enviados aos compradores conscientes da moda, os "jeans de
designer Marx-Engels" são alvejados. Assim como os ossos de cem
milhões de suas vítimas.

xlix
l A Religião Revolucionária de Marx

Criticismo Criticamente Crítico


Fritz Raddatz observa corretamente que a dissertação de
doutorado de Marx sobre Epicuro e Demócrito foi um trabalho de
crítica. “Mesmo nesse primeiro trabalho, Marx se mostrou como um
escritor ‘anti’, um autor que definiu sua própria posição como resultado
de polêmica e crítica.
Suas produções mais importantes têm como título ou subtítulo
a palavra ‘Crítica’; seus escritos polêmicos menos importantes são
tentativas de arranjar uma briga ou contra-atacar.”10 Alvin Gouldner faz
uma observação semelhante.13
Olhe para os títulos e subtítulos de seus ensaios e livros:

Contribution to Critique of Hegel's Philosophy of Law


(1843),

The Holy Family, or Critique of Critical Criticism


(1844),

A Contribution to the Critique of Political Economy


(1859),

Capital: A Critique of Political Economy (1867).

Critique of the Gotha Program (1875).

13 Alvin Gouldner, The Two Marxisms: Contradictions and Anomalies in the


Development of Theory (Nova Iorque: Seabury Press, 1980), p. 11. Ele acredita
que existem dois marxismos, o marxismo crítico e o marxismo científico.

l
Prefácio da segunda edição li
Como foi o caso em muitos outros aspectos da origem do marxismo,
Engels foi o precursor dessa tradição. Ele iniciou essa mania de
“crítica” com seus títulos iniciais, Schelling and Revelation: Critique
of the Latest Attempt of Reaction Against the Free Philosophy (1841),11
e “On the Critique of the Prussian Press Laws” (1842). 12
Marx foi, do início ao fim, um implacável crítico dos outros. Ele
criticava tudo e todos, exceto a si mesmo, especialmente aquelas
pessoas que haviam sido seus amigos no passado. Apenas Engels
escapou de sua ira, porque Engels sempre oferecia obediência pública
a ele e o subsidiava generosamente, década após década.
Olhe para os títulos e subtítulos de seus ensaios e livros:

Contribution to Critique of Hegel's Philosophy of Law (1843),

The Holy Family, or Critique of Critical Criticism (1844),

A Contribution to the Critique of Political Economy (1859),

Capital: A Critique of Political Economy (1867 ).

Critique of the Gotha Program (1875).

Como foi o caso em muitos outros aspectos da origem do marxismo,


Engels foi o precursor dessa tradição. Ele iniciou essa mania de
“crítica” com seus títulos iniciais, Schelling and Revelation: Critique

li
lii A Religião Revolucionária de Marx
of the Latest Attempt of Reaction Against the Free Philosophy (1841),14
e “On the Critique of the Prussian Press Laws” (1842). 15
Marx foi, do início ao fim, um implacável crítico dos outros. Ele
criticava tudo e todos, exceto a si mesmo, especialmente aquelas
pessoas que haviam sido seus amigos no passado. Apenas Engels
escapou de sua ira, porque Engels sempre oferecia obediência pública
a ele e o subsidiava generosamente, década após década.
Em sua única disputa conhecida, Marx recuou - aparentemente,
a única vez em que recuou em uma disputa.16 Karl Marx foi o maior
hater e o mais incessante chorão na história da civilização ocidental.
Ele foi um pirralho mimado, educado em excesso, que nunca cresceu;
ele apenas ficou mais esganiçado à medida que envelheceu.
Seu ódio e lamentos ao longo da vida levaram à morte (até
agora) de, talvez, cem milhões de pessoas, dependendo de quantas

14 Collected Works, 1, pp. 192-240.


15 Ibid., 1, pp. 304-11.
16 Isso ocorreu quando a amante de Engels, Mary Burns, faleceu em janeiro de
1863. Engels escreveu para Marx, relatando sua perda em 7 de janeiro. No dia
seguinte - a carta foi de Manchester a Londres em apenas um dia! - Marx
escreveu duas frases de condolências e, em seguida, em dois parágrafos
longos, implorou por mais dinheiro. Em 13 de janeiro, Engels respondeu,
indicando que estava descontente com a "reação fria" de Marx. Em 24 de
janeiro, Marx enviou uma carta pedindo desculpas por seu comportamento.
Selected Letters: The Personal Correspondence, 1844 -1877, editado por
Fritz]. Raddatz (Boston: Little, Brown, 1980), pp. 104 -6.

lii
Prefácio da segunda edição liii
pessoas pereceram sob a tirania de Mao. Provavelmente nunca
saberemos ao certo.
Os chorões, quando alcançam o poder, prontamente se tornam
tiranos. Marx era visto por seus contemporâneos como um tirano em
potencial. Giuseppe Mazzini (1805-72), o revolucionário italiano e
rival de Marx na Associação Internacional dos Trabalhadores na d écada
de 1860,13 descreveu Marx como

um espírito destrutivo cujo coração estava cheio de ódio


em vez de amor pela humanidade… extraordinariamente
malicioso, desonesto e taciturno. Marx é muito ciumento de sua
autoridade como líder do Partido; contra seus rivais políticos e
oponentes, ele é vingativo e implacável; ele não descansa até
derrotá-los; sua característica predominante é uma ambição
sem limites, uma sede de poder.

Apesar do igualitarismo comunista que ele prega, ele é o


governante absoluto de seu partido; admitidamente, ele faz tudo
sozinho, mas também é o único a dar ordens e não tolera
oposição.14

Essa é a essência da sociedade de Satanás: um sistema de


controle burocrático que tenta superar a falta de onisciência e
onipresença do líder por meio do poder centralizado de cima para baixo;
isso tem sido uma característica marcante de Lenin, Stalin, Mao e dos
ditadores comunistas subsequentes. É inerente ao sistema comunista.

O Alerta de Bakunin
Michael Bakunin, o anarquista revolucionário e rival de Marx
em sua batalha pelo controle sobre a Associação Internacional dos

liii
liv A Religião Revolucionária de Marx
Trabalhadores,15 profetizou com precisão em 1869 qual seria o legado
da teoria de Marx sobre o Comunismo:

O raciocínio de Marx termina em contradição absoluta.


Levando em consideração apenas a questão econômica, ele
insiste que apenas os países mais avançados, aqueles em que a
produção capitalista atingiu o maior desenvolvimento, são os
mais capazes de realizar a revolução social.

Esses países civilizados, excluindo todos os outros, são


os únicos destinados a iniciar e levar adiante essa revolução.
Esta revolução expropriará, seja por meios pacíficos e
graduais, seja por meios violentos, os atuais proprietários e
capitalistas.

Para apropriar-se de toda a propriedade rural e capital,


e para realizar seus extensos programas econômicos e políticos,
o Estado revolucionário terá que ser muito poderoso e
altamente centralizado.

O Estado administrará e dirigirá o cultivo da terra, por


meio de seus funcionários assalariados, comandando exércitos
de trabalhadores rurais organizados e disciplinados para esse
fim. Ao mesmo tempo, sobre os destroços dos bancos existentes,
ele estabelecerá um único banco estatal que financiará todo o
trabalho e o comércio nacional.

É facilmente perceptível como um plano de organização


aparentemente simples como esse pode excitar a imaginação
dos trabalhadores, que estão ansiosos por justiça assim como
por liberdade; e que tola e erroneamente imaginam que uma
possa existir sem a outra; como se, para conquistar e consolidar
a justiça e a igualdade, alguém pudesse depender dos esforços
de outros, especialmente de governos, não importando como

liv
Prefácio da segunda edição lv
eles possam ser eleitos ou controlados, para falar e agir em
nome do povo!

O Alerta de Bakunin
Michael Bakunin, o anarquista revolucionário e rival de Marx
em sua batalha pelo controle sobre a Associação Internacional dos
Trabalhadores,17 profetizou com precisão em 1869 qual seria o legado
da teoria de Marx sobre o Comunismo:

O raciocínio de Marx termina em contradição absoluta.


Levando em consideração apenas a questão econômica, ele
insiste que apenas os países mais avançados, aqueles em que a
produção capitalista atingiu o maior desenvolvimento, são os
mais capazes de realizar a revolução social.

Esses países civilizados, excluindo todos os outros, são


os únicos destinados a iniciar e levar adiante essa revolução.
Esta revolução expropriará, seja por meios pacíficos e
graduais, seja por meios violentos, os atuais proprietários e
capitalistas.

Para apropriar-se de toda a propriedade rural e capital,


e para realizar seus extensos programas econômicos e políticos,
o Estado revolucionário terá que ser muito poderoso e
altamente centralizado.

O Estado administrará e dirigirá o cultivo da terra, por


meio de seus funcionários assalariados, comandando exércitos

17 Paul Thomas, Karl Marx and the Anarchists (London: Routledge and
Kegan Paul, 1980), pp. 249-340.

lv
lvi A Religião Revolucionária de Marx
de trabalhadores rurais organizados e disciplinados para esse
fim. Ao mesmo tempo, sobre os destroços dos bancos existentes,
ele estabelecerá um único banco estatal que financiará todo o
trabalho e o comércio nacional.

É facilmente perceptível como um plano de organização


aparentemente simples como esse pode excitar a imaginação
dos trabalhadores, que estão ansiosos por justiça assim como
por liberdade; e que tola e erroneamente imaginam que uma
possa existir sem a outra; como se, para conquistar e consolidar
a justiça e a igualdade, alguém pudesse depender dos esforços
de outros, especialmente de governos, não importando como
eles possam ser eleitos ou controlados, para falar e agir em
nome do povo!

Para o proletariado, isso será, na realidade, nada mais


do que um quartel: um regime em que trabalhadores e
trabalhadoras regimentados dormirão, acordarão, trabalharão
e viverão ao som de um tambor; onde os astutos e educados
receberão privilégios do governo; e onde aqueles com mente de
mercenário, atraídos pela imensidão das especulações
internacionais do banco estatal, encontrarão um vasto campo
para negócios lucrativos e traiçoeiros. 18

18 Bakunin on Anarchy: Selected Works by the Activist -Founder of World


Anarchism, editado por Sam Dolgoff (Nova Iorque: Knopf, 1972), pp. 283 -84.
Marx fez algumas anotações desconexas em 1874 em resposta ao Statism and
Anarchy de Bakunin. “Asneira de estudante!” “Asneira! Isso é linguagem
democrática, blá -blá político!” Ele nunca respondeu por escrito. David
McLellan (ed.), Karl Marx: Selected Writings (Nova Iorque: Oxford
University Press 1977), pp. 561-63.

lvi
Prefácio da segunda edição lvii
Essa é uma descrição muito boa do que a União Soviética se
tornou, desde os dias da polícia secreta de Lênin e do terrorismo de
Stalin16 até o terrorismo psiquiátrico de hoje, 17 da polícia secreta ao
líder corrupto da nova classe soviética.18
Hoje, ouvimos falar de uma reconstrução do sistema econômico
soviético. O Premier soviético Gorbachev está criticando a herança
econômica altamente centralizada, burocrática e pouco criativa de seus
predecessores, como certamente é.
A reestruturação econômica (perestroika) está agora sendo
implementada na União Soviética, dizem-nos. Uma grande
descentralização está ocorrendo. De qualquer forma, Gorbachev está
tentando implementá-la. É o que a página de opinião do New York
Times continua nos dizendo.
Hoje, ouvimos falar de uma reconstrução do sistema econômico
soviético. O Premier soviético Gorbachev está criticando a herança
econômica altamente centralizada, burocrática e pouco criativa de seus
predecessores, como certamente é.
A reestruturação econômica (perestroika) está agora sendo
implementada na União Soviética, dizem-nos. Uma grande
descentralização está ocorrendo. De qualquer forma, Gorbachev está
tentando implementá-la. É o que a página de opinião do New York
Times continua nos dizendo.
Mas já vimos tudo isso antes: a economia centralizada do
“comunismo de guerra” de Lênin de 1918-21, seguida pela Nova
Política Econômica descentralizada de Lênin no início de 1921, seguida
pela recentralização de Stalin após 1927; a tentativa de descentralização
da agricultura por Khrushchev e as amplamente aclamadas, mas nunca

lvii
lviii A Religião Revolucionária de Marx
amplamente implementadas reformas de Liberman,19 seguidas pela
recentralização de Brejnev.
O professor Mises previu em 1966 que as reformas propostas
por Liberman não poderiam de forma alguma reestruturar a economia
soviética, e ele estava correto.20 Toda a discussão sobre reformas
desapareceu quando Brejnev recentralizou a economia.
Em 1967, escrevi o Apêndice B deste livro, que lida com essa
contínua oscilação econômica de centralização para descentralização.
A burocracia soviética sempre triunfa na oscilação de volta para o
planejamento econômico centralizado.
A descentralização, sem propriedade privada, levará à
desintegração da economia soviética ou a um novo período de
centralização. Podemos prever com segurança que, se a recentralização
econômica não se seguir à perestroika de Gorbachev, a desintegração
do Império Soviético se seguirá. Não há escapatória.

19 Yevsei Liberman, “The Plan, Profits and Bonuses,” Pravda (9 Sept. 1962);
“Liberman's Reply to His Critics,” Ekonomicheskaya Gazeta (10 Nov. 1962);
reimpresso em Morris Bornstein and Daniel R. Fusfeld (eds.), The Soviet
Economy: A Book of Readings (rev. ed.; Homewood, Illinois: Irwin, 1966), pp.
352-68., As reformas propostas por Liberman eram um conjunto entre muitos:
Eugene Zaleski, Planning Reforms in. the Soviet Union, 1962 -66: An Analysis
of Recent Trends in Economic Organization and Management (Chapel Hill:
University of North Carolina Press, 1967).
20 Ludwig von Mises, “Observations on the Russian Reform Movement,” The
Freeman (May 1966). Ele tinha 85 anos de idade.

lviii
Prefácio da segunda edição lix
Como o economista Gregor J. Grossman escreveu sobre uma
economia centralmente planejada:

Para colocar de forma esquemática, arriscando uma


simplificação excessiva: supercentralização, desequilíbrio e
autarquia são os três cantos de um triângulo de riscos nos quais
a economia do tipo soviético procura encontrar uma solução
organizacional.19

Os líderes soviéticos nunca encontraram a solução. Existe


apenas uma solução de longo prazo: o livre mercado. A crítica às
políticas econômicas soviéticas existentes ou recentes é contínua na
URSS. O que nunca muda é o compromisso da União Soviética com a
busca do poder do Partido Comunista internamente e do poder militar
soviético internacionalmente. Os fundamentos do marxismo-leninismo
estão isentos de críticas. Assim tem sido sempre.

Não Suficientemente Autocrítico


Quão crítico é “crítico”? Ao testar a verdade ou falsidade de
qualquer visão de mundo e de vida, precisamos nos perguntar:

O teórico que está propondo essa explicação abrangente


de causa e efeito realmente a aplica à sua própria vida e
trabalho?

Quase nenhum teórico social moderno está disposto a fazer isso.


Allan Bloom comentou sobre esse problema cuidadosamente ignorado:

É mérito de Nietzsche o fato de que ele estava ciente de


que filosofar é radicalmente problemático na repartição

lix
lx A Religião Revolucionária de Marx
cultural e historicista. Ele reconheceu os terríveis riscos
intelectuais e morais envolvidos.

No centro de cada pensamento dele estava a pergunta


‘Como é possível fazer o que estou fazendo?’ Ele tentou aplicar
ao seu próprio pensamento os ensinamentos do relativismo
cultural. Isso praticamente ninguém mais faz.

Por exemplo, Freud diz que os homens são motivados


pelo desejo de sexo e poder, mas não aplicou esses motivos para
explicar sua própria ciência ou sua própria atividade científica.
Mas se ele pode ser um verdadeiro cientista, ou seja, motivado
pelo amor à verdade, então outros homens também podem, e sua
descrição dos motivos deles é assim fatalmente falha.

Ou se ele é motivado pelo sexo ou pelo poder, ele não é


um cientista, e sua ciência é apenas um meio entre muitos
possíveis para alcançar esses fins. Essa contradição perpassa
as ciências naturais e sociais. Elas oferecem uma explicação
das coisas que não podem, de forma alguma, explicar a conduta
de seus praticantes.

O economista altamente ético que fala apenas sobre


ganho, o cientista político de voltado ao que é público que vê
apenas o interesse de grupos, o físico que assina petições a favor
da liberdade enquanto reconhece apenas a falta de liberdade –
a lei matemática que governa a matéria em movimento – no
universo são sintomáticos da dificuldade de fornecer uma auto -
explicação para a ciência e um fundamento para a vida teórica,
que assombrou a vida intelectual desde o início da
modernidade, mas se tornou particularmente aguda com o
relativismo cultural.20

Considere as teorias de Marx e Engels. Esses homens pregaram


o evangelho da revolução proletária inevitável. Mas quem eram eles?

lx
Prefácio da segunda edição lxi
Dois escritores burgueses que foram convertidos ao socialismo
revolucionário na casa dos seus vinte anos.
Ambos eram filhos de pais burgueses bem-sucedidos, e Engels
enriqueceu estavelmente ao longo dos anos devido às suas habilidades
na gestão das fábricas de tecidos industriais de seu pai. Nunca pareceu
incomodar Lenin que ele não tivesse uma explicação marxista
consistente para o fato histórico sobre os trabalhadores que ele não
podia negar: a consciência social-democrática dos proletários não se
desenvolve por si só.

Essa consciência só poderia ser transmitida a eles de


fora. A história de todos os países mostra que a classe
trabalhadora, exclusivamente por esforço próprio, só é capaz
de desenvolver uma consciência sindical...

No entanto, a teoria do socialismo cresceu a partir das


teorias filosóficas, históricas e econômicas que foram
elaboradas pelos representantes educados das classes
proprietárias, os intelectuais.

Os fundadores do socialismo científico moderno, Marx e


Engels, eles próprios pertenciam à intelectualidade burguesa.21

A pergunta óbvia é: Por quê? Não há uma resposta marxista


óbvia.
Marx e Engels também previram os sucessos iniciais desta
revolução proletária em nações que haviam adotado o capitalismo
industrial moderno. Então, onde ocorreram as únicas revoluções
comunistas nativas bem-sucedidas? Em nações rurais do Terceiro
Mundo e em nações que estavam apenas nos estágios iniciais da

lxi
lxii A Religião Revolucionária de Marx
industrialização (por exemplo, Rússia). Quem foram os recrutadores
ideológicos deles?
Em primeiro lugar, intelectuais de países industrializados que
não conseguiram recrutar seguidores proletários, mas que
influenciaram fortemente um pequeno exército de outros intelectuais
que são basicamente favoráveis ao humanismo marxista, ou que pelo
menos são desfavoráveis aos esforços dos inimigos das tiranias
marxistas.22 Em segundo lugar, ativistas intelectuais burgueses
altamente educados em nações rurais que conseguiram recrutar
seguidores camponeses dedicados.
Em resumo, em nenhum lugar as teorias de Marx e Engels foram
menos aplicáveis ou suas profecias menos precisas do que na história
do Comunismo. Isso raramente é discutido pelos comunistas. A atitude
crítica fomentada pelo marxismo não tem sido suficientemente
autocrítica. Os marxistas aplicam as teorias abrangentes do marxismo
apenas a teorias e sociedades não-marxistas. Isso tem sido verdade
desde o início do marxismo.

O Parceiro Indispensável
A maior ironia em relação à enorme quantidade de atenção
publicada que é desperdiçada com Karl Marx é esta: Engels foi o
parceiro indispensável na história do Comunismo, não Marx. Eu não
tinha chegado a essa conclusão em 1968, embora reconhecesse
plenamente que Engels havia sido o estilista literário mais eficaz.
Engels estava à frente de Marx conceitualmente desde o início,
embora fosse dois anos mais jovem. Ele se tornou comunista um ano
antes de Marx. Ele se interessou pelas condições econômicas da

lxii
Prefácio da segunda edição lxiii
civilização industrial antes de Marx; seu livro “A Situação da Classe
Trabalhadora na Inglaterra” foi o livro que em 1845 converteu Marx à
teoria das bases econômicas da revolução.
Existe pelo menos uma suspeita razoável de que ele e Marx
trabalharam juntos na ideia da concepção materialista da história,
embora Marx seja normalmente creditado com a descoberta. 21 Joseph
Schumpeter, depois de fazer uma reverência à maior “profundidade de
compreensão e poder analítico” de Marx, observa que “Naqueles anos,
Engels estava certamente mais avançado, como economista, do que
Marx.”23
Engels co-escreveu “A Ideologia Alemã” (1845-46). Ele co-
escreveu o “Manifesto Comunista” (1848). Ele escreveu em segredo22
muitos dos artigos jornalísticos de Marx para ajudá-lo a ganhar algum
dinheiro extra.23 Ele era uma autoridade em estratégia militar.

21 Não há evidências em seus manuscritos publicados e não publicados anteriores


a A Ideologia Alemã (1845) de que Marx havia concebido tal concepção da
história. Engels foi o coautor de A Ideologia Alemã. Veja Oscar J. Hammen,
The Red '48ers: Karl Marx and Friedrich Engels (Nova York: Scribner's,
1969), pp. 116-17.
22 No original : “He ghost wrote many of Marx's Journalism pieces to help earn
him some extra money.”
23 Os exemplos mais notáveis foram os artigos escritos por Engels sobre a
revolução de 1848 na Alemanha para o New York Daily Tribune (1851-52),
que posteriormente foram compilados em um livro intitulado Revolution and
Counter-Revolution, or Germany in 1848. Possuo uma versão publicada pela

lxiii
lxiv A Religião Revolucionária de Marx
Ele tinha um estilo de escrita animado e a capacidade de criar
frases impactantes. Ele também sabia como ganhar e manter dinheiro.
Marx não possuía nenhuma dessas habilidades. Gouldner tentou
reabilitar a reputação de Engels, mas, na minha opinião, ele não foi
longe o suficiente.24

Charles H. Kerr & Company, sem data de publicação, com o nome de Marx
na capa. Presumivelmente, foi publicada por volta do início do século XX. (A
edição da Kerr do primeiro volume d'O Capital foi publicada em 1906.) O
livro contém uma “Nota da Editora” de 1896, escrita por Eleanor Marx
Aveling, filha de Marx, que afirma que Marx recebeu uma libra britânica por
artigo (p. 9). Ela não admitiu o que provavelmente havia descoberto, isto é:
que Engels os havia escrito. No Volume 11 das Collected Works, os ensaios
são reproduzidos sob o nome de Engels. Os editores discretamente deixam de
mencionar que, por pelo menos meio século, Marx foi creditado por tê -los
escrito.

Em 1848, Charles A. Dana (1819-97) visitou a Europa em nome do Tribune para se


encontrar com vários revolucionários, incluindo Karl Marx. Dana mais tarde
tornou-se editor-chefe do Tribune. Posteriormente, ele serviu como Secretário
Assistente de Guerra na administração de Lincoln, quando Horace Greeley o
demitiu do jornal em 1861 (William Harlan Hale, Horace Greeley: Voice of
the People (Nova Iorque: Collier, [1950] 1961, p. 261). Em 1840, Dana foi um
dos fundadores e financiadores de Brook Farm, uma colônia de escritores
(onde também viveu Nathaniel Hawthorne) e fazenda comunal socialista
(ibid., p. 110). Ele e Greeley eram seguidores de Charles Fourier e também
eram membros de uma sociedade secreta conhecida como the Columbians
(fundada em Nova York em 1795, de acordo com David Tame, “Secret
Societies in the Life of Karl Marx,” Critique, #25, 1987, p. 95). Juntos, eles
transformaram o Tribune em um jornal de grande sucesso. O jornal deixou de
publicar os ensaios de Marx em 1861, encerrando assim uma associação que
havia durado uma década.

lxiv
Prefácio da segunda edição lxv
Engels desfrutava completamente das regalias da riqueza que
possuía, enquanto Marx passou muitos anos de sua vida em dívida com
casas de penhores. Ele financiou Marx ao longo da longa relação que
tiveram.24 Ele viveu mais de uma década depois da morte de Marx,
trocando cartas com muitos revolucionários em toda a Europa,
mantendo a chama marxista acesa.
Ele editou e publicou reimpressões dos livros de Marx e seus
muitos manuscritos não publicados. Seu livro Socialismo: Utópico e
Científico25 teve um impacto muito maior em atrair pessoas para o
Comunismo do que “O Capital” já teve. Ele não era um pedante.
Ele também não era um antissemita, pelo menos não em seus
escritos; Marx era, e toda a hesitação e reticência dos estudiosos
progressistas e marxistas contemporâneos em relação ao “significado
oculto subjacente” do cruel ensaio de Marx, “Sobre a Questão Judaica”
(1843), não apagarão esse fato.25

24 Veja o Apêndice C: “The Myth of Marx’s Poverty". Edgar Longuet, neto de


Marx por meio de sua filha Jenny, observou em 1949: "Não há dúvida de que,
sem Engels, Marx e sua família teriam passado fome." Edgar Longuet, “Some
Aspects of Karl Marx's Family Life,” em Marx and Engels Through the Eyes
of Their Contemporaries (Moscow: Progress Publishers, 1972), p. 172.
25 Nathaniel Weyl, Karl Marx: Racist (New Rochelle, Nova Iorque: Arlington
House, 1979). Fritz Raddatz, que é típico dos estudiosos de Marx modernos
nesse sentido, explica o claro teor do ensaio: “No entanto, o contexto mostra
que Marx estava usando as palavras ‘judeu’ e ‘judaísmo’ em um sentido 'quase
não-judeu'.” Karl Marx, p. 41. A linguagem antissemita geralmente não é

lxv
lxvi A Religião Revolucionária de Marx
Engels não era um burro de carga carregando um Ph.D. Aqueles
que são burros de carga carregando Ph.Ds. têm uma tendência distinta
de se identificar com Marx em vez de Engels. Eles fingem sofrer com
Marx, que era, como eles, uma “vítima” pesadamente subsidiada do
odiado sistema capitalista. Eles compartilham sua alienação.
Muitos deles também compartilham seu estilo literário, que é
mais bem descrito como constipação verbal germânica combinada com
um caso ruim de hemorroidas. (Os gritos! Os gemidos! A indignação!
Os juramentos de vingança!)26
Eles escrevem livros gordos e ilegíveis sobre o marxismo, e
atribuem a Marx, em vez de Engels, quase tudo de importância
intelectual no marxismo. Atribuem uma importância muito maior à
labuta acadêmica vazia de Marx do que às ideias originais de Engels.
Em um certo sentido, essa avaliação pode ser válida, pois o
marxismo sempre foi um movimento que deve seu sucesso ao apelo a
intelectuais e acadêmicos movidos pela inveja, e acadêmicos com
pretensões revolucionárias. Essa explicação para o sucesso do

tolerada pelos intelectuais no Ocidente, mas Marx era judeu e, mais importante
ainda, era comunista, então seu antissemitismo é tratado como se fosse algo
diferente.
26 Um expositor moderno do marxismo que também sofre desse problema é
George Lichtheim, cuja pesada obra Marxism: An Historical and Critical
Study (1961) é igualada apenas por sua obra Origins of Socialism (1969), que
foi altamente recomendada por Steven Marcus, “apesar do fato de que ele
enterra cerca de metade do que tem a dizer em notas de rodapé de comprimento
insuportável....” Marcus, Engels, Manchester, and the Working Class (Nova
York: Random House, 1974), p. 88n.

lxvi
Prefácio da segunda edição lxvii
marxismo raramente é discutida por marxistas e humanistas
acadêmicos.
O marxismo não uniu os trabalhadores do mundo, mas
certamente uniu dezenas de milhares de acadêmicos burgueses bem
alimentados, pelo menos até que a revolução marxista realmente venha
e os leve para o Gulag ou seus equivalentes regionais.
Essa ênfase em Marx em detrimento de Engels é facilitada pelo
fato de que Marx mantinha uma postura de autoridade e autoconfiança
(exceto quando estava implorando por dinheiro) em relação à sua
posição como o principal líder do movimento revolucionário europeu,
e historiadores leais aceitaram a autoavaliação de Marx como
verdadeira, ao contrário dos penhoristas que sabiamente abatiam tudo
o que Marx lhes trazia.
Essa visão de Marx como a figura-chave também é um
testemunho duradouro das manobras e maquinações de Marx nos
círculos restritos de língua alemã do movimento revolucionário
europeu. Ele ficava com todo o crédito, em ambos os sentidos. O padrão
nunca mudou: Engels dava; Marx gastava.
Engels era um homem humilde. Em sua carta de 1893 para
Franz Mehring, ele insistiu que

você atribui mais mérito a mim do que mereço, mesmo


que eu inclua tudo o que possivelmente poderia ter descoberto
por mim mesmo – com o tempo – mas que Marx, com seu coup

lxvii
lxviii A Religião Revolucionária de Marx
d’oeil 27 (esclarecimento) mais rápido e visão mais ampla
descobriu muito mais rapidamente.26

Ele viveu à sombra das notas de rodapé de Marx durante toda


a sua vida, e seu tradicional maravilhamento germânico pela labuta
acadêmica vazia coloriu sua própria autoavaliação até sua morte. Sua
própria admissão de um falso fronte de autoconfiança manufaturada
revela muito sobre seu próprio senso de inferioridade:

Aqui em Paris, adotei uma maneira muito insolente, pois


a arrogância faz parte do trabalho diário e funciona bem com o
sexo feminino.27

Essa última preocupação sempre esteve no topo de sua lista de


prioridades.

Moses Hess: O Esquecido Cofundador


Ao escrever este livro, tornei-me familiarizado com as
principais obras dos dois fundadores intelectuais da religião secular
mais importante do mundo moderno, Marx e Engels. Lendo From
Hegel to Marx de Sidney Hook, também tropecei na existência da
figura misteriosa que converteu Frederick Engels ao comunismo em
1842, Moses Hess (1812-1875).28

27 A expressão francesa coup d’oeil tem o sentido literal de “um olhar rápido” e
o sentido figurado de “uma compreensão rápida”, como se Marx tivesse “uma
capacidade de percepção e uma capacidade de compreensão” mais perspicazes
que as de Engels.

lxviii
Prefácio da segunda edição lxix
Ele era filho de um empresário judeu bem-sucedido. Na
adolescência, ele queria se juntar ao pai nos negócios da família, mas
seu pai insistiu que o jovem dedicasse sua vida ao estudo dos livros
sagrados do judaísmo tradicional, o Talmude Babilônico, que o jovem
Moses odiava. Ele caiu em más companhias, jovens judeus que estavam
se rebelando contra a religião de seus pais.
Hess perdeu sua fé no Judaísmo29 cerca de uma década antes da
perda de fé de Engels no Cristianismo. 30 Em 1836, Hess já era
comunista, como refletido em seu livro publicado anonimamente, Holy
History of Mankind.31
O segundo livro de Hess, The European Triarchy (1841), previa
que uma fusão entre teoria política socialista revolucionária francesa,
filosofia revolucionária alemã e revolução social inglesa produziria
uma nova sociedade.
Engels leu o segundo livro de Hess e foi muito influenciado por
ele.32
Ele se encontrou com Hess no final de 1842. Sete meses depois,
Hess descreveu esse encontro com Engels:

Nós conversamos sobre questões da época. Engels, que


era revolucionário até a medula quando me conheceu, saiu de
lá um comunista apaixonado.33

Engels também conheceu Marx brevemente na época, mas os


dois não se deram bem.34 Vale dizer: Marx ainda não era um marxista.
Sidney Hook data a primeira aparição de Marx como marxista – um
expositor do materialismo histórico – em “The German Ideology”
(1845), um manuscrito não publicado co-autorado com Engels.35 Parte
deste manuscrito realmente aparece nos manuscritos de Hess. 36

lxix
lxx A Religião Revolucionária de Marx
Marx havia lido ensaios de Engels em 1843, que Engels enviou
a Marx, que era editor de dois jornais radicais de curta duração, e que
Marx publicou. O segundo, co-editado por Arnold Ruge e Marx, o
Deutsch-Französische Jahrbücher, publicado em Paris, durou apenas
uma edição antes de ser confiscado nas fronteiras pelas autoridades
prussianas em fevereiro de 1844.37
Em 1844, Marx também havia se convertido ao comunismo,
embora não à versão “científica” marxista, que começou a tomar forma
apenas em 1845. Foi em 1844 que a longa colaboração entre Marx e
Engels começou. Hess tinha sido o catalisador.
Na biografia amplamente lida e notoriamente pró-Marx de
Franz Mehring, a influência de Hess é minimizada; Mehring chega até
mesmo a escrever:

Tanto Marx quanto Engels cooperaram com Hess em


várias ocasiões durante o período de Bruxelas, e em certo
momento parecia que Hess tinha adotado completamente suas
ideias.38

Ele faz parecer que eles foram os professores de Hess, quando


na verdade tinha sido o contrário, pelo menos nas fases iniciais (1842-
44). Essa reescrita marxista da história é compreensível, uma vez que
Marx e Engels concentraram seus ataques nas ideias de Hess na seção
sobre “Socialismo Verdadeiro” no Manifesto Comunista (1848), apesar

lxx
Prefácio da segunda edição lxxi
do fato de que Hess havia adotado muitas de suas opiniões sobre
economia política.28
Este ataque a um antigo amigo e professor foi algo típico de
Marx e Engels desde o início. Seus primeiros associados foram
avisados. Raddatz escreve:

Uma das cenas desse período em Colônia, vividamente


descritas por Heinzen, é reveladora e sinistra. O editor-chefe
[do Rheinische Zeitung] e seus colegas muitas vezes se
sentavam com um copo de vinho à noite, e se a fileira de copos
vazios ficasse visivelmente longa, Marx olharia em volta para a
companhia com o olhar raivoso e brilhante de um aristocrata.
Um de seus amigos ficaria surpreso com um dedo apontando de
repente para ele, acompanhado pelas palavras ‘Eu vou te
destruir’.39

Hess estava prestes a ser pago integralmente em moeda marxista


tradicional por seus elogios extravagantes a Marx em 1841. 29

28 Hook, From Hegel to Marx, p. 186. Para detalhes do ataque de Engels a Hess
na reunião de 23 de outubro de 1847 na comissão executiva da Autoridade
Distrital da Liga Comunista de Paris, consulte Hammen, The Red '48ers, pp.
163-64.
29 Hess havia escrito: “Aqui está um fenômeno que me impressionou
enormemente, embora eu trabalhe na mesma área. Em resumo, prepare-se para
conhecer o maior, talvez o único filósofo genuíno que vive atualmente, que em
breve terá os olhos de toda a Alemanha voltados para ele, onde quer que
apareça em público, seja na impressão ou no púlpito. O Dr. Marx, como meu
ídolo é chamado, ainda é bastante jovem (com cerca de 24 anos no máximo) e

lxxi
lxxii A Religião Revolucionária de Marx
Hess permaneceu uma figura histórica esquecida. Ele foi
ridicularizado por Marx como o “rabino Comunista”. 40 Mais tarde, ele
se tornaria o fundador espiritual do sionismo. O fato de um homem ter
servido como o pai intelectual de ambos esses movimentos ideológicos
importantes é notável; ainda mais notável é o fato de seu nome
raramente aparecer em livros didáticos de história europeia moderna.
Isso era igualmente verdade há um século. Quando o fundador
do sionismo político, Theodor Herzl, escreveu “O Estado Judeu”, ele
nunca tinha ouvido falar de Hess. Mostraram-lhe uma cópia do livro de
Hess de 1862, “Roma e Jerusalém”, mais de trinta anos após sua
publicação, e ele disse que se tivesse conhecido antes, não teria escrito
“O Estado Judeu”, pois o livro de Hess havia prefigurado tão
intrinsecamente sua própria escrita.41

O Marx Postumamente Publicado: Becos-


Sem-Saída
Marx era um acadêmico com doutorado no clássico molde
germânico, o arquetípico Dr. Burro. Ele manteve em seus arquivos uma

é ele quem dará o coup de grace (golpe de misericórdia) na religião e na


política medievais; ele combina um espírito mordaz com um pensamento
filosófico profundamente sério; Imagine Rousseau, Voltaire, Holbach,
Lessing, Heine e Hegel combinados em uma única pessoa - e eu digo
combinados, não misturados - e você terá o Dr. Marx.” Citado por Raddatz,
Karl Marx, pp. 25-26; também citado por Robert Payne, Marx (Nova York:
Simon & Schuster, 1968), p. 82; e por Avineri, Moses Hess, pp. 14-15.

lxxii
Prefácio da segunda edição lxxiii
vida inteira de cadernos inéditos cheios de uma das prosas mais
pomposas da história.
E porque os bolcheviques de Lênin venceram na Rússia em
outubro de 1917, os estudiosos sentem a obrigação de passar por muitos
volumes publicados das anotações, cartas e ataques polêmicos
póstumos de Marx, a fim de evitar serem acusados de não terem feito o
dever de casa.
Pior ainda, às vezes eles argumentam como se essas anotações
não publicadas fossem na verdade mais importantes para entender o
“verdadeiro Marx” do que suas obras publicadas. (“Um nicho, um
nicho, meu reino de nicho acadêmico!”)
Um exemplo representativo dessa preferência acadêmica por
farejar cadernos é a quantidade de atenção dada aos cadernos de Marx
de 1857-58, publicados em alemão apenas em 1933 e em inglês em
1973, o Grundrisse, que é apropriadamente subintitulado Fundamentos
da Crítica da Economia Política.
A afirmação do tradutor Martin Nicolaus em seu prefácio de 59
páginas é típica:

O Grundrisse desafia e põe à prova toda interpretação


séria de Marx já concebida.42

Em outras palavras, “Ei, pessoal, vejam o que eu encontrei!”


Raramente parece ter ocorrido a essas pessoas que a razão pela
qual o “Grundrisse” não foi publicado durante a vida de Marx é que
Marx não o considerava digno de publicação. Todo estudante
universitário sabe que seria imprudente entregar suas anotações e
primeiros rascunhos junto com seu trabalho acadêmico, mas os

lxxiii
lxxiv A Religião Revolucionária de Marx
estudiosos do marxismo que estão desesperadamente em busca de um
nicho acadêmico convenientemente ignoram o óbvio.
Você pode imaginar a indignação de um autor se tivesse suas
anotações para seus livros roubadas por um colega que então as
publicasse junto com um ensaio introdutório que anunciasse ao mundo:

Esses cadernos são na verdade mais representativos das


ideias desse homem do que seus livros publicados.

O ladrão seria vaiado até ficar em silêncio. Mas, uma vez que o
autor vitimado esteja morto, essa estratégia literária é considerada
academicamente obrigatória. Gouldner afirma apenas o óbvio quando
escreve, com relação aos Manuscritos Econômicos e Filosóficos de
1844 e o Grundrisse:

Por toda sorte de razões, os escritores frequentemente


empalidecem diante da perspectiva da publicação póstuma de
seus manuscritos até então não publicados.43

Infelizmente, o óbvio às vezes é negligenciado por estudiosos


apressados para ganhar reputação.
Um estudioso que não se deixou levar pela supervalorização da
importância do Grundrisse foi Sidney Hook.

A alegação foi feita de que a maioria das interpretações


de Marx foi tornada inválida por não considerar o conteúdo do
conjunto de manuscritos não publicados que agora são
referidos como o Grundrisse (...) Todo tipo de reivindicações
exageradas tem sido feitas sobre ele. Foi declarado por David
McLellan, o biógrafo mais recente de Marx, como ‘a obra mais
fundamental que Marx já escreveu’44 (...)

lxxiv
Prefácio da segunda edição lxxv
A verdade simples da questão é que o Grundrisse foi
assinalado por Marx como anotações ásperas para si mesmo a
serem usadas, modificadas ou desenvolvidas para publicação
subsequente. Devem ser considerados como evidência do que
Marx estava tentando dizer, de sua luta com ideias para
alcançar a clarificação.

O que ele estava tentando dizer emergiu claramente na


Introdução à Crítica da Economia Política e no Volume I de O
Capital. Estes são os livros pelos quais Marx próprio queria ser
julgado. Tentar duvidar do que Marx realmente quis dizer é uma
amostra gratuita de presunção.45

Hook se refere ao Grundrisse como “esses esboços


misturados.”46
Hoje em dia, os saqueadores literários de tumbas são agraciados
com cargos de titularidade e aclamados como mestres das “fontes
primárias realmente importantes.” Isso não se limita apenas aos
especialistas em Marx; praticamente todos os críticos literários
modernos o fazem.30
A arrogância deles só é superada pelos chamados críticos
superiores da Bíblia, que afirmam que os livros da Bíblia foram
montados ao longo de séculos por uma série de editores não

30 Edmund Wilson fez uma crítica esclarecida contra esse absurdo em The Fruits
of the MLA (Nova Iorque: New York Review Book, 1968). A MLA é a Modern
Language Association. Wilson, é claro, não tinha cargo acadêmico e nem
doutorado, um grau acadêmico que ele disse que deveria ter sido abolido
durante a Primeira Guerra Mundial como uma atrocidade alemã: p. 20.

lxxv
lxxvi A Religião Revolucionária de Marx
identificados, ou seja, que os livros são na verdade nada mais do que
um inteligente (e nem sempre inteligente) quebra-cabeça de notas.47
A arrogância deles só é superada pelos chamados críticos
superiores da Bíblia, que afirmam que os livros da Bíblia foram
montados ao longo de séculos por uma série de editores não
identificados, ou seja, que os livros são na verdade nada mais do que
um inteligente (e nem sempre inteligente) quebra-cabeça de notas.31
Essa busca por rascunhos “cruciais” de manuscritos não-
publicados pode finalmente terminar com manuscritos escritos após os
anos 1980; os primeiros rascunhos de manuscritos normalmente serão
escritos em disquetes de computador que são então revisados
eletronicamente repetidamente, apagando todos os rascunhos
anteriores.32 Não tenho certeza sobre correspondência: os disquetes de

31 Conferir Gary North, Tools of Dominion: The Case Laws of Exodus


(Tyler; Texas: Institute for Christian Economics, 1989), Appendix C: “The
Hoax of Higher Criticism.”
32 Por outro lado, notas e rascunhos podem ser armazenados indefinidamente
usando sistemas de armazenamento de dados gigantes, como os discos ópticos
“write-only, read many” (WORM). Estes podem se tornar comuns à medida
que seus preços caem na década de 1990. Veja a coluna do escritor de ficção
científica e especialista em computadores Jerry Pournelle, “A User's View,”
InfoWorld (7 de março de 1988). Vamos esperar que discos ópticos apagáveis
comercialmente viáveis apareçam em breve, destruindo assim o mercado de
discos ópticos não-apagáveis. Vamos também esperar que os escritores
apaguem sistematicamente seus rascunhos preliminares, a fim de reduzir a
possibilidade de enviar o disco errado para o compositor. Eles devem deixar

lxxvi
Prefácio da segunda edição lxxvii
computador sobrevivem, mas são facilmente perdidos, apagados ou
destruídos por seus herdeiros.
A melhor razão para gastar muito tempo revisando os cadernos
e escritos não publicados de Marx (além de suas cartas) é descobrir
ideias ou linhas de raciocínio que posteriormente se mostraram becos
sem saída para seu sistema, especialmente se houver evidências de que
ele reconheceu isso como becos sem saída.
Incluo aqui até mesmo os agora famosos manuscritos de Paris,
Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844, nos quais Marx
começou a considerar temas religiosos e psicológicos fundamentais que
ele depois se recusou a desenvolver.
Os acadêmicos seriam sábios em buscar respostas para esta
pergunta: por que Marx se recusou a discutir em papel (em contraste
com os cadernos de 1844) o tema da alienação humana, apesar do fato
de que muitos comentaristas modernos de Marx estão convencidos de
que este foi o tema fundamental contínuo de seu trabalho ao longo da
vida? Por que ele mudou para temas políticos e econômicos após a
chegada de Engels em Paris em setembro de 1844?
Engels escreveu a Franz Mehring em 1892 sobre os resultados
da leitura inicial de Marx:

apenas suas notas e versões finais dos manuscritos em arquivo eletrônico


permanente para a posteridade. Futuros estudantes de pós-graduação e
professores assistentes em busca de estabilidade serão prejudicados; todos os
outros ganharão.

lxxvii
lxxviii A Religião Revolucionária de Marx
Ele não sabia absolutamente nada de economia; uma
frase como 'forma de indústria' não significava nada para ele.48

Depois de 1844, tudo isso mudou; Marx mudou para a


economia. A influência de Engels foi claramente o catalisador, 33 mas
quais foram as razões? Precisamos levar a sério a avaliação de Hook
sobre o tema da alienação nos escritos de Marx:

A teoria da alienação nos Manuscritos de Paris


pressupõe uma natureza humana original e fixa que foi
abandonada logo depois em A Miséria da Filosofia (Anti-
Proudhon) e está sujeita a uma crítica renovada e corrente nos
Grundrisse.49

Portanto, precisamos nos perguntar, por exemplo, como o tema


da alienação pessoal e psicológica dos manuscritos de 1844 se relaciona
com o conceito de fetichismo das mercadorias em O Capital. Também
precisamos de uma biografia séria de Marx que se concentre
exclusivamente nos anos de sua conversão intelectual, de 1841 a 1845.

33 Especialmente o seu livro, “A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra”


(1845); em Marx e Engels, Obras Completas, 4 (Nova York: International
Publishers, 1975), pp. 295-583. O segundo parágrafo do livro começa: “A
condição da classe trabalhadora é a verdadeira base e ponto de partida de todos
os movimentos sociais atuais, porque é o ápice mais alto e mais evidente da
miséria social existente em nosso tempo... O conhecimento das condições
proletárias é absolutamente necessário para fornecer uma base só lida para
teorias socialistas, por um lado, e para julgamentos sobre o direito delas
existirem, por outro; e para encerrar todos os sonhos e fantasias sentimentais
a favor ou contra.” Ibid., p. 302.

lxxviii
Prefácio da segunda edição lxxix

Uma Montanha de Montículos não-Publicados


A economia socialista também acabou por não ser a solução
para os problemas intelectuais de Marx. O fato de ele se recusar a
publicar os volumes dois e três de O Capital e suas Teorias da Mais-
Valia é pelo menos uma evidência circunstancial do caráter de "beco
sem saída" de seu sistema econômico, uma vez que ele tinha dinheiro
suficiente de Engels nessa fase de sua carreira; ele poderia ter se
permitido publicá-los.
Se ele estava disposto a publicar sua dissertação de doutorado
quando era jovem e tinha muito pouco dinheiro, por que não suas obras
primas pós-1867? Não foi o que ele escreveu no início de sua carreira
e não se preocupou em publicar em forma inacabada que é mais
importante, pois mais tarde ele entregou aos seus editores manuscritos
que considerava superiores.
A principal exceção é A Ideologia Alemã [1845], que ele e
Engels tentaram sem sucesso publicar e que nunca foi finalizada. 50
Aquilo no que ele trabalhou durante uma década, de 1857 a
1867, e depois se recusou a publicar, é o que é mais significativo. Os
becos sem saída de seu sistema finalmente o sobrecarregaram. A
análise econômica de Marx estava visivelmente morta em 1867; Marx
era inteligente o suficiente para saber que estava morta, então ele
sabiamente parou de escrever análises econômicas.
A coisa mais precisa que Marx já escreveu foi sua avaliação de
1858 de suas anotações para o manuscrito que posteriormente se tornou
O Capital, anotações que hoje são aclamadas como cruciais para o
desenvolvimento do pensamento posterior de Marx, publicadas como o

lxxix
lxxx A Religião Revolucionária de Marx
Grundrisse. Marx chamou esse material de Scheisse.51 Após 1867, ele
viu claramente que não valia a pena gastar seus "anos dourados"
escrevendo ainda mais Scheisse.
O que poucos estudiosos admitiram no papel é que Marx entrou
em curto-circuito intelectual após os 49 anos. Raramente é mencionado
que, após a publicação do que mais tarde se tornou o Volume 1 de O
Capital, Marx nunca teve outro livro completo publicado durante sua
vida.
Em vez disso, ele restringiu suas atividades intelectuais a
trabalhar freneticamente em uma ampla variedade de projetos não
publicados e sem estrutura, além de escrever as habituais refutações de
seus inimigos. Esses esporros careciam tanto de veneno quanto de
volume em comparação com a enorme pilha de esporros publicados no
início de sua carreira.
Era como se ele estivesse seguindo os movimentos por hábito
mais do que por qualquer outra coisa, como um cachorro velho que
ainda persegue um carro ocasionalmente por cem metros em vez de três
quarteirões abaixo da rua. Dá alguns latidos, e então volta trotando para
o seu canto na entrada da casa.
Com exceção de citações de A Guerra Civil na França (1871)
e de uma referência ocasional à Crítica do Programa de Gotha (1875),
você dificilmente verá algo escrito por Marx sendo mencionado em
qualquer livro sobre Marx.
Quase tudo de significativo para o movimento comunista após
1867 foi escrito por Engels. A coleção de três volumes Obras
Completas de Marx e Engels, publicada em Moscou, tem mais de

lxxx
Prefácio da segunda edição lxxxi
Engels do que de Marx, e após A Guerra Civil na França (o meio do
Volume 2), quase tudo na coleção foi escrito por Engels.
Raddatz resumiu muito bem os últimos anos de Marx:

Como posteriormente se provou, nos últimos quinze anos


de sua vida após a publicação do Volume I, Marx quase não
trabalhou, se é que trabalhou, em O Capital. As informações
fornecidas por Engels nas introduções dos Volumes 2 e 3 foram
quase sensacionais: os manuscritos que ele encontrou entre os
papéis de Marx claramente haviam sido escritos entre 1864 e
1867, ou seja, antes da publicação do Volume I.

Além disso, Marx não foi impedido de concluir seu livro


por doença ou debilidade... Cartas mostram que Marx na
verdade fugiu deste livro, que ele definitivamente procurou
desculpas...

Ele se aprofundou em problemas tais como a química dos


fertilizantes de nitrogênio, agricultura, física e matemática. Seu
livro de extratos de 1878 está cheio de tabelas e esboços, sobre
temperatura atmosférica, por exemplo, ou desenhos de conchas
do mar e fósseis; páginas inteiras estão cobertas com fórmulas
químicas; em página após página, linhas inteiras são
cuidadosamente apagadas com uma régua. Um trabalho
metódico sem nenhum bom propósito.

Este desperdício de tempo em uma precisão extrema e


sem sentido era um método de evasão; até mesmo nos primeiros
dias, Engels o havia avisado:

‘Enquanto você tiver algum livro que considere


importante parado e não lido na sua frente, nunca se sentará
para escrever.’52

lxxxi
lxxxii A Religião Revolucionária de Marx
E sempre havia livros suficientes não lidos para
satisfazer o apetite desse gigantesco devorador de papel -
estudos sobre cálculo diferencial, uma teoria dinamarquesa do
Estado ou gramática russa.

Marx imediatamente escreveu um tratado sobre cálculo


diferencial e vários outros manuscritos matemáticos; ele
aprendeu dinamarquês; ele aprendeu russo. Entre seus papéis,
Engels, que conhecia muito bem as defesas por trás das quais
Marx se barricava, encontrou ‘mais de dois metros cúbicos de
livros só sobre estatísticas russas.’53

A palavra ‘desculpa’ aparece até em uma carta de Marx


ao tradutor russo de O Capital; nela, ele se considera sortudo
pela publicação na Alemanha ser impedida pela legislação
antissocialista e que, felizmente, material fresco da Rússia e dos
Estados Unidos lhe proporciona a desculpa que ele procura
para continuar com sua pesquisa em vez de terminar o livro e
publicá-lo.54

Raddatz então revela que até essa desculpa era fraca; os


censores prussianos consideravam os livros de Marx como comunistas
sociais-democratas ou não-revolucionários (o que é espantoso), e,
portanto, não havia desculpa legal para proibir sua importação. 55 O que
eu argumento é que isso não foi a crise de meia-idade de Marx; foi a
crise de um sistema inconsistente.
Há verdadeira ironia aqui. Construindo sua crítica ao
capitalismo, Marx adotou explicitamente o legado intelectual errôneo
dos economistas clássicos, a teoria do valor-trabalho. Os economistas
clássicos argumentavam que a fonte de todo valor econômico é o
trabalho humano.

lxxxii
Prefácio da segunda edição lxxxiii
Nós datamos o advento da economia moderna na “revolução
marginalista” do início dos anos 1870, quando três economistas - o
inglês William Stanley Jevons, o economista francês Léon Walras,
residente na Suíça, e o austríaco Carl Menger - abandonaram a teoria
do valor-trabalho e adotaram uma teoria subjetiva do valor. 56
Um erro resultante da teoria do valor-trabalho é a ideia de que a
atividade é um substituto econômico significativo para a produção. A
natureza óbvia desse erro deveria ter alertado os economistas de que
algo estava fundamentalmente errado com a teoria do valor-trabalho.
No entanto, Marx correu atrás da teoria do valor-trabalho durante os
últimos dezesseis anos de sua vida. Ele substituiu uma produção
intelectual significativa por uma atividade intelectual frenética.
Raddatz reconheceu a natureza fragmentada do legado de Marx:

O fato de que o trabalho de toda a vida de Marx


permaneceu fragmentado, portanto, não pode ser atribuído a
circunstâncias externas. Uma vez que, além de suas grandes
polêmicas ou obras de crítica e escritos inflamatórios mais
curtos, tudo permaneceu inacabado, surge a questão de se isso
se deve a alguma tendência fundamental.57

Marx estava constantemente reescrevendo peças que tinham


mais de um mês de idade. Seu genro, Paul Lafargue, registra que Marx
não suportava publicar qualquer coisa que não fosse perfeita.
O que ele precisava, posso dizer com confiança, era o
cronograma inquebrável imposto por quatro ensaios em revistas todo
mês, além dos prazos de publicação de livros. O que ele precisava era
ser dono de uma editora voltada para o lucro. Isso elimina essas
tendências perfeccionistas.

lxxxiii
lxxxiv A Religião Revolucionária de Marx
E ainda assim, ele abandonou uma montanha de cadernos e
papéis embaralhados.58 E a partir deste emaranhado, muitas reputações
acadêmicas foram construídas!
Exceto pelos Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844 e
partes selecionadas de Ideologia Alemã - o documento-chave de
transição no pensamento de Marx - os itens que permanecem mais
importantes em seu arquivo de manuscritos não publicados são os
textos que ele escreveu no final de sua carreira para consertar as
inconsistências visíveis de seu sistema econômico, e então deixou de
publicar porque suas respostas criaram mais problemas do que os
resolveram.
Como mencionei em A Religião de Marx, há duas décadas, o
fato de ele ter chegado ao final do Volume 3 de O Capital sem definir
“classe” é significativo. Ele começou a definir esse termo crucial, mas
o manuscrito termina duas frases depois. O manuscrito então ficou em
suas prateleiras por mais de uma década, acumulando poeira. Mises está
correto:

Significativamente, o terceiro volume se interrompe após


algumas frases no capítulo intitulado ‘As Classes’. Ao tratar do
problema da classe, Marx chegou apenas a estabelecer um
dogma sem prova, e nada mais.59

lxxxiv
Prefácio da segunda edição lxxxv
Seu biógrafo, (ou mais precisamente, seu hagiógrafo) Franz
Mehring, reconheceu o problema vitalício de Marx: não conseguir
finalizar nada, de sua dissertação de doutorado em diante. 34

Foi característico de Marx, e assim permaneceu até o fim


de seus dias, que seu desejo insaciável de conhecimento lhe
permitia dominar rapidamente problemas difíceis, enquanto sua
autocrítica implacável o impedia de dar-lhes fim igualmente
rapidamente.60

A autocrítica implacável nunca foi um traço visível da


personalidade de Marx, mas seu desejo avassalador de evitar cometer
erros em publicações era cada vez mais um problema para Engels à
medida que Marx envelhecia. Ele não conseguia fazer com que Marx
terminasse nada.
Arnold Ruge, um dos primeiros associados radicais de Marx,
havia morado no mesmo endereço em Paris durante um dos numerosos
exílios de Marx.61 Ruge, que havia recomendado em 1842 que Marx
fosse feito coeditor do efêmero Rheinische Zeitung, e que, em dois
anos, se tornou um dos primeiros alvos de sua invectiva, descreveu
Marx da seguinte forma:

Ele é um personagem estranho com uma inclinação


pronunciada para a erudição e autoria, mas totalmente
incompetente como jornalista. Ele lê muito; ele trabalha sob
pressão extraordinária e tem um talento para a crítica que às

34 Para uma breve e misericordiosa síntese da insuportavelmente enfadonha


dissertação de Marx, consulte Henry F. Mins, “Marx's Doctoral Dissertation,”
Science and Society, XII (1948), pp. 157-69.

lxxxv
lxxxvi A Religião Revolucionária de Marx
vezes se desenvolve em dialética presunçosa e descortês; ele
nunca completa nada, está sempre largando e mergulhando
novamente em uma confusão interminável de livros. 62

Pode-se dizer de Marx que ele era o estudante perpétuo,


aprendendo material novo rápida e superficialmente, mas
inevitavelmente se atolando em detalhes da análise quando eles se
mostravam inconvenientes para suas pressuposições e hipóteses
iniciais, como invariavelmente se provavam ser.
Marx mais tarde se vingou de Ruge, como fez com todos os seus
ex-colegas, exceto Engels, que nunca parou de lhe enviar dinheiro. Ele
se tornou um informante pago da polícia austríaca, espionando seus
companheiros revolucionários. Ruge foi um deles.

Foi característico de Marx, e assim permaneceu até o fim


de seus dias, que seu desejo insaciável de conhecimento lhe
permitia dominar rapidamente problemas difíceis, enquanto sua
autocrítica implacável o impedia de dar-lhes fim igualmente
rapidamente.35

A autocrítica implacável nunca foi um traço visível da


personalidade de Marx, mas seu desejo avassalador de evitar cometer
erros em publicações era cada vez mais um problema para Engels à
medida que Marx envelhecia. Ele não conseguia fazer com que Marx
terminasse nada.
Arnold Ruge, um dos primeiros associados radicais de Marx,
havia morado no mesmo endereço em Paris durante um dos numerosos

35 Mehring, Karl Marx, p. 25.

lxxxvi
Prefácio da segunda edição lxxxvii
exílios de Marx.36 Ruge, que havia recomendado em 1842 que Marx
fosse feito coeditor do efêmero Rheinische Zeitung, e que, em dois
anos, se tornou um dos primeiros alvos de sua invectiva, descreveu
Marx da seguinte forma:

Ele é um personagem estranho com uma inclinação


pronunciada para a erudição e autoria, mas totalmente
incompetente como jornalista. Ele lê muito; ele trabalha sob
pressão extraordinária e tem um talento para a crítica que às
vezes se desenvolve em dialética presunçosa e descortês; ele
nunca completa nada, está sempre largando e mergulhando
novamente em uma confusão interminável de livros.37

Pode-se dizer de Marx que ele era o estudante perpétuo,


aprendendo material novo rápida e superficialmente, mas
inevitavelmente se atolando em detalhes da análise quando eles se
mostravam inconvenientes para suas pressuposições e hipóteses
iniciais, como invariavelmente se provavam ser.
Marx mais tarde se vingou de Ruge, como fez com todos os seus
ex-colegas, exceto Engels, que nunca parou de lhe enviar dinheiro. Ele
se tornou um informante pago da polícia austríaca, espionando seus
companheiros revolucionários. Ruge foi um deles.
Ele recebia cerca de US$25 por cada informação que fornecia.
Isso não é um dos detalhes biográficos anunciados nas dezenas de

36 Raddatz, Karl Marx, p. 43.


37 Citado por Raddatz, ibid., p. 43.

lxxxvii
lxxxviii A Religião Revolucionária de Marx
histórias convencionais sobre Marx, embora a história seja conhecida
desde 1960.38
Pode ser que realmente tenha sido a autocrítica que, no fim, o
destruiu. Ele havia criticado tudo impiedosamente durante toda a sua
vida. Talvez ele realmente tenha se criticado a ponto de entrar em uma
paralisia intelectual parcial após 1867. Se for esse o caso, foi um fim
adequado para uma vida de contra-argumentos intermináveis, picuinhas
detalhadas em relação aos outros e autojustificação contínua.
O que eu suspeito, no entanto, é que ele era muito arrogante para
admitir publicamente que a análise econômica encontrada no Volume
1 de O Capital era autocontraditória, e era muito arrogante para admitir
publicamente, ao não publicar o Volume 1, que passar mais de uma
década tendo dificuldades com a economia havia sido um mau
investimento grave de seus recursos de vida.
Ele, portanto, permitiu que o Volume 1 fosse publicado, mas
depois se recusou a terminar os outros manuscritos explicativos para
publicação, sabendo muito bem que seu aparecimento em forma
publicada só agravaria visivelmente o seu problema, como de fato
aconteceu.
A análise econômica de Marx estava conceitualmente falida
desde o início. Nada do que alguém já escreveu foi capaz de ressuscitar

38 O jornal alemão ReichshrufUan (9, 1960) relatou que o Chanceler Raabe da


Áustria entregou acidentalmente a Nikita Khrushchev uma carta original de
Marx que havia sido encontrada nos arquivos austríacos. A carta fornecia
detalhes sobre este arranjo financeiro único. O Primeiro-Ministro Khrushchev
não ficou contente. [Fonte: Wurmbrand, Marx and Satan, p. 33.]

lxxxviii
Prefácio da segunda edição lxxxix
esse cadáver, que foi publicamente enterrado por Böhm-Bawerk em
duas ocasiões: em 188463 e de novo em 1896.39
Não obstante, várias das ideias mais proeminentes de Marx
moldaram em grande parte o pensamento dos humanistas liberais do
século XX, como o ateísmo, o materialismo dialético, o determinismo
econômico, a luta de classes na história, a teoria das fases do
desenvolvimento econômico e histórico, o historicismo, a fusão
revolucionária de teoria e prática, e, mais recentemente, a alienação
(especialmente a alienação em relação às próprias origens burguesas e
identificação econômica presente).
Foi o tema da alienação de Marx que cativou as mentes dos
estudiosos humanistas no final das décadas de 1960 e 1970 64 - homens
que aparentemente se viam, em sua segurança garantida pelo pagador
de impostos, sem fins lucrativos e com estabilidade no emprego, como
vítimas negligenciadas do capitalismo que estavam sofrendo de
alienação em um mundo alienado.
Tinha que ser culpa do “sistema” que eles se sentiam tão
alienados; caso contrário, eles próprios estavam em falta e precisavam
de arrependimento e reforma, em vez do mundo capitalista. É por isso
que o mundo acadêmico “descobriu” os cadernos do "jovem Marx".

39 “The Unresolved Contradiction in the Marxian Economic System,” em


Shorter Classics of Eugen von Bohm-Bawerk (South Holland, Illinois:
Libertarian Press, 1962). Este livro foi publicado pela primeira vez em inglês
como Karl Marx and the Close of His System. Provavelmente deveria ser
traduzido como: “Upon the Completion of the Marxian System.”

lxxxix
xc A Religião Revolucionária de Marx

O “Jovem Marx” e o “Velho Marx”


O livro de um jovem pode valer ser republicado, dependendo do
que ele tenha realizado desde então. Aos 26 anos, a mesma idade que
eu tinha quando este livro apareceu, Karl Marx escreveu uma série de
manuscritos breves, em 1844, que se tornaram amplamente conhecidos
como Os Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844. (Título
chamativo!) Eles não foram publicados durante sua vida.
Se você os lesse sem informações prévias sobre quem os
escreveu, entenderia por que não foram publicados. Se tivessem sido
escritos nos cadernos de alguém chamado Herman Schmidt, nunca
teriam sido publicados.
Eles foram publicados pela primeira vez em uma edição
completa em língua inglesa no início de 1964, quando eu era estudante
no Seminário Teológico Westminster, na Filadélfia. Eu havia lido
trechos de vários desses documentos em 1961, em um curso
universitário de filosofia social ministrado por Peter Fuss. 65
Esses documentos criaram uma pequena febre nos círculos
acadêmicos marxistas e não-marxistas. Todos aqueles que eram
remotamente interessados no marxismo acadêmico no final dos anos
1960 estavam falando sobre os manuscritos de 1844. Erich Fromm não
estava exagerando quando escreveu em seu prefácio para a edição de
1964 dos Manuscritos, editada por Bottomore:

Marx foi verdadeiramente redescoberto, e não é ir longe


demais dizer que estamos testemunhando o início de um
renascimento do pensamento marxista.66

xc
Prefácio da segunda edição xci
Com o centenário da publicação de O Capital (1867) a apenas
três anos de distância, a profecia de Fromm exigia pouca imaginação.
Uma montanha de material novo sobre Marx apareceu nos três anos
seguintes.
Os manuscritos de 1844 deram início a um debate
aparentemente interminável entre acadêmicos, marxistas e não
marxistas, sobre o grau até que esses manuscritos iniciais
representavam a visão de mundo básica do “Marx posterior.” Foi um
debate contra o qual Fromm havia alertado desde o início.
A profecia de Fromm estava incrivelmente incorreta, entretanto,
quando anunciou que esse renascimento nos estudos sobre Marx “tende
a cessar a dividir Marx em duas partes: o ‘jovem Marx,’ ainda idealista
e preocupado com conceitos como a essência do homem, e o 'Marx
maduro', principalmente ou exclusivamente interessado em economia
(...).”67 Essa divisão de Marx permaneceu nos escritos de muitos
acadêmicos.40

40 Uma exceção é Robert C. Tucker, cujo excelente livro, Philosophy and Myth
in Karl Marx (Cambridge University Press, 1961), baseia -se fortemente nos
manuscritos de 1844. Tucker sempre defendeu a continuidade do jovem ao
velho Marx. Ele também viu que o tema da revolução é fundamental no
pensamento de Marx. Tucker argumenta que o compromisso de Marx com a
revolução pode ser visto em sua dissertação de doutorado de 1841 e, portanto,
Marx estava “em certo sentido comprometido com a ideia de revolução
mundial antes de sua conversão às noções de socialismo ou comunismo, e ele
só aceitou esta última um ano ou então, mais tarde, quando ele encontrou uma
maneira de assimilá -los na filosofia da revolução mundial, ele evoluiu como

xci
xcii A Religião Revolucionária de Marx
Minha visão sobre essa questão hoje é a mesma que era em
1968: o jovem Marx e o Marx maduro eram o mesmo Marx de sempre,
um homem consumido por seu ódio por tudo e todos fora de seu próprio
lar, com exceção de Engels. Os detalhes de sua análise econômica não
eram tão importantes, nem para ele nem para seus seguidores não
acadêmicos. O principal legado de Marx é sua religião da revolução,
não sua teoria do valor excedente.
No entanto, a observação de Oscar Hammen é relevante: Engels
era hostil ao movimento germânico do “Verdadeiro Socialismo” devido
à sua ênfase excessiva na filosofia hegeliana. Marx adotou a ênfase de
Engels na história econômica.

À luz do que foi dito acima, não é surpreendente que o


próprio Marx nunca tenha concluído os celebrados Manuscritos
Econômicos e Filosóficos de 1844. Eles continham trechos
demais sobre ‘humanidade,’ ‘realização’ da humanidade e
coisas similares, agora consideradas sinônimos de fraqueza,
confusão, sentimentalismo, compaixão e coisas do tipo. A partir
desse ponto, Marx e Engels usaram tais conceitos com muita
moderação - colocando-os onde fariam mais bem e menos mal.68

O impulso religioso de Marx nunca mudou, mas suas categorias


certamente mudaram.

membro da escola de Jovens Filósofos Hegelianos.” Tucker, The Marxian


Revolutionary Idea (Nova Iorque: Norton, 1969), p. 4.

xcii
Prefácio da segunda edição xciii

Perdendo Tempo
Essa busca por uma dicotomia “jovem-velho” nas
pressuposições filosóficas de qualquer autor é geralmente um
desperdício de tempo valioso, exceto para um estudante de pós-
graduação que procura um ângulo para justificar uma tese de
doutorado.
Autores orientados ideologicamente e figuras que mudam o
mundo geralmente têm suas visões de mundo formadas aos 25 ou 30
anos, no máximo, e muito poucos deles chegam a ser publicados antes
disso.
A energia dedicada a tentar demonstrar uma grande
transformação no pensamento de algum intelectual depois que ele
atingiu a idade de 25 anos é um investimento quase tão arriscado quanto
a energia que teria sido necessária para mudar sua visão de mundo após
os seus 25 anos.
Por exemplo, a primeira edição da Institutas da Religião Cristã
de João Calvino foi publicada em 1536, quando Calvino tinha 27 anos.
Tente imaginar alguém que gastaria sua carreira acadêmica tentando
provar que a perspectiva do “jovem Calvino” era fundamentalmente
diferente da do “Calvino maduro” de 1559, quando a edição final da
Institutas apareceu. Sim, Calvino revisou o livro várias vezes, mas não
alterou sua teologia básica.
Isso não significa que algum professor obscuro que busca criar
um nicho breve e pouco distinto no campo da história não tenha tentado
ou não tentará escrever tal tese de “jovem Calvino-velho Calvino”. Eu
só não consigo imaginar uma pessoa normal prestando qualquer

xciii
xciv A Religião Revolucionária de Marx
atenção a tal hipótese. Existem maneiras melhores de passar a vida,
tanto como escritor quanto como leitor.
Muito raramente, um historiador pode ter motivo para acreditar
que um evento-chave ou um documento-chave transformou o
pensamento de alguma figura histórica que se tornou intelectualmente
influente mais tarde na vida - ou, no caso de Marx, tornou-se influente
muito depois de sua morte. (Foi Lênin quem fez a reputação de Marx,
muito mais do que Marx fez a de Lênin.)
Exceto por uma experiência de conversão, tais transformações
ideológicas tardias na vida são comparativamente raras. Nada parecido
com uma experiência de conversão aconteceu com Marx após 1845.

“Jovem North, Velho North”


Espero que nunca se desenvolva um debate acadêmico
semelhante em relação ao “jovem North” e ao “velho North”. Aos 24
anos, minha visão básica de mundo e de vida estava definida em
concreto, não em massinha. Não consigo pensar em uma grande área
da minha perspectiva que tenha mudado desde 1966. Obviamente,
revisei minhas opiniões sobre certos detalhes. 41

41 Dependendo da importância da teoria do valor no pensamento económico,


alterei um pouco as minhas opiniões. Fui um subjetivista direto, seguindo
Mises, até meados da década de 1970. Hoje, defendo tanto a teoria do valor
subjetivo quanto a teoria do valor objetivo. Para sermos precisos, devemos
afirmar a realidade tanto do valor objetivo quanto do valor subjetivo, porque

xciv
Prefácio da segunda edição xcv
Vinte anos de leitura e escrita contínuas eventualmente
modificam o pensamento de uma pessoa. O melhor exemplo de tal
mudança é minha visão da aliança bíblica; até que Ray Sutton fizesse
seu avanço monumental no final de 1985, nunca houve uma exposição
clara do modelo em cinco pontos de aliança da Bíblia. 42
Não que qualquer um dos cinco pontos fosse novo para meu
pensamento; foi que, pela primeira vez, um autor havia mostrado que
esses cinco pontos são inerentes à aliança bíblica, e em uma ordem
específica. Ainda assim, a linguagem, a teologia e as categorias de A
Religião de Marx não são substancialmente diferentes do que eu
escreveria hoje. Este é outro motivo pelo qual decidi não o revisar
extensivamente.

Deus avalia tanto objetiva quanto subjetivamente. Apresentei minha posição


em The Dominion Covenant: Genesis (2ª ed.; Tyler, Texas: Institute for
Christian Economics, 1987), cap. 4. Também abandonei o compromisso de
Mises com o puro apriorismo; precisamos tanto da teoria econômica quanto
dos fatos históricos em nossa formulação de hipóteses, assim como precisamos
do subjetivismo e do objetivismo na teoria do valor: North, “Economics: From
Reason to Intuition,” em Gary North (ed.), Foundations of Christian
Scholarship: Essays in the Van Til Perspective (Vallecito, Califórnia: Ross
House Books, 1976), cap. 5.
42 Os cinco pontos são transcendência, hierarquia, ética, juramento e sucessão.
Sua sigla é THEOS (Transcendence, Hierarchy, Ethics, Oath, Succession, em
inglês)

xcv
xcvi A Religião Revolucionária de Marx

O Estilo Deste Livro


O estilo de A Religião da Revolução de Marx realmente reflete
o ambiente acadêmico em que foi originalmente escrito. Um estudante
de pós-graduação sábio não escreve com a mesma confiança visível que
um autor-editor financeiramente independente pode adotar com
segurança. Recebi meu Ph.D. quatro anos após o lançamento do livro.
Hoje, não me preocupo mais com o que um editor de livros
pensará, muito menos com o que os professores universitários
pensarão.43 Mas em 1968, estava, pelo menos em algum grau, sob as
restrições autoimpostas das mãos petrificadas do discurso acadêmico.
Nesta área, posso simpatizar com Marx, que escreveu
anonimamente em 1842 sobre seus ensaios sobre a censura prussiana:

Sou humorístico, mas a lei me ordena a escrever


seriamente. Sou audacioso, mas a lei comanda que meu estilo
seja modesto. Cinza, toda cinza, é a única cor justa da liberdade.
Cada gota de orvalho sobre a qual o sol brilha reluz com um
jogo inesgotável de cores, mas o sol espiritual, por mais
numerosas que sejam as pessoas e quaisquer que sejam os
objetos nos quais ele se reflete, deve produzir apenas a cor
oficial!69

43 Veja, por exemplo, meu Prefácio ao livro de Ian Hodge, Baptized Inflation: A
Critique of “Christian” Keynesianism (Tyler, Texas: Institute for Christian
Economics, 1986), que considero meu clássico artigo polêmico sobre a
academia Cristã.

xcvi
Prefácio da segunda edição xcvii
A censura prussiana ainda está conosco: o estilo cinza borrado
que ainda é exigido para a dissertação de doutorado - uma invenção do
sistema de educação estatal prussiano - bem como para o discurso
acadêmico em geral. Marx foi parcialmente obstruído por essa tradição
no início de sua carreira, e eu também fui. Mas alguns anos após
recebermos nossos doutorados, ambos escapamos dessa restrição.
No entanto, ao revisar este manuscrito para publicação, fiquei
impressionado com as semelhanças estilísticas que ele tem com pelo
menos os meus livros mais academicamente orientados (por exemplo,
The Dominion Covenant: Genesis).
Em 1966-68, eu tinha confiança de que sabia do que estava
falando quando se tratava do pensamento de Marx, e essa confiança se
refletiu no estilo do livro. Não mudei de opinião desde então. (Se
tivesse, esse fenômeno teria constituído uma daquelas raras
experiências de conversão.)
A única grande mudança em minha visão de Marx é minha
opinião presente, diminutiva sobre sua inteligência. Hoje, eu não o
classificaria como um pensador profundo. Ele era, na melhor das
hipóteses, um economista de terceira categoria, e dificilmente estava no
seu melhor. Seu estilo de escrita revela uma combinação grotesca de
tédio acadêmico com acessos infantis de raiva, em contraste com
Engels, que escrevia com vivacidade.
Nos meus primeiros trabalhos de estudante de ensino médio e
de graduando, eu usava parágrafos curtos. Nos meus trabalhos de pós-
graduação, tendia a usar parágrafos longos. Uma vez que escapei da
academia, meu estilo voltou a um ponto intermediário.

xcvii
xcviii A Religião Revolucionária de Marx
Ao mesmo tempo em que estava escrevendo este livro, estava
escrevendo resenhas de livros para o meu amigo Joel Blain, que era o
editor de resenhas de livros da Press-Enterprise de Riverside
(Califórnia), e esse treinamento me forçou a encurtar meus parágrafos.
Eu recomendo fortemente a escrita de reviews de livros como a
melhor maneira de iniciar uma carreira de escritor - é a versão adulta
dos resumos de livro do ensino médio. Ao reler A Religião de Marx,
concluí que seus parágrafos desnecessariamente longos dificultam a
leitura. Portanto, em alguns casos, dividi parágrafos mais longos em
dois mais curtos.
Em algumas ocasiões, adicionei subtítulos em negrito,
especialmente no Capítulo 3, sobre a economia de Marx. Também
adicionei subtítulos em itálico que estão alinhados com a margem
esquerda.
Eu não adotei o uso desses subtítulos em itálico alinhados à
esquerda até o início dos anos 1980. Eu os uso estritamente para
benefício do leitor. Eles rompem com texto que leva ao transe,
anunciam o que está por vir e são úteis para fins de revisão do leitor.
Nas décadas de 1940 e antes, muitos livros acadêmicos,
especialmente livros didáticos, incluíam resumos muito breves de cada
parágrafo ou seção; esses resumos eram impressos em negrito e
apareciam como inserções na margem esquerda de cada página. Essa
prática útil caiu em desuso por algum motivo, e os leitores modernos
são quem saíram perdendo. Os subtítulos em meus livros substituem
esses suplementos há muito perdidos.
Adicionei novo material dentro de colchetes, para que os
leitores possam distinguir mais facilmente o antigo do novo. Essas

xcviii
Prefácio da segunda edição xcix
adições se concentram principalmente nas notas de rodapé. Além disso,
atualizei as notas de rodapé para as conformar, sempre que possível,
com as Obras Completas, de Marx e Engels, publicadas em muitos
volumes e em inglês, que começaram a aparecer em 1975. (Vinte e oito
volumes estão agora impressos; projeta-se que sejam impressos outros
vinte e dois.)
Além disso, na edição original, confiei nas Obras Selecionadas
em dois volumes publicadas pela União Soviética em 1962; nesta
edição, faço referência à versão soviética revisada em três volumes de
1969.
Por fim, abandonei meu uso anterior de citações em bloco que
são separadas da narrativa do livro. Descobri que as pessoas não leem
citações em bloco; preferem pulá-las. Portanto, nos últimos anos, tenho
feito o que Robert Nisbet faz: insiro-as na narrativa e as identifico por
meio de aspas. Isso torna os parágrafos mais longos, mas pelo menos
as citações têm mais chances de serem lidas.44

A chama de Billington Nas Mentes dos


Homens
O que esbocei neste livro sobre a estreita relação entre
sociedades secretas, prática revolucionária e o pensamento de Marx foi

44 Nota do Tradutor: optamos pelas citações em bloco porque o leitor brasileiro


tem dificuldade real em ler textos mais longos e simplesmente abandona o
livro que possui parágrafos de duas a três páginas. Pedimos perdão ao autor
pelo estado atual da intelectualidade brasileira.

xcix
c A Religião Revolucionária de Marx
comprovado como algo preciso sem sombra de dúvida por James
Billington, que atualmente é diretor da Biblioteca do Congresso, e que
foi historiador profissional por muitos anos. Seu livro tem o título Fire
in the Minds of Men: Origins of the Revolutionary Faith (Fogo nas
Mentes dos Homens: Origens da Fé Revolucionária) (Basic Books,
1980).
Ele foi bolsista pela Rhodes quando era estudante de pós-
graduação, e recebeu seu doutorado de Oxford. Mais tarde, lecionou
tanto em Harvard quanto em Princeton. Ele atuou como presidente do
Conselho de Bolsas Estrangeiras, que supervisiona o programa de
bolsas Fulbright.
Ele foi diretor do prestigioso Woodrow Wilson International
Center for Scholars por catorze anos. Em 1987, foi nomeado para o
cargo de Bibliotecário do Congresso. Previsivelmente, ele é membro
do Conselho de Relações Exteriores. Ele é um acadêmico do
establishment por excelência.
É pelo seguinte motivo que seu livro é tão chocante e
importante, de maneira muito semelhante a Tragedy and Hope de
Carroll Quigley (Macmillan, 1966): porque é o trabalho de um
historiador de dentro que soou o alarme, de forma tão educada, sobre o
lado sombrio dos poderes que existem e existiram. 70
Mas, ao contrário de Quigley, Billington nos fornece as notas
de rodapé necessárias - mais notas de rodapé e em mais idiomas do que
se possa imaginar, com mais de 140 páginas delas. (Sua editora, Midge
Decter, me disse que, até o dia em que as páginas finais foram enviadas
para a gráfica, ele estava adicionando notas de rodapé. No fim, ela teve
que interromper o processo.)

c
Prefácio da segunda edição ci
O que esbocei neste livro sobre a estreita relação entre
sociedades secretas, prática revolucionária e o pensamento de Marx foi
comprovado como algo preciso sem sombra de dúvida por James
Billington, que atualmente é diretor da Biblioteca do Congresso, e que
foi historiador profissional por muitos anos. Seu livro tem o título Fire
in the Minds of Men: Origins of the Revolutionary Faith (Fogo nas
Mentes dos Homens: Origens da Fé Revolucionária) (Basic Books,
1980).
Ele foi bolsista pela Rhodes quando era estudante de pós-
graduação, e recebeu seu doutorado de Oxford. Mais tarde, lecionou
tanto em Harvard quanto em Princeton. Ele atuou como presidente do
Conselho de Bolsas Estrangeiras, que supervisiona o programa de
bolsas Fulbright.
Ele foi diretor do prestigioso Woodrow Wilson International
Center for Scholars por catorze anos. Em 1987, foi nomeado para o
cargo de Bibliotecário do Congresso. Previsivelmente, ele é membro
do Conselho de Relações Exteriores. Ele é um acadêmico do
establishment por excelência.
É pelo seguinte motivo que seu livro é tão chocante e
importante, de maneira muito semelhante a Tragedy and Hope de
Carroll Quigley (Macmillan, 1966): porque é o trabalho de um
historiador de dentro que soou o alarme, de forma tão educada, sobre o
lado sombrio dos poderes que existem e existiram. 45

45 Gary North, Conspiracy: A Biblical View (Ft. Worth, Texas: Dominion


Press, 1986), ch. 6: “Court Historians.”

ci
cii A Religião Revolucionária de Marx
Mas, ao contrário de Quigley, Billington nos fornece as notas
de rodapé necessárias - mais notas de rodapé e em mais idiomas do que
se possa imaginar, com mais de 140 páginas delas. (Sua editora, Midge
Decter, me disse que, até o dia em que as páginas finais foram enviadas
para a gráfica, ele estava adicionando notas de rodapé. No fim, ela teve
que interromper o processo.)
Considero Fire in the Minds of Men como a obra de pesquisa
histórica mais refinada da minha geração - revolucionária em sua tese
sobre os revolucionários, abrangente em seu desempenho geral e
monumental em termos de compreensão das fontes primárias.46
O fato de o livro ter sido financiado em parte pela Fundação
Rockefeller e pelo Instituto Aspen de Estudos Humanísticos71
demonstra a providência de Deus na história: Ele ainda permite que os
egípcios sejam despojados pelos justos de vez em quando.
O livro oferece um arsenal de informações que são prejudiciais
para a esquerda intelectual humanista, pois expõe as origens não-
racionais do marxismo como nenhum livro havia feito anteriormente.
Billington rastreia as raízes tanto do marxismo revolucionário
quanto do Nacional-Socialismo revolucionário a duas correntes
enormes, mas há muito ignoradas, da cultura europeia do final do

46 Também vale a pena elogiar Midge Decter (Podhoretz). Num período de pouco
mais de doze meses - pode ter sido menos - ela publicou o livro de Billington ,
o extraordinário tratado de economia de Thomas Sowell, Knowledge and
Decisions (1980), History of the Idea of Progress (1980), de Robert Nisbet, e
George Gilder Wealth and Poverty (1981). Então ela pediu demissão. Duvido
que o desempenho dela seja igualado antes d’eu morrer.

cii
Prefácio da segunda edição ciii
século XVIII e início do século XIX: o ocultismo germânico e a nova
profissão do jornalismo.
O livro examina o surgimento da fé revolucionária moderna
desde a era da Revolução Francesa até a Revolução Russa de 1917. Ele
só carece de um volume complementar que documente em detalhes as
conexões financeiras e políticas entre os revolucionários e as
sociedades secretas; o livro já é praticamente impecável no
estabelecimento das conexões ideológicas. (Também nunca vi um
trabalho de revisão mais competente; o livro praticamente não contém
erros tipográficos.)
Billington começou a pesquisa deste livro por volta do momento
em que o livro A Religião da Revolução de Marx foi publicado. Ele
descreve o ambiente acadêmico daquela era disruptiva no campus:

Como historiador universitário durante os primeiros


anos deste estudo, meu ‘método’ era ignorar os debates
professorais e passar meu tempo com livros antigos e estudantes
novos.

A experiência me deu um senso inesperado de


‘relevância.’ Eu repetidamente me impressionava com as
profundezas das bibliotecas com precedentes para quase tudo o
que estava sendo diariamente aclamado como uma novidade na
superfície do lado de fora.72

Enquanto Billington se impressionava com os paralelos


históricos, os estudantes pressionavam do lado de fora.
Vou até mesmo longe a ponto de afirmar que é impossível
compreender a Europa do século XIX hoje em dia se você não leu Fire
in the Minds of Men, ou se não estiver completamente familiarizado

ciii
civ A Religião Revolucionária de Marx
com as fontes primárias há muito ignoradas que servem como base para
o livro. Você pode seguramente pular qualquer outro livro único escrito
sobre esse período e ainda ficar confiante de que provavelmente o
entende, mas não se pular esse.
Não há nada remotamente semelhante em termos de amplitude
de estudo e da natureza revolucionária de sua tese. Um dia,
historiadores profissionais especializados na Europa do século XIX
podem começar a citá-lo, ou, ainda mais surpreendentemente, podem
usá-lo para estruturar seus próprios estudos da era. No entanto, isso não
deve ocorrer em um futuro próximo, pois o livro desafia quase tudo o
que historiadores convencionais escreveram sobre as raízes do
marxismo e do radicalismo.
Historiadores profissionais basicamente erraram a história por
mais de um século. Mesmo um homem com as credenciais acadêmicas
de Billington ainda não conseguiu penetrar esse véu de ignorância
compartilhada sobre a história, porque, se o que ele diz é verd ade, então
a forma como o mundo ocidental realmente funcionou no passado é
muito diferente da forma como os historiadores profissionais disseram
que funcionou.
Eles não estão dispostos a admitir prontamente essa
possibilidade, pois ela levanta aquela questão embaraçosa, crucial e
pessoalmente perigosa: "Então o mundo ocidental está funcionando de
maneira semelhante hoje?" Eles preferem não responder a essa
pergunta.73

civ
Prefácio da segunda edição cv

Depois d’A Religião Revolucionária de Marx


Dois outros livros merecem comentários. O primeiro é a
biografia de Robert Payne, Marx (1968).74 Ela não foi bem recebida
pela comunidade acadêmica, mas permanece sendo, de longe, a melhor
biografia de Marx.47
Foi o primeiro livro em inglês que eu conheço a revelar que
Marx teve um filho com a empregada vitalícia de sua esposa, Helene
(Lenchen) Demuth, e então fez com que Engels assumisse a culpa. Fred
Demuth foi rejeitado por seu verdadeiro pai, com quem ele se encontrou
apenas uma vez, e nunca soube quem era seu pai.48
O fato de que Karl, o comunista, empregou uma empregada
doméstica que literalmente havia sido dada à sua esposa por sua sogra
é mais do que um pouco irônico. Gouldner se refere adequadamente a
isso como um presente feudal.75
Payne também mostra que o subsídio de Engels a Marx em seus
últimos anos o tornou um homem rico, ao contrário da opinião
acadêmica predominante que lhe foi ensinada. (O livro de Payne e A

47 A biografia de Fritz Raddatz é excelente na integração das ideias e da vida de


Marx, mas a de Payne é muito superior e creio que dá uma visão melhor de
Marx como pessoa. 109. Ibid.
48 Ibid., pág. 265; cf. págs. 532-45. Raddatz credita a publicação de trechos de
uma carta relevante de Louise Kautsky-Freyberger por Walter Blumenberg em
sua monografia, Karl Marx (Rowohlt Taschenbuch Verlag, 1962): Raddatz,
Karl Marx, p. 293, nota 59. Payne localizou a certidão de nascimento de Fred
Demuth e ofereceu provas extensas, não apenas um extrato de uma carta.

cv
cvi A Religião Revolucionária de Marx
Religião de Marx foram os primeiros livros a revelar esse fato, pelo que
consigo determinar.)
Payne não se tornou popular entre os historiadores profissionais,
já que os fez parecer preguiçosos em comparação a ele, uma vez que
biógrafos anteriores não haviam feito o dever de casa em relação ao
filho ilegítimo de Marx e ao seu nível de renda.
Payne também começou estando dois pontos à frente de Marx:
não era um historiador profissional certificado; e escreveu muitos livros
excelentes. Historiadores amadores financeiramente bem-sucedidos -
isto é, historiadores certificados pelo mercado, em vez de historiadores
financiados por pagadores de impostos ou historiadores financiados por
doadores - muitas vezes são ressentidos por acadêmicos não-publicados
e desconhecidos que escrevem resenhas de livros para revistas
acadêmicas sem fins lucrativos e geralmente não lidas.
Payne também mostra que o subsídio de Engels a Marx em seus
últimos anos o tornou um homem rico, ao contrário da opinião
acadêmica predominante que lhe foi ensinada. (O livro de Payne e A
Religião de Marx foram os primeiros livros a revelar esse fato, pelo que
consigo determinar.)
Payne não se tornou popular entre os historiadores profissionais,
já que os fez parecer preguiçosos em comparação a ele, uma vez que
biógrafos anteriores não haviam feito o dever de casa em relação ao
filho ilegítimo de Marx e ao seu nível de renda.
Payne também começou estando dois pontos à frente de Marx:
não era um historiador profissional certificado; e escreveu muitos livros
excelentes. Historiadores amadores financeiramente bem-sucedidos -
isto é, historiadores certificados pelo mercado, em vez de historiadores

cvi
Prefácio da segunda edição cvii
financiados por pagadores de impostos ou historiadores financiados por
doadores - muitas vezes são ressentidos por acadêmicos não-publicados
e desconhecidos que escrevem resenhas de livros para revistas
acadêmicas sem fins lucrativos e geralmente não lidas.
O segundo livro é o estudo massivo, de 1.177 páginas, de
Francis Nigel Lee sobre o marxismo, Communist Eschatology (Craig
Press, 1974).49 É, de longe, o melhor estudo sobre filosofia marxista já
publicado. Também contém uma excelente tabela cronológica de 100
páginas sobre a história do mundo, 130 páginas de notas de rodapé, e
88 páginas de bibliografia.
Infelizmente, ele não possui um índice, o que, em um mundo de
acadêmicos preguiçosos e atormentados, é algo nada menos que
catastrófico para a influência de qualquer livro acadêmico. O livro
afundou imediatamente sem deixar vestígios, assim como o meu e o de
Payne.
O fato de ter sido publicado pela Craig Press, subfinanciada, foi
parcialmente responsável. O fato de o manuscrito original ter sido uma
de suas duas dissertações de doutorado também não ajudou.
Dissertações de doutorado tendem a ser equivalentes a clorofórmio
impresso.
Mas a verdade nua e crua é que livros conservadores cristãos de
mil páginas tratando da história das ideias não vendem bem nos dias de
hoje, e nem vendia bem nos bons e velhos tempos. Ainda assim,

49 Tem o adorável subtítulo, A Christian Philosophical Analysis of the Post -


Capitalist Views of Marx, Engels and Lenin.

cvii
cviii A Religião Revolucionária de Marx
qualquer um que escreva (ou que já tenha escrito) um livro sobre
marxismo e que não tenha dominado (e não apenas lido) o livro de Lee
não concluiu seu trabalho. Isso abrange literalmente todos os livros que
foram publicados desde 1974. Mesmo assim, o livro é desconhecido
nos círculos acadêmicos; nunca aparece em notas de rodapé ou em
bibliografias.

Por que o Sucesso do Marxismo: Armas ou


Dogmas?
Perguntas-chave sobre o marxismo ainda dividem a
comunidade acadêmica do Ocidente, que, por sua vez, divide o sistema
de política externa do Ocidente. A principal delas é a seguinte: Como o
marxismo capturou um terço da população mundial?
Igor Shafarevich, o matemático soviético e crítico do marxismo,
fez uma observação muito importante em seu livro clássico, O
Fenômeno Socialista (1975). Ele disse que pequenos e peculiares
grupos socialistas debatem por anos sobre os detalhes de suas teorias
sociais bizonhas e, então, quase da noite para o dia, suas ideias se
tornam amplamente aceitas, e as sociedades são reestruturadas com
base nelas.

No momento de suas origens, os movimentos socialistas


muitas vezes impressionam por sua impotência, seu isolamento
da realidade, seu caráter aventureiro e suas características
cômicas 'golgolescas' (como Berdyaev colocou).

Tem-se a impressão de que esses fracassos sem


esperança não têm chance nenhuma de sucesso e, na verdade,

cviii
Prefácio da segunda edição cix
fazem tudo o que está ao seu alcance para comprometer as
ideias que estão proclamando. No entanto, eles estão apenas
esperando o momento certo.

Em algum ponto, quase inesperadamente, essas ideias


encontram uma ampla recepção popular e se tornam as forças
que determinam o curso da história, enquanto os líderes desses
movimentos passam a governar o destino das nações.76

Nunca devemos subestimar o poder das ideias.


O debate acadêmico continua: ideias ou organização, panfletos
ou armas? Marx foi o criador de uma nova religião, ou o sucesso do
marxismo baseou-se nas habilidades organizacionais de Lênin? Se o
sucesso estratégico de Lênin na Rússia tornou o marxismo uma força
transformadora mundial, por que deveríamos gastar tanto tempo
examinando as ideias de Marx? Por que não focar a maior parte de
nossa atenção na estratégia e táticas de Lênin?
Ou há algo único na visão de mundo de Marx que captura as
mentes e almas dos homens, geração após geração, transformando-os
em clones de Lênin que podem traduzir a religião da revolução de Marx
em ação revolucionária bem-sucedida? Os revolucionários marxistas
são, essencialmente, sacerdotes do profeta Marx, trazendo o
sacramento da revolução para os oprimidos?
Ou são, essencialmente, gangsters - embora aceitos como
colegas pelo Departamento de Estado dos EUA 77 - que combinam com
sucesso a retórica marxista-leninista e a organização tática leninista-
maoísta para produzir revoluções em países do Terceiro Mundo?
Em suma, o coração do apelo do marxismo é sua visão
essencialmente messiânica? John P. Roche, um progressista

cix
cx A Religião Revolucionária de Marx
anticomunista, não acredita nisso. Em seu excelente livro sobre
princípios organizacionais comunistas, ele escreve:

A maioria das análises do marxismo-leninismo são


exercícios filosóficos conduzidos na estratosfera intelectual.
Essa abordagem tem uma utilidade limitada, mas é baseada em
uma premissa profundamente falha: que o marxismo -leninismo
é uma forma de alta teoria, em vez de um código operacional
para uma máfia com um estilo novo, muito mais interessada em
encontrar uma justificativa para tomar ou exercer o poder do
que em libertar "prisioneiros da fome" ou os "miseráveis da
terra".

Embora os oráculos conservadores e progressistas


frequentemente concordem que estamos envolvidos em uma
"guerra de ideias" com os marxista-leninistas, a dura realidade
é que enfrentamos um apparat apoiado por Moscou que utiliza
AK-47s, tanques T-72 e vários tipos de munição, e não cópias
do Manifesto Comunista ou do Estado e Revolução de Lênin, em
suas missões de evangelização. Nenhum soldado sul-vietnamita,
salvadorenho, israelense ou americano jamais foi morto ao
pisar em uma cópia de O Capital de Marx. 78

Mas a questão ainda permanece: se Marx nunca tivesse escrito


o Manifesto Comunista e O Capital, se Engels nunca tivesse escrito
Socialismo: Utópico e Científico, e se Lênin nunca tivesse escrito O
Estado e a Revolução e seus muitos outros tratados, jornais, panfletos
e livros pré-Revolução, haveria minas terrestres comunistas plantadas?
O mundo nunca ficou livre, por um único ano, de algum ditador
insignificante desfilando nas páginas da história de algumas pessoas,
mas por que estamos enfrentando, pela primeira vez na história do
homem, o alinhamento forçado de quase todas as sociedades da Terra

cx
Prefácio da segunda edição cxi
em um par de campos militares armados - nações que enfrentarão as
consequências, literalmente, de qualquer guerra nuclear em larga escala
entre essas duas grandes superpotências? Por que o comunismo tem um
apelo tão grande em comparação com, digamos, a própria Máfia, ou os
nazistas, ou uma dúzia de outras conspirações ideológicas?
O fato de que sociedades secretas criminosas existem hoje e têm
existido desde os primórdios da história não é uma descoberta recente.
O fato de que um par de sociedades iniciáticas criminosas
ideologicamente identificáveis - os partidos comunistas da China
Vermelha e da União Soviética - agora controla a vida de um bilhão e
meio de pessoas é historicamente sem precedentes.
O debate acadêmico continua: ideias ou organização, panfletos
ou armas? Marx foi o criador de uma nova religião, ou o sucesso do
marxismo baseou-se nas habilidades organizacionais de Lênin? Se o
sucesso estratégico de Lênin na Rússia tornou o marxismo uma força
transformadora mundial, por que deveríamos gastar tanto tempo
examinando as ideias de Marx? Por que não focar a maior parte de
nossa atenção na estratégia e táticas de Lênin?
Ou há algo único na visão de mundo de Marx que captura as
mentes e almas dos homens, geração após geração, transformando-os
em clones de Lênin que podem traduzir a religião da revolução de Marx
em ação revolucionária bem-sucedida? Os revolucionários marxistas
são, essencialmente, sacerdotes do profeta Marx, trazendo o
sacramento da revolução para os oprimidos?

cxi
cxii A Religião Revolucionária de Marx
Ou são, essencialmente, gangsters - embora aceitos como
colegas pelo Departamento de Estado dos EUA 50 - que combinam com
sucesso a retórica marxista-leninista e a organização tática leninista-
maoísta para produzir revoluções em países do Terceiro Mundo?
Em suma, o coração do apelo do marxismo é sua visão
essencialmente messiânica? John P. Roche, um progressista
anticomunista, não acredita nisso. Em seu excelente livro sobre
princípios organizacionais comunistas, ele escreve:

A maioria das análises do marxismo-leninismo são


exercícios filosóficos conduzidos na estratosfera intelectual.
Essa abordagem tem uma utilidade limitada, mas é baseada em
uma premissa profundamente falha: que o marxismo -leninismo
é uma forma de alta teoria, em vez de um código operacional
para uma máfia com um estilo novo, muito mais interessada em
encontrar uma justificativa para tomar ou exercer o poder do
que em libertar "prisioneiros da fome" ou os "miseráveis da
terra".

Embora os oráculos conservadores e progressistas


frequentemente concordem que estamos envolvidos em uma
"guerra de ideias" com os marxista-leninistas, a dura realidade
é que enfrentamos um apparat apoiado por Moscou que utiliza
AK-47s, tanques T-72 e vários tipos de munição, e não cópias
do Manifesto Comunista ou do Estado e Revolução de Lênin, em
suas missões de evangelização. Nenhum soldado sul-vietnamita,

50 North, Conspiracy, ch. 5: "Convergence: Justifying Surrender."

cxii
Prefácio da segunda edição cxiii
salvadorenho, israelense ou americano jamais foi morto ao
pisar em uma cópia de O Capital de Marx.51

Mas a questão ainda permanece: se Marx nunca tivesse escrito


o Manifesto Comunista e O Capital, se Engels nunca tivesse escrito
Socialismo: Utópico e Científico, e se Lênin nunca tivesse escrito O
Estado e a Revolução e seus muitos outros tratados, jornais, panfletos
e livros pré-Revolução, haveria minas terrestres comunistas plantadas?
O mundo nunca ficou livre, por um único ano, de algum ditador
insignificante desfilando nas páginas da história de algumas pessoas,
mas por que estamos enfrentando, pela primeira vez na história do
homem, o alinhamento forçado de quase todas as sociedades da Terra
em um par de campos militares armados - nações que enfrentarão as
consequências, literalmente, de qualquer guerra nuclear em larga escala
entre essas duas grandes superpotências? Por que o comunismo tem um
apelo tão grande em comparação com, digamos, a própria Máfia, ou os
nazistas, ou uma dúzia de outras conspirações ideológicas?
O fato de que sociedades secretas criminosas existem hoje e têm
existido desde os primórdios da história não é uma descoberta recente.
O fato de que um par de sociedades iniciáticas criminosas
ideologicamente identificáveis - os partidos comunistas da China
Vermelha e da União Soviética - agora controla a vida de um bilhão e
meio de pessoas é historicamente sem precedentes.

51 John P. Roche, The History and Impact of Marxist -Leninist


Organizational Theory: “Useful Idiots,” “Innocents’ Clubs,” and
“Transmission Belts” (Cambridge, Massachusetts: Institute for Foreign Policy
Analysis, 1984), p. ix.

cxiii
cxiv A Religião Revolucionária de Marx
Em suma, por que encontramos tantos homens dedicados em
todo o mundo, carregando AK-47s, sejam elas fabricadas na União
Soviética ou na China Vermelha? (A resposta a essa pergunta pode nos
ajudar a responder a outra pergunta intimamente relacionada: os
combatentes pela liberdade anticomunistas vão acabar sendo os
principais usuários das AK-47s?)52
Há mais coisas envolvidas no sucesso do marxismo-leninismo
do que sua estrutura organizacional e armas produzidas em massa. Há
o apelo de algo mais do que a participação em uma organização
terrorista internacional eficaz ou em uma tirania regional que motiva os
homens a sacrificar tudo o que são e possuem em prol do marxismo -
leninismo.
No estilo tipicamente confuso do sociólogo profissional, Henri
Lefebvre escreve sobre a filosofia de Marx:

A 'verdade da religião' - o que a religião realmente é - é


descoberta na filosofia. Isso significa que a filosofia contribui
com uma crítica radical da religião, que ela desnuda a essência
da religião, ou seja, a alienação inicial e fundamental da
criatura humana, raiz de toda alienação, e que a filosofia pode
demonstrar como essa alienação ocorreu.

Essa verdade em particular foi gradualmente alcançada,


no decorrer de longas e amargas lutas. Nascida da religião, a

52 "Traficantes de armas paquistaneses saúdam a Deus e à AK-47", New York


Times (8 de março de 1988). O modelo soviético é vendido por US$ 1.400; a
versão chinesa vermelha com licença soviética por US$ 1.150. (O ouro está
em US$ 430/oz.)

cxiv
Prefácio da segunda edição cxv
filosofia cresce em um terreno que a religião preparou e luta
ferozmente contra ela, nem sempre vitoriosamente.79

Roche rejeita essa linha de raciocínio sociológico, baseada,


como é, no tema religioso da alienação humana.

Assim, os esforços recentes para transformar Marx em


um crítico sociológico da alienação - um exercício baseado em
sua fase hegeliana, baudelairiana, em Paris - são
fundamentalmente sem significado.

O Marx maduro não era um assistente social: o homem


que pôde afirmar, em O Capital, que 'lida-se com os indivíduos
apenas na medida em que eles são personificações de categorias
econômicas, encarnações de certas relações de classe e de
certos interesses de classe' dificilmente era uma pessoa
compassiva.

Marx via a alienação, ou seja, o ressentimento sentido


por uma classe oprimida, digamos, o proletariado sob o
capitalismo, como algo concomitante e necessário ao
progresso.

Um proletário feliz estava, para o Marx pós-hegeliano,


sofrendo de um caso agudo de 'falsa consciência'; a alienação
se tornou o distintivo da verdadeira consciência de classe e do
crescente fervor revolucionário, e não uma causa de lágrimas e
lamentações.80

No entanto, aí permanece um impulso profundamente religioso,


no uso que o Marx pós-hegeliano faz do tema da alienação. Remova o
impulso religioso do marxismo e você terá removido seu coração. A
besta não sobreviveria a essa operação. Marx sempre quis superar a
alienação humana.

cxv
cxvi A Religião Revolucionária de Marx
Após 1845, ele descreveu a alienação humana em termos de sua
teoria das mudanças no modo de produção, mas, desde o início de sua
fase comunista, ele havia atado a origem da alienação humana à origem
da propriedade privada, e, portanto, havia atado a superação da
alienação à abolição da propriedade privada.
Ele queria viver em um mundo em que o modo de produção
comunista pós-revolucionário tivesse erradicado a alienação. Ele nunca
duvidou de sua fé de que o único meio de superar a alienação é a
revolução comunista.
O que mudou no pensamento de Marx entre 1844 e 1867 foi que
ele se convenceu de que a análise econômica do socialismo científico
poderia provar a inevitabilidade da revolução purificadora, já que as
forças econômicas inevitavelmente produziriam essa revolução. O que
nunca mudou foi a fé de Marx na revolução. A fé de Marx no potencial
regenerador da revolução violenta é o tema de A Religião da Revolução
de Marx.

Conclusão
Eu gostaria de escrever outro livro sobre o marxismo algum dia.
Eu o chamaria de Comunismo: O Falso Pacto. Nele, examinaria as
doutrinas marxistas em termos dos cinco pontos do pacto bíblico:
transcendência/presença, hierarquia/autoridade, ética/lei/domínio,
juramento/julgamento e sucessão/herança.
Na categoria transcendência/presença, discutiria as forças
dialéticas soberanas da história mundial, conforme reveladas de
maneira perfeita ao infalível Partido Comunista por meio do marxismo -
leninismo.

cxvi
Prefácio da segunda edição cxvii
Em hierarquia, discutiria a estrutura do Partido Comunista e sua
posição declarada como representante do proletariado, que, por sua vez,
representa a humanidade.
Em ética, discutiria o conceito marxista de lei, que é
determinado em cada era pelas forças evolutivas do progresso histórico
(materialismo dialético). Os marxistas chamam o estudo dessas forças
históricas de "correlação de forças".
Em juramento/julgamento, eu discutiria a Revolução
Comunista como meio inicial do marxismo para transformar a natureza
humana por meio da transformação da ordem social, com o terrorismo
permanente como meio contínuo do marxismo para a transformação
humana.
Em sucessão, discutiria a escatologia comunista, o triunfo
inevitável do proletariado, e seus efeitos na motivação dos comunistas,
especialmente em países do Terceiro Mundo e universidades
ocidentais. Mas até que este livro proposto finalmente veja a luz do dia,
os leitores terão que se contentar com esta edição ligeiramente revisada
de A Religião da Revolução de Marx.
Deixo o leitor com uma pergunta incômoda sobre herança legal.
Se o pai profundamente piedoso de Engels tivesse deserdado seu filho
revolucionário, cortando a herança financeira, se o pai vagamente
religioso de Marx tivesse feito o mesmo com seu filho e se o pai
empresário de Moses Hess tivesse feito o mesmo com Hess, seria o
mundo de hoje um lugar mais seguro para se viver?

cxvii
cxviii A Religião Revolucionária de Marx
Para esses patriarcas financeiramente bem-sucedidos da
Alemanha, sangue era mais grosso que água,53 e como resultado direto
da religião revolucionária de seus filhos, sangue escorreu como nunca
na história da humanidade.
Uma última observação: Eu mudei o subtítulo desta edição de A
Religião de Marx. Na primeira edição, escolhi The Doctrine of Creative
Destruction (A Doutrina da Destruição Criativa). Esse era um subtítulo
suficientemente preciso em relação às teorias de Marx, mas levava à
confusão, uma vez que o economista Joseph Schumpeter defendia o
mercado livre em termos de seu suposto benefício de proporcionar a
destruição criativa por meio do empreendedorismo.
Discordo de Schumpeter nesse ponto - o empreendedorismo que
busca lucro como inerentemente destrutivo54 - mas certas ou erradas, as
opiniões econômicas de Schumpeter não devem ser confundidas com
as de Marx. Além disso, foi Bakunin quem anunciou que "A paixão
pela destruição também é uma paixão criativa".81
Admitidamente, essa frase realmente resume o pensamento de
Marx, o que explica por que o anarquista Bakunin e o comunista Marx
puderam cooperar do início da década de 1840 (Vorwärts)82 até o início

53 “Blood is thicker than water”: provérbio germano, datado do século XII,


derivado de outro (“The blood of the covenant is thicker than the water of the
womb”), que afirma a supremacia dos laços familiares sobre todas as demais
relações humanas.
54 Para uma crítica teórica, confira Murray N. Rothbard, "Breaking Out of the
Walrasian Box: The Cases of Schumpeter and Hansen," Journal of Austrian
Economics, I (1987), pp. 97-108.

cxviii
Prefácio da segunda edição cxix
da década de 1860. Ainda assim, achei prudente substituir o subtítulo
por um novo, que reflita mais claramente a tese deste livro.

1 Louis J. Halle, “Marx's Religious Drama,” Encounter, XXV (Oct., 1965), p.29.
2 R. J. Rushdoony, The Religion of Revolution (Victoria, Texas: Trinity
Episcopal Church, 1965).
3 Gary North, "The Last Train Out" (Ft. Worth, Texas: American Bureau of
Economic Research, 1983), Parte I: "The Failure of 'Reaganomics'"; veja
também o artigo de Murray N. Rothbard, "Is There Life After 'Reaganomics'?"
(Washington, D.C.: Ludwig von Mises Institute, 1987).
4 Marx, Critique of the Gotha Program (1875), em Marx and Engels, Selected
Works, 3 vols. (Moscow: Progress Publishers, 1969),3, p. 19.
5 “Communism is Soviet power plus the electrification of the whole country.”
V. I. Lenin, “Communism and Electrification” (1920), em The Lenin
Anthology, editado por Robert C. Tucker (Nova Iorque: Norton, 1975), p. 494.
6 Bottomore and Rubel, “The Influence of Mar x's Sociological Thought,” em
Karl Marx: Selected Writings in Sociology and Social Philosophy, editado por
T. B. Bottomore e Maximilien Rubel (Nova Iorque: McGraw-Hill, [1956]
1964).
7 2 vols. (Nova Iorque: Harper Torchbooks, 1958), 2, pp. 632,655.
8 Ludwig von Mises, Notes and Recollections (South Holland, Illinois:
Libertarian Press, 1978), p. 5. (A Libertarian Press se localiza atualmente em
Spring Mills, Pennsylvania.)
9 Charles Higham, Trading With the Enemy: An Exposé of the Nazi-American
Money Plot, 1933-1949 (Nova Iorque: Delacorte, 1983); Antony C. Sutton,

cxix
cxx A Religião Revolucionária de Marx

Wall Street and the Rise of Hitler (Suffolk, England: Bloomfield, [1976]),
originalmente publicado pela '76 Press, Seal Beach, California.
10 Fritz J. Raddatz, Karl Marx: A Political Biography, trad. Richard Barry
(Boston: Little, Brown, [1975] 1978), p. 28.
11 Collected Works, 1, pp. 192-240.
12 Ibid., 1, pp. 304-11.
13 "Record of Marx's Speech on Mazzini's Attitude to the International Working
Men's Association" (1866), Collected Works, 20, p. 401.
14 Citado por Raddatz, Karl Marx, p. 66.
15 Paul Thomas, Karl Marx and the Anarchists (London: Routledge and Kegan
Paul, 1980), pp. 249-340.
16 Nikolai Tolstoy, Stalin's Secret War (Nova Iorque: Holt, Rinehart and
Winston, 1981); Robert Conquest, The Great Terror: Stalin's Purges of the
Thirties (rev. ed.; Nova Iorque: Collier, 1973).
17 Zhores Medvedev and· Roy Medvedev, A Question of Madness (Nova Iorque:
Vintage, 1971); Sidney Bloch and Peter Reddaway, Psychiatric Terror: How
Soviet Psychiatry Is Used to Suppress Dissent (Nova Iorque: Basic Books,
1977).
18 Michael Voslensky, Nomenklatura: The Soviet Ruling Class (Garden City,
Nova Iorque: Doubleday, 1984); David K. Willis, KLASS: How Russians
Really Live (Nova Iorque: St. Martin's, 1985).
19 Gregory Grossman, Value and Plan: Economic Calculation and Organization
in Central Europe (Berkeley: University of California Press, 1960), p. 8.
20 Allan Bloom, The Closing of the American Mind (Nova Iorque: Simon &
Schuster, 1987), pp. 203-4.

cxx
Prefácio da segunda edição cxxi

21 Lenin, What Is To Be Done? Burning Questions of Our Movement (Nova


Iorque: International Publishers, [1902] 1943), pp. 32 -33.
22 Jean Francois Revel, How Democracies Perish (Garden City, Nova Iorque:
Doubleday, 1984), Part Four.
23 Joseph A. Schumpeter, “The Communist Manifesto in Sociology and
Economics,” Journal of Political Economy, LVII (1949), p. 200.
24 Gouldner, The Two Marxisms, ch. 9.
25 Um trecho do menos legível Herr Eugen Diihring's Revolution in Science
(1878).
26 Engels to Mehring, 14 July 1893, em Karl Marx and Friedrich Engels,
Correspondence, 1846~1895, editado por Dona Torr (Nova Iorque:
International Publishers, 1935), p. 510.
27 Engels to Marx, l5Jan. J847: Collected Works, 38, p.108.
28 Sidney Hook, From Hegel to Marx: Studies in the Intellectual Development of
Karl Marx (Ann Arbor: University of Michigan Press, [1950] 1962), ch. 6.
29 Shlomo Avineri, Moses Hess: Prophet of Communism and Zionism (Nova
Iorque: New York University Press, 1985), pp. 10-11.
30 Wurmbrand, Marx and Satan, ch. 3.
31 Avineri, Moses Hess, p. 13.
32 Marcus, Engels, Manchester, and the Working Class, p. 87.
33 Citado by David McLellan, Friedrich Engels (Nova Iorque: Viking, 1977), p.
21. Essa declaração foi feita no verão seguinte, em 19 de junho de 1843:
Hammen, The Red '48ers, p. 39.
34 Terrell Carver, Engels (Nova Iorque: Hill and Wang, 1981), p. 20.

cxxi
cxxii A Religião Revolucionária de Marx

35 Sidney Hook, Revolution, Reform, and Social Justice: Studies in the Theory
and Practice of Marxism (Oxford: Basil Blackwell, [1975] 1976), p. 58.
36 Hook, From Hegel to Marx, p. 186.
37 Franz Mehring, Karl Marx: The Story of His Life (Ann Arbor: University of
Michigan Press, [1933] 1962), pp. 58, 62.
38 Ibid., p. 112.
39 Raddatz, Karl Marx, p. 35.
40 Hammen, The Red '48ers, p. 39.
41 Avineri, Moses Hess, pp. 243-44.
42 “Foreword,” Karl Marx, Grundrisse (Nova Iorque: Vintage, 1973), p. 7. O
Grundrisse aparece como Volume 28 do Collected Works (Nova Iorque:
International Publishers, 1986).
43 Gouldner, The Two Marxisms, p. 20.
44 McLellan, “Marx and the Missing Link,” Encounter (Nov. 1970), p. 39.
45 Hook, Revolution, Reftrm, and Social Justice, pp. 56-57.
46 Ibid., p. 59.
47 Conferir Gary North, Tools of Dominion: The Case Laws of Exodus (Tyler;
Texas: Institute for Christian Economics, 1989), Appendix C: “The Hoax of
Higher Criticism.”
48 Engels to Mehring, 28 Set. 1892; citado por Raddatz, Karl Marx, p. 50
49 Hook, Revolution, Refirm, and Social Justice, p. 59.
50 “Preface,” Marx and Engels, Collected Works, 5 (Nova Iorque: International
Publishers, 1976), pp. xv, xxv.

cxxii
Prefácio da segunda edição cxxiii

51 Marx para Engels, 2 April 1858; em Marx and Engels, Correspondence, 1846-
1895, p.105.
52 Engels para Marx, 3 April 1851; Collected Works, 38 (Nova Iorque:
International Publishers, 1982), p. 330.
53 Engels para Friedrich Adolph Sorge, 29 June 1883
54 Marx para Nicolai F. Danielson, 10 April 1879. Todos citados em Raddatz,
Karl Marx, pp. 236-37.
55 Ibid., p. 237.
56 Karl Pribram, A History of Economic Reasoning (Baltimore: Johns Hopkins
University Press, 1983), ch. 18; R.S. Hovey, The Rise of the Marginal Utility
School, 1870-1889 (Lawrence: University of Kansas Press, 1960); Emil
Kauder, A History of Marginal Utility (Princeton, NewJersey: Princeton
University Press, 1965).
57 Raddatz, Karl Marx, p. 237.
58 Idem.
59 Ludwig von Mises, Socialismo: Uma Análise Econômica e Sociológica (New
Haven, Connecticut: Yale University Press, [1922] 1951), p. 328n.
60 Mehring, Karl Marx, p. 25.
61 Raddatz, Karl Marx, p. 43.
62 Citado por Raddatz, ibid., p. 43.
63 History and Critique of Interest Theories (South Holland, Illinois: Libertarian
Press, 1959), ch. 12: "The Exploitation Theory."
64 Cr. Bertell OIlman, Alienation: Marx's Concept of Man in Capitalist Society
(Cambridge: At the University Press, [1971] 1975).

cxxiii
cxxiv A Religião Revolucionária de Marx

65 Karl Marx: Selected Writings in Sociology and Social Philosophy, editado por
Bottomore e Rubel.
66 Erich Fromm, “Foreword,” Karl Marx: Early Writings, editado por T. B.
Bottomore (Nova Iorque: McGraw-Hill, 1964), p.i.
67 Idem.
68 Hammen, The Red '48ers, p. 118.
69 Karl Marx, “Comments on the Latest Prussian Censorship Instruction” (1842),
Collected Works, 1 (Nova Iorque: International Publishers, 1975), p. 112.
70 Gary North, Conspiracy: A Biblical View (Ft. Worth, Texas: Dominion Press,
1986), ch. 6: “Court Historians.”
71 Fire, Acknowledgments, p. vii.
72 Ibid., p. 11.
73 North, Conspiracy, ch. 6.
74 Robert Payne, Marx (Nova Iorque: Simon & Schuster, 1968).
75 Gouldner, The Two Marxisms, p.. 277.
76 Igor Shafarevich, The Socialist Phenomenon (Nova Iorque: Harper and Row,
[1975] 1980), p. 129.
77 North, Conspiracy, ch. 5: "Convergence: Justifying Surrender."
78 John P. Roche, The History, and Impact of Marxist-Leninist Organizational
Theory: “Useful Idiots,” “Innocents’ Clubs,” and “Transmission Belts”
(Cambridge, Massachusetts: Institute for Foreign Policy Analysis, 1984), p. ix.
79 Henri Lefebvre, The Sociology of Marx (Nova Iorque: Pantheon) 1968), pp. 3-
4.
80 Roche, History and Impact, p. 9,
81 E. H. Carr, Michael Bakunin (London: Macmillan, 1937), p. 434.
82 Raddatz, Karl Marx, p. 58.

cxxiv
INTRODUÇÃO
(1967)
[O Marxismo] é uma religião, mas é uma religião cuja promessa não está no
próximo mundo, mas neste mundo. E então, quando você olha e vê o que os radicais
fazem e o que realmente acontece, você vê que, em nome de um paraíso futuro, eles
criam o inferno na terra.
David Horowitz (1986)1

Meu interesse pelo sistema marxiano remonta ao tempo em que


eu era um aluno do segundo ano do ensino médio. Desde aquele tempo,
houve uma grande quantidade de livros e artigos acadêmicos sobre
Marx, especialmente o chamado "jovem Marx".
Fui inicialmente apresentado a parte desse material pelo
Professor Peter Fuss, do Departamento de Filosofia da Universidade da
Califórnia, Riverside, durante um seminário para alunos.
Subsequentemente, retomei todo o assunto em um seminário para
alunos formados, no Seminário Teológico Westminster, na Filadélfia,
sob a orientação do Dr. Robert Knudson.
Após meu retorno ao campus de Riverside para mais
treinamento pós-graduação, tive o privilégio de fazer uma série de
estudos especiais sob a orientação de Donald Lowe, do Departamento

1 Citado em Insight (18 de agosto de 1986), p. 63. Horowitz, o cofundador da


revista radical do final dos anos 1960, Ramparts, junto com Peter Collier, mais
tarde abandonou seu Marxismo. Ele e Collier tornaram -se biógrafos dos ricos
e poderosos: a família Rockefeller, a família Ford e a família Kennedy.
2 A Religião Revolucionária de Marx
de História, Robert A. Nisbet, do Departamento de Sociologia, e
Howard Sherman, do Departamento de Economia, nenhum dos quais é
responsável de forma alguma pelas minhas conclusões.
No entanto, sem a ajuda e crítica deles, este estudo não teria sido
possível. Devo também mencionar o constante encorajamento que
recebi do Professor Herbert Heaton, embora ele tenha me alertado sobre
o pântano de material que eu enfrentaria em tal empreendimento. Ele
estava muito certo.
Qualquer pessoa que já tenha olhado para uma breve
bibliografia sobre Marx e o marxismo está ciente da quantidade
impressionante de pesquisa que foi dedicada ao homem e ao
movimento.
É provavelmente seguro dizer que, no mundo ocidental, as
figuras de Marx e Jesus foram as que mais receberam atenção neste
século. Por que, então, decidi adicionar outro volume a este oceano já
vasto de monografias? Existem várias razões.
Em primeiro lugar, espero que ele sirva como uma introdução a
alguns dos principais temas dos escritos de Marx, embora muitos deles
sejam mencionados apenas brevemente. Em segundo lugar, o livro
fornecerá um ponto de partida para qualquer pessoa interessad a na
enxurrada de análises acadêmicas que surgiram no último século. Um
iniciante normalmente não saberia por onde começar; talvez isso o
ajude.
Em terceiro lugar, meu livro oferece uma nova maneira de olhar
para Marx e sua mensagem: não como um profeta do Antigo
Testamento secularizado, mas como um retorno moderno às seitas
caóticas do mundo antigo.

2
Introdução 3
A principal motivação por trás da escrita deste estudo,
entretanto, foi o meu desejo de submeter Marx a uma avaliação com
base na perspectiva desse sistema calvinista contemporâneo conhecido
como "pressuposicionalismo".
Os principais expoentes desse ponto de vista são o Professor
Cornelius Van Til, do Seminário Teológico Westminster na Filadélfia,
e Herman Dooyeweerd, da Universidade Livre de Amsterdã. 2 Até onde
eu sei, ninguém que escreve em inglês fez esse tipo de análise do
pensamento de Marx [antes da primeira edição deste estudo].
Este livro não é, em nenhum sentido, um "debate" com Marx,
vale dizer. Sidney Finkelstein, escrevendo na revista marxista Science
and Society, explica o porquê disso:

Filosofias incompatíveis não podem debater entre si.


Deve haver alguma base comum, algum problema da vida que
ambos aceitem como crucial e para o qual as filosofias ofereçam
respostas diferentes. Caso contrário, em vez de um debate, há
simplesmente a revelação de premissas diferentes ou de
conceitos diferentes sobre a função da filosofia .1

2 Para uma introdução aos escritos de Van Til, veja os dois livros de R. J.
Rushdoony, By What Standard? (1958) e Van Til (1960). Veja também o
capítulo sobre "The Neo-Augustinianism of Herman Dooyeweerd,” em David
Hugh Freeman, Recent Studies in Philosophy and Theology (1962). Todos são
publicados pela Presbyterian and Reformed Publishing Co., Filadélfia.[Agora
localizado em Phillipsburg, New Jersey.]

3
4 A Religião Revolucionária de Marx
Entre o cristianismo e o marxismo, não pode haver um
"diálogo" significativo. Charles Hodge, o grande teólogo calvinista do
século XIX, colocou dessa forma: a última questão da história será o
conflito entre o

Ateísmo, e suas inúmeras formas, contra o Calvinismo.


Os outros sistemas serão esmagados como o gelo meio
apodrecido entre dois grandes icebergs.2

Nem o marxista consistente e nem o cristão consistente pode


esperar uma reconciliação entre os dois sistemas; trata-se de uma total
guerra intelectual. Os membros de ambos os lados estão convencidos
de que seu triunfo final é inevitável. A questão é basicamente um
conflito no domínio da fé.
É interessante notar que, nos últimos anos, certos humanistas de
dentro e de fora das igrejas têm tentado reconstruir Marx com base em
suas próprias imagens. Isso foi feito para tornar Marx mais palatável
para o mundo moderno.
Para o cristão, no entanto, esses esforços conseguiram
exatamente o oposto; eles expuseram as características demoníacas de
um humanismo que pode abraçar algo tão grotesco quanto o sistema
marxiano.
O cristão ortodoxo não é convencido por Leopold Senghor, o
Presidente da República do Senegal, quando este afirma que

4
Introdução 5
mesmo os membros da igreja não podem negar as
contribuições de Marx, e aceitam seus valores positivos.3

Também não há muito a que ser grato quando lemos uma


declaração como aquela feita por Santiago Alvarez, um marxista
espanhol:

Assim, a lógica nos diz que a maneira de testar as duas


posições - a marxista e a católica - é começar agora com ações
conjuntas para reconstruir a sociedade e avançar, por meio de
estágios sucessivos, para a criação de uma sociedade onde
ambas as ideologias serão testadas. Então, por que não fazer o
experimento? 3

Existem muitas razões pelas quais o experimento não deve ser


feito, e algumas delas são discutidas detalhadamente neste estudo.
Marx, bem como o Diabo, deve receber seu devido
reconhecimento. Ele criou uma vasta e convincente estrutura

3 Leopold Senghor, "Socialism Is a Humanism," em Erich Fromm (ed.),


Socialist Humanism: An International Symposium (Garden City, Nova Iorque:
Doubleday Anchor, 1966), p. 54. Para uma confirmação perturbadora da
sugestão de Senghor, consulte o artigo “Dialogue: Christ and Marx”,
Newsweek (6 de janeiro de 1967), pp. 74, 76. Cf. Christopher Wren, "Can
Christians Talk to Communists?" Look (2 de maio de 1967), pp. 36ff. [Desde
que escrevi isso, surgiu o movimento conhecido como Teologia da Libertação.
A bibliografia sobre este movimento influente é grande e crescente. O
principal veículo editorial nos Estados Unidos é a Orbis Books. O principal
promotor institucional é a ordem religiosa Maryknoll.]

5
6 A Religião Revolucionária de Marx
intelectual, talvez a maior das tentativas pós-hegelianas de unir as
contradições da autoproclamada razão autônoma do homem.
A tentativa falhou, mas devemos estar dispostos a reconhecer
seus esforços. Nenhum historiador ou pensador social moderno pode
escapar completamente da influência do intelecto de Marx, como
argumentou Raymond Aron.4
Em certo sentido, este livro opõe-se a todos aqueles que pensam
que todos os esforços de Marx foram bobos. Algumas de suas ideias
eram tolas, e merecem ser tratadas como tal. Por esse motivo, não posso
concordar com um crítico deste estudo que escreveu:

Você deveria remover a qualidade do sarcasmo de sua


escrita quando for escrever sobre uma grande figura histórica
como Marx.4

Na história da academia, não houve escritor mais sarcástico e


vitriólico do que Karl Marx, e, uma vez que ele estabeleceu o
precedente, quem sou eu para me desviar dele? Mas, no todo, tenho
levado Marx a sério; ele é um adversário formidável.
Por outro lado, me opus àqueles que não estão dispostos a
admitir que uma conquista intelectual tão imponente poderia ter sido
realizada por um louco. Pois Marx, seguindo suas pressuposições
humanísticas até sua conclusão final aterrorizante, tornou-se, de fato,

4 [Que seja conhecido em 1988: o crítico foi Howard Sherman, um sindicalista


que se autodenomina marxista.]

6
Introdução 7
uma espécie de lunático - um homem obcecado pela ideia de sangue,
caos e revolução. Como diz a Bíblia:

Diz o insensato em seu coração: Não há Deus" (Salmos


14:1).

O fato de Marx tê-lo dito eloquentemente não o torna menos


insensato. O colapso do sistema estava garantido pelo seu ponto de
partida:

A crítica da religião termina com a doutrina de que o


homem é o ser supremo para o homem.5

Mas o homem não é Deus, e é nesse fato que encontramos o


começo do fim da estrutura marxiana.

Os homens antigos frequentemente acreditavam que o


universo se desenvolveu a partir do caos, e o caos era visto como
a fonte de toda criatividade e poder. De acordo com essa visão,
a regeneração da sociedade exigia um retorno ao caos, e os
festivais antigos, entre os quais a Saturnália é a mais conhecida
popularmente, buscavam providenciar isso de forma
ritualística.

Durante um período determinado, no festival, todas as


leis da ordem eram intencionalmente subvertidas. A
propriedade e o casamento, por exemplo, eram feitos nulos e
vazios. Lucian de Samosata, um escritor pagão do século II, nos
dá um relato da Saturnália.

Para Lucian, a era de ouro precedia a ordem; era um


tempo em que “todas as pessoas eram ouro”, e “a escravidão
não existia.” O propósito da Saturnália era restaurar
brevemente essa era de ouro por meio do caos e reviver a

7
8 A Religião Revolucionária de Marx
sociedade contemporânea em sua busca por uma nova era de
ouro.

Não devemos, portanto, nos surpreender que os


marxistas e outros adoradores do caos estejam comprometidos
com a revolução mesmo quando a tomada pacífica de um país é
possível. A revolução deve então ser criada por meio de
liquidações em massa e pela destruição de toda a lei e ordem
estabelecidas, incluindo a ordem econômica.

A "economia" do socialismo (e dos estados de bem-estar)


não faz sentido porque não foi feita para fazer sentido: ela é
uma afronta ao universo de Deus em nome do caos. Eles
invocam o caos como o caminho para a era de ouro.

Se falham, a culpa não é deles. Eles culpam o fracasso


em áreas residuais e bolsões de religião, lei e ordem, que têm
propriedades e lealdade nacional. Sua solução, portanto, é
aumentar o caos. Uma vez que seu universo é um universo de
caos, sua era de ouro só pode vir por meio do caos planejado.

Portanto, eles negam a validade do Deus bíblico; eles


não podem aceitar um mundo de lei moral e econômica. Sua era
de ouro exige o triunfo do homem sobre a religião, sobre a
moralidade e sobre a economia. A libertação do homem requer
a violação e destruição sistemáticas de todas as esferas da lei.

R.J. Rushdoony* 6

8
Introdução 9

1 Sidney Finkelstein; "Marxism and Existentialism," Science and Society, XXXI


(1967), pp. 59-60
2 Charles Hodge, Princeton Sermons (London: Banner of Truth Trust, 1958), p.
xv.
3 Santiago Alvarez, "Towards an Alliance of Communists and Catholics,"
World Marxist Review, VIII (Junho, 1965), p. 47. Ver também o relatório sobre
a conferência realizada entre católicos e marxistas na primavera de 1965:
Walter Hollitscher, “Dialogue Between Marxists and Catholics”, World
Marxist Review, VIII (Agosto, 1965), pp. 53-58. A declaração de Hollitscher
vai direto ao ponto: “As tendências humanistas devem ser mantidas sem
preconceitos – esse é o terreno comum sobre o qual ateus e crentes podem se
encontrar para uma ação conjunta” (56).
4 Raymond Aron, The Opium of the Intellectuals (Nova Iorque:. Norton, 1962),
p. 105.
5 Marx, "The Critique of Hegel's Philosophy of Right," (1844), em Karl Marx:
Early Writings, editado por T. B. Bottomore (Nova Iorque: McGraw-Hill,
1964), p. 52. ["Contribution to the Critique of Hegel's Philosophy of Law.
Introduction," Collected Works, 3 (Nova Iorque: International Publishers,
1975), p. 182.]
6 R. J. Rushdoony, The Religion of Revolution (Victoria, Texas: Trinity Episcopal
Church, 1965), pp. [1,4].

9
1.
A BIOGRAFIA DE UM
REVOLUCIONÁRIO
Pois Marx foi, antes de todo o resto, um revolucionário. Sua verdadeira
missão em vida foi a de contribuir, de uma forma ou de outra, para a destruição da
sociedade capitalista e das instituições do estado que ela trouxe à vida; contribuir
para a libertação do proletariado moderno, que ele foi o primeiro a tornar consciente
de sua própria posição e suas necessidades, consciente das condições de sua
emancipação.
Frederick Engels (1883)1

Karl Heinrich Marx, o filho burguês de um pai burguês, nasceu


em Trier, na atual Renânia-Palatinado, Alemanha, em 5 de maio de
1818. Ele era judeu por nascimento, mas em 1816 ou 1817, seu pai se
juntou à igreja cristã oficial do estado 1 e tratou de que seus filhos
fossem batizados em sua nova fé em 1824.2

1 [Robert Payne, Marx (Nova Iorque: Simon & Schuster, 1968), p. 21; Boris
Nicolaievsky e Otto Maenchen-Helfin, Karl Marx: Man and lighter (London:
Methuen, 1936), p. 5. O último livro data a “conversão” de Heinrich Marx
como em algum momento entre o verão de 1816 e a primavera de 1817.
Lembrete: eu uso colchetes para indicar o material adicionado em 1988.]
2 [Payne, Marx, p. 21; Nicolaievsky, Karl Marx, p. 6. Franz Mehring confunde
incorretamente a data da "conversão" de Heinrich ao Cristianismo, 1817, com
a data do batismo de seus filhos, 1824: Franz Mehring, Karl Marx: The Story
of His Life (Ann Arbor: University of Michigan Press, [1933] 1962), p. 1.]

11
12 A Religião Revolucionária de Marx
Após um breve envolvimento com uma forma liberal e pietista
de cristianismo, o jovem Karl se tornou um humanista dedicado. Ele
levou seu humanismo a conclusões revolucionárias. Karl Marx, neto de
rabinos, se tornaria o rabino do movimento religioso mais importante
da Europa: o humanismo revolucionário.
Os primeiros anos de Marx eram notáveis apenas pelo fato de
serem tão confortáveis e pouco distintos. Assim como a carreira de seu
discípulo do século XX, Lenin, os dias pré-universitários de Marx
foram marcados por sua competência e obstinação, mas sem sinais de
originalidade de pensamento.
Ele era um bom estudante, especialmente em línguas e na
dissecação detalhada de linha por linha dos sistemas filosóficos de
outras pessoas. Ele manteve ambas as habilidades ao longo de sua vida.
Em outubro de 1835, ele ingressou na Universidade de Bonn, período
durante o qual se ocupou com bebidas e duelos, ambos os quais eram
passatempos fundamentais na educação de qualquer jovem Cavalheiro
alemão.3
Por causa de pressões de seu pai, Marx se matriculou no ano
seguinte na faculdade de direito da Universidade de Berlim. O pai de

3 Nicolaievsky e Maenchen-Helfen, Karl Marx, ch. 2. Para algumas observações


esclarecedoras sobre a estreita relação entre a participação em fraternidades
em conflito e o sucesso na burocracia alemã do século XIX, consulte o ensaio
de Max Weber, "National Character and the Junkers," in H. H. Gerth and
C.Wright Mills (eds.), From Max Weber: Essays in Sociology (Nova Iorque:
Oxford University Press, 1946), pp. 386-95.

12
A Biografia de um Revolucionário 13
Marx esperava que seu filho fosse sujeito a menos distrações em
Berlim, já que esta era conhecida por ser rigorosa academicamente.
O estudioso alemão Ludwig Feuerbach certa vez comentou que

Outras universidades são definitivamente bacanais em


comparação com este hospício.

Referindo-se à Universidade de Berlim, e Heinrich Marx não


pôde fazer nada além de enviar seu filho para tal instituição.2
Infelizmente, Marx se distraiu facilmente em Berlim; desta vez, no
entanto, as distrações eram primariamente intelectuais.

Os Jovens Hegelianos
Berlim era o centro de um grupo de estudantes e jovens
professores conhecidos como os "Jovens Hegelianos", seguidores
radicais do filósofo G. W. F. Hegel (1770-1831). Marx tornou-se um
membro íntimo deste "Clube dos Professores", e a maior parte do seu
tempo era gasto em longas discussões filosóficas e políticas nos cafés e
outros locais de encontro do pequeno grupo.
Apesar das cartas entusiasmadas que enviava para casa ao seu
pai, cheias de detalhes descrevendo seu suposto progresso acadêmico -
as quantidades de trabalho que afirmava ter realizado eram

13
14 A Religião Revolucionária de Marx
positivamente impressionantes - ele parecia avançar muito lentamente,
se é que avançava, em direção ao seu diploma em direito. 4
Até mesmo seus colegas no grupo imploravam para que ele
acelerasse a elaboração de sua tese de doutorado. Finalmente, em 1841,
ele submeteu sua tese a outra universidade, a Universidade de Jena, e
recebeu seu diploma em filosofia (não em direito) no mesmo ano.
[A tese tinha o título de "Diferença entre a Filosofia da Natureza
Democriteana e Epicurista", um tópico apropriadamente estreito para
uma tese. É ainda menos interessante do que o título sugere. O leitor
deve notar o quão distante seu tema estava de tudo o que Marx escreveu
posteriormente.
Ele mais tarde pagou para tê-la impressa como um livro. A
versão em inglês tem 72 páginas. Nunca desempenhou um papel
importante no marxismo ou em qualquer outra coisa, mas a última frase
do prefácio da versão impressa é importante, pois revela o ódio de Marx
tanto a Deus quanto à autoridade:

4 Um exemplo dessas cartas é reproduzido em Otto Rühle, Karl Marx: His Life
and Work (Nova York: New Home Library, 1943), 15-24. Muitos de seus
biógrafos levam essas cartas a sério, mas seu pai permaneceu um tanto cético.
Para um relato mais razoável do que provavelmente aconteceu nesses tempos
universitários, ver Leopold Schwartzschild, Karl Marx: The Red Prussian
(Nova Iorque: Universal Library, 1947), ch. 3. [Esta carta foi reimpressa em
Marx e Engels, Collected Works, 1 (Nova Iorque: International Publishers,
1975), pp. 10-21.]

14
A Biografia de um Revolucionário 15
Prometeu é o santo e mártir mais eminente no calendário
filosófico.

Imediatamente antes disso, ele havia citado em grego de


Prometeu Acorrentado de Ésquilo:

Tenha certeza disso, eu não trocaria meu estado de


infortúnio por sua servidão. Melhor ser servo desta rocha do
que ser fiel ao Pai Zeus.3 ]

Em 1842, Marx começou a trabalhar no único tipo de emprego


remunerado que teria em toda a sua vida, o de jornalista. Ele começou
a escrever para o Rheinische Zeitung, um dos jornais progressistas da
época. Era um jornal pequeno, mas pelo menos oferecia a possibilidade
de avanço rápido para um jovem com título de doutor. Ele começou em
abril; até outubro, o jovem Marx já era editor.
Infelizmente, o jovem exibiu uma característica que o marcaria
ao longo de sua carreira: uma relutância em se comprometer diante de
obstáculos avassaladores. Em março de 1843, o governo prussiano
ordenou sua supressão após o dia 1º de abril. Marx renunciou ao cargo
de editor no dia 17 de março.
Curiosamente, nesta fase de sua carreira, Marx era na verdade
contrário ao comunismo como um sistema econômico e filosófico.
Mas, dentro de um ano, ele e outro jovem intelectual alemão, Friedrich
Engels, foram convertidos a uma forma rudimentar de comunismo. O
catalisador dessa metamorfose foi Moses Hess, o "rabino comunista",
como Marx frequentemente o chamava.
Marx posteriormente foi muito além de Hess em sua devoção à
causa revolucionária e construiu uma crítica muito mais profunda da

15
16 A Religião Revolucionária de Marx
sociedade capitalista, mas o papel desempenhado por Hess nesta fase
inicial do desenvolvimento de Marx não pode ser superestimado. 5
Outra oportunidade de entrar no mundo do jornalismo surgiu
logo em seguida. Marx levou sua jovem esposa, Jenny von Westphalen,
para Paris, onde ele e seu antigo colega dos "Jovens Hegelianos",
Arnold Ruge, começaram a editar os Deutsch-Französischen
Jahrbücher [Anuários Franco-Alemães].
A primeira edição foi publicada em fevereiro de 1844; seria
também a última. Os dois homens discutiram, e a ruptura nunca foi
superada. Muitas das cópias foram confiscadas pelo governo prussiano
quando foram enviadas para a Prússia.
Nos Anuários, dois importantes ensaios iniciais de Marx foram
publicados: a "Introdução a uma Crítica da Filosofia do Direito de
Hegel" e sua resposta a Bruno Bauer, "Sobre a Questão Judaica", então,
do ponto de vista do historiador, a empreitada não foi totalmente inútil.

5 Hess inicialmente encorajou os editores do Rheinische Zeitung a contratar o


jovem Marx. Hess é descrito por Isaiah Berlin como um "missionário"
comunista, mais tarde marxista e sionista, que dedicou a maior parte de seus
esforços para conquistar adeptos para a nova fé. Conferir Isaiah Berlin, Karl
Marx: His Life and Environment (3ª ed.; Nova Iorque: Oxford University
Press, 1963), pp. Para uma análise mais detalhada do pensamento de Hess,
conferir Sidney Hook, From Hegel to Marx (Ann Arbor: University of
Michigan Press, [1950] 1962), cap. 6. [Conferir também Shlomo Avineri,
Moses Hess: Prophet of Communism and Zionism (Nova Iorque: New York
University Press, 1985). Avineri é autor de um livro influente sobre Marx, The
Social And Political Thought of Karl Marx (Nova Iorque: Cambridge
University Press, 1968).]

16
A Biografia de um Revolucionário 17
Mas, dado o período em que viveu, Marx não era realmente a
melhor pessoa para se ter como editor, como os radicais na Prússia e na
França estavam começando a perceber. No entanto, ele continuou a
escrever para outra publicação radical, o Vorwärts! [Avante!].6
Em 1844, Marx e Engels iniciaram uma longa amizade que
duraria enquanto ambos estivessem vivos. Engels era filho de um rico
industrial alemão e ele mesmo não rompeu relações com os negócios
até mais tarde em sua carreira. Era um homem de gostos caros que
apreciava uma noite na ópera ou no balé.
Ele dificilmente seria o homem que se esperaria encontrar como
colaborador de Karl Marx, o fundador do pensamento revolucionário
marxista. O próprio trabalho de Engels, "A Situação da Classe
Trabalhadora na Inglaterra em 1844", teve um profundo efeito sobre
Marx; a partir de 1845, Marx passou a ter muito mais respeito pela
pesquisa e investigação econômica do que ele poderia ter imaginado
em seus primeiros dias "filosóficos".

A Liga Comunista
O governo prussiano pressionou as autoridades francesas a
deportarem Marx, e em 1845 a pequena família Marx foi exilada para
Bruxelas. Para evitar experiências semelhantes, ele renunciou à sua
cidadania prussiana.

6 Sobre o jornalismo inicial de Marx, conferir Mehring, Karl Marx, pp. 32-87.

17
18 A Religião Revolucionária de Marx
Pelos dois anos seguintes, Marx pôde dedicar seu tempo a
outros assuntos. Ele ajudou a estabelecer sociedades radicais por
correspondência; escreveu e ajudou a organizar a Liga dos Justos. A
liga mudou seu nome em 1847 para a Liga Comunista; possuía 17
membros, dos quais nenhum tinha origem proletária (ela deixou de
existir em 1851, após o colapso das revoluções de 1848-50).
Ele e Engels colaboraram na redação de A Sagrada Família
(1845) e de A Ideologia Alemã (1845-46, publicada apenas
postumamente na década de 1930). Finalmente, em 1847, os dois
trabalharam em sua publicação mais famosa, o "Manifesto Comunista",
a pedido da Liga Comunista.
Inicialmente, Engels apresentou um panfleto revolucionário
modelado segundo o padrão dos catecismos das igrejas da época, mas
Marx rejeitou a ideia. A Liga Comunista esperava que o manifesto
estivesse pronto para influenciar as massas na iminente revolução, que
todos os membros esperavam a revolução começar quase que
imediatamente. A revolução chegou cedo demais, no entanto; e o
panfleto não apareceu antes de fevereiro de 1848, justamente quando
os levantes estavam começando. No mês seguinte, Marx foi expulso da
Bélgica.
Marx e sua família chegaram a Londres, e enquanto vivesse
Marx jamais passaria muito tempo fora das Ilhas Britânicas. Foi em
Londres que ele fez sua pesquisa para O Capital, trabalhando todos os
dias durante longas horas no British Museum.
Seu único emprego na Grã-Bretanha foi como correspondente e
analista no New York Daily Tribune de Dana. Foi na Inglaterra que ele

18
A Biografia de um Revolucionário 19
e Engels organizaram, em 1864, a Associação Internacional dos
Trabalhadores (a Primeira Internacional).
Após a publicação de A Guerra Civil na França (1871), na qual
ele defendeu a Comuna de Paris de 1871, ele ficou conhecido como "O
Doutor Vermelho" da Inglaterra, embora nunca tenha erguido uma
barricada ou disparado um rifle contra as tropas do governo; a Inglaterra
conservadora nunca conseguiu dar a Marx uma revolução.
Apesar de seus violentos ataques às instituições e à moral
burguesas, Marx era a antítese de seu ideal revolucionário, ao menos
em sua vida privada. Ele permaneceu legalmente casado com a mesma
mulher durante toda a sua vida, e os dois eram fiéis um ao outro. [Isso,
apesar do fato de Marx ter gerado um filho ilegítimo em 1851 com a
empregada vitalícia de sua esposa, Helene Demuth.7 ]
Embora dificilmente fosse um provedor competente,
aparentemente foi bem-sucedido como pai, ao menos aos olhos de seus
filhos.8 Ainda assim, das três filhas que sobreviveram à infância, duas
(incluindo Eleanor) cometeram suicídio. Mas talvez o mais importante
de tudo seja o fato de que Karl Marx, o economista mais brilhante dos

7 [O nome do jovem era Fred Demuth. Robert Payne, Marx (Nova Iorque:
Simon & Schuster, 1968), pp. 532-45. Seu nome era pronunciado "DEEmoth,"
p. 537.]
8 Veja a nota de Eleanor Marx Aveling sobre o amor de seu pai por sua família
em Erich Fromm, Marx's Concept of Man (Nova Iorque: Ungar, 1961), pp.
248-56.

19
20 A Religião Revolucionária de Marx
radicais, viveu em pobreza e endividamento contínuos ao longo de toda
a sua vida.9
[A seguinte seção sobre a renda de classe média alta de Marx e
seu desperdício dela foi, até onde eu sei, a primeira análise já publicada
que se referiu a estatísticas sobre os níveis de renda na época de Marx.
No mesmo ano em que este livro foi publicado pela primeira vez, 1968,
a biografia de Marx escrita por Robert Payne também revelou esse fato.
Ela aliás discutiu em maiores detalhes a compra de uma bela
casa por Marx, e outros luxos.4 Eu expandi minha discussão dessa
história em um ensaio de 1971,5 que está reproduzido aqui como
Apêndice C.
Mesmo hoje, pouquíssimos estudantes conhecem esse lado da
vida de Marx. Ou os historiadores simplesmente não fizeram o dever
de casa ou então eles estão predispostos a permanecer em silêncio, por
razões ideológicas, sobre suas descobertas.]
A hostilidade de Marx em relação aos banqueiros e capitalistas
em geral, e aos agiotas judeus em particular, pode ter derivado em parte
de sua própria incapacidade de equilibrar as finanças. Em 1866, apenas
dois anos após conseguir uma grande quantia de mais de 1150 libras,
ele estava procurando um empréstimo a 5%, enquanto pagava entre
20% e 30%.6

9 Estou usando os termos "radical" e "liberal" no mesmo sentido que Robert A.


Nisbet usa em The Sociological Tradition (Nova Iorque: Basic Books, 1966),
pp. 9-16, e como ele os utiliza em seu livro The Quest for Community (Nova
Iorque: Oxford University Press, 1953).

20
A Biografia de um Revolucionário 21
Suas doenças eram caras, e sua tentativa de manter suas três
filhas em luxo burguês também drenava suas finanças, mas esse tipo de
dívida é notável. Em 1866, escreveu para o Dr. Kugelmann:

Estou diante de uma crise financeira no futuro imediato,


algo que, além dos efeitos diretos sobre mim e minha família,
seria também desastroso para mim politicamente,
especialmente aqui em Londres, onde é preciso 'manter as
aparências'.7

Os círculos revolucionários de Londres aparentemente sofriam


de uma dose severa de “vaidades burguesas”, e Marx não era exceção.
É irônico que as coisas que o mantiveram financeiramente à tona foram
os agiotas e seu bem-sucedido amigo capitalista, Engels.
O papel de Engels foi espontaneamente admitido por Marx:
“Ele é meu amigo mais íntimo. Dele não escondo segredo algum. Se
não fosse por ele, há muito tempo eu já teria sido obrigado a assumir
'negócios'.”8 A ideia de Marx se envolver em negócios é divertida, dada
sua habilidade financeira.
É uma pena que Marx tenha vivido no século XIX; hoje em dia
ele seria muito mais bem apoiado por várias fundações privadas ou
quasi-privadas que têm como parte de sua política de gastos o
financiamento de promissores escritores revolucionários.

Infinitas Excomunhões
Outra característica da personalidade de Marx foi sua
incapacidade de cooperar com seus companheiros revolucionários. Ao
longo de sua carreira, passou parte do tempo em brigas triviais com ex-

21
22 A Religião Revolucionária de Marx
associados e trabalhadores em atuação que eram, na mente de Marx,
rivais.
Apenas com Engels ele permaneceu em termos amigáveis, e
Engels teve o cuidado de sempre dar a Marx as duas coisas de que
precisava: absoluta subserviência e dinheiro. Otto Ruhle, de forma
alguma um biógrafo desfavorável, não exagerou ao escrever que

Marx era uma daquelas pessoas que são dominadas por


um impulso constante em direção ao mais alto, ao mais puro, ao
mais ideal. Sua ambição não era a de ser apenas o mais famoso
dentre aqueles que haviam estudado literatura socialista ou o
mais erudito dentre todos os críticos da ciência econômica;
Marx também queria ser o mais eficiente revolucionário, o mais
proeminente dentre os defensores da revolução.

Ele queria expor a teoria mais pura, estabelecer o mais


completo sistema comunista. Como preliminar para a
demonstração dessa superioridade, ele precisava provar que as
teorias socialistas de todos os seus predecessores eram inúteis,
falsas, desprezíveis ou ridículas. Precisava mostrar que o
socialismo dos utopistas era um quebra-cabeça de ideias
questionáveis e ultrapassadas.

Que Proudhon era um intruso suspeito no reino do


pensamento socialista. Que Lassalle, Bakunin e [Johann]
Schweitzer estavam contaminados com ideologia burguesa e
que provavelmente haviam se vendido ao inimigo. Ele, Marx,
era o único em posse da verdadeira doutrina.

A dele era o conhecimento cristalino; a pedra filosofal;


a concepção imaculada do socialismo; a verdade divina. Com
ira desdenhosa, com zombaria amarga e hostilidade profunda,
rejeitou todas as outras opiniões, lutou contra todas as

22
A Biografia de um Revolucionário 23
convicções que não fossem as suas, perseguiu todas as ideias
que não haviam surgido de seu cérebro.

Para ele, não havia sabedoria exceto a sua, nenhum


socialismo que não aquele que proclamava, qualquer
verdadeiro evangelho fora dos limites de sua doutrina. Seu
trabalho era a essência da pureza intelectual e da integridade
científica. Seu sistema era Allah, e ele era seu profeta.9

A relutância de Marx em tolerar qualquer coisa que ele


considerasse insubordinação foi a causa de numerosas divisões dentro
das fileiras do movimento revolucionário proletário na Europa,
algumas das quais poderiam ter sido evitadas.
Até Franz Mehring, autor da biografia semioficial de Marx, teve
de admitir que durante a disputa com Lassalle, o fundador do Partido
Social-Democrata Alemão Marxista, Marx foi excessivamente amargo.

Em suas cartas para Engels, Marx condena as atividades


de Lassalle com uma severidade que ocasionalmente se
transforma em injustiça amarga.10

As referências de Marx a Lassalle como “judeuzinho” ou


“Judeu preto” certamente não foram feitas no melhor estado de sua
autoproclamada neutralidade.11

O Antissemitismo de Marx
Isso levanta toda a questão do suposto antissemitismo de Marx.
Somente pelo fato de envolver uma análise psicológica póstuma, um
empreendimento acadêmico no mínimo questionável, a questão é
extremamente difícil de lidar.

23
24 A Religião Revolucionária de Marx
Como podemos saber o que ele pensava sobre um assunto se
seus escritos sobre isso são tão ambíguos? Aqueles que afirmam que
ele era antissemita sempre apontam para as cartas que ele escreveu para
Engels, que continham desagradáveis declarações sobre Lassalle.
Por que ele usaria a palavra “judeu” como expressão maior de
seu desprezo? Em seu ensaio publicado em 1844, A Questão Judaica,
o que ele estava atacando, perguntam seus críticos, se não a fé e a
cultura judaicas?
A resposta, pelo menos em parte, é que ele estava atacando a
vida burguesa em geral, usando o famoso estereótipo do financista
Judeu Europeu como seu tipo representativo de homem burguês. Ele
via a comunidade judaica como uma cultura infectada e doente –
totalmente burguesa e sempre atrás de dinheiro. Mas a pergunta do
crítico ainda permanece: por que ele pôs ênfase nos judeus? 10

10 Os conservadores judeus têm um carinho especial por apontar essas supostas


declarações antissemitas. Cf. Max Geltman, "A Little-Known Chapter in
American History," National Review (5 de outubro de 1965), pp. 865-67.
[Geltman posteriormente fez uma resenha da primeira edição de Marx’s
Religion para a National Review (8 de abril de 1969), usando-a como ponto de
partida para seus próprios pensamentos confusos.

Geltman rejeitou a tese do livro, de que o marxismo representa um retorno à


teologia do culto ao caos do mundo antigo. Ele também afirmou que eu estava
em erro por não reconhecer que a busca do homem pela magia é a busca que
diferencia o homem das criatura s brutais da Terra.

24
A Biografia de um Revolucionário 25
Sidney Hook tentou defender Marx nesse ponto:

Embora Marx estivesse livre de preconceito antissemita,


infelizmente ele não era excessivamente sensível ao usar o termo
‘judeu’, muitas vezes junto a adjetivos desagradáveis, como um
epíteto de abuso.11

Mas o fato permanece que “judeu” foi a palavra que Marx


escolheu. Otto Ruhle forneceu uma resposta tão razoável quanto se
poderia esperar. Marx, argumenta ele, estava profundamente ciente do
estigma social associado à sua própria origem judaica.

Ninguém poderia esquecer que Marx havia nascido


judeu, pois não apenas seu tipo facial era marcadamente
hebraico, mas todo o seu aspecto gritava uma origem semita.
Batizado ou não batizado, Marx permanecia judeu,
reconhecível como tal à primeira vista, e, portanto,

Felizmente, Geltman nunca foi uma figura bem conhecida no movimento


conservador. Eu teria preferido que um estudioso competente como Thomas
Molnar tivesse sido escolhido para revisar o livro.] Também, Archibald B.
Roosevelt e Zygmund Dobbs, The Great Deceit: Social Pseudo-Sciences
(West Sayville, New York: Veritas Foundation, 1964), cap. 7.
[O estudo mais detalhado disso é feito por Julius Carlebach, Karl Marx and
the Radical Critique of Judaism (London: Routledge & Kegan Paul, 1978).
Muito mais interessante de ler é o livro de Nathaniel Weyl, Karl Marx: Racist
(New Rochelle, New York: Arlington House, 1979).]
11 Hook, From Hegel to Marx, p. 278n. [A defesa de Hook é de um tipo leve; ele
desafiou L. Rudas por defender a prática de Marx de usar a palavra "Judeu."
Mas qual é a justificativa de Hook para dizer que Marx estava livre de
preconceito antissemita?]

25
26 A Religião Revolucionária de Marx
sobrecarregado por todo o preconceito que havia contra sua
raça.

Pode-se presumir que, desde a infância, ele estivesse na


defensiva, esforçando-se determinadamente, por meio da
inteligência e do trabalho, para compensar as desvantagens do
nascimento.

Em outras palavras, especula Ruhle, Marx provavelmente sofria


de algum tipo de complexo de inferioridade, e suas referências
antissemitas eram uma forma de autodefesa:

O leitor não pode escapar da sensação de que ele está


ostensivamente mostrando sua oposição contra o Judaísmo, que
está se separando demonstrativamente de sua própria raça e, ao
enfatizar suas tendências anticapitalistas, que está se
declarando diante de todo o mundo como não sendo Judeu.12

[Eu removi os dois últimos parágrafos do primeiro capítulo da


edição original. Eles relatavam uma suposta entrevista entre S. M. Riis
e Helene (Lenchen) Demuth. Riis disse que a entrevista ocorreu em
1903.12 Isso é impossível.
A biografia de Payne fornece a data da morte de Demuth:
1890.13 Eu não sabia que ela estava morta em 1903. Eu deveria ter
verificado minha fonte, pois estava um tanto cético em relação a ela,
como indiquei na época.

12 Riihle, Karl Marx, p. 377. Uma análise breve, mas semelhante, é encontrada
em Berlin, Karl Marx, p. 269.

26
A Biografia de um Revolucionário 27
O livro de Payne e o meu foram lançados aproximadamente ao
mesmo tempo, e nenhum outro biógrafo de Marx havia dedicado mais
do que uma ou duas frases a Helene Demuth. Não sei com quem Riis
conversou em 1903, ou se a conversa realmente ocorreu, mas não foi
com Helene Demuth.]

1 Frederick Engels, "Speech at the Graveside of Karl Marx," (1883), em Karl


Marx and Frederick Engels, Selected Works, 3 vols. (Moscow: Progress
Publishers, 1969), 3, p. 163. [Abandonei o uso da palavra "vo1." nas notas de
rodapé das várias obras de Marx. O algarismo arábico após o título do livro ou
o ano de sua publicação é o número do volume.]
2 A citação de Feuerbach encontra -se em Mehring, Karl Marx, p. 9.
3 Collected Works, 1, p. 31n.
4 Payne, Marx, pp. 350-59
5 American Opinion (April 1971).
6 Carta para Kugelmann, 13 de outubro de 1866: Letters to Kugelmann (Nova
Iorque: International Publishers, 1934), p. 42.
7 Ibid.
8 Carta para Kugelmann, 25 de outubro de 1866: ibid., p. 44.
9 Otto Ruhle, Karl Marx, pp. 382-83; cf. 101,238.
10 Franz Mehring, Karl Marx, p. 308.
11 Para uma lista dessas referências virulentas, consulte Schwartzchild, Karl
Marx: The Red Prussian, p. 251.

27
28 A Religião Revolucionária de Marx

12 S. M. Riis, Karl Marx: Master of Fraud (Nova York: Robert Speller & Sons,
1962), p. 11.
13 Payne, Marx, p. 518.

28
2.
A COSMOLOGIA DO CAOS
Tanto para a produção em larga escala dessa consciência comunista quanto
para o sucesso da própria causa, é necessária uma mudança em grande escala nos
homens, uma mudança que só pode ocorrer num movimento prático, numa revolução;
portanto, essa revolução é necessária não apenas porque a classe dominante não
pode ser derrubada de outra forma, mas também porque a classe que a derruba só
pode livrar-se de toda a imundície dos séculos e tornar-se apta a recriar a sociedade
no curso de uma revolução.
Marx e Engels (1845-46)1

É sempre uma tarefa difícil lidar com uma figura como Karl
Marx, e por várias razões. Não menos importante desses problemas é o
fato de que Marx foi uma figura de síntese: ele foi o herdeiro da tradição
revolucionária jacobina da Revolução Francesa; teve uma importância
significativa no desenvolvimento de algumas ideias da economia
política clássica; foi um dos fundadores da história econômica, da
sociologia e das ciências sociais em geral; e foi o mais famoso dentre
os esquerdistas radicais seguidores de Hegel.
Acima de tudo, ele foi o cofundador (junto com Friedrich
Engels) do “socialismo científico” ou Comunismo, o sistema de
pensamento que sustentam hoje, ao menos de maneira teórica, os
governos civis que exercem domínio sobre um terço da população
mundial.

29
30 A Religião Revolucionária de Marx

Dialética: Lógica e História


Ao analisar o sistema marxiano, é necessário examinar o
contexto dos problemas filosóficos que mais preocupavam Karl Marx.
O problema central que têm confrontado os filósofos sociais ao longo
da história é a questão das leis e sua relação com as condições em
constante mudança no universo humano.
Por incontáveis séculos, os homens têm tentado encontrar
padrões permanentes que possam ser demonstrados como eternos e
universalmente aplicáveis a todas as sociedades humanas. Se essas leis
puderem ser descobertas e codificadas, poderão ser confiadas para
regular a sociedade humana de maneira ordenada e apropriada.
A suposição oculta dessa busca é a de que a humanidade é
essencialmente um ser unificado, e de que os problemas básicos e
soluções humanas permanecem os mesmos ao longo da história e em
todas as fronteiras geográficas.
Por outro lado, os filósofos também perceberam que o universo
está em constante fluxo, e as atividades humanas mudam à medida que
os homens atravessam o tempo ou fronteiras nacionais e culturais. Tem
sido uma tarefa impossível descobrir leis estáticas e universais
relevantes para todos os tempos e lugares; teólogos proclamaram tais
padrões, é claro, mas os filósofos não conseguiram localizá-los através
do uso da razão “neutra”.
Cornelius Van Til, o filósofo-teólogo calvinista, resumiu muito
bem esse dilema:

30
A Cosmologia do Caos 31
Sob as suposições do homem natural, a lógica é um
princípio impessoal atemporal, e os fatos são controlados pelo
acaso. É por meio de princípios universais e atemporais da
lógica que o homem natural deve, em suas suposições, buscar
tornar inteligíveis afirmações sobre o mundo da realidade ou do
acaso. Mas isso não pode ser feito sem cair em contradição.

Sobre o acaso, não se pode fazer qualquer afirmação.


Em sua própria ideia o acaso é o próprio irracional. E como
fazer afirmações racionais sobre o irracional? Se elas devem
ser feitas, então deve ser porque o irracional é ele mesmo
totalmente reduzido ao racional.

Ou seja, se o homem natural deve fazer afirmações


inteligíveis sobre o mundo da 'realidade' ou do 'fato', que
segundo ele é o que é sem razão racional alguma, então ele deve
fazer a reivindicação virtual de racionalizar o irracional.

Para ser capaz de distinguir um fato de outro, ele deve


reduzir toda a existência temporal, toda factualidade a um ser
imutável e atemporal. Mas quando ele faz isso, ele mata toda a
individualidade e factualidade concebida em sua base.

Assim, o homem natural deve, por um lado, afirmar que


toda a realidade é não-estrutural por natureza e, por outro lado,
que toda a realidade é estrutural por natureza. Ele deve até
mesmo afirmar, por um lado, que toda a realidade é não -
estruturável por natureza e, por outro lado, que ele próprio
virtualmente estruturou tudo isso. Assim, toda a sua predicação
é, por natureza, autocontraditória.2

31
32 A Religião Revolucionária de Marx

A Dialética (Dualismo) na Filosofia


Humanista
Na filosofia grega, o dualismo entre a lei e a “factualidade
bruta” aparecia como a controvérsia “forma-matéria” (ou o dualismo
“aparência-realidade”). As formas externamente existentes (Ideias)
eram a realidade básica na natureza, e essas formas metafísicas
deveriam ser usadas como padrões através das quais a ordem poderia
ser imposta a uma matéria obstinada e cambiante.
Essas formas metafisicamente existentes eram as consequências
filosóficas da matéria bruta, que estava em absoluta mudança; leis
absolutamente estáticas deveriam regular uma matéria flutuante que era
governada completamente pelo acaso.
Durante a Idade Média, o dilema mudou um pouco; o dualismo
era visto como um conflito entre natureza e graça. Tomistas e,
posteriormente, escolásticos (incluindo protestantes pós-Reforma)
dividiram a faculdade de raciocínio do homem em dois
compartimentos: a razão natural era considerada suficiente para a
compreensão de eventos naturais, ao passo que para uma compreensão
redentora de fenômenos espirituais e sobrenaturais era necessária a
revelação.
As categorias filosóficas gregas ainda eram a base do raciocínio
humano na esfera “natural” (e na prática o lado do “espiritual” ou da
“graça” também era influenciado pelo pensamento grego).
Por fim, o dualismo moderno surgiu, inaugurado pelo
Renascimento: a divisão “natureza-liberdade”. O homem se encontra

32
A Cosmologia do Caos 33
em um universo que é limitado de um lado pelo total mistério; a
natureza se apresenta como uma força irracional que se opõe ao homem
e o submete ao controle do acaso.
As leis da natureza são desconhecidas e, portanto, o homem
enfrenta um ambiente que parece ser totalmente contingente. No
entanto, ao descobrir as leis da natureza, o homem não apenas reduz a
capacidade de ação do acaso na natureza, mas simultaneamente red uz
a possibilidade de sua própria capacidade de agir livremente.
O homem também é parte da natureza no esquema da filosofia
moderna; portanto, ao restringir as operações livres (ou seja,
irracionais) da natureza, ele também deve renunciar à sua própria
liberdade.
Se o homem é verdadeiramente “um com a natureza”, então as
leis da natureza e as leis da sociedade são para ele tanto uma fonte de
poder quanto uma ameaça à sua liberdade. O poder concedido ao
homem pelo seu conhecimento de leis impessoais simultaneamente o
reduz a uma máquina, a uma coisa em servidão; a liberdade da servidão,
nessa perspectiva, envolve, portanto, um retrocesso da lei para a
irracionalidade sem lei.
Ao contrário da ideia cristã de que o homem é livre apenas
quando está sob a lei divinamente inspirada e revelada, a visão da
filosofia moderna é que o homem só pode ser livre quando não está

33
34 A Religião Revolucionária de Marx
operando sob a lei.1 No entanto, é claro que, sem lei, não pode haver
poder, previsão ou ciência.
A contribuição de Kant foi separar os domínios da natureza e da
liberdade. Como escreve Herman Dooyeweerd:

Os motivos naturais foram depreciados. O ideal da


ciência matemática e mecanicista foi restrito a um mundo
empírico de fenômenos sensoriais ordenados por categorias
lógicas transcendentes do entendimento humano. A liberdade
autônoma do homem não pertence a o reino sensorial da
natureza, mas ao reino ético supra sensorial, que não é
governado por leis naturais, mas por normas.

Assim como em Rousseau, a primazia religiosa foi


atribuída ao motivo da liberdade. No entanto, o assento central
da liberdade humana foi agora buscado no aspecto moral da
vontade humana.3

O dualismo básico, no entanto, não foi resolvido. Era necessário


encontrar um elo para reunir o reino de normas éticas pessoais com o
mundo da realidade empírica.

1 Para uma visão geral de toda a questão da lei e da liberdade na filosofia secular,
consulte Herman Dooyeweerd, In the Twilight of Western Thought (Filadélfia:
Presbyterian and Reformed, 1960). E. L. Hebden Taylor ofereceu uma análise
detalhada desta questão em seu estudo importante, The Christian Philosophy
of Law, Politics and the State (Nutley, New Jersey: Craig Press, 1966),
capítulos 1-7. R. J. Rushdoony, The One and the Many (Nutley, New Jersey:
Craig Press, 1971). [Na primeira edição, eu me referi a este estudo como
futuro.]

34
A Cosmologia do Caos 35

Historicismo
Após o dualismo crítico de Kant, vemos uma nova tentativa de
superar a separação dos dois reinos. Acreditava-se que poderiam ser
resolvidos juntos na esfera histórica, e é aqui que podemos ver o
surgimento de um novo movimento, o historicismo.
Supostamente, a história em si carrega consigo suas próprias leis
de desenvolvimento, seus próprios princípios de interpretação; à
medida que as circunstâncias históricas mudam, as leis da história são
alteradas, mas de maneira ordenada.
Assim, a liberdade do homem é reafirmada; ele não está mais
vinculado a leis eternas e fixas que o prendem a algum padrão fixo. A
ciência social, em resumo, pode escapar do problema da necessidade
ao se redefinir como uma ciência histórica.2
No entanto, mesmo nessa perspectiva do historicismo, o homem
não pode afirmar ter recuperado sua liberdade, pois dentro de qualquer
período ou em qualquer contexto geográfico, as leis da natureza e as
leis da sociedade ainda o controlam. Dentro de qualquer instante de
tempo, as leis ainda exercem um controle total.
O fato de estarem em constante mudança não reduz sua
característica total; o fato de as leis poderem ser relativas entre dois
instantes de tempo não reduz sua autoridade absoluta dentro de cada
instante.

2 Para uma crítica ao historicismo, consulte Karl R. Popper, The Poverty of


Historicism (Nova York: Harper Torchbooks, 1961).

35
36 A Religião Revolucionária de Marx
O historicismo não oferece uma fuga para o homem; apenas o
submete a um relativismo radical. Todos os seus padrões estão
constantemente mudando ao longo do tempo; seus pontos de referência
estão sempre se deslocando.
O homem ainda enfrenta o caos da fluidez de um lado e as
reivindicações despóticas da lei absoluta do outro. Ambas as
afirmações o disputam simultaneamente; e ambas são a consequência
filosófica uma da outra.
Essas questões filosóficas são importantes, apesar de parecerem
bastante nebulosas. As discussões em torno da chamada “Nova
Moralidade” giram em torno dessa questão fundamental da
permanência de padrões éticos.
O movimento "hippie" atual [1968] está preocupado com o
problema geral de normas sociais, códigos legais contemporâneos e os
efeitos que a ciência tem sobre a liberdade do homem. Em 1967, o líder
de uma sociedade secreta hippie underground em San Francisco, os
Psychedelic Rangers, concedeu uma entrevista a um repórter da
Newsweek.
O lema dos Rangers, segundo ele, é este:

O bebê psicodélico come o monstro cibernético.

Com isso, explicou, o grupo quer dizer que a cultura moderna


das drogas LSD varrerá a civilização tecnológica do Ocidente. O fardo
esmagador da vida burocratizada e informatizada será liberado por
homens e mulheres que buscam escapar através do uso de drogas, da
mesma forma que o cidadão do Admirável Mundo Novo de Huxley
usava a “soma”.

36
A Cosmologia do Caos 37
Esse hippie espera ter tanto liberdade interna quanto a riqueza
proporcionada pela produção em massa:

Isso não significa voltar à barbárie. Não significa que


vamos derrubar todos os sistemas de computadores. É apenas
uma questão de sintonizar a mente o suficiente para que ela
esteja envolvida em tornar as coisas melhores. E isso resultará
em uma civilização lindona. Estamos construindo um Tibete
elétrico.4

O melhor dos mundos possíveis: a produção em massa do


Ocidente e a retirada mística do Oriente. O sonho de Kant será realizado
em uma América psicodélica: haverá uma unificação do reino da
liberdade interna e do reino cibernético da ciência.

Hegel
No século XIX, a resolução do dualismo de Kant foi tentada
pela última vez em grande escala pelo filósofo Suábio G.W.F. Hegel,
empregado pelo estado prussiano. Ele criou um dos sistemas filosóficos
mais complexos e abrangentes já construídos.3
No mesmo período, o ideal científico foi reafirmado pelo novo
grupo conhecido como positivistas, especialmente St. Simon e Comte.
Herbert Marcuse resumiu o ponto de vista do movimento positivista:

3 Uma introdução padrão ao pensamento de Hegel é W. T. Stace, The


Philosophy of Hegel (Nova York: Dover, [1923] 1955).

37
38 A Religião Revolucionária de Marx
A ideia idealista da razão, lembramos, estava
intrinsecamente ligada à ideia de liberdade e se opunha a
qualquer noção de uma necessidade natural que governasse a
sociedade.

A filosofia positiva tendia, em vez disso, a equiparar o


estudo da sociedade ao estudo da natureza, de modo que a
ciência natural, especialmente a biologia, tornou -se o arquétipo
da teoria social.

O estudo social deveria ser uma ciência em busca de leis


sociais, cuja validade fosse análoga à das leis físicas. A prática
social, especialmente no que diz respeito à mudança do sistema
social, foi sufocada pela inflexibilidade.

A sociedade foi vista como governada por leis racionais


que se moviam com uma necessidade natural. Essa posição
contradizia diretamente a visão mantida pela teoria social
dialética, de que a sociedade é irracional precisamente porque
é governada por leis naturais. [...]

O repúdio positivista à metafísica foi assim combinado


com o repúdio à pretensão do homem de alterar e reorganizar
suas instituições sociais de acordo com sua vontade racional .4

É no trabalho de Marx que encontramos a próxima grande


tentativa de unificar as várias correntes de pensamento, e é essa síntese

4 Herbert Marcuse, Reason and Revolution: Hegel and the Rise of Social Theory
(Boston: Beacon Press, [1954] 1960), pp. 343 -44. Para uma introdução
importante aos positivistas, consulte F. A. Hayek, The Counter-Revolution of
Science (Glencoe, Illinois: Free Press, [1952] 1955). [Reimpresso pela Liberty
Press, Indianapolis, Indiana, em 1979.]

38
A Cosmologia do Caos 39
tentada que estabelece Marx como uma figura importante na história
intelectual do século XIX.
Antes de examinar o sistema de Marx, no entanto, é necessário
considerar brevemente a contribuição de Hegel. Ele tentou unificar o
dualismo kantiano entre a liberdade humana e a ciência mecanicista em
uma filosofia geral da história.
O fluxo foi inserido na esfera da lei, ao passo que a factualidade
histórica se tornou impregnada de necessidade filosófica. Na concepção
de Hegel, a história é dinâmica, não cíclica, linear; todos os fatos
históricos são, portanto, únicos.
A história está se desenvolvendo até um ponto em que haverá
uma reconciliação final dos múltiplos com a unidade do uno. Unidade
e diversidade serão transcendidas, e o conhecimento subjetivo e o
conhecimento objetivo se tornarão uma forma suprema de
conhecimento. Infelizmente, isso não acontecerá no tempo, uma vez
que o processo histórico é eterno.5
A resolução final desse dualismo serve como pano de fundo –
um conceito limitante – para a visão de Hegel sobre a história. Em
resumo, a história é o desenvolvimento autoconsciente do Espírito, e o
homem é apenas um meio nesse desenvolvimento. O homem é
impulsionado pela “astúcia da história”.
A verdadeira liberdade para o homem consiste, portanto,

em se submeter às necessidades internas que estão se


desenvolvendo gradualmente nas instituições sociais e não em
tentar forçar as coisas por meio de ação revolucionária .6

39
40 A Religião Revolucionária de Marx
As incríveis sutilezas do esquema triádico de desenvolvimento
histórico e lógico de Hegel têm desconcertado as mentes filosóficas
mais astutas. Alguns foram tão longe a ponto de negar que qualquer
fórmula de “tese-antítese-síntese” exista no sistema de Hegel.7
Outros, adotando uma abordagem mais moderada, admitem que
a forma triádica de raciocínio estava presente no sistema, mas que não
se pode fazer uma generalização simples sobre a maneira como Hegel
a usava.8
Em qualquer caso, provavelmente é seguro dizer que Hegel via
o processo da história como a reunificação do Espírito de sua condição
alienada; é um processo dialético em que contradições histórico-lógicas
são superadas por “saltos” ou sínteses descontínuas. Louis J. Halle
colocou dessa forma:

Para Hegel, a história é o processo dialético pelo qual


Deus supera sua alienação. Substitua ‘Deus’ por ‘Homem’ e
isso é o que a história é para Marx também.5

A natureza fundamentalmente conservadora tanto do


positivismo quanto do pensamento de Hegel deve ser óbvia. Se a
história é inflexível, qual é o papel da tomada de decisão dos homens?
Nesse sentido, Comte e Hegel estão unidos, como argumentou Hayek:

Seu determinismo histórico – por determinismo


histórico, não se quer dizer apenas que os eventos históricos são
de alguma forma determinados, mas que somos capazes de

5 Louis J. Halle, "Marx's Religious Drama," Encounter, XXV (outubro de


1965), p. 30. Esta é uma introdução muito útil ao pensamento inicial de Marx.

40
A Cosmologia do Caos 41
reconhecer porque eles estavam destinados a seguir um curso
específico – necessariamente implica um fatalismo completo: o
homem não pode mudar o curso da história. [...]

Não há espaço para a liberdade em tal sistema: para


Comte, a liberdade é ‘a submissão racional ao domínio das leis
naturais’, que são, é claro, suas leis naturais de
desenvolvimento inevitável; para Hegel, é o reconhecimento da
necessidade.9

Em ambos os casos, os homens são determinados por forças


impessoais. Comte vê os homens controlados por leis impessoais;
Hegel vê os homens controlados por um Espírito impessoal e alienado.
Ambos se opõem à perspectiva agostiniana tradicional de um mundo
controlado por um Deus pessoal à imagem do qual o homem é feito.
No entanto, inerente tanto ao hegelianismo quanto ao
positivismo, está uma possibilidade básica de radicalismo. Se as leis
podem ser conhecidas pelos homens, então talvez os homens possam
usar seu conhecimento para reorganizar o mundo.
Se o universo não pertence a um Deus pessoal que o ordena de
acordo com seu plano e que realizará todas as coisas, então o homem
deve tentar ganhar controle se quiser evitar a ruína. O lado radical do
determinismo hegeliano se manifestaria na década de 1840.

Dialética do Hegelianismo: Direita e Esquerda


Duas escolas surgiram após a morte de Hegel na década de
1830. Um lado enfatizou os elementos conservadores do sistema de
Hegel. Partindo do princípio de Hegel de que “tudo o que é real é
racional”, argumentaram que o estado prussiano era o ponto alto da

41
42 A Religião Revolucionária de Marx
história naquele momento (como Hegel próprio havia argumentado) e
que uma revolução seria filosoficamente injustificada.
Em contraste com esse grupo, havia os chamados “hegelianos
de esquerda" – Bruno Bauer, D. F. Strauss, Arnold Ruge, Ludwig
Feuerbach e Marx – que destacaram as implicações revolucionárias da
segunda metade da declaração de Hegel: “tudo o que é racional é real”.
Eles argumentaram que a natureza irracional, mesquinha,
ineficiente e coercitiva do estado prussiano o desqualificava da
categoria ser-racional, e, portanto, sua realidade era efêmera. O
governo prussiano deveria ser criticado sem piedade e, em última
análise, concluiu Marx, ser derrubado em favor de um ambiente social
novo e racional.
D. F. Strauss lançou a “revolta” intelectual com a publicação,
em 1835, de sua Vida de Jesus. Nele, ele criticou os documentos do
Novo Testamento a partir do ponto de vista de uma análise histórica
racionalista.
As ferramentas da “crítica superior”, ele argumentou,
demonstraram que os Evangelhos estavam repletos de muitos mitos que
não podiam ser conectados a eventos históricos definitivos. Esses mitos
eram importantes como símbolos de certas verdades religiosas, mas não
deveriam ser considerados como história.
Strauss não rejeitou o cristianismo como religião, ou ao menos
afirmou que não o rejeitou; ele “apenas” afirmou que os ensinamentos

42
A Cosmologia do Caos 43
históricos da fé em relação à infalibilidade da Bíblia não eram legítimos
à luz da investigação histórica.6

Um Agravamento de Radicalismo
Bruno Bauer não estava disposto a deixar o assunto apenas
nesse ponto. Ele argumentou que a Bíblia era totalmente falsa e que
seria tolice para um homem pensante levá-la a sério. A religião, na
visão de Bauer, não passava de superstição; deveria ser substituída pelo
pensamento racional.
Strauss estava tentando liberalizar o cristianismo, e não o
destruir (pelo menos foi isso que Strauss afirmou); Bauer estava
apresentando o ateísmo. Como Hook descreve a situação,

O ataque de Strauss custou-lhe no máximo um cargo


acadêmico. As obras de Bauer eram assuntos para a polícia .10

Entretanto, Bauer não foi longe o suficiente para satisfazer os


jovens radicais da Alemanha. Feuerbach pegou a posição básica de
Bauer sobre a natureza da religião e a converteu em materialismo. Ele
concluiu que a religião é apenas o produto das necessidad es sociais da
humanidade.
Os homens projetam suas esperanças e valores no vazio, e
chamam essa projeção de “Deus”. Em seu estudo crucial, “A Essência
do Cristianismo” (1841), ele escreveu:

6 Para detalhes sobre Strauss e os outros Jovens Hegelianos, veja From Hegel
to Marx de Sidney Hook.

43
44 A Religião Revolucionária de Marx
A personalidade de Deus é assim o meio pelo qual o
homem converte as qualidades de sua própria natureza nas
qualidades de outro ser, de um ser externo a si mesmo. A
personalidade de Deus não é nada mais do que a personalidade
projetada do homem.11

Em certo sentido, Feuerbach tocou na essência do cristianismo.


Ele viu uma distinção entre fé e amor; o amor unia a humanidade, e
isso, para Feuerbach, é a essência da religião. A fé, no entanto, divide
os homens, precisamente porque os separa de Deus:

A essência da religião, sua natureza latente, é a


identidade do ser divino com o humano; mas a forma da
religião, ou sua natureza aparente e consciente, é a distinção
entre eles. Deus é o ser humano; mas ele se apresenta à
consciência religiosa como um ser distinto.12

Isso, para o humanista, é o pecado imperdoável: o cristão nega


que o homem seja Deus, e como resultado direto dessa blasfêmia, o
cristão começa a fazer distinções entre aqueles que acreditam em Deus
e aqueles que não acreditam:

Acreditar é sinônimo de bondade; não acreditar, de


maldade. A fé, estreita e preconceituosa, refere toda
incredulidade à disposição moral. Em sua visão, o descrente é
um inimigo de Cristo por obstinação, por maldade.

Portanto, a fé tem comunhão apenas com os crentes; os


descrentes ela rejeita. Ela é benevolente para com os crentes,
mas malévola para com os descrentes. Na fé reside um
princípio maligno.13

44
A Cosmologia do Caos 45
Era a alegação de Feuerbach que, antes do cristianismo, os
homens tinham uma concepção da espécie como um todo, mas que o
cristianismo destruiu essa concepção de uma humanidade unida.
Historicamente, ele estava em terreno instável; a distinção que os
gregos faziam entre gregos e bárbaros (todos aqueles que não falavam
grego) parece testemunhar a incapacidade dos homens de se
considerarem como um todo unificado.
Ainda assim, seu ponto básico está correto; o cristianismo em
sua forma ortodoxa tem a visão de uma humanidade dividida: os
homens estão ou salvos ou perdidos, e a distinção é permanente ao
longo da eternidade.
Assim, como humanista, Feuerbach foi muito mais consistente
do que Hegel ou Strauss. Hegel inicialmente esperava defender a
religião (embora não a ortodoxia cristã) por meio de suas especulações
filosóficas.
Feuerbach pegou as pressuposições de Hegel e as estendeu para
uma posição de materialismo radical. Em 1850, ele chegou ao ponto de
afirmar que o homem é o que come, mas esse materialismo “vulgar”
nunca teve qualquer influência sobre Marx.
A visão de Feuerbach sobre a humanidade alienada – alienada
por causa da perversidade das crenças religiosas que dividem a
humanidade – combinada com seu materialismo causou uma
metamorfose nas mentes dos Jovens Hegelianos.
Anos depois, Engels descreveu o impacto de suas ideias:

Então veio A Essência do Cristianismo de Feuerbach.


Com um só golpe, pulverizou a contradição, colocando o

45
46 A Religião Revolucionária de Marx
materialismo de volta no trono, sem rodeios. A natureza existe
independentemente de toda filosofia.

É o alicerce sobre o qual nós, seres humanos, nós


mesmos produtos da natureza, crescemos. Nada existe fora da
natureza e do homem, e os seres superiores que nossas fantasias
religiosas criaram são apenas o reflexo fantástico da nossa
própria essência.

O feitiço foi desfeito; o ‘sistema’ foi explodido e


descartado, e a contradição [entre natureza e a Ideia Absoluta
no sistema de Hegel], mostrada existir apenas em nossa
imaginação, foi dissolvida.

É preciso ter experimentado pessoalmente o efeito


libertador deste livro para se ter uma ideia dele. O entusiasmo
foi geral; todos nós nos tornamos imediatamente
feuerbachianos.7

O humanismo feuerbachiano foi levado um passo além por


Marx e Engels. Marx viu que a crítica à religião não deveria ser apenas
feita com as ferramentas da lógica e da metodologia histórica. A
religião, segundo Feuerbach, era apenas um fator na vida que apontava
o homem como uma espécie. Feuerbach argumentava que o homem

7 Frederick Engels, Ludwig Feuerbach and the End of Classical German


Philosophy (1888), em Marx e Engels, Selected Works, vol. 3, p. 344. Sobre o
impacto do Transcendentalismo Hegeliano e do unitarismo teológico nos
Estados Unidos, veja o ensaio, "The Religion of Humanity", em R. J.
Rushdoony, The Nature of the American System (Nutley, Nova Jersey: Craig
Press, 1965). [Reimpresso pela Thoburn Press, Fairfax, Virgínia, em 1978.]

46
A Cosmologia do Caos 47
havia se alienado ao projetar seus ideais no vazio. Mas por que o
homem fez isso?
Obviamente, concluiu Marx, devido às condições sociais
alienadas que compunham o ambiente do homem. No entanto,
Feuerbach não oferecia nenhuma solução para a alienação do homem,
pois esperava que os homens escapassem de sua alienação
simplesmente adotando uma religião de amor humanista.
Isso não era uma solução, acreditava Marx, pois não atingia a
raiz do problema; as condições sociais opressivas do homem davam
origem a tais fantasias, então é preciso lidar com o ambiente do homem
para remover as bases das ilusões religiosas.
O materialismo de Feuerbach era defeituoso; ele concebia o
homem como uma criatura plástica e observadora, totalmente sujeita à
realidade material ao seu redor. Marx o rejeitou em suas famosas teses
sobre Feuerbach (1845), e na 11ª tese, resumiu sua posição:

Os filósofos apenas interpretaram o mundo de várias


maneiras; a questão, no entanto, é transformá-lo.8

Marx dedicaria o restante de sua vida a essa tarefa dupla:


interpretar o mundo e organizar, explicar e profetizar a revolução que
o mudaria.

8 Marx, "Theses on Feuerbach" (1845), em Selected Works, vol. 1, p. 15.


[Collected Works, vol. 5, p. 5.] Hook inclui um estudo detalhado das "Theses"
em From Hegel to Marx, ch. 8. Conferir também S. Diamond, "Marx's 'First
Thesis' on Feuerbach," Science and Society, I (1937), pp. 539-45.

47
48 A Religião Revolucionária de Marx

O Humanismo de Marx
Marx, em 1842, ainda não era um comunista, como vimos
anteriormente. Em 1843, Moses Hess o converteu à ética comunista, e
ele nunca mais abandonaria essa fé nas próximas quatro décadas de sua
vida.
Nos escritos publicados postumamente dessa fase inicial de sua
carreira, podemos ver os contornos gerais dos temas que
caracterizariam todo o seu trabalho ao longo da vida. Por mais que ele
possa ter modificado essa estrutura original, nunca abandonou suas
premissas básicas.
Nossas principais fontes de informação sobre o “jovem Marx”
(idade 25-27) são os Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844,
inéditos até 1927 e traduzidos para o inglês apenas na década de 1960
(exceto por uma versão mimeografada de 1949 circulada em um
pequeno grupo de marxistas americanos).
Quando esses manuscritos são lidos juntamente com os
primeiros escritos nos quais ele e Engels trabalharam, A Sagrada
Família (1845) e A Ideologia Alemã (1845-46), eles apresentam uma
imagem de Marx que, com apenas algumas exceções notáveis, não
havia sido reconhecida pela maioria dos estudiosos modernos até
meados da década de 1960.9

9 Para traduções dos fragmentos mais importantes desses escritos, veja Karl
Marx: Selected Writings in Sociology and Social Philosophy, editado por T.

48
A Cosmologia do Caos 49
Na enxurrada de artigos acadêmicos e de livros que surgiram
como resultado da “descoberta” desses cadernos de 1844, um fato ficou
claro: Karl Marx era um humanista radical na tradição do Iluminismo e
da Revolução Francesa.10

B. Bottomore e Maximilien Rubel (Nova Iorque: McGraw-Hill, [1956] 1964).


Além desta coleção, Bottomore também editou um conjunto completo dos
Economic and Philosophic Manuscripts of 1844 , juntamente com os ensaios
publicados em 1844 nos Deutsch-Franzosische Jahrbücher: em Karl Marx:
Early Writings, editado por T. B. Bottomore (Nova Iorque: McGraw-Hill,
1964). Estou usando a tradução de Milligan dos manuscritos, editada por Dirk
J. Struik (Nova Iorque: International Publishers, 1964). Citado daqui em diante
como EPM.
10 Houve uma verdadeira Renascença nos estudos Marxianos devido à
publicação em inglês destes primeiros manuscritos. Sobre a questão da
alienação, veja a bibliografia incluída em Marxism and Alienation: A
Symposium [Marxist] (Nova Iorque: Humanities Press, 1965). Alguns dos
estudos úteis sobre o jovem Marx são: Erich Fromm, Marx's Concept of Man
(Nova Iorque: Ungar, 1961), no qual Marx é apresentado como um
existencialista precoce. Em oposição a esta visão estão Bartlett e Shodell,
"Fromm, Marx and the Concept of Alienation," Science and Society, XXVII
(Verão de 1963), que enfatizam o conceito de Marx de ação revolucionária.
Veja também Loyd D. Easton, "Alienation and History in the Early Marx,"
Philosophy and Phenomenological Research , XXII (Dez. 1961); Mihailo
Markovic, "Marxist Humanism and Ethics," Science and Society, XXVII
(1963); Donald Clark Hodges, "The Unity of Marx's Thought," Science and
Society, XXVIII (Verão de 1964); Daniel Bell, The End of Ideology (Nova
Iorque: Free Press, 1962), ch. 15; Donald Clark Hodges, "Marx's Contribution
to Humanism," Science and Society, XXIX (Primavera de 1965); Erich Fromm
(ed.), Socialist Humanism (Garden City, Nova Iorque: Doubleday Anchor,
1966).

49
50 A Religião Revolucionária de Marx
O humanismo pode significar coisas diferentes para pessoas
diferentes, mas Marx expressou seu humanismo de maneira
inequívoca:

A crítica da religião termina com a doutrina de que o


homem é o ser supremo para o homem. Ela termina, portanto,
com o imperativo categórico de derrubar todas aquelas
condições em que o homem é um ser rebaixado, escravizado,
abandonado, desprezível 11

Esse impulso revolucionário é visível em toda a sua obra e


caracteriza sua perspectiva humanista. O homem é seu próprio bem
supremo; portanto, ele é sua própria “preocupação última”, para usar a
frase do teólogo Paul Tillich – seu próprio Deus.
Como tal, o homem deve ser tão criativo quanto Deus, e,
portanto, ele deve purgar seu universo de tudo que é desumano, e,
portanto, mal e irracional. O universo do homem deve glorificar seu
criador, o homem, e não pode permitir refletir nada que não seja
humano.
Em resumo, o homem deve ser o padrão de avaliação para todas
as coisas, inclusive para si mesmo. Engels resumiu mais tarde esse
objetivo como a criação de um mundo em que “o homem não apenas

11 Marx, "Contribution to the Critique of Hegel's Philosophy of Right.


Introduction" (1844), em Karl Marx: Early Writings, p. 52. [Collected Works,
vol. 3, p. 182.] Em todos os casos ao longo do meu livro, os itálicos são de
Marx, não meus. Em seus primeiros escritos, Marx era especialmente liberal
no uso de espaçamento amplo das palavras – ênfase – que os tradutores
ingleses transformaram em itálicos.

50
A Cosmologia do Caos 51
propõe, mas também dispõe,”12 reivindicando como direito do homem
aquilo que a Bíblia limita a Deus:

O coração do homem traça o seu caminho, mas o Senhor


lhe dirige os passos (Provérbios 16:9).

Em um capítulo importante sobre “Humanismo Socialista”, o


filósofo marxista Maurice Cornforth definiu o humanismo marxista,
indicando a totalidade do compromisso com o homem (em oposição a
Deus) no pensamento marxista:

O humanismo adota a visão à qual Platão se opôs tão


veementemente quando foi apresentada pela primeira vez por
Protágoras, de que ‘o homem é a medida de todas as coisas’.

Tudo o mais deve ser julgado de acordo com como afeta


os homens e pode ser usado por eles. Tudo o que os homens
fazem deve ser feito em prol dos homens e deve ser julgado pelos
seus efeitos sobre os homens.

Os homens não devem se considerar como existindo para


servir a qualquer outra coisa. Os homens não foram criados
para servir a Deus, mas o propósito deles é fazer com que outras
coisas sirvam aos homens.”14

12 Frederick Engels, Herr Eugen Duhring's Revolution in Science [Anti-


Duhring] (Londres: Lawrence and Wishart, 1934), p. 348. Esta obra foi
publicada originalmente em 1877-78 no Vorwärts, uma publicação radical
alemã. [Collected Works, vol. 25, p. 302.]

51
52 A Religião Revolucionária de Marx

Criação
A teologia humanista de Marx exclui necessariamente a
concepção cristã da criação, um dos pilares fundamentais da filosofia
cristã da história.15 O homem deve ser seu próprio criador no quadro
marxista, e Marx deixou isso bastante claro:

Um ser só se considera independente quando está por


conta própria; e ele só está por conta própria quando deve sua
existência a si mesmo. Um homem que vive pela graça de outro
se considera um ser dependente.16

Marx compreendia perfeitamente as implicações da concepção


cristã da criação e a necessidade da graça divina como uma força
sustentadora no universo; ele compreendia e rejeitava:

Mas eu vivo completamente pela graça de outro se devo


a ele não apenas a manutenção da minha vida, mas se ele
também criou minha vida – se ele é a fonte da minha vida.
Quando não é de minha própria criação, minha vida tem
necessariamente uma fonte desse tipo fora dela.

A Criação é, portanto, uma ideia muito difícil de ser


removida da consciência popular, porque contradiz tudo o que
é tangível na vida prática.17

Você Não Deve Fazer uma Pergunta Dessas!


Portanto, o homem não pode legitimamente questionar de onde
veio o primeiro homem, de maneira semelhante à impossibilidade de o
filósofo cristão questionar o fato de que Deus criou o universo.

52
A Cosmologia do Caos 53
Questionar as pressuposições filosóficas é autocontraditório; nem Marx
nem o pensador cristão consistente podem fazer isso.
Não se pode desafiar o próprio Deus, e o homem é o deus de
Marx:

Quem gerou o primeiro homem e a natureza como um


todo? Só posso responder a você: Sua pergunta é ela mesma um
produto da abstração.18

Na passagem seguinte a esta última seção, Marx apresenta


argumentos incrivelmente obscuros que visam mostrar que toda a
questão da origem humana é ilegítima. Em seguida, ele destaca este
ponto:

No entanto, para o homem socialista, toda a chamada


história mundial não é nada além da criação do homem pelo
trabalho humano e da emergência da natureza para o homem,
portanto ele tem a prova evidente e irrefutável de sua
autocriação, de suas próprias origens. [...]

[A] busca por um ser estranho, um ser acima do homem


e da natureza (uma busca que é uma declaração da irrealidade
do homem e da natureza) torna-se impossível na prática. O
ateísmo, como negação dessa irrealidade, não tem mais sentido,
pois o ateísmo é uma negação de Deus e busca afirmar, por meio
dessa negação, a existência do homem.

53
54 A Religião Revolucionária de Marx
O socialismo não requer mais esse método indireto; ele
começa a partir da percepção teórica e prática do homem e da
natureza como seres essenciais.”13

O homem socialista sequer precisa afirmar sua própria


existência negando a Deus; ele simplesmente ignora Deus desde o
início. Ele se sustenta sobre seus próprios pés; como os pés chegaram
lá ou como o solo sobre a qual os pés estão descansando chegou lá, ele
nunca se preocupa em perguntar.
Na verdade, não se deve fazer essa pergunta; a questão é um
produto da abstração. Qualquer um que tenha sido obrigado a ler as
discussões incrivelmente abstratas encontradas ao longo dos escritos de
Marx só pode se perguntar por que, neste ponto específico, Marx se
afastou do pensamento abstrato.
Karl Marx sempre se orgulhou de permanecer em terreno
“neutro” filosoficamente. Ele sempre afirmou que era rigorosamente
empírico e científico. Como escreveu em A Ideologia Alemã (1845-46):

As premissas a partir das quais começamos não são


arbitrárias, não são dogmas, mas premissas reais das quais a
abstração só pode ser feita na imaginação. [...] Essas premissas
podem, assim, ser verificadas de maneira puramente empírica.19

O socialismo começa, no entanto, com a pressuposição de que


a existência de Deus não é uma questão filosoficamente válida; se Ele

13 Aqui estou usando a tradução de Bottomore de EPM, em Marx, Early


Writings, pp. 166-67. O trecho aparece na edição de Struik, p. 145. [Collected
Works, vol. 3, pp. 305-6.]

54
A Cosmologia do Caos 55
existisse, então o homem e a natureza não poderiam existir, uma vez
que deveriam a sua origem a Deus, e por definição homem e natureza
são autônomos!
Marx sempre começava com premissas empíricas apenas no
sentido de que assumia, a priori, que todos os fenômenos concretos e
visíveis são autossustentáveis, autogerados e totalmente autônomos.

O Homem Produz o Homem


A doutrina da criação é central para todos os sistemas
filosóficos, e o marxismo não é exceção. Toda a perspectiva de Marx
foi baseada na ideia de que a atividade criativa humana é o fundamento
último de toda existência social.
Este é um dos temas centrais no marxismo, e pode ser
encontrado nos volumes teóricos de O Capital tão facilmente quanto
pode ser extraído de seus escritos mais antigos, embora talvez não de
maneira tão evidente.
A produção é a esfera da existência humana a partir da qual
todas as outras esferas temporais são vistas; nesse sentido, é o “ponto
de Arquimedes” intelectual do marxista. Novamente e novamente,
Marx voltou ao tema da produção:

Como os indivíduos expressam sua vida, assim eles são.


O que eles são, portanto, coincide com sua produção, tanto com
o que produzem quanto com como produzem.20

Se isso é verdade, então sua concepção materialista da história


tem sua justificação teórica:

55
56 A Religião Revolucionária de Marx
A natureza dos indivíduos depende assim das condições
materiais que determinam sua produção.21

O trabalho humano, na verdade, define a humanidade como


espécie:

Na verdade, o trabalho, a atividade vital, a própria vida


produtiva, aparece em primeiro lugar apenas como um meio de
satisfazer uma necessidade – a necessidade de manter a
existência física. No entanto, a vida produtiva é a vida da
espécie. É vida que gera vida.

Todo o caráter de uma espécie – seu caráter específico –


está contido no caráter de sua atividade vital; e a atividade livre
e consciente é o caráter específico do homem. [...] O animal é
imediatamente um com sua atividade vital. Ele não se distingue
dela. É sua atividade vital.

O homem torna sua atividade vital o objeto de sua


vontade e de sua consciência. Ele tem atividade vital consciente.
[...]A atividade vital consciente distingue imediatamente o
homem da atividade vital animal.22

Nessa perspectiva, a totalidade da existência humana é


interpretada como parte dessa única esfera, a produção:

Religião, família, estado, lei, moral, ciência, arte, etc.,


são apenas modos particulares de produção e se submetem à
sua lei geral.23

Meyer identificou a origem desse elemento no pensamento de


Marx:

56
A Cosmologia do Caos 57
Marx apropriou para seu sistema a imagem prometeica
do homem criador, homem provedor, homem domador de seu
ambiente. Ele se identificou com uma glorificação das
conquistas materiais que, antes dele, haviam sido uma parte
essencial do liberalismo revolucionário, parte da ideologia da
ascendente burguesia.24

Marx, apesar de seus ataques emocionais contra os ideais


burgueses, não pôde escapar da influência das pressuposições do
Iluminismo.14
Ao contrário de Hegel, que concebeu a alienação humana como
um problema espiritual-intelectual, Marx a viu como um fenômeno
social e produtivo. É o trabalho material humano, não o trabalho
intelectual, que está alienado, e a solução para o problema não deve ser
buscada no domínio do pensamento.15 Marx tornou absoluta a esfera do

14 Donald Clark Hodges tentou separar o pensamento de Marx do Iluminismo,


mas seus argumentos não são muito convincentes. Veja seu ensaio, "The Unity
of Marx's Thought," Science and Society, XXVIII (1964), pp. 316-23. Para os
ataques de Marx aos ideais e instituições da vida burguesa, veja a seção II do
Manifesto of the Communist Party (1848), em Selected Works, vol. 1, pp. 121-
25. [Collected Works, vol. 6, pp. 499-503.] Também, veja seu ensaio, "On the
Jewish Question," que é muito mais hostil à vida burguesa como tal
(especialmente o dinheiro) do que crítico dos judeus como tais. Foi escrito em
1843 e publicado em 1844; reimpresso na edição de T. B. Bottomore de Marx,
Karl Marx: Early Writings. [Collected Works, vol. 3, pp. 147-74.]
15 Para uma comparação do conceito de alienação conforme defendido por Hegel
e o conceito Marxista (além de tópicos relacionados), veja Herbert Marcuse,
Reason and Revolution: Hegel and the Rise of Social Theory . Cf. Fritz

57
58 A Religião Revolucionária de Marx
trabalho humano, e não é surpreendente que ele tenha encontrado a
solução para a questão da alienação nessa mesma esfera.

Alienação
Com este quadro de humanismo sustentando seu pensamento, a
revolta de Marx contra a sociedade em que se encontrava é fácil de
entender. A industrialização estava transformando uma civilização
rural em uma sociedade urbanizada, e a transição não foi fácil.
Embora os horrores da chamada Revolução Industrial tenham
sido indiscutivelmente enfatizados demais, naturalmente havia uma
grande quantidade de tensão pessoal e social envolvida no processo de
urbanização.
Homens que trabalharam como agricultores durante toda a vida,
por exemplo, acham difícil se ajustar aos métodos de produção do
sistema de fábrica.25 A falta de raízes religiosas na vida urbana, em
comparação com a cultura tradicional rural, é outro tema conhecido e
não precisa ser revisado aqui.
Marx percebeu o impacto que a vida urbana teria nas tendências
conservadoras de uma Europa antes agrícola e saudou a transição:

A burguesia sujeitou o campo ao domínio das cidades.


Criou cidades enormes, aumentou enormemente a população

Pappenheim, The Alienation of Modern Man (Nova Iorque: Monthly Review


Press, 1959), pp. 83-84.

58
A Cosmologia do Caos 59
urbana em comparação com a rural e assim ‘resgatou’ uma
parte considerável da população da idiotice da vida rural .26

O que perturbava Marx era a natureza desumanizadora da


produção industrial, que ele identificava exclusivamente com a
produção capitalista, de propriedade privada. Assim, ele e Engels eram
capazes de passar horas examinando relatórios parlamentares e outros
documentos em sua busca por "histórias de horror" apropriadas sobre a
vida urbana sob o domínio dos capitalistas.
Essa tradição foi continuada com sucesso pelos socialistas
fabianos na Inglaterra em nosso século, um fato que poderia ter
incomodado (ou talvez até mesmo divertido) Marx; que reformadores
burgueses como os fabianos poderiam ter continuado seus trabalhos
intelectuais nunca teria ocorrido a ele.16

16 A literatura sobre a "Revolução Industrial" é volumosa. Os capítulos de Marx


em Capital, vol. I: 10, 15, 25, e Engels, The Condition of the Working Class
in England in 1844 (1845), foram exemplos muito iniciais da abordagem de
"história de horror". Pensadores conservadores também olhavam com
nostalgia para a vida rural e seu controle pelos aristocratas proprietários de
terras, e concluíam que o industrialismo era uma maldição . Como Nisbet
apontou, "É por isso que a acusação ao capitalismo que vem dos conservadores
no século XIX é muitas vezes mais severa do que a dos socialistas." Robert A.
Nisbet, The Sociological Tradition (Nova Iorque: Basic Books, 1966), p. 26.
Escritores Fabianos, especialmente J. L. e Barbara Hammond, produziram
livros semi-populares descrevendo as condições "intoleráveis" do período. The
Industrial Revolution in the Eighteenth Century de Paul Mantoux (tradução
em inglês, 1928) é provavelmente o melhor desses estudos. Eles tendem a

59
60 A Religião Revolucionária de Marx
O tema da alienação aparece com mais frequência em seus
escritos mais antigos do que nos mais recentes, embora nunca
desapareça completamente no chamado "Marx maduro". Por esse
motivo, os estudiosos modernos têm ficado fascinados com esses
manuscritos iniciais. A alienação que eles veem no mundo moderno
tem focado sua atenção no tratamento do tema por Marx.
Como um comentarista colocou:

Certamente, a característica mais marcante do


pensamento contemporâneo sobre o homem e a sociedade é a
preocupação com a alienação pessoal e a desintegração
cultural." 27

Em meados do século XIX, foi a preocupação de Marx


com a revolução que fascinou as pessoas que encontraram seus
escritos; nos anos 1880, sua economia interessou os estudiosos;

subestimar fatores como: (1) a falta de capital e poupança no período; (2) o


enorme impacto da explosão populacional nestes séculos, que reduziu a renda
per capita em toda a Europa Ocidental (especialmente nas áreas onde não
ocorreu industrialização); e (3) a má alocação de recursos escassos causada
por regulamentos estatais e proibições à indústria privada. Veja F. A. Hayek
(ed.), Capitalism and the Historians (University of Chicago Press, 1954), para
visões alternativas da industrialização da Europa. Veja também T. S. Ashton,
The Industrial Revolution (Nova Iorque: Oxford University Press, 1964); R.
M. Hartwell, "The Rising Standard of Living in England, 1800 -1850,"
Economic History Review, Second Series, XIII (1961), pp. 397-416; John U.
Nef, "The Industrial Revolution Reconsidered," Journal of Economic History,
III (1943), pp. 1-31; Herbert Heaton, Economic History of Europe (Nova
Iorque: Harper & Row, 1948), caps. 21-24.

60
A Cosmologia do Caos 61
nas décadas de 1940 e 1950, sua filosofia política foi o tema
importante.

Na metade da década de 1960, é inquestionavelmente o


tema da alienação, possivelmente porque muitos dos estudiosos
de hoje se sentem totalmente alienados da cultura
contemporânea.

Em resumo, a tese deste estudo é bastante simples: o conceito


de alienação humana de Marx foi usado por ele como um substituto
para a doutrina cristã da queda do homem. Ele utilizou a ideia de pelo
menos duas maneiras diferentes: primeiro, para mostrar a
"externalização" da própria vida (através da venda de sua força de
trabalho); segundo, no sentido de alienação social, ou o afastamento de
si mesmo dos outros homens (alienação interpessoal). 17

A Fonte da Alienação
Qual é a fonte da alienação humana? Esta é a pergunta mais
importante que pode ser levantada em relação à filosofia de Marx sobre
a história humana; foi de crucial importância no desenvolvimento do
sistema marxista original.

17 Aqui estou me baseando na sugestão útil feita por Daniel Bell, "The
'Rediscovery' of Alienation," Journal of Philosophy, LVI (1959), p. 933n.
Sidney Hook encontra pelo menos quatro definições: "Marxism in the Western
World: From 'Scientific Socialism' to Mythology," em Milorad Drachkovitch
(ed.), Marxist Ideology in the Contemporary World – Its Appeals and
Paradoxes (Nova Iorque: Praeger, 1966), pp. 19-25.

61
62 A Religião Revolucionária de Marx
Na única seção que trata da fonte última da alienação humana,
Marx se recusou a explicá-la em termos de seu materialismo
econômico, como se poderia supor. A propriedade privada não causava
o trabalho humano alienado; na verdade, o inverso é verdadeiro:

Assim, através do trabalho alienado, o trabalhador cria


a relação de outro homem, que não trabalha e está fora do
processo de trabalho, com este trabalho. A relação do
trabalhador com o trabalho também produz a relação do
capitalista (ou seja, lá como que se queira chamar o senhor do
trabalho) com o trabalho.

A propriedade privada é, portanto, o produto, o


resultado necessário, do trabalho alienado, da relação externa
do trabalhador com a natureza e consigo mesmo. A propriedade
privada é, assim, derivada da análise do conceito de trabalho
alienado; ou seja, o homem alienado, o trabalho alienado, a
vida alienada e o homem estranhado.28

Para deixar sua posição absolutamente clara, ele acrescentou:

Naturalmente, derivamos o conceito de trabalho


alienado (vida alienada) da economia política, da análise do
movimento da propriedade privada. Mas a análise desse
conceito mostra que, embora a propriedade privada pareça ser
a base e a causa do trabalho alienado, ela é mais uma
consequência deste, assim como os deuses são
fundamentalmente não a causa, mas o produto das confusões da
razão humana.

Em um estágio posterior, no entanto, há uma influência


recíproca.29

62
A Cosmologia do Caos 63
Portanto, a propriedade privada, em outras palavras, não era a
causa da alienação do homem; originalmente, a alienação do homem
causou o estabelecimento da propriedade privada. Marx nunca mais
mencionou a causa original da condição alienada do homem, então
devemos confiar neste ensaio inicial para o conhecimento de seus
pensamentos sobre a fonte última da situação do homem.
Uma vez que a propriedade privada é vista como resultado da
produção alienada, uma das falhas centrais no sistema de Marx é
revelada. Se a causa original é psicológica em vez de econômica, então
não há garantia de que a revolução iminente eliminará
permanentemente a alienação apenas porque destrói a propriedade
privada.
Se a "queda no pecado" do homem é psicológica, como a
"salvação" do homem pode ser assegurada por uma revolução social?
Esta questão será discutida em detalhes em relação ao conceito linear
de história de Marx.

A Divisão do Trabalho
Sob um sistema de produção alienada, argumentou Marx, o
homem descobre que suas próprias forças vitais estão sendo roubadas
dele. A fonte de sua dificuldade imediata é a existência da divisão do
trabalho.
A divisão do trabalho é a essência de tudo o que está errado com
a condição atual do homem; para Marx, ela é contrária à existência do
homem como ser plenamente criativo. Coloca o homem contra seu
semelhante; cria divisões de classe; destrói a unidade da espécie.

63
64 A Religião Revolucionária de Marx
Que Marx se oponha com tanta veemência à divisão do trabalho
não é muito surpreendente. A humanidade, na perspectiva marxista, é
Deus; teologicamente, não se pode permitir a divisão da Divindade. Em
seu tratamento do pensamento revolucionário francês, Rushdoony
elabora sobre essa questão:

Décimo, a humanidade é o verdadeiro deus do


Iluminismo e do pensamento revolucionário francês. Em todas
as fés religiosas, um dos requisitos inevitáveis do pensamento
lógico se afirma em uma demanda pela unidade da Divindade.

Portanto, uma vez que a humanidade é Deus, não pode


haver divisão nesta divindade, na humanidade. A humanidade
deve, portanto, ser forçada a se unir. Uma vez que a filosofia do
Iluminismo era monista, isso significa uma intolerância em
relação a diferenças como não essenciais.

Diferenças nacionais e raciais, em vez de serem dadas


por Deus e possuírem riqueza e dignidade a serem respeitadas,
devem ser obliteradas. O objetivo não é a comunhão, mas a
uniformidade.30

Seguindo uma análise notavelmente semelhante à de Rousseau,


Marx argumentou que a divisão do trabalho deu origem às classes
sociais; portanto, para eliminar essas classes econômicas - elas próprias
uma manifestação externa da condição alienada do homem - a
humanidade deve abolir a divisão do trabalho. 31 Qualquer coisa que
conduza a divisões na unidade da humanidade deve ser eliminada, por
definição.
Uma das diatribes de Marx contra a divisão do trabalho é
encontrada no volume 1 de "O Capital":

64
A Cosmologia do Caos 65
Alguma debilitação do corpo e da mente é inseparável
mesmo da divisão do trabalho na sociedade como um todo. No
entanto, uma vez que a manufatura leva essa separação social
dos ramos do trabalho muito mais longe e, por sua divisão
peculiar, ataca o indivíduo nas raízes de sua vida, ela é a
primeira a fornecer os materiais e a dar início à patologia
industrial.32

Admitidamente, a atividade industrial às vezes levou a essa


"patologia" - uma patologia que geralmente é acompanhada pela queda
da produtividade e pela redução dos lucros, embora Marx tenha
ignorado esse fato.
Em contraste com essa visão iluminista da divisão do trabalho
está a visão cristã tradicional do homem e da sociedade. A perspectiva
cristã reverte o ponto de vista marxiano. Os homens têm vocações
individuais precisamente porque a queda do homem resultou na
depravação humana; a maldição sobre a terra limitou drasticamente sua
produtividade, tornando necessária uma ordem social baseada na
especialização do trabalho.
Tal especialização é necessária se a produtividade deve ser
aumentada; se os homens desejam ter mais bens materiais e maiores
serviços pessoais, eles devem escolher vocações nas quais possam se
tornar produtores eficientes.
O conceito cristão de vocação apoia a harmonia social; a divisão
do trabalho obriga os homens a restringirem suas hostilidades uns
contra os outros se desejam aumentar sua riqueza material. Nesta
perspectiva, a divisão do trabalho é uma ajuda à unidade social.
Na visão cristã, assim como na visão marxiana inicial, a
alienação social e o conflito social derivam do próprio homem (Tiago

65
66 A Religião Revolucionária de Marx
4:1); dada essa realidade, a divisão do trabalho pode ser vista como uma
bênção em vez de um fardo.
Sem ela, os homens se destruiriam com uma ferocidade ainda
maior do que já demonstraram anteriormente. A escassez, que tem sua
origem na maldição da terra (Gênesis 3:17-19), torna a colaboração
social uma necessidade.
Em resumo, a causa da escassez econômica não está em
"instituições humanas deformadas", como todos os socialistas sempre
afirmaram; ela é fundamental para a condição humana. 18 Embora isso
não aprove a especialização total da produção (já que o homem, no
contexto cristão, é mais do que uma máquina), exige que a divisão do
trabalho seja aceita como um benefício social positivo. 19
Marx, no entanto, era totalmente hostil à ideia cristã da vocação:

Numa sociedade comunista, não existem pintores, mas


no máximo pessoas que se dedicam à pintura, entre outras
atividades.33

18 Para um tratamento semelhante deste assunto por um liberal clássico, veja


Ludwig von Mises, Socialism (New Haven, Connecticut: Yale University
Press, 1951), pp. 60-62.
19 Uma das descrições mais profundas da divisão do trabalho é encontrada na
primeira epístola de São Paulo aos Coríntios, capítulo 12. Nela, ele descreve a
distribuição dos dons espirituais à igreja cristã em termos de um corpo: há
mãos e pés, olhos e ouvidos, e cada um tem sua função especial. [Cf. Gary
North, The Dominion Covenant: Genesis (ed. rev.; Tyler, Texas: Institute for
Christian Economics, 1987), caps. 8, 10.]

66
A Cosmologia do Caos 67
A divisão do trabalho é personificada para Marx na distinção
entre trabalho mental e físico:

A divisão do trabalho só se torna verdadeiramente tal a


partir do momento em que uma divisão entre trabalho material
e mental aparece.34

Como a propriedade privada e a alienação humana são


recíprocas, descobrimos que a divisão do trabalho e a propriedade
privada também são recíprocas:

Divisão do trabalho e propriedade privada são, além


disso, expressões idênticas[...]35

A alienação humana, a propriedade privada e a divisão do


trabalho são todos aspectos da mesma condição detestável do homem
na sociedade capitalista.36

Dialética: O Homem Transformado em Mercadoria


O homem, sob o capitalismo, tornou-se uma mera mercadoria:

A demanda por homens governa necessariamente a


produção de homens, assim como a de qualquer outra
mercadoria [...]. O trabalhador tornou-se uma mercadoria, e é
uma sorte modesta para ele se encontrar um comprador.37

Marx percebeu o que um sistema produtivo capitalista


totalmente secularizado, urbanizado e "racionalizado" estava fazendo
com aqueles trabalhadores que trabalhavam sob ele. Em vez de culpar
o secularismo sem raízes que estava desumanizando a cultura do século
XIX, ele culpou a divisão do trabalho do capitalismo.

67
68 A Religião Revolucionária de Marx
Isso é precisamente o que se poderia esperar; Marx, como
muitos filósofos seculares, divinizou um aspecto da ordem social: a
produção. Marx via todos os aspectos da vida humana a partir dessa
perspectiva única. Ele escreveu:

Como os indivíduos expressam sua vida, assim eles são.38

Portanto, o homem expressa sua própria essência em sua


atividade produtiva. No entanto, sob o capitalismo, os produtos de seu
trabalho não pertencem a ele, mas a outro homem, o capitalista. Isso é
a fonte da alienação do homem.
Ele concluiu que:

como resultado do fato de que cada vez mais produtos de


seu trabalho estão sendo retirados do trabalhador, sua própria
mão de obra está cada vez mais confrontando-o como
propriedade de outra pessoa […].39

O trabalho alienado transforma os produtos de suas próprias


mãos em criações alienígenas e hostis que se opõem a ele; isso o separa
de sua própria vida como ser humano. Isso resulta finalmente em uma
alienação entre os homens.40
Embora a ênfase na separação entre os homens não tenha
ocorrido com muita frequência nos escritos subsequentes de Marx, a
ideia de que o trabalho do homem realmente o confrontava como uma
força alienígena apareceu nos volumes posteriores de O Capital.41
Um trabalhador é como uma máquina complexa que está se
desgastando lentamente; os lucros do capitalista derivam da exploração

68
A Cosmologia do Caos 69
(não é um termo muito neutro para um "cientista" professando) das
forças vitais de seus empregados.
Sob a produção alienada, ocorre um fenômeno peculiar,
segundo Marx: quanto mais riqueza material a sociedade produz, mais
inumana ela se torna, e menos de sua própria vida uma pessoa pode
possuir.

Quanto menos você é, menos você expressa sua própria


vida, maior é sua vida alienada, mais você tem, maior é o
estoque de seu ser alienado.42

Toda a humanidade está sendo desumanizada sob o capitalismo,


incluindo o próprio capitalista:

A alienação se manifesta não apenas no fato de que


meios de vida pertencem a outra pessoa, que meu desejo é a
posse inacessível de outro, mas também no fato de que tudo é
em si algo diferente de si mesmo - que minha atividade é algo
diferente e, finalmente (e isso também se aplica ao capitalista),
tudo está sob o domínio de um poder desumano .43

Aqui vemos um aspecto do problema inevitável da natureza e


liberdade. A própria criação do homem, que ele esperava que o
libertasse de uma natureza irracional governada pela escassez, agora se
volta contra ele e se torna seu mestre, "um poder desumano".
Em vez de atribuir a responsabilidade disso onde Dooyeweerd
mostrou que ela pertence - nas antinomias de todo pensamento secular
e nas relações sociais que delas se baseiam - Marx proclamou que as
relações de produção capitalistas são a única causa do problema do
homem.

69
70 A Religião Revolucionária de Marx
A produção industrial, em resumo, é a expressão da humanidade
alienada em geral:

Vemos como a história da indústria e a existência


objetiva estabelecida da indústria são o livro aberto dos poderes
essenciais do homem, a exposição aos sentidos da psicologia
humana... Temos diante de nós os poderes essenciais
objetivados do homem sob a forma de objetos sensíveis,
estranhos e úteis, sob a forma de alienação, exibidos na
indústria material comum [...]44

Alguns estudiosos respeitáveis argumentaram que o tema da


alienação, embora importante para Marx quando jovem, não
desempenhou um papel muito grande em seus escritos maduros. No
entanto, no volume três de "O Capital", publicado postumamente,
encontramos a mesma ideia expressa em uma linguagem ainda mais
clara e enfática:

O capital torna-se uma estranha, independente, força


social, que se opõe à sociedade como uma coisa e como o poder
dos capitalistas por meio dessa coisa.45

O trabalhador é forçado a criar uma força estranha que está


acima dele:

[...] a combinação do trabalho de um determinado


trabalhador individual com o de outros trabalhadores para um
propósito comum, se opõe a esse trabalhador e seus
companheiros como um poder estrangeiro, como a propriedade
de um estranho que ele não se importaria particularmente em
salvar se não fosse compelido a economizar com ela. É
completamente diferente nas fábricas de propriedade dos
próprios trabalhadores, por exemplo, em Rochdale.46

70
A Cosmologia do Caos 71
A propriedade privada capitalista, e não o industrialismo em si,
é a culpada no sistema marxista.

O Utopismo de Marx
Portanto, a esperança final da humanidade reside na
possibilidade de o homem conseguir superar os males da produção
alienada. O triunfo da humanidade envolverá, portanto, a abolição da
propriedade privada e a abolição da divisão do trabalho.
Em um dos trechos mais utópicos dos escritos de Marx,
encontramos delineado seu sonho para aquele paraíso futuro; aqui está
a sociedade pós-revolucionária, uma cultura desprovida de toda
alienação humana:

[...] na sociedade comunista, onde ninguém tem uma


esfera exclusiva de atividade, mas cada um pode se tornar
competente em qualquer ramo que desejar, a sociedade regula
a produção geral e, assim, torna possível que eu possa fazer
uma coisa hoje e outra amanhã, caçar de manhã, pescar à tarde,
criar gado à noite, criticar após o jantar, do jeito que eu quiser,
sem nunca me tornar caçador, pescador, pastor ou crítico." 47

Parece incrível que Marx pudesse afirmar com toda a seriedade


um ideal tão impossível para uma sociedade que pretende manter a
produtividade da vida industrial moderna. Daniel Bell chegou até

71
72 A Religião Revolucionária de Marx
mesmo a argumentar que Marx mais tarde abandonou qualquer
realização dessa "terra prometida".20
No entanto, Bell é forçado a recorrer a certas passagens dos
escritos de Engels, uma vez que Marx nunca repudiou formalmente sua
posição anterior. Devemos lembrar que Engels tinha uma tendência a
afirmar o óbvio, frequentemente contornando as repercussões de suas
declarações no esquema marxiano geral.
Marx raramente era tão direto quanto seu parceiro. Em uma
passagem confusa no volume três de O Capital, ele admitiu que um
certo tipo de direção central é necessária "em todos os modos de
produção que requerem uma combinação de trabalhos".
Essa direção deve ser como a de um maestro liderando uma
orquestra. O lado negativo da direção centralizada capitalista estará
ausente, é claro, uma vez que

esse trabalho de supervisão surge necessariamente em


todos os modos de produção baseados no antagonismo entre o
trabalhador como produtor direto e o proprietário dos meios de
produção.48

Aparentemente, a abolição do antagonismo entre capitalistas e


trabalhadores alterará fundamentalmente a própria natureza da
produção industrial; ele estava claramente se apegando à mesma

20 Daniel Bell, "The 'Rediscovery' of Alienation," Journal of Philosophy, LVI


(1959), p. 943. T. B. Bottomore também argumenta que Marx posteriormente
se tornou menos utópico em sua visão da divisão do trabalho: "Industry, Work,
and Socialism," em Fromm (ed.), Socialist Humanism, p. 395.

72
A Cosmologia do Caos 73
esperança que havia capturado sua imaginação três décadas antes. Ele
nunca se deu ao trabalho de explicar como a produção em massa de
bens de consumo seria possível em um mundo em que as pessoas
pudessem mudar de ocupação duas ou três vezes ao dia. 49

Classes e História
A preocupação de Marx com os problemas da alienação
humana, da propriedade privada e da divisão do trabalho levou-o muito
cedo a uma teoria de antagonismo de classes. Esse conceito começou a
tomar forma em "A Ideologia Alemã", um manuscrito escrito por Marx
e Engels (e, aparentemente, Moses Hess) em 1845-46.21
As distinções de classe têm origem na divisão do trabalho:

A divisão do trabalho dentro de uma nação leva


inicialmente à separação do trabalho industrial e comercial do
trabalho agrícola e, portanto, à separação entre cidade e campo
e ao conflito de seus interesses.

Seu desenvolvimento posterior leva à separação do


trabalho comercial do trabalho industrial. Ao mesmo tempo, por
meio da divisão do trabalho dentro desses vários ramos,
desenvolvem-se várias divisões entre os indivíduos que
cooperam em tipos específicos de trabalho.50

21 Parte do manuscrito aparece na caligrafia de Hess: Hook, From Hegel to Marx,


p. 186.

73
74 A Religião Revolucionária de Marx
Marx poderia facilmente ter concluído a partir disso que a classe
proletária estava ela mesma dividida em subclasses, mas essa ideia
nunca foi considerada muito seriamente por ele. Já vimos que

conforme os indivíduos expressam sua vida, assim eles


são... A natureza dos indivíduos depende, portanto, das
condições materiais que determinam sua produção .51

Portanto, a transição é simples: diferentes homens têm funções


diferentes a desempenhar na produção industrial, o que dá origem à
criação de classes separadas.
A produção social determina o próprio ser do homem; esta é a
base da teoria de Marx sobre as "superestruturas ideológicas" do
pensamento humano:

Em contraste direto com a filosofia alemã, que desce do


céu para a terra, aqui nós ascendemos da terra para o céu. Isso
significa que não partimos do que os homens dizem, imaginam,
concebem, nem dos homens como narrados, pensados,
imaginados, concebidos, para chegar aos homens na carne.

Partimos de homens reais, ativos, e com base em seu


processo de vida real, demonstramos o desenvolvimento dos
reflexos e ecos ideológicos desse processo de vida. Os fantasmas
formados no cérebro humano são também, necessariamente,
sublimações de seu processo de vida material, que é
empiricamente verificável e vinculado a premissas materiais.

Moralidade, religião, metafísica, todo o resto da


ideologia e suas formas correspondentes de consciência, assim,
não retêm mais a aparência de independência. Eles não têm
história, não têm desenvolvimento; mas os homens,
desenvolvendo sua produção material e sua interação material,

74
A Cosmologia do Caos 75
alteram, juntamente com sua existência real, seu pensamento e
os produtos de seu pensamento.

A vida não é determinada pela consciência, mas a


consciência pela vida.52

Determinismo Econômico e Classe Social


Em outras palavras, Hegel estava errado ao tentar traçar a
história do Espírito Universal na forma de ideias humanas; essas ideias
não têm existência independente das condições materiais. Ao reverter
a fórmula hegeliana, Marx chegou à sua concepção do determinismo
econômico, ou como também é chamada, a concepção materialista da
história. Ela é resumida em sua frase:

A vida não é determinada pela consciência, mas a


consciência pela vida.

A teoria está intimamente ligada à sua concepção de classes. Em


um determinado momento, a atividade produtiva humana não estava
alienada (isso é a "Era de Ouro" de Marx); uma vez que o trabalho
alienado entrou em cena, o homem se tornou alienado de seus
semelhantes, e, em última instância, esses indivíduos hostis se juntaram
a outros de interesses econômicos e origens semelhantes.
Esses agrupamentos são classes econômicas. As classes buscam
controlar a sociedade em benefício próprio, e daí origina-se o Estado.
Como ele escreveu:

A divisão do trabalho implica a contradição entre o


interesse do indivíduo separado ou da família individual e o
interesse comunal de todos os indivíduos [...] E a partir dessa

75
76 A Religião Revolucionária de Marx
própria contradição entre o interesse do indivíduo e o da
comunidade, este último assume uma forma independente como
o Estado [...]53

A classe que deseja controlar a sociedade deve, portanto,

primeiro conquistar o poder político para representar


seu interesse por sua vez como interesse geral [...]54

Agora, se as ideias, a moralidade, a metafísica e a ética derivam


da natureza do modo de produção, então as ideologias predominantes
não passam de ideologias de classe - as ideologias da classe dominante.
Em outras palavras, as leis e regras predominantes que governam
qualquer sociedade, bem como as pressuposições filosóficas e
teológicas que fundamentam essas regras, são, em última instância,
produtos dos interesses de classe.
A ideia de um interesse verdadeiramente geral ou de uma
filosofia verdadeiramente universal era repugnante para Marx; sua
oposição aos "verdadeiros socialistas" e aos "socialistas utópicos"
baseou-se em sua rejeição de um sistema universal de ética que pudesse
servir como terreno comum entre as classes. 22 Toda moralidade é
moralidade de classe.

22 Sobre os "Socialistas Utópicos", veja o Manifesto Comunista, em Selected


Works, vol. 1, pp. 134-36. [Collected Works, vol. 6, pp. 515-17.] A crítica ao
"Socialismo Verdadeiro" preenche uma grande seção de The German
Ideology; veja a seção sobre "True Socialism", especialmente pp. 501 -3.
[Collected Works, vol. 5, pp. 455-57.]

76
A Cosmologia do Caos 77
No cerne da concepção de desenvolvimento histórico de Marx
está a sua teoria das classes e a correspondente teoria do determinismo
econômico. No famoso Prefácio à Crítica da Economia Política (1859),
ele expôs sua tese de forma bastante direta. Após reafirmar sua ideia
familiar de que o "modo de produção na vida material determina o
caráter geral dos processos sociais, políticos e espirituais da vida", ele
prosseguiu.

Não é a consciência dos homens que determina sua


existência, mas, pelo contrário, sua existência social determina
sua consciência. Em certo estágio de seu desenvolvimento, as
forças materiais de produção na sociedade entram em conflito
com as relações de produção existentes, ou - o que é apenas uma
expressão jurídica para a mesma coisa - com as relações de
propriedade dentro das quais estavam trabalhando antes.

A partir de formas de desenvolvimento das forças de


produção, essas relações se transformam em seus grilhões.
Então vem o período da revolução social. Com a mudança da
base econômica, toda a imensa superestrutura é mais ou menos
rapidamente transformada.

Ao considerar essas transformações, a distinção deve


sempre ser feita entre a transformação material das condições
econômicas de produção, que pode ser determinada com a
precisão da ciência natural, e as formas jurídicas, políticas,
religiosas, estéticas ou filosóficas - em resumo, as formas
ideológicas nas quais os homens se conscientizam desse conflito
e o combatem.55

Marx, portanto, não tinha dúvidas sobre a verdadeira natureza


do desenvolvimento histórico; como ele escreveu no primeiro capítulo
do Manifesto Comunista (1848):

77
78 A Religião Revolucionária de Marx
A história de todas as sociedades existentes até hoje é a
história das lutas de classes.

As classes devem cumprir seus papéis designados no


desenvolvimento histórico; quando o modo de produção é alterado
(devido às contradições inerentes a ele), as classes sobem ou caem do
poder.
A sociedade feudal se torna a sociedade capitalista; o senhor
feudal perde sua posição para o empresário capitalista (embora não sem
luta). O que Marx anteriormente via como alienação interna dentro do
indivíduo agora se torna a alienação total e guerra entre classes, e
especificamente, duas classes: os que têm e os que não têm. Como Halle
colocou:

Os verdadeiros atores no drama de Marx são duas


classes sociais: o proletariado e o capitalista. Eles agora se
tornaram pessoas separadas, em vez de aspectos separados da
mesma pessoa.23

Os conflitos na história só serão reconciliados após a


Revolução. Aparentemente, o progresso será então possível mesmo
sem o conflito "dialeticamente" entre as classes. Isso é um problema no

23 Halle, "Marx's Religious Drama," Encounter (Out., 1965), p. 36. Para uma
análise semelhante, veja o estudioso católico romano Gary L. Cunningham,
"The Man Marx Made," Science and Society, XXVII (1963), p. 319. Esta
perspectiva foi popularizada por Robert C. Tucker em seu estudo importante,
Philosophy and Myth in Karl Marx.

78
A Cosmologia do Caos 79
sistema marxista, uma vez que toda a premissa do avanço histórico se
baseia firmemente na ideia de conflito como uma força dinâmica.
Marxistas contemporâneos foram obrigados a reconhecer que
certos tipos de "diferenças progressivas" podem ainda permanecer entre
grupos de homens "não alienados" após a revolução, fornecendo assim
as forças necessárias para o avanço social.24
Em qualquer caso, o proletariado é o motor do progresso social
em nossa própria era; sua ação revolucionária resolverá ultimamente as
contradições inerentes na sociedade, seja dentro do homem, entre os
homens, entre as classes, dentro do pensamento humano ou no processo
produtivo.
A filosofia - a filosofia de classe - é uma das ferramentas que o
proletariado pode usar em sua luta contra as amarras da produção
capitalista, e após a revolução, a filosofia deixará de ser dividida, uma
vez que todas as classes, exceto o proletariado, serão dissolvidas.
Em outras palavras, a filosofia não é apenas uma ferramenta da
mente, um meio apenas para compreender o mundo; a filosofia é uma
arma.

24 Harry Slochower, "The Marxist Idea of Change and Law," Science and
Society, VIII (1944), p. 352. Cf. Cavendish Moxon, "Communications,"
Science and Society, VII (1943), p. 256. Como o escritor Fabiano G. D. H.
Cole colocou: "A luta pode prosseguir em outros planos além do de classe, e
em formas mais elevadas e menos brutais. Mas quais serão essas formas o
marxista nem finge nem mesmo deseja saber antecipadamente." Cole, The
Meaning of Marxism (Ann Arbor: University of Michigan Press, [1948] 1964),
p. 275.

79
80 A Religião Revolucionária de Marx
Assim como a filosofia encontra suas armas materiais no
proletariado, o proletariado encontra suas armas intelectuais
na filosofia.56

Dialética da História: Lei vs Fluxo


Neste ponto, provavelmente seria sensato voltar ao problema
original que foi levantado nas primeiras páginas deste capítulo. O
dilema que confrontou Marx foi aquele que confundiu todos os
pensadores seculares que consideraram o problema da filosofia: como
podemos relacionar o fluxo da história a leis gerais que são permanentes
e que regulam o fluxo?
Se quisermos entender (e influenciar) a história, então
precisamos de padrões de avaliação pelos quais possamos examinar,
explicar, catalogar, controlar e, até certo ponto, prever a história. Marx
voltou-se para o próprio processo histórico, e especificamente para os
elementos econômicos e sociais da história, em sua busca por essas leis
de desenvolvimento.
Não a lógica, não a história militar ou política, não a história da
igreja, mas a história econômica é supostamente a chave que abre a
porta fechada dos mistérios do passado, presente e futuro. Ele achava
que tinha descoberto um padrão de desenvolvimento na história
econômica, um padrão que poderia ser usado para prever o futuro da
humanidade.

A Crítica de Popper
É essa metodologia "historicista" - a tentativa de explicar a
história por meio de leis inerentes à própria história - que repeliu os

80
A Cosmologia do Caos 81
racionalistas, como Karl Popper.57 Popper vê a retirada para a história
como uma negação das possibilidades do poder corretivo da razão
humana:

Existe um grande abismo entre o ativismo de Marx e seu


historicismo, e esse abismo é ainda mais ampliado por sua
doutrina de que devemos nos submeter às forças puramente
irracionais da história.

Pois, uma vez que ele denunciou como utópica qualquer


tentativa de usar nossa razão para planejar o futuro, a razão
não pode ter parte em trazer um mundo mais razoável .
Acredito que tal visão não pode ser defendida e deve levar ao
misticismo.58

Essa é a questão, vista a partir da perspectiva de um racionalista


total. É o antigo conflito entre o racionalismo total e o irracionalismo
total, entre a lei estática e o fluxo. Mas o próprio Popper não consegue
resolver o problema, e ele também recua para uma posição de
irracionalismo com seu conceito de "engenharia social fragmentada",
que, por não ser total - não elaborado de acordo com um plano
preconcebido sistemático - de alguma forma preservará a liberdade do
homem em um mundo tecnológico.
Marx era mais racionalista do que Popper pensa, e Popper é
menos racionalista do que Popper pensa, mas a questão básica ainda
permanece: como podemos subjugar o fluxo da história para o mundo
ordenado da lei, ao mesmo tempo em que preservamos a liberdade
humana?
Pode-se ter total lei sem liberdade humana, como prevê
Roderick Seidenberg, ou total anarquia sem lei, como alguns dos

81
82 A Religião Revolucionária de Marx
hippies mais anarquistas parecem querer, mas como é possível ter
ambos?25
Marx constantemente atacava os chamados "economistas
vulgares" por causa de sua noção de leis sociais e econômicas estáticas,
bem como por sua visão de uma natureza humana constante.
É precisamente característico da economia vulgar que ela repete
coisas que eram novas, originais, profundas e justificadas durante uma
certa fase superada de desenvolvimento, em um momento em que se
tornaram banais, gastas, falsas.26

25 Para a visão aterrorizante de Seidenberg da futura sociedade formigueiro, veja


Post-Historic Man: An Inquiry (Chapel Hill: University of North Carolina
Press, 1950), e Anatomy of the Future (Chapel Hill: University of North
Carolina Press, 1961). Seidenberg, em contraste com escritores como Huxley,
Orwell e C. S. Lewis, acolhe o advento do universo estático. O homem
sacrificará a liberdade e a mudança para obter total riqueza e total tecnologia.
26 Marx, O Capital, vol. 3, p. 913. [O Capital, vol. 3, p. 786.] Veja especialmente
a resenha do volume 1 d’O Capital que Marx citou favoravelmente no prefácio
da segunda edição do primeiro volume em 1873. Marx claramente concorda
com a avaliação do revisor sobre sua (de Marx) perspectiva de mudança na lei.
Veja a edição de Unterman d’O Capital (Nova Iorque: Modern Library, s.d.;
Chicago: Charles H. Kerr, 1906), vol. 1, pp. 22-24. [O Capital, vol. 1, pp. 17-
19.] Em um breve trecho, Marx tentou manter uma concepção mais estática de
lei, mas mesmo aqui, seu relativismo era inescapável para ele: "Nenhuma lei
natural pode ser eliminada. O que pode mudar, em circunstâncias históricas
mutáveis, é a forma como essas leis operam." Marx para Kugelmann, 11 de
julho de 1868: Letters to Kugelmann, p. 73. [Selected Works, vol. 2, p. 419.]
Isso é o mais próximo que ele chegou de uma concepção estática de lei.

82
A Cosmologia do Caos 83
Leis em uma era não são aplicáveis em outro período. Pode
haver lei absoluta, inevitável, total em um período, e é isso que permite
aos cientistas sociais investigar a sociedade e fazer previsões precisas
sobre o que está por vir, mas essas leis rígidas não são permanentes.
Pode-se ter certeza de que as leis econômicas inerentes à
sociedade capitalista não estarão presentes na era socialista que está por
vir, da mesma forma que as leis que regem a vida econômica feudal já
não estão presentes no capitalismo. Cada idade sucessiva supera e
transcende as leis de seu predecessor. A lei, como a matéria, está em
constante fluxo.
Popper, embora não tenha resposta para o problema, identificou
de fato uma falha central no sistema de Marx. Em última análise, o total
racionalismo do "socialismo científico" de Marx degenera em
irracionalismo filosófico e misticismo.
Marx assumiu uma posição que inevitavelmente implica um
total relativismo. No cerne do sistema marxista, como nos outros
sistemas modernos da sociedade racionalista, está o conceito de acaso;
o universo material não é sustentado por um plano geral (como
encontramos no calvinismo), nem opera por meio de leis permanentes
e universais.27

27 As implicações deste relativismo radical são rejeitadas sem justificativa por


Harry Slochower: "The Marxist Idea of Change and Law," Science and
Society, VIII (1944), pp. 345-55. M. M. Bober viu isso claramente: "Em
consequência óbvia de suas concepções básicas, Marx e Engels são apóstolos
da relatividade das ideias." Karl Marx's Interpretation of History (Nova
Iorque: Norton, [1948] 1965), p. 123.

83
84 A Religião Revolucionária de Marx

Dialética: Determinismo Econômico vs Relativismo


A compreensão de Marx da sociedade humana repousava em
seu conceito de determinismo econômico. No entanto, ele foi forçado a
admitir que

As categorias econômicas são apenas as expressões


teóricas, as abstrações das relações sociais de produção .59

E essas relações sociais de produção estão em constante


mudança. Como Marx sabia que estava analisando a sociedade do
século XIX com a estrutura teórica adequada? Como ele poderia ter
certeza de que, assumindo sua existência, as leis econômicas estavam
de fato relacionadas de alguma forma com o mundo material que ele
estava tentando analisar? Como ele poderia acreditar em leis
econômicas? A resposta é simples: ele tinha fé.
Seu "neutralismo empírico" repousava sobre a base mais
teológica possível. As contradições em seu pensamento são
surpreendentes: ao afirmar o total racionalismo, ele mergulhou no
misticismo; ao proclamar os poderes da previsão, ele destruiu o próprio
conceito de lei que poderia ter sustentado a possibilidade de previsão;
ao argumentar a favor de uma teoria filosófica e social abrangente, ele
chegou a uma posição de relativismo. Apenas sua fé pessoal permitiu
que ele passasse por cima dessas antinomias fundamentais em seu
sistema.
Engels deixou explícito o relativismo da perspectiva marxiana:

Um sistema de conhecimento natural e histórico que é


abrangente e final para todos os tempos é uma contradição às

84
A Cosmologia do Caos 85
leis fundamentais do pensamento dialético; que, no entanto,
longe de excluir, pelo contrário, inclui a ideia de que o
conhecimento sistemático do universo externo pode dar grandes
passos de geração em geração.60

A última cláusula, vale ressaltar, é uma declaração de fé


irracional; a primeira cláusula nega a validade da segunda (assumindo
que existe tal coisa como lógica). Pode-se falar de progresso apenas em
termos de um quadro permanente; Engels negou a existência de tal
padrão eterno, e Marx também.
No entanto, a ideia de conhecimento sistemático implica a
existência de um padrão total de verdade; só se pode se aproximar dessa
verdade sistemática se a verdade realmente existir. Caso contrário, o
homem não tem motivos para dizer que estão sendo feitos grandes
avanços no conhecimento.
Assim como com Hegel, a ideia de verdade eterna é apenas um
conceito limitador pressuposto, um pano de fundo intelectual, para
Marx e Engels. Como Engels escreveu:

Se a humanidade chegasse à fase em que só pudesse


trabalhar com verdades eternas, com conclusões do pensamento
que possuem validade soberana e uma reivindicação
incondicional à verdade, então teria chegado ao ponto em que
a infinitude do mundo intelectual, tanto em sua atualidade
quanto em sua potencialidade, teria sido esgotada, e isso
significaria que o famoso milagre da série infinita que foi
contada teria sido realizado.61

Marx tentou evitar a acusação de relativismo total apelando para


o conceito de exatidão relativa das ciências naturais. Ele afirmou que

85
86 A Religião Revolucionária de Marx
algumas de suas verdades são eternas, negando eficazmente o que
acabara de escrever.62
Mesmo aqui, ele foi forçado a admitir que

verdades eternas estão em uma situação ainda pior no


terceiro grupo, o grupo das ciências históricas.63

A conclusão era inescapável:

[...] o conhecimento aqui é essencialmente relativo, na


medida em que se limita à percepção de relações e
consequências de certas formas sociais e estatais que existem
apenas em uma época específica e entre pessoas específicas e
são, por natureza, transitórias.

Portanto, qualquer um que se lance neste campo em


busca de verdades finais e últimas, verdades puras e
absolutamente imutáveis, trará para casa muito pouco, além de
lugares-comuns e banalidades da pior espécie.64

Dialética: Racionalismo vs Irracionalismo


Van Til argumentou que o racionalismo absoluto sempre deve
ter o irracionalismo absoluto como corolário. Se o homem, com base
nas pressuposições do pensamento autônomo e racionalista, pode
afirmar que sabe alguma coisa, ele deve afirmar que sabe tudo.
Se todos os fatos estão relacionados entre si, então o
conhecimento exaustivo deve ser um requisito para o verdadeiro
conhecimento. Se algo não é conhecido, o pensador não pode ter certeza
de que o fator desconhecido não está de alguma forma influenciando o
comportamento ou a natureza do conhecido.

86
A Cosmologia do Caos 87
Assim, na pressuposição da autonomia do homem, para
conhecer algo verdadeiramente, é necessário conhecer tudo
exaustivamente. No entanto, a possibilidade de conhecimento
exaustivo não está ao alcance do homem (nem mesmo com a ajuda de
computadores); o resultado é o irracionalismo total: nada pode ser
conhecido com certeza.
O homem perde o controle de seu universo; o acaso se reafirma.
Todo esse conhecimento pode ser uma ilusão; o homem não pode ter
certeza. Tudo o que o homem secular pode fazer é recuar para a fé, e
no mundo de hoje a marca de fé mais popular é o pragmatismo; se algo
funciona, é aceitável como conhecimento.
Claro, a ideia de "isso funciona" implica padrões permanentes
de funcionamento adequado, e isso novamente introduz o problema
original: como podemos descobrir esses padrões? Eles realmente
existem e podem ser aplicados a este mundo? Marx, assim como outros
pensadores autônomos, não conseguiu resolver essa questão.
A resposta para a pergunta é encontrada na revelação de Deus
ao homem, mas Marx e seus colegas humanistas rejeitam essa
possibilidade. Rushdoony, seguindo Van Til, explica por que a
revelação de Deus na Bíblia é fundamental para toda compreensão:

Todo conhecimento se torna possível porque Deus é


absoluto, autônomo e autossuficiente. Como Ele é a fonte do
conhecimento de Si mesmo e o princípio básico de interpretação
para toda a criação, não precisamos ter um conhecimento
exaustivo de Deus para ter conhecimento confiável, nem
precisamos conhecer todos os fatos criados para ter
conhecimento válido do universo.

87
88 A Religião Revolucionária de Marx
O homem não pode compreender todos os fatos com seu
conhecimento, e, portanto, não pode conhecer Deus ou a
criação exaustivamente. Se ele lidar com factos brutos, então
ele não tem conhecimento confiável, uma vez que possibilidades
não reveladas ainda permanecem.

Mas uma vez que Deus não tem potencialidades não


realizadas, e uma vez que Deus criou todas as coisas de acordo
com Seu plano e decreto, nosso conhecimento pode ser confiável
e válido. A incompreensibilidade de Deus é, portanto, a base do
conhecimento do homem.65

O decreto eterno de Deus serve como padrão absoluto, e Ele se


revelou à humanidade. Consequentemente, os indivíduos possuem um
padrão pelo qual podem avaliar os fatos criados do universo. Não há
necessidade de os seres humanos afirmarem a omnisciência para
validar seu conhecimento. Portanto, não são obrigados a se envolver no
irracionalismo característico do pensamento secular. A incapacidade de
compreender todas as coisas não condena seu pensamento ao caos.

Dialética: Luta de Classes


Examinamos em detalhes o conceito de história de Marx. E
quanto à sua teoria das classes? Joseph A. Schumpeter chamou a
atenção para algumas das falhas na teoria das classes de Marx. Em sua
obra importante, "Capitalismo, Socialismo e Democracia" (1942),
Schumpeter mostrou como Marx nunca realmente definiu a palavra
"classe".

88
A Cosmologia do Caos 89
Marx encerrou o terceiro volume de "O Capital" (nunca
concluído em sua vida, mas substancialmente finalizado antes de 1867)
com estas palavras:

A primeira pergunta a ser respondida é esta: O que


constitui uma classe?

Dois parágrafos depois, o manuscrito é interrompido; Marx


deixou de responder à pergunta nos dezesseis anos restantes de sua
vida. Mas o contorno geral de "proprietários" e "não proprietários" é
claro. Em nossa época, Marx escreveu, vemos duas classes: a classe
proletária, que não possui nenhum dos meios de produção, e a classe
capitalista, que possui.
Schumpeter aponta que existem outras maneiras de definir uma
classe; a econômica é apenas uma maneira de delimitar grupos sociais
uns dos outros. Por um lado, há um constante surgimento e declínio de
famílias dentro da classe dominante.66
Além disso, fatores como raça ou destreza militar podem servir
como modelos melhores em certas sociedades do que o conceito de
propriedade de capital. Um dos problemas que Marx enfrentou ao
explicar o triunfo político de Louis Napoléon Bonaparte na França do
século XIX estava relacionado a essa questão.
Se o Estado é o reflexo da supremacia de classe, como
Bonaparte teve sucesso? Ele representava todas as classes, e sua maior
força estava entre os pequenos camponeses, mas a classe dominante na
economia era a burguesia urbana.
Marx tentou argumentar que

89
90 A Religião Revolucionária de Marx
os camponeses encontram seu aliado natural e líder no
proletariado urbano, cuja tarefa é a derrubada da ordem
burguesa.28

No entanto, isso não explica muito bem como Bonaparte III foi
eleito, uma vez que o proletariado certamente não tinha poder na França
na década de 1850, e mesmo que fosse uma classe poderosa, certamente
não teria motivos para eleger Bonaparte.
Por que, então, todas as classes o apoiaram? Marx, o jornalista
político, entrou em conflito com Marx, o teórico social. Sua teoria de
classe rigidamente definida não se encaixava nos fatos políticos
empíricos.
Marx teve que vincular sua teoria do conflito de classes à sua
teoria do determinismo econômico se o sistema de pensamento dele
fosse exibir consistência teórica. Schumpeter viu o absurdo dessa
conexão:

28 Marx, The Eighteenth Brumaire of Louis Bonaparte, em Selected Works, vol.


1, p. 482. [Collected Works, vol. 11, p. 191.] Uma tentativa foi feita por
Wlodzimierz Wesolowski para reexaminar o uso que Marx fez da ideia de
dominação de classe, e ele conclui que a análise de Marx da vida política
francesa do século XIX era, de fato, consistente com sua teoria de classe. Não
acho os argumentos de Wesolowski muito convincentes. O que ele mostrou é
apenas que Marx, o analista político, era mais cuidadoso e mais preciso do que
Marx, o teórico social. Na medida em que a análise política de Marx estava
correta, a força de sua teoria de classe foi enfraquecida. Wesolowski, "Marx's
Theory of Class Domination: An Attempt at Systematization," em Nicholas
Lobkowicz (ed.), Marx and the Western World (Notre Dame, Indiana: Notre
Dame University Press, 1967), pp. 53-97.

90
A Cosmologia do Caos 91
[...] Marx desejava definir o capitalismo pela mesma
característica que também define sua divisão de classes. Um
pouco de reflexão convencerá o leitor de que isso não é
necessário ou natural a se fazer.

Na verdade, foi um ousado golpe de estratégia analítica


que ligou o destino do fenômeno de classe ao destino do
capitalismo de tal maneira que o socialismo, que na realidade
não tem nada a ver com a presença ou ausência de classes
sociais, tornou-se, por definição, o único tipo possível de
sociedade sem classes, excetuando os grupos primitivos.67

Foi uma estratégia analítica, não uma investigação empírica,


que levou Marx a fazer a conexão entre classes e poder econômico.
Nisso tudo, podemos ver o desejo que levou Marx a definir as
classes (e, em seus escritos econômicos, as mercadorias) de maneiras
muito especiais e limitadas: ele queria ter a certeza de que seu
determinismo econômico traria a nova era socialista à existência.
A humanidade não deveria ser deixada em um mar de acaso; a
nova sociedade tinha que surgir. Se isso significasse que certas
definições limitadas e até peculiares tivessem que ser aplicadas a
fenômenos sociais complexos, então Marx não hesitaria.
O homem tem um papel a cumprir, uma tarefa a realizar; ele
precisa do poder do determinismo econômico rigoroso para ajudá-lo em
sua luta contra o acaso. Em uma parte negligenciada da "Ideologia
Alemã", Marx delineou essa tarefa:

Na época atual, a dominação das condições materiais


sobre os indivíduos e a supressão da individualidade pelo acaso
assumiram sua forma mais nítida e universal, definindo assim
uma tarefa muito específica para os indivíduos existentes. Eles

91
92 A Religião Revolucionária de Marx
têm a tarefa de substituir a dominação das circunstâncias e do
acaso sobre os indivíduos pela dominação dos indivíduos sobre
o acaso e as circunstâncias.68

Aqui estão vários problemas envolvidos. Em primeiro lugar,


Marx admitiu que, para ele, o determinismo econômico é uma
consequência de um universo de acaso. Os dois conceitos são
mutuamente exclusivos, mas ambos foram sustentados por Marx.
Se o homem deve conquistar a contingência da natureza, ele
deve fazê-lo, no esquema marxista, por meio do poder industrial e das
leis econômicas. Engels, como de costume, colocou toda a questão de
forma muito mais clara do que Marx:

Hegel foi o primeiro a afirmar corretamente a relação


entre liberdade e necessidade. Para ele, a liberdade é a
apreciação da necessidade.

‘A necessidade é cega apenas na medida em que não é


compreendida.’

A liberdade não consiste no sonho de independência das


leis naturais, mas no conhecimento dessas leis e na
possibilidade que isso dá de fazê-las funcionar sistematicamente
em direção a fins definidos. [...]

Portanto, quanto mais livre for o julgamento de um


homem em relação a uma questão específica, tanto maior é a
necessidade determinada do conteúdo deste julgamento;
enquanto a incerteza, baseada na ignorância, que parece fazer
uma escolha arbitrária entre muitas decisões possíveis
diferentes e conflitantes, mostra precisamente que não é livre,
que é controlada pelo próprio objeto que deveria controlar.

92
A Cosmologia do Caos 93
Portanto, a liberdade consiste no controle sobre nós
mesmos e sobre a natureza externa que é fundamentada no
conhecimento da necessidade natural; portanto, é
necessariamente um produto do desenvolvimento histórico .69

Isso, no entanto, levanta outra questão, a questão das elites. Se


os homens - a humanidade genérica, a espécie humana - devem assumir
o controle das circunstâncias, então devemos, como Engels afirmou,
obter "controle sobre nós mesmos".
C. S. Lewis, em um dos romances mais importantes do século,
‘Aquela Força Medonha’, faz com que um dos personagens levante
precisamente essa questão:

O homem tem que assumir o controle do homem. Isso


significa, lembre-se, que alguns homens têm que assumir o
controle dos outros - o que é outra razão para tirar proveito
disso o mais rápido possível. Você e eu queremos ser as pessoas
que assumem o controle, não as que são controladas.29

Marx não se importava em lidar com esse problema, mas


analistas modernos das nações soviéticas e satélites foram forçados a

29 C. S. Lewis, That Hideous Strength (Nova Iorque: Macmillan, 1946), p. 42.


Este livro é um 1984 teológico. Está disponível em brochura como o terceiro
livro da trilogia de Perelandra e Out of the Silent Planet.

93
94 A Religião Revolucionária de Marx
lidar com isso; a sociedade "sem classes" criou uma classe de elites
políticas.30

Dialética: Controlador ou Controlado?


O problema mais fundamental, no entanto, é filosófico: se o
homem deve assumir o controle de seu universo, e se o acaso deve ser
derrotado, como o homem pode fazer isso se ele é determinado por esse
mesmo universo acidental?
Este era o dilema que Feuerbach não havia resolvido, e foi o
desejo de Marx de transformar o homem passivo de Feuerbach em
alguém que pudesse mudar o mundo alienado. Mas como um homem
que é determinado pelo mundo pode realizar isso?
Neste ponto, Marx introduziu sua teoria da reciprocidade ou
interação entre a subestrutura da produção econômica e a superestrutura
do pensamento e da volição. A história, argumentou ele em "A Sagrada
Família" (1845), não controla o homem de forma alguma:

30 Milovan Djilas, em The New Class (Nova Iorque: Praeger, 1957), culpa Stalin,
em vez do sistema econômico socialista como tal, pela tirania do Comunismo.
Ele não consegue oferecer uma solução para o problema das elites
burocráticas, exceto por um apelo a um "socialismo democrático" vago. The
Road to Serfdom de Hayek (University of Chicago Press, 1944) já descartou
essa esperança particular. O conselho de planejamento socialista
inevitavelmente se tornará parte de uma "nova classe". T. B. Bottomore, um
sociólogo marxista, também chamou a atenção para a questão das elit es em
"Industry, Work, and Socialism", em Fromm (ed.), Socialist Humanism, p.
397.

94
A Cosmologia do Caos 95
A história não faz nada; ela 'não possui riquezas
imensas', ela 'não luta batalhas'. São os homens reais, vivos, que
fazem tudo isso, que possuem coisas e lutam batalhas. Não é 'a
história' que usa os homens como meio de atingir - como se fosse
uma pessoa individual - seus próprios fins. A história não é nada
além da atividade dos homens em busca de seus fins.70

Parece que Marx estava inserindo o elemento de escolha


humana em seu esquema, a fim de preservar a liberdade humana.
Infelizmente, ao fazer isso, ele reintroduziu a contingência em seu
sistema.
Por que a revolução socialista iminente? Como pode ser dito (e
ele repetia constantemente) que as condições sociais determinam os
pensamentos, a vontade e as decisões do homem? No entanto, Marx
nunca vacilou em sua crença de que a sociedade socialista iminente é
inevitável.
Ele nunca, nem por um momento, cogitou a ideia de que o
incêndio poderia ser permanentemente adiado (pelo menos na maioria
dos países). Ele escreveu milhares de páginas de análises econômicas
para provar a inevitabilidade da Revolução.71 Ele escreveu milhares de
linhas em artigos de jornal prevendo o colapso do sistema capitalista.
Marx não era tolo; ele viu a contradição envolvida nesse
indeterminismo e retornou quase imediatamente ao seu esquema
determinista:

O que é a sociedade, seja qual for a sua forma? O


produto da atividade recíproca dos homens. Os homens são
livres para escolher esta ou aquela forma de sociedade por si
mesmos? De modo algum. [...] É supérfluo acrescentar que os
homens não são livres para escolher suas forças produtivas -

95
96 A Religião Revolucionária de Marx
que são a base de toda a sua história - pois cada força produtiva
é uma força adquirida, o produto de atividades anteriores.

As forças produtivas são, portanto, o resultado da


energia prática humana; mas essa energia é condicionada pelas
circunstâncias em que os homens se encontram, pelas forças
produtivas já conquistadas, pela forma social que existe antes
deles, que eles não criam, que é o produto da geração anterior.31

Dialética: Raciocínio Circular, Causalidade Circular


Esta circularidade é melhor expressa pela ambiguidade de
Marx:

as circunstâncias fazem os homens tanto quanto os


homens fazem as circunstâncias.72

Mas foi a carta de Engels para J. Bloch em 1890 que anunciou


com absoluta clareza que o sistema marxista é incapaz de superar esse
dualismo entre acaso e necessidade.

De acordo com a concepção materialista da história, o


elemento finalmente determinante na história é a produção e

31 Marx para P. V. Annenkov, 28 de dez. de 1846: Karl Marx and Friedrich


Engels, Correspondence, 1846-1895, editado por Dona Torr (Nova Iorque:
International Publishers, 1935), p. 7. [Selected Works, vol. 1, p. 518. Collected
Works, vol. 38, p. 96.] Cf. as primeiras linhas d’O Dezoito Brumário de Luís
Bonaparte de Marx (1852): "Os homens fazem sua própria história, mas não a
fazem como querem; eles não a fazem sob circunstâncias escolhidas por si
mesmos, mas sob circunstâncias diretamente encontradas, dadas e transmitidas
do passado." Selected Works, vol. 1, p. 398. [Collected Works, vol. 11, p. 103.]

96
A Cosmologia do Caos 97
reprodução da vida real. Nem Marx, nem eu jamais afirmamos
mais do que isso. Portanto, se alguém distorce isso para dizer
que o elemento econômico é o único determinante, ele
transforma essa proposição em uma frase vazia, abstrata e sem
sentido.

A situação econômica é a base, mas os vários elementos


da superestrutura - formas políticas da luta de classes e seus
resultados, ou seja, constituições estabelecidas pela classe
vitoriosa após uma batalha bem-sucedida, etc., formas
jurídicas, e até mesmo os reflexos de todas essas lutas reais nos
cérebros dos participantes, teorias políticas, jurídicas,
filosóficas, visões religiosas e seu desenvolvimento posterior em
sistemas de dogmas - também exercem sua influência sobre o
curso das lutas históricas e, em muitos casos, predominam na
determinação de sua forma.

Há uma interação de todos esses elementos, na qual, em


meio a toda a infinita variedade de acidentes (ou seja, coisas e
eventos cuja conexão interna é tão remota ou tão impossível de
provar que podemos considerá-la inexistente, negligenciável), o
movimento econômico finalmente se afirmará como necessário.
Caso contrário, a aplicação da teoria a qualquer período da
história seria mais fácil do que a solução de uma simples
equação do primeiro grau.32

32 Engels para J. Bloch, em Selected Works, vol. 3, p. 487; Correspondence, p.


475. Cf. Carta para C. Schmidt, 27 de out. de 1890: Selected Works, vol. 3, p.
492; Correspondence, p. 480. Veja também a declaração similar de Marx em
O Capital, vol. 3, p. 919. [O Capital, vol. 3, pp. 791-92.] Para uma análise

97
98 A Religião Revolucionária de Marx
Ironicamente, Marx havia reivindicado para seu sistema
exatamente esse tipo de precisão matemática em seus primeiros dias.
Em 1843 [nota: mais de dois anos antes de colaborar com Engels na
escrita de "A Ideologia Alemã", onde seu materialismo econômico
tomou sua forma inicial], ele havia escrito sobre o estudo das condições
políticas:

Ao investigar uma situação relativa ao estado, é muito


fácil ser tentado a negligenciar a natureza objetiva das
circunstâncias e explicar tudo pela vontade das pessoas
envolvidas. No entanto, existem circunstâncias que determinam
as ações de pessoas privadas e autoridades individuais, e que
são tão independentes delas quanto o método de respiração.

Se desde o início adotarmos esse ponto de vista objetivo,


não assumiremos a boa ou má vontade exclusivamente de um
lado ou de outro, mas veremos o efeito das circunstâncias onde,
à primeira vista, apenas indivíduos parecem estar agindo.

Uma vez que seja comprovado que um fenômeno é


tornando necessário pelas circunstâncias, não será mais difícil
determinar as circunstâncias externas em que deve realmente
ser produzido e aquelas em que não poderia ser produzido,
embora a necessidade já existisse.

Isso pode ser estabelecido com aproximadamente a


mesma certeza com que o químico determina as condições

contemporânea de acidentes e necessidade, veja A. P. Chermenina, "The


Concept of Freedom in Marxist-Leninist Ethics", The Soviet Review, VI
(1965), p. 50.

98
A Cosmologia do Caos 99
externas sob as quais substâncias com afinidade estão
destinadas a formar um composto.33

Engels categoricamente afirmou que os acidentes não têm


importância duradoura na determinação do curso da história. Mas isso
é uma afirmação de sua fé, não de uma prova irrefutável. Como ele
pode ter certeza de que tais eventos são tão remotos ou tão impossíveis
de medir que podem ser considerados como inexistentes?
Ele insere acidentes na tentativa de dar algum espaço para a
liberdade humana em um mundo determinado em última instância por
fatores econômicos. Mas essa nova contingência faz pouco pelo senso
de liberdade do homem; ele ainda não pode fazer muito para direcionar
seu próprio caminho na vida, muito menos o curso de sua sociedade.

33 [Aqui estou usando a tradução completa em inglês do artigo deliberadamente


anônimo de Marx, “Justification of the Correspondent from the Mosel, Sect.
B,” Rheinische Zeitung (17 de jan. de 1843), em Collected Works, vol. 1, p.
337.] Citado por A. James Gregor, "Marx, Feuerbach and the Reform of the
Hegelian Dialectic," Science and Society, XXIX (1965), p. 77. O argumento
de Lichtheim de que Marx tornou-se determinista apenas em seus anos
posteriores não consegue explicar declarações como essas em sua juventude.
Se algo, a qualificação do determinismo de Marx que encontramos n’O
Capital, vol. 3, p. 919 [vol. 3, pp. 791-92], indica que ele era menos
determinista em seu período "maduro." Mas seria mais correto dizer, em
contraste com Lichtheim, que Marx foi tanto determinista quanto
indeterminista ao longo de sua carreira; ambos foram mantidos em uma tensão
dialética contraditória. Cf. George Lichtheim, Marxism: An Historical and
Critical Study (Nova Iorque: Praeger, 1961), pp. 236-37.

99
100 A Religião Revolucionária de Marx
As circunstâncias econômicas aparecem como finalmente
determinantes. Além disso, como argumentou Marx, esses acidentes se
cancelam mutuamente:

Esses acidentes caem naturalmente no curso geral de


desenvolvimento e são compensados novamente por outros
acidentes.73

Tudo o que podem fazer é acelerar ou atrasar o curso


geral dos eventos.74

No entanto, a inserção do elemento de contingência


efetivamente esvazia todo o sistema. Marx e Engels foram de um lado
para o outro nessa questão; eles nunca chegaram a um lugar de total
determinismo ou total indeterminismo.
R. N. Carew Hunt comentou sobre esse dualismo marxista:

Se o homem deve ser, em algum sentido real, o mestre de


seu destino, isso só pode ser através de suas ideias e opiniões.
Mas essas pertencem à superestrutura, e a forma que elas
tomam é determinada pela subestrutura.

Tudo o que eles admitem é que ocorre uma interação


entre as duas, embora com base em qual princípio eles não nos
dizem. Mas uma vez que uma interação foi concedida, toda a
tese é minada, uma vez que não estamos mais lidando com um
fator puramente econômico, mas com um fator que foi em parte
determinado por fatores não econômicos. Dizer depois disso
que o fator econômico deve sempre ser decisivo é sem sentido.75

Walter Odajnyk ecoou essa observação:

100
A Cosmologia do Caos 101
É a mesma contradição flagrante no marxismo que
continua retornando novamente e novamente: os homens, as
ideias, a sociedade são determinados por causas físicas,
econômicas e sociais operantes, e ainda assim eles podem estar
livres de todas essas causas às vezes, se não sempre. Qual é a
resposta? Não pode ser ambos ao mesmo tempo.

O marxismo se agarra a ambos, pois precisa do


determinismo e precisa da causalidade; mas para ser realista,
bem como revolucionário, é forçado a explicar e até a depender
de situações como se o determinismo e a causalidade não se
aplicassem. Assim, deve sustentar a contradição dentro de si
mesma em prol de sua existência como teoria.76

A teoria da "interação" desfaz a força original da concepção


econômico-materialista da história. Admitidamente, a teoria parece
fornecer um certo elemento de liberdade humana para o sistema, e
marxistas contemporâneos têm usado algumas destas passagens
"indeterministas" em Marx para tentar mostrar que Marx era um
homem que amava a liberdade humana - um verdadeiro humanista.
Alguns até foram tão longe a ponto de dizer que Marx nunca
realmente acreditou que a revolução socialista era inevitável. 77 Mas
essas tentativas de tornar Marx palatável apenas destroem a unidade
original da visão determinista. Sem determinismo total, o sistema perde
sua qualidade convincente.
Como Schumpeter escreve,

o glamour da verdade fundamental que o envolve


depende precisamente da estrita simplicidade da relação
unidirecional que ele afirma.78

101
102 A Religião Revolucionária de Marx
Se a ideia de determinismo econômico absoluto é abandonada,
o marxismo perde seu impacto ideológico.

Dialética: Sorte vs Determinismo


Em última análise, descobrimos que a teoria marxista das
classes e a concepção materialista da história não se sustentam. As
antinomias do sistema não podem ser superadas: o homem, uma
criatura de seu ambiente, é chamado a transcender esse ambiente e criar
um mundo novo. O homem vive em um mundo determinado, mas
encontra esse mundo habitado pela chance.
Como todos os filósofos seculares, Marx viu a origem de todas
as coisas na chance e nunca conseguiu eliminar a chance de seu
universo supostamente determinista. Como resultado, existe uma
tensão constante entre a liberdade do homem e a vida determinada do
homem; qual delas é mais proeminente depende do contexto do
argumento específico de Marx: onde ele tentou escapar das implicações
do determinismo econômico, ele apelou para a chance, e onde ele
desejava garantir a inevitabilidade da Revolução, ele apelou para o
determinismo.
Há outro problema com sua teoria das classes. Marx não era um
pensador sistemático, ao contrário da opinião popular. Ele era um
pensador poderoso, e seu sistema é monumental, mas isso não é o
mesmo que dizer que ele era sistemático.
Ele mudou suas definições no curso de seus argumentos e usou
termos familiares de maneiras peculiares (isso é especialmente
verdadeiro em seus escritos econômicos). Com exceção das primeiras
200 páginas do volume 1 de O Capital, nas quais ele desenvolveu sua

102
A Cosmologia do Caos 103
teoria do mais-valor, quase não há outra exposição igualmente
sistemática de qualquer tema em todas as suas obras.
Ele passaria brevemente por algum assunto, dando indicações
de um insight real, mas apenas insinuaria soluções. Isso é especialmente
verdadeiro no caso de sua teoria da subestrutura econômica da
sociedade.
Se a filiação de um homem dependesse de seu papel no modo
de produção, então era absolutamente vital para Marx dar uma
definição precisa de "modo de produção". Infelizmente, ele não foi
muito cuidadoso em seu uso da frase. Como resultado, desenvolveu-se
um conflito sobre o que exatamente a teoria implica.
Marx proclamou uma interpretação estritamente tecnológica da
história, ou foi uma definição mais ampla? Alguns estudiosos
sustentam a visão de que Marx achava que a tecnologia sozinha
determinava a natureza da sociedade.
Outros pensam que Marx acreditava que todas as relações de
produção - propriedade, tecnologia, burocracia e até mesmo ideias -
devem ser consideradas em qualquer "equação social". O comentário
de Mayo é preciso:

Os alicerces mesmos da teoria marxista são minados por


essa incerteza, e, portanto, o marxismo pode significar coisas
diferentes para pessoas diferentes, assim como significou coisas
diferentes para o próprio Marx em momentos diferentes. A
maioria das exposições de Marx são assim forçadas a tornar

103
104 A Religião Revolucionária de Marx
suas teorias mais consistentes e inteligíveis do que realmente
eram34

As ambiguidades na própria mente de Marx explicam muitos


dos debates entre seus seguidores e entre seus seguidores e seus
detratores. A teoria de Marx deveria fornecer uma explicação sobre a
natureza da mudança histórica, mas ela falha em sua tarefa. Qual é a

34 H. B. Mayo, Introduction to Marxist Theory (Nova Iorque: Oxford University


Press, 1960), p. 70. Mayo descreve essa confusão: "Marx mesmo resumiu sua
teoria assim: 'o modo de produção na vida material determina os processos de
vida social, política e intelectual em geral'; e falando de produção, disse 'este
único fato histórico é o determinante fundam ental de toda a história.' Às vezes
ele listava os três ingredientes como atividade de trabalho proposital, matéria -
prima (materiais) e os instrumentos. Às vezes, no entanto, o significado era
ampliado para incluir os métodos de troca e os meios de transpo rte, que variam
de acordo com a produção ser para as próprias necessidades ou para o
mercado… A maior ambiguidade de todas nesta frase essencial já foi
mencionada: onde devemos colocar o conhecimento, a ciência, a tecnologia,
as habilidades de trabalho - entre os modos de produção ou na superestrutura?
Se os colocarmos entre os primeiros como deveriam estar, e como Marx às
vezes os colocava, já que o conhecimento científico é obviamente uma das
forças de produção, então o ponto único da teoria marxista desa parece. A lei
fundamental de Marx pode então ser reduzida à afirmação de que a história é
feita pela humanidade trabalhando com a natureza. Por mais verdadeira que
esta afirmação possa ser, certamente não é o que os marxistas normalmente
pensam que querem dizer. Por outro lado, colocar a ciência na superestrutura
estritamente determinada, como Marx e Engels às vezes colocavam, ignora a
verdade de que os materiais e ferramentas dependem em grande parte do
conhecimento." Ibid., pp. 69-70. [Este longo trecho estava originalmente no
corpo principal do texto da primeira edição, mas decidi relegá -lo a uma nota
de rodapé nesta edição.]

104
A Cosmologia do Caos 105
fonte da mudança? Ideias, tecnologia, relações legais ou algum outro
elemento? Como Mayo coloca:

No final, então, chega-se a isto: as forças de produção,


nunca claramente definidas, são ditas determinar tanto o curso
da história quanto toda a superestrutura da sociedade. Em
nenhum sentido isso é uma explicação final, uma vez que como
as mudanças ocorrem na variável independente é tão misterioso
quanto sempre foi.

Mas como a mente fatigada deve em algum lugar


encontrar descanso, Marx se posicionou sobre as mudanças
espontâneas nos elusivos modos de produção. Eles são a
misteriosa tartaruga autossustentável que sustenta a sociedade
e carrega a história em suas costas." 79

[Ao refletir sobre esta afirmação, ela me lembra a teoria do


darwinismo moderno sobre mudanças genéticas imprevisíveis que
determinam tudo - exceto as subsequentes variações genéticas
aleatórias - que ocorrem depois no processo de seleção natural.]
Portanto, vemos que a teoria marxista do desenvolvimento
histórico é um emaranhado de argumentos circulares e definições
mutáveis. Ela é incapaz de resolver a antinomia entre "natureza-
liberdade", e ao depender puramente da contingência para fornecer
liberdade ao homem, a Revolução necessária perdeu sua inevitabilidade
científica.
Sem uma teoria de classe consistente para apoiar o surgimento
da Revolução, dificilmente pode-se dizer que tenha sido estabelecida
empiricamente. No entanto, Marx nunca perdeu a fé no cataclismo
iminente. Não ficou claro exatamente como a mudança ocorreu na

105
106 A Religião Revolucionária de Marx
sociedade, mas Marx sempre acreditou que havia demonstrado que a
mudança social é unilinear e aponta para a resolução final de toda a
história humana.
O que o compeliu a se apegar à ideia da vinda da Revolução
com tamanha determinação religiosa? Por que ele passou toda a sua
vida tentando mostrar que a prova da inevitabilidade da Revolução
tinha sido encontrada?35

Revolução
Todos os caminhos nas obras de Marx levam à Revolução. Quer
examinemos sua teoria da alienação humana ou sua filosofia da
história, quer olhemos para sua teoria do conhecimento ou sua análise
econômica, quer a política seja o tema ou o desenvolvimento da ciência,
todas as contradições e dificuldades devem ser resolvidas pela chegada
da Revolução.
É o início de uma verdadeira história humana; é o fim da
produção acorrentada e do trabalho explorado. É a descoberta da
liberdade humana combinada com uma onipotência absoluta e controle
total sobre a natureza. Não mais absurdos como a divisão do trabalho

35 Mayo levantou algumas objeções sérias à metodologia histórica de Marx em


seu ensaio, "Marxism as a Philosophy of History", The Canadian Historical
Review, XXXI (1953), pp. 1-17. Para uma discussão esclarecedora sobre
classes e acidentes históricos nos escritos de Marx, veja M. M. Bober, Karl
Marx's Interpretation of History, pp. 67-112.

106
A Cosmologia do Caos 107
existirão, não mais guerras, não mais conflitos entre os homens ou
dentro do homem.
Sem o ideal da Revolução como seu objetivo, o marxismo seria
pouco mais do que uma grande massa de material econômico e
histórico - interessante, talvez, mas dificilmente a base de um
movimento em massa. Quando combinado com a ideia de revolução
total, torna-se uma nova religião, ou mais precisamente, uma religião
muito antiga em uma nova roupagem pseudocientífica.
Marx foi primordialmente um cientista ou um profeta religioso?
Este debate dividiu os acadêmicos por mais de meio século e é
improvável que seja resolvido no futuro próximo. T. B. Bottomore, um
sociólogo cujas obras estão na tradição marxista, é um daqueles que
acreditam que Marx é mais bem compreendido como um cientista;
naturalmente, os marxistas soviéticos concordam com essa avaliação.80
Robert C. Tucker, Louis J. Halle, Erich Fromm, Karl Löwith e
muitos outros o veem como uma figura semirreligiosa, especialmente
como um tipo de profeta do Antigo Testamento. A descrição de Löwith
é típica:

Ele era um judeu de estatura do Antigo Testamento,


embora um judeu emancipado do século XIX que se sentia
fortemente antirreligioso e até antissemita. É o antigo
messianismo judaico e profetismo - não alterado por dois mil
anos de história econômica, desde a manufatura até a indústria
em larga escala - e a insistência judaica na retidão absoluta que
explicam a base idealista do materialismo de Marx.

107
108 A Religião Revolucionária de Marx
Embora pervertido em prognóstico secular, o Manifesto
Comunista ainda mantém as características básicas de uma fé
messiânica: ‘a garantia das coisas a serem esperadas.’36

Indiscutivelmente, há um elemento religioso no marxismo. Mas


classificá-lo como uma figura profética do Antigo Testamento é perder
a natureza essencial da mensagem marxista. O que o marxismo
representa é uma reminiscência secular dos cultos caóticos do mundo
antigo, e não uma escola moderna dos profetas.

Dialética: Pensamento e Ação


Marx tentou superar a tensão dialética entre pensamento e ação;
ele estava ciente de que explicações teóricas do universo estão sempre
separadas dos eventos materiais reais e estava determinado a preencher
essa lacuna.
Assim, ele ofereceu sua tese de que na ação - prática
revolucionária - temos a resolução da dicotomia. Em sua segunda tese
sobre Feuerbach, ele escreveu que

a questão se a verdade objetiva pode ser atribuída ao


pensamento humano não é uma questão de teoria, mas é uma
questão prática. Na prática, o homem deve provar a verdade,
ou seja, a realidade e o poder, o aspecto deste lado de seu
pensamento.

36 Karl Löwith, Meaning in History (University of Chicago Press, 1949), p. 44.


Sobre o Partido Comunista como uma igreja secular, veja Raymond Aron, The
Opium of the Intellectuals (Nova Iorque: Norton, 1962), cap. 9.

108
A Cosmologia do Caos 109
O pensamento humano pode ser considerado válido separado da
ação revolucionária? Marx negou categoricamente a possibilidade:

A disputa sobre a realidade ou não -realidade do


pensamento isolado da prática é uma questão puramente
escolástica.

Ele continuou o tema na oitava destas teses.

A vida social é essencialmente prática.81

Declarações como estas levaram muitos estudiosos a concluir


que Marx era essencialmente um pragmatista, e em certo sentido, esta
é uma avaliação precisa.82 Neste pragmatismo, podemos ver o
relativismo de Marx em ação: a teoria está sempre mudando, assim
como a matéria está em constante fluxo; apenas a prática revolucionária
pode unificar a teoria e a realidade empírica. Lichtheim expressou isso
bem: Marx era muito um ‘‘teórico pragmático.’’83
A revolução, no entanto, tem mais do que uma função
intelectual no sistema de Marx. A revolução visa criar uma sociedade e
uma nova humanidade:

Na atividade revolucionária, a mudança de si mesmo


coincide com a mudança das circunstâncias.84

O homem pode mudar sua própria natureza e a natureza da


espécie também, alterando seu ambiente:

Agindo assim sobre o mundo externo e mudando -o, ele


ao mesmo tempo muda sua própria natureza.85

109
110 A Religião Revolucionária de Marx
Como a cronologia das duas citações indica, Marx manteve essa
crença ao longo de sua carreira. O que ele originalmente concebeu
como uma queda psicológica na alienação agora deveria ser curado por
uma alteração na subestrutura ambiental da sociedade.
Ele perseguiu esse tema com um fanatismo religioso:

Para a criação em larga escala desta consciência


comunista, bem como para o sucesso da causa em si, é
necessário que os próprios homens sejam mudados em grande
escala, e essa mudança só pode ocorrer, em um movimento
prático, em uma revolução.

A revolução é necessária não apenas porque a classe


dominante não pode ser derrubada de nenhuma outra forma,
mas também porque somente em uma revolução a classe que a
derruba pode se livrar do entulho acumulado do passado e se
tornar capaz de reconstruir a sociedade.37

Em um ensaio inicial para o Vorwärts! [Avante!], um periódico


revolucionário alemão, ele foi igualmente enfático:

37 German Ideology, p. 86. [Selected Works, vol. 1, p. 41. Collected Works, vol.
5, pp. 52-53.] Esta é a mesma declaração que aparece no início deste capítulo.
Neste caso, no entanto, estou usando a tradução em Bottomore e Rubel (eds.),
Selected Writings in Sociology and Social Philosophy , p. 65. À luz desta
declaração de Marx, a conclusão feita por H. B. Mayo parece ridícula: "Como
vimos, Marx não idealizou a violência como tal; seu erro pode ser chamado de
um erro de julgamento. Acreditando que a burguesia não cederia sua posição
de classe sem resistência armada, ele naturalmente acreditava também que a
derrubada pela violência seria necessária, e isso agora é um artigo principal do
credo comunista." Introduction to Marxist Theory, p. 257.

110
A Cosmologia do Caos 111
A revolução em geral - a derrubada do poder dominante
existente e a dissolução das relações sociais existentes - é um
ato político. Sem revolução, o socialismo não pode se
desenvolver.86

Mais tarde, ele escreveu:

A força é a parteira de toda sociedade antiga grávida de


uma nova.87

Ele modificou ligeiramente essa visão em algumas ocasiões:


disse que a Inglaterra talvez pudesse evitar a revolução em sua transição
para o socialismo, mas isso não era muito provável. No entanto, ele não
expressou essa opinião com muita frequência e geralmente apenas a
mencionava aos membros da Associação Internacional dos
Trabalhadores, uma organização sindical que dependia muito do apoio
sindical britânico.
Sua opinião privada, que apenas seus íntimos viam, era muito
mais explícita, conforme ele escreveu para Engels em 1866:

O inglês primeiro precisa de uma educação


revolucionária. Uma coisa é certa, esses cabeças-duras John
Bulls, cujas caixas cranianas parecem ter sido especialmente
fabricadas para os cassetetes dos guardas, nunca chegarão a
lugar nenhum sem um encontro realmente sangrento com os
poderes dominantes.88

O "encontro sangrento" era uma questão de princípio religioso


e filosófico para ele; a Revolução tinha que acontecer se o homem fosse
se libertar da escravidão de um mundo alienado.

111
112 A Religião Revolucionária de Marx

Cultos do Caos
A doutrina da prática revolucionária tornou-se, para Marx,
equivalente à licença caótica que estava no cerne de todas as
cosmologias pagãs. A Era de Ouro só poderia ser recuperada através de
licença para tudo, caos e degradação: esse tema era central para as
cosmologias pagãs e fundamental para o marxismo.
Os antigos acreditavam na existência de uma era primitiva de
luxo, riqueza e liberdade; essa era havia sido perdida. 38 A teologia
hebraica e cristã ortodoxa explica essa transição em termos de uma
queda ética no pecado; o homem se opôs à lei de Deus e foi punido por
sua desobediência.
A queda, em outras palavras, foi um fenômeno ético, não um
fenômeno metafísico. No entanto, os antigos viam a queda como um
evento metafísico; o mundo está em servidão à lei e à escassez, e ao
retornar ao caos por um período, a sociedade participa daquele tempo
pré-temporal de abundância.
Há a esperança de que a Era de Ouro em si possa ser restaurada.
Somente através da participação no evento caótico pré-temporal a
sociedade pode ser rejuvenescida; somente através da participação
ritualística pode ser estabelecida a ligação entre o tempo cósmico e a
realidade presente.

38 Cf. Hesíodo (século VIII a.C.), Os Trabalhos e Os Dias (Ann Arbor:


University of Michigan Press, 1959), linhas 109-201, para um relato das cinco
eras do homem: de Ouro a Ferro. (Tradução de Richmond Lattimore).

112
A Cosmologia do Caos 113
Em todas as cosmologias exceto a bíblica, a criação era vista
como a imposição de ordem sobre uma matéria caótica. Assim, nos
festivais e outros rituais do caos, a sociedade acreditava ter acesso a
essa matéria vital que existia antes que a forma fosse imposta para
sufocar sua ação livre.
Roger Caillois explicou essa cosmologia pagã, concentrando
sua atenção no festival:

É um tempo de excesso. Reservas acumuladas ao longo


de vários anos são desperdiçadas. As leis mais sagradas são
violadas, aquelas que parecem estar na base da vida social. O
crime de ontem agora está prescrito, e em vez das regras
habituais, novos tabus e disciplinas são estabelecidos, cujo
propósito não é evitar ou acalmar emoções intensas, mas sim
excitá-las e levá-las ao clímax.

O movimento aumenta, e os participantes ficam


intoxicados. As autoridades civis ou administrativas veem seus
poderes temporariamente diminuídos ou desaparecem. Isso não
é tanto em benefício da casta sacerdotal regular, mas sim para
o ganho de confrarias secretas ou representantes do outro
mundo, atores mascarados personificando os deuses ou os
mortos.

Esse fervor também é o momento dos sacrifícios, até


mesmo o momento do sagrado, um tempo fora do tempo que
recria, purifica e rejuvenesce a sociedade... Todos os excessos
são permitidos, pois a sociedade espera ser regenerada como
resultado de excessos, desperdício, orgias e violência.89

O festival é uma recriação ritual de algum evento-chave na vida


de uma sociedade. Talvez os festivais de criação mais famosos fossem

113
114 A Religião Revolucionária de Marx
o Saturnália, o Ano Novo e os ritos de fertilidade da primavera. Havia
uma identificação com os primeiros dias do universo, onde nenhuma
regra limitava a criação.

É a Idade do Ouro: o reinado de Saturno e Cronos, sem


guerra, comércio, escravidão ou propriedade privada .90

Era uma era de abundância total, mas também de terror, onde


forças obscuras estavam soltas no universo. Ambos os elementos
estavam, portanto, presentes nos festivais. 91 Aqui estava a concepção
primitiva da controvérsia entre forma e matéria ou do esquema
natureza-liberdade: a lei era vista tanto como uma limitação para o
homem quanto simultaneamente uma barreira contra os terrores do
desconhecido. A função dos excessos era injetar vitalidade no mundo
da ordem:

Todas as coisas vivas devem ser rejuvenescidas. O


mundo deve ser criado de novo.92

As tradições do festival foram preservadas nos tempos


modernos em culturas primitivas isoladas, bem como em muitos
costumes populares, como o Mardi Gras e o Carnaval.93 E o sistema de
Marx certamente se baseava em uma cosmologia semelhante à descrita
por Mircea Eliade:

Essa reversão completa de comportamento - da modéstia


ao exibicionismo - indica um objetivo ritual, que diz respeito a
toda a comunidade. É um caso da necessidade religiosa de
abolição periódica das normas que regem a vida profana - em
outras palavras, da necessidade de suspender a lei que repousa
como um peso morto sobre os costumes e de recriar o estado de
espontaneidade absoluta.94

114
A Cosmologia do Caos 115

Sociedades Secretas
De acordo com a tradição, essa forma secular de ritual de caos
e segredo tem sido preservada nas sociedades secretas que são comuns
a todas as culturas. Esta é uma das razões pelas quais elas têm servido
frequentemente como fontes de atividade revolucionária e
conspiratória, especialmente na história da Europa. 39
Uma das afirmações mais flagrantes da filosofia do caos foi feita
recentemente por Jeff Nutall, editor do underground My Own Mag, e o
principal porta-voz de William Burroughs (autor de Naked Lunch, um
favorito do underground):

Ainda assim, Burroughs, todos nós - estamos nos


deteriorando, pelo amor de Deus. Todos nós estamos nos

39 Embora estejam fora de moda nos círculos históricos atuais, os estudos de


Nesta Webster contêm informações sólidas sobre as atividades e o
desenvolvimento das sociedades secretas da Europa. Algumas das conexões
que ela estabelece entre eventos históricos e certos grupos conspiratórios são
provavelmente questionáveis do ponto de vista metodológico, mas muito do
que ela tem a dizer é muito importante. A erudição histórica sempre tem
dificuldade em tratar de sociedades secretas, já que elas deixam poucos
documentos escritos e muitos dos dados públicos são deliberadamente
enganosos. Três de suas obras mais importantes são Secret Societies and
Subversive Movements (Hawthorne, Califórnia: Omni Reprint, [1923] 1964);
World Revolution (Waco, Texas: Owen Reprint, [1921] 1964); The French
Revolution (Londres: Constable, 1919). [Muito superior é a obra -prima de
James L. Billington, Fire in the Minds of Men: Origins of the Revolutionary
Faith (Nova York: Basic Books, 1980).]

115
116 A Religião Revolucionária de Marx
deteriorando, claramente. Brincando com drogas, brincando
com todos os possíveis desvios sexuais.

Realmente, as épocas anteriores de decadência ficariam


surpresas e admiradas com a vanguarda moderna. Nós
superamos todos eles. Mas a coisa curiosa e impressionante é
que tantos artistas são capazes de passar por essas coisas como
homens inteligentes - não como homens totalmente sem
princípios.

Se você passar por essas coisas com algum propósito,


pode até ser nobre. É como se, com sua própria decadência,
você recarregasse e revigorasse - você fertilizasse esta terra
arrasada para aqueles que ainda estão por vir.95

Ao longo da história e em todas as sociedades, encontramos


homens que prestam juramento de lealdade a essa filosofia demoníaca,
seja qual for a forma que ela possa assumir. Marx foi prefigurado por
pessoas como Mazdak, o comunista revolucionário na Pérsia do século
V d.C., um homem que quase teve sucesso em derrubar a sociedade em
que viveu.96
Nos Assassinos da Arábia do século XI (o nome deriva da
mesma raiz que hashish, que era parte integral do ritual dos
Assassinos), uma seita de muçulmanos revolucionários, a mesma
perspectiva básica estava presente, e foi importada para o Ocidente
pelos bogomilos e cátaros, as seitas dualistas do mundo medieval. 40

40 O livro The Medieval Manichee de Steven Runciman (Nova York: Viking


Press, 1961) apresenta uma descrição de algumas destas seitas.

116
A Cosmologia do Caos 117
A lista completa de sociedades secretas racionalistas no século
XVIII na Europa - Illuminati, Rosacruzes, Maçonaria do Grande
Oriente - todas contribuíram para a mesma tradição revolucionária,
embora em nome de uma humanidade iluminada e liberada.
O ponto culminante dessa tradição foi a Revolução Francesa.
Foi aqui que o humanismo secular, o fervor revolucionário e as
sociedades secretas se fundiram em um movimento avassalador. 41
Marx foi o herdeiro dessa tradição, especialmente do plano de
Babeuf para derrubar o governo em 1795. Marx reconheceu seu
respeito pelos esforços de Babeuf.97 Na verdade, o diagrama de Marx
para ação conspiratória e revolucionária, que ele apresentou em seu
Endereço do Comitê Central à Liga Comunista (1850), foi modelado
com base na organização jacobina e na sociedade secreta de Babeuf. 98
Este é um exemplo clássico da ciência revolucionária francesa
no período pós-Terror. Foi publicado em uma das novas revistas
científicas da época:

A Revolução arrasou tudo até o chão. Governo, moral,


hábitos, tudo tem que ser reconstruído. Que magnífico local
para os arquitetos!

41 O papel desempenhado pelas sociedades secretas não é uma tese absurda na


mente da Sra. Webster; liberais reconheceram profundamente a parte que estas
sociedades tiveram. Cf. Una Birch, Secret Societies and the French Revolution
(Londres: John Lane, 1911). Veja também Charles William Heckethorne, The
Secret Societies of All Ages (2 vol.; New Hyde Park, Nova York: University
Books, [1897] 1965) para um tratamento simpático destes movimentos.

117
118 A Religião Revolucionária de Marx
Que grande oportunidade de utilizar todas as ideias boas
e excelentes que haviam permanecido especulativas, de
empregar tantos materiais que não podiam ser usados antes, de
rejeitar tantos outros que haviam sido obstáculos por séculos e
que se foi forçado a usar.99

Marxismo e Paganismo Antigo


Quaisquer modificações que Marx tenha feito posteriormente
em suas formulações originais conspiratórias, há pouca dúvida de que
o esquema de sua teoria da revolução foi baseado em uma cosmologia
antiga da natureza que tem uma longa história na civilização ocidental
(e oriental).
Eliade percebeu essa relação estreita entre Marx e o mundo
antigo:

No entanto, o marxismo preserva um significado para a


história. Para o marxismo, os eventos não são uma sucessão de
acidentes arbitrários; eles exibem uma estrutura coerente e,
acima de tudo, levam a um fim definido - eliminação final do
terror da história, 'salvação'. Assim, no final da filosofia da
história marxista, encontra-se a era de ouro das escatologias
arcaicas.

Nesse sentido, é correto dizer não apenas que Marx


'devolveu a filosofia de Hegel à terra', mas também que ele
reafirmou, em um nível exclusivamente humano, o valor do mito
primitivo da era de ouro, com a diferença de que ele coloca a
era de ouro apenas no final da história, em vez de colocá-la no
início também.

Aqui, para o marxista militante, está o segredo do


remédio para o terror da história: assim como os

118
A Cosmologia do Caos 119
contemporâneos de uma ‘era das trevas’ se consolavam pelo
aumento do mal pensando que a intensificação do mal acelera
a libertação final, o marxista militante de hoje lê, no drama
provocado pela pressão da história, um mal necessário, o
sintoma premonitório da vitória iminente que porá um fim para
sempre a todo 'mal' histórico.100

Eliade poderia ter apresentado seu argumento de forma ainda


mais contundente. Marx compartilhava com os antigos a crença em
uma Era Dourada passada, como vimos; em algum ponto da história do
homem, embora em uma cultura primitiva, o mundo do homem não
conhecia a alienação. A era que está por vir será superior, é claro,
porque a humanidade também controlará o antigo caos do ambiente ao
seu redor.
Em seus manuscritos póstumos, Grundrisse der Kritik der
Politischen Okonomie (1857-58), Marx esboçou algumas de suas ideias
sobre a estrutura social comunal primitiva, e, como apontou E. J.
Hobsbawm, os interesses de Marx após a publicação de O Capital
(1867) estavam

esmagadoramente voltados para essa fase do


desenvolvimento social.[...]101

Engels compartilhou o interesse de Marx, e ele também retratou


uma Era Dourada primitiva em sua obra A Origem da Família, da
Propriedade Privada e do Estado (1884). 102

A Linguagem da Salvação
A transição entre o capitalismo e a primeira etapa do
comunismo seria anunciada pela Revolução, e não há dúvida de que

119
120 A Religião Revolucionária de Marx
Marx utilizou explicitamente linguagem soteriológica ao descrever a
iminente conflagração.
Em seu ensaio exaltando a Comuna de Paris de 1871, Marx
escreveu sobre uma

França, cuja salvação da ruína e cuja regeneração eram


impossíveis sem a derrubada revolucionária das condições
políticas e sociais que haviam engendrado o Segundo Império
[de Napoleão III], e, sob seu cuidado fomentador, amadureceu
até a completa decadência.103

Marx não compreendia realmente a Comuna, mas o uso que fez


dela demonstra que a via em termos de regeneração política e social -
salvação coletiva.104
A prática revolucionária proporciona aos trabalhadores um
senso de autorrealização, pois é somente através da ação revolucionária
que a consciência de classe se desenvolve. Em 1850, Marx caracterizou
essa mensagem:
É preciso passar por quinze, vinte, cinquenta anos de guerras
civis e guerras nacionais, não apenas para mudar suas condições, mas
para se transformarem e se qualificarem para o poder político[...]105
Mais uma vez, uma função semirreligiosa é realizada; a tese de
Caillois é que somente na guerra e derramamento de sangue o homem
moderno pode se aproximar da psicologia destrutiva dos festivais do
caos.
O sentimento comunal de dedicação coletiva a uma causa
superior na civilização moderna só pode ser experimentado na
guerra.106 A crença de Marx de que a consciência proletária só pode ser

120
A Cosmologia do Caos 121
alcançada na luta é muito semelhante à posição de Caillois; nesse
sentido, a revolução proletária tem a mesma função religiosa e
psicológica que o festival tinha no mundo antigo.
Engels, em sua maneira direta, escreveu para Marx em 1857,
justamente quando a depressão de 1857 estava começando. Ele estava
se recuperando de uma doença nos Estados Unidos. Sua linguagem é
claramente religiosa:

A sujeira burguesa dos últimos sete anos tinha grudado


em mim até certo ponto afinal, se for lavada agora, vou me
sentir outro homem de novo. A crise vai me fazer tão bem
fisicamente quanto um banho de mar, já posso ver isso .107

As águas purificadoras do caos total: esta é a base teológica da


religião da revolução.

A Ditadura do Proletariado
A doutrina de Marx sobre a "ditadura do proletariado" revela
muito sobre a função da Revolução. Após a revolução proletária ser
alcançada e as classes trabalhadoras assumirem o poder político, haverá
então

um período de transição política em que o Estado não


pode ser nada além d’A ditadura revolucionária do
proletariado.108

Isso não será o estado final, mas apenas a era do domínio das
classes trabalhadoras em que todos os vestígios da vida burguesa serão
esmagados. Engels detalhou como seria esse período e qual deveria ser
o propósito do estado proletário:

121
122 A Religião Revolucionária de Marx
Portanto, como o estado é apenas uma instituição de
transição usada na luta, na revolução, para conter os
adversários pela força, é pura bobagem falar de um estado livre
do povo: enquanto o proletariado ainda usa o estado, não o usa
em prol da liberdade, mas para conter seus adversários, e assim
que se torna possível falar de liberdade, o estado como tal deixa
de existir.109

O período de transição é aquele em que os novos governantes


começam a guiar a nova sociedade para o mundo da abundância
socialista, mas para fazer isso, a liberdade e as instituições burguesas
devem ser eliminadas.
É um período de destruição forçada, como apontou Iring
Fetscher: o período de "comunismo bruto" de Marx não superaria a
alienação e seria até menos progressivo em alguns aspectos do que o
capitalismo.

Não há conexão entre essa forma de abolir a


propriedade privada e a apropriação real da realidade
alienada. Pelo contrário, todas as pessoas seriam reduzidas, de
acordo com essa noção, à simplicidade antinatural de pessoas
pobres sem necessidades e desejos.

‘A comunidade [neste caso] é apenas uma comunidade


de trabalho e igualdade de salário pago pelo capital comunista,
a comunidade como o capitalista universal.’

A indicação óbvia desse tipo de Comunismo bruto, que


Marx entendia como uma generalização primitiva da
propriedade privada, é a Weibergemeinschaft, a comunidade de
mulheres.

122
A Cosmologia do Caos 123
Este Comunismo é desumano, não porque destrua o
capitalismo, mas porque torna o capitalismo mais amplo, mais
radical e mais absoluto. Ele não transcende a sociedade
capitalista, mas fica para trás até mesmo em relação a alguns
dos aspectos mais progressistas da propriedade privada.

No entanto, Marx pensava nesta época que, pelo menos


do ponto de vista teórico, esse tipo de comunismo era uma etapa
pela qual era necessário passar.110

Dialética: Estado ou Não Estado


Aqui está um dos resultados dialéticos do sistema marxiano: é
simultaneamente um apelo à revolução total contra o estado e um
programa para criar um estado absoluto. A visão final de Marx era a
esperança em uma sociedade que não precisasse de um estado, no
entanto, seria necessário um período de inumanidade planejada pelo
estado para trazer esse mundo à existência.
Marx tentou compensar o autoritarismo total com a visão de
uma sociedade verdadeiramente humana que viria; este era o "sonho da
utopia na terra" de Marx.

Mas esses defeitos são inevitáveis na primeira fase da


sociedade comunista, quando ela acaba de surgir após longos
trabalhos de parto da sociedade capitalista.111

O Marx "maduro" de 1875 então desenhou seu quadro do


paraíso que estava por vir:

Em uma fase mais elevada da sociedade comunista,


depois que a subordinação escravizante do indivíduo à divisão

123
124 A Religião Revolucionária de Marx
do trabalho, e com ela também a antítese entre trabalho mental
e físico, tenha desaparecido.

Depois que o trabalho se tornou não apenas um meio de


vida, mas a principal necessidade da vida; depois que as forças
produtivas também aumentaram com o desenvolvimento
abrangente do indivíduo, e todas as fontes da riqueza
cooperativa fluem mais abundantemente - somente então o
horizonte estreito do direito burguês pode ser cruzado em sua
totalidade, e a sociedade inscrever em suas bandeiras:

De cada um segundo suas habilidades, a cada um


segundo suas necessidades!42

O autoritarismo básico de Marx foi percebido por seu rival


anarquista, Michael Bakunin. Bakunin já havia sido capaz de cooperar
com Marx, já que compartilhavam uma oposição ao estado burguês,
mas Bakunin mais tarde rompeu com Marx. Ele não compartilhava da
fé de Marx na capacidade de um estado total abolir o estado para
sempre:

Eu odeio o comunismo porque é a negação da liberdade


e porque a humanidade é para mim impensável sem liberdade.
Eu não sou um comunista, porque o comunismo concentra e
engole em si mesmo, em benefício do Estado, todas as forças da
sociedade, porque inevitavelmente leva à concentração da
propriedade nas mãos do Estado, enquanto eu quero a abolição
do Estado, a erradicação final do princípio de autoridade e
patrocínio próprio do Estado, que sob pretexto de moralizar e

42 Ibid. O slogan "capacidade-necessidades" era de Morelly (1760).

124
A Cosmologia do Caos 125
civilizar os homens, até agora só os escravizou, perseguiu,
explorou e corrompeu.

Eu quero ver a sociedade e a propriedade coletiva ou


social organizadas de baixo para cima, por meio de associação
livre, não de cima para baixo, por meio de qualquer tipo de
autoridade." 43

Desmistificando Marx
Alguns estudiosos contemporâneos - como Lichtheim, Halle,
Mayo, Schumpeter - desejam minimizar o fervor revolucionário de
Marx, especialmente o apelo à revolução que ele fez em sua carreira
posterior. O problema com essa interpretação é fornecer uma
explicação para seu óbvio deleite com a Comuna de Paris de 1871.
Essa "aberração" no chamado Marx "maduro" indica que seu
antigo sonho de regeneração por meio do caos total estava apenas
esperando uma oportunidade para reaparecer como parte íntima de sua
análise social.

43 Citado em E. H. Carr, Michael Bakunin (Londres: Macmillan, 1937), p. 341.


Não está muito claro como alguém pode ser contra a propriedade privada e
também contra a propriedade gerida pelo estado, mas Bakunin certamente viu
o totalitarismo latente presente no sistema marxista, e por esta razão seus
comentários são úteis. O que exatamente ele quis dizer com esta declaração,
"Sou coletivista, mas não comunista", é um mistério (ibid.). [Ele era um
sindicalista, uma filosofia de propriedade econômica que não tem teoria
econômica.]

125
126 A Religião Revolucionária de Marx
Em um artigo brilhante, Louis Halle tenta "desmitologizar"
Marx:

Marx estava apenas usando a palavra "revolução" como


uma metáfora religiosa, não como uma forma real de ação
política.112

Às vezes, os estudiosos não levam outros a sério em suas


palavras; simplesmente não conseguem acreditar que outro estudioso
diria tais coisas.44
Essas interpretações da posterior "amolecida" de Marx baseiam-
se no fato de que Marx, em certos estágios de sua carreira, estava
disposto a desvalorizar a ideia de ação revolucionária por considerações
táticas. Mas sua verdadeira preocupação foi traída por suas análises
econômicas; repetidas vezes, em seu período "maduro", ele viu indícios
da revolução iminente - uma revolução que seria desencadeada por
meio de uma crise econômica no sistema capitalista mundial.
Ele e Engels receberam de braços abertos o iminente colapso.
Como ele escreveu para Engels em 1857 (supostamente em seu período
"maduro"):

44 O livro Marxism de George Lichtheim é provavelmente o estudo mais


importante que promove a ideia de que Marx perdeu seu olhar revolucionário
após 1850 e tornou-se uma espécie de protótipo de Social Democrata. Bertram
D. Wolfe aparentemente concorda com Lichtheim neste ponto: Marxism: One
Hundred Years in the Life of a Doctrine (Nova York: Dial Press, 1965), p.
239n.

126
A Cosmologia do Caos 127
Estou trabalhando como louco todas as noites para
organizar meus estudos econômicos, para que eu possa pelo
menos ter as linhas gerais claras antes que o dilúvio chegue.45

Na verdade, os dois homens continuamente profetizavam o


colapso ao longo de suas vidas. Engels ainda atuava como profeta do
apocalipse até 1886, embora em 1892 ele fosse forçado a admitir que o
capitalismo aparentemente estava experimentando um certo tipo de
revitalização.46
A avaliação de Robert C. Tucker parece perfeitamente
justificada:

Assim, para Marx, a revolução comunista é o meio de


alcançar não apenas a abundância material (embora isso, em
sua visão, também ocorrerá) e nem a justiça na distribuição de
bens, mas sim a regeneração espiritual do homem.113

45 Marx para Engels, 8 de dezembro de 1857: Correspondence, p. 225.


[Collected Works, 40, p. 217.] Esta carta provavelmente foi uma resposta à
carta de Engels de 15 de novembro de 1857: veja a nota de rodapé 344.
46 Donald M. Lowe, The Function of "China" in Marx, Lenin, and Mao
(Berkeley: University of California Press, 1966), p. 18. Para outros relatos das
previsões contínuas de Marx que nunca se materializaram na Revolução, veja
Turner, Challenge to Karl Marx, capítulo 6; Bober, Karl Marx's Interpretation
of History, pp. 305-6, 387-88; Schwartschild, Karl Marx: The Red Prussian,
pp. 256-61. O tratamento mais completo é encontrado em Fred M. Gottheil,
Marx's Economic Predictions (Evanston, Illinois: Northwestern University
Press, 1967).

127
128 A Religião Revolucionária de Marx
Marx, inquestionavelmente, sustentava uma religião da
revolução. A regeneração por meio do caos total era seu objetivo, e o
proletariado serviria como a classe sacerdotal nesse ritual para que toda
a sociedade pudesse ser libertada de sua alienação.

Dialética: Ética vs Metafísica


Foi mencionado anteriormente que a doutrina de alienação de
Marx era um substituto para a doutrina cristã da queda do homem.
Apesar dessa aparente afinidade com uma cosmologia cristã, o sistema
de Marx deve ser mais associado à antiga religião pagã do que ao
messianismo do Antigo Testamento.
Isso não é realmente contraditório, uma vez que as cosmologias
dos antigos eram igualmente substitutos para a ideia da queda. As
semelhanças e diferenças entre as visões pagãs e hebreu-cristãs já foram
sugeridas anteriormente.
Os antigos acreditavam em uma queda metafísica do caos para
a escravidão da ordem e da lei. Marx afirmou (ou assim indica sua
linguagem) que a queda era originalmente psicológica, mas que a
alienação do homem se tornou recíproca com a propriedade privada em
uma data posterior. Ao alterar o ambiente, o homem recuperaria seu
estado pré-alienação, mas com sua tecnologia moderna intacta.
A visão cristã é que a queda foi ética; o universo, incluindo o
homem, foi amaldiçoado como resultado da queda - a alienação entre o
homem e o Criador - mas a queda em si foi ética. Porque o homem está
alienado de Deus, ele também está alienado de seus semelhantes, já que
eles são feitos à imagem de Deus.

128
A Cosmologia do Caos 129
A restauração do homem e de sua civilização não deve ser
realizada, portanto, por uma fuga da lei, mas por um retorno à
obediência ao pacto em termos da lei bíblica. A regeneração deve
ocorrer por meio da fé na expiação sacrificial de Cristo na cruz; esta é
a graça de Deus para o indivíduo.
Qualquer reconstrução social que resulte dessa regeneração
ética da humanidade deve ser em termos da obediência da sociedade à
lei. O homem, nesta concepção, é verdadeiramente livre apenas quando
é salvo pela graça (doutrina de São Paulo do "novo homem em Cristo":
II Coríntios 5:17) e quando está sob a lei de Deus.
A perfeição total só é alcançada após o julgamento que encerra
o tempo; ela não virá como resultado da atividade de homens
autônomos autoproclamados. Assim, a ideia de perfeição total implícita
no esquema marxiano é totalmente estranha à tradição hebraico-cristã
ortodoxa.47
Não há dúvida de que passagens na Bíblia parecem conter uma
esperança semelhante em uma conflagração total. O último capítulo de

47 Neste ponto, veja B. B. Warfield, Perfectionism (Filadélfia: Presbyterian and


Reformed Publishing Co., 1958). Raymond Aron percebeu as implicações da
doutrina da revolução: "Somente a revolução, porque é uma aventura, ou um
regime revolucionário, porque aceita o uso permanente da violência, parece
capaz de atingir o objetivo da perfeição. O mito da Revolução serve como um
refúgio para intelectuais utópicos; ele se torna o intercessor misterioso e
imprevisível entre o real e o ideal." The Opium of the Intellectuals, p. 65. Cf.
J. F. Wolpert, "O Mito da Revolução", Ethics, LVIII (1947-48), pp. 245-55.

129
130 A Religião Revolucionária de Marx
Isaías e o terceiro capítulo da segunda epístola de São Pedro são
exemplos disso.
O julgamento nas escrituras é frequentemente visto em termos
da linguagem de fogo e destruição. Em alguns casos, as referências
lidam com os últimos dias da terra e o julgamento final de Deus; em
outros casos, as referências ao abalo dos fundamentos terrenos se
aplicam apenas à retribuição temporal de Deus ou a uma mudança na
administração de Deus (como do pacto nacional com os hebreus para o
pacto universal com o mundo gentio).
Por exemplo, o Salmo 18 está cheio da linguagem de mudança
cataclísmica, no entanto, o significado de Davi era claramente
alegórico. Mas um fato domina todas essas visões de conflagração: é
Deus, e somente Deus, quem inicia a mudança. Espera-se que homens
fiéis permaneçam ordenados em todos os aspectos de suas vidas; eles
não devem criar o caos para escapar da lei (Rm 13; 1 Cor 14:40). É
reservado apenas a Deus trazer seu julgamento total ao mundo:

Eu o derrubarei, derrubarei, derrubarei, e não será mais, até


que venha aquele a quem pertence; e eu o darei a ele (Ez 21:27).

Em contraste com essa visão estava o paganismo antigo. Era o


homem quem realizaria essa quebra dos fundamentos. Era o homem
que, pela participação ritual no tempo cósmico da pré-criação,
restauraria a Era de Ouro. Era o homem que aboliria o tempo e
devolveria a eternidade à terra. Abolir o tempo e as maldições do
tempo: aqui estava o objetivo do mundo pagão.
Eliade escreve:

130
A Cosmologia do Caos 131
O desejo de abolir o tempo pode ser visto ainda mais
claramente na 'orgia' que ocorre, com graus variados de
violência, durante as cerimônias de Ano Novo. Uma orgia é
também uma regressão para o ‘escuro’, uma restauração do
caos primordial, e como tal precede toda a criação, toda
manifestação de forma ordenada. A fusão de todas as formas em
uma única, vasta e indiferenciada unidade é uma reprodução
exata do modo 'total' da realidade.

Eu apontei anteriormente a função e o significado da


orgia, ao mesmo tempo sexual e agrícola; no nível cosmológico,
a 'orgia' representa o caos ou o desaparecimento final dos
limites e, com o tempo, a inauguração do Grande Tempo, do
'momento eterno', da não-duração. A presença da orgia entre os
rituais que marcam as divisões periódicas do tempo mostra a
vontade de abolir totalmente o passado ao abolir toda a
criação.48

Fuga da História: Ciclos


Isso, deve ser aparente, é a essência da fé marxiana. A classe
proletária:

só pode, numa revolução, livrar-se de toda a sujeira das


eras e tornar-se apta a fundar a sociedade de novo.114

48 Mircea Eliade, Patterns in Comparative Religion, p. 399; cf. 400-7 para uma
discussão completa do assunto. "O significado da orgia carnavalesca no final
do ano é confirmado pelo fato de que o caos é sempre seguido por uma nova
criação do cosmos. Todas essas celebrações sazonais levam a uma repetição
simbólica mais ou menos clara da criação." Ibid., p. 400.

131
132 A Religião Revolucionária de Marx
O que Marx queria era uma fuga da história. A história de todas
as sociedades existentes até agora não foi uma história verdadeiramente
humana, pois a alienação as dominou todas. Como ele escreveu no
Prefácio à Crítica da Economia Política:

As relações burguesas de produção são a última forma


antagonista do processo social de produção - antagonista não
no sentido de antagonismo individual, mas de um que surge das
condições que cercam a vida dos indivíduos na sociedade; ao
mesmo tempo, as forças produtivas que se desenvolvem no seio
da sociedade burguesa criam as condições materiais para a
solução desse antagonismo. Essa formação social constitui,
portanto, o capítulo final do estágio pré-histórico da sociedade
humana.115

Todas as sociedades anteriores foram apenas "pré-históricas".


Podemos chamar nossa era de "história", mas isso é um equívoco. O
que chamamos de história deve ser abolida se o homem quiser
sobreviver. Marx, portanto, apelou ao caos revolucionário para pôr fim
a esta era e inaugurar a verdadeira história humana.
O homem deve realizar isso, pois o homem é o único deus de
Marx. A escatologia para Marx é a restauração da sociedade livre da
alienação e criada pelo homem; a fuga da escravidão da história
presente será alcançada.
Ao ligar Marx à cosmologia antiga em vez da tradição hebraico-
cristã, surge um problema. Superficialmente, pelo menos, a concepção
de história de Marx é linear; os antigos tinham uma visão cíclica da
história. Isso é uma contradição aparente. A visão de Marx parece estar
mais próxima da perspectiva cristã: a história realmente progride no
sistema marxiano, e fatos históricos são importantes.

132
A Cosmologia do Caos 133
Nesse sentido, Marx está na tradição ocidental; ninguém que
faça parte dessa tradição pode escapar completamente da influência da
história linear de Agostinho. Seria estranho se Marx não compartilhasse
com todos os pensadores ocidentais algumas das premissas de
Agostinho.
Ainda assim, em vários aspectos importantes, a história de Marx
é potencialmente cíclica. Se o homem caiu de uma sociedade primitiva
na qual não havia alienação, o que impede uma queda semelhante de
volta à alienação após a revolução produzir a Idade de Ouro?
Marx disse especificamente que a propriedade privada não
causou a queda na alienação, mas sim o contrário. Embora ele tenha
assumido que uma simples reorganização do ambiente social
regeneraria a humanidade para sempre, ele não poderia garantir que
esse estado regenerado seria preservado.
Se a queda original foi essencialmente psicológica, o que
impede uma queda semelhante na alienação em alguma data não
especificada no futuro? Parece que esta é a implicação da observação
de Tucker:

E ele nunca pareceu se perguntar o que impediria a força


desumana de surgir novamente para alienar o homem de si
mesmo do outro lado da história.116

Dessa forma, parece seguro dizer que Marx retornou, pelo


menos em parte, a uma concepção de história que se assemelha aos
antigos ciclos gregos, na medida em que ele nunca foi capaz de mostrar
que a lógica de seu sistema não levaria de volta a algum tipo d e padrão
cíclico.

133
134 A Religião Revolucionária de Marx
Com Engels, encontramos algumas dessas temáticas tornando-
se explícitas. Sua discussão sobre o ciclo eterno da matéria é
esclarecedora. Matéria, ele escreveu, está em movimento eterno,

um ciclo no qual cada modo finito de existência da


matéria [...] é igualmente transitório, e no qual nada é eterno
além da matéria que muda e se move eternamente, e das leis de
acordo com as quais ela se move e muda." 49

49 Engels, Dialectics of Nature, publicado postumamente a partir de seus


cadernos (Nova York: International Publishers, [1940] 1963), p. 24. [Selected
Works, 3, p. 57. Collected Works, 25, pp. 334-35.] Alguns comentaristas
importantes, incluindo Lichtheim e Tucker, não querem admitir que as
incursões posteriores no estudo da ciência feitas por Engels realmente refletem
a perspectiva de Marx. Argumenta -se que Marx estava interessado apenas na
sociedade humana e na dialética social, não em qualquer dialética mecânica da
natureza.

A carta de Marx para Lassalle, 16 de janeiro de 1861, lança alguma luz sobre
este assunto: "O livro de Darwin é muito importante e serve-me como base em
ciência natural para a luta de classes na história." Correspondence, p. 125.
[Collected Works, 41, p. 246.]
Em uma carta para Engels, 19 de dezembro de 1860, ele escreveu: "Embora
seja desenvolvido no estilo inglês bruto, este é o livro que contém a base em
história natural para a nossa visão." Correspondence, p. 126. [Collected
Works, 41, p. 232.]

Se Marx não tivesse interesse em qualquer dialética natural, por que ele estava
tão interessado na teoria de Darwin sobre a luta eterna na natureza? A esse

134
A Cosmologia do Caos 135
Na verdade, sob as suposições anteriores de Engels, até mesmo
as leis da mudança estão mudando. Pode-se argumentar, talvez, que
uma natureza cíclica não implica necessariamente em uma história
humana cíclica, mas quando a ideia é considerada em conjunto com os
ensinamentos anteriores de Marx, não é irracional concluir que a
concepção marxiana da história se assemelha muito mais à concepção
grega do que à história linear teológica de Agostinho.
Examinamos a doutrina da revolução de Marx como um tema
cosmológico e filosófico. No entanto, isso não explica o contexto
histórico no qual Marx situou o caos inevitável, nem lança muita luz

respeito, desejo citar uma carta para mim de Walter Odajnyk, autor de
Marxism and Existentialism (1965), datada de 21 de setembro de 1966:

Sei que comentaristas ocidentais - por alguma razão curiosa -


tentaram atribuir a Engels a única responsabilidade pela um tanto
embaraçosa dialética natural do marxismo, mas eu sustentaria que é
um desenvolvimento lógico do hegelianismo na esfera material-
natural.

Marx, por razões óbvias, estava mais interessado nas consequências de um


hegelianismo de cabeça para baixo na esfera socioeconômica, e a Engels coube
a ordem natural." Como Odajnyk continua a dizer, Marx estava vivo no
momento da escrita de ambos Anti-Dühring e Dialectics of Nature.
Em referência ao primeiro, Schumpeter escreve: "No entanto, não se pode
negar que Marx escreveu parte do cap. x e compartilha a responsabilidade pelo
livro inteiro." Capitalism, Socialism and Democracy, p. 39n. Os marxistas
soviéticos, claro, sempre aceitaram as visões de Engels como fundamentais
para o marxismo. [Cf. Gary North, Is the World Running Down? Crisis in the
Christian Worldview (Tyler, Texas: Institute for Christian Economics, 1988),
pp. 59-61.]

135
136 A Religião Revolucionária de Marx
sobre todo o problema das táticas revolucionárias. É para este aspecto
da estrutura revolucionária que devemos nos voltar.

Jovem Marx vs Velho Marx?


Marx nunca apresentou seu esboço da Revolução em um único
lugar. Como a maioria de suas teorias, esta está dispersa por suas obras,
e não é totalmente claro exatamente o que ele pensava que a Revolução
seria.117
Quanto à forma como ela viria a existir, ele nunca decidiu; de
fato, declarações conflitantes sobre o levante proletário têm sido usadas
para distinguir o Marx jovem do "Marx maduro". O ano de 1850 é
frequentemente visto como o ponto de transição.118
Nos primeiros anos, Marx acreditava firmemente que as forças
da produção material no capitalismo levariam a Revolução ao ápice. A
classe proletária explorada se levantaria contra a burguesia e tomaria
posse dos meios de produção, do estado e de outros órgãos de controle
burguês. Ele nunca abandonou totalmente essa explicação. 119
Em 1867, ele publicou o volume 1 de "O Capital", um tratado
extenso em economia que deveria provar que as contradições internas
da produção e distribuição capitalistas levariam, em última instância, à
Revolução. Quando esse glorioso dia chegar,

O toque de finados da propriedade privada capitalista


soa. Os expropriadores são expropriados.120

No Manifesto Comunista (1848), ele argumentou que os


proletários devem tomar o controle do estado capitalista e usar seu

136
A Cosmologia do Caos 137
poder político para impor um programa de expropriação contra a ordem
capitalista, esmagando todas as instituições e ideias capitalistas. 121
Um dos documentos organizacionais mais importantes foi o seu
"Endereço à Liga Comunista" (1850). Ele delineou um programa de
atividades terroristas táticas, utilizando a subversão na tradição da
conspiração de Babeuf.
Ele aconselhou os proletários a usar clubes do tipo jacobino
como base da estrutura organizacional, mantendo alianças estreitas com
várias sociedades revolucionárias secretas da época. Um governo
secreto e subterrâneo deveria ser estabelecido, para que possa assumir
o controle do estado quando a ordem burguesa entrar em colapso.122 O
terrorismo é útil para provocar o caos social. Em todas as coisas
relacionadas à luta proletária,

Seu grito de batalha deve ser: A Revolução em Permanência.123

As mudanças na perspectiva de Marx decorreram do fracasso


das revoluções na Europa em 1848-50. Após esse período, ele ainda via
as contradições do sistema capitalista como a causa básica da luta
iminente, mas começou a admitir que a ação democrática poderia ser
de real serviço para a causa revolucionária.
Se o sufrágio universal pudesse acelerar o colapso, ótimo, não
hesite em usá-lo: essa foi sua mensagem para a classe trabalhadora. Já
vimos como ele admitiu que na Inglaterra e na América poderia haver
alguma pequena chance de evitar a Revolução na transição para o
socialismo. Ele até elogiou a Lei das Dez Horas, que reduziu a jornada
de trabalho na Inglaterra.

137
138 A Religião Revolucionária de Marx
Claro, nesse período posterior, ele estava tentando obter o apoio
dos sindicatos ingleses, e a retórica apelava para eles. 50 Como Marx
mesmo percebia, ele não era totalmente franco em seu famoso
"Endereço à Associação dos Trabalhadores":

Foi muito difícil formular a coisa de modo que nossa


visão aparecesse em uma forma aceitável a partir do atual ponto
de vista do movimento operário. Em algumas semanas, as
mesmas pessoas realizarão reuniões pelo sufrágio universal
com Bright e Cobden. Levará tempo antes que o movimento
reavivado permita a antiga ousadia de expressão. Será
necessário ser fortiter in re, suaviter in modo [firme nos fins,
suave nos meios].124

O apreço de Marx pelo movimento cooperativo levou Martin


Buber a colocar Marx no campo dos pensadores utópicos europeus. Em
seu livro "Caminhos para a Utopia", Buber argumenta que Marx queria
criar um senso de pertencimento comunitário em sua sociedade pós-

50 Marx, The Inaugural Address of the Working Men's International Association


(1864), em Selected Works, 2, pp. 15-16. [Collected Works, 20, p. 10.] Cf. A.
Lozovsky (pseudônimo de Solomon A. Dridzo), Marx and the Trade Unions
(Nova York: International Publishers, 1935), especialmente pp. 23 -25, 48,
167-70. A interpretação de Lichtheim do documento é direta: "O Discurso
Inaugural é, em certo sentido, a Carta da Social Democracia." Marxism, p. 113.
Talvez seja, mas isso não significa que Marx pretendia que fosse assim. Como
correção à visão de Lichtheim, veja Cole, The Meaning of Marxism, capítulo
7, especialmente pp. 181-90.

138
A Cosmologia do Caos 139
revolucionária, e por esse motivo Marx via nas cooperativas o sinal de
uma transformação iminente da sociedade.51
Marx, nesse sentido, era um socialista utópico, embora tivesse
criticado seus predecessores utópicos pela falta de compreensão da
natureza das relações de produção capitalistas. Seus objetivos, se não
sua metodologia, eram utópicos. Marx nunca especificou exatamente
qual seria o papel das cooperativas na Revolução; se o papel delas seria
pacífico ou revolucionário nunca ficou claro.

Dialética: O Papel do Proletariado


Havia uma ambivalência fundamental no sistema de Marx: a
tarefa primordial do proletariado era política ou era revolucionária e
conspiratória? Os diferentes ramos do marxismo dividiram-se
exatamente sobre essa questão.
Em 1872, as regras gerais da Associação Internacional dos
Trabalhadores foram alteradas para afirmar:

Esta constituição do proletariado como partido político


é indispensável para garantir o triunfo da revolução social e seu
objetivo final: a abolição das classes.125

51 Martin Buber, Paths in Utopia (Londres: Routledge e Kegan Paul, 1949),


capítulo 8. Para os comentários de Marx sobre o movimento cooperativo, veja
o Discurso Inaugural, em Selected Works, 2, pp. 16-17. [Collected Works, 20,
p. 11.] O Capital, 3, p. 527. [O Capital, 3, p. 445.] É interessante que uma
editora cooperativa foi a primeira empresa a publicar os escritos econômicos
completos de Marx neste país. Isso, é claro, foi a Charles H. Kerr & Co.

139
140 A Religião Revolucionária de Marx
Em certo sentido, o esquema marxiano tornou-se esquizofrênico
nesse ponto; tanto Lenin quanto Eduard Bernstein puderam
posteriormente apelar para Marx (e para as decisões táticas de Marx)
em apoio a suas duas posições muito diferentes. 52 Ambas a ação
democrática e a revolução estavam sendo afirmadas ao mesmo
tempo.126
A mensagem básica da Internacional ainda era a mesma que o
apelo da extinta Liga Comunista:

[...] a conquista do poder político torna-se o grande


dever do proletariado.127

Em 1850, no "Endereço do Comitê Central à Liga Comunista",


Marx havia dito que

em todos os lugares os candidatos operários são


apresentados ao lado dos candidatos burgueses-democráticos.

Ainda recomendou que esses candidatos fossem membros da


Liga sempre que possível. Além disso,

sua eleição deve ser promovida por todos os meios possíveis.128

Marx não era um Social-Democrata em seus últimos anos, como


Lichtheim gostaria que acreditássemos; ele era um revolucionário

52 Sobre o socialismo de Bernstein e a Social Democracia Alemã, veja Peter Gay,


The Dilemma of Democratic Socialism (Nova York: Collier, 1962). Veja
também Evolutionary Socialism de Bernstein (Nova York: Shocken, [1899]
1961).

140
A Cosmologia do Caos 141
disposto a usar todos os meios, incluindo a pressão do voto, quando esta
última dava sua regra para a ação do Partido: deve-se

trabalhar onde quer que as massas estejam.129

Como Lenin colocou,

os revolucionários que são incapazes de combinar


formas ilegais de luta com todas as formas de luta legal são
revolucionários pobres, de fato.130

Deve-se usar todas as abordagens para provocar o caos social.


Marx era um bom estrategista: a teoria estava sempre subordinada à
regra da prática. A pessoa que não compreende esse fato básico nunca
entenderá Karl Marx e aqueles que o seguiram.53

Dialética: História Universal vs Rússia


Esse conflito entre teoria e tática pode ser observado no
tratamento de Marx à questão russa. Seu sistema não poderia permitir
uma revolução proletária em qualquer país rural, pré-industrial, se a
consistência teórica fosse preservada.
As etapas da história não podem ser ignoradas; o feudalismo
deve preceder o capitalismo, e um capitalismo plenamente

53 Cf. Lozovsky, Marx and the Trade Unions, p. 114; G. D. H. Cole, The Meaning
of Marxism, tenta argumentar que a "flexibilidade" de Marx não envolvia
nenhuma desvição da teoria consistente (p. 50). Como essa "flexibilidade"
deve ser impedida de se tornar puro relativismo, Cole não deixa claro (nem
Lenin ou Marx).

141
142 A Religião Revolucionária de Marx
desenvolvido deve vir antes do paraíso proletário. Ele deixou isso muito
claro:

Nenhuma ordem social desaparece antes que todas as


forças produtivas, para as quais há espaço nela, tenham sido
desenvolvidas; e novas relações de produção superiores nunca
aparecem antes que as condições materiais de sua existência
tenham amadurecido no ventre da sociedade antiga.54

A Rússia era uma nação agrária; ela só havia abolido a servidão


em 1861. Como uma revolta proletária poderia ter sucesso lá?
Praticamente não havia proletariado para criá-la. No entanto, tanto
Marx quanto Engels chegaram à conclusão de que a Rússia poderia ter
sua Revolução, independentemente das bases econômicas necessárias
para tal evento.
Em 1875, Engels escreveu que o sistema de terra comunal russo,
o mir, poderia servir como base para uma nova sociedade, desde que

54 Marx, Prefácio para A Contribution to the Critique of Political Economy, p.


12. [Selected Works, 1, p. 504.] Ele repetiu essa ideia em Capital, 3, p. 1030.
[Capital, 3, pp. 883-84.] Por razões óbvias, o escritor marxista Maurice Dobb
tentou argumentar que Marx na verdade nunca ensinou que os estágios eram
cronológicos. Ele estava apenas preocupado com o desenvolvimento da
individualização crescente do homem à medida que ele se afastava da unidade
tribal. Dobb, "Marx on Pre-Capitalist Economic Formations", Science and
Society, XXX (1966), pp. 319-25. Ele é apoiado nessa interpretação por outro
marxista, Eric J. Hobsbawn: Introdução a Marx's Pre-Capitalist Economic
Formations, p. 36. A razão para todo esse rodeio é que o esquema histórico de
Marx não é suportado pelos fatos históricos, e a Rússia e a Ch ina no século 20
são a refutação final da versão marxista dos estágios históricos.

142
A Cosmologia do Caos 143
houvesse uma revolução no Ocidente imediatamente a seguir.131 O
prefácio da edição russa do Manifesto Comunista (1882), coescrito por
Marx e Engels, afirmou a mesma coisa.132
Em uma carta escrita por Marx em 1877, ele havia anunciado:

Se a Rússia continuar a seguir o caminho que tem


seguido desde 1861, perderá a melhor chance já oferecida pela
história a uma nação, para passar por todas as vicissitudes
fatais do regime capitalista.133

Não está totalmente claro porque Marx e Engels acharam


necessário abandonar sua estrutura teórica para abrir espaço para a
possibilidade de uma Revolução Russa. Pode ter sido que Marx ficou
impressionado pelo fato de os radicais russos muitas vezes serem
abertamente seus seguidores.
A Rússia foi o primeiro país a experimentar uma ampla
distribuição de "O Capital". (Os censores do Czar pensavam que um
volume tão grande e pesado não seria lido por ninguém.) Buber viu
nessa admissão de Marx um desejo de alcançar o tipo de sociedade
comunal que ele sempre sonhara: o mir parecia ser exatamente esse tipo
de sociedade ideal.134 Seja qual for o motivo, a "teoria das etapas" da
evolução econômica e social foi duramente afetada pelos fundadores
do sistema marxiano.
Assim, o que acontece com a abrangente teoria do
desenvolvimento capitalista? O que ocorre com a varredura inevitável
da história feita pelo homem em marcha? Marx respondeu a um crítico
de sua concessão em relação à Rússia da seguinte forma:

143
144 A Religião Revolucionária de Marx
Ele se sente obrigado a metamorfosear meu esboço
histórico da gênese do capitalismo na Europa Ocidental em uma
teoria histórico-filosófica da marche generale [caminho geral]
imposta pelo destino a todo povo, independentemente das
circunstâncias históricas em que se encontra, para que possa,
em última instância, chegar à forma de economia que garantirá,
juntamente com a maior expansão das forças produtivas do
trabalho social, o desenvolvimento mais completo do homem.

Mas eu peço desculpas a ele. (Ele está me honrando e


envergonhando demais.)135

É quase inacreditável! O sistema agora não passa de "um esboço


histórico da gênese do capitalismo na Europa Ocidental". O sistema,
como algo mais do que uma visão geral da história europeia, agora está
oficialmente esvaziado por seu autor! É fantástico que tanto trabalho e
energia, tanta pobreza e doença, tenham sido autoimpostos por Marx
para trazer à luz um rato tão lamentável.

Inevitabilidade e Universalidade
G. D. H. Cole, que estando ou não familiarizado com esta carta
ou não a levou a sério, vê a história universal de Marx como uma
hipótese poderosa, mas infelizmente imprecisa. Ele fez uma observação
muito significativa:

Eles poderiam ter se contentado com uma formulação da


lei de desenvolvimento limitada à civilização particular que
estavam tentando influenciar. Se formulada desta maneira mais
restrita, a teoria teria exercido um feitiço tão poderoso quanto
o exerceu na realidade; pois o seu universalismo, sem dúvida,
não foi o menos de seus atrativos e desempenhou um grande

144
A Cosmologia do Caos 145
papel em transformá-lo de uma doutrina racionalista em uma
crença que poderia ser mantida com a intensidade de uma
religião.136

Sem a doutrina da inevitabilidade, o sistema perde sua força;


sem sua universalidade, a mesma coisa acontece. Marx elaborou sua
visão da sociedade e da história em grandes e envolventes traços de sua
caneta, e como resultado, uma nova religião varreu a Europa e a Ásia.
No entanto, sempre que se encontravam em alguma armadilha
intelectual de sua própria criação, Marx e Engels debatiam seu sistema
em cartas obscuras para seus associados. Isso foi intelectualmente
desonesto, pois Marx não achava realmente que sua visão da
humanidade fosse menos do que universal. Em 1871, ele escreveu a
Kugelmann:

A luta da classe trabalhadora contra a classe capitalista


e seu estado entrou em uma nova fase com a luta em Paris.
Quaisquer que sejam os resultados imediatos, um novo ponto de
partida de importância mundial-histórica foi alcançado.55

A grande Revolução estava chegando, ponto final. Mas


qualquer coisa que competisse com essa esperança era supérflua para
Marx; até mesmo a consistência teórica não deveria impedir a

55 Marx para Kugelmann, 17 de abril de 1871: Letters to Kugelmann, p. 125.


[Selected Works, 2, p. 442.] Algum tipo de revolução total era vital para Marx,
mas que tipo seria? Raymond Aron encontrou pelo menos três conceitos
totalmente diferentes da Revolução em Marx: uma conspiratória à Blanqui,
uma evolutiva, e a ideia da Revolução Permanente. Aron, The Opium of the
Intellectuals, p. 47.

145
146 A Religião Revolucionária de Marx
Revolução, qualquer tipo de Revolução, mesmo uma rural-comunal em
uma Rússia atrasada.
Neste ponto, o comprometimento religioso total de Marx com o
ideal da revolução deve ser óbvio. A Revolução se tornou uma paixão
para ele, um objetivo verdadeiramente sagrado, e tudo - família,
riqueza, tempo e até mesmo consistência teórica - teve que ser
sacrificado por ela.

Revolução ou Arrependimento
A mensagem marxista é, acima de tudo, um chamado à
revolução; a sociedade deve ser virada de cabeça para baixo para ser
restaurada. Em oposição à perspectiva marxista, a mensagem cristã
tradicional tem sido um apelo ao arrependimento; os homens devem se
afastar do caminho da destruição.
Marx, apesar de seu aparente moralismo - quase um moralismo
vitoriano - sempre negou ser um moralista.56

Os comunistas não pregam moralidade de forma alguma ...137

Qual razão ele teria para o moralismo em um sistema


"científico"? A sociedade capitalista está condenada, e a sociedade

56 O Capital, 1, capítulos 10, 15, 25. Sobre seu moralismo vitoriano, veja seus
comentários sobre uma sociedade que permite homens trabalharem em contato
próximo com mulheres: O Capital, 1, pp. 283, 434, 536. [O Capital, 1, pp. 257,
397, 490.]

146
A Cosmologia do Caos 147
socialista é inevitável. O capitalismo não pode ser reformado por um
apelo ético; boas sociedades não são feitas tornando os homens "bons":

A produção capitalista compreende certas condições que


são independentes da boa ou má vontade[...]57

O apelo cristão ao arrependimento individual, para o marxista,


é um desperdício absurdo de tempo e energia; a sociedade capitalista
deve ser destruída, pois não pode ser reformada. Para o marxista, o
objetivo racional da boa sociedade só pode ser trazido à existência por
meio do uso de uma Revolução irracional; não é a reconciliação ética
com Deus, mas sim o caos metafísico que o marxista deseja. 58
Raymond Aron comentou sobre essa correlação marxista entre
razão e irracionalismo:

57 O Capital, 2, p. 476. [2, p. 411.] [Novamente, em um trecho citado


anteriormente, Marx insistiu que "existem circunstâncias que determinam as
ações de pessoas privadas e autoridades individuais, e que são tão
independentes delas quanto o método de respiração. Se desde o início
adotarmos este ponto de vista objetivo, não assumiremos vontade boa ou má,
exclusivamente de um lado ou de outro, mas veremos o efeito das
circunstâncias onde à primeira vista apenas indivíduos parecem estar agindo."
Marx, "Justificação do Correspondente do Mosel, Seção B" Rheinische
Zeitung (17 de janeiro de 1843), em Collected Works, 1, p. 337.]
58 Para um tratamento cristão do problema da alienação e arrependimento, veja
John Murray, "A Reconciliação", The Westminster Theological Journal,
XXIX (1966), pp. 1-23.

147
148 A Religião Revolucionária de Marx
À primeira vista, Revolução e Razão são diametralmente
opostas: a última sugere discussão, a primeira, violência.

Ou se argumenta e se convence o oponente, ou se


renuncia ao argumento e se recorre às armas. No entanto, a
violência tem sido e continua sendo o último recurso de uma
certa impaciência racionalista [...]

O erro é atribuir à Revolução uma lógica que ela não


possui, vê-la como o fim lógico de um movimento baseado na
razão e esperar que ela produza benefícios que são
incompatíveis com sua própria essência.

Não é inédito para uma sociedade voltar ao caminho da


paz, após uma explosão revolucionária, com um balanço
positivo. Mas os meios revolucionários permanecem, no geral,
contrários aos fins vislumbrados.138

O Paraíso só pode ser alcançado por meio da destruição total,


irracional (ou hiper-racionalizada).

Paraíso
Marx se considerava um otimista. Não importava quão ruins
fossem as condições de vida sob o capitalismo, e quão tirânicas as
coisas pudessem se tornar sob a ditadura inicial do proletariado, ainda
havia esperança. Marx acreditava que uma nova era estava chegando, e
com ela viria um novo ser humano. Ele nunca detalhou todos os
elementos da vida no "reino da liberdade", mas deu algumas dicas:

O comunismo é a abolição positiva da propriedade


privada, da autoalienação humana, e assim a apropriação real
da natureza humana por meio do e para o homem. É, portanto,

148
A Cosmologia do Caos 149
o retorno do homem a si mesmo como ser social, ou seja,
verdadeiramente humano, um retorno completo e consciente
que assimila toda a riqueza do desenvolvimento anterior.

O comunismo, como naturalismo plenamente


desenvolvido, é humanismo e, como humanismo plenamente
desenvolvido, é naturalismo. É a resolução definitiva do
antagonismo entre o homem e a natureza, e entre o homem e o
homem.

É a verdadeira solução do conflito entre existência e


essência, entre objetificação e autoafirmação, entre liberdade e
necessidade, entre indivíduo e espécie. É a solução do enigma
da história e sabe que é essa solução.139

Como já vimos, a divisão do trabalho deve ser abolida nesta Era


Dourada comunista-humanista-naturalista. Embora Engels possa ter
abandonado essa esperança, era certamente um princípio fundamental
do credo marxista inicial. Dada essa premissa,

a revolução comunista, que remove a divisão do


trabalho, abole em última instância as instituições políticas
[...]140

Se a divisão do trabalho deu origem às classes, e se o poder de


classe era exercido por meio do Estado, então a abolição da divisão do
trabalho naturalmente erradicaria a necessidade tanto de classes quanto
do Estado.
Se pode ser dito que existe uma classe, é apenas a classe
proletária, e, portanto, não haverá necessidade de um instrumento de
opressão de classe, uma vez que não há classe rival a suprimir.

149
150 A Religião Revolucionária de Marx
Quando, no curso do desenvolvimento, as distinções de
classe tiverem desaparecido, e toda a produção tiver sido
concentrada nas mãos de uma vasta associação de toda a
nação, o poder público perderá seu caráter político.

O poder político, propriamente dito, é meramente o


poder organizado de uma classe para oprimir outra [...] Em
lugar da antiga sociedade burguesa, com suas classes e
antagonismos de classe, teremos uma associação, na qual o
livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre
desenvolvimento de todos.141

Marx deliberadamente limitou sua definição de classe para


incluir pouco mais do que a função econômica de um grupo no sistema
de produção. Ele restringiu a ideia de Estado à de um instrumento de
opressão de uma classe dominante. Assim, ele podia afirmar que "uma
vasta associação de toda a nação" substituiria o Estado. A unidade da
nova sociedade abolirá a divisão do trabalho e, portanto, abolirá a
dicotomia entre interesses individuais e interesses gerais e
comunitários. Nesse esquema, nenhum Estado é necessário.
Engels pode ter ficado incomodado com a ideia de "a
associação", embora a tenha usado em algumas ocasiões. Em seu
diálogo contra os anarquistas, "Sobre a Autoridade" (1873), ele negou
que seja possível ter uma organização sem uma divisão entre liderança
e subordinação.

"Sim", parafraseou a resposta deles, "mas aqui não se


trata de autoridade que conferimos aos nossos delegados, mas
de uma comissão confiada!"

E ele respondeu, muito apropriadamente:

150
A Cosmologia do Caos 151
Esses senhores pensam que, ao mudarem os nomes das
coisas, mudaram as coisas em si.142

Precisamente; Marx havia feito exatamente o que Engels


censurou aos anarquistas por fazerem: ele simplesmente transferiu as
funções que um Estado deve ter para uma nova entidade chamada
"associação".
Marx teve o cuidado de definir estritamente o Estado como um
instrumento de opressão de classe; ele não admitiu que um Estado tenha
muitas funções administrativas que devem ser desempenhadas por ele,
independentemente de qualquer consideração de interesses de classe. A
lei e a aplicação da lei são exemplos de tais funções. A menos que se
possa assumir que não haverá pecado na Idade Dourada, então a
sociedade precisa de um Estado (Rm 13:1-7).

Planejando a Nova Sociedade


E quanto à produção econômica na sociedade final? Marx
admitiu que provavelmente haveria muitos problemas de produção e
especialmente de distribuição durante o período da ditadura do
proletariado; esta é apenas a

primeira fase da sociedade comunista quando ela acaba


de surgir após longas dores de parto da sociedade capitalista.143

Como já vimos, Marx não esperava grandes coisas dessa fase.


No entanto, na "fase superior da sociedade comunista", a regra da
justiça econômica se tornará uma realidade:

151
152 A Religião Revolucionária de Marx
De cada um segundo sua capacidade, a cada um
segundo suas necessidades!144

Isso será fácil de realizar, uma vez que as vastas quantidades de


riqueza que estão esperando para serem liberadas serão libertadas das
restrições e obstáculos das técnicas produtivas capitalistas. 59 Como
Mises aponta,

Implicitamente subjacente à teoria marxista está a ideia


nebulosa de que os fatores naturais de produção são tais que
não precisam ser economizados.145

Maurice Cornforth, o filósofo marxista, confirma a suspeita de


Mises de que os marxistas veem toda escassez como um produto de
defeitos institucionais, em vez de como um fato básico da ordem criada
do universo (cf. Gen. 3:17-19):

A abolição final e definitiva das escassezes constitui a


condição econômica para a entrada numa sociedade comunista.
Quando a produção está socializada e os produtos são
apropriados socialmente, quando a ciência e o planejamento
científico resultaram na produção de abundância absoluta, e
quando o trabalho foi tão aliviado e organizado que todos
podem, sem sacrificar inclinações pessoais, contribuir com suas

59 Marx citou favoravelmente um trecho a esse respeito escrito pelo socialista


William Thompson: O Capital, 2, p. 370. [O Capital, 2, p. 322.] Sobre a
importância de Thompson no pensamento socialista, veja Alexander Gray, The
Socialist Tradition: Moses to Lenin (Nova York: Longmans, Green & Co.,
1946), pp. 269-77.

152
A Cosmologia do Caos 153
habilidades de trabalho para o fundo comum, todos receberão
uma parte de acordo com suas necessidades.146

Um problema crítico para toda a questão do planejamento


comunista é como a produção será direcionada. Com base em quais
critérios a sociedade deve guiar a alocação de recursos escassos?
Independentemente do que Marx acreditava, os recursos não são
infinitos, e, portanto, a sociedade deve planejar a produção. 60
Automóveis não crescem em árvores. Alguém deve decidir
quantos automóveis devem ser produzidos em comparação com
quantas geladeiras. O planejamento está inerente a toda produção, e
Marx percebeu isso:

A moderna interação universal só pode ser controlada


por indivíduos quando controlada por todos.147

No entanto, como todos podem registrar suas preferências? Se


não há propriedade privada (e, portanto, nenhuma economia de
mercado livre), e se não há planejamento estatal - nenhum

60 Mesmo que todos os bens materiais de alguma forma estivessem livres das leis
da escassez, os homens ainda enfrentam a falta de tempo. Eles não são
imortais. Por causa disso, os homens devem estabelecer certas ordens de
preferência em relação aos bens e serviços que consomem ao longo do tempo,
dando origem ao fator de interesse sobre o seu dinheiro. Para uma discussão
sobre isso, veja Eugen von Bohm -Bawerk, The Positive Theory of Capital (4ª
ed., 1921), Livro IV (South Holland, Illinois: Libertarian Press, 1 959). Cf.
Mises, Human Action, capítulos 18 e 19.

153
154 A Religião Revolucionária de Marx
planejamento político - então quem decide quais bens serão produzidos
e quais não serão?
Como argumentou o defensor do laissez-faire, Murray
Rothbard:

Rejeitando a propriedade privada, especialmente o


capital, os socialistas de esquerda ficaram presos a uma
contradição interna: se o Estado deve desaparecer após a
Revolução (imediatamente para Bakunin, gradualmente
'murchando' para Marx), então como a 'co letividade' vai
gerenciar sua propriedade sem se tornar um Estado enorme, de
fato, mesmo que não seja no nome? Esta foi a contradição que
nem os marxistas nem os bakuninistas foram capazes de
resolver.148

A necessidade de planejamento produtivo implica escassez: a


produção é necessária apenas porque todas as pessoas não têm tudo o
que desejam exatamente quando o desejam. Matérias-primas devem ser
transformadas em bens ou indiretamente em serviços; esses bens devem
ser transportados de um lugar para outro.
Isso envolve tempo (juros sobre o investimento em bens de
capital) e trabalho (salários). A produção, em resumo, exige
planejamento. A sociedade nunca se depara com um problema de
"planejar ou não planejar".
A questão que confronta a sociedade é a pergunta de qual plano
usar. Marx negou a validade do planejamento do mercado livre, uma
vez que o mercado se baseia na propriedade privada dos meios de
produção, incluindo o uso de dinheiro.

154
A Cosmologia do Caos 155
O dinheiro, para Marx, era a maior maldição de todas as
sociedades não comunistas. Era sua fervorosa esperança abolir o uso de
dinheiro para sempre.149 Ao mesmo tempo, ele negou a possibilidade
de planejamento centralizado pelo Estado. Como ele poderia impedir
que sua "associação" se tornasse um Estado?
O escritor Fabiano G. D. H. Cole percebeu o que a demanda por
uma sociedade sem classes implica:

Mas uma sociedade sem classes significa, no mundo


moderno, uma sociedade em que a distribuição de renda é
controlada coletivamente, como uma função política da própria
sociedade. Isso significa ainda que essa distribuição controlada
de renda deve ser feita com base em tal fundamento que não
permita espaço para o crescimento de diferenças de classe.150

Em outras palavras, dada a necessidade de uma função política


em um mundo supostamente sem Estado, como os marxistas podem
escapar da crítica supostamente oferecida por Leon Trotsky:

Num país onde o único empregador é o Estado, a


oposição significa a morte por lenta inanição. O antigo
princípio: quem não trabalha não come, foi substituído por um
novo: quem não obedece não come.61

61 Trotsky, The Revolution Betrayed (1937), p. 76, citado por Hayek em The
Road to Serfdom, p. 119. [Ele pode não ter dito isso. A citação de Hayek está
incorreta. Mas a observação é correta: a obediência ao governo civil é básica
para a sobrevivência pessoal se o estado for o único empregador.] Cf. Abram
Harris, "A Filosofia Social de Karl Marx", Ethics, LVIII (abril de 1948), pt. II,
p. 32.

155
156 A Religião Revolucionária de Marx
Os marxistas, aliás, nem mesmo podem responder à questão
levantada por Engels:

Se o homem, por meio de seu conhecimento e genialidade


inventiva, subjugou as forças da natureza, estas se vingam dele,
na medida em que ele as emprega, sujeitando-o a um verdadeiro
despotismo independente de toda organização social .151

Dialética: Sociedade vs Indivíduo


Assim, voltamos ao ponto de partida. O esquema "natureza-
liberdade" se reafirma mais uma vez. Ou o homem é controlado por
uma natureza irracional ou por um sistema social despótico e
ultrarracional de criação própria do homem. Walter Odajnyk descreve
a visão marxiana do homem - uma criatura sempre dominada por seu
ambiente, mas de alguma forma mestre do próprio destino:

Ele é agora algo entre um ser livre e uma máquina que


responde às leis que governam suas operações - uma espécie de
elaborada máquina IBM, que possui um grau de independência
operacional.152

Numa longa passagem próxima do fim do terceiro volume de


“O Capital”, Marx lidou com o problema da melhor forma que ele pôde,
ele fez seu melhor, mas falhou:

Na verdade, o reino da liberdade não se inicia até o


ponto em que o trabalho sob a compulsão da necessidade e da
utilidade externa não é mais necessário. Na própria natureza
das coisas, esse reino está além da esfera da produção material
no sentido estrito da palavra.

156
A Cosmologia do Caos 157
Assim como o selvagem deve lutar contra a natureza
para satisfazer suas necessidades, a fim de manter sua vida e
reproduzi-la, o homem civilizado também deve fazê-lo, e ele
deve fazê-lo em todas as formas de sociedade e sob todos os
modos possíveis de produção.

Com esse desenvolvimento, o reino da necessidade


natural se expande, porque seus desejos aumentam; mas, ao
mesmo tempo, as forças de produção aumentam, por meio das
quais esses desejos são satisfeitos.

A liberdade neste campo não pode consistir em nada


mais do que no fato de que o homem socializado, os produtores
associados, regulam seu intercâmbio com a natureza de
maneira racional, a trazem sob seu controle comum, em vez de
serem governados por ela como por algum poder cego; que eles
realizam suas tarefas com o mínimo de gasto de energia e nas
condições mais dignas de sua natureza huma na e mais
adequadas a ela. Mas sempre permanece um reino da
necessidade.

Além dele começa aquele desenvolvimento do poder


humano que é seu próprio fim, o verdadeiro reino da liberdade,
que, no entanto, só pode florescer sobre aquele reino da
necessidade como sua base. A redução da jornada de trabalho
é sua premissa fundamental.153

Marx contornou a questão sem nunca a enfrentar diretamente:


como a sociedade pode regular seu intercâmbio com a natureza de
maneira racional, colocando-a assim sob o controle comum da
sociedade, ao mesmo tempo em que mantém a liberdade do homem
dentro dessa sociedade e dentro desse universo "racionalizado"?

157
158 A Religião Revolucionária de Marx
Marx admitiu, afinal, que o reino material da produção
"permanece um reino da necessidade". Somente além da produção a
humanidade pode encontrar verdadeira liberdade, no entanto, toda a
base do sistema marxiano é que o homem é homem apenas na esfera da
produtividade livre e voluntária.62
Depois de debater um dos problemas filosóficos mais profundos
que podem confrontar o pensador secular e levantar toda a questão da
produção na sociedade futura, Marx resolveu o problema com estas
palavras:

A redução da jornada de trabalho é sua premissa


fundamental.154

A escassez da resposta é surpreendente, incrível! Se não fosse


pelo fato de tanto sofrimento ter sido desencadeado pelos esforços de
Marx em prol das forças revolucionárias, e se não fossem tantas vidas
destruídas em nome de Marx, essa resposta seria até mesmo cômica em
sua qualidade patética.

Conclusão
Quando o homem autoproclamado autônomo afirma sua
independência absoluta de Deus, ao mesmo tempo, ele afirma sua

62 Sobre a contradição dentro do marxismo entre a produção livre, não


especializada, e a vida mecanizada na fábrica, veja Robert C. Tucker, "Marx
como um Teórico Político", em Lobkowicz (ed.), Marx and the Western
World, pp. 130-31.

158
A Cosmologia do Caos 159
dependência absoluta de algum aspecto (ou síntese de aspectos) no
mundo da criação.
O homem precisa ter algum princípio de autoridade, e se Deus
não é essa fonte última, então o homem deve buscar deificar algum
aspecto do universo supostamente autônomo. O que inevitavelmente
resulta, como argumentaram Dooyeweerd e Van Til, é que o
pensamento do homem se torna sujeito a contradições inescapáveis.
Como Dooyeweerd colocou:

Para um cristão, não pode haver dúvida da antinomia


interna que o Humanismo tem que experimentar ao ver como a
personalidade humana, pretendendo ser autônoma em sua
liberdade autossuficiente, está sendo escravizada por suas
próprias criações racionais.

A ordem divina do mundo não é em si antinômica quando


se vinga de toda deificação do significado temporal pela
desarmonia causada, devido a essa apostasia no processo de
abertura. Da mesma forma, não é antinômica quando faz com
que o pensamento filosófico se enrede em antinomias internas,
assim que esse pensamento supõe que pode ignorar a ordem
divina.155

Karl Marx não foi capaz de escapar dessas contradições. Ele


deificou o pensamento humano e o submeteu aos processos dialéticos
de contradição contínua. Ele viu todas as coisas do ponto de vista da
esfera da produção humana e submeteu essa esfera às contrad ições do
dualismo "natureza-liberdade".
Em nome de uma sociedade sem um estado, ele criou um
sistema que acabaria sendo totalmente dominado pelo estado. Ele

159
160 A Religião Revolucionária de Marx
esperava esmagar todos os estados, no entanto, como Robert Nisbet
observou,

Marx expressou sua admiração pela centralização da


Revolução Francesa que tinha, como uma 'vassoura gigante',
varrido todo o localismo, pluralismo e comunalismo da
sociedade francesa tradicional.156

Como Marx poderia ser algo além de um estadista e um


autoritário? Ele era um revolucionário integral, e, como Engels
escreveu,

Uma revolução é certamente a coisa mais autoritária que


existe; é o ato pelo qual uma parte da população impõe sua
vontade à outra por meio de rifles, baionetas e canhões - meios
autoritários, se houver algum; e se a parte vitoriosa não quiser
ter lutado em vão, ela deve manter esse domínio por meio do
terror que suas armas inspiram nos reacionários.157

Portanto, Marx, o anarquista professo, tornou-se


necessariamente na prática Marx, o totalitário. Este é o destino de todos
os esquemas humanísticos, como aponta Rushdoony:

A lei humanística, além disso, é inevitavelmente uma lei


totalitária. O humanismo, como um desenvolvimento lógico da
teoria evolutiva, mantém fundamentalmente um conceito de um
universo em evolução.

Isso é considerado um 'universo aberto', enquanto o


cristianismo bíblico, por causa de sua fé no Deus trino e Seu
decreto eterno, é dito ser uma fé em um 'universo fechado'. Essa
terminologia não só pretende prejulgar o caso; ela inverte a
realidade.

160
A Cosmologia do Caos 161
O universo do evolucionismo e do humanismo é um
universo fechado. Não há lei, nenhum apelo, nenhuma ordem
superior, além e acima do universo. Em vez de uma janela
aberta para cima, há um cosmos fechado. Portanto, não há lei
final e decreto além do homem e do universo.

A lei do homem é, portanto, além de qualquer crítica,


exceto pelo homem. Na prática, isso significa que a lei positiva
do estado é a lei absoluta. O estado é a expressão mais poderosa
e altamente organizada do homem humanista, e o estado é a
forma e expressão da lei humanística.

Porque não há lei superior de Deus como juiz sobre o


universo, sobre cada ordem humana, a lei do estado é um
sistema fechado de lei. Não há apelo além disso. O homem não
tem 'direito', nenhum reino de justiça, nenhuma fonte de lei além
do estado, ao qual o homem possa apelar contra o estado. O
humanismo, portanto, aprisiona o homem dentro do mundo
fechado do estado e do universo fechado do esquema
evolutivo.158

Sem dúvida, Marx foi um poderoso defensor da causa do


homem autônomo. O homem deve ficar sozinho, em sua própria
fundação, e criar um mundo, um paraíso na terra. O homem é seu
próprio Deus e tem o poder criativo do próprio Deus; o homem é
totalmente criativo.
No entanto, o plano de ação de Marx era um chamado para a
destruição total. Aqui, também, está a filosofia dos cultos do caos do
mundo antigo. O homem sem Deus tem uma paixão pela destruição,
assim como a Bíblia declara:

[...] todos os que me odeiam amam a morte (Prov. 8:36b).

161
162 A Religião Revolucionária de Marx
Essa paixão não faz parte da herança bíblica, e por essa razão,
a tentativa de vincular Marx à tradição profética do Antigo Testamento
é realmente equivocada. Embora o sistema de Marx possa, em certos
casos, se assemelhar superficialmente à cosmologia bíblica, em sua
totalidade, está em contraste aberto com a ortodoxia.
Halle escreve que

o marxismo atendeu à necessidade do homem da cidade


por um novo corpo de crença. Atendeu à necessidade de uma
religião da era industrial.63

Em certo sentido, isso é verdade o suficiente, mas perde o ponto;


o culto ao caos tem atendido às necessidades emocionais de homens
apóstatas por gerações incontáveis. A contribuição de Marx foi vestir
esse culto revolucionário com a linguagem da lógica germânica e da
ciência secular contemporânea.
A Bíblia afirma uma cosmologia totalmente divergente. O
homem não é seu próprio criador; ele não se criou "ex nihilo" - do nada.
O homem é uma criatura que deve operar sob a lei, e ele vive em um
universo que também opera sob a lei. Porque ele está sob a lei de Deus,
o homem pode se posicionar sobre a criação como vice-regente de
Deus.

63 Halle, "O Drama Religioso de Marx", Encounter (outubro de 1965), p. 37. Para
uma discussão breve mas interessante sobre o apelo do marxismo como
ideologia, veja Mihaly Csikszentmihaly, "Marx: Uma Avaliação Sócio -
Psicológica", Modern Age, XI (1967), pp. 272-82.

162
A Cosmologia do Caos 163
No entanto, Marx não poderia admitir que a autoridade do
homem é derivada; como os homens autônomos autoproclamados na
Torre de Babel, ele anunciou o poder criativo do homem à parte de
Deus:

E disseram: Eia, edifiquemos uma cidade e uma torre


cujo cume toque nos céus; e façamo-nos um nome [ou seja, nos
definamos sem referência a Deus], para que não sejamos
espalhados sobre a face de toda a terra (Gên. 11:4).

"Sereis como deuses", prometeu o tentador (Gên. 3:5), e Marx


acreditou na promessa. Ao afirmar os poderes do homem para uma
criação total, ele lançou as forças da destruição absoluta. A capacidade
do homem para autoengano parece ser ilimitada, mas o homem foi
avisado sobre os resultados de tal autoilusão, e os marxistas colherão
sua recompensa adequada:

O pão da mentira é doce ao homem, mas depois a sua


boca se encherá de cascalho (Provérbios 20:17).

1 Karl Marx e Friedrich Engels, The German Ideology (Londres: Lawrence &
Wishart, [1845-46] 1965), seção sobre Feuerbach, p. 86. [Selected Works, 3
vols. (Moscow: Progress Publishers, 1969), 1, p. 41. Collected Works (Nova
York: International Publishers, 1976), 5, pp. 52 -53. Lembrete: o primeiro
numeral árabe após o título ou a data de publicação indica o número do
volume.]
2 Cornelius Van Til, The Defense of the Faith (2ª edição revisada; Filadélfia:
Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1963), pp. 126 -27.

163
164 A Religião Revolucionária de Marx

3 Dooyeweerd, In the Twilight of Western Thought, pp. 50-51. Cf. Isaiah Berlin,
Karl Marx: His Life and Environment (3ª ed.; Nova York: Oxford University
Press, 1963), pp. 40-53.
4 Newsweek (Feb. 6, 1967), p. 95.
5 Berlin, Karl Marx, pp. 46-56.
6 Sidney Hook, From Hegel to Marx (Ann Arbor: University of Michigan Press,
[1950] 1962), p. 78.
7 Gustav E. Mueller, "The Hegel Legend of 'Thesis-Antithesis-Synthesis,'"
Journal of the History of Ideas, XIX (1958), pp. 411-14.
8 J. N. Findlay, Hegel: A Re-examination (Nova York: Collier, 1962), pp. 69-
71.
9 Hayek, The Counter-Revolution of Science, p. 200. [Edição da Liberty Press:
pp. 385-86.]
10 Ibid., p. 93.
11 Ludwig Feuerbach, The Essence of Christianity, traduzido por George Eliot
(Nova Iorque: Harper Torchbooks, 1957), p. 226.
12 Ibid., p. 247.
13 Ibid., p. 252.
14 Maurice Cornforth, Marxism and the Linguistic Philosophy (Nova Iorque:
International Publishers, 1965), p. 303.
15 cf. R. J. Rushdoony, The Biblical Philosophy of History (Nutley, Nova Jersey:
Craig Press, 1969). [Na primeira edição, citei como futuro lançamento.]
16 Marx, "Private Property and Communism," EPM, p. 144. [Collected Works,
vol. 3, p. 304.]

164
A Cosmologia do Caos 165

17 Ibid.
18 Ibid., p. 145. [Collected Works, 3, p. 305.]
19 Marx e Engels, The German Ideology, p. 31. Estes manuscritos não foram
publicados durante a vida dos autores. [Selected Works, vol. 1, pp. 19-20.
Collected Works, vol. 5, p. 31.]
20 Ibid., p. 32. [Selected Works, vol. 1, p. 20. Collected Works, vol. 5, pp. 31-32.]
21 Ibid. [Selected Works, 1, p. 20. Collected Works, 5, p. 32.]
22 "Estranged Labor," EPM, p. 113. [Collected Works, vol. 3, p. 276.]
23 "Private Property and Communism," EPM, p. 136. [Collected Works, vol. 3,
p. 297.]
24 Alfred G. Meyer, Marxism: The Unity of Theory and Practice (Ann Arbor:
University of Michigan Press, 1954), p. 75. Cf. Veljko Korac, "In Search of
Human Society," em Erich Fromm (ed.), Socialist Humanism (Garden City,
Nova Iorque: Doubleday Anchor, 1966), p. 3.
25 cf. Sidney Pollard, "Factory Discipline in the Industrial Revolution,"
Economic History Review, Second Series, XVI (1963), pp. 254-71.
26 Marx, Manifesto of the Communist Party, em Selected Works, vol. 1, p. 112.
[Collected Works, vol. 6, p. 488.]
27 Robert A. Nisbet, The Quest for Community (Nova Iorque: Oxford Galaxy,
[1953] 1969), p. 3.
28 Tradução de Bottomore, "Alienated [Estranged] Labour," EPM, em Karl
Marx, Early Writings, p. 131. Na edição de Struik, pp. 116-17. [Collected
Works, vol. 3, p. 279.]
29 Ibid. [Collected Works, 3, pp. 279-80.]

165
166 A Religião Revolucionária de Marx

30 R. J. Rushdoony, This Independent Republic (Nutley, Nova Jersey: Craig


Press, 1964), p. 142. [Reimpresso pela Thoburn Press, Fairfax, Virgínia, em
1978.]
31 Jean-Jacques Rousseau, Discourse on the Origin of Inequality, em G. D. H.
Cole (ed.), The Social Contract and Discourses (Londres: Dent, 1966),
especialmente pp. 195-208. Cf. Robert A. Nisbet, "Rousseau and
Totalitarianism," Journal of Politics, V (1943), pp. 93-114. [Reimpresso em
Nisbet, Tradition and Revolt: Historical and Sociological Essays (Nova
Iorque: Random House, 1968), cap. 1.]
32 Marx, Capital (Chicago: Kerr & Co., 1906), p. 399. Esta edição foi
reproduzida como cópia e está disponível na edição Modern Library. [Capital,
vol. 1 (Nova Iorque: International Publishers, 1967), p. 363.]
33 Marx e Engels, The German Ideology, p. 432. [Collected Works, vol. 5, p.
394.]
34 Ibid., p. 43. [Collected Works, vol. 5, pp. 44-45.]
35 Ibid., p. 44. [Collected Works, vol. 5, p. 46.]
36 "Meaning of Human Requirements," EPM, p. 159. [Collected Works, vol. 3,
p. 317.]
37 "Wages of Labor," EPM, p. 65. [Collected Works, vol. 3, p. 235.]
38 German Ideology, p. 32. [Selected Works, vol. 1, p. 20. Collected Works, vol.
5, p. 31.]
39 "Wages of Labor," EPM, p. 67. [Collected Works, vol. 3, p. 237.]
40 "Estranged Labor," EPM, p. 114. [Collected Works, vol. 3, p. 277.]
41 O Capital, vol. 1, pp. 339, 384, 396f., 462, 625; O Capital, vol. 3 (Charles H.
Kerr Co., 1909), pp. 102, 310, 948. A Moscow's Foreign Languages

166
A Cosmologia do Caos 167

Publishing House produziu um conjunto de três volumes d’O Capital, e esta


edição foi emitida pela International Publishers em Nova York.

Estou usando a edição mais antiga da Kerr, no entanto, uma vez que a maioria
das bibliotecas possui este conjunto se tiverem algum. Além disso, é o
conjunto geralmente referido na maioria dos trabalhos acadêmicos pré -1965
sobre Marx por americanos. [Edição da International Publishers: O Capital,
vol. 1, pp. 310, 349-50, 360-61, 423, 570-71; O Capital, vol. 3, pp. 85, 264,
814-15.]
42 "Meaning of Human Requirements," EPM, p. 150. [Collected Works, vol. 3,
p. 309.]
43 EPM, p. 156. [Collected Works, vol. 3, p. 314.]
44 "Private Property and Communism," EPM, p. 142. [Collected Works, vol. 3,
p. 302.]
45 O Capital, vol. 3, p. 310. [Capital, vol. 3, p. 264.]
46 O Capital, vol. 3, p. 102. [Capital, vol. 3, p. 85.]
47 German Ideology, pp. 44-45. [Selected Works, vol. 1, pp. 35-36. Collected
Works, vol. 5, pp. 46-47.]
48 O Capital, vol. 3, p. 451. [O Capital, vol. 3, p. 384.]
49 C f. Robert Tucker, Philosophy and Myth in Karl Marx (Nova Iorque:
Cambridge University Press, 1961), pp. 198-99.
50 German Ideology, p.32. [Selected Works, 1, p. 21. Collected Works, 5, p. 32.]
51 Ibid. [Selected Works, 1, p. 20. Collected Works, 5, p. 32.]
52 Ibid., pp.37-38. [Selected Works, 1, p. 25. Collected Works, 5, pp. 36-37.]
53 Ibid., pp. 44-45. [Selected Works, 1, pp. 34-35. Collected Works, 5, p. 46.]

167
168 A Religião Revolucionária de Marx

54 Ibid., p. 45. [Selected Works, 1, p. 35. Collected Works, 5, p. 47.]


55 Marx, A Contribution to the Critique of Political Economy, traduzido por N. I.
Stone (Chicago: Charles H. Kerr Co., 1904), pp. 11 -12. Esta seleção está
incluída em Selected Works, vol. 1, pp. 503-4.
56 Marx, "Contribution to the Critique of Hegel's Philosophy of Right," em Karl
Marx: Early Writings, p. 59. [Collected Works, vol. 3, p. 187.] Este ensaio foi
originalmente publicado em 1844. Cf. Adam Schaff, "Marxism and the
Philosophy of Man," em Fromm (ed.), Socialist Humanism, p. 148.
57 Karl R. Popper, The Open Society and Its Enemies, 2 vols. (4ª ed.; Nova
Iorque: Harper Torchbooks, 1964), vol. 2, pp. 202 -211. Cf. Popper, The
Poverty of Historicism (3ª ed.; Nova Iorque: Harper Torchbooks, 1961).
58 The Open Society and Its Enemies, vol. 2, p. 202.
59 Marx, The Poverty of Philosophy (1847) (Moscow: Foreign Languages
Publishing House, n.d.), p. 105. [Collected Works, 6, p. 165.]
60 Engels, Anti-Duhring, p. 31. [Collected Works, 25, p. 25.]
61 Ibid., p. 100. [Collected Works, 25, p. 81.]
62 Ibid., p. 101. [Collected Works, 25, p. 81.]
63 Ibid., p. 102. [Collected Works, 25, p. 82.]
64 Ibid., p. 103. [Collected Works, 25, p. 83.]
65 R. J. Rushdoony, By What Standard? (Philadelphia: Presbyterian and
Reformed, 1958), p. 161. [Reprinted by Thoburn Press, Tyler, Texas, in 1983.]
66 Joseph Schumpeter, Capitalism, Socialism and Democracy (New York:
Harper Torchbooks, [1942] 1962), p. 19.
67 Schumpeter, loc. cit.

168
A Cosmologia do Caos 169

68 Marx, German Ideology, p. 482. [Collected Works, 5, p. 438.]


69 Engels, Anti-Dühring, p. 128. [Collected Works, 25, p. 106.]
70 Marx, The Holy Family, citado em Bottomore e Rubel (eds.), Karl Marx:
Selected Writings in Sociology and Social Philosophy, p. 63. [Collected Works,
vol. 4, p. 93.]
71 Cf. O Capital, vol. 1, pp. 534, 836-37. [O Capital, vol. 1, pp. 448, 762-63. As
páginas 836-37 estão reimpressas em Selected Works, vol. 2, pp. 144-45.]
72 German Ideology, p. 50. [Selected Works, vol. 1, p. 42. Collected Works, vol.
5, p. 54.]
73 Marx para Kugelmann, 17 de abril de 1871: Letters to Kugelmann, p. 125.
[Selected Works, vol. 2, p. 421.]
74 Ibid. [Selected Works, 2, p. 421.]
75 R. N. Carew Hunt, The Theory and Practice of Communism (Baltimore,
Maryland: Pelican, 1964), p. 78.
76 Walter Odajnyk, Marxism and Existentialism (Garden City, Nova Iorque:
Doubleday Anchor, 1965), p. 41.
77 Esta abordagem é adotada por John Lewis em sua biografia, The Life and
Teaching of Karl Marx (Nova Iorque: International Publishers, 1965), pp. 136 -
37, 203-04; Gyorgy Markus, "Marxist Humanism," Science and Society, XXX
(1966), pp. 275-87, especialmente as observações finais.
78 Schumpeter, Capitalism, Socialism and Democracy, p. 13.
79 Ibid., p. 71.
80 Bottomore, "Karl Marx: Sociologist or Marxist?" Science and Society, XXX
(1964), pp. 11-24.

169
170 A Religião Revolucionária de Marx

81 Marx, "Theses on Feuerbach," (1845), em Selected Works, vol. 2, pp. 13-14.


[Collected Works, vol. 5, pp. 3-4.]
82 Um exemplo desta interpretação pode ser encontrado nos escritos anteriores de
Sidney Hook. Hook, Towards an Understanding of Karl Marx (Nova Iorque:
John Day, 1933); From Hegel to Marx, pp. 284-85.
83 Lichtheim, Marxism, p. 129.
84 Marx e Engels, German Ideology (1845-46), p. 230. [Collected Works, vol. 5,
p. 214.]
85 Capital, vol. 1 (1867), p. 198. [Capital, vol. 1, p. 177.]
86 Escrito em 1844, em Bottomore e Rubel, op. cit., p. 238. ["Critical Marginal
Notes on the Article 'The King of Prussia and Social Reform. By a Prussian,'"
Vorwärts! No. 60 (7 de agosto de 1844), Collected Works, vol. 3, p. 206.]
87 O Capital, vol. 1, p. 824. [O Capital, vol. 1, p. 751. Selected Works, vol. 2, p.
134.]
88 Marx para Engels, 27 de julho de 1866: Correspondence, p. 213.
89 Roger Caillois, Man and the Sacred (Glencoe, Illinois: Free Press, 1959), p.
164. Cf. a análise de Thorkild Jacobson sobre o significado dos festivais em
Henri Frankfort, et al., Before Philosophy (Baltimore, Maryland: Pelican,
[1946] 1964), pp. 213-16. Este volume foi publicado anteriormente pela
University of Chicago Press sob o título The Intellectual Adventure of Ancient
Man. [Foi republicado sob o título antigo.]
90 Caillois, op. cit., p. 105.
91 Sir James George Frazer, The Scapegoat, vol. 4 de The Golden Bough
(Londres: Macmillan, 1925), pp. 306-7.
92 Caillois, op. cit., p. 101. Cf. A. J. Wensinck, "The Semitic New Year and the
Origin of Eschatology", Acta Orientalia, Old Series, I (1923), pp. 158-99.

170
A Cosmologia do Caos 171

93 Cf. Mircea Eliade, Rites and Symbols of Initiation (Nova York: Harper
Torchbooks, 1965).
94 Ibid., p. 46. Cf. Eliade, Patterns in Comparative Religion (New York; Sheed
and Ward, 1958), pp. 398,402.
95 Barry Farrell, "The Other Culture," Life (Feb. 17, 1967), p. 99.
96 Cf. o artigo sobre "Mazdak" em James Hastings (ed.), Encyclopedia of
Religion and Ethics (New York: Scribners, 1915), pp. 508-10.
97 Marx e Engels, The Communist Manifesto, em Selected Works, 1, p. 133.
[Collected Works, 6, p. 514.] Cf. David Thomson, The Babeuf Plot (Londres:
Paul, 1947); Albert Fried e Ronald Sanders (eds.), Socialist Thought (Garden
City, Nova York: Doubleday Anchor, 1964), pp. 43 -71; Edmund Wilson, To
the Finland Station (Garden City, Nova York: Doubleday Anchor, 1953), pp.
69-73. Para uma defesa de Babeuf por um de seus contemporâneos, veja Filipo
M. Buonarroti, Babeuf's Conspiracy for Equality (Londres: Hetherington,
1836). Finalmente, veja J. L. Talmon, The Origins of Totalitarian Democracy
(Nova York: Praeger, 1960), pp. 167-255.
98 Marx, Address (1850) em Selected Works, 1, pp. 175-76. [Collected Works,
10, pp. 277-78.] Cf. Ernst Bloch, "Homem e Cidadão Segundo Marx", em
Fromm (ed.), Socialist Humanism, pp. 220-27.
99 Citado em Hayek, The Counter Revolution of Science, p. 109. [Edição da
Liberty Press: p. 194.]
100 Mircea Eliade, Cosmos, and History: The Myth of the Eternal Return (Nova
York: Harper Torchbooks, 1959), p. 149.
101 Eric J. Hobsbawm, "Introdução", em Marx's Pre-Capitalist Economic
Formations (Nova York: International Publishers, 1964), p. 49. Este volume
contém extratos de Grundrisse. [A Grundrisse completa foi publicada em

171
172 A Religião Revolucionária de Marx

inglês em 1973: Grundrisse: Foundations of the Critique of Political Economy


(Nova York: Vintage, 1973). Collected Works, 28, pp. 51-535.]
102 Selected Works, 3, pp. 265-67, 275.
103 Marx, The Civil War in France (1871) em Selected Works, 2, p. 212. Sobre a
história da Comuna, veja a versão marxista de Lissagaray, History of the
Commune of 1871 (Londres: Reeves and Turner, 1886), traduzido pela filha
de Marx, Eleanor Marx Aveling. Para relatos mais precisos, veja Frank
Jellenek, The Paris Commune of 1871 (Londres: Victor Gollancz, 1937);
Alistair Horne, The Fall of Paris (Nova York: St. Martins, 1965).
104 Declarações semelhantes podem ser encontradas no ensaio: Selected Works, 2,
pp. 200-1 a 222.
105 Atas do Comitê Central de Londres da Liga Comunista, 15 de setembro de
1850: Correspondence, p. 92. [Collected Works, 10, p. 626.]
106 Caillois, Man and the Sacred, capítulo 4.
107 Engels para Marx, 15 de novembro de 1857: Correspondence, p. 86.
[Collected Works, 40, p. 203.]
108 Marx, Critique of the Gotha Program (1875), Selected Works, 3, p. 26.
109 Engels para A. Bebel, 18-28 de março de 1875: Selected Works, 3, pp. 34-35.
110 Iring Fetscher, "The Young and the Old Marx," em Lobkowicz (ed.), Marx
and the Western World, pp. 29-30.
111 Critique of the Gotha Program, em Selected Works, 3, p. 19.
112 Halle, ""Marx's Religious Drama", Encounter (outubro de 1965), p. 37.
113 Tucker, Philosophy and Myth in Karl Marx, p. 24.
114 Marx e Engels, German Ideology, p. 86. [Selected Works, 1, p. 40. Collected
Works, 5, p. 52.]

172
A Cosmologia do Caos 173

115 Marx, Preface, A Contribution to the Critique of Political Economy, p. 13; ct:
Selected Works, 1, p. 504.
116 Tucker, Philosophy and Myth in Karl Marx, p. 240.
117 Meyer, Marxism: The Unity of Theory and Practice, p. 80.
118 Lichtheim, Marxism, pp. 122-29.
119 Marx, Wage-Labor and Capital (1847), Selected Works, 1, pp. 163 -74.
120 O Capital, 1, p. 837. [O Capital, 1, p. 763. Selected Works, 2, p. 144.]
121 Manifesto of the Communist Party, em Selected Works, 1, pp. 126 -27.
[Collected Works, 6, pp. 504-6.]
122 Address, em Selected Works, 1, pp. 179-80. [Collected Works, 10, 281-82.] Cf.
The Class Struggles in France, 1848-1850 (1850), em Selected Works, 1, pp.
247, 258. [Collected Works, 10, p. 91.]
123 Address, Selected Works, 1, p. 185. [Collected Works, 10, p. 287.]
124 Marx para Engels, 4 de novembro de 1864: Correspondence, p. 163.
125 "Article 7a", General Rules of the I.W.M.A., em Selected Works, 2, p. 291.
126 Cf. Bober, Karl Marx's Interpretation of History, capítulo 13.
127 Regras Gerais, em Selected Works, 2, p. 291.
128 Address of the Central Committee to the Communist League (1850), em
Selected Works, 1, p. 182. [Collected Works, 10, p. 284.]
129 V. I. Lenin, "Left-Wing" Communism: An Infantile Disorder (Nova York:
International Publishers, [1920] 1940), p. 37.
130 Ibid., p. 77.
131 Engels, On Social Relations in Russia (1875), em Selected Works, 2, p. 395.

173
174 A Religião Revolucionária de Marx

132 Cf. Marx-Engels, Correspondence, p. 335.


133 Marx para o Editor do Otyecestvenniye Zapisky, final de 1877; ibid., p. 353.
134 Buber, Paths in Utopia, pp. 90-94.
135 Marx para o Editor do Otyecestvenniye Zapisky, final de 1877:
Correspondence, p. 354.
136 Cole, The Meaning of Marxism, p. 82; cf. p. 209.
137 German Ideology, p. 267. [Collected Works, 5, p. 247.]
138 Aron, The Opium of the Intellectuals, pp. 94, 96.
139 Marx, "Propriedade Privada e Comunismo", EPM, tradução de Bottomore em
Karl Marx: Early Writings, p. 155. Cf. EPM, p. 135, na tradução de Milligan.
A última contém um erro tipográfico chave e é geralmente pouco clara.
[Collected Works, 3, pp. 296-97.]
140 A Ideologia Alemã, p. 416. [Collected Works, 5, p. 380.]
141 Manifesto do Partido Comunista, Selected Works, 1, p. 127. [Collected Works,
6, p. 506.]
142 Engels, "On Authority" (1847), Selected Works, 2, p. 378.
143 Marx, Crítica ao Programa de Gotha (1875), Selected Works, 3, p. 19.
144 Ibid. [Selected Works, 3, p. 19.]
145 Ludwig von Mises, Socialismo, p. 164. Cf. Bober, A Interpretação de Karl
Marx da História, p. 289; Meyer, Marxismo, p. 82; Berlin, Karl Marx, p. 150.
146 Maurice Cornforth, Marxism and the Linguistic Philosophy, p. 327.
147 A Ideologia Alemã, p. 84. [Selected Works, 1, p. 75. Collected Works, 5, p.
88.]

174
A Cosmologia do Caos 175

148 Murray N. Rothbard, "Esquerda e Direita: As Perspectivas para a Liberdade",


Left and Right, I (1965), p. 8. Veja também as observações semelhantes de
Abram L. Harris, "Elementos Utópicos no Pensamento de Marx", Ethics, LX
(1949-50), pp. 93-94.
149 Marx, "Sobre a Questão Judaica", em Bottomore (ed.), Karl Marx: Early
Writings, pp. 32-40. [Collected Works, 3, pp. 168-74.]
150 Cole, The Meaning of Marxism, p. 249.
151 Engels, "On Authority", Selected Works, 2, p. 377.
152 Odajnyk, Marxism and Existentialism, p. 116.
153 O Capital, 3, pp. 954-55. [O Capital, 3, p. 820.]
154 Marx, O Capital, 3, p. 955. [O Capital, 3, p. 820.]
155 Herman Dooyeweerd, A New Critique of Theoretical Thought, 4 vols.
(Filadélfia: Presbyterian & Reformed, 1955), 2, pp. 362 -63.
156 Nisbet, The Sociological Tradition, p. 138.
157 Engels, "On Authority", Selected Works, 2, p. 379.
158 R. J. Rushdoony, "Lei Humanística", introdução a E. L. Hebden Taylor, The
New Legality (Nutley, Nova Jersey: Craig Press, 1967), vi-vii.

175
176 A Religião Revolucionária de Marx

3.
A ECONOMIA DA REVOLUÇÃO
Mas na medida em que a história avança, e com ela a luta do proletariado
assume contornos mais claros, eles não precisam mais buscar a ciência em suas
mentes; eles apenas precisam observar o que está acontecendo diante de seus olhos
e tornar-se seu porta-voz. A partir deste momento, a ciência, que é um produto do
movimento histórico, associou-se conscientemente a ele, deixou de ser doutrinária e
tornou-se revolucionária.
Karl Marx (1847)1

Escrever um breve capítulo crítico sobre o sistema econômico


de Marx é muito parecido com bater em um cavalo morto. Muitas das
críticas são antigas, familiares, e parece ser um desperdício revê-las
novamente.
Em grande parte, os não-marxistas encontram pouco de
relevância na economia de Marx, exceto por algumas observações
dispersas que não estavam necessariamente ligadas à sua crítica geral
da sociedade capitalista.
E. R. A. Seligman, que aceitou grande parte da perspectiva
marxista sobre a natureza do desenvolvimento histórico, expressou suas
dúvidas há mais de meio século sobre a validade da teoria econômica
real apresentada por Marx.
O que ele escreveu na época ecoa hoje na maioria dos estudiosos
não marxistas atuais:

Precisamos enfatizar a filosofia de Marx, em vez de sua


economia; e sua filosofia, como sabemos agora, resultou em sua

176
A Economia da Revolução 177
interpretação econômica da história. Aconteceu que ele também
se tornou um socialista; mas seu socialismo e sua filosofia da
história são, como veremos mais tarde, realmente
independentes.

Pode-se ser um 'materialista econômico' e ainda


permanecer um individualista extremo. O fato de a economia de
Marx ser defeituosa não tem relevância para a verdade ou
falsidade de sua filosofia da história.2

O foco de interesse neste século tem sido em outros aspectos do


pensamento de Marx: filosofia, política ou seus primeiros escritos
sociológicos; o labirinto complexo de seu sistema econômico tem sido
deixado, principalmente, para aqueles que escrevem textos sobre a
história das doutrinas econômicas.
No entanto, sua abordagem das questões econômicas é
importante, pois lança pelo menos alguma luz sobre sua perspectiva
geral. Por essa razão, seria útil examinar o sistema econômico
marxiano, entre outras razões.
Um ponto deve ser enfatizado desde o início: apesar das
alegações de Marx em contrário, ele não era nem remotamente um
observador totalmente empírico e neutro. Ele veio para seus estudos
com uma série de pressuposições sobre a natureza da sociedade
capitalista, e seu frequente uso de linguagem violenta reflete sua
profunda hostilidade ao mundo da Europa nos anos intermediários do
século XIX. Abram L. Harris destacou esse fato básico:

Mas a investigação de Marx sobre os fatos da vida


econômica estava subordinada ao seu principal propósito, que
era provar que a transformação do capitalismo era inevitável e
uma condição necessária para o progresso humano. O interesse

177
178 A Religião Revolucionária de Marx
absorvente de Marx era uma teoria do progresso social e
econômico, e não uma teoria da economia.3

Gyorgy Markus, escrevendo na revista marxista Science and


Society, concorda com Harris:

Ele não era um observador imparcial da história, mas


um revolucionário interessado na possibilidade de
transformação humanística.4

Marx tinha ideias muito definidas sobre como a sociedade


verdadeiramente humana deveria tratar o indivíduo, e essas ideias, por
sua vez, eram baseadas em numerosas suposições sobre a natureza do
homem, a função do governo civil e a base do desenvolvimento
histórico.
Comentou Tucker:

Deste ponto de vista, O Capital é a tentativa de provar


uma preconcepção... O primeiro propósito d’O Capital era
demonstrar como e por que as coisas inevitavelmente chegariam
a ‘esse ponto’.5

A Revolução tinha que acontecer se a sociedade fosse


regenerada; portanto, o sistema capitalista deve ser uma expressão
inevitável da história, e deve resultar em uma conflagração final. Karl

178
A Economia da Revolução 179
Marx estava determinado a encontrar na teoria econômica e na história
a prova de suas pressuposições.1
Além das pressuposições cosmológicas de Marx, ele também
foi um produto de seu tempo intelectual e metodológico. Suas
ferramentas econômicas eram as da economia política clássica -
especialmente as de Ricardo - e essas ferramentas impuseram sérias
limitações à sua análise da economia capitalista. 6
Quando a "revolução marginalista" na economia ocorreu na
década de 1870, Marx já havia escrito e publicado dois volumes
completos de análise econômica (incluindo o volume 1 de O Capital),
e tinha os manuscritos básicos de vários volumes subsequentes.
Assim, as novas maneiras de analisar os eventos econômicos
esboçadas por Menger, Jevons e Walras chegaram tarde demais na vida
de Marx para fazer qualquer impressão sobre ele. Era tarde demais para
ele revisar suas obras, mesmo supondo que ele desejasse fazê-lo; sua
saúde estava se deteriorando, e após a publicação de O Capital na

1 Em um rascunho preliminar deste manuscrito, um comentarista escreveu:


"Discordo completamente. Marx foi muito cuidadoso e honesto com os fatos,
e não tinha mais preconceitos do que qualquer outro cientista social. Seu
método filosófico era profundamente em pírico." Aparentemente, o crítico
considera a mera acumulação de notas de rodapé como prova do empirismo de
alguém.

179
180 A Religião Revolucionária de Marx
Alemanha em 1867, ele nunca mais voltou ao trabalho na área de
economia.2
Marx tinha certas percepções sobre a natureza do capitalismo
que ultrapassavam os limites do raciocínio econômico clássico. Ele
tinha uma espécie de compreensão intuitiva de certas tendências da vida
econômica do século XIX e foi capaz de fazer algumas observações
profundas em relação ao provável desenvolvimento do capitalismo.
Algumas delas provaram ser terrivelmente imprecisas, mas
outras foram mais bem-sucedidas. Como apontou o falecido Joseph
Schumpeter em seu excelente estudo "Capitalismo, Socialismo e
Democracia" (1942), Marx frequentemente chegava a conclusões
precisas a partir de premissas falsas; ele estava certo pelos motivos
errados.

A Teoria do Valor Trabalho


A teoria do valor-trabalho foi uma das doutrinas mais
fundamentais da economia política clássica. Dada a preocupação quase
teológica de Marx com o homem como criador, não é surpreendente
que ele tenha falhado em abandonar esse princípio econômico

2 Para uma discussão sobre a mudança de perspectiva que dividiu a economia


clássica da perspectiva moderna, veja qualquer livro -texto padrão sobre a
história do pensamento econômico, por exemplo, Lewis Haney, History of
Economic Thought (Nova York: Macmillan, 1949, 1962), pp. 581-634. Outra
pesquisa muito útil para esse propósito é Alexander Gray, The Development
of Economic Doctrine (Nova York: Longmans, Green & Co., 1948).

180
A Economia da Revolução 181
específico. Ele o colocou no cerne de seu sistema. Infelizmente para
seu sistema, essa teoria estava equivocada.3
Marx iniciou o volume 1 de "O Capital" com uma série de
definições relacionadas a mercadorias. Primeiramente, observou que
qualquer bem econômico possui tanto "valor de uso" quanto "valor de
troca".
O valor de uso, disse ele,

é independente da quantidade de trabalho necessária


para apropriação de suas qualidades úteis.7

Uma coisa pode ser útil para os homens, em outras palavras,


mesmo que ninguém tenha gastado qualquer trabalho para criá-la; um
riacho de montanha ou terra não desenvolvida são exemplos. Mas o

3 Alguns economistas pró-Marx podem não gostar desta avaliação, claro, mas o
fato permanece que a economia moderna não pode mais integrá -la em qualquer
modelo útil da realidade econômica. Mesmo Joan Robinson, que tende a
favorecer muito da análise de Marx, teve alguma dificuldade em reter a teoria
do trabalho.

Ela argumenta que realmente não era fundamental para a crítica de Marx ao
capitalismo. É improvável que Marx concordasse com essa revisão "útil", e se
ele a tivesse aceitado, teria sido forçado a reorganizar grandes quantidades de
seus escritos publicados e não publicados.

Cf. Robinson, An Essay on Marxian Economics (Nova York: Macmillan,


[1942] 1957), capítulo 3. Em resposta, veja G. F. Shove, "Mrs. Robinson on
Marxian Economics", Economic Journal, LIV (1944), pp. 48 -49. Hodges, op.
cit., quer abandonar a linguagem marxista de "valor": Marx ficou, em suas
palavras, "preso na linguagem de Smith e Ricardo" (p. 311).

181
182 A Religião Revolucionária de Marx
valor de troca, de acordo com Marx, é algo diferente; o valor de troca é
a forma congelada do trabalho humano, já que o trabalho humano é o
único meio de criar valor.
Marx apresentou o antigo argumento aristotélico de que, para
uma troca ocorrer, deve haver um elemento comum de quantidade igual
em cada um dos itens trocados.

As duas coisas, portanto, devem ser iguais a uma


terceira, que em si não é nem uma nem outra. Cada uma delas,
na medida em que é valor de troca, deve, portanto, ser redutível
a esta terceira.8

O elemento comum não pode ser valor de uso, apressou-se em


acrescentar, porque

a troca de mercadorias é evidentemente um ato


caracterizado por uma abstração total do valor de uso .9

O valor de uso possibilita uma troca, já que as pessoas não se


incomodarão em entrar em um mercado para trocar bens inúteis, mas o
valor de uso não é a base da troca. Então, o que é? Ele concluiu que os
objetos trocados devem conter quantidades iguais de trabalho humano.
Não se trata de quaisquer qualidades físicas ou estéticas
inerentes a qualquer bem econômico específico:

[...] não resta nada além do que é comum a todos eles;


todos são reduzidos a um mesmo tipo de trabalho, o trabalho
humano em abstrato.10

Fundamental para o sistema econômico marxista é a crença de


que as coisas não serão trocadas a menos que o elemento comum, o

182
A Economia da Revolução 183
trabalho humano, esteja presente em cada bem a ser trocado. No
entanto, este é um conceito falacioso que foi abandonado pela
economia moderna após as escolas marginalistas e subjetivistas
ganharem predominância no final do século XIX.
As trocas ocorrem quando cada uma das partes envolvidas na
troca valoriza mais os bens do outro do que valoriza os seus próprios.
Longe de algum elemento comum estar presente, é a essência da troca
que os bens trocados sejam desiguais aos olhos dos negociantes
potenciais.
Não adianta responder, como um professor de economia
rabiscou no primeiro rascunho deste manuscrito, "você está falando de
psicologia, não de economia". Foi a essência da revisão pós-clássica
que se deve fornecer uma explicação coerente para os assuntos
econômicos em termos de ação humana e decisões humanas.
Naturalmente, a explicação é "psicológica", pois o fundamento
do raciocínio econômico está centrado nas decisões dos homens de agir
na esfera econômica. Qualquer explicação que não leve em conta a
causalidade psicológica nos assuntos econômicos está sujeita à falácia
com a qual Marx sempre se preocupava, o "fetichismo das
mercadorias", ou seja, atribuir aos eventos econômicos uma vida
própria, separada das relações humanas e sociais que tornam os eventos
possíveis.
A explicação de Marx para o fenômeno da troca é um caso
clássico de "fetichismo econômico": ele olhou para as mercadorias em
vez de tentar explicar o fenômeno em termos dos atores econômicos. A
ideia de alguma igualdade metafísica nos itens trocados é totalmente
supérflua, e qualquer conclusão dela derivada dificilmente deixará de

183
184 A Religião Revolucionária de Marx
ser, na melhor das hipóteses, irrelevante e, provavelmente, incorreta e
altamente enganosa.4
Uma vez que Marx aceitou a validade da hipótese da
"substância comum", ele começou a tirar algumas conclusões:

Vimos que, quando as mercadorias são trocadas, seu


valor de troca se manifesta como algo totalmente independente
de seu valor de uso. Mas se abstrairmos de seu valor de uso,
resta o seu Valor, como definido acima. Portanto, a substância

4 Para uma exposição inicial sobre a natureza subjetiva da troca econômica e a


desigualdade necessária envolvida nesses julgamentos psicológicos, veja Carl
Menger, Principles of Economics (Glencoe, Illinois: Free Press, [1871] 1950),
capítulo 4. Cf. Eugen von Bohm-Bawerk, The Positive Theory of Capital (4ª
ed.; South Holland, Illinois: Libertarian Press, [1921] 1959), Livro III, pp. 121-
256. [A Libertarian Press está agora localizada em Spring Mills, Pensilvânia.]
Marx deu uma indicação da verdade envolvida neste tipo de análise em O
Capital, 1, p. 97 [1, p. 85], mas ele, no entanto, rejeitou a discussão muito
semelhante de Condillac sobre troca: I, p. 177. [Neste ponto, estou inserindo
uma referência posterior no lugar da lista recomendada na primeira edição de
livros de economia estritamente apriorísticos de Mises, Kirzner e Rothbard.
Para uma discussão sobre os problemas epistemológicos enco ntrados no
pensamento econômico moderno, veja meu ensaio "Economia: Da Razão à
Intuição", em North (ed.), Foundations of Christian Scholarship: Essays in the
Van Til Perspective (Vallecito, Califórnia: Ross House, 1976). Há uma
antinomia básica que se manifesta na divisão das "escolas" de pensamento
econômico: raciocínio a posteriori (empírico, indutivo, estatístico) vs.
raciocínio a priori (lógico, dedutivo, "psicológico"). A única reconciliação
válida desta antinomia é explicitamente bíblico -revelacional. A lei bíblica
fornece as diretrizes para as teorias econômicas dos homens e ações
econômicas.]

184
A Economia da Revolução 185
comum que se manifesta no valor de troca das mercadorias,
sempre que são trocadas, é o seu valor.11

Além da dificuldade de entender sua própria linguagem técnica,


Marx enfrentou um problema imediato:

Como, então, a magnitude desse valor deve ser medida?


Claramente, pela quantidade da substância criadora de valor, o
trabalho, contida no artigo.12

A quantidade de trabalho é medida por sua duração.

Mas isso necessariamente deve pressupor que todo o trabalho


humano é homogêneo. Isso ele estava disposto a admitir:

O trabalho, no entanto, que forma a substância do valor,


é trabalho humano homogêneo, gasto de uma única força de
trabalho uniforme.13

Ele continuou nesse sentido:

A força total de trabalho da sociedade, que está


incorporada na soma total dos valores de todas as mercadorias
produzidas por essa sociedade, conta aqui como uma massa
homogênea de força de trabalho humana, composta, embora
seja, por inúmeras unidades individuais.

Cada uma dessas unidades é igual às outras, na medida


em que tem o caráter da média da força de trabalho da
sociedade e atua como tal; ou seja, na medida em que requer
para produzir uma mercadoria, não mais tempo do que é
necessário em média, não mais do que é socialmente necessário.

185
186 A Religião Revolucionária de Marx
O tempo de trabalho socialmente necessário é aquele que
é necessário para produzir um artigo sob condições normais de
produção, e com o grau médio de habilidade e intensidade
prevalentes.14

E quanto ao trabalho qualificado?

O trabalho qualificado conta apenas como trabalho


simples intensificado, ou melhor, como trabalho simples
multiplicado, uma quantidade dada de trabalho qualificado
sendo considerada igual a uma quantidade maior de trabalho
simples.15

Mas como determinar o tamanho do "multiplicador de


trabalho"? Marx foi extremamente vago sobre esse ponto, e por boas
razões. Sua análise repousava na suposição de que existe algo como
trabalho humano homogêneo, médio e socialmente necessário, e que
uma unidade comum de medida pode examinar quantitativamente os
diferentes graus de intensidade do trabalho comum.
Na realidade, no entanto, tal "trabalho médio" existe apenas
como uma abstração mental; não há nada assim no mundo real, e,
portanto, não há uma unidade comum para sua medição. Marx foi
praticamente forçado a admitir isso em sua Miséria da Filosofia (1847)
quando escreveu:

O seu trabalho por uma hora vale o meu? Essa é uma


pergunta que é decidida pela competição 16

Competição de acordo com que padrão? Na prática, ele estava


dizendo que o mercado livre deve decidir de acordo com suas leis de
competição. No entanto, se a teoria do trabalho for verdadeira, então o

186
A Economia da Revolução 187
mercado deve responder ao trabalho incorporado no produto; o valor
do trabalho em um produto não deveria ser determinado pelas forças da
livre concorrência em um mercado aberto.
Ao longo desta discussão, o foco tem sido "a mercadoria". Marx
definiu isso como uma categoria estritamente social,

um bem econômico produzido pelo trabalho humano


para fins de troca no mercado

Uma coisa pode ser útil e o produto do trabalho humano,


sem ser uma mercadoria. Quem satisfaz diretamente suas
necessidades com o produto de seu próprio trabalho, cria, de
fato, valores de uso, mas não mercadorias.17

Mercadorias são produzidas não para consumo direto, mas para um


mercado. Bens econômicos - itens escassos que são valiosos e,
portanto, poderiam comandar um preço - não são necessariamente
mercadorias:

Para produzir estas últimas, ele não deve apenas


produzir valores de uso, mas valores de uso sociais, valores de
uso para os outros.18

Isso, deve-se apontar, é uma maneira muito peculiar de definir


uma mercadoria. Tem uma falha muito clara, pois, com base nessa
definição, é impossível explicar o fenômeno do aluguel. Muitos bens
econômicos não foram produzidos pelo trabalho humano nem foram
produzidos para qualquer mercado, ainda assim, eles têm um preço.
Marx lutou sem sucesso com esse problema:

187
188 A Religião Revolucionária de Marx
A cachoeira, assim como a terra em geral, e como
qualquer força natural, não tem valor, porque não representa
nenhum trabalho materializado, e, portanto, ela realmente não
tem preço, que normalmente é apenas a expressão de valor em
dinheiro.

Onde não há valor, é óbvio que esse não pode ser


expresso em dinheiro. Este preço é simplesmente o aluguel
capitalizado. A posse da terra permite ao proprietário da terra
capturar a diferença entre o lucro individual e o lucro médio .19

O problema não é resolvido apelando para a propriedade da


terra. Se é verdade que a cachoeira "realmente não tem preço", então
como ela comanda um preço? Se é verdade que "onde não há valor, é
óbvio que não pode ser expresso em dinheiro", então por que é expresso
em dinheiro?
Por definição, a cachoeira não contém valor, já que Marx
definiu valor como tempo de trabalho congelado (diferente de valor de
uso), ainda assim ele foi forçado a admitir que uma cachoeira pode, na
realidade, comandar um preço de qualquer maneira.
Há claramente uma contradição aqui. Ela decorre de sua
definição estranhamente estreita de "mercadoria", que para ele não
significava apenas um bem econômico, mas apenas um bem econômico
produzido pelo trabalho humano para um mercado. O economista do
século XIX, Eugen von Böhm-Bawerk, comentou sobre essa estranha
definição:

Desde o início, ele coloca no crivo apenas aquelas coisas


trocáveis que contêm a propriedade que ele deseja finalmente
separar como "o fator comum", deixando todas as outras de
fora.

188
A Economia da Revolução 189
Ele age como alguém que, desejando urgentemente tirar
uma bola branca de uma urna, toma o cuidado de garantir esse
resultado colocando apenas bolas brancas. Ou seja, ele limita
desde o início o campo de sua busca pela substância do valor
de troca a "mercadorias" e, ao fazer isso, forma uma concepção
com um significado mais estreito do que a concepção de "bens"
(embora ele não a defina claramente) e a limita a produtos do
trabalho em oposição aos presentes da natureza.

Agora, é lógico que se a troca realmente significa uma


equalização, o que pressupõe a existência de um "fator comum
na mesma quantidade", esse fator comum deve ser procurado e
encontrado em cada espécie de bens que é trazida para a troca,
não apenas em produtos do trabalho, mas também em presentes
da natureza, como o solo, madeira em árvores, energia
hidrelétrica, depósitos de carvão, pedreiras, reservas de
petróleo, águas minerais, minas de ouro, etc.

Excluir os bens trocáveis que não são produtos do


trabalho na busca pelo fator comum que está na raiz do valor
de troca é, nessas circunstâncias, um grande erro de método. 5

5 Eugen von Bohm-Bawerk, "Contradição Não Resolvida no Sistema


Econômico Marxista", em The Shorter Classics of Bohm -Bawerk (South
Holland, Illinois: Libertarian Press, 1962), p. 261. Esta é a tradução de Alice
Macdonald de um ensaio publicado pela primeira vez em 1896 após o
lançamento póstumo do terceiro volume de O Capital de Marx. Seu título mais
comum é Karl Marx and the Close of His System (Nova York: Augustus
Kelley, 1949). Provavelmente deveria ser traduzido como "Após a Conclusão
do Sistema Econômico de Karl Marx".

189
190 A Religião Revolucionária de Marx
Como se ele não tivesse criado confusão suficiente, Marx
modificou ainda mais sua teoria do valor-trabalho:

Se a coisa é inútil, o trabalho contido nela também é; o


trabalho não conta como trabalho e, portanto, não cria valor.20

Em outras palavras, ele admitiu que se for produzido em


excesso algum produto (por exemplo, linho) e se o mercado não puder
absorver todo esse produto a um determinado preço, então o trabalho
despendido nesse produto não conta:

[...] o produto de nosso amigo é supérfluo, redundante e,


consequentemente, inútil.21

Quase tão supérflua quanto a teoria do valor-trabalho, é tentador


acrescentar. Não, argumentou Marx, é a oferta e a demanda - o
mecanismo de precificação do mercado - que determinarão o valor do
trabalho humano, e não o contrário (como ele havia afirmado
anteriormente). Toda a argumentação é incapaz de explicar preços ou
valores em termos de trabalho humano, no entanto, a teoria do valor-
trabalho é a base da crítica econômica de Marx à sociedade capitalista.

Exploração: Mais-Valia
Como vimos, Marx argumentou que deve haver uma igualdade
de valor de troca em quaisquer objetos que sejam negociados. Se não
houver igualdade de valor, então, pela definição de Marx, nenhuma
troca pode ocorrer.
Dada essa suposição, surge imediatamente uma questão
importante: se todos os produtos que entram na troca contêm valores

190
A Economia da Revolução 191
iguais, qual é a fonte dos lucros do capitalista? O capitalista, segundo
Marx, começa com uma quantia, D; ele converte o dinheiro em capital,
M; no final desse processo de troca, ele recebe mais dinheiro do que
começou, D'.
O sistema de D-M-D' é fundamental para a estrutura capitalista;
sem ele, não haveria motivação para o capitalista entrar nos negócios.
É imperativo que o economista explique essa aparente impossibilidade:
o capitalista começa com uma quantia e, após entrar no mercado,
retorna com mais do que começou, mas em cada estágio da produção e
troca, o capitalista é forçado a trocar valores iguais com valores iguais.
Marx tinha uma explicação engenhosa, embora seus elementos
básicos já tivessem sido propostos por economistas anteriores: a ideia
do valor excedente. Ele acreditava ter descoberto a única mercadoria
que, quando comprada por seu valor total, é capaz de prod uzir para o
capitalista mais valor do que custou. Essa mercadoria é a força de
trabalho.
A força de trabalho, como todas as outras mercadorias, tem um
valor de troca. Seu valor de troca, disse Marx, é igual ao valor
necessário para sua produção. A força de trabalho também é regida pela
teoria do valor do trabalho; o trabalho que é necessário para criar a força
de trabalho determina seu valor.
Marx colocou desta forma:

Qual é, então, o custo de produção da força de trabalho?


É o custo necessário para manter o trabalhador como
trabalhador e desenvolvê-lo como trabalhador[...]

191
192 A Religião Revolucionária de Marx
O preço do seu trabalho, portanto, será determinado
pelo preço dos meios necessários de subsistência.22

Isso inclui mais do que apenas as necessidades pessoais do


trabalhador; inclui as necessidades de sua família, já que o trabalhador
deve ser eventualmente substituído por outros trabalhadores.

[...] no cálculo do custo de produção da força de


trabalho simples, deve-se incluir o custo de reprodução, pelo
qual a raça dos trabalhadores é capacitada a multiplicar-se e a
substituir os trabalhadores desgastados por novos.

Assim, a depreciação do trabalhador é levada em conta da


mesma forma que a depreciação da máquina.
O custo de produção da força de trabalho simples, portanto,
equivale ao custo de existência e reprodução do trabalhador. O preço
desse custo de existência e reprodução constitui os salários. Os salários
assim determinados são chamados de salário-mínimo.
Esse salário-mínimo, assim como a determinação do preço das
mercadorias pelo custo de produção em geral, não é válido para o
indivíduo isolado, mas para a espécie. Trabalhadores individuais,
milhões de trabalhadores, não recebem o suficiente para poderem
existir e se reproduzir; mas os salários de toda a classe trabalhadora se
nivelam, dentro de suas flutuações, a esse mínimo.23
A imagem de Marx de milhões de trabalhadores efetivamente
passando fome na sociedade europeia de meados do século XIX foi
exagerada (a menos que ele estivesse falando sobre países que ainda
não tinham experimentado a industrialização, como a Irlanda).

192
A Economia da Revolução 193
As condições certamente não eram agradáveis pelos padrões da
classe média americana do século XX, mas a cultura ocidental,
excluindo a Irlanda, evitou a fome durante os últimos dois séculos. No
entanto, seu ponto é claro: o trabalhador sob o capitalismo é forçado a
aceitar um salário-mínimo, por definição.
Isso é a base do capitalismo, afirmou Marx; dada a teoria do
valor do trabalho, que não pode ser abandonada na opinião de Marx,
não há outra conclusão possível. O salário-mínimo de subsistência não
é produto dos capitalistas como malfeitores; é uma definição básica do
sistema como um todo.
A teoria do valor do trabalho exige absolutamente que todas as
mercadorias sejam trocadas pelo seu valor, e o valor da força de
trabalho, segundo Marx, é o custo necessário para sua reprodução
mínima. Isso, em resumo, é a versão de Marx da "lei de ferro dos
salários".
O capitalista entra no mercado de trabalho e contrata
trabalhadores. Quando seus funcionários entram na fábrica, o processo
de produção começa. Vamos assumir por um momento que leva seis
horas para o trabalhador "médio" produzir bens de valor igual aos bens
necessários para manter ele e sua família em seu nível de subsistência.
Neste ponto, o trabalhador criou valor suficiente para equilibrar
o valor de seus salários. Mas o processo de produção não cessa neste
ponto. O capitalista está em posição de "explorar" o trabalhador, para
usar o termo altamente tendencioso de Marx.
Os trabalhadores não são autorizados a voltar para casa neste
momento; eles podem ser mantidos no trabalho por, digamos, mais seis
horas (pelo menos isso era verdade na era de Marx). Eles são forçados

193
194 A Religião Revolucionária de Marx
a adicionar sua força de trabalho a produtos adicionais, e esse trabalho
adicional (ou seja, valor) torna-se propriedade do capitalista que os
emprega.
O valor que ele cria nas seis horas extras é, portanto, mais-valia
- valor que é um excedente sobre o salário-mínimo de subsistência do
trabalhador. O tempo de trabalho extra é, portanto, a fonte, a única
fonte, dos lucros do capitalista. Aqui está o mistério do mecanismo
interno do capitalismo; aqui está o segredo de sua existência.
Todos os requisitos foram cumpridos: iguais foram trocados por
iguais, e ainda assim houve a criação de lucros.

Cada condição do problema é satisfeita, enquanto as leis


que regulam a troca de mercadorias não foram violadas de
maneira alguma. O equivalente foi trocado por equivalente. O
capitalista como comprador pagou por cada mercadoria, pelo
algodão, o fuso e a força de trabalho, seu valor total.24

Na análise do processo de produção, Marx dividiu o capital em


dois tipos:
1. capital constante, que inclui máquinas, matérias-primas
e edifícios;
2. capital variável, os salários do trabalho.
Este último ele chamou de variável porque, para Marx, o
trabalho é a única mercadoria da qual é possível extrair mais valor do
que custou inicialmente.
Matérias-primas e máquinas, por outro lado, só podem
contribuir com a quantidade de valor que é exatamente equivalente ao
valor da depreciação e desgaste dos materiais envolvidos. Em outras

194
A Economia da Revolução 195
palavras, o capital constante não adiciona novo valor ao processo; a
força de trabalho sim.
Conforme é consumida pelo desgaste, o capital constante
adiciona o valor do trabalho humano armazenado que ele contém, mas
qualquer valor excedente já foi extraído pelo capitalista que empregou
os trabalhadores que produziram a máquina originalmente; não há
como extrair mais valor excedente de uma máquina. Os lucros vêm
exclusivamente do trabalho humano vivo explorado, ou seja, do capital
variável.
Isso, no entanto, levanta um problema sério. Se todos os lucros
derivam da empregabilidade do trabalho humano, então conclui-se que
maiores lucros podem ser obtidos em empresas intensivas em mão de
obra. Quanto mais maquinário se emprega no processo de produção,
menos lucro deve estar disponível, já que há menos trabalhadores
presentes para explorar.
Marx afirmou isso explicitamente quando escreveu que

É autoevidente que quanto maior o capital variável,


maior seria a massa do valor produzido e do valor excedente.25

Se essa análise estiver correta, então deveríamos esperar ver


muito pouco capital constante (máquinas e ferramentas de produção)
empregado pela classe capitalista, já que a maquinaria economizadora
de trabalho reduz os trabalhadores humanos disponíveis no sistema de
"exploração".
No entanto, o que vemos é precisamente o contrário: as
indústrias mais lucrativas tendem a ser aquelas em que são empregadas
grandes quantidades de capital constante. A lei do valor excedente

195
196 A Religião Revolucionária de Marx
levou a uma contradição entre observação e teoria, como Marx teve que
admitir.

Esta lei contradiz claramente toda experiência baseada


na aparência.26

Marx tentou elaborar uma explicação baseada no aumento da


produtividade proporcionado pela maquinaria. Os trabalhadores
conseguem ganhar seus salários de subsistência em um período mais
curto, e o capitalista, portanto, é capaz de aumentar o tempo efetivo
gasto em trabalho para seus lucros. Mas esta explicação, como veremos
mais adiante, entra em conflito com sua discussão sobre a queda da taxa
de lucro no capitalismo.
A taxa de mais-valia (s/v) representa a proporção de tempo
dedicado a trabalhar para o capitalista (trabalho excedente) em relação
ao tempo que o trabalhador gasta produzindo seu próprio salário-
mínimo de subsistência (capital variável ou salários). É um conceito
fundamental na análise da exploração capitalista de Marx, medindo o
grau em que o capitalista extrai mais-valia do trabalhador.
O capitalista pode extrair mais-valia de duas maneiras,
isoladamente ou combinadas. Primeiro, ele pode aumentar a duração da
jornada de trabalho. Todo o trabalho produzido nas horas adicionais
assim extraídas retorna para a conta do capitalista.
Segundo, ele pode intensificar o dia de trabalho, adicionando
novas máquinas ou acelerando as máquinas já existentes. Isso
aumentará a produção dos trabalhadores por hora, fazendo com que eles
atinjam seu salário-mínimo em um período mais curto.

196
A Economia da Revolução 197
Na prática, estão trabalhando mais horas para o empregador.
Marx chamou o primeiro sistema de mais-valia absoluta e o segundo de
mais-valia relativa. Na verdade, há uma terceira maneira: o capitalista
pode contratar as esposas e filhos da força de trabalho.
Como o salário de subsistência pago aos trabalhadores é um
salário de subsistência familiar, ele pode pagar a cada membro menos
salário se todos estiverem trabalhando, aumentando assim a
porcentagem de tempo que cada uma passa trabalhando para ele. Isso
provavelmente seria classificado como mais-valia relativa.
Marx acreditava que tinha desvendado o mistério do sistema de
produção capitalista. O enigma D-M-D' estava resolvido. Todos os
lucros surgem do fato de que o valor da força de trabalho em si é menor
que o valor total dos produtos produzidos por essa força de trabalho.
Em resumo, a mais-valia é simplesmente trabalho não remunerado.27
O capitalismo opera com base no roubo.

A Queda da Taxa de Lucro


Ao explicar os lucros em termos de seu conceito de mais-valia,
Marx inevitavelmente chegou a uma série de conclusões questionáveis.
A mais importante delas foi sua crença de que a taxa de lucro no sistema
capitalista está destinada a cair a longo prazo.
Isso é uma tendência inevitável, argumentou ele, dada a
constante pressão da concorrência, que obriga o capitalista a reduzir
seus custos de produção expandindo a produção, permitindo assim que
sua empresa venda seus produtos a preços mais baixos do que a
concorrência pode se dar ao luxo de vender. Essa expansão da produção

197
198 A Religião Revolucionária de Marx
claramente requer um maior uso de capital constante - matérias-primas,
máquinas - proporcional ao trabalho humano.
Isso levanta toda a questão da chamada "composição orgânica
do capital". Uma maior composição orgânica do capital significa
simplesmente que mais capital constante está sendo utilizado no
processo de produção.
À medida que mais máquinas e matérias-primas são
adicionadas, a porcentagem de força de trabalho humana envolvida no
processo cai necessariamente. Em outras palavras, há
proporcionalmente menor força de trabalho humana disponível para
exploração, e, portanto, os lucros devem diminuir, uma vez que o
trabalho vivo é a única fonte dos lucros do capitalismo. 6
No sistema de Marx, o capitalismo está preso a uma contradição
fundamental: os capitalistas são compelidos a agir de uma maneira que,
em última instância, destruirá sua própria forma de existência. Para
aumentar seus lucros, eles precisam aumentar a produção; para

6 Algebricamente, a composição orgânica do capital é expressa pela fração C/C


+ V. À medida que C aumenta, a fração se aproxima do valor de um, ou 100%
de capital constante. O fator trabalho, V, portanto, carrega um peso menor na
fração. Conforme V diminui, a fonte dos lucros do capitalismo se esgota. Para
uma discussão completa desta "lei" ou tendência, veja O Capital, 3, capítulo 3.
A taxa de lucro é expressa pela fração S/C + V. À medida que C aumenta, se
S (mais-valia) e V (salários) permanecem constantes, o valor da fração
claramente diminui, já que seu denominador está aumentando devido ao
aumento de C. A taxa de lucro está, portanto, caindo. Isso assume, claro, que
S é constante, ou pelo menos não está aumentando rápido o suficiente para
compensar a taxa de aumento em C.

198
A Economia da Revolução 199
aumentar a produção, precisam adicionar capital constante; e a adição
de capital constante aumenta a composição orgânica do capital,
causando assim uma queda na taxa de lucro.
Essa tendência de queda na taxa de lucro pode ser compensada
por outras tendências que temporariamente compensam a queda, mas,
em última instância, os lucros do capitalismo devem diminuir a um
nível incompatível com a manutenção do sistema.7

Acumulação Capitalista
A corrida por lucros motiva o capitalista a expandir o tamanho
de sua indústria e, assim, aproveitar as economias de escala. Até certo
ponto, o aumento da capacidade da planta pode alcançar um custo mais
baixo por unidade.
Após esse ponto, os custos por unidade aumentarão a uma taxa
tão rápida que não valerá a pena ao capitalista investir mais capital na
própria planta de produção. Marx, no entanto, praticamente ignorou
essa última possibilidade; ele geralmente assumiu que as economias de
escala são, para todos os fins práticos, ilimitadas. Ele nunca se
preocupou com o problema muito real do tamanho ótimo da planta.
Em sua busca frenética por lucros, o pequeno empresário será
inevitavelmente esmagado, pensava Marx. O pequeno empresário não

7 As tendências compensatórias são discutidas em O Capital, 3, capítulo 25. Para


uma discussão crítica da "lei" da análise marxiana, veja David McCord Wright,
The Trouble With Marx (New Rochelle, Nova York: Arlington House, 1967),
capítulo 5.

199
200 A Religião Revolucionária de Marx
pode se dar ao luxo de investir as enormes somas de capital necessárias
para aumentar a produção de sua empresa. Sendo assim, o pequeno
concorrente não pode reduzir os custos de seus produtos sem sofrer
prejuízos e será expulso do mercado.
Marx não deu atenção à possibilidade de que muitos tipos de
atividade econômica podem ser mais adequados para empreendimentos
menores do que para um estabelecimento industrial grande, complexo
e altamente burocrático. A área de serviços pessoais é um exemplo, e
as indústrias de serviços mostraram uma capacidade tremenda de
crescimento neste século.8
É verdade, é claro, que vivemos na era das grandes empresas,
mas grande parte desse crescimento foi resultado não de uma eficiência
maior, mas da intervenção política e das políticas inflacionárias do
estado.9

8 Para uma pesquisa sobre a literatura que trata do crescimento das indústrias de
serviços nos Estados Unidos, veja William Regan, "Crescimento Econômico
e Serviços", Journal of Business, XXXVI (1963). Cf. George Stigler, Trends
in Employment in the Service Industries (Um Estudo pelo National Bureau of
Economic Research [Princeton, Nova Jersey: Princeton University Press,
1956]). Em 1870, algo como 20% da força de trabalho americana estava
empregada nas indústrias de serviços; até 1950, esse número subiu para mais
de 50%. A maior parte dessa mudança não se deveu a uma queda no emprego
nas indústrias de manufatura, mas sim à diminuição do número de pessoas
ligadas à agricultura. Veja Stigler, Service Industries, pp. 5 -6.
9 [Sobre os efeitos da inflação monetária patrocinada pelo estado, veja meu
livro, An Introduction to Christian Economics (Nutley, Nova Jersey: Craig

200
A Economia da Revolução 201
Mesmo com o crescimento das grandes empresas, a tendência
das grandes firmas de manufatura de terceirizar empregos para
organizações menores, quando combinada com o crescimento das
indústrias de serviços, mais do que compensou a concentração de
capital nas mãos de alguns grandes capitalistas.
Ao explicar a tendência constante para a acumulação de capital,
Marx escreveu:

A batalha da concorrência é travada pela redução do


preço das mercadorias. A baixeza do preço das mercadorias
depende, ceteris paribus [outras coisas sendo iguais - G.N.], da
produtividade do trabalho, e esta, por sua vez, da escala de
produção. Portanto, os capitais maiores vencem os menores.28

Até certo ponto, isso é preciso. Mas além de certos limites, os


capitalistas menores e mais novos, que têm novas abordagens para o
problema da produção e do marketing, são capazes de competir com
sucesso com as unidades maiores e mais antigas.

Press, 1973), capítulos 1-6. A expansão da oferta de dinheiro diretamente pelo


estado, ou indiretamente por bancos comerciais licenciados pelo estado,
redistribui a riqueza. Aqueles que primeiro têm acesso ao dinheiro recém -
criado o gastam na circulação; a queles que o recebem tarde, à medida que ele
"escorre" pela economia, são forçados a reduzir seu consumo devido aos
preços mais altos induzidos pela injeção de novo dinheiro de crédito. Essa
inflação monetária eventualmente desencadeia o ciclo de "boom -recessão" no
comércio: Ludwig von Mises, Human Action: A Treatise on Economics (New
Haven: Yale University Press, 1949), capítulo 20; Murray N. Rothbard,
America's Great Depression (Princeton, Nova Jersey: Van Nostrand, 1963).]

201
202 A Religião Revolucionária de Marx
Isso pressupõe, no entanto, que o estado não interfira nos
processos de mercado para conceder uma posição favorável às
empresas maiores, como aconteceu nos Estados Unidos na virada do
século.29
Neste caso, as grandes empresas foram capazes de preservar seu
status de monopólio, mas não por causa de quaisquer leis inerentes ao
sistema capitalista; foi necessária a intervenção do estado para garantir
a posição privilegiada das grandes empresas.
Junto com a acumulação de capitais cada vez maiores, Marx
afirmou que ocorreria a concentração de capital nas mãos de cada vez
menos capitalistas.

O capital cresce em um lugar para uma massa enorme


em uma única mão, porque foi perdido em outro por muitos.30

Esta é a explicação de Marx para o crescimento dos monopólios.


O problema dos monopólios não havia sido explorado em grande
extensão antes de Marx começar a escrever. Ele argumentou que os
monopólios são criações fundamentais da ordem capitalista.
Eles resultam da competição acirrada entre os capitalistas e,
portanto, não podem ser impedidos por qualquer tipo de legislação
social pontual. Se algo, Marx argumentou, os monopólios são
auxiliados por coisas como as leis fabris: as limitações impostas ao
emprego de mão de obra barata de mulheres e crianças obrigaram os
donos de fábricas a adicionar ainda mais máquinas para aumentar a
produção.31
Os capitalistas menores ficam em extrema desvantagem nessas
condições, já que o Estado burguês cortou parte de sua oferta de mão

202
A Economia da Revolução 203
de obra barata, e apenas os capitalistas maiores e mais ricos podem se
dar ao luxo de substituir esses trabalhadores por máquinas caras. A
tendência em direção ao monopólio é, portanto, imparável no
capitalismo.
Sem dúvida, quando dois marxistas contemporâneos como Paul
Baran e Paul Sweezy se sentam para encontrar evidências da tendência
à acumulação e concentração de capital na vida moderna, eles
conseguem localizar consideráveis dados de apoio. 32 Há muitos não
marxistas que têm visto com preocupação justamente essa tendência. 10
No entanto, há sérias diferenças de opinião entre economistas
profissionais em relação à extensão dessa concentração, os efeitos que
ela tem na economia como um todo, as causas subjacentes e as soluções
para seus efeitos mais desfavoráveis.
Alguns pesquisadores respeitáveis concluíram, por exemplo,
que um dos principais contribuintes para a formação de monopólios é
o próprio governo.33 Em seu tratamento equilibrado de toda a questão
do monopólio, Edward S. Mason chegou a uma conclusão que, se fosse

10 Cf. Adolph A. Berle e Gardiner C. Means, The Modern Corporation and


Private Property (Nova York: Macmillan, [1932] 1956); Arthur Robert Burns,
The Decline of Competition (Nova York: McGraw-Hill, 1934). Para visões
contrárias a estas, veja G. Warren Nutter, The Extent of Enterprise Monopoly
in the United States, 1899-1939 (University of Chicago Press, 1951); George
Stigler, Five Lectures on Economic Problems (Londres: Longmans, Green &
Co., 1949), palestra 5. Para uma série de perspectivas diferentes apresentadas
em um único volume, veja Edwin Mansfield (ed.), Monopoly Power and
Economic Performance (Nova York: Norton, 1964).

203
204 A Religião Revolucionária de Marx
uma previsão há um século, Marx teria rejeitado como completa
bobagem burguesa:
Os estudos sobre as tendências de concentração geral e de
mercado têm fornecido úteis conclusões negativas. Está claro agora,
como não estava claro antes, que não há uma força histórica inevitável
em ação que deve produzir, ao longo de qualquer período estendido,
um aumento na porcentagem da atividade econômica representada
pelas maiores empresas, seja na manufatura americana ou na economia
como um todo."11

A Miséria Crescente do Proletariado


Este é um dos temas mais familiares na análise econômica de
Marx. É familiar no sentido de que se tornou um clichê dentro dos
círculos marxistas; não é familiar no sentido de que alguém está
realmente certo do que Marx quis dizer exatamente com a frase.
Como muitos de seus ensinamentos, este foi apresentado por
Marx apenas em lugares dispersos e nunca de maneira sistemática. Os
comentaristas são forçados a vasculhar muitas passagens

11 Edward S. Mason, Economic Concentration and the Monopoly Problem


(Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1957), pp. 42 -43.
Solomon Fabricant expressou da seguinte maneira: "Todas as dúvidas que
podem ser levantadas [sobre os dados] não destroem, mas sim apoiam, a
conclusão de que não há base para acreditar que a economia dos Estados
Unidos é amplamente monopolista e tem se tornado mais monopolista." Veja
seu ensaio, "O Monopólio Está Aumentando?" Journal of Economic History,
XIII (1953), p. 93.

204
A Economia da Revolução 205
aparentemente contraditórias em sua tentativa de encontrar algum
semblante de ordem em sua ideia de "miséria crescente."
Uma visão que muitos estudiosos (especialmente os críticos
mais veementes) argumentaram é que Marx quis dizer que a miséria
crescente é absoluta sob o capitalismo: as coisas inevitavelmente
piorarão para o proletariado à medida que o capitalismo se desenvolve.
Não há dúvida de que Marx escreveu várias passagens que
ensinam claramente essa doutrina. Por exemplo, no Manifesto
Comunista (1848), ele e Engels escreveram:

O operário moderno, pelo contrário, em vez de se elevar


com o progresso da indústria, afunda-se cada vez mais abaixo
das condições de existência de sua própria classe. Ele se torna
um mendigo, e a mendicidade se desenvolve mais rapidamente
do que a população e a riqueza.34

Novamente, em "Valor [Salário], Preço e Lucro" (1865), lemos:

A tendência geral da produção capitalista não é elevar,


mas reduzir o padrão médio de salários, ou empurrar o valor do
trabalho mais ou menos para o seu limite mínimo .35

Certamente, não seria deliberadamente enganador argumentar,


como muitos fizeram, que Marx acreditava que a condição dos
trabalhadores estava claramente destinada a declinar absolutamente. 36
Por outro lado, muitos comentaristas têm adotado a posição de
que Marx realmente ensinou uma doutrina de miséria relativa crescente,
ou seja, que o padrão de vida pode estar aumentando um pouco até
mesmo para a classe trabalhadora, mas aumentando muito mais
lentamente do que a produção justificaria.

205
206 A Religião Revolucionária de Marx
A maior parte da riqueza iria para a acumulação dos capitalistas
ou para seus orçamentos de consumo pessoal. Essa tem sido a visão de
muitos marxistas desde a época de Karl Kautsky; aparentemente, é a
visão de um número crescente de estudiosos não marxistas.12
Talvez a declaração mais explícita da tese de miséria relativa
crescente seja encontrada em "Trabalho Assalariado e Capital" (1847):

Se o capital está crescendo rapidamente, os salários


podem aumentar; o lucro do capital aumenta de forma
incomparavelmente mais rápida. A posição material do
trabalhador melhorou, mas ao custo de sua posição social. O
fosso social que o separa do capitalista se alargou.37

Devido a um aumento na produtividade do capital, pode ser


possível tanto para o trabalhador quanto para o capitalista melhorar seus
respectivos padrões de vida. No entanto, como ele escreveu em "O
Capital":

mesmo nesse caso, a queda no valor da força de trabalho


causaria um aumento correspondente no valor excedente, e

12 M. Dobb, On Marxism Today (Londres: The Hogarth Press, 1932), p. 10;


Ronald L. Meek, "A 'Doutrina da Miséria Crescente' de Marx", Science and
Society, XXVI (1962), pp. 422-41; Thomas Sowell, "A 'Doutrina da Miséria
Crescente' de Marx", American Economic Review, L (1960), pp. 111-20.
Sowell argumenta que Marx defendeu a doutrina da miséria absoluta crescente
antes de 1850 ou por aí, mas no contexto deste capítulo, tentei indicar que ele
também escreveu em termos dela após 1850. Cf. Sowell, ibid., p. 113; Abram
L. Harris, "A Filosofia Social de Karl Marx", Ethics, LVIII (abril de 1948), pt.
II, pp. 24-27.

206
A Economia da Revolução 207
assim o abismo entre a posição do trabalhador e a do capitalista
continuaria se alargando.38

Embora os proletários possam constatar que seu padrão material


de vida pode ter ocasião de aumentar, eles estarão em desvantagem
psicológica. Seus sucessos insignificantes serão tão pequenos em
comparação com o aumento da riqueza dentro da classe capitalista.
Bober, que é da opinião de que Marx defendia uma doutrina de
miséria crescente absoluta, desafiou essa interpretação oposta:

Mas devemos lembrar que essa miséria psicológica se


aplica apenas ao 'caso mais favorável', à fase especial de
acumulação.39

Isso se torna uma questão relacionada à atitude de Marx em


relação à possibilidade de o capitalismo continuar a expansão de bens
e serviços econômicos. Isso leva, em resumo, às teorias de Marx sobre
crises capitalistas, as contradições inerentes do capitalismo e o colapso
iminente do sistema. Esses aspectos serão discutidos mais
detalhadamente posteriormente.
Mas, em geral, seria seguro dizer que os escritos de Marx
evidenciam ambas as doutrinas, dependendo do propósito do
documento em questão. Para fins de propaganda, é impressionante
afirmar a doutrina absoluta de miséria; no entanto, Marx, como
estudioso cuidadoso, estava determinado a se resguardar: se houvesse
algum aumento na riqueza do proletariado, naturalmente exigiria uma
explicação.
No entanto, a tentativa de mostrar que Marx amadureceu em sua
abordagem - que ele defendia uma doutrina absoluta de miséria

207
208 A Religião Revolucionária de Marx
crescente antes de 1850, mas não depois - é impossível. Os escritos de
Marx antes de 1850 mostram que ele afirmava ambas as visões, e é
verdade para seus escritos posteriores.
Há uma certa tendência entre os estudiosos de tentar fazer Marx
parecer mais consistente do que ele jamais foi, e como resultado,
encontramos esses homens traçando linhas bastante fixas entre o Marx
jovem e revolucionário e o Marx mais velho e maduro.
Essas linhas rígidas não se encaixam; Marx pode ter enfatizado
certos argumentos em um período em comparação com um período
posterior ou anterior, mas o pensamento dialético de sua juventude
nunca o deixou. Ele estava sempre argumentando posições conflitantes
ao longo de suas quatro décadas de carreira.
Seja qual for a doutrina que seja realmente mais representativa
de seu sistema geral (pessoalmente, eu tenderia para a tese da miséria
relativa), um estudioso marxista, Ronald Meek, admitiu que Marx
certamente não previu o impressionante aumento no padrão de vida dos
trabalhadores industriais do Ocidente.
O progresso econômico do último século tornou ambas as
argumentações bastante supérfluas. Meek acredita que outras
explicações devem ser encontradas para dar conta dessa melhoria
inesperada - como as teses do imperialismo de Lenin, por exemplo -
mas a doutrina da miséria crescente cumpriu seu papel como peça de
propaganda e agora deveria ser abandonada.
Marx estava correto, argumenta Meek, em suas previsões gerais
sobre o capitalismo, mas esse dogma específico deveria ser substituído
por algo mais realista. Ele pede uma revisão ou revisões importantes na
abordagem econômica marxiana.40

208
A Economia da Revolução 209
Em seus argumentos em favor de sua doutrina da miséria
crescente, Marx enfatizou muito o que chamou de "Exército Industrial
de Reserva". Era composto por todos os trabalhadores que haviam
perdido seus empregos devido à crescente mecanização da indústria.
Esse exército de reserva de desempregados ajudaria a manter os
salários baixos, tornando quase impossível para as organizações
sindicais se organizarem efetivamente, especialmente durante períodos
de estagnação econômica e crise.41
As fileiras desse exército seriam aumentadas por elementos
pequeno-burgueses que também seriam levados à falência pela
esmagadora concorrência das enormes indústrias capitalistas. Assim,
massas cada vez maiores de homens enfrentariam pobreza e privação
abjetas, ao mesmo tempo em que sua presença na economia contribuiria
para piorar as condições daqueles de seus colegas proletários que
estivessem empregados.
O problema com toda essa tese, além do fato de que tal exército
nunca se materializou, foi apontado pelo estudioso socialista Fabiano
G. D. H. Cole:

Marx, no entanto, em nenhum lugar explicou por que, se


a classe capitalista conseguiu ascender ao poder na maioria dos
países, não por meio de uma revolução catastrófica derrubando
a classe dominante anterior, mas sim por um processo gradual
de avanço e adaptação da estrutura social estabelecida, a
miséria crescente deveria ser o meio para a conquista do poder
pelo proletariado, enquanto a prosperidade crescente havia
sido a arma da burguesia.

No entanto, essa visão é claramente paradoxal; porque,


à primeira vista, o aumento da miséria seria muito mais

209
210 A Religião Revolucionária de Marx
provável enfraquecer e desanimar uma classe do que ajudá -la
na condução da luta de classes.

Em efeito, se Marx estivesse certo, o resultado provável


teria sido o colapso do capitalismo sob condições em que o
proletariado estaria muito enfraquecido por sua miséria para
estabelecer com sucesso um sistema alternativo.

Nessas circunstâncias, se não houvesse outro aspirante


à sucessão, um capitalismo em colapso teria sido mais provável
de ser sucedido, não pelo socialismo, mas por um caos absoluto
e pela dissolução de toda a civilização da qual o capitalismo
tinha sido uma fase.42

Cole, é claro, favorecia uma transição gradual para o socialismo


e, portanto, era hostil à abordagem abertamente revolucionária de
Marx. Mas seja qual for o "verdadeiro significado" de Marx pela
doutrina da miséria crescente, parece seguro dizer que ela não é mais
uma ferramenta de análise econômica na crítica marxista
contemporânea à sociedade capitalista.
Mesmo a ideia de miséria relativa crescente não explica os
grandes avanços feitos pelos membros da classe trabalhadora na
melhoria de seu padrão de vida nos últimos 100 anos. O capitalismo
simplesmente não trouxe privações aos trabalhadores ocidentais.
Um bom Fabiano atribuiria o mérito ao papel do Estado e dos
sindicatos em forçar o capitalismo a fazer reformas. Um bom defensor
do livre mercado apontaria para o aumento do investimento privado per
capita e para os tremendos aumentos na produtividade que tal
investimento criou, apesar da intervenção do governo civil nas ações
do mercado.

210
A Economia da Revolução 211
Mas ambos os lados rejeitariam a análise de Marx, e até mesmo
os marxistas contemporâneos não estão satisfeitos com ela. Os
trabalhadores que vivem sob o capitalismo simplesmente não são tão
miseráveis, se por miséria estivermos nos referindo às suas condições
materiais.

Contradições, Crises e Colapso


Karl Marx, apesar da profundidade de algumas de suas
concepções individuais, não era um pensador sistemático. Ele pegava
uma ideia, explorava-a por um caminho e, em seguida, passava para
outra linha de pensamento. Com muita frequência, ele deixava de
conectar suas especulações em um todo coerente e sistemático.
Como resultado, é difícil adivinhar exatamente o que ele tinha
em mente em relação a qualquer assunto específico. Em nenhum lugar,
sua abordagem dispersa é mais evidente do que em sua explicação (ou,
mais precisamente, em suas explicações) das crises inerentes ao
capitalismo. Suas declarações sobre o assunto estão espalhadas por seus
escritos econômicos, e é difícil, talvez impossível, ter certeza de qual
delas era mais fundamental em sua própria mente.
A falha mais óbvia do capitalismo, para Marx, é a tendência à
queda da taxa de lucro. Como já vimos, isso é causado pelo fato de os
capitalistas serem forçados pela concorrência a aumentar a quantidade
de capital constante em seus respectivos processos de produção, o que,
por sua vez, diminui a proporção de capital variável - trabalho vivo - no
processo.
O trabalho vivo é a única fonte de lucros no capitalismo;
portanto, a taxa de lucro deve cair inevitavelmente à medida que a

211
212 A Religião Revolucionária de Marx
proporção de capital constante aumenta. Em outras palavras, Marx
argumentou que deveríamos esperar ver duas tendências simultâneas: a
queda da taxa de lucro e o aumento da miséria do proletariado.
Infelizmente, para sua consistência, as duas estão em
contradição entre si. Na medida em que os salários são reduzidos ao
nível mínimo de subsistência, o proletariado sofre com a miséria que
supostamente o sistema capitalista lhe inflige.
Quando os salários são forçados a diminuir, o capitalista
melhora obviamente sua posição; há uma maior quantidade de mais-
valia disponível para ele, uma vez que há uma maior quantidade de
trabalho não remunerado presente no processo de produção.
Por outro lado, se a produção aumentada da indústria do
capitalista em questão alcança o que almeja, ou seja, uma maior parcela
do mercado do que seus concorrentes podem atingir, as classes
trabalhadoras alcançam um padrão de vida mais alto, pois podem
comprar mais bens de consumo do que anteriormente podiam com os
salários que recebem.
O preço das mercadorias deve cair, pois cada mercadoria, pela
definição de Marx, contém uma proporção menor de trabalho humano
do que antes; as mercadorias contêm menos valor, uma vez que o tempo
médio de trabalho socialmente necessário incorporado nelas está
diminuindo à medida que a produção do sistema capitalista aumenta.43
Onde os lucros capitalistas estão caindo, teoricamente devido ao
aumento do uso de maquinaria produtiva, o padrão de vida está
aumentando, e vice-versa. As duas tendências "inevitáveis" se
compensam; elas são mutuamente contraditórias a longo prazo.

212
A Economia da Revolução 213
Marx afirmou explicitamente que ambas as tendências deveriam
ser alcançadas simultaneamente sob o capitalismo:

A tendência decrescente da taxa de lucro é acompanhada


por uma tendência crescente da taxa de mais-valia, ou seja, na
taxa de exploração.44

Ele tentou explicar a contradição em outro lugar, mas seu


argumento é pouco convincente.45 Baseava-se principalmente na ideia
do desemprego tecnológico - o Exército Industrial de Reserva - um
fenômeno que ainda não se tornou uma grande influência econômica.
Embora alguns economistas temam que a automação possa criar
uma situação de desemprego tecnológico em nosso tempo, mesmo eles
geralmente estão mais preocupados com o problema do tempo livre
excessivo que esses trabalhadores não qualificados terão em suas mãos
do que com qualquer temor de algum tipo de fome em massa.
Assume-se que a produção vastamente aumentada de bens de
consumo fornecerá para aqueles que não podem trabalhar. 13 Outros
economistas não acham que a automação deva aumentar o número de

13 Muitos desses economistas visionários propõem uma renda anual garantida a


todas as pessoas, independentemente de trabalharem ou não. Cf. Robert
Theobald (ed.), The Guaranteed Income (Garden City, Nova York:
Doubleday, 1966); "A Tripla Revolução", incluída em Erich Fromm (ed.),
Socialist Humanism: An International Symposium (Garden City, Nova York:
Doubleday Anchor, 1966), pp. 441-61. Talvez a exposição mais ridícula dessa
posição seja The Poorhouse State de Richard Elman (Nova York: Pantheon,
1966). Uma visão alternativa é "Income Without Work" de Henry Hazlitt, The
Freeman, XVI (julho de 1966). Veja também Gênesis 3:17 -19.

213
214 A Religião Revolucionária de Marx
pessoas empregadas, pois a riqueza adicional gerada pela produção
automatizada pode ser usada para programas de reciclagem, avanço
educacional e expansão das indústrias de serviços. 14
Em qualquer caso, um grande exército de trabalhadores
desempregados acompanhando a expansão da produção pelo
capitalismo não é um grupo que será lançado na pobreza extrema neste
século, pelo menos não pela mera operação do investimento privado de
capital pelos cidadãos de hoje.
Além de sua teoria da taxa decrescente de lucro, Marx também
utilizou uma teoria de superprodução para condenar os ciclos de
negócios do capitalismo. Devido a esse recurso intrínseco de
superprodução, o capitalismo é incuravelmente cíclico: os booms
sempre resultarão em recessões.

O poder produtivo estupendo que se desenvolve sob o


modo de produção capitalista em relação à população, e o
aumento, embora não na mesma proporção, dos valores de
capital (não sua substância material), que crescem muito mais
rapidamente do que a população, contradizem a base, que, em
comparação com a riqueza em expansão, está sempre se
estreitando e para a qual este imenso poder produtivo trabalha,

14 Cf. Yale Brozen, Automation and Jobs (Selected Papers of the Graduate
School of Business Administration, #18, Universidade de Chicago, 1966), ou
veja seu artigo, "Automation and Jobs", U.S. News and World Report (8 de
março de 1965); Tom Rose, "Por Que Automação?", The Freeman, XV (julho
de 1965). Para uma visão muito otimista da automação, veja Eric Hoffer, "A
Automação Está Aqui para nos Libertar", New York Times Magazine (24 de
outubro de 1965).

214
A Economia da Revolução 215
e as condições, sob as quais o capital aumenta seu valor. Esta é
a causa das crises.46

Esta linguagem não é muito clara, mas ele se expressou de


forma mais concisa em outros lugares. Na verdade, ele argumentou que
o capitalismo, por um lado, produz demais, enquanto, por outro lado,
produz muito pouco. Como ele escreveu,

o conflito deve continuar a ocorrer entre as condições


limitadas de consumo em uma base capitalista e uma produção
que sempre tende a exceder suas barreiras imanentes. Além
disso, o capital é composto por mercadorias, e portanto, a
superprodução de capital implica uma superprodução de
mercadorias.47

No entanto, na página seguinte, ele escreveu:

Não é um fato que são produzidas muitas necessidades


básicas em proporção à população existente. O oposto é
verdadeiro. Não é produzido o suficiente para satisfazer as
necessidades da grande massa de maneira decente e humana.48

Nem toda a população pode ser empregada, argumentou ele, e,


portanto, não podem obter suprimentos mínimos de bens e serviços de
consumo. Finalmente, ele concluiu:

Não é um fato que é produzida riqueza em excesso. Mas


é verdade que há superprodução periódica de riqueza em sua
forma capitalista e autocontraditória.49

Claramente, a sociedade capitalista é o pior dos mundos


possíveis: ela não pode produzir o suficiente enquanto simultaneamente
produz em excesso. Isso é verdadeiramente raciocínio dialético.

215
216 A Religião Revolucionária de Marx
Como ele explicou tais contradições evidentes no capitalismo?
Basicamente, ele contou com a rejeição da Lei de Say para explicar as
crises capitalistas: em contraste com Say, que argumentou que a
produção cria sua própria demanda e, portanto, não pode haver excesso
duradouro de mercadorias no mercado, Marx disse que deve haver tal
excesso.
Esse excesso periódico no mercado continuará e aumentará em
intensidade. Isso, em última instância, destruirá o sistema capitalista.
Produção e consumo não se equilibrarão, levando a um
superinvestimento em bens de capital, deprimindo ainda mais a taxa de
lucros capitalista.50
Deve haver uma superprodução absoluta de capital. O
funcionamento suave do sistema capitalista é, assim, um mito; na
realidade, Marx ensinou que é uma colcha de retalhos de tendências
contraditórias flagrantes que, em última instância, se desfará.
Para certos propósitos, no entanto, Marx aceitou a validade da
Lei de Say. Ele admitiu que

é um erro dizer que o consumo de necessidades da vida


não aumenta com seu barateamento.51

No entanto, o excesso de mercadorias, incluindo,


aparentemente, bens de capital, deve continuar, e Engels acrescentou
em uma nota entre parênteses que o excesso era pior na década de 1890
do que havia sido no tempo de Marx.52
A pergunta óbvia é simplesmente esta: por que os capitalistas se
recusariam a baixar seus preços o suficiente para escoar o mercado de
bens não vendidos? A Lei de Say assumia que o capitalismo o faria; se

216
A Economia da Revolução 217
eles se recusassem, naturalmente haveria um excesso. Por que eles
continuariam a produzir os tipos de bens que o mercado não absorveria
nos preços dados?
Marx afirmou que excessos poderiam ocorrer no mercado
porque a compra e venda são elos separados na cadeia de produção, e
esses dois elos podem ser rompidos. Isso produz uma crise:

Ninguém pode vender a menos que alguém compre. Mas


ninguém é imediatamente obrigado a comprar porque acabou
de vender [...] Se a separação entre a venda e a compra se torna
muito pronunciada, a conexão íntima entre elas, sua unidade, se
manifesta ao produzir - uma crise.53

Ou ainda:

A cadeia de pagamentos devidos em momentos


específicos é rompida em cem lugares, e o desastre é
intensificado pelo colapso do sistema de crédito. Assim, crises
violentas e agudas são provocadas, desvalorizações súbitas e
forçadas[...]54

No entanto, por que a cadeia quebra? Ele nunca respondeu a isso


de forma muito clara, mas sua suposição parece ter sido que os preços
dos bens são definidos por empreendedores que, por alguma razão
misteriosa, são tão teimosos que se recusam a admitir que
subestimaram seriamente o estado do mercado e que estão relutantes
em baixar os preços de seus produtos quando confrontados com
excessos no nível de preço original.
A suposição de preços flexíveis era fundamental para a
formulação da Lei de Say, mas, por alguma razão, Marx argumentou
que os capitalistas são totalmente irracionais - totalmente inconscientes

217
218 A Religião Revolucionária de Marx
da maneira de evitar perdas completas - e que a suposição original de
Say está, portanto, errada.15
O mecanismo de precificação do mercado, por alguma razão
que ele nunca conseguiu explicar, deixa de funcionar em sua alocação
de recursos escassos. Ele se recusa a responder às condições alteradas,
e o mercado é incapaz de se livrar de todos os bens oferecidos para
venda. A produção, ao contrário de Say, não criou seu próprio
consumo.55 A pergunta básica ainda permanece: por que não?
Marx atribuiu parte dos problemas ao entesouramento pelos
capitalistas (Keynes, neste século, usaria um argumento semelhante):

Para acumular capital, ele deve primeiro retirar uma


parte da mais-valia da circulação, que ele obteve dessa

15 Bernice Shoul argumentou que Marx aceitou a validade da Lei de Say em sua
análise geral do capitalismo. Ela afirma que ele fez isso para demonstrar o
colapso iminente do capitalismo em termos de sua teoria da queda da taxa de
lucro. Ao aceitar a Lei de Say, ele supostamente foi capaz de criticar o
capitalismo em termos de suas próprias premissas. Portanto, Shoul minimiza
a rejeição óbvia de Marx à Lei de Say quando ele negou que o mecanismo de
precificação possa equilibrar oferta e demanda.

Na verdade, Marx em alguns lugares assumiu a validade da Lei de Say, e em


outros casos, quando isso servia ao seu argumento particular, ele a rejeitou.
Porque Shoul se recusa a ver que Marx manteve ambas as visões é um mistério.
Talvez seja sua recusa, como muitos outros estudiosos simpáticos aos
trabalhos de Marx, em ver as contradições flagrantes presentes no sistema de
um pensador supostamente brilhante. Bernice Shoul, "Karl Marx e a Lei de
Say", Quarterly Journal of Economics LXXI (1957); reimpresso em Joseph J.
Spengler e William R. Allen (eds.), Essays in Economic Thought: Aristotle to
Marshall (Chicago: Rand McNally, 1960).

218
A Economia da Revolução 219
circulação na forma de dinheiro, e deve entesourá -lo até que
tenha aumentado suficientemente para a expansão de seu antigo
negócio ou a abertura de uma linha lateral. Enquanto a
formação do tesouro continuar, ela não aumenta a demanda do
capitalista. O dinheiro está então inativo.56

Ele fez, no entanto, uma suposição absurda:

O crédito não é considerado aqui. E o crédito inclui o


depósito, por parte do capitalista, do dinheiro acumulado em
um banco com o pagamento de juros, conforme mostrado por
uma conta corrente.57

No entanto, nenhuma empresa capitalista moderna reserva uma


pilha de dinheiro para algum investimento futuro. Ou é depositado em
um banco ou é investido em algum título ou vínculo de curto prazo. Em
alguns casos, grandes corporações realmente entram no mercado de
empréstimos com capital excedente (o plano de pagamento a prazo da
General Motors é um exemplo). Mas nenhum capitalista realmente
entesoura dinheiro em espécie.
A explicação de Marx da crise em termos de entesouramento é
sem sentido; a única vez que as pessoas entesouram dinheiro em papel
é quando esperam uma queda rápida no nível de preços. Isso pode
acentuar uma depressão, é claro, mas não pode causá-la; Marx deixa de
explicar por que, em um instante, todos os capitalistas entesourariam
seu dinheiro em papel.
A única outra fonte importante de entesouramento é o
entesouramento de metais preciosos, que ocorre durante um período de
inflação em massa. No entanto, isso pouco afeta o nível de preços, já

219
220 A Religião Revolucionária de Marx
que a porcentagem de metais monetários na economia diminui
rapidamente em qualquer inflação.16
De qualquer forma, esses períodos inflacionários nunca são
caracterizados por excesso de mercadorias; são períodos de escassez de
bens duráveis em comparação com a demanda. Finalmente, mesmo na
suposição de que o entesouramento temporariamente diminuiria a
demanda, por que isso quebraria a "cadeia de troca"?
Por que os preços não cairiam para compensar as novas
condições, limpando assim o mercado? Se o mercado é livre para
aumentar ou diminuir seus preços, então o entesouramento não pode
explicar a existência dos ciclos comerciais.17
A explicação mais convincente de Marx sobre a causa do
superinvestimento, ou seja, o mau investimento, é encontrada nas

16 Gary North, "A Ética do Acúmulo Monetário", [em An Introduction to


Christian Economics, p. 203].
17 Para uma refutação indireta de Marx sobre este ponto e uma refutação explícita
de Keynes, veja W. H. Hutt, "A Natureza da Coordenação Através do Sistema
de Preços", capítulo 4 de seu livro, Keynesianism: Retrospect and Prospect
(Chicago: Regnery, 1963). Cf. F. A. Hayek, Prices and Production (Londres:
Routledge e Kegan Paul, 1935); Murray N. Rothbard, Man, Economy and
State, pp. 679-87.

Se o mercado não é livre para elevar ou baixar preços, então não é mais um
mercado livre, e, portanto, as "tendências inevitáveis" do capitalismo para uma
crise devido a uma quebra do mecanismo de troca não são, de fato, inevitáveis
sob o capitalismo, mas apenas sob alguma forma de intervencionismo estatal.

220
A Economia da Revolução 221
seções de "O Capital" que lidam com o papel do crédito na economia.
Ele atribuiu a superprodução à expansão do sistema de crédito:

houve uma superprodução geral, promovida pelo crédito


e pela inflação de preços que a acompanha.58

Enquanto o processo de reprodução estiver em curso e o


refluxo estiver assegurado, esse crédito perdura e se estende, e
sua extensão é baseada na extensão do próprio processo de
reprodução. Assim que ocorre uma interrupção, em
consequência de retornos atrasados, mercados abarrotados,
preços em queda, há um excesso de capital industrial, mas em
uma forma em que não pode desempenhar suas funções.

É uma massa de capital mercantil, mas invendável. É


uma massa de capital fixo, mas em grande parte desempregada
devido ao entrave na reprodução. O crédito é contraído porque
este capital está desempregado, ou seja, para em uma de suas
fases de reprodução, incapaz de completar sua metamorfose; e
porque a confiança na continuidade do processo de reprodução
foi abalada; e porque a demanda por este crédito comercial
diminui [...]

Portanto, se essa expansão for perturbada, ou mesmo se


o esforço normal do processo de reprodução for infringido, o
crédito também se torna escasso; torna-se mais difícil obter
mercadorias a crédito. A demanda por pagamento em dinheiro
e a prudência observada em relação às vendas a crédito são
características dessa fase do ciclo industrial, que segue uma
crise.59

De maneira surpreendente, essa explicação das crises se


assemelha à teoria do ciclo econômico neo-austríaca apresentada neste

221
222 A Religião Revolucionária de Marx
século pelos defensores do livre mercado Ludwig von Mises e F. A.
Hayek.
Mises desenvolveu os argumentos da "Currency School" do
século XIX, e é pelo menos possível que Marx tenha sido influenciado
por esse grupo de pensadores econômicos. Em qualquer caso, Marx
acreditava que o sistema de crédito é uma falha fundamental do
capitalismo, mas não do socialismo.

Assim que os meios de produção deixam de ser


convertidos em capital (o que inclui também a abolição da
propriedade privada da terra), o crédito como tal deixa de ter
qualquer significado.60

Essa é uma afirmação estranha; a função do crédito, a de


disponibilizar capital para a indústria por meio de poupanças,
certamente é importante em qualquer sistema econômico, mesmo se o
estado ou a "associação" fizerem a poupança.
No entanto, Marx pode ter tido em mente apenas a ideia de que
a banca de reserva fracionada cessaria sob o socialismo. Ele
ridicularizou todos os sistemas monetários não baseados em metais
preciosos (um fato que pode surpreender muitos leitores), pois
acreditava que o crédito ou moeda em papel sem lastro é uma fraude
fundamental do capitalismo. Como toda banca de reserva fracionada se
baseia na expansão da moeda e do crédito além das reservas de ouro e
prata disponíveis, o sistema deve ser condenado. 61
Sua crítica foi muito mais profunda, no entanto; Marx
argumentou que, sob o comunismo, não haveria dinheiro. O dinheiro é
o próprio símbolo dos males do capitalismo - o próprio sinal da

222
A Economia da Revolução 223
produção alienada - e uma das glórias do comunismo pleno seria a
abolição do dinheiro.
Aqui está a falha central de todos os sistemas socialistas: como
pode ocorrer a alocação de recursos escassos em uma sociedade
desprovida de dinheiro? Veja o apêndice sobre "Cálculo Econômico
Socialista" para uma discussão mais detalhada desse problema.
Não haveria dinheiro e nem dívida; a dívida é uma forma de
escravidão econômica e nunca poderia existir na nova sociedade. 62
Segundo a visão de Marx, os banqueiros não são nada mais que
"bandidos honoráveis."63 O capital dos comerciantes é simplesmente
"um sistema de roubo…"64 Nada disso existirá no mundo após a
Revolução.
Assim, o sistema de Marx contém várias teorias sobre o colapso
do capitalismo. A queda da taxa de lucro é uma causa, e outra é a
suposta contradição entre produção e consumo. Há superprodução tanto
de bens de capital quanto de bens de consumo; simultaneamente, há
escassez das necessidades básicas para as massas da sociedade. A super
expansão do crédito é uma terceira causa.
Onde quer que Marx olhasse, via contradições, todas apontando
para a inevitável conflagração iminente e a restauração de uma
sociedade livre das dores da produção alienada. O proletariado tomaria
as rédeas da produção da classe capitalista e, ao fazer isso, os
trabalhadores remodelariam a sociedade.
Nada poderia salvar o capitalismo, e nada deveria salvá-lo.
Ele cumpriu seu propósito na história mundial global,
expandindo vastamente a capacidade produtiva da sociedade industrial,

223
224 A Religião Revolucionária de Marx
mas suas contradições só permitirão sua existência por um curto
período.
O capitalismo, tanto ele quanto Engels argumentaram, mostrou
aos homens como organizar a produção socialmente na fábrica; agora,
o proletariado será capaz de organizar a distribuição socialmente,
removendo o processo de distribuição da "anarquia" do livre mercado.18
A anarquia da competição capitalista será substituída pela
ordem do planejamento socialista.19 Nunca foi explicado exatamente
como a sociedade será capaz de regular a produção sem um Estado e

18 Sobre as supostas contradições entre "produção fabril socializada" e


"distribuição de mercado anarquista", veja O Capital, 1, p. 391; 3, pp. 673,
1027. [O Capital, I, p. 396; 3, pp. 574, 881.] Engels tornou isso um ponto
fundamental em sua explicação do sistema Marxiano: Anti-Dühring, pp. 296-
301. [Collected Works, 25, pp. 256-61.] Murray N. Rothbard comentou sobre
essa suposta separação: "'Distribuição pessoal' - quanto dinheiro cada pessoa
recebe do sistema produtivo - é determinada, por sua vez, pelas funções que
ele ou sua propriedade desempenham no sistema. Não há separação entre
produção e distribuição, e é completamente errôneo para os escritores tratarem
o sistema produtivo como se os produtores despejassem seu produto em algum
estoque, para ser 'distribuído' de alguma forma para as pessoas na sociedade.
'Distribuição' é apenas o outro lado da moeda da produção no mercado." Man,
Economy and State, p. 555.
19 O Capital, 1, pp. 90-91; 3, pp. 220-21, 673, 954. [O Capital, 1, pp. 78-79; 3,
pp. 186-88, 573-74, 820.] Engels, Anti-Dühring, pp. 169, 311. [Collected
Works, 25, pp. 138-39.] A "anarquia" do mercado de alguma forma garante
que cada manhã alguém receba seu jornal, um feito incrível quando se
considera a complexidade intrincada de toda a operação. Uma ordem no tável
é exibida para um sistema tão "anárquico".

224
A Economia da Revolução 225
sem cálculos monetários, mas Marx e Engels assumiram por fé que o
problema poderia ser superado eventualmente.
Eles sempre afirmaram que não estavam no negócio de elaborar
planos para o futuro socialista; para eles, era o bastante demonstrar que
o sistema presente é corrupto e condenado à destruição. As
contradições inerentes ao capitalismo levarão a uma resolução final
dentro de uma nova forma social e econômica; de fato, as próprias
contradições são a fonte das mudanças desejadas.
Como ele escreveu no volume 1 de O Capital,

o desenvolvimento histórico dos antagonismos imanentes


em uma dada forma de produção é a única maneira pela qual
essa forma de produção pode ser dissolvida e uma nova forma
estabelecida.65

Foi conveniente para Marx que o sistema social que ele


acreditava ser uma necessidade moral surgiria inevitavelmente do
sistema que ele sempre odiou. É sempre agradável descobrir que os
objetivos morais podem ser comprovados como historicamente
inevitáveis por meio de uma análise neutra e científica. E uma vez que
suas ferramentas são aceitas como sendo cientificamente precisas e
válidas, sua lógica e seus dados empíricos arrastarão o leitor para sua
conclusão inevitável.
Suas conclusões derivam de suas pressuposições; na realidade,
suas conclusões são determinadas desde o início por suas
pressuposições. Não há escapatória, dadas as primeiras premissas que
ele estabelece.

225
226 A Religião Revolucionária de Marx

A crítica de Böhm-Bawerk
Foi uma infelicidade para Marx ter um contemporâneo como
Eugen von Böhm-Bawerk, talvez o economista mais logicamente
rigoroso e erudito do último século. Pouco depois da morte de Marx,
foi publicada a obra de Böhm-Bawerk, "História e Crítica das Teorias
de Juros", que continha uma seção devastadora sobre a teoria da
exploração de Marx, ou seja, a mais-valia. Isso foi em 1884.
O terceiro volume de "O Capital" foi publicado em 1894; dois
anos depois, Böhm-Bawerk publicou seu ensaio clássico sobre o
sistema marxista (Karl Marx e o Fechamento de seu Sistema). Os
marxistas nunca se recuperaram desse golpe, apesar de sete décadas de
tentativas de resposta.
O problema básico, que se provou impossível de resolver, é que
a lei de valor de Marx contradiz o fato empiricamente óbvio de uma
taxa média de lucro na indústria. Böhm-Bawerk destacou isso em seu
capítulo preliminar em 1884, e ele elaborou sobre o assunto em 1896.
Entre 1884 e 1894, Engels conduziu de fato uma competição
literária (voltada principalmente para os seguidores de Rodbertus) para
descobrir alguém que pudesse oferecer uma solução para o problema.
Ninguém na década conseguiu levar o prêmio.20

20 Uma lista desses ensaios é encontrada no ensaio de 1896 de Bohm -Bawerk,


que geralmente é traduzido como Karl Marx and the Close of His System.
Estou usando uma edição mais recente, "Contradição Não Resolvida no

226
A Economia da Revolução 227

Lucro: Sem Explicação Consistente


A questão que Marx enfrentou era simplesmente esta: sua
definição da taxa de mais-valia não estava de acordo com sua
explicação da taxa de lucro. Ele definiu mais-valia como o tempo de
trabalho adicional no processo de produção além do trabalho necessário
para produzir o salário-mínimo de subsistência do trabalhador.
O capitalista apropria-se do valor desse trabalho adicional, que
é a única fonte de seus lucros. A taxa de mais-valia foi definida como a
mais-valia dividida pelo salário: s/v. A taxa de lucro é algo
completamente diferente.
Marx a definiu como a relação entre a mais-valia e o capital total
investido, incluindo o capital constante: s/c+v. Em outras palavras, o
capitalista calcula seu retorno não em termos de mais-valia como tal,
mas em termos dos lucros de sua indústria em comparação com seu
investimento de capital total.
Obviamente, se ele emprega apenas um homem para operar uma
máquina de vários milhões de dólares, ele só pode extrair seu lucro do
tempo de trabalho excedente contribuído por esse único homem; o
capitalista sairia do negócio muito rapidamente se a teoria de Marx
estivesse correta. Isso levanta um problema distinto, como Böhm-
Bawerk apontou com efeito tão devastador.

Sistema Econômico Marxista"; em The Shorter Classics of Bohm -Bawerk


(South Holland, Illinois: Libertarian Press, 1962), vol. 1, p. 210n. [A
Libertarian Press está agora localizada em Spring Mills, Pensilvânia.]

227
228 A Religião Revolucionária de Marx
Considere, disse Böhm-Bawerk, o exemplo favorito de Marx:
existe uma indústria em que os trabalhadores recebem seus salários nas
primeiras seis horas de trabalho, mas são obrigados a trabalhar seis
horas adicionais para o capitalista.
A taxa de mais-valia é s/v, ou 6 hrs/6 hrs, ou 100 por cento. No
entanto, sabemos que diferentes indústrias têm diferentes composições
orgânicas de capital. Uma indústria pode ser intensiva em mão de obra,
com 20 c (capital constante) e 80 v (salários). Outras podem ser
intensivas em máquinas: 70 c e 30 v.
A indústria moderna, é claro, tende a se encaixar nesta última
categoria. Marx estava ciente do problema, e ele construiu várias
tabelas para demonstrá-lo e sua suposta solução. A primeira tabela
explorou indústrias com taxas iguais de mais-valia.

Böhm-Bawerk comentou sobre esta tabela e suas implicações:

Vemos que esta tabela mostra, nas diferentes esferas de


produção onde a exploração do trabalho foi a mesma, taxas de
lucro muito diferentes, correspondentes à diferente composição
orgânica dos capitais.66

228
A Economia da Revolução 229
No entanto, tal fenômeno é desconhecido na indústria. As taxas
de lucro das várias indústrias no gráfico variam de 5% a 40%. Por que
qualquer capitalista inteligente permaneceria em uma indústria
altamente mecanizada que proporciona apenas 5% de lucro, quando ele
pode investir seu dinheiro em algum projeto intensivo em mão de obra
e obter um retorno de 40%?
Como argumentou Bohm-Bawerk:

Sua teoria exige que capitais de igual montante, mas de


composição orgânica dissimilar, exibam lucros diferentes. O
mundo real, no entanto, mostra claramente que é regido pela lei
de que capitais de igual montante, sem levar em consideração
possíveis diferenças de composição orgânica, geram lucros
iguais.67

Marx Sabia que Estava em Apuros


Não há absolutamente dúvida de que Marx reconheceu essa
contradição muito cedo. Ele não precisava que um Böhm-Bawerk o
apontasse para ele. Ele o admitiu em uma carta para Engels em 1868, e
acreditava ter descoberto uma solução para isso. 68 Ele dedicou toda a
Parte II do Volume 3 de O Capital apenas a essa questão. 69 Na verdade,
a declaração de Marx sobre o problema foi tão contundente quanto a de
Böhm-Bawerk, e este a citou na íntegra.70

Demonstramos que diferentes setores industriais podem


ter taxas de lucro diferentes, correspondendo às diferenças na
composição orgânica do capital e, dentro dos limites indicados,
também correspondendo a diferentes tempos de rotação; a lei
(como uma tendência geral) de que os lucros são proporcionais
às magnitudes dos capitais, ou que capitais de magnitude igual

229
230 A Religião Revolucionária de Marx
rendem lucros iguais em tempos iguais, aplica -se apenas a
capitais da mesma composição orgânica, com a mesma taxa de
mais-valia e o mesmo tempo de rotação.

E essas afirmações são válidas sob a suposição, que foi


a base de todas as nossas análises até agora, de que as
mercadorias são vendidas pelos seus valores. Por outro lado,
não há dúvida de que, além de distinções não essenciais,
acidentais e mutuamente compensadoras, uma diferença na taxa
média de lucro dos vários setores industriais não existe na
realidade e não poderia existir sem abolir todo o sistema de
produção capitalista.

Pareceria, então, que a teoria do valor é irreconciliável


neste ponto com o processo real, irreconciliável com os
fenômenos reais da produção, de modo que teríamos que
desistir da tentativa de entender esses fenômenos. 71

Então Marx lançou o desafio a si mesmo:

Como essa equalização dos lucros em uma taxa média de


lucro é realizada, visto que é evidentemente um resultado, não
um ponto de partida? 72

Ele usou dois gráficos adicionais para mostrar o que estava


envolvido. O primeiro mostrou que era necessário encontrar uma taxa
média de lucro para a indústria, e, portanto, ele assumiu que uma
composição orgânica média do capital precisava existir em teoria,
embora não na prática. [Essas caixas aparecem no volume 3, p. 185;
edição de 1967, pp. 156, 157.]

230
A Economia da Revolução 231

Neste gráfico, Marx apresentou uma suposição mais realista, de


que todo o capital constante não foi usado em um único período;
portanto, o capital constante utilizado na indústria I não é o total de 80
c, mas apenas 50 c (capital constante utilizado) + 20 v (salários) + 20 s
(mais-valia acumulada para o capitalista).
O preço de custo, é claro, é o preço menos a mais-valia, ou 70.
Ao adicionar o capital total investido em todas as indústrias, obtemos
um valor de 500. A mais-valia total acumulada pelos capitalistas como
um grupo é 110.
A taxa de lucro, então, é s/c+v = 110/500 = 22 por cento. Esta é
a taxa de lucro média para todas as indústrias e deve pressupor a
existência de uma razão média de capital constante para capital
variável: 78 c e 22 v. Essa suposição, no entanto, é uma
impossibilidade; todo o problema é que tal composição orgânica média
de capital não pode existir no mundo real.
O terceiro gráfico pressupõe que a taxa média de lucro, de 22
por cento, está em operação em todas as indústrias. É aqui que a teoria
do valor-trabalho desmorona; se o trabalho é suposto ser a única fonte
de valor, e os preços devem refletir esse valor diretamente (já que
valores iguais são supostos serem trocados por iguais), então não

231
232 A Religião Revolucionária de Marx
deveria haver desvio de preços em relação aos valores. Infelizmente,
isso ocorre.

O preço de custo das mercadorias no exemplo I é de 70. A taxa


média de lucro é de 22 por cento. Portanto, o preço de mercado deve
ser 92: 70 + 22 (.22 x 100). No gráfico anterior, foi demonstrado que o
valor real das mercadorias é 90 (50 c + 20 v + 20 s). Assim, o desvio
do preço real de 92 em relação ao preço de valor de 90 é + 2. Se a teoria
do valor-trabalho estivesse correta, não poderia haver tal desvio.

A Teoria do “Preço de Produção”


Ao explicar essa contradição óbvia, Marx recorreu à ideia de
uma teoria de "preço de produção". Essa mesma saída já havia sido
utilizada tanto por Adam Smith quanto por David Ricardo, embora
Marx rejeitasse o uso de uma abordagem semelhante. 73 Primeiro, ele
admitiu o problema:

Uma parte das mercadorias é vendida na mesma


proporção em que a outra é vendida abaixo de seus valores.74

232
A Economia da Revolução 233
Esta declaração está em oposição absoluta à sua suposição
básica no volume I:

A criação de mais-valia, e, portanto, a conversão de


dinheiro em capital, não pode ser explicada nem com a
suposição de que as mercadorias são vendidas acima de seu
valor, nem com a suposição de que são compradas abaixo de
seu valor.75

Marx continuou:

E somente a venda delas a tais preços torna possível que


a taxa de lucro para todos os cinco capitais seja uniformemente
de 22%, independentemente da composição orgânica desses
capitais.76

No entanto, por sua própria definição, o lucro só pode ser


calculado em termos da composição orgânica do capital: s/c+v.

Os preços que surgem ao tirar a média das várias taxas


de lucro nas diferentes esferas de produção e adicionar essa
média aos preços de custo das diferentes esferas de produção
são os preços de produção.

Eles estão condicionados à existência de uma taxa média


de lucro, e isso, por sua vez, repousa na premissa de que as
taxas de lucro em cada esfera de produção, consideradas
isoladamente, foram previamente reduzidas a tantas taxas
médias de lucro.77

Finalmente, ele definiu seus termos:

O preço de produção de uma mercadoria, então, é igual


ao seu preço de custo mais uma porcentagem de lucro

233
234 A Religião Revolucionária de Marx
distribuída de acordo com a taxa média de lucro, ou, em outras
palavras, igual ao seu preço de custo mais o lucro médio .78

Ele então usou a analogia de uma enorme empresa nacional de


estoques para resolver o problema; essa agregação grosseira foi sua
resposta básica:

Enquanto os capitalistas nas várias esferas de produção


recuperam o valor do capital consumido na produção de suas
mercadorias por meio da venda delas, eles não garantem a
mais-valia e, consequentemente, o lucro criado em sua própria
esfera pela produção dessas mercadorias, mas apenas a
quantidade de mais-valia e lucro que cabe a cada parte alíquota
do capital social total fora da mais-valia social total, ou do
lucro social produzido pelo capital total da sociedade em todas
as esferas de produção. [...]

Os vários capitalistas, no que diz respeito aos lucros, são


como acionistas em uma empresa de capital aberto na qual as
ações de lucro são uniformemente divididas para cada 100
ações de capital, de modo que os lucros diferem no caso dos
capitalistas individuais apenas de acordo com a quantidade de
capital investido por cada um deles na empresa social, de
acordo com seu investimento na produção social como um todo,
de acordo com suas ações.79

Mas que tipo de resposta é essa? Os capitalistas, exceto em


casos de cartéis muito limitados, nunca agem dessa maneira. Eles
competem entre si, recebendo seus lucros ou sofrendo suas perdas de
acordo com a posição competitiva de seus estabelecimentos
individuais.

234
A Economia da Revolução 235
Se os capitalistas realmente agissem como se fossem membros
de uma enorme empresa de capital aberto, por que algum deles deveria
ter prejuízos? Se a empresa faz parte de um enorme agregado,
recebendo automaticamente sua parte da taxa média de lucro, então ela
nunca deveria falir. Mas um dos principais princípios da fé marxista é
que os capitalistas se tornam cada vez mais competitivos, eliminando
seus concorrentes sempre que possível.
A competição "selvagem" desses industrialistas "implacáveis" -
a visão que cativou Marx no volume I - agora aparece em uma forma
modificada: os acionistas de uma empresa feliz podem receber
automaticamente sua parte dos lucros médios. Böhm-Bawerk explodiu
para sempre esse argumento agregado: não há tal soma nacional de
lucro comum da qual cada capitalista corta sua parte. 80 É uma
concepção totalmente estática de lucro.

Volume 1 vs. Volume 3


Marx admitiu apenas que

As declarações anteriores são, de fato, uma modificação


da nossa suposição original sobre a determinação do preço de
custo das mercadorias.81

Foi mais do que uma modificação; foi uma refutação total de


sua posição anterior. Ele argumentara antes que o valor de uma
mercadoria e seu preço precisavam ser iguais; sua teoria do mais-valor
foi oferecida precisamente como uma solução para o problema dos
lucros do capitalismo surgindo em uma economia em que valores iguais
devem ser trocados por iguais.

235
236 A Religião Revolucionária de Marx
No entanto, no volume 3, ele apresentou como mera
modificação a afirmação de que

o preço de produção pode variar do valor de uma


mercadoria[...]82

Böhm-Bawerk destacou a questão, pois não estava disposto a


permitir que Marx escapasse de uma contradição absoluta, como se a
revisão posterior fosse apenas uma modificação da anterior:

Existem duas alternativas possíveis. A primeira


alternativa é que um sistema permanente de troca seja
realmente estabelecido, pelo qual os bens sejam trocados por
valores proporcionais ao trabalho que as respectivas
mercadorias representam, e pelo qual, além disso, a magnitude
dos proventos excedentes a serem derivados da produção seja
realmente determinada pela quantidade de trabalho gasto.

Se essa alternativa prevalecer, então qualquer


equalização da proporção dos proventos excedentes para o
capital é impossível. A segunda alternativa é que tal equalização
ocorra. Se essa alternativa prevalecer, então os produtos não
podem continuar sendo trocados por valores proporcionais ao
trabalho que representam [...]83

Ele então desferiu o golpe intelectual final:

Eu não posso me ajudar; eu vejo aqui não uma


explicação e reconciliação de uma contradição, mas a própria
contradição nua. O terceiro volume de Marx contradiz o
primeiro. A teoria da taxa média de lucro e dos preços de
produção não pode ser reconciliada com sua teoria do valor.84

236
A Economia da Revolução 237
Ele então prosseguiu demolindo as quatro patéticas tentativas
de Marx de encontrar algum tipo de solução, e o leitor é convidado a
procurar essas refutações para estudo mais aprofundado. 85

Revisões Desesperadas
A posição de Böhm-Bawerk nunca foi refutada com sucesso.
Houve inúmeras tentativas por parte de marxistas e outros de redefinir
a economia de Marx para evitar as críticas contundentes de Böhm-
Bawerk, mas nenhuma delas prevaleceu; os marxistas nunca
concordaram com nenhuma dessas várias alternativas.
Uma das reconstruções mais famosas foi apresentada por L. von
Bortkiewicz perto do início do século XX. Sua resposta foi muito
detalhada e complexa, abordando uma parte difícil do mais obscuro
volume 2 de O Capital.
Paul Sweezy, o principal economista marxista vivo nos Estados
Unidos, adotou essa solução numa esperança desesperada de salvar o
sistema de Marx, mas Paul Samuelson mostrou a insuficiência da
tentativa de Bortkiewicz. Na verdade, Samuelson conclui que a teoria
de produção de Bortkiewicz não está muito distante da de Böhm-
Bawerk!21

21 Paul Samuelson, "Salários e Juros: Uma Dissecção Moderna dos Modelos


Econômicos Marxianos", American Economic Review, XLVII (1957), pp.
890-92. Cf. Paul M. Sweezy, The Theory of Capitalist Development (Nova
York: Monthly Review Press, [1942] 1964), pp. 115 -25. Sweezy incluiu um

237
238 A Religião Revolucionária de Marx
G. D. H. Cole argumentou que a teoria de valor de Marx não era
uma explicação de preços de forma alguma! Era apenas uma teoria da
exploração capitalista.86 Ele deixa de mencionar que a teoria de
exploração de Marx foi escrita apenas em termos de uma teoria de
preços capitalistas.
Marx teria ficado surpreso ao descobrir que todo o seu tempo
gasto calculando dados de preços, examinando estatísticas no Museu
Britânico e formulando sua teoria de troca - um sistema baseado no
mecanismo de preços - foi gasto em vão. O argumento de Cole é
certamente único.
Talvez a revisão mais surpreendente seja a contribuição mais
recente de Sweezy. Não apenas Marx não estava falando sobre uma
teoria de preços, ele realmente não estava interessado em explicar a
economia capitalista em termos da teoria econômica clássica:

Os primeiros nove capítulos de O Capital, agora é


amplamente reconhecido [?!], não estão principalmente
preocupados com valor de troca ou preços no sentido da
economia clássica ou neoclássica, mas sim com o que hoje
poderia ser chamado de sociologia econômica.87

Pobre Marx; ele realmente imaginava que seu sistema era


completo. Ele achava que tinha construído um arcabouço teórico que

dos ensaios de Borkiewicz em sua edição de Karl Marx and the Close of His
System de Bohm-Bawerk (Nova York: Augustus Kelley, 1949). Outra
tentativa nessa linha é Ronald L. Meek, "Algumas Notas sobre o 'Problema da
Transformação'", Economic Journal, LXVI (1956), pp. 94-107. Este ensaio foi
reimpresso em Spengler e Allen (eds.), Essays in Economic Thought.

238
A Economia da Revolução 239
demonstrava todas as contradições do capitalismo, quer econômicas ou
sociais. Ele realmente acreditava que era um economista que usava as
pressuposições de Adam Smith e Ricardo para demonstrar com suas
próprias ferramentas intelectuais que o capitalismo está condenado.
Mas seus seguidores provaram para sua própria satisfação que
Marx realmente não havia conseguido isso, mesmo que ele não tivesse
tentado fazer isso; ele era principalmente um sociólogo, e não um
economista clássico.
Estranho, nessas circunstâncias, que Marx estivesse tão
preocupado no volume 3 com sua esperançosa demonstração da
validade básica do esboço econômico do volume 1. Para um sociólogo
que supostamente não estava interessado na teoria dos preços, ele
certamente lutou por muitas páginas com um problema que não teria
surgido a não ser pelo fato de envolver a relação da teoria de valor
clássica com o mecanismo de preços do capitalismo.
As tentativas de revisão do sistema de Marx são um testemunho
de pelo menos duas coisas:
1. a contradição absoluta no sistema econômico original de
Marx; e
2. a falta de disposição dos estudiosos marxistas em
encarar a verdade básica.
Como não conseguem resolver o problema, tentam argumentar
que Marx nunca se preocupou com tais questões ou que, mesmo que
estivessem presentes na mente de Marx, não eram fundamentais para
sua perspectiva, apesar de Marx considerá-las de enorme importância.

239
240 A Religião Revolucionária de Marx
A erudição, neste século, nem sempre foi fiel à ideia de uma
verdade rigorosa - mesmo uma verdade definida pelos cânones do
pensamento secular. Como Samuelson aconselha:

Marxólatras, para usar o termo de Shaw, devem prestar


atenção ao preceito básico válido em todas as sociedades:
minimizem suas perdas!88

Gottfried Haberler, um dos economistas mais respeitados dos


Estados Unidos, ofereceu esta avaliação dos esforços de Böhm-
Bawerk:

Na minha opinião, o trabalho de Böhm-Bawerk é até hoje


a análise mais convincente e lúcida da teoria marxista de valor,
preço, capital e juros. ... A crítica de Böhm-Bawerk, que vai, é
claro, além da demonstração de uma contradição interna para
mostrar as falhas básicas da teoria, é totalmente convincente e
nunca foi refutada.89

Nenhuma homenagem mais apropriada poderia ser prestada a


um mestre economista por um de seus pares; é um memorial há muito
merecido a um lógico brilhante após meio século de "refutações"
confusas e vivificação aberta por parte daquelas cujas pressuposições
marxistas interferiram em seus processos de raciocínio. 22

22 Em uma carta para mim datada de 4 de março de 1967, o Professor Hans


Sennholz escreve:

240
A Economia da Revolução 241

Empreendedorismo e Lucro
Marx procurou uma solução para a questão do lucro, e, como
vimos, ele não conseguiu encontrá-la. Ele assumiu a existência de uma
taxa nacional de lucro que é produzida pela competição de todos os
capitalistas. A solução não era uma solução real, mas colocava as ideias
da competição capitalista no centro de sua análise econômica.
Ao longo da maior parte de sua análise econômica, como Bober
apontou, Marx tinha uma visão pessimista das funções do empresário
capitalista.90 Marx acreditava que, à medida que o capitalismo se
desenvolvesse, o empresário capitalista começaria a perder sua função:

Um exército industrial de trabalhadores, sob o comando


de um capitalista, requer, como um exército real, oficiais

É uma indicação da incrível superficialidade do


pensamento contemporâneo que economistas respeitados
possam negar as contradições marxistas de fato e realidade.
Certamente o erro marxista é tão importante hoje quanto era há
85 anos, quando Böhm-Bawerk escreveu suas respostas.

Se Marx estivesse certo para o 'agregado', então acredito


que capitais de igual quantidade e composição orgânica similar
em qualquer lugar do mundo teriam que produzir rendimentos
iguais. Um capital mexicano e americano de composição
idêntica teriam que produzir o mesmo retorno, o que novamente
contradiz a realidade. Buscar refúgio na macroeconomia para
escapar de deduções microeconômicas é admitir a falta de uma
resposta lógica.

241
242 A Religião Revolucionária de Marx
(gerentes) e sargentos (mestres, supervisores), que, enquanto o
trabalho está sendo feito, comandam em nome do capitalista. O
trabalho de supervisão torna-se sua função estabelecida e
exclusiva.91

Uma declaração feita por Engels foi ainda mais explícita:

Se a crise revelou a incapacidade da burguesia de


controlar mais as modernas forças produtivas, a conversão das
grandes organizações de produção e comunicação em
companhias por ações e propriedade estatal mostra que, para
esse propósito, a burguesia pode ser dispensada.

Todas as funções sociais dos capitalistas são agora


desempenhadas por funcionários assalariados. O capitalista
não tem mais nenhuma atividade social além de embolsar
receitas, cortar cupons e jogar na Bolsa de Valores, onde os
diferentes capitalistas espoliam uns aos outros de seu capital.

Assim como inicialmente o modo de produção capitalista


deslocou os trabalhadores, agora ele desloca os capitalistas,
relegando-os, assim como fez com os trabalhadores, à
população excedente, mesmo que, em primeiro lugar, não à
reserva industrial do exército.92

À medida que o capitalismo avança, o gerente assalariado


substitui o empresário capitalista: esta é a tese básica do marxismo em
relação à função do empreendedorismo. Marx não fazia distinção
funcional entre o empreendedor e o gerente. Isso sempre foi uma falha
fatal no marxismo, pois torna impossível para o marxista explicar a

242
A Economia da Revolução 243
natureza e a função do lucro em uma economia. 23 A visão de Marx
sobre os lucros capitalistas dependia de sua crença de que todo lucro
decorre da exploração do trabalho humano vivo.
No entanto, com base nessa pressuposição, Marx foi incapaz de
explicar fenômenos como juros, lucros auferidos pelos proprietários de

23 A visão de Lenin sobre o empreendedorismo era particularmente ingênua. Ele


reduzia a economia a mera contabilidade:

Contabilidade e controle - essas são as principais coisas


necessárias para a organização e funcionamento correto da
primeira fase da sociedade comunista. Todos os cidadãos são
transformados em empregados contratados do estado, que é
composto por trabalhadores armados.

Todos os cidadãos tornam-se empregados e


trabalhadores de um único 'sindicato' estatal nacional. Tudo o
que é necessário é que trabalhem igualmente, façam
regularmente sua parte do trabalho e recebam pagamento igual.

A contabilidade e o controle necessários para isso foram


simplificados pelo capitalismo ao máximo, até se tornarem as
operações extraordinariamente simples de observar, registrar e
emitir recibos, ao alcance de qualquer pessoa que saiba ler e
escrever e conheça as quatro primeiras regras da aritmética.

Isso ele escreveu em Estado e Revolução em 1917 (Nova York: International


Publishers, 1943), pp. 83-84. Não é de se admirar que, após quatro anos de
gestão econômica baseada nessa crença, a economia da nova União Soviética
entrou em colapso, tornando necessária a reintrodução de pelo menos a
propriedade privada limitada e o planejamento sob a Nova Política Econômica
(NEP).

243
244 A Religião Revolucionária de Marx
terras não desenvolvidas e o alto valor de diamantes e outras gemas
preciosas que, em seu estado natural, praticamente não têm trabalho
humano presente nelas.
Ele não tinha, em resumo, nenhuma teoria de lucros capitalistas
que se encaixasse nos fatos econômicos. A única que ele tinha foi
efetivamente descartada no volume 3 de O Capital quando ele
abandonou a rígida teoria do mais-valor que havia formulado no
volume 1. Sua "lei do valor" pressupôs uma taxa de lucro prevalente
sem fazer nada para explicar sua origem (além da simples competição).
A teoria econômica moderna vê o lucro como resultado do
planejamento empreendedor. Essa teoria foi exposta de maneira
contundente por Frank H. Knight em sua monumental obra "Risco,
Incerteza e Lucro" (1921).93
Ela argumenta que o lucro puro decorre da capacidade de alguns
empreendedores preverem o estado do mercado com mais precisão do
que seus concorrentes. Eles podem, assim, colher um excedente de
renda sobre os gastos com capital, salários e juros.
O lucro, em outras palavras, deriva do fato da incerteza. Sem
essa função empreendedora - a tarefa de fazer previsões precisas sobre
o futuro e planejar de acordo - não haveria lucros no livre mercado do
capitalismo.94
A tarefa do gerente é simplesmente executar as decisões
tomadas pelos empreendedores. Embora a função da gestão inclua em
parte o empreendedorismo (assim como a função do empreendedor
inclui em parte a gestão), os gerentes não desempenham a tarefa
fundamental em uma empresa orientada para o lucro.

244
A Economia da Revolução 245
Nessa teoria, o sucesso do empreendedor depende diretamente
de sua habilidade em prever o futuro e planejar para ele. Aqueles menos
bem-sucedidos nessa tarefa serão forçados a sair do negócio por meio
da competição incessante do mercado aberto.
Nessa perspectiva, todas as sociedades precisam de
empreendedores; enquanto os homens não forem oniscientes em
relação às futuras necessidades e desejos da população, a função
empreendedora deve ser desempenhada por alguém.
O mercado livre, com seus incentivos de lucro e prejuízo, tem
sido o mais bem-sucedido em atender aos desejos do público com o
mínimo de despesas possível. Até agora, tem se mostrado o meio mais
eficiente de estimular as pessoas a suportarem os riscos do
planejamento e previsão econômicos.

Marx Ignorou o Empreendedor


Marx escreveu, em relação ao lucro, que

a taxa de lucro do capital individual é determinada não


pelo preço de mercado de uma mercadoria, mas pela diferença
entre o preço de mercado e o preço de custo.95

Isso é verdade, mas ele deixou de oferecer uma explicação para


essa diferença, além de sua formulação de mais-valia. Toda a teoria
entrou em colapso com a queda da teoria do valor-trabalho; na verdade,
os próprios escritos de Marx a questionaram. O fato de Marx ter
abandonado essa teoria do trabalho em favor de uma abordagem de
custo de produção atesta a inaplicabilidade da teoria do trabalho e da
teoria da mais-valia do lucro.

245
246 A Religião Revolucionária de Marx
Como já vimos, tanto Marx quanto Engels minimizaram o papel
do empreendedor. Na melhor das hipóteses, o capitalista desempenha
uma pequena função de "supervisão do trabalho." Em resumo, os
capitalistas comandam a produção fabril.96 Mas a chegada da produção
cooperativa mostrou a inutilidade do capitalista.
Como ele disse,

não os capitalistas industriais, mas os gerentes


industriais são 'a alma do nosso sistema industrial'.97

Então, quem vai prever a natureza da demanda do consumidor


no futuro? Se os gerentes o fazem, então eles efetivamente assumiram
o papel do capitalista; se eles não têm direito ao lucro resultante (ou
seja, a renda residual remanescente depois de pagar os outros fatores de
produção), então qual incentivo eles terão para prever tão precisamente
quanto possível?
Um conservadorismo básico - a relutância em assumir
responsabilidade por perdas - é notório entre burocratas assalariados.
Knight referiu-se a esse fato:

O grande perigo a ser temido a partir de um controle


político da vida econômica em condições normais não é uma
dissipação imprudente dos recursos sociais, mas sim a
interrupção do progresso e a estagnação da vida .24

24 Knight, op. cit., p. 361. Cf. Mises, Socialismo, pp. 205 -10. Como Mises
escreve: "O sucesso sempre foi alcançado apenas por aquelas empresas [de

246
A Economia da Revolução 247
Se não houver empreendedores capitalistas, como a economia
evitará uma estagnação burocrática total, "gerencial"?
O que Marx achava abominável no capitalismo era seu caráter
dinâmico. Algumas empresas falhavam, outras lucravam, e todas
pareciam envolvidas na corrida do século XIX por aumento na
produção. O capitalismo flutua demais. É anárquico. O que ele precisa
é de planejamento coletivo, onde toda incerteza seja removida. 98
Este sempre foi o sonho de todos os pensadores socialistas. Eles
criticaram o sistema capitalista por causa de seu dinamismo que, aos
olhos dos socialistas, é anárquico porque não há um conselho de
planejadores dirigindo todas as fases da vida econômica. O capitalismo
permite o fracasso.
Isso, é claro, deve ser verdadeiro para o capitalismo, já que a
economia de livre mercado aceita a necessidade de perdas para aquelas
empresas e indivíduos que não podem fornecer as necessidades dos
consumidores de maneira mais eficaz do que seus concorrentes.
O capitalismo opera sob a suposição de que os homens não são
onipotentes nem oniscientes. O homem, em resumo, não é Deus; o
capitalismo reconhece esse fato e tenta regular a produção e

ações] cujos diretores têm um interesse pessoal predominante na prosperidade


da empresa.... A teoria socialista -estatista, é claro, não admite isso. . . . Ela se
recusa a ver naqueles que guiam a empresa qualquer coisa além de
funcionários, pois o estatista quer pensar no mundo inteiro como habitado
apenas por funcionários." Socialismo, pp. 208-9.

247
248 A Religião Revolucionária de Marx
distribuição da maneira mais eficiente possível, dadas as limitações
básicas da humanidade. Mises coloca isso muito bem:

Que o socialismo seria imediatamente praticável se um


Deus onipotente e onisciente descesse pessoalmente para tomar
conta do governo dos assuntos humanos, é incontestável .99

O socialista tem tal Deus: o conselho de planejamento estatal.


Marx tinha o seu: a "associação".

Sem Válida Teoria do Lucro


Sem um conceito adequado de empreendedorismo, Marx não
tinha uma teoria válida do lucro. Não é surpreendente, como apontou
Haberler, que

a economia marxista tenha se mostrado


operacionalmente completamente estéril tanto em países
capitalistas quanto comunistas.100

O conceito de oferta e demanda de Marx era essencialmente


estático: uma vez que a oferta e a demanda "se equilibram", ou seja,
uma vez que os preços de mercado correspondem aos preços de
produção, "essas forças deixam de operar, se compensam
mutuamente."101 Como se oferta e demanda não estivessem sempre em
constante fluxo, fato que Marx admitiu prontamente em outros
lugares!102
Oferta e demanda são fatores dinâmicos; mesmo nos pontos em
que os preços de mercado igualam os preços de custo, não há cessação
das forças econômicas.103 No ponto de equilíbrio perfeito, não poderia

248
A Economia da Revolução 249
haver lucros no sistema de análise de Marx, uma vez que os custos e os
preços de mercado são idênticos. Então, por que ele deveria criticar o
sistema capitalista?
O capitalismo utiliza o empreendedor para prever o estado
futuro do mercado; se todos os capitalistas tivessem sucesso, todo lucro
desapareceria. Marx, portanto, tinha nada além de desprezo pelos
próprios homens cuja função tende a conquistar a incerteza.
Ele nunca viu o capitalismo pelo que é: a resposta de homens
pecadores e limitados para fazer o melhor de um mundo incerto,
imperfeito e caído. Marx exigia um paraíso econômico onde não
haveria escassez, incerteza ou empreendedorismo capitalista.
É apenas nesse tipo de mundo que se pode dispensar os lucros.
Marx queria o paraíso na Terra, ou mais precisamente, ele queria uma
fuga do tempo e das maldições que o tempo trouxe. Sua visão do
socialismo exigia, em última análise, um universo estático ond e não
haveria mudanças, ou pelo menos onde todas as mudanças poderiam
ser previstas e controladas com precisão.
Porque o sistema capitalista não atendia a esse requisito, ele o
rejeitou como a criação da humanidade alienada, um período
temporário que terminaria com a Revolução. Ele castigava o capitalista
por se desviar de sua concepção utópica de um mundo perfeito.104

Conclusão
Marx partiu do pressuposto de que a teoria do valor-trabalho
opera nos assuntos econômicos capitalistas. Um bem deve conter uma
quantidade igual de trabalho humano que qualquer outro bem, se uma

249
250 A Religião Revolucionária de Marx
troca for ocorrer. Os preços, portanto, deveriam estar em proporção
direta às quantidades de trabalho contidas nos produtos respectivos.
Essa teoria, por sua vez, levou Marx a formular (ou a adotar de
Rodbertus) a ideia de mais-valia: a presença de trabalho não pago no
processo de produção dá ao capitalista o poder de trocar equivalentes e
ainda assim obter lucro (assumindo a validade de seu conceito errôneo
de salário-mínimo de subsistência).
A questão da mais-valia levantou ainda outro problema: como
os lucros poderiam ser iguais em todos os investimentos de capital
iguais se a única fonte de lucro é o tempo de trabalho humano? Não a
firma que utiliza mais trabalho vivo no processo de produção colheria
lucros muito maiores do que uma firma que utiliza extensivamente
máquinas? No entanto, essa conclusão óbvia estava em contradição
absoluta com os fatos econômicos.
E se, como Marx finalmente teve que admitir, todos os capitais
retornam lucros iguais em capitais iguais investidos (a longo prazo),
então o pressuposto original do sistema marxiano é destruído: fatores
de produção diferentes do tempo de trabalho humano aparentemente
criam valor e, portanto, têm direito a um retorno.
O capital constante está recebendo um retorno igual ao trabalho
nessas circunstâncias; o lucro do capitalista não depende estritamente
das quantidades de trabalho vivo presentes no processo produtivo.
Portanto, a teoria do valor-trabalho desmorona sob seu próprio peso.
Então, quanto à economia marxista? Haberler oferece sua
opinião, e parece ser uma opinião sólida:

250
A Economia da Revolução 251
Concluo que a previsão de Bohm-Bawerk se concretizou.
O sistema econômico marxista perdeu lentamente sua influência
e não tem futuro. Mas o fim do sistema marxista não significa o
fim do socialismo, e a economia marxista sempre terá um lugar
de destaque na história das ciências sociais e na história
intelectual dos séculos XIX e XX.

O historiador do pensamento econômico nunca deixará


de vasculhar os escritos volumosos de Marx: e o especialista
encontrará lampejos de insight e até descobertas analíticas
genuínas, fragmentos de material utilizável.

As pessoas sempre se maravilharão, como Böhm-Bawerk


fez, com a ousadia de toda a construção elevada, mas o
marxismo como um sistema econômico está encerrado e não
será reaberto.105

No entanto, a visão que Marx e seus seguidores mantiveram não


pode ser refutada por uma dissecação passo a passo de seu sistema
econômico. Os comunistas nunca aderiram ao sistema apenas por causa
de suas percepções particulares sobre a natureza da produção e
distribuição capitalista.
O sistema é mantido pela fé porque promete um mundo melhor
para homens seculares e apóstatas. O marxismo atendeu às
necessidades dos homens industriais do século XIX que estavam
prontos para destruir o sistema sob o qual viviam.
Ele forneceu uma aura de infalibilidade científica em uma era
que adorava a ciência. Simultaneamente, apelava para um lado da
natureza do homem que nunca está totalmente ausente: seu desejo de
destruição total do presente.

251
252 A Religião Revolucionária de Marx
Os homens querem escapar da história, pois acreditam que é a
história que os limitou. Se admitissem isso, exigiria arrependimento.
Ao longo da história, a cosmologia do caos atraiu tais homens, pois
oferece a promessa de libertação total da escravidão do tempo. Liber,
de fato, era um deus romano do caos, e é de seu nome que derivamos a
palavra "liberdade".
Assim, a popularidade do martelo como símbolo
revolucionário: é o meio de estilhaçar a ordem mundial presente. O
marxismo, ao combinar os dois mitos de infalibilidade científica e ação
revolucionária, ofereceu esperança àqueles que buscavam escapar da
história. Essa é a essência da religião da revolução de Marx; é o mesmo
apelo que dominou todos os cultos do caos até onde se estende a história
registrada.

1 Karl Marx, A Miséria da Filosofia (Moscou: Foreign Languages Publishing


House, [1847] n.d.), p. 120. [Collected Works, 6, pp. 177 -78.]
2 E. R. A. Seligman, The Economic Interpretation of History (Nova York:
Columbia University Press, [1907] 1961), p. 24.
3 Abram L. Harris, "Utopian Elements in Marx's Thought," Ethics, LX (1949 -
50), p. 79.
4 Gyorgy Markus, "Humanismo Marxista", Science and Society, XXX (1966),
p. 287.
5 Robert C. Tucker, Philosophy and Myth in Karl Marx (Nova York: Cambridge
University Press, 1961), pp. 204-5. Cf. Charles Gide e Charles Rist, A History
of Economic Doctrines (Boston: D. C. Heath, 1948), p. 46ln; Henry B. Mayo,

252
A Economia da Revolução 253

Introduction to Marxist Theory (Nova York: Oxford University Press, 1960),


p. 228.
6 Veja o artigo de Donald Clark Hodges para a admissão de um marxista desta
limitação: "O Juízo de Valor em 'O Capital'", Science and Society, XXIX
(1965), pp. 296-311. Cf. o debate em "Comunicações", ibid., XXX (1966), pp.
206-27.
7 O Capital (Chicago: Charles H. Kerr, [1867] 1906), 1, p. 42. A edição da
Modern Library é uma reimpressão da edição Kerr. [O Capital (Nova York:
International Publishers, [1967] 1979), 1, p. 36.]
8 Ibid., 1, pp. 43-44. [Ibid. 1, p. 37.]
9 Ibid., 1, p. 44. [Ibid. 1, p. 37.]
10 Ibid., 1, p. 45. [Ibid. 1, p. 38.]
11 O Capital, 1, p. 45. [O Capital, 1, p. 38.]
12 Ibid. [Ibid.]
13 Ibid., I, pp. 45-46. [Ibid., I, p. 39.]
14 Ibid., I, p. 46. [Ibid., I, p. 39.]
15 O Capital, 1, p. 51. [O Capital, 1, p. 44.]
16 Marx, A Miséria da Filosofia, p. 51. [Collected Works, 6, p. 126.]
17 O Capital, 1, pp. 47-48. [O Capital, 1, p. 40.]
18 Ibid., p. 48. [Ibid., 1, p. 41.]
19 Ibid., 3 (Chicago: Charles H. Kerr, 1909), p. 759. [O Capital, 3 (Nova York:
International Publishers, [1967] 1974), p. 648.]
20 O Capital, 1, p. 48. [O Capital, 1, p. 41.]
21 Ibid., 1, p. 120. [Ibid., 1, p. 106.]

253
254 A Religião Revolucionária de Marx

22 Marx, Wage-Labour and Capital (1847), in Karl Marx e Frederick Engels,


Selected Works, 3 vols. (Moscow: Progress Publishers, 1969), 1, p. 158.
23 Ibid., I, pp. 158-59.
24 O Capital, 1, p. 217. [O Capital, 1, p. 194.]
25 Ibid., 1, p. 334. [Ibid., 1, p. 306.]
26 Ibid., 1, p. 335. [Ibid., 1, p. 307.]
27 Ibid., 1, p. 637. [Ibid., 1, p. 582.]
28 O Capital, 1, p. 686. [O Capital, 1, p. 626.]
29 Gabriel Kolko, The Triumph of Conservatism (Glencoe, Illinois: Free Press,
1963).
30 O Capital, 1, p. 686. [O Capital, 1, p. 626.]
31 Ibid., 1, p. 519. [Ibid., 1, p. 474.]
32 Paul Baran e Paul Sweezy, Monopoly Capital (Nova York: Monthly Review
Press, 1965). Cf. "Marxismo e Capital Monopolista: Um Simpósio", Science
and Society, XXX (1966), pp. 461-96.
33 Walter Adams e Horace M. Gray, Monopoly in America: The Government as
Promoter (Nova York: Macmillan, 1955); Kolko, The Triumph of
Conservatism; Murray N. Rothbard, Man, Economy and State (Princeton: Van
Nostrand, 1962), II, capítulo 10. [Este livro é atualmente publicado pela New
York University Press.]
34 Marx e Engels, O Manifesto do Partido Comunista (1848), em Selected Works,
1, p. 119. [Collected Works, 6, p. 495.]
35 Marx, Valor [Salários], Preço e Lucro (1865), em Selected Works, 2, pp. 74 -
75. [Collected Works, 20, p. 148]; Cf. O Capital, 1, pp. 707 -9 [O Capital, 1,
pp. 644-46].

254
A Economia da Revolução 255

36 Alguns daqueles que argumentaram desta forma incluem M. M. Bober, Karl


Marx's Interpretation of History (Nova York: Norton, [1948] 1965), pp. 213 -
21; G. D. H. Cole, The Meaning of Marxism (Ann Arbor: University of
Michigan Press, [1948] 1964), pp. 113-18; John Kenneth Turner, Challenge to
Karl Marx (Nova York: Reynal & Hitchcock, 1941), capítulo 4; Joseph
Schumpeter, Capitalism, Socialism and Democracy (Nova York: Harper
Torchbooks, [1942] 1962), pp. 34-35.
37 Marx, Wage-Labour and Capital (1847), em Selected Works, 1, p. 167; cf. p.
163.
38 O Capital, 1, p. 573. [O Capital, 1, p. 523.]
39 Bober, Karl Marx's Interpretation ofHistory, p. 215.
40 Meek, "Marx's 'Doctrine of Increasing Misery'," pp. 422-41, especialmente as
considerações finais.
41 O Capital, 1, pp. 689-703. [O Capital, 1, pp. 628-40.]
42 Cole, The Meaning of Marxism, pp. 113-14
43 O Capital, 3, pp. 264-65. [O Capital, 3, pp. 226-27.]
44 Ibid., 3, p. 281. [Ibid., 3, p.240.]
45 Ibid., 3, pp. 255,259. [Ibid., 3, pp. 217-18, 221.]
46 O Capital, 3, pp. 312-13. [O Capital, 3, p. 266.]
47 Ibid., 3, p. 301. [Ibid., 3, p. 256.]
48 Ibid., 3, p. 302. [Ibid., 3, p. 257.]
49 Ibid., 3, p.303. [Ibid., 3, p. 258.]
50 Ibid., S, pp. 294-95. [Ibid., S, pp. 250-52.]
51 Ibid., 3, p. 769. [Ibid., 3, p. 657.]

255
256 A Religião Revolucionária de Marx

52 Ibid., 3, p. 518. [Ibid., 3, p. 437.]


53 Ibid., 1, pp. 127-28. [Ibid., 1, pp. 113-14.]
54 Ibid., 3, p. 298. [Ibid., 3, p. 294.]
55 O Capital, 2, pp. 397-98. [O Capital, 2, p. 345.]
56 Ibid., 2, pp. 136-37. [Ibid., 2, p. 120.]
57 Ibid., 2, p. 137. [Ibid., 2, pp. 121-22.]
58 O Capital, 3, p. 578. [O Capital, 3, p. 492.]
59 Ibid., 3, p. 567. [Ibid., 3, p. 483.]
60 Ibid., 3, p. 713. [Ibid., 3,p. 607.]
61 Ibid., 1, p. 144; 3, p. 537. [Ibid., 1, p. 128; 3, p. 454.]
62 Ibid., 1, pp. 827-29; 3, p. 703. [Ibid., 1, pp. 754-55; 3, p. 598.]
63 Ibid., 3, p. 641. [Ibid., 3, p. 545.]
64 Ibid., 3, p. 389. [Ibid., 3, p. 331.]
65 O Capital, 1, p. 535. [O Capital, 1, p. 488.]
66 Shorter Classics, 1, p. 221.
67 Ibid., 1, p. 220.
68 Marx para Engels, 30 de abril de 1968: Correspondence, p. 243.
69 O Capital, 3, pp. 168-246. [O Capital, 3, pp. 142-210.]
70 Shorter Classics, 1, p. 220.
71 O Capital, 3, pp. 181-82. [O Capital, 3, p. 153.]
72 Ibid., 3, p. 205. [Ibid., 3, p. 174.]

256
A Economia da Revolução 257

73 Ibid., 3, pp. 233-34. [Ibid., 3, pp. 198-99.]


74 Ibid., 3, p. 185. [Ibid., 3, p. 157.]
75 Ibid., 1, p. 179. [Ibid., 1, p. 161.]
76 Ibid., 3, p. 185. [Ibid., 3, p. 157.]
77 Ibid., 3, p. 185. [Ibid., 3, p. 157.]
78 Ibid., 3, p. 186. [Ibid., 3, p. 157.]
79 Ibid., 3, pp. 186-87. [Ibid., 3, p. 158.]
80 Shorter Classics, 1, pp. 230-35.
81 O Capital, 3, p. 194. [O Capital, 3, p. 164.]
82 Ibid., 3, p. 194. [Ibid., 3, p. 164.]
83 Shorter Classics, 1, p. 226.
84 Ibid., I, p. 228.
85 Ibid., 1,pp. 229-56.
86 Cole, The Meaning ofMarxism, p. 210.
87 Paul Sweezy, "Professor Cole's History of Socialist Thought," American
Economic Review, XLVII (1957), p. 990.
88 Samuelson, op. cit., A.E.R. (1957), p. 892.
89 Haberler, "Economia Marxista em Retrospectiva e Perspectiva", em Milorad
M. Drachkovitch (ed.), Marxist Ideology in the Contemporary World - Its
Appeals and Paradoxes (Nova York: Praeger, 1966), p. 115.
90 Bober, Karl Marx's Interpretation ofHistory, pp. 281 -83.
91 O Capital, l,p. 364. [O Capital, 1, p. 332.]

257
258 A Religião Revolucionária de Marx

92 Engels, Anti-Duhring, p. 306. [Collected Works, 25,p. 265.]


93 Frank H. Knight, Risk, Uncertainty and Profit (New York: Harper Torchbooks,
[1921] 1964), esp. chaps. 8-10.
94 Cf. Ludwig von Mises, Human Action, pp. 286.,307.
95 O Capital, 3, p. 434. [O Capital, 3, p. 369.]
96 Ibid., 3, pp. 450-51. [Ibid., 3, p. 283.]
97 Ibid., 3, p. 454. [Ibid., 3, p. 386.]
98 Capital, 3, pp. 220-21. [Capital, 3, pp. 186-87.]
99 Mises, Socialism, p. 207.
100 Gottfried Haberler, "Marxist Economics in Retrospect and Prospect," in
Drachkovitch (ed.), Marxist Ideology, p. 116.
101 Capital, 3, p. 419. [Capital, 3, p. 356.]
102 Ibid., 3, pp. 150, 190,230. [Ibid., 3, pp. 126, 161, 195.]
103 Cf. Bohm-Bawerk's remarks in "Unresolved Contradiction," pp.280 -85.
104 Ct Bober, Karl Marx's Interpretation of History), ch. 14.
105 Gottfried Haberler, in Drachkovitch (00.), Marxist Ideology, pp. 124 -25.

258
CONCLUSÃO
(1988)1
Viste até que uma pedra foi cortada, sem auxílio de mãos, a qual feriu a
estátua nos pés de ferro e de barro, e os esmiuçou. Então se esmiuçaram juntamente
o ferro, o barro, o bronze, a prata e o ouro, e se fizeram como a palha das eiras do
verão; e o vento os levou, de modo que não se achou luga r para eles. E a pedra que
feriu a estátua se tornou uma grande montanha, e encheu toda a terra"
(Daniel 2:34-35).

A história manifesta uma guerra entre dois princípios


organizacionais de governo civil internacional: reino e império. O reino
internacional de Cristo é descentralizado. O império internacional de
Satanás é centralizado, caracterizado por um sistema burocrático de
cima para baixo para emitir comandos.
Satanás não possui a omnisciência, onipotência e onipresença
de Deus, então ele deve depender fortemente de sua própria hierarquia
(ou como C. S. Lewis chama em "As Cartas de um Diabo a seu
Aprendiz ", "a Baixarquia").
Quanto maior o império de Satanás se torna, mais
sobrecarregado ele fica. Como um homem que tenta equilibrar um
número crescente de laranjas, Satanás não pode dizer não aos seus
assistentes, que continuam lhe lançando mais decisões. Eventualmente,
todo império entra em colapso. O princípio do império não pode
sustentar por muito tempo um governo humano: igreja, estado ou
família.
Na expressão coloquial, os impérios sempre assumem mais do
que conseguem lidar. A Bíblia ensina que os impérios humanos sempre

259
260 A Religião Revolucionária de Marx
foram substituídos por outros impérios, até a chegada do reino de
Cristo. A partir desse momento, é o princípio do reino que domina na
história.
O "Reich de mil anos" da Alemanha Nazista durou doze anos
(1933-45). O império comunista da União Soviética é um gigante
econômico cambaleante, que depende da ameaça de guerra nuclear e de
uma estratégia de subversão criminosa para estender seu poder, e que
está gradualmente indo à falência ao apoiar seus estados-clientes
falidos.
Impérios são parasitas, contando com a conquista de nações
produtivas para manter suas burocracias bem alimentadas. Mas à
medida que seu poder político cresce com o crescimento do império,
essas burocracias gradualmente estrangulam a produtividade daqueles
que já caíram sob o império.
O império não pode sustentar seu impulso expansionista.
Enquanto isso, seus inimigos se multiplicam e fortalecem sua vontade
de resistir, a menos que já tenham começado a adorar os deuses (visão
de mundo) de seus potenciais conquistadores.

Uma Perda de Fé
O Ocidente moderno parece estar paralisado diante da expansão
soviética.2 Essa falta de resistência é atribuída a uma explicação
teológica. O Ocidente adotou a religião do humanismo, mas em uma
versão menos confiante do que a aderida pelos soviéticos.
Os humanistas ocidentais acreditam na unificação mundial
através do comércio, do planejamento governamental e de acordos

260
Conclusão 261
secretos nos mais altos níveis governamentais e privados. Eles não
acreditam em confronto direto, mas em subversão através de
infiltração.
Por outro lado, os soviéticos são adeptos da subversão e do
expansionismo, e sua implacabilidade na busca pelo império supera o
humanismo flácido do Ocidente. Como resultado, os estados-tampão
do Ocidente estão sucumbindo ao comunismo devido às semelhanças
religiosas que tornam o Ocidente incapaz de resistir. 3
Esta situação é comparada ao dilema histórico de Israel, que
repetidamente adotou os deuses de seus invasores, perdeu sua vontade
de resistir e passou a temer aqueles que possuíam poder temporal (e
temporário).
No nosso tempo, aqueles que detêm o maior poder temporal são
os Comunistas. Eles buscam o poder como um impulso religioso. O
marxismo, como o anarquista Bakunin reconheceu muito cedo, é uma
religião do estatismo. Ele glorifica o homem como ser criativo da
espécie, mas como resultado direto, também glorifica a mais alta
manifestação do poder coletivo da espécie humana, o estado. É a
clássica religião do poder.
O Cristianismo, em sua forma ortodoxa, desafia esta e todas as
formas da religião do poder. O Cristianismo é a religião do Reino de
Cristo (civilização). Ele oferece um modo de vida melhor e a morte
temporal, pois oferece o único caminho para a vida eterna. Ele oferece

261
262 A Religião Revolucionária de Marx
a redenção abrangente - a cura da civilização internacional.4 É a religião
do domínio.1
Quando o Cristianismo se afasta de sua herança de pregar a
santificação progressiva de homens e instituições, ele abandona a ideia
do Reino de Cristo progressivamente revelado (civilização) na Terra ao
longo da história.
Nesse momento, ele se desvia para outra religião, a religião do
escapismo. Isso deixa a batalha pela civilização nas mãos dos diversos
religiosos do poder. A Rússia testemunhou a derrota da igreja nacional
visível quando a teologia do misticismo e do sofrimento (teologia
cenótica) finalmente paralisou a Igreja Ortodoxa Russa.
Ela havia sido infiltrada por pessoas que mantinham visões
pagãs e humanísticas de várias espécies.2 A igreja não foi capaz de lidar

1 Sobre religião de fuga, religião de poder e religião de domínio, veja Gary


North, Moses and Pharaoh: Dominion Religion vs. Power Religion (Tyler,
Texas: Institute for Christian Economics, 1985), Introdução.
2 Ellen Myers, "Trombeta Incerta: A Igreja Ortodoxa Russa e o Pensamento
Religioso Russo, 1900-1917", Journal of Christian Reconstruction, XI (1985),
pp. 77-110. Ela escreve:

O pensamento religioso russo pré-revolucionário estava


assim geralmente suspenso entre os polos do monismo
materialista-marxista e místico-idealista.

Ele participou do marxismo fundamentalmente


anarquista e do estilo de retirada budista da realidade; uma

262
Conclusão 263
com a religião do poder de Lenin, e especialmente com o sucessor de
Lenin, o ex-estudante seminarista Joseph Stalin.
Estamos vendo hoje uma repetição daquelas décadas em grande
escala. A guerra pelos corações e mentes dos homens continua a se
intensificar internacionalmente. A tecnologia de destruição nuclear
compete com a tecnologia de cura econômica e a comunicação em
massa do evangelho. No entanto, ao contrário de Marx, não é a
infraestrutura do modo de produção que determina a superestrutura da
fé religiosa; o oposto é verdadeiro.
A batalha é sobre ética, não economia.

Conquista Através do Serviço


Um império é necessariamente ameaçado pelo evangelho. O
evangelho desafia a teologia do homem como divino, uma teologia que
sempre sustenta todo império. Mas para eliminar seus inimigos cristãos,
os burocratas precisam correr grandes riscos.

fascinação pelo hedonismo do paganismo clássico em oposição


à suposta moralidade sem alegria do cristianismo; um desejo
'prometeico' de elevar a humanidade ao status de super-homem
divino; e, concomitantemente a todos os três, uma rejeição
'apocalíptica' e niilista de toda a ordem existente na Rússia em
antecipação a um iminente novo, outro e melhor estado utópico
de coisas.

Ibid., p. 93.

263
264 A Religião Revolucionária de Marx
Os burocratas que administram a economia sempre querem
atingir suas metas de produção e ganhar seus bônus. Se eles perseguem
os cristãos, ameaçam a produção de suas organizações. Vez após vez,
os cidadãos mais produtivos de qualquer império são os cristãos
odiados.
Eles são aqueles que não são viciados em álcool, ausências
frequentes ou outras formas de resistência passiva. A ideia bíblica de
servir beneficia o Cristianismo. A diminuição da produtividade do
império torna os funcionários burocráticos cada vez mais dependentes
dos cristãos para cumprir as cotas de produção atribuídas.
Como Jacó na casa de Labão, José na casa de Potifar e na prisão
egípcia, o serviço competente aos outros cria dependência no servo. O
domínio é através do serviço. "Mas o maior entre vocês será seu servo"
(Mateus 23:11).
Satanás acredita que o domínio é alcançado pelo poder. Ele
busca controlar os outros. A resistência deles retarda sua capacidade de
submeter outros ao seu poder. Existe uma resistência incorporada à
expansão em todo império. Território e pessoas uma vez capturados não
podem ser mantidos cativos indefinidamente. Eles encontram maneiras
de frustrar o sistema burocrático.
Impérios não sobrevivem por muito tempo. Seus mestres
precisam agir rapidamente e correr grandes riscos para estender o poder
de seus impérios. Em contraste, os cristãos têm muito tempo. O
crescimento lento se multiplica ao longo de muitas gerações. Esta é a
promessa de Deus:

Porque eu, o SENHOR, teu Deus, sou Deus zeloso, que


visito a iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta

264
Conclusão 265
geração daqueles que me aborrecem. E faço misericórdia a
milhares [de gerações],3 aos que me amam e guardam os meus
mandamentos (Êxodo 20:5-6).

Saberás, pois, que o Senhor, teu Deus, é Deus, o Deus


fiel, que guarda a aliança e a misericórdia até mil gerações aos
que o amam e guardam os seus mandamentos. E retribui no
rosto aos que o odeiam, fazendo-os perecer; não o alonga com
aquele que o odeia; e retribui-o no seu rosto (Deuteronômio
7:9-10).

Impérios pagãos invariavelmente são interrompidos no meio da


história. Eles tentam alcançar o domínio mundial, mas sempre surgem
novos impérios para desafiá-los (Daniel 8). Deus não permitirá que
nenhuma nação alcance o domínio total do mundo na história.
O mundo com um único Estado é uma negação da soberania
universal de Deus sobre o homem e uma negação do reino progressivo
de Cristo na história. O império pagão não pode tolerar rivais. Não pode
se contentar com uma federação. Não pode compartilhar a glória do
poder. Portanto, não pode ter sucesso na história.
O reino de Cristo impõe o requisito da modéstia às nações que
o compõem. Nenhuma nação cristã pode esperar impor sua vontade à
força sobre o mundo inteiro. Tal orgulho é reconhecido como sendo
maléfico, assim como autodestrutivo. O domínio é através do serviço.

3 Esta é a interpretação padrão. Veja o comentarista judeu U. Gassuto, A


Commentary on the Book of Exodus (Jerusalém: The Magnes Press, The
Hebrew University, [1951] 1974), p. 243.

265
266 A Religião Revolucionária de Marx
Assim, o reino terreno descentralizado de Cristo pode crescer
ao longo do tempo para preencher a terra, mas sem se tornar um
império. Nenhuma nação pode esperar alcançar a supremacia, embora
uma ou duas possam alcançar influência primordial temporariamente,
por meio da adesão ao princípio do serviço.
A cooperação de longo prazo entre as nações é possível somente
se todas elas perceberem as limitações inerentes e impostas por Deus
sobre o poder exercido por qualquer nação. A nação cristã enfrenta o
mesmo aviso que os indivíduos cristãos enfrentam:

O orgulho precede a destruição, e a altivez do espírito


precede a queda (Provérbios 16:18).

Os habitantes de cada nação devem considerar sua própria


nação como mortal, assim como os seres humanos o são. Quanto mais
uma nação se conforma com os padrões éticos bíblicos, mais tempo ela
sobreviverá como uma entidade separada. Este é o princípio bíblico da
herança.
Os herdeiros de qualquer grupo nacional manterão seu caráter
separado apenas enquanto Deus continuar a conceder Sua graça à
nação. A rebelião contra Ele traz destruição e aniquilação nacional.
Como sempre, o domínio é por meio da aliança.5

Yahweh, tu estabeleces a paz para nós; tudo o que


alcançamos, fizeste-o em nosso benefício!

Ó Yahweh, ó nosso Deus, outros senhores além de ti nos


têm dominado, mas nós, somente ao teu grandioso Nome
louvamos.

266
Conclusão 267
Agora eles estão mortos, não viverão mais, são sombras,
não ressuscitarão! Tu, pois, os castigaste e os conduziste à
destruição; apagaste por completo a lembrança de seus nomes!

Expandiste a nossa nação, ó Yahweh; sim, fizeste crescer


em muito a nossa nação e te cobriste de glória. Alargaste todas
as fronteiras da nossa terra! (Isaías 26:12-15; Nova Versão
King James).

Os cristãos têm boas razões para se sentirem confiantes em


relação ao futuro terreno do reino de Cristo. Os pagãos não têm muita
coisa em que confiar. O tempo está contra eles. Assim como está Deus.

Tempo e Autoconfiança
Se as pessoas acreditam que estão condenadas como indivíduos,
acham difícil sobreviver em uma crise que ameace a vida. Isso também
é verdade em relação às civilizações. A autoconfiança depende muito
de uma visão otimista do futuro.
A visão do tempo que uma sociedade compartilha é muito
importante para entender como ela opera. Se você acredita que está
ficando sem tempo, fará certas coisas; se acha que tem todo o tempo do
mundo, fará coisas diferentes. Sua visão do futuro influencia suas
atividades no presente.

A Confiança do Comunismo
Uma das grandes vantagens que a União Soviética desfrutou em
sua confrontação com o Ocidente é que o Comunismo parece oferecer

267
268 A Religião Revolucionária de Marx
aos líderes soviéticos uma doutrina de tempo linear (linha reta). Isso
lhes dá confiança em relação ao futuro.
Eles acreditam que as forças da história estão do lado do
Comunismo internacional. Essa autoconfiança é uma ilusão porque o
otimismo do marxismo é uma ilusão. O marxismo é uma religião
publicamente otimista com raízes profundamente pessimistas.
Karl Marx e seus seguidores professaram fé no tempo linear,
mas, em última análise, o marxismo é pessimista e cíclico, como todas
as religiões pagãs. Marx explicou a história da humanidade em termos
de revolução. Ele escreveu:

As revoluções são as locomotivas da história.6

Problema: o que servirá como motor do progresso após a


revolução comunista final? As revoluções cessarão. O que então se
torna a base do progresso humano?
Para entender a falta de resposta dos comunistas, é preciso
compreender a doutrina marxista da queda do homem. Todas as
religiões têm uma doutrina semelhante; você só precisa procurá-la com
mais cuidado nas religiões humanistas.
Marx escreveu que a humanidade está alienada. Isso equivale a
estar sob uma maldição. Esse tema da alienação humana é o cerne da
psicologia, economia e teologia humanista de Marx. Marx escreveu que
a alienação humana é a base de todos os conflitos humanos. Como a
humanidade pode superar essa alienação? Através da revolução. Mas
como a revolução pode resolver o problema do homem? Não há
resposta.

268
Conclusão 269
Marx escreveu que a alienação do homem levou ao trabalho
alienado, o que por sua vez levou à criação da propriedade privada. Ele
escreveu que:

embora a propriedade privada pareça ser a fonte, a


causa do trabalho alienado, ela é mais a consequência [...]7

Então, qual foi a causa do trabalho alienado? Ele nunca


realmente disse. Como os marxistas podem ter certeza de que os
homens não voltarão à alienação após a sociedade comunista ser
estabelecida? Eles não podem ter certeza. Isso poderia acontecer
novamente. É por isso que o Comunismo realmente não tem uma razão
legítima para sua visão linear do tempo.
Portanto, o sistema marxista é, em essência, implicitamente
cíclico, uma vez que o que a Bíblia afirma ser a causa raiz da alienação,
a rebelião ética do homem contra Deus, não tem relevância no
marxismo. O marxismo não consegue lidar com o pecado e a culpa.
A "queda do homem" (alienação) era metafísica no marxismo -
uma falha na natureza humana ou no ambiente - em vez de ética, como
ensina a Bíblia. Não há maneira de o homem reparar essa falha na
natureza. Portanto, a suposta linearidade na visão da história de Marx é
ilusória.
Mas os comunistas dizem acreditar na história linear. Eles
acreditam que ela tem uma direção. Embora as forças históricas sejam
impessoais, ensinam os marxistas, as forças da história estão
conduzindo inevitavelmente para o triunfo do comunismo na história. 8

269
270 A Religião Revolucionária de Marx
Esta visão de vitória inevitável dá aos marxistas uma enorme
vantagem sobre os humanistas ocidentais, que hoje carecem de
confiança em um futuro assegurado.9

O Conceito Bíblico de Tempo


A Bíblia ensina que o tempo é linear.10 Ela também ensina que
tudo o que acontece na história é governado pela soberania absoluta de
um Deus pessoal. Portanto, os cristãos baseiam sua esperança terrena
na providência de Deus. A história não é nem aleatória nem
determinada por forças impessoais. Ela é governada pelo Deus que
criou o universo.11
A Bíblia ensina a doutrina da criação, o que significa criação do
nada. Ela ensina que o homem se rebelou contra Deus, e tanto a
natureza quanto o homem agora sofrem sob a maldição histórica de
Deus.
Ela fala de Jesus Cristo, o Filho de Deus: Seu nascimento,
ministério, morte, ressurreição e ascensão aos céus para se sentar à
direita de Deus. Ela fala de Pentecostes, quando Ele enviou Seu Espírito
Santo. Ela nos fala da igreja de Cristo na história e d o juízo final. Há
direção na história e significado na vida de acordo com a Bíblia.
Os cristãos são instruídos a acreditar em "milhares de gerações"
como sua perspectiva temporal de operação. Isso provavelmente é uma
expressão metafórica para a história como um todo. Poucos, se algum,
cristãos ensinaram sobre um período literal de 25.000 anos na história
(1.000 x 25 anos).

270
Conclusão 271
O ponto é que a Bíblia ensina que o reino de Deus pode se
expandir por toda a história, enquanto os impérios de Satanás surgem e
caem. Não há continuidade de longo prazo para os esforços
institucionais de Satanás. Ele não tem nada comparável à igreja, a
instituição monopólica e perpétua de Deus que oferece a cada geração
a palavra, a comunidade e os sacramentos do pacto de Deus.
Se o crescimento puder ser acumulado ao longo do tempo, uma
base de capital muito pequena e uma taxa de crescimento muito
pequena levam à conquista do mundo. O crescimento se torna
exponencial se for mantido por tempo suficiente. 12
Isso é a base assegurada do triunfo de longo prazo do
cristianismo na história. Deus é fiel. As interrupções temporárias no
processo de crescimento devido à rebelião de certas gerações de nações
pactuadas não interrompem a expansão do reino.
Os erros, omissões e o foco limitado de qualquer sociedade
cristã em particular não precisam inibir o progresso do reino terreno de
Cristo. Essas limitações podem ser tratadas de forma pactuada. A igreja
internacional pode combinar as habilidades e perspectivas particulares
de seus membros em uma visão de mundo e de vida transformadora
para o mundo (Romanos 12; 1 Coríntios 12). As telecomunicações
modernas e o transporte aéreo moderno agora tornam isso possível.
O Cristianismo, em princípio, possui uma visão do tempo muito
mais potente do que qualquer outra religião, incluindo o marxismo. Se
os cristãos entendessem plenamente as implicações da visão do tempo
da Bíblia e possuíssem a fidelidade pactuada para traduzir essa visão
em ação institucional, o mundo logo se renderia ao evangelho. É apenas
por causa da corrupção por perspectivas anticristãs que a igreja

271
272 A Religião Revolucionária de Marx
universal e a civilização ocidental estão visivelmente em recuo hoje em
dia.

Uma Visão da Vitória


Porque o Ocidente perdeu sua fé em Deus, ele perdeu sua fé no
futuro. Somente com um avivamento do cristianismo pactuado o
Ocidente é provável que reverta a deriva para o desespero. Tal
avivamento é possível, e há sinais de que ele está acontecendo.
Os comunistas estão sofrendo com o declínio de sua própria fé
no marxismo, como Solzhenitsyn repetidamente afirmou. O problema
é que, quando há uma disputa entre dois impérios ou dois sistemas não
cristãos, aquele que tem maior autoconfiança e uma esmagadora
superioridade militar para respaldar essa confiança tem mais chances
de ser o vencedor.
A religião do escapismo (humanismo ocidental) não é páreo
para a religião do poder (humanismo comunista). O Ocidente está
perdendo a fé em cinco premissas principais relacionadas à história,
como escreve o sociólogo conservador Robert Nisbet:

Há pelo menos cinco premissas principais na história da


ideia de progresso, desde os gregos até os nossos dias: a crença
no valor do passado; a convicção da nobreza, até mesmo da
superioridade, da civilização ocidental; a aceitação do valor do
crescimento econômico e tecnológico; a fé na razão e no tipo de
conhecimento científico e acadêmico que pode advir apenas da
razão; e, finalmente, a crença na importância intrínseca, no
valor inapagável da vida nesta terra.13

272
Conclusão 273
Como o Ocidente se defenderá contra um inimigo comunista
implacável? O Ocidente perdeu a fé no futuro, então encontra
dificuldades em se defender moralmente no presente. Intelectuais
ocidentais percebem o Ocidente como moralmente falido, como Revel
tem advertido eloquentemente.
A culpa está erodindo as bases morais de uma defesa bem-
sucedida do Ocidente, diz Nisbet:

O que é destrutivo de todas as maneiras, no entanto, é a


declinação significativa na América e na Europa em si da fé no
valor e na promessa da civilização ocidental. O que sucedeu à
fé é, no registro vívido e em constante expansão, a culpa, a
alienação e a indiferença.

Uma atitude - que, como nação e como civilização


ocidental, podemos, em retrospecto, nos ver como tendo
contaminado, corrompido e despojado outros povos do mundo,
e que, por isso, devemos sentir culpa, vergonha e remorso -
cresce e se alarga, especialmente entre os americanos, e ainda
mais entre os jovens americanos de classe média.

Por boas razões ou más, o clero leigo do Ocidente - a


intelligentsia que começou no século XVIII a suceder o clero
como a classe dominante no que diz respeito às crenças dos
cidadãos - dedica grande parte de seu tempo a lamentos,
autoflagelação e julgamento severo de toda uma história: a
história do Ocidente.14

Porque os homens ocidentais perderam sua fé em Deus, na lei


bíblica e nas sanções de Deus de maldição e bênção na história, eles
também perderam sua fé no futuro. O Ocidente começou a perder a
confiança em seu passado, seu presente e seu futuro. Isso paralisou a

273
274 A Religião Revolucionária de Marx
política externa ocidental por mais de uma geração. O Ocidente perdeu
sua fé no progresso.
Os soviéticos também estão passando por uma crise espiritual.
Eles perderam a fé no marxismo. Então, o que mantém os soviéticos na
ofensiva? Sua busca pelo poder. Eles ainda acreditam na religião do
poder, mesmo que tenham perdido a fé nos detalhes do marxismo-
leninismo. Em contraste, o Ocidente está no processo de adotar a
religião do escapismo.
Solzhenitsyn soou o alerta, mas ninguém nos círculos mais altos
de Washington o ouviu:

Isso é muito perigoso para a visão de mundo de alguém


quando esse sentimento surge: 'Vai em frente, desista.' Já
ouvimos vozes em seu país e no Ocidente - 'Desista da Coreia e
viveremos tranquilamente. Desista de Portugal, claro; desista
do Japão, desista de Israel, desista de Taiwan, das Filipinas, da
Malásia, da Tailândia, desista de mais dez países africanos.
Apenas deixe-nos viver em paz e tranquilidade.

Apenas deixe-nos dirigir nossos carros grandes em


nossas estradas esplêndidas; apenas deixe-nos jogar tênis e
golfe, em paz e tranquilidade; apenas deixe-nos misturar nossos
coquetéis em paz e tranquilidade, como estamos acostumados a
fazer; apenas deixe-nos ver o belo sorriso com dentes brilhantes
com um copo na mão em cada página de propaganda de nossas
revistas'.15

Conclusão
A Bíblia ensina que Deus lida de forma pactuada com as nações,
até mesmo no julgamento final e além dele. Portanto, as nações estão

274
Conclusão 275
sob os termos do pacto, seja de forma explícita (Israel antigo) ou
implícita (todas as nações sob Deus como Juiz).
O processo pactuado de bênçãos e maldições é, portanto,
acionado na história das nações. A continuidade e a descontinuidade
nacionais devem ser vistas como uma manifestação desse quarto ponto
do pacto bíblico.
A história testemunhou o surgimento de impérios. Todos eles
falharam. Eles são imitações satânicas do reino de Cristo na terra, que
é implicitamente (embora não historicamente) unificado. A tendência
do reino de Cristo é a expansão. Esse processo de fermentação também
é uma característica do reino de imitação de Satanás. Mas o seu reino
está na defensiva desde o Calvário.
Sempre que as nações cristãs permanecem fiéis aos termos do
pacto de Deus, elas experimentam bênçãos que levam à vitória ao longo
do tempo. Sempre que apostataram, enfrentaram julgamento e tiveram
sua herança transferida para outras nações, seja por meio d a derrota
militar ou da derrota econômica.
O Ocidente agora enfrenta seu maior desafio desde a queda do
Império Romano. O Ocidente, que antes era cristão, abandonou o
conceito de pacto e, com ele, a visão do cristianismo de vitória na
história. Os marxistas roubaram essa perspectiva bíblica e aplicaram
sua visão de vitória ao comunismo.
Assim, os comunistas agora parecem estar em posição de impor
sua vontade militarmente ao Ocidente antes do final do século XX. 16
Isso é uma crise religiosa e, portanto, se tornou visível em todas as áreas
da vida.

275
276 A Religião Revolucionária de Marx
Só existe uma solução de longo prazo: um avivamento
abrangente que leve à transformação de todas as coisas e à cura das
nações.17

Marx, infelizmente, era avesso a descrever como sua


utopia deveria funcionar. No entanto, ainda é possível inferir, a
partir de suas muitas referências indiretas à sociedade
comunista, que algum tipo de procedimento democrático seria
construído através do qual os objetivos da sociedade poderiam
ser formulados.

Após isso, cientistas desenvolveriam procedimentos de


planejamento racional abrangente para implementar esses
objetivos. Como esse planejamento, para ser significativo e
científico, deve obter controle sobre todas as variáveis
relevantes, Marx consistentemente o previa como centralizado
e abrangente.

Os meios de produção de propriedade comum seriam


deliberados e cientificamente operados pelo Estado de acordo
com um único plano. Problemas sociais seriam, a partir de
então, resolvidos não interferindo passivamente em uma ordem
de mercado competitiva, mas assumindo todo o processo de
produção social do início ao fim. . ..

Esse modelo abrangente ou de engenharia do


planejamento será mostrado como a única noção
completamente coerente de planejamento apresentada na
literatura do radicalismo, mesmo assim é fundamentalmente
falho. A abordagem de engenharia social confunde a econ omia
com o processo relativamente mecânico pelo qual um técnico
individual resolve um problema dado, quando na verdade o
sistema econômico se assemelha mais ao processo social geral
de descoberta científica.

276
Conclusão 277
Ciência e mercado não se limitam a resolver problemas
dados e bem definidos por procedimentos conhecidos. Eles
também envolvem o próprio processo de conceitualizar os
problemas e descobrir os procedimentos.

A noção de planejamento abrangente representa a


tentativa mais audaciosa do século XIX de aplicar sua visão
mecanicista da ciência à sociedade para produzir um programa
de mudança radical. No entanto, ela não pode mais servir em
um século que está, por boas razões, abandonando essa visão
da ciência.

Don Lavoie* 18

1 Uma versão mais curta deste ensaio foi publicada como “The Fifth Kingdom:
Battle for the Title,” Creation Social Science and Humanities Quarterly, X
(Primavera de 1988).
2 Jean François Revel, How Democracies Perish (Garden City, New York:
Doubleday, 1984).
3 Gary North, Conspiracy: A Biblical View (Ft. Worth, Texas: Dominion Press,
1986), ch. 5.
4 Gary North, Is the World Running Down? Crisis in the Christian Worldview
(Tyler, Texas: Institute for Christian Economics; 1988), Appendix C:
"Comprehensive Redemption: A Theology for Social Action."
5 Ray R. Sutton, That You May Prosper: Dominion By Covenant (Tyler, Texas:.
Institute for Christian Economics, 1987).
6 Karl Marx, "As Lutas de Classes na França, 1848 a 1850" (1850), em Karl
Marx e Friedrich Engels, Selected Works, 3 vols. (Progress Publishers, [1969]
1977), 1, p. 277. Itálico no original. Reimpresso em Karl Marx e Friedrich

277
278 A Religião Revolucionária de Marx

Engels, Collected Works (Nova York: International Publishers, 1978), 10, p.


122.
7 Karl Marx, "Trabalho Alienado", em The Economic and Philosophic
Manuscripts of 1844, editado por Dirk J. Struik (Nova York: International
Publishers, 1964), p. 117. Isso também aparece em Karl Marx e Friedrich
Engels, Collected Works (Nova York: International Publishers, 1975), 3, p.
279.
8 F. N. Lee, Communist Eschatology (Nutley, Nova Jersey: Craig Press, 1974).
9 Robert Nisbet, History of the Idea of Progress (Nova York: Basic Books,
1980), p. 355.
10 Gary North, Unconditional Surrender: God's Program for Victory (3ª ed.;
Tyler, Texas: Institute for Christian Economics, 1988), cap. 4.
11 Gary North, The Dominion Covenant: Genesis (2nd ed.; Tyler, Texas: Institute
for Christian Economics, 1987), ch. 1: “Cosmic Personalism.”
12 Gary North, The Sinai Strategy: Economics and the Ten Commandments
(Tyler, Texas: Institute for Christian Economics, 1986), pp. 101 -3.
13 Ibid., p. 317.
14 Ibid., p. 331.
15 Solzhenitsyn: The Voice of Freedom (Washington, DC: AFL-CIO, 1975), p.
12.
16 Quentin Crommelin, Jr. and David S. Sullivan, Soviet Military Supremacy
(Washington, DC: Citizens Foundation, 1985).
17 Gary North, Healer of the Nations: Biblical Blueprints for International
Relations (Ft. Worth, Texas: Dominion Press, 1987).
18 Lavoie, National Economic Planning: What Is Left?
(Cambridge,Massachusetts: Ballinger, 1985), p. 19.

278
APÊNDICE A:
CÁLCULO ECONÔMICO
SOCIALISTA
O problema do cálculo econômico é o problema fundamental do Socialismo.
O fato de que, por décadas, as pessoas puderam escrever e falar sobre o Socialismo
sem tocar nesse problema apenas mostra quão devastadores foram os efeitos da
proibição marxista ao escrutínio científico da natureza e funcionamento de uma
economia socialista.
Ludwig von Mises (1922)1

O que é a ciência econômica? Essa pergunta tem intrigado até


mesmo os melhores economistas por pelo menos dois séculos.
Definições herméticas são, é claro, impossíveis; não importa qual seja
o objeto de uma definição, nem a linguagem humana nem o pensamento
permitem definições absolutamente rigorosas.
No entanto, podemos pelo menos chegar a uma definição
estreita o suficiente para ser útil, excluindo material suficiente para
permitir algum tipo de compreensão. No passado, muitas definições de
economia foram populares: a ciência da riqueza, o estudo do bem-estar
e a ciência da avareza humana.1
Neste século, Lionel Robbins nos proporcionou a definição
mais amplamente aceita: a economia é a ciência da economia; é o

1 Israel M. Kirzner analisa as várias definições de economia em seu livro, The


Economic Point of View (Princeton, Nova Jersey: Van Nostrand, 1960).

279
280 A Religião Revolucionária de Marx
estudo da alocação de recursos escassos entre fins concorrentes. Seu
livro, "A Natureza e Significado da Ciência Econômica" (1932),
tornou-se a obra-padrão sobre a epistemologia da economia.
Ele expõe sua posição de forma inequívoca:

Mas quando o tempo e os meios para atingir fins são


limitados e capazes de aplicações alternativas, e os fins são
capazes de serem distinguíveis em ordem de importância, então
o comportamento assume necessariamente a forma de escolha.
Cada ato que envolve tempo e meios escassos para a realização
de um fim envolve a renúncia ao seu uso para a realização de
outro. Isso tem um aspecto econômico.2

Sua suposição básica é simples:

A escassez de meios para satisfazer fins de importância


variável é uma condição quase onipresente do comportamento
humano.2

2 Lionel Robbins, The Nature and Significance of Economic Science (2ª ed.;
Londres: Macmillan, 1935), p. 14. A tentativa de Kirzner de diferenciar a
definição de Robbins da praxeologia de Mises (a ciência da ação humana)
parece forçada. Não há nada na visão de Mises que não esteja pelo menos
implícito em Robbins. Kirzner, op. cit., pp. 161-62. [Agora entendo melhor
essa diferença: o homem robbinsiano escolhe de um conjunto quase
matemático de restrições econômicas; o homem misesiano escolhe de um
mundo no qual a incerteza é inescapável e, portanto, ele deve se torn ar um
empreendedor-previsor.]

280
Apêndice A: Cálculo Econômico Socialista 281
Portanto, ele conclui: "A economia é a ciência que estuda o
comportamento humano como uma relação entre fins e meios escassos
que têm usos alternativos."3 É a ciência da escolha humana.
A tarefa do economista é supostamente a observação e
explicação neutra. Ele deve, a todo momento, permanecer "científico".
Dado um certo fim, qual é a maneira mais econômica de alcançá-lo?
Como um determinado fim pode ser alcançado com o mínimo gasto de
recursos escassos; alternativamente, com uma quantidade dada de
recursos escassos, quanta quantidade de bens pode ser produzida e
quais tipos?
Em terminologia popular (embora imprecisa), a economia é o
estudo das leis que regem essa tarefa antiga, "obter o máximo com o
mínimo". Ela deve fazer duas suposições muito básicas:
1. os recursos são escassos;
2. os seres humanos podem organizar esses recursos
racionalmente para alcançar seus objetivos (embora
possam se recusar a agir de maneira racional).
Para planejar de forma racional, os seres humanos precisam ter
conhecimento de certas leis econômicas e tecnológicas de produção e
troca; além disso, eles devem ter acesso aos diversos dados do caso
particular em questão. Eles precisam tanto de teoria quanto de fatos.
Isso é fundamental para todo o conhecimento humano, mas é
especialmente relevante para a ação econômica racional. Os seres
humanos têm desejos; eles só podem satisfazê-los por meio de ações
adequadas. Isso requer tanto vontade quanto conhecimento.

281
282 A Religião Revolucionária de Marx
Não é surpreendente que Mises tenha intitulado sua obra
principal "Ação Humana", pois trata do que ele chama de praxeologia:
a ciência das decisões e ações humanas em um mundo de recursos
limitados.
Dados os objetivos de uma sociedade (ou indivíduo) específica,
supõe-se que o economista seja capaz de oferecer conselhos sobre como
os planos humanos podem ser acelerados com o menor custo. A crença
de Mises e daqueles que foram influenciados por ele - como Hayek,
Ropke e Robbins, entre outros - é que o mecanismo de preços da
economia de mercado livre é de longe o meio mais eficiente de
satisfazer desejos humanos. A estrutura competitiva do mercado dá
ênfase à previsão precisa e ao planejamento eficiente.
Aqueles que não conseguem planejar com precisão sofrem
prejuízos e, se se recusam (ou são incapazes) de mudar seus métodos,
serão expulsos dos negócios. Eles não podem mais obter o controle de
recursos escassos que poderiam ser usados de outra forma para
satisfazer desejos do consumidor mais importantes (ou satisfazê-los de
forma mais barata).3

3 Ludwig von Mises, Human Action (New Haven, Connecticut: Yale University
Press, 1949); The Free and Prosperous Commonwealth (Princeton, Nova
Jersey: Van Nostrand, [1927] 1962). F.A. Hayek, The Road to Serfdom
(University of Chicago Press, 1944); The Constitution of Liberty (University
of Chicago Press, 1960); The Pure Theory of Capital (Londres: Routledge e
Kegan Paul, 1941). Wilhelm Röpke, Economics of the Free Society (Chicago:

282
Apêndice A: Cálculo Econômico Socialista 283
O sistema de preços é o coração da economia de mercado livre.
É o mecanismo pelo qual a oferta é equilibrada com a demanda
(assumindo que não há inflação da moeda nem pelo sistema bancário
nem pelo governo civil).4
Ele informa o consumidor sobre a disponibilidade relativa de
bens econômicos; ao mesmo tempo, alerta o empresário sobre o sucesso
ou fracasso de seu planejamento econômico anterior. A empresa
privada pode operar de maneira racional porque os preços fornecem os
dados vitais sobre demanda, taxas de juros, possibilidades alternativas
de investimento e o custo atual de mão de obra e matérias-primas.
Do ponto de vista do empresário, os preços são indispensáveis;
eles permitem que ele estime o valor das vendas futuras, o que, por sua

Regnery, 1963); Civitas Humana (Londres: Hodge, 1948); International


Economic Disintegration (Londres: Hodge, 1942).

Wilhelm Röpke, antes de sua morte em 1964, foi reconhecido como a força
teórica por trás do renascimento econômico pós-guerra da Alemanha. Ele tinha
um senso do lado espiritual do homem que era único entre os defensores do
mercado livre; ele viu o que os efeitos da urbanização em massa poderiam
fazer à sociedade, independentemente de a urbanização ser ou não
"sancionada" pelo mercado livre.

Veja especialmente seu livro, A Humane Economy (Chicago: Regnery, 1960).


A melhor introdução à perspectiva de Mises é Murray N. Rothbard, Man,
Economy and State (2 vols.; Princeton, Nova Jersey: Van Nostrand, 1962),
embora o anarquismo filosófico de Rothba rd não seja compartilhado por
Mises. [A obra Human Action de Mises foi republicada pela Regnery Books
em Chicago em 1966; o livro de Rothbard foi republicado pela New York
University Press em 1979.]

283
284 A Religião Revolucionária de Marx
vez, permite que ele tome uma decisão racional sobre a compra de bens
de capital - bens da chamada "ordem superior".
O sistema econômico geral pode, assim, alocar seus recursos
escassos de acordo com a demanda do consumidor; um equilíbrio de
produção pode ser estabelecido entre bens de consumo e bens de
produção.
Sem esse mecanismo de preços, os homens estariam quase
cegos em suas decisões econômicas; nada além de uma economia de
subsistência muito primitiva seria possível. O planejamento econômico
de longo prazo de qualquer complexidade estaria fora de questão.

Marx sobre o Dinheiro


De fundamental importância para o sistema de preços está a
existência de um meio comum de troca. Isso requer, em resumo, a
existência de dinheiro. O dinheiro assumiu muitas formas ao longo da
história, mas deve apresentar quatro qualidades: escassez,
divisibilidade, durabilidade e portabilidade.
Para pagamentos grandes, o ouro, é claro, cumpriu essas
demandas de forma mais eficiente, pois é muito escasso, extremamente
durável (não corrói), divisível (pode ser cortado com uma faca) e
relativamente portátil.
Mas qualquer que seja a forma do dinheiro, ele deve estar
presente em qualquer sistema econômico baseado na divisão do
trabalho, pois sem ele não haveria uma unidade comum para fazer
comparações de custo relativo. É o mais importante de todos os bens de

284
Apêndice A: Cálculo Econômico Socialista 285
troca em um mercado, pois, por definição, é o bem mais trocável. Sem
ele, a sociedade econômica como a conhecemos não existiria.
Marx percebeu esse fato muito cedo em sua carreira. Ele
compreendeu a interdependência entre o dinheiro e a divisão do
trabalho, e sua hostilidade absoluta à divisão do trabalho o levou a
rejeitar o uso do dinheiro em sua futura sociedade pós-Revolução.
Ele expressou suas objeções ao dinheiro em seu ensaio inicial
"Sobre a Questão Judaica", que foi publicado nos Anais Franco-
Alemães em 1844. Ele caracterizou o judeu de sua época nos piores
(para ele) termos possíveis: o judeu é a figura burguesa final.

Qual é a base profana do judaísmo? Necessidade


prática, interesse próprio. Qual é o culto mundano do judeu?
Comércio. Qual é o seu deus mundano? Dinheiro.5

O dinheiro, para o judeu, tornou-se seu instrumento de controle


econômico e poder social:

O judeu se emancipou de uma maneira judaica, não


apenas adquirindo o poder do dinheiro, mas também porque o
dinheiro havia se tornado, através dele e independente dele, um
poder mundial, enquanto o espírito prático judeu se tornara o
espírito prático das nações cristãs. Os judeus se emanciparam
na medida em que os cristãos se tornaram judeus.6

Assim, ele escreveu:

Em última análise, a emancipação dos judeus é a


emancipação da humanidade do judaísmo .7

285
286 A Religião Revolucionária de Marx
Em outras palavras, a verdadeira liberdade do judeu só pode ser
alcançada quando a fonte de poder dos judeus é removida: o dinheiro.
Com ele, é claro, a produção capitalista também deve ser destruída.

Dinheiro e Alienação
Para Marx, o dinheiro se tornou uma espécie de símbolo do
capitalismo. Ele viu isso como o pior aspecto do capitalismo.

O dinheiro é a essência alienada do trabalho e da


existência do homem; essa essência o domina e ele a adora .8

Nesse ensaio inicial, ele apresentou um tema que nunca estaria


ausente de seus escritos a partir daquele momento: a ideia de uma força
alienígena e hostil acima do homem e de seu trabalho.

A objetificação é a prática da alienação. Assim como o


homem, enquanto está absorto na religião, só pode objetivar sua
essência por meio de um ser alienígena e fantástico; assim, sob
o domínio da necessidade egoísta, ele só pode afirmar a si
mesmo e produzir objetos na prática subordinando seus
produtos e sua própria atividade ao domínio de uma entidade
alienígena e atribuindo a eles a significância de uma entidade
alienígena, ou seja, o dinheiro.9

A conclusão era inevitável para Marx: a sociedade comunista


aboliria toda alienação, toda divisão do trabalho e todo uso do dinheiro.

Assim que a sociedade conseguir abolir a essência


empírica do judaísmo - a agiotagem e suas condições - o judeu
se torna impossível, porque sua consciência não tem mais um
objeto. A base subjetiva do judaísmo - a necessidade prática -
assume uma forma humana, e o conflito entre a existência

286
Apêndice A: Cálculo Econômico Socialista 287
individual e sensível do homem e sua existência como espécie é
abolida.10

Isso não foi apenas o produto de sua especulação juvenil


hegeliana. Ele apresentou o mesmo objetivo no volume 2 de O Capital:

No caso da produção socializada, o capital em dinheiro


é eliminado. A sociedade distribui a força de trabalho e os meios
de produção para as diferentes linhas de ocupação. Os
produtores podem eventualmente receber cheques de papel, por
meio dos quais retiram da oferta social de meios de consumo
uma parcela correspondente ao seu tempo de trabalho.

Esses cheques não são dinheiro. Eles não circulam.11

Dinheiro e Produção
Isso nos remete a um dos problemas básicos que Marx nunca
enfrentou: como a riqueza total da natureza pode ser liberada sob o
socialismo sem o uso de métodos de produção em massa que exigem a
divisão do trabalho?
Talvez ainda mais fundamental, como a comissão de
planejamento socialista pode alocar eficientemente recursos escassos
sem algum tipo de mecanismo de fixação de preços envolvendo o uso
de dinheiro?
Os homens socialistas, escreveu Marx, devem trazer

o processo produtivo sob seu controle comum como uma


lei entendida pela mente social (O Capital, vol. 3, p. 301 [vol. 3,
p. 257]).

287
288 A Religião Revolucionária de Marx
Além de alguma concepção metafísica vaga como a "mente
social", como os planejadores podem realizar esse feito? Com base em
que podem fazer cálculos econômicos?

Mises sobre Cálculo Econômico


Vários economistas levantaram a questão do cálculo econômico
socialista antes de 1920, mas foi nesse ano que Ludwig von Mises
formulou o problema de forma mais convincente. Foi apenas após a
publicação de seu ensaio "Cálculo Econômico na Comunidade
Socialista" que os socialistas começaram a prestar atenção na questão
como um todo, um fato admitido por Oskar Lange, um dos economistas
socialistas que aceitaram o desafio de Mises.
Como Lange colocou, apenas meio a brincar:

Tanto como uma expressão de reconhecimento pelo


grande serviço prestado por ele quanto como um lembrete da
importância fundamental da contabilidade econômica sólida,
uma estátua do Professor Mises deveria ocupar um lugar
honroso na grande sala do Ministério da Socialização ou do
Conselho de Planejamento Central do estado socialista .4

4 Oskar Lange, On the Economic Theory of Socialism (Nova York: McGraw-


Hill, 1964), pp. 57-58. Esta é uma reimpressão dos artigos de Lange que
apareceram no Review of Economic Studies, IV (1936 -37). O livro também
contém o ensaio de Fred M. Taylor, "The Guidance of Production in a Socialist
State", que foi publicado originalmente no American Economic Review XIX
(1929). É uma das obras padrão que defendem a visão de que a comunidade
socialista pode escapar das críticas levantadas por Mises.

288
Apêndice A: Cálculo Econômico Socialista 289
Mises aborda o problema de duas maneiras. Primeiro, ele
assume que o conselho de planejamento socialista terá que fazer uso de
algum tipo de sistema de preços. Isso, ele diz, não é realmente
consistente com as esperanças socialistas, mas será necessário.
Em segundo lugar, ele mostra que a visão final de Marx para a
sociedade - um mundo sem dinheiro - é absolutamente inviável no
mundo real. Seus argumentos em ambos os casos se baseiam em sua
crença de que o planejamento econômico racional, à parte de um
mecanismo de preços verdadeiramente livre que é fundamentado na
propriedade privada, não é possível.
O cerne do problema, argumenta Mises, é o "problema da
valoração". Como os produtores podem saber o quão valioso é qualquer
bem econômico? Ainda mais importante, como podem avaliar o valor
de um fator usado no processo de produção? O bem não é diretamente
demandado pelos consumidores, então como pode ser estimada sua
importância para a produção?
O socialismo é definido como a propriedade dos meios de
produção pelo Estado. Nessa própria definição reside o problema: não
existe mercado para bens de produção.

Além disso, justamente porque nenhum bem de produção


jamais se tornará objeto de troca, será impossível determinar
seu valor monetário. O dinheiro nunca poderá desempenhar no
estado socialista o papel que desempenha numa sociedade

289
290 A Religião Revolucionária de Marx
competitiva para determinar o valor dos bens de produção. O
cálculo em termos de dinheiro será aqui impossível.5

Dinheiro e Cálculo Econômico


A teoria econômica desde a década de 1870 mostrou claramente
que não existe um padrão objetivo e fixo de valor (por exemplo, o
trabalho). É a preferência subjetiva do indivíduo particular que é a base
do valor econômico. Mas, como Mises escreve:

Julgamentos de valor não medem; eles apenas


estabelecem graus e escalas.12

No cálculo e comparações envolvidos em toda valoração, o


dinheiro é uma ferramenta indispensável:

Em uma economia de troca, o valor de troca objetivo das


mercadorias entra como a unidade de cálculo econômico. Isso
traz uma vantagem tripla. Em primeiro lugar, torna possível
basear o cálculo na valoração de todos os participantes do
comércio.

O valor de uso subjetivo de cada um não é imediatamente


comparável como um fenômeno puramente individual com o
valor de uso subjetivo de outros homens. Só se torna comparável

5 Mises, "Cálculo Econômico no Estado Socialista" (1920), em F. A. Hayek


(ed.), Collectivist Economic Planning (Londres: Routledge & Kegan Paul,
[1935] 1963), p. 92. Este volume é fundamental para a compreensão do
problema do cálculo econômico. Contém ensaios de Hayek, N. G. Pierson,
Georg Halm e Enrico Barone, além do de Mises.

290
Apêndice A: Cálculo Econômico Socialista 291
no valor de troca, que surge da interação das valorações
subjetivas de todos os que participam da troca.

Mas, nesse caso, o cálculo pelo valor de troca fornece


um controle sobre o uso apropriado dos bens. Qualquer um que
deseje fazer cálculos em relação a um processo de produção
complicado perceberá imediatamente se trabalhou de maneira
mais econômica do que outros ou não; se ele descobrir, com
base nas relações de troca existentes no mercado, que não será
capaz de produzir com lucro, isso mostra que outros sabem
como fazer um uso melhor dos bens de uma ordem superior
[bens de produção - G.N.] em questão.

Por fim, o cálculo pelo valor de troca torna possível


referir valores de volta a uma unidade.13

O dinheiro, em resumo, torna possível a produção baseada na


divisão do trabalho na sociedade, e isso inclui uma divisão intelectual
do trabalho. Essa divisão intelectual do trabalho é absolutamente vital,
dado o pressuposto de que nenhum homem único ou grupo de homens
pode ser onisciente.

Nenhum homem único pode dominar todas as


possibilidades de produção, inúmeras como são, a ponto de
poder fazer julgamentos imediatamente evidentes de valor sem
a ajuda de algum sistema de cálculo.

A distribuição entre vários indivíduos do controle


administrativo sobre bens econômicos em uma comunidade de
homens que participam do trabalho de produzi -los e que têm
interesse econômico neles implica uma espécie de divisão
intelectual do trabalho, que não seria possível sem algum
sistema de cálculo de produção e sem economia.14

291
292 A Religião Revolucionária de Marx
No entanto, Marx nos obrigaria a abolir o uso do dinheiro na
fase final do comunismo, forçando-nos a calcular in natura, em termos
dos próprios bens físicos, sem qualquer referência a um padrão
monetário. Isso destruiria toda produção racional em uma sociedade
que fosse além de uma economia simples de subsistência.

O cálculo in natura, em uma economia sem trocas, só


pode abranger bens de consumo; ele falha completamente
quando se trata de lidar com bens de ordem superior.15

Mas os bens de produção são a base da produtividade em grande


escala que proporcionou ao mundo moderno sua riqueza. Sem esse
investimento em capital, nos encontraríamos nas mesmas condições
encontradas nas nações subdesenvolvidas; a capitalização por meio da
poupança é o fundamento da vida econômica moderna.
Argumenta Mises:

Relações de troca entre bens de produção só podem ser


estabelecidas com base na propriedade privada dos meios de
produção.16

Em outras palavras:

Onde não há um mercado livre, não há mecanismo de


preços; sem um mecanismo de preços, não há cálculo
econômico.17

Mises então coloca o desafio para os socialistas:

Assim, na comunidade socialista, cada mudança


econômica se torna uma empreitada cujo sucesso não pode ser
avaliado antecipadamente, nem posteriormente determinado

292
Apêndice A: Cálculo Econômico Socialista 293
retrospectivamente. Há apenas tentativa e erro. O socialismo é
a abolição da economia racional.18

Compreensivelmente, o artigo provocou uma onda de protestos


por parte dos socialistas. T. J. B. Hoff analisou essas tentativas de
refutação em seu importante estudo, "Cálculo Econômico na Sociedade
Socialista" (1949), e oferece argumentos convincentes para demonstrar
sua impraticabilidade.
Na verdade, ele frequentemente utiliza as várias soluções
propostas por esses economistas socialistas contra eles mesmos, já que
muitas delas são mutuamente contraditórias. Em todos os argumentos,
certos temas e pressupostos continuam surgindo: a onisciência dos
planejadores, a condição estática da economia em relação aos gostos do
consumidor e ao desenvolvimento tecnológico, e a possibilidade de
estabelecer um sistema arbitrário com base nos valores dos
planejadores, em vez da demanda pública.6

Planejamento e Produção
O argumento foi estendido por Georg Halm. Como ele mostra,
toda a questão da poupança e das taxas de juros não pode ser resolvida

6 T. J. B. Hoff) Economic Calculation in the Socialist Society (London: Hodge,


1949). [Reimpresso por Liberty Press) Indianapolis) Indiana.] Cf. Walter
Eucken, "On the Theory of the Centrally Administered Economy: An Analysis
of the German Experiment," Economica, XV (May & Aug., 1948); reimpresso
em Morris Bornstein (ed.), Comparative Economic Systems: Models and
Cases (Homewood, Illinois: Irwin, 1965), pp. 157-97.

293
294 A Religião Revolucionária de Marx
pelo socialismo, exceto por meio de declarações arbitrárias (e, em
última análise, irracionais) pelas autoridades.
Os planejadores devem decidir quanto do capital atualmente
disponível deve ser destinado a bens de consumo e quanto a bens de
produção. O fator de preferência pelo tempo é, é claro, fundamental
para esses cálculos: quanto os bens presentes são valorizados pelo
público em comparação com os bens futuros?
No capitalismo, a taxa de juros aloca a poupança, o que, por sua
vez, estabelece a quantidade de capital disponível para investimento em
atividades produtivas. Tal mercado de capital livre não pode existir sob
o socialismo.

Porque o capital não é mais de propriedade de muitas


pessoas privadas, mas da comunidade, que o dispõe
diretamente, uma taxa de juros não pode mais ser determinada.

Um processo de fixação de preços só é possível quando


a oferta e a demanda se encontram em um mercado, quando a
competição de muitos ofertantes e demandantes, o sobrepujar
mútuo por parte dos compradores e o subcorte por parte dos
vendedores, leva, por tentativa e erro, à gradual emergência de
um preço, que pode ser chamado de normal porque é aquele
preço pelo qual a oferta disponível, nem mais nem menos, pode
ser exatamente disposta.

[...]Na economia socialista, tal processo de


determinação de juros seria impossível. Não pode haver
demanda nem oferta quando o capital desde o início está nas
mãos do seu usuário pretendido, neste caso, a autoridade
central socialista.

294
Apêndice A: Cálculo Econômico Socialista 295
Agora, pode ser sugerido que, uma vez que a taxa de
juros não pode ser determinada automaticamente, ela deveria
ser fixada pela autoridade central. Mas isso também seria
completamente impossível.

É verdade que a autoridade central saberia muito bem


quantos bens de capital de um determinado tipo possui ou
poderia obter por meio de uma restrição compulsória de
consumo; ela saberia da capacidade da planta existente nas
várias áreas de produção; mas ela não saberia o quão escasso
é o capital.

Pois a escassez de meios de produção deve sempre ser


relacionada à demanda por eles, cujas flutuações dão origem a
variações no valor do bem em questão, neste caso, o capital,
mesmo que o seu fornecimento permaneça constante. 19

Não é possível para as autoridades estatais fixar preços


arbitrariamente? Claro, diz Halm:

Isso, de fato, foi explicitamente exigido no que diz


respeito à taxa de juros. Mas se isso fosse feito, o caso seria de
planejamento central da produção sem levar em conta o
elemento de controle da escolha dos consumidores.20

A questão fundamental para Halm é quem controla a produção


de acordo com as preferências de valor de quem:

Pois ou a produção é planejada, caso em que a liberdade


de escolha dos consumidores deve ser abolida, ou então o
consumo é deixado livre, caso em que a produção deve ser
adaptada a ele.

295
296 A Religião Revolucionária de Marx
A única maneira pela qual a liberdade de consumo pode
ser interferida, com alguma segurança, é pela expansão da
demanda coletiva e pela consequente restrição artificial das
demandas individuais.

Estradas, parques ou campos de jogo podem ser


construídos, por exemplo, e os recursos necessários garantidos
ao restringir os ramos de produção que satisfazem as demandas
dos indivíduos; e isso, sob o capitalismo, significa em última
análise aumento de impostos e, sob o socialismo, direção
central apropriada.

Mas o que não é possível é permitir, por um lado, a


liberdade de consumo e, por outro lado, produzir de acordo com
um plano. Planejamento e liberdade de escolha não podem ser
realizados simultaneamente.21

Calculando o Lucro
O lucro, como já vimos, é um acréscimo que resulta de uma
previsão e planejamento eficazes por parte do empreendedor. Não é um
determinado percentual das vendas que pode ser imputado
antecipadamente no processo de produção geral.
Sob o socialismo, o cálculo do lucro não é possível, se por lucro
entendemos uma medida da precisão das estimativas anteriores da
demanda do consumidor e dos custos dos fatores. A razão para isso é
que a produção do estado é totalmente monopolística.

A contabilidade unificada em todos os ramos da


indústria seria necessariamente uma tarefa tão difícil a ponto
de ser praticamente insolúvel, apenas porque as empresas

296
Apêndice A: Cálculo Econômico Socialista 297
envolvidas seriam extremamente numerosas e os diferentes tipos
de organização e técnica de produção seriam tão variados

[...] Assim, a questão decisiva é se é possível determinar


lucros líquidos em todos os ramos da indústria. O problema
consiste em comparar os preços das mercadorias com os custos.
A dificuldade surge das relações de monopólio recíproco.

Mesmo nos mercados de commodities, a concorrência


real prevalece apenas no lado da demanda; o fornecimento está
nas mãos de monopólios que determinam a extensão da
produção e, portanto, o nível de preços.

Nessas circunstâncias, mesmo que os custos pudessem


ser considerados conhecidos, seria excepcionalmente difícil
decidir se os lucros se devem a uma organização eficiente da
produção, a uma estimativa correta da demanda ou à
exploração monopolística dos consumidores.22

Os lucros surgem do fato de que o mundo não é estático. Ele


está em constante mudança: o conhecimento cresce, a tecnologia se
desenvolve, os gostos dos consumidores mudam, e as habilidades que
um indivíduo pode possuir variarão ao longo do tempo.
Em contraste com esse otimismo aparente, também pode haver
retardamento; o progresso social pode se reverter, e isso também é algo
que um empreendedor deve considerar, especialmente se estiver
planejando investimentos de capital a longo prazo.
Seus lucros dependerão de sua capacidade de levar em
consideração a mudança. Mas se não há como medir o lucro, como pode
ser avaliada a adequação do planejamento? Hayek aponta muitas dessas
áreas problemáticas.

297
298 A Religião Revolucionária de Marx
Um determinado empreendedor assumiu muitos riscos? Como
a autoridade central pode ter certeza?23 Se o Estado permitir que um
tipo de lucro pseudo seja obtido, como o tamanho dele pode ser
estimado? Isso só pode ser determinado se um valor definido puder ser
atribuído (imputado) à planta existente, algo que não pode ser
conhecido em um mundo desprovido de mercados de capital.24
Quanto de capital deve ser concedido a qualquer
empreendimento específico ou a qualquer empreendedor específico
dentro de uma determinada indústria?25 Em suma, como o conselho de
planejamento socialista pode colher os frutos da competição (ou, o que
é simplesmente outra palavra para a mesma coisa, cooperação) à parte
de algum tipo de indicadores de sucesso?
Este é precisamente o problema que tem atormentado os
planejadores da União Soviética, e nenhuma alternativa geralmente
aceita à competição de mercado livre foi encontrada. 26

Quem decide, e Como?


Socialismo, argumenta Hayek, não é uma forma de imitar o
capitalismo e não pode ser organizado como se fosse. Aquelas
propostas socialistas que planejam estabelecer algum tipo de estrutura
competitiva que se assemelharia ao quadro institucional do capitalismo
estão fadadas ao fracasso.
Na medida em que Marx esperava preservar o sistema
capitalista de produção industrial em massa e riqueza, as críticas de
Hayek se aplicam. Na medida em que Marx não esperava ver nenhum
vestígio do capitalismo no mundo além da Revolução, as críticas mais
básicas se aplicam: como pode haver cálculo econômico sem um

298
Apêndice A: Cálculo Econômico Socialista 299
sistema monetário; como pode haver produção em massa sem a divisão
do trabalho; como os planejadores podem lidar eficazmente com a
mudança econômica?
Assumindo, por um momento, que a primeira etapa do
comunismo de Marx (socialismo) preservará os preços (indicando
escassez no mundo), a crítica de Hayek à "quase-competição" do
socialismo se manterá:

Caberá à autoridade central decidir se uma planta


localizada em um lugar deve expandir em vez de outra planta
localizada em outro lugar. Tudo isso envolve planejamento por
parte da autoridade central em uma escala muito semelhante à
execução real da empresa. E, embora seja provável que o
empreendedor individual receba algum mandato contratual
definido para gerenciar a planta que lhe foi confiada, todos os
novos investimentos serão necessariamente direcionados
centralmente.

Essa divisão na disposição dos recursos teria


simplesmente o efeito de que nem o empreendedor nem a
autoridade central estariam realmente em posição de planejar,
e seria impossível avaliar a responsabilidade por erros. Assumir
que é possível criar condições de competição plena sem fazer
com que aqueles que são responsáveis pelas decisões paguem
por seus erros parece ser uma ilusão pura.

No máximo, será um sistema de "quase-competição"


onde a pessoa realmente responsável não será o empreendedor,
mas o funcionário que aprova suas decisões, e onde,
consequentemente, todas as dificuldades surgirão em relação à
liberdade de iniciativa e à avaliação de responsabilidade
normalmente associadas à burocracia. 27

299
300 A Religião Revolucionária de Marx
Em uma comunidade socialista, existe uma tensão constante
entre os objetivos do planejamento macroeconômico de toda a
economia e o planejamento microeconômico da empresa. Ou o plano é
elaborado no topo, à parte de um sistema de preços baseado na
competição microeconômica, ou então as empresas privadas utilizam
preços competitivos para determinar a produção, em detrimento dos
cálculos feitos pela agência central de planejamento. Há uma constante
flutuação entre centralização e descentralização.
A União Soviética é um exemplo clássico dessa confusão; ela
nunca foi capaz de alcançar um equilíbrio entre as duas formas de
planejamento. O plano geral estabelecido pelo órgão central de
planejamento é ameaçado pela intransigência e letargia locais; as
unidades de produção locais não funcionarão eficientemente a menos
que possam planejar de acordo com as necessidades e condições locais.
Mas quando a economia é permitida a mudar para uma condição
mais descentralizada, as empresas locais tendem a ignorar as
necessidades nacionais e se concentrar nos desejos locais e na produção
para lucros locais. O planejamento centralizado é ineficiente; o
planejamento descentralizado está sujeito a menos direcionamento e
manipulação política.28

O Impulso Burocrático
O problema do planejamento foi esboçado por Mises em seu
estudo "Burocracia" (1945). Existem duas formas de gestão ou
administração. A primeira forma está associada à produção capitalista
privada. É do tipo descentralizado, uma vez que seu requisito
primordial é que cada nível da organização deve produzir lucro.

300
Apêndice A: Cálculo Econômico Socialista 301
É deixado aos gerentes locais tomar as decisões que produzirão
esse lucro. Isso não significa que não sejam estabelecidas regras gerais
pelo mais alto nível; esse nível é a área de maior poder empreendedor.
Mas, enquanto os gerentes produzirem lucros, podem ser deixados por
si mesmos sem muito perigo. Portanto, há considerável flexibilidade na
tomada de decisões locais.
A segunda forma de gestão é a burocracia estatal. A situação
aqui é totalmente diferente. A burocracia estatal é limitada por dotações
fixas. A flexibilidade nos níveis mais baixos deve ser reduzida se a
estrutura total deve permanecer dentro de seu orçamento fixo.
Os planejadores burocráticos devem garantir que cada dólar
alocado para um fim específico, de fato, alcance seu destino. Se os
programas do estado devem ser concretizados, então não pode haver
muita margem para o que é permitido às subsidiárias da burocracia.
A natureza do tipo de controle é determinada, em outras
palavras, pela fonte dos fundos operacionais da burocracia. As
empresas privadas não estão sujeitas a dotações fixas; elas podem sofrer
prejuízos ou obter lucros, mas mantêm um grau muito maior de
flexibilidade local.
A burocracia do estado não está sujeita aos caprichos do livre
mercado, uma vez que não opera com base no lucro e na perda.
Portanto, suas decisões devem ser fixadas com antecedência, tanto
quanto possível, e suas atividades devem ser executadas de acordo com
o plano preconcebido. A incerteza é reduzida, mas também é reduzida
a liberdade de movimento.29

301
302 A Religião Revolucionária de Marx
As duas formas de gestão são muito diferentes, e suas regras de
conduta não são intercambiáveis. É por isso que cada uma deve ser
restrita ao seu domínio adequado.7

Tecnologia da Estagnação
Outro problema importante para os planejadores socialistas está
relacionado com o desenvolvimento tecnológico. A ciência e a
tecnologia estão à mercê dos planejadores políticos do estado.
Estes ocupam seus cargos em termos de desejos e necessidades
políticas, e não principalmente em termos da noção de produtividade
econômica (embora o aspecto econômico seja um lado da esfera
política, na medida em que o público eleitor [se existir] espera que
benefícios econômicos lhes sejam atribuídos como eleitores).
Com base em que critérios os planejadores tomarão decisões
relacionadas com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia?

7 Na medida em que o planejamento socialista se torna a base para a produção


dos bens de uma nação, as indústrias locais se assemelharão cada vez menos
ao esboço das burocracias privadas feito por Mises. Este é um dos principais
defeitos da discussão sobre burocracia feita por Van Riessen: ele não
diferencia os dois tipos.

Consequentemente, ele atribui os males da burocracia estatal centralizada à


esfera privada. Ele falha em mencionar que a razão pela qual as burocracias
privadas estão começando a se tornar totalitárias em natureza é pelo menos em
parte devido ao fato de que estão se tornando braços do estado sob uma
chamada "economia mista". Cf. H. Van Riessen, The Society of the Future
(Philadelphia : Presbyterian and Reformed Pub. Co., [1952]), pp. 135ff.

302
Apêndice A: Cálculo Econômico Socialista 303
Obviamente, eles devem decidir, pelo menos em parte, em termos dos
objetivos políticos do poder dominante.
Tem havido uma série de estudos sobre o retardamento do
progresso científico por burocratas estatais politicamente motivados, e
quando o estado é a única fonte de fundos para pesquisa e
desenvolvimento (como é sob um regime socialista), há poucas
alternativas abertas para o potencial desenvolvedor. 8 Hayek comentou
extensivamente sobre essa questão:

Na discussão desse tipo de problema, assim como na


discussão de grande parte da teoria econômica na época atual,
a questão é frequentemente tratada como se as curvas de custo
fossem fatos objetivos dados.

O que é esquecido é que o método que, sob condições


dadas, é o mais barato, é algo que precisa ser descoberto, e
descoberto novamente, às vezes quase que diariamente, pelo
empreendedor, e que, apesar do forte incentivo, não é
regularmente o empreendedor estabelecido, o homem

8 Um dos fatos surpreendentes da história é que tanto o telégrafo inicial quanto


a primeira televisão rudimentar foram desenvolvidos na Rússia. Em ambos os
casos, a recusa dos burocratas do estado em financiar os projetos resultou na
asfixia dos projetos. Isso, claro, aconteceu sob o governo czarista, mas o
princípio é o mesmo sob qualquer sistema estatista: cuidado com o monopólio
político do investimento; isso leva a um monopólio da invenção. Sobre o ponto
do telégrafo-televisão, veja James R. Philips, "A Força da Rússia na Ciência",
The Freeman, XII (abril de 1962), pp. 18-25; cf. Mitchell Wilson, American
Science and Invention (Nova York: Simon & Schuster, 1954), pp. 119, 400.

303
304 A Religião Revolucionária de Marx
encarregado da planta existente, quem vai descobrir qual é o
melhor método.

A força que, em uma sociedade competitiva, leva à


redução do preço ao custo mais baixo pelo qual a quantidade
vendável a esse custo pode ser produzida é a oportunidade para
qualquer um que conheça um método mais barato de entrar por
sua própria conta e risco e atrair clientes com preços mais
baixos do que os outros produtores. Mas, se os preços são
fixados pela autoridade, esse método é excluído.

Qualquer melhoria, qualquer ajuste, na técnica de


produção de acordo com as condições alteradas dependerá da
capacidade de alguém convencer o S.E.C. [Conselho
Econômico Supremo - C.N.] de que o produto em questão pode
ser produzido mais barato e, portanto, o preço deve ser
reduzido.

Como o homem com a nova ideia não terá possibilidade


de se estabelecer sobrecotando, a nova ideia não pode ser
provada por experimentação até que ele tenha convencido o
S.E.C. de que sua maneira de produzir a coisa é mais barata.

Ou, em outras palavras, todo cálculo feito por um


estranho que acredita que pode fazer melhor terá que ser
examinado e aprovado pela autoridade, que, neste contexto,
terá que assumir todas as funções do empreendedor. 30

Os resultados de tal sistema podem ser previstos com segurança.


Isso criará uma nação de burocratas assustados que temem todas as
mudanças porque as força a tomar decisões - decisões que podem
resultar em mais do que perdas financeiras se as autoridades políticas
supremas decidirem dar um exemplo do erro de julgamento do
burocrata.

304
Apêndice A: Cálculo Econômico Socialista 305
Foi Lange, contra cuja teoria de planejamento econômico
Hayek está argumentando, que teve que admitir que "o verdadeiro
perigo do socialismo é o da burocratização da vida econômica," e neste
ponto Hayek estava em pleno acordo.31 A conclusão de Hayek parece
inevitável:

O sucesso do gerente individual dependerá, em grande


parte, não apenas da ação da autoridade de planejamento; ele
também terá que satisfazer a mesma autoridade de que fez o
melhor possível.

Seja antecipadamente, ou mais provavelmente


retrospectivamente, todos os seus cálculos terão que ser
examinados e aprovados pela autoridade. Isso não será uma
auditoria perfunctória, direcionada para descobrir se seus
custos realmente foram o que ele diz que foram.

Terá que determinar se foram os mais baixos possíveis.


Isso significa que o controle terá que considerar não apenas o
que ele realmente fez, mas também o que ele poderia ter feito e
deveria ter feito.

Do ponto de vista do gerente, será muito mais importante


que ele esteja sempre em condições de provar que, à luz do
conhecimento que possuía, a decisão efetivamente tomada era a
correta do que provar que estava certo no final. Se isso não
levar às piores formas de burocracia, não sei o que levará. 32

Uma Montanha de Dados


A tarefa que enfrentaria as autoridades de planejamento central
é monumental. Enrico Barone, cuja "solução" para o problema do
cálculo econômico no socialismo é, na verdade, apenas uma declaração

305
306 A Religião Revolucionária de Marx
do problema, compreendeu claramente a magnitude da operação de
planejamento.9
Um enorme trabalho de coleta de todos os dados relacionados
aos métodos tecnológicos atualmente disponíveis (sem mencionar
estimativas do estado da tecnologia futura, que o empreendedor
capitalista deve levar em consideração se quiser continuar nos
negócios), os gostos do público, o capital disponível e uma série de
outros dados deve ser realizado pela agência de planejamento.
Experimentos em larga escala teriam que ser conduzidos pelos
planejadores para descobrir os métodos de produção mais baratos. Isso
é obrigatório:

9 Enrico Barone, "O Ministério da Produção no Estado Coletivista", (1908), em


Hayek (ed.), Collectivist Economic Planning, pp. 287 -90. Em relação a este
artigo, é importante referir-se a uma declaração feita por Hayek em outro
contexto: "Acredito que o Professor Schumpeter seja também o autor original
do mito de que Pareto e Barone 'resolveram' o problema do cálculo socialista.
O que eles, e muitos outros, fizeram foi meramente estabelecer as condições
que uma alocação racional de recursos teria que satisfazer e apontar que estas
eram essencialmente as mesmas que as condições de equilíbrio de um mercado
competitivo. Isso é algo completamente diferente de mostrar como a alocação
de recursos que satisfaz essas condições pode ser encontrada na prática. O
próprio Pareto (de quem Barone tirou praticamente tudo o que tem a dizer),
longe de reivindicar ter resolvido o problema prático, de fato nega
explicitamente que ele possa ser resolvido sem a ajuda do mercado." Hayek,
"O Uso do Conhecimento na Sociedade", American Economic Review,
XXXV (1945); reimpresso em Hayek, Individualism and Economic Order, p.
90n.

306
Apêndice A: Cálculo Econômico Socialista 307
[...] não possui outros meios de determinar a priori os
coeficientes técnicos mais vantajosos economicamente e,
necessariamente, deve recorrer a experimentos em grande
escala para depois decidir quais são as organizações mais
apropriadas, que é vantajoso manter em existência e ampliar
para obter o máximo coletivo mais facilmente, e quais, por outro
lado, é melhor descartar como falhas.33

Barone ridiculariza a ideia de Marx de que o planejamento


coletivista de alguma forma evitaria os tipos de decisões tomadas no
capitalismo "anarquista."
Hayek é mais pessimista do que Barone e, após examinar o
número de problemas que enfrentaria o conselho de planejamento, ele
conclui que em uma sociedade avançada as decisões a serem tomadas
pelo conselho antes de embarcar em qualquer plano de produção
"seriam pelo menos na casa das centenas de milhares."34
Lionel Robbins considera a estimativa de Hayek
excessivamente otimista. A tarefa é esmagadora:

Ela necessitaria a elaboração de milhões de equações


com base em milhões de tabelas estatísticas baseadas em muitos
mais milhões de cálculos individuais. Até o momento em que as
equações fossem resolvidas, as informações nas quais elas se
basearam teriam se tornado obsoletas e elas precisariam ser
calculadas novamente.35

Mas Robbins e Hayek são claramente conservadores em suas


avaliações do problema. Eles são defensores do mercado livre que
nunca estiveram conectados a nenhum grande projeto de planejamento
socialista.

307
308 A Religião Revolucionária de Marx

Mais Analistas do que Pessoas


Para ter uma ideia do problema real enfrentado pelos
planejadores, devemos recorrer a um especialista, Victor M. Glushkov,
chefe do programa de pesquisa em cibernética da União Soviética. A
menos que haja uma reforma radical nos métodos de planejamento na
URSS em breve, Glushkov estima que a burocracia de planejamento
terá que crescer 36 vezes até 1980, exigindo os serviços de toda a
população!36
Se os planejadores centrais da União Soviética persistirem na
ideia de que cada prego e parafuso de todas as fábricas em construção
ou já construídas deve ser conhecido por eles com antecedência, então
não há esperança para eles. Tem que haver uma reforma. Leon
Smolinski relata a discussão do problema feita por Glushkov:

Esta tentativa é utópica. Como V.M. Glushkov mostrou


recentemente, isso implica que os planejadores centrais teriam
que considerar várias quintilhões de relações entre os diversos
produtos, provavelmente o maior número já considerado em
análises econômicas.

Glushkov acrescenta que, mesmo que computadores


eletrônicos de alta velocidade realizando 30.000 operações por
segundo fossem utilizados nessa tarefa, seria necessário um
milhão de computadores trabalhando sem interrupção por

308
Apêndice A: Cálculo Econômico Socialista 309
vários anos. E, é claro, a economia não ficaria congelada,
esperando que os cálculos fossem concluídos.10

O outro problema mal é mencionado: que garantia teriam os


planejadores de que os dados fornecidos pelos vários centros de coleta
de dados são, de fato, precisos? O planejamento central total, em
resumo, é um sonho tolo de pensadores iludidos. Não pode ser feito.

Conclusão
No final das contas, o problema se resume a isto: os seres
humanos não são oniscientes. Por essa razão, uma sociedade produtiva
requer uma divisão intelectual do trabalho. É por isso que precisamos
de planejamento descentralizado por pessoas que sejam
economicamente responsáveis por seus erros, mas que possam colher
lucros por seus empreendimentos bem-sucedidos.

10 Ibid., p. 335. [Em retrospectiva, a ideia de um computador que processa dados


a apenas 30.000 operações por segundo é risível. Mas a velocidade dos
computadores não é o principal problema. O problema é a incapacidade dos
homens, na ausência de um sistema de preços competitivos baseado na
propriedade privada, de quantificar todos os aspectos da demanda potencial do
consumidor que entram na tomada de uma decisão de produção centralmente
planejada.

De qualquer forma, a União Soviética é uma sociedade que não pode permitir
que muitos computadores caiam nas mãos do público. Mesmo que os
computadores estivessem disponíveis, onde os cidadãos soviéticos teriam
acesso a dados confiáveis?]

309
310 A Religião Revolucionária de Marx
Isso, em resumo, é o motivo pelo qual toda sociedade avançada
precisa de dinheiro: o cálculo econômico racional é impossível sem o
cálculo monetário. Significa que um mercado livre deve estar presente
para fornecer o quadro institucional para o mecanismo d e preços. E
isso, finalmente, nos leva de volta à questão original levantada nas
primeiras páginas deste livro: a economia, assim como a filosofia, não
é uma investigação neutra.
Se o objetivo do mercado livre de cálculo racional, econômico
e produtivo for aceito, então o mercado livre deve ser aceito como o
único meio para atingir esse objetivo. Isso pressupõe um quadro moral
e teológico: o mercado livre não pode operar separadamente de certos
pré-requisitos morais básicos, incluindo a disposição da população em
se abster do roubo envolvido na redistribuição socialista direta.
Significa que os membros da sociedade devem se dedicar à
produção em vez de ao roubo como meio de progresso social. Significa
que os homens devem aceitar a responsabilidade pessoal por suas ações
em todas as áreas da vida, e isso, por sua vez, pressupõe um quadro de
lei.
A lei nunca é neutra; ela se baseia em fundamentos
fundamentalmente morais e religiosos.
A estrutura institucional do capitalismo, baseada como é na
propriedade privada e no direito aos lucros, não pode existir em um
vácuo moral. A estrutura moral que a sustenta tem sido, em todos os
casos, uma baseada no cristianismo.
Uma sociedade que rejeita os requisitos sociais básicos do
Decálogo (Êxodo 20:1-17) não pode esperar construir um sistema

310
Apêndice A: Cálculo Econômico Socialista 311
econômico capitalista e não pode esperar alcançar o crescimento
econômico e os benefícios que apenas o capitalismo pode proporcionar.
Não há frutos econômicos sem raízes religiosas.
A propriedade privada deve ser respeitada pelas autoridades do
Estado porque a propriedade privada é fundamental para a estrutura
social cristã. O governo civil que se recusa a honrar esses direitos pode
esperar o julgamento de Deus, assim como o tratamento de Acaz a
Nabote resultou no colapso de sua autoridade e em sua morte (1 Reis 2;
2 Reis 9:26).
O mesmo fim pode ser esperado por todos aqueles economistas
que pensam que podem estabelecer um quadro econômico intelectual e
institucional em desafio à justiça bíblica; eles disseram em seus
corações "neutros" que não há Deus, e como os tolos do passado, eles
perecerão, junto com aqueles que os ouviram. O aviso do Deus que deu
a Jeremias sua tarefa profética sombria deve estar em nossos ouvidos:

Não visitarei por causa destas coisas? diz o Senhor; ou


não se vingará a minha alma de uma nação como esta? Coisa
espantosa e horrível se anda fazendo na terra. Os profetas
profetizam falsamente, e os sacerdotes dominam pelas mãos
deles; e o meu povo assim o deseja; mas que fareis no fim disso?
(Jeremias 5:29-31).

1 Ludwig von Mises, Socialism (New Haven, Connecticut: Yale University


Press, [1922] 1951), p. 135.
2 Robbins, op. cit., p. 15.

311
312 A Religião Revolucionária de Marx

3 Ibid., p. 16.
4 Cf. Mises, The Theory oj Money and Credit (New Haven, Connecticut: Yale
University Press, 1953), ch. 7; Human Action, ch. 20.
5 Karl Marx, "Sobre a Questão Judaica", em Early Writings de Marx, editado
por T. B. Bottomore (Nova York: McGraw-Hill, 1964), p. 34. [Collected
Works, 3, pp. 169-70.]
6 Ibid., p. 35. [Ibid., 3, p. 170.]
7 Ibid., p. 34. [Ibid., 3, p. 170.]
8 Ibid., p. 37. [Ibid., 3, p. 172.
9 Ibid., p. 39. [Ibid., 3, p. 174.]
10 Ibid., p. 40. [Ibid., 3, p. 174.]
11 O Capital, 2 (Chicago: Charles H. Kerr & Co., 1909), p. 412. [O Capital, 2
(New York: International Publishers, [1967] 1974), p. 358.]
12 Ibid., pp. 96-97.
13 Ibid., pp. 97-98.
14 Ibid., p.l02.
15 Ibid., p. 104.
16 Ibid., p. 112.
17 Ibid.) p.ll1.
18 Ibid.) p. 110.
19 Georg Halm, "Further Considerations on the Possibility of Adequate
Calculation in a Socialist Community," em Hayek (ed.), Collectivist Economic
Planning, pp. 162-63.

312
Apêndice A: Cálculo Econômico Socialista 313

20 Ibid., p. 187.
21 Ibid., pp. 149-50.
22 Ibid., pp. 194-95.
23 F. A. Hayek, "The Present State of the Debate" (1935):: ibid., p. 234.
24 Ibid., p. 235.
25 Ibid., p. 236.
26 A. Nove, "The Problem of Success Indicators' in Soviet Industry," Economica,
XXV (1958); reimpresso em Wayne A. Leeman (ed.), Capitalism, Market
Socialism, and Central Planning (Boston: Houghton Miffiin, 1963), pp. 78 -90.
27 Hayek, Collectivist Economic Planning, pp. 236-37.
28 Sobre essa tensão, veja Alec Nove, "A Reorganização Industrial Soviética",
em Abraham Brumberg (ed.), Russia Under Khrushchev (Nova York: Praeger,
1962), pp. 189-204. Cf. Gregory Grossman, "Notas para uma Teoria da
Economia de Comando", em Bornstein (ed.), Comparative Economic Systems,
pp. 135-56.
29 Mises, Bureaucracy (New Rochelle, NewYork: Arlington House, [1945]
1969). [Reprinted by Libertarian Press, Spring Mills, Pennsylvania.]
30 F. A. Hayek, "The Competitive 'Solution'," Economica, VII, New Series
(1940); reimpresso em Hayek, Individualism and Economic Order (University
of Chicago Press, 1948), pp. 196-97.
31 Lange, On the Economic Theory of Socialism, p. 109.
32 Hayek, Individualism and Economic Order, pp. 198-99.
33 Barone, em Hayek (ed.), Collectivist Economic Planning, pp. 288 -89.
34 Hayek, ibid., p. 212.

313
314 A Religião Revolucionária de Marx

35 Lionel Robbins, The Great Depression (I.ondon: Macmillan, 1934), p. 151.


36 Reportado por Leon Smolinski, "O Que Vem a Seguir no Planejamento
Soviético?" Foreign Affairs, XLII (1964); reimpresso em Morris Bornstein e
Daniel R. Fusfeld (eds.), The Soviet Economy: A Book of Readings
(Homewood, Illinois: Irwin, 1966), p. 329.

314
APÊNDICE B:
PLANEJAMENTO ECONÔMICO SOVIÉTICO
A apropriação dos meios de produção pela sociedade põe fim à produção de
mercadorias e, com isso, à dominação do produto sobre o produtor. A anarquia na
produção social é substituída por uma organização consciente em uma base
planejada. A luta pela existência individual termina. E, nesse ponto, de certa forma,
o homem finalmente se separa do mundo animal, abandona as condições da
existência animal e entra em condições que são verdadeiramente humanas.
Frederick Engels (1878)1

Por quase meio século, Ludwig von Mises sustentou que sua
análise do problema do cálculo econômico sob o socialismo estava
correta. O socialismo puro - um sistema econômico sem um mercado
livre baseado na propriedade privada dos meios de produção - não pode
alocar recursos escassos de forma eficiente; muitos recursos serão
usados para criar uma dada quantidade e qualidade de bens
econômicos.
Do ponto de vista da teoria econômica, seu argumento básico
nunca foi desafiado com sucesso (Oskar Lange à parte). No entanto,
como é que na prática muitas nações ostensivamente socialistas podem
competir economicamente com os Estados Unidos e outras sociedades
relativamente livres?
Mais especificamente, como a União Soviética pode continuar
a produzir seus bens (especialmente bens de produção) se a teoria de
Mises não for apenas um exercício intelectual com pouca relação com
a realidade?

315
316 A Religião Revolucionária de Marx
A literatura sobre o sistema econômico da União Soviética é
muito extensa e está em constante crescimento. Seria impossível
abordar mais do que apenas uma fração desse material em um ensaio
curto. No entanto, ao limitar a pesquisa principalmente às questões
relacionadas ao problema de alocação, valoração e fixação de preços, é
possível obter pelo menos uma imagem breve da economia soviética.
Para o iniciante, seria sábio consultar o excelente livro de
Robert Campbell, "Soviet Economic Power" (Poder Econômico
Soviético) de 1966, que se destaca pelo estilo animado e tratamento
sólido de um assunto difícil em um volume comparativamente pequeno.
A partir daí, muitos estudos seriam úteis, incluindo a introdução
mais detalhada de Alec Nove, "The Soviet Economy" (A Economia
Soviética) de 1965, e "The Economics of Soviet Planning" (A
Economia do Planejamento Soviético) de Abram Bergson de 1964.
Existem várias excelentes coletâneas de artigos mais curtos,
principalmente limitados a trabalhos preparados por acadêmicos para
revistas profissionais. A mais adequada nesse sentido é provavelmente
"The Soviet Economy: A Book of Readings" (A Economia Soviética:
Um Livro de Leituras) editada por Bornstein e Fusfeld de 1966.
O livro de Wayne A. Leeman, "Capitalism, Market Socialism,
and Central Planning" (Capitalismo, Socialismo de Mercado e
Planejamento Central) de 1963, fornece alguns trechos de discussões
teóricas importantes nessa área, bem como os estudos históricos
comparativos habituais.
Para obter algumas informações sobre o lado soviético do
debate, uma introdução válida é "The Soviet Economy: A Collection of
Western and Soviet Views" (A Economia Soviética: Uma Coleção de

316
Apêndice B: Planejamento Econômico Soviético 317
Perspectivas Ocidentais e Soviéticas) editada por Harry Shaffer de
1963.
Para o estudante mais avançado, a tradução oficial da revista
soviética "Problems of Economics" (Problemas da Economia),
publicada pela International Arts and Sciences Press, é muito
importante.
Para contas mais populares, o "Current Digest of the Soviet
Press" (Resumo Atual da Imprensa Soviética) oferece aos leitores de
língua inglesa acesso a traduções e resumos de jornais soviéticos,
incluindo muitos artigos que tratam de problemas econômicos.
A ferramenta indispensável, como sempre, é o "Index of
Economic Journals" (Índice de Revistas Econômicas) da American
Economic Association. Publicado pela Richard D. Irwin, uma empresa
especializada nas áreas de gestão e economia, o índice é uma
bibliografia completa de todos os jornais anglófonos especificamente
dedicados à teoria e à prática econômica.

Crescimento Econômico
Não pode haver dúvida de que a produção industrial soviética
aumentou enormemente nas últimas cinco décadas. Independentemente
de quão questionáveis possam ser suas estatísticas oficiais
(especialmente os números sumários), por todos os meios de medição
possíveis, os soviéticos conseguiram altas taxas de crescimento nas
áreas de indústria pesada e armamentos militares.

317
318 A Religião Revolucionária de Marx
Isso coloca em questão a teoria básica de Mises? A experiência
soviética refuta o argumento de que o planejamento econômico
socialista é inconsistente com a alocação racional de recursos escassos?
A resposta é difícil de determinar. Mises estava lidando com um
problema de pura teoria econômica e tinha em mente uma economia
puramente socialista. A União Soviética nunca alcançou um estágio tão
puro em suas relações econômicas.
A presença de instituições como pequenas unidades agrícolas
de propriedade privada testemunha elementos de "capitalismo latente"
na URSS, e o uso de dinheiro para facilitar as trocas econômicas
também é um desvio do socialismo puro - ou pelo menos do socialismo
puro marxista.
Na medida em que os soviéticos utilizam um sistema de
planejamento econômico centralizado, a resposta é não, sua experiência
não refuta Mises. O desperdício, a ineficiência e a alocação geral
inadequada de recursos escassos sob o sistema soviético são lend ários.
De fato, a própria relutância (ou incapacidade) dos líderes
soviéticos em permitir a total coletivização indicaria, pelo menos em
parte, a compreensão deles do argumento básico de Mises: uma
economia absolutamente socialista, completamente centralizada e sem
dinheiro é uma abstração intelectual incapaz de ser posta em prática.
No entanto, o fato do crescimento econômico impressionante da
Rússia, ou pelo menos do crescimento dos índices estatísticos de
produção industrial, ainda é algo que exige uma explicação. As
estimativas variam amplamente entre os estudiosos ocidentais, mas as
cifras de Abram Bergson são pelo menos um tanto representativas.

318
Apêndice B: Planejamento Econômico Soviético 319
Ele estima que o produto interno bruto (PIB) da União Soviética
cresceu a uma taxa de cerca de 4,5 por cento ao ano, e 5,2 por cento se
excluirmos os anos de guerra, de 1928 a 1960, inclusos. 2 Dada a
fraqueza fundamental do conceito inteiro do PIB (Produto Interno
Bruto), esta pode ou não ser uma cifra relevante.1
Mesmo assumindo sua exatidão estatística, deve-se considerar
o aviso dado por Naum Jasny:

A comparação do potencial econômico de países tão


divergentes quanto a URSS e os EUA não pode ser expressa em
uma única cifra relevante.3

Ainda assim, isso nos dá alguma ideia, por mais rudimentar que
seja, da extensão do desenvolvimento soviético. G. Warren Nutter, cuja
estimativa de crescimento soviético tende a ser conservadora, concluiu
que de 1928 a 1955, a URSS alcançou uma taxa de crescimento anual
de 6,5 por cento, uma cifra maior do que qualquer período de 30 anos
comparável na história dos Estados Unidos.4

1 Sobre o conceito de Produto Interno Bruto, veja Henry Hazlitt, The Failure of
the "New Economics" (Princeton, Nova Jersey: Van Nostrand, 1960), pp. 410 -
11, 418.
Para discussões relevantes sobre os problemas de números-índice e outros
agregados estatísticos, veja Ludwig von Mises, Human Action (New Haven,
Connecticut: Yale University Press, 1949), pp. 221 -24; Mises, The Theory of
Money and Credit (New Haven, Connecticut: Yale University Press, [1912]
1953), pp. 187-94. Louis M. Spadaro, "Médias e Agregados em Economia",
em Mary Sennholz (ed.), On Freedom and Free Enterprise (Princeton: Van
Nostrand, 1956), pp. 140-160.

319
320 A Religião Revolucionária de Marx
Durante o mesmo período, de acordo com os cálculos de Nutter,
os EUA experimentaram uma taxa de crescimento de 3,8 por cento,
cifra que deve ser atenuada pela explicação de que a base de 1928 era
muito maior para este país começar; taxas de crescimento rápidas são
muito mais fáceis, em termos de percentagens, quando se começa com
uma base pequena.5
As taxas de crescimento soviéticas também devem ser
equilibradas com considerações como a qualidade de seus produtos,
uma vez que eles são quase universalmente reconhecidos como sendo
inferiores aos produtos do mercado livre, por mais defeituosos que estes
últimos possam ser às vezes.2 No entanto, no fim das contas, as cifras
de crescimento são impressionantes. Como esta nação socialista
conseguiu tal feito?

2 Ibid., pp. 238-39.


A baixa qualidade dos produtos soviéticos é frequentemente notada na própria
imprensa soviética, com os aparelhos de televisão sendo um alvo favorito de
críticas públicas. Nos últimos anos, muitos produtos permaneceram não
vendidos nas prateleiras dos varejistas.

Isso é uma consequência inevitável da maior abundância


e variedade mais ampla, comparada com a aguda 'fome de bens'
que prevaleceu por tantos anos. Estoques não vendidos de
produtos invendáveis estão causando preocupação às
autoridades. O público está se tornando mais exigente, à medida
que os suprimentos e os padrões de vida aumentam.

Alec Nove, The Soviet Economy: An Introduction (ed. rev.; Nova York:
Praeger, [1965] 1966), p. 184.

320
Apêndice B: Planejamento Econômico Soviético 321
Naum Jasny, nas primeiras parágrafos de seu estudo
monumental intitulado "Industrialização Soviética, 1928-1952",
oferece uma explicação coerente:

Os Bolcheviques surgiram como defensores do


socialismo e contrários à exploração, buscando uma grande
melhoria no bem-estar de todos. No entanto, o que eles
conseguiram foi um grande aumento na taxa de exploração,
reduzindo a parcela da renda nacional destinada ao povo a um
nível que ninguém acreditava ser possível.

Essa restrição ao consumo colocou nas mãos do Estado


recursos tão grandes que permitiram uma industrialização
extensa e uma militarização ainda maior, apesar das perdas e
desperdícios de todos os tipos causados por guerras, conflitos
internos, má administração e assim por diante.

Se alguém procura números como evidência dessa


revolução, provavelmente não há números melhores do que
estes: enquanto a renda pessoal total (calculada a preços
constantes) da população aumentou cerca de um terço de 1928
a 1952, o valor real dos fundos nas mãos do Estado para
investimento, despesas militares e outras despesas cresceu
quase oito vezes.

Essa transformação deve ser considerada uma revolução


financeira, econômica e social.6

Sem uma repressão tão evidente dos direitos e desejos da


população soviética, as estatísticas de produção industrial nunca teriam
mostrado uma taxa de crescimento tão fenomenal. Os custos foram
enormes em termos de miséria humana. Um milhão de pessoas
morreram de fome em 1933.7

321
322 A Religião Revolucionária de Marx
A coletivização forçada das fazendas por Stalin no início dos
anos 1930 resultou na execução ou deportação de pelo menos cinco
milhões de pessoas.8 Quando a magnitude desses custos é considerada,
a pergunta de Rothbard não parece fora de lugar:

Com que direito você sustenta que as pessoas devem


crescer mais rápido do que desejam voluntariamente crescer? 9

É uma pergunta que os líderes de muitos países


"subdesenvolvidos" deveriam se fazer.10
Outro fator extremamente importante no crescimento da
produção industrial soviética foi a capacidade dos planejadores
soviéticos de se beneficiarem da tecnologia ocidental. Isso, como
aponta Gerschenkron, é uma vantagem que todas as nações
subdesenvolvidas possuem, mas a URSS a utilizou em grau
excepcional.
Após a Segunda Guerra Mundial, esse roubo em larga escala
dos métodos de produção ocidentais diminuiu, mas ainda está em
andamento em muitos casos.11 Bergson concorda, argumentando que o
empréstimo soviético ocorreu em uma "escala sem precedentes."12
Acredita-se que a tecnologia tenha se tornado um fator
retardador após a Segunda Guerra Mundial, uma vez que a URSS havia
começado a alcançar os métodos tecnológicos básicos da Europa
Ocidental, deixando menos espaço para empréstimos soviéticos. 13
No entanto, essa visão não é compartilhada por todos os
estudiosos, pois agora existem outros fatores em jogo, como um sistema
educacional que se concentra na formação de tecnólogos, engenheiros
e cientistas teóricos.14

322
Apêndice B: Planejamento Econômico Soviético 323
A verdadeira ameaça ao crescimento soviético não é
tecnológica, mas institucional; eles precisam aprender a implementar
sua tecnologia de forma eficiente antes de poderem igualar os padrões
ocidentais de consumo e produção.
Os comentários de Campbell sobre toda a questão da tecnologia
emprestada na economia planejada soviética são esclarecedores:

Mas o interessante é que, apesar dessa vantagem de


poderem emprestar tecnologia, o progresso soviético em
produtividade não parece ter sido excepcional. A taxa de
aumento na produtividade dos recursos não parece diferir muito
daquela alcançada em outros países.

Isso obviamente implica que um crescimento excepcional


deve ser atribuído mais à capacidade do planejamento central
soviético de mobilizar recursos - ou seja, acumular capital,
educar em massa, transferir pessoas de ocupações de baixa
produtividade, como a agricultura, para ocupações de alta
produtividade, como a indústria, e forçar o aumento das taxas
de participação - do que a qualquer habilidade especial de usar
recursos eficientemente e aumentar sua produtividade.15

A coerção, ainda mais do que a tecnologia emprestada, é a chave


para o crescimento econômico soviético. Nunca deve ser esquecido,
como aponta Campbell,

Foi em nome da industrialização que a máquina de


terror totalitária foi aperfeiçoada.16

A extensão dessa coerção é refletida no padrão de vida do povo


soviético durante as quatro décadas de rápida industrialização.

323
324 A Religião Revolucionária de Marx

Padrão de Vida
Em 1921, o governo soviético foi forçado a reintroduzir algum
grau de propriedade privada nas áreas de agricultura e pequena
indústria para recuperar as perdas econômicas da guerra e do período
de "comunismo de guerra" de 1917-1921. A extensão dessas perdas foi
impressionante; a produção em 1921 havia caído para cerca de 20 por
cento da produção de 1914!17
Por sete anos, a economia experimentou uma taxa
surpreendentemente alta de crescimento, de modo que até 1928, o nível
de produção pré-guerra havia sido recuperado. Se alguma coisa, o
padrão de vida estava um pouco acima do nível de 1913. 18
Foi nesse ponto que a coletivização agrícola começou de fato;
Stalin havia consolidado sua posição e estava pronto para começar a
construir a nova sociedade.3 Em primeiro lugar, deve-se ter em mente
que a Rússia em 1928 estava muito atrás da Europa Ocidental tanto em
produção quanto em consumo.
A medição estatística nesse sentido é bastante difícil, mas
Bergson estimou que a renda média per capita da União Soviética em
1929 era de aproximadamente US$ 170; os Estados Unidos haviam
alcançado esse nível de renda per capita em 1875. 19

3 Para um relato da ascensão de Stalin ao poder e o advento desse ponto de


virada em 1928 na agricultura, veja Isaac Deutscher, Stalin: A Political
Biography (Nova York: Vintage, [1949] 1960), cap. 8.

324
Apêndice B: Planejamento Econômico Soviético 325
Entre 1928 e 1937, a taxa de crescimento da economia da URSS
foi extremamente rápida, provavelmente se aproximando de 13 por
cento ao ano.4 O sofrimento dos camponeses e até mesmo dos
habitantes urbanos foi enorme.
O Estado teve que instituir o racionamento de bens de consumo
(que terminou em 1935); a inflação (esse "mal burguês") estava
corroendo os salários monetários tão rapidamente que o racionamento
teve que ser substituído pelos preços de mercado. 20
Apesar das realizações na produção industrial até 1937, os
salários reais estavam realmente abaixo dos salários de 1928 por uma
margem considerável. Ainda mais preocupante é o fato de que, como
mostra Chapman, os níveis de consumo de 1937 "representavam uma
recuperação considerável de um declínio drástico no início dos anos
1930."21
A Segunda Guerra Mundial naturalmente teve um pesado
impacto tanto na força de trabalho quanto na produção soviética. No
máximo, a ajuda econômica americana manteve as perdas soviéticas de
equipamento de capital aproximadamente iguais, enquanto nenhuma
ajuda pôde cobrir a perda de vidas e habilidades que os acompanharam.
Em 1948, os salários líquidos do trabalhador soviético (após
impostos e compras compulsórias de títulos) eram cerca de 63 por cento
dos salários de 1937 (70 por cento, se os preços de 1937 forem usados

4 A cifra é de Gerschenkron, e ele cita as estimativas que concordam com a sua.


A cifra mais baixa é de 10,6 por cento. Gerschenkron, Economic
Backwardness, pp. 259-60.

325
326 A Religião Revolucionária de Marx
como base em vez dos preços de 1948).22 Somente em 1952 os salários
soviéticos alcançaram os níveis de 1937.23
Uma vez que os números de 1937 eram aproximadamente os
mesmos de 1928, e uma vez que os números de 1928 eram, por sua vez,
aproximadamente equivalentes aos de 1913, a conclusão é inevitável:
os salários reais per capita na URSS em 1952 mal chegaram aos níveis
pré-guerra de 1913!
Em termos horários, os salários reais atingiram o nível de 1928
apenas em 1954. Após analisar fatores como a queda na qualidade dos
bens após 1928 e a queda na produção de todos os produtos de origem
animal (ovos, carnes, couro, leite etc.), Chapman conclui:

Vários argumentos que considero persuasivos foram


apresentados para dar mais credibilidade ao índice de salários
reais usando preços de 1937 e mostrando a maior queda nos
salários reais.

No entanto, é verdade que a magnitude da mudança nos


salários reais entre 1928 e 1937 escapa à medição precisa e a
possibilidade alternativa de uma queda menos drástica nos
salários reais pode ser considerada.

Mas mesmo a medida mais favorável mostra que o


salário real do trabalhador soviético em 1954 excedeu o de
1928 em menos de 15 por cento após impostos e assinaturas de
títulos.24

Ela também faz alusão às estimativas feitas por Jasny sobre a


produção de produtos animais comestíveis, e essas estatísticas valem a
pena repetir. Em 1952, a produção de produtos animais comestíveis
estava 30 por cento abaixo do nível de 1928 (ano anterior à

326
Apêndice B: Planejamento Econômico Soviético 327
coletivização das fazendas). Somente em 1955 o nível de 1928 foi
alcançado novamente.25
Mesmo nesse caso, grande parte desse produto foi fornecida
pelos minúsculos lotes agrícolas privados de meio acre permitidos aos
agricultores coletivos. Na verdade, somente após 1960 o sistema
coletivizado produziu mais de 50 por cento do suprimento total desses
produtos.5
A conclusão de Chapman é interessante, para dizer o mínimo:

O leitor dificilmente precisa ser lembrado de que o


padrão de vida soviético em 1928 era extremamente baixo em
comparação com os padrões americanos ou europeus
ocidentais.

Mas pode ser surpreendente perceber que, durante mais


de um quarto de século em que os russos estiveram envolvidos
em planejamento socialista em grande escala e em outras áreas

5 Alec Nove, The Soviet Economy, p. 29. Mais da metade da carne e das batatas
eram produzidas pelo setor privado em 1959, e quase 100% dos ovos, ele
continua a dizer. É provável que em 1956 cerca de 30% de toda a produção
agrícola na União Soviética tenha vindo de pequenas propriedades privadas.

De fato, o "sucesso" do setor coletivo em finalmente superar a produção das


propriedades privadas em produtos de origem animal após 1959 pode ter sido
em parte devido a novas medidas coercitivas contra o setor privado. Nove
comenta que "uma tentativa gradual e cautelosa começou a ser feita para
reduzir a posse de gado privado e a atividade privada em geral.

Seu sucesso foi pequeno até 1959, mas alguma redução foi alcançada em
1960." Nove, "Os Rendimentos dos Camponeses Soviéticos", The Slavonic
and East European Review, XXXVIII (1960), p. 330.

327
328 A Religião Revolucionária de Marx
estiveram se aproximando dos países capitalistas mais
avançados, a posição material do trabalhador soviético
provavelmente declinou em relação à dos trabalhadores em
outros países.26

Tudo isso contorna a questão do trabalho escravo na União


Soviética. Bergson estima que pelo menos 3,5 milhões de pessoas
estavam nas unidades de "reeducação correcional" na década de 1930,
e essas criaturas patéticas recebiam apenas um quarto do salário civil
vigente.27 Os custos do rápido crescimento industrial eram realmente
muito elevados.
Uma área da vida soviética que serve como um exemplo
clássico de como os consumidores são negligenciados é a habitação
pública. Alexander Balinky fez uma investigação minuciosa sobre essa
questão e concluiu, com alguma justificativa:

A escassez de moradias na URSS é o problema


econômico mais crítico do país.28

O espaço médio por habitante (ou seja, o espaço excluindo


cozinha, banheiro etc.) em 1960 era pouco mais de sete metros
quadrados, "ou precisamente o que era em 1917."29 As cifras de
Campbell indicam uma falta ainda maior: seis metros quadrados (ou
cerca de 64 pés quadrados). Isso em comparação com cifras dos EUA
de cerca de 200 pés quadrados.30
A habitação é outro caso de coerção estatal; Balinky mostra
como o controle do Estado sobre a habitação foi usado para atingir
objetivos políticos. Sob Lenin, as classes "parasitárias" não tinham
acesso a unidades habitacionais cooperativas, e suas próprias moradias
foram expropriadas pelo Estado.31

328
Apêndice B: Planejamento Econômico Soviético 329
Até 1953, 25 por cento ou mais das unidades habitacionais
estavam sob o controle dos gerentes de fábrica; assim, eles podiam
impor normas de produção aos trabalhadores recalcitrantes. 32 Os custos
de aluguel para todas as moradias são muito baixos, uma vez que o
Estado mantém leis que impõem aluguéis baixos. Isso, é claro,
contribuiu para a escassez.
A filiação ao partido é muito mais importante para conseguir
uma moradia adequada do que a simples capacidade de pagar o
aluguel.33 Como Balinky diz:

Parece haver uma presunção geral na filosofia soviética


sobre direitos à habitação de que todos que não são inimigos do
Estado devem ser alojados da melhor maneira possível. Mas é
a lei que define o status, e não a lei de propriedade ou contrato,
que determina esses direitos. Dentro desse quadro jurídico, o
regime soviético tem sido capaz de distribuir espaço habitável
como recompensa por serviço real ou presumido ao Estado .34

As descobertas de G. Warren Nutter devem ser mencionadas


neste ponto. Embora o crescimento soviético tenha sido maior em
relação ao crescimento dos EUA nas últimas cinco décadas, a diferença
absoluta entre os dois países aumentou.35 (Porque os EUA começaram
com uma base muito maior em 1917, nossas taxas de crescimento mais
lentas ainda nos permitiram manter a vantagem absoluta na produção).
Sua estimativa conservadora é que a produção soviética em
1955 era apenas cerca de 23 por cento da produção dos EUA. Portanto,
as alegações dos planejadores soviéticos de que a União Soviética
aumentou a produção 26 vezes desde 1913 são absurdas.

329
330 A Religião Revolucionária de Marx
Uma figura um pouco abaixo de um aumento de seis vezes é
mais próxima da realidade.6
Em resumo, vimos que o crescimento econômico soviético foi
pago em grande parte pelos níveis mínimos de consumo impostos à
população soviética. Até recentemente, esses cidadãos tinham muito
pouco a dizer sobre a alocação de recursos escassos em seu país - os
recursos que eles eram responsáveis por produzir.
Certamente, as cifras de produção bruta podem ser muito
aumentadas quando, como diz Bergson,

o investimento bruto absorve quase metade do aumento


na produção realizado nos dois primeiros planos quinquenais,
e 60,7 por cento do que foi alcançado de 1940 a 1950 .36

Em certa medida, a maré econômica tem se voltado na União


Soviética, à medida que as preferências dos consumidores estão sendo
levadas em consideração em maior medida do que antes. Novamente
citando Bergson:

A parcela do consumo doméstico no aumento da


produção nos dois primeiros planos quinquenais é de apenas

6 Ibid., p. 268.
A cifra geralmente aceita é que a produção soviética está em um terço da dos
EUA. Jasny acredita que as cifras de Nutter não refletem o potencial
econômico da Rússia, mas Nutter não está tão preocupado com o potencial
quanto com a realização real. Cf. Jasny, Soviet Industrialization, p. 25. O
aumento seis vezes até 1955 é a cifra aceita: Gerschenkron, Economic
Backwardness, p. 267; Bergson, Real National Income, p. 216.

330
Apêndice B: Planejamento Econômico Soviético 331
9,1 por cento. Para 1940-1950, a cifra correspondente é de 29,4
por cento, mas de 1950 a 1955 é de 53,2 por cento .37

Infelizmente para a taxa oficial de crescimento soviético, essa


mudança causou (juntamente com vários outros fatores) uma
desaceleração. A maioria dos observadores ocidentais não marxistas
concorda que após 1958 as antigas altas taxas de crescimento
começaram a diminuir.38
O antigo problema da vida econômica se reafirma hoje na União
Soviética: você não pode consumir bens que não são produzidos. A
avaliação de Campbell é marcante:

A União Soviética está muito, muito, muito atrás dos


Estados Unidos em termos da quantidade de bens de consumo
produzidos e, devido à sua maior população, está ainda mais
atrás em termos de consumo per capita.39

Isso é o que acontece com o consumidor soviético. Ele se


apressa em apontar, no entanto, que em outras áreas importantes,

aquelas que são realmente muito mais relevantes para


questões de imagem internacional e rivalidade militar, a União
Soviética está muito mais próxima.

Problemas de Planejamento Central


Se o planejamento centralizado do estado pretende igualar a
eficiência de uma economia de mercado descentralizada e livre, certas
características do mecanismo de mercado livre devem estar presentes
dentro do órgão de planejamento.

331
332 A Religião Revolucionária de Marx
Em primeiro lugar, o planejamento deve ser baseado em um
conhecimento completo de cada produto, incluindo seu verdadeiro
custo (ou seja, seu custo marginal, ou "custo-do-uso-mais-importante-
preterido"), seu mercado, o aparato produtivo necessário para criá-lo e
o ambiente local no qual ele é produzido. Esse conhecimento deve ser
pelo menos comparável ao fornecido pelo mecanismo de preços do
mercado para o gerente local sob o capitalismo.7
Em segundo lugar, os planejadores devem ser capazes de
integrar todos os vários suprimentos e demandas com uma fluidez
comparável à do mercado aberto, que utiliza lucro e perda para
direcionar a produção para seus usos mais importantes.
Em terceiro lugar, os planejadores devem ser capazes de prever
os efeitos de novos processos e produtos em todos os mercados
prospectivos. Erros na previsão devem ser registrados com a mesma
força que são quando feitos em um mercado livre.
Tudo isso envolve o quarto e talvez mais importante problema
do conhecimento, a mensuração do lucro e da perda em uma economia
sem mercado. Pressupõe, em quinto lugar, que existe tal coisa como lei
econômica e que essas leis podem ser conhecidas e usadas pelas
agências de planejamento em suas atividades.

7 Sobre toda a questão do conhecimento, planejamento econômico e o mercado


livre, veja o ensaio magistral de Hayek, "Economia e Conhecimento",
Econômica, IV, Nova Série (1937); reimpresso em Hayek, Individualism and
Economic Order (University of Chicago Press, 1948), pp. 33-56. Este foi seu
discurso presidencial perante o London Economic Club.

332
Apêndice B: Planejamento Econômico Soviético 333
Alexander Gerschenkron, um dos principais especialistas no
campo da história econômica russa, resumiu a questão de forma
brilhante:

A visão oficial da economia soviética parte do


pressuposto de conhecimento irrestrito e prévio por parte dos
planejadores centrais. Desnecessário dizer que esse
pressuposto está longe de ser realista.

O fluxo de relatórios em papel que flui das fábricas para


as autoridades centrais pode ser tão grande quanto o majestoso
Rio Volga, mas não fornece garantias de uma compreensão real
das condições dentro da fábrica individual.

A ignorância fundamental das autoridades centrais


limita sua capacidade de impor sua vontade. De forma inversa,
é o conhecimento do gerente que assegura a ele sua área de
liberdade.40

Em outras palavras, o planejamento centralizado do suprimento


assume a onisciência dos planejadores centrais. Sem essa onisciência,
o sistema enfrenta dificuldades esmagadoras. O principal problema ao
qual Gerschenkron alude é: como o conhecimento local do gerente pode
ser integrado ao plano central geral?
A liberdade para alocar recursos escassos em um nível não
interfere nas atividades de planejamento do outro? Este é o problema
inevitável e perpétuo dos planejadores econômicos da URSS. Apenas
o tipo mais agregado e geral de planejamento é realizado no centro.
O Gosplan, a agência central de planejamento, coordena a
produção de alguns produtos e serviços principais. Em um artigo

333
334 A Religião Revolucionária de Marx
frequentemente citado, Herbert S. Levine estimou que entre 800 e 1500
produtos são totalmente planejados no centro.41
Ele descreve o processo de planejamento.
Primeiro, é feita uma análise estatística do período de base na
primeira metade do ano de planejamento (em preparação, é claro, para
o ano seguinte). É feita uma pesquisa do ano anterior.
Segundo, são elaboradas figuras de controle para uma dúzia ou
mais dos principais produtos e metas de investimento. Estas servem
como guias para unidades econômicas em um nível inferior.
Terceiro, e mais importante, é a confirmação do plano pela
hierarquia política, e muitas manobras políticas ocorrem neste ponto.
Essas manobras aparecem em todos os níveis da economia e em todos
os distritos locais.
Um processo extremamente complicado e frequentemente
variado de pesquisa começa: as fábricas locais recebem formulários
relacionados às metas de produção futura e necessidades de
suprimento; esses formulários, quando preenchidos, são enviados para
o conselho do Gosplan para confirmação ou revisão.
Então, o oceano de dados é coordenado no topo em algum tipo
de plano, esperançosamente viável. Quarto, o plano detalhado é
devolvido à empresa para implementação.42 Infelizmente, mas muito
compreensivelmente, esses planos finais frequentemente chegam tarde,
uma reclamação constante dos gerentes das empresas.43
Teoricamente e idealmente, isso nunca deveria acontecer, mas
acontece. Os gerentes nem sempre podem esperar pelos números do
plano chegarem, então eles começam com um plano de produção

334
Apêndice B: Planejamento Econômico Soviético 335
provisório. Naturalmente, muitas vezes ele precisa de revisões drásticas
quando o plano oficial é entregue.
Jasny argumentou que as próprias unidades de planejamento -
os Planos Quinquenais - eram na realidade dispositivos de propaganda,
e que os planos anuais e trimestrais eram a verdadeira base do
planejamento até o advento dos Planos Setenários na metade dos anos
1950.44
Portanto, na maior parte da história do planejamento soviético,
os planos de longo prazo eram irrelevantes para fins econômicos. As
metas da década de 1930 foram definidas tão altas que teria sido
impossível alcançá-las; isso resultou no que ele chama de
"planejamento bacanal."45
Planejar para metas de longo prazo não era uma função das
realidades econômicas, mas sim da oratória. Em um sentido muito real,
o planejamento soviético nesses anos era, usando o termo provocador
de Mises, um "caos planejado."
A magnitude do problema estatístico foi mencionada no
Apêndice A (notas 45,46). A tarefa se torna cada vez menos
gerenciável. Argumenta Nutter

O planejamento centralizado torna-se menos eficiente à


medida que o número de produtos se multiplica.46

Peter Wiles e Leon Smolinski citam o Acadêmico Soviético


Dorodnitsyn, que estimou que existem cerca de quatro quatrilhões de
relações presentes nos 20 milhões de produtos da União Soviética. Isso,
como os autores apontam, é uma tarefa impossível de coordenar, e o
Gosplan apenas prepara planos finais (distinguidos do planejamento

335
336 A Religião Revolucionária de Marx
total do início ao fim) para 18.000 produtos, ou menos de um décimo
de um por cento do total da produção soviética.
No entanto, mesmo isso está fadado a se tornar mais difícil, já
que, como eles dizem,

a complexidade do planejamento também cresce com o


quadrado do número de estabelecimentos [...]47

O planejamento hoje é cerca de 1600 vezes mais complexo do


que em 1928.48 A conclusão é inevitável:

Portanto, é óbvio do ponto de vista administrativo que o


planejamento deve ser descentralizado, se é que deve existir.
Sempre foi assim, e ainda é: o centro elabora um esqueleto geral
e os órgãos subordinados dão forma ao esqueleto [...]

Limitando-nos ainda à economia, é evidente que


desideratos técnicos de planejamento, como consistência e
pontualidade, são compatíveis com, e possivelmente favorecidos
por, descentralização.

No entanto, uma função de planejamento é muito


seriamente desfavorecida: a alocação racional de recursos. Do
ponto de vista da alocação racional de recursos, a tomada de
decisões deve ser ou centralizada ou periférica; uma mistura é
prejudicial.49

Aqui encontramos o problema inevitável em operação: a tensão


constante entre o planejamento centralizado, ministerial, e a tomada de
decisões localizada. Os planejadores econômicos soviéticos
constantemente deslocam o locus do planejamento de um lado para o

336
Apêndice B: Planejamento Econômico Soviético 337
outro em sua tentativa de descobrir uma solução para esse problema de
equilíbrio administrativo.
Como diz Gregory Grossman,

Para colocar esquematicamente, arriscando


simplificação excessiva: supercentralização, desequilíbrio e
autarquia são os três vértices de um triângulo de riscos dentro
do qual a economia do tipo soviético busca encontrar uma
solução organizacional.8

Alec Nove examinou esse tópico em algum detalhe. Ele escreve:

As autoridades que emitem planos frequentemente não


estão cientes das tarefas já atribuídas a essa empresa por outras
autoridades.50

8 Gregory Grossman, Value and Plan: Economic Calculation and Organization


in Central Europe (Berkeley: University of California Press, 1960), p. 8. Uma
lista das reorganizações econômicas e contra -reorganizações na Rússia desde
1957 é encontrada em Problems of Communism, XII (Maio-Junho, 1963), pp.
30-31. Cf. o artigo acompanhante de Rush V. Greenslade, "Khrushchev e os
Economistas", ibid., pp. 27-32. A declaração de Z. M. Fallenbuchl deve ser
comparada com a de Grossman: "Daí o dilema perene da organização
econômica soviética: como descentralizar algumas atividades econômicas sem
perder o controle sobre a economia e a possibilidade de planejamento cen tral."
Seu ensaio, "Como Funciona a Economia Soviética Sem um Mercado Livre?"
é reimpresso em Bornstein e Fusfeld (eds.), The Soviet Economy, pp. 34 -36.
A declaração aparece na p. 35. Cf. Nove, The Soviet Economy, cap. 2; ele
inclui discussões adicionais relevantes sobre este assunto, pp. 171, 202ff., 312.

337
338 A Religião Revolucionária de Marx
Ele então cita uma declaração feita por I. Borovitski no Pravda
(5 de outubro de 1962). Borovitski, parece, é um gerente de empresa
insatisfeito:

O departamento de Gosplan que elabora o programa de


produção para o Sovnarkhozy [conselhos econômicos regionais
- G.N.] e empresas não está interessado em custos ou lucro[...]

Pergunte ao funcionário sênior do departamento de


programa de produção em que fábrica é mais barato produzir
esta ou aquela mercadoria. Ele não tem ideia e nem mesmo se
faz essa pergunta: ele é responsável apenas pela distribuição de
tarefas de produção.

Outro departamento, que não se preocupa realmente


com os custos de produção, decide sobre o plano de produção
bruta. Um terceiro departamento ou subdepartamento, partindo
do princípio de que os custos devem sempre diminuir e a
produtividade do trabalho aumentar, planeja os custos, o fundo
salarial e a mão de obra com base no desempenho passado.

Alocações de materiais e componentes são planejadas


por inúmeros outros departamentos. Nenhum departamento de
Gosplan é responsável pela consistência desses planos.51

Em resumo, muitos cozinheiros cegos estão estragando o caldo.


Todos esses problemas de planejamento são agravados pela constante
interferência de funcionários do Partido em todos os níveis da
economia.52 Essa interferência leva à irracionalidade no planejamento.

O problema, é claro, não é novo; ele está presente na


existência separada das hierarquias do partido e do estado .53

338
Apêndice B: Planejamento Econômico Soviético 339
O sistema de planejamento soviético, nas palavras de Wiles e
Smolinski, é

um retalho de agências organizadas de acordo com


vários princípios.54

Essa tem sido a situação há cinco décadas, como Wiles


argumentou em outros lugares; o sistema é irracional:

A possibilidade de o consumidor privado ser irracional


é, é claro, um clichê aceito pela economia ocidental. Mas nada
disso torna as preferências dos planejadores racionais. É
surpreendente que pessoas com um conhecimento íntimo de
como o sistema soviético funciona considerem a possibilidade
de operar sob a suposição de que as preferências dos
planejadores são, de fato, racionais em uma economia
comunista.55

Nesse caso, Wiles está considerando uma questão ligeiramente


diferente, ou seja, o problema das escolhas dos planejadores em vez dos
defeitos operacionais reais da estrutura institucional da economia, mas
o ponto é o mesmo: existem muitas agências de planejamento, muitos
planos (nenhum dos quais é garantido ser racional) e muitas decisões
irracionais.
O quase incrível grau de burocratização total do planejamento
soviético é evidenciado por dois exemplos frequentemente
encontrados. Em um caso, um plano para rolamentos de esferas teve
que passar por tantos órgãos de aprovação que um total impressionante
(literalmente) de 430 libras de documentos foi gerado. 56
Em outro caso, uma "República autônoma", a Tatar ASSR, teve
seu plano de investimento alterado quase 500 vezes em 1961. 57 Sob

339
340 A Religião Revolucionária de Marx
essas condições, a tarefa de gestão de empresas seria impossível se não
fossem encontradas soluções engenhosas (e muitas vezes ilegais) pelos
gerentes de fábrica.
A solução básica tem sido a criação de uma vasta rede de
suprimentos "independentes" - um mercado negro. Isso é conhecido
informalmente como "blat". Joseph S. Berliner, em seu estudo
extremamente valioso, "Factory and Manager in the USSR" (1957),
descreveu esse processo.
Como os canais de fornecimento oficiais muitas vezes são
exasperantemente lentos e frequentemente entregam os produtos
errados ou de qualidade inferior, os gerentes precisam recorrer a fontes
alternativas de insumos se quiserem atender às suas metas de produção
(e receber seus bônus).
Uma fábrica pode ter capacidade excedente em um determinado
ano; os bens adicionais podem ser trocados com outra empresa por
algum serviço futuro ou luxo atual. Isso ajuda não apenas as empresas
menores cujos planos não são tão detalhados ou que estão em uma lista
de prioridades mais baixa para suprimentos, mas também ajuda as
indústrias de alta prioridade em períodos de crise. 58
Certos "intermediários" com conexões informais são
contratados, geralmente sob um título administrativo falso, como
agentes das operações de blat. Eles são os "empurradores" cujas
atividades coordenam o suprimento e a demanda clandestinos. Eles são
chamados de "tolkachi" ("empurradores").
Algumas empresas empregam apenas tolkachi em meio
período, especialmente as organizações menores. Nos últimos anos, o
governo eliminou as sanções criminais que costumavam ser impostas a

340
Apêndice B: Planejamento Econômico Soviético 341
tais atividades de troca ou revenda não autorizadas de suprimentos.
Além disso, os procedimentos para obter autorização oficial para
comprar suprimentos extras foram simplificados.59
Os planejadores do estado reconheceram, na prática, a
necessidade dessas práticas "capitalistas". Às vezes, as metas de
produção são mais importantes do que a ideologia oficial. Essas
práticas continuam enquanto as condições de produção e distribuição
ineficientes persistem.
Como Berliner coloca,

O tolkach prospera em um solo econômico regado por


escassez e fertilizado por metas irrealistas.60

O resumo de Alec Nove do problema da "centralização-


descentralização" é preciso:

Enquanto o planejamento centralizado sobrecarrega os


órgãos encarregados de executá-lo [o plano - a.N.], a
descentralização - o remédio óbvio - se mostra completamente
inviável enquanto as instruções dos planejadores forem o
critério principal para as decisões locais.

A modesta tentativa de delegar autoridade aos órgãos


econômicos territoriais, em 1957, foi inevitavelmente seguida
por uma renovação da centralização. Dentro do sistema como
está, apenas o centro está em posição de conhecer as
necessidades da indústria e da sociedade em geral, uma vez que
essas necessidades não são transmitidas por nenhum
mecanismo econômico para qualquer autoridade territorial.

Portanto, esta última é incapaz de prever os efeitos de


suas decisões sobre a economia de outras áreas e, nas

341
342 A Religião Revolucionária de Marx
circunstâncias, a descentralização da tomada de decisões deve
levar a irracionalidades intoleráveis. Assim, a descentralização
é ao mesmo tempo indispensável e impossível." 61

Problema Práticos Básicos


Na seção anterior, examinamos várias áreas problemáticas
importantes da economia soviética, concentrando-nos principalmente
nos desafios teóricos associados ao planejamento central versus
planejamento descentralizado.
Agora, com essa perspectiva geral em mente, é relevante
aprofundar as práticas reais das empresas soviéticas em suas operações
cotidianas. Essas questões recorrentes são normalmente discutidas por
críticos das instituições econômicas soviéticas.
Primeiramente, existe a questão do chamado "fator de
segurança". Gerentes deliberadamente subestimam a capacidade
produtiva de suas fábricas em todos os relatórios para as autoridades de
planejamento superiores.
Seus motivos são facilmente compreensíveis: se as metas forem
definidas muito altas pelos planejadores centrais, então eles não
conseguirão atingir as metas de produção. Consequentemente, eles
tentam garantir que suas metas sejam definidas mais baixas, deixando
assim uma capacidade excedente em reserva para lidar com todas as
contingências imprevistas.
Os planejadores centrais, é claro, estão cientes dessa prática e,
por sua vez, tentam aumentar as metas de produção acima dos limites
informados pelos gerentes. Portanto, um gerente honesto seria

342
Apêndice B: Planejamento Econômico Soviético 343
prejudicado (ou pelo menos seria forçado a correr esse risco); uma
declaração de capacidade total não seria levada muito a sério no topo.
Essa tendência de subestimar a capacidade é aumentada pelo
fato de que pequenos aumentos acima dos níveis de produção exigidos
são recompensados com bônus. Portanto, os gerentes se esforçam para
alcançar uma produção de, digamos, 103 por cento do plano oficial.
Nessas condições, é vantajoso para o gerente convencer as autoridades
de que o que realmente é 95 por cento da capacidade é 100 por cento.
Em segundo lugar, o problema do armazenamento aparece. O
sistema de fornecimento não é confiável, então os gerentes são
incentivados a estocar quantidades de bens de produção no caso de
haver alguma emergência.
Esse problema é absolutamente inevitável enquanto o sistema
soviético negar que os pagamentos de juros sobre o capital escasso
estejam de acordo com os princípios socialistas. Sem juros para pagar,
os gerentes podem manter quantidades excessivas de mercadorias em
reserva, seja para uso no sistema blat ou para uso direto na produção.
Somente recentemente os juros foram introduzidos na forma de um
"período de retorno".
São feitos cálculos para determinar quanto tempo as economias
de um equipamento específico levarão para pagar o preço de compra.
Isso, é claro, se aplica apenas a máquinas novas e provavelmente está
limitado a projetos em grande escala, mas não a matérias-primas
básicas.
É juros, como Campbell diz, “trazido pela porta dos fundos.” 62
No entanto, o problema ainda não está resolvido, e máquinas produtivas

343
344 A Religião Revolucionária de Marx
que poderiam ser usadas em outro lugar muitas vezes enferrujam em
alguma sala de armazenamento.9
Terceiro, há toda a questão da inovação tecnológica. Um artigo-
chave sobre esse problema é o estudo de Gregory Grossman sobre a
inércia e pressão na economia soviética.63 Burocracias, argumenta ele,
são por natureza conservadoras.
Eles resistem a qualquer interrupção em suas rotinas diárias.
Grossman aponta para a paradoxo de uma economia como a da União
Soviética, que experimentou um crescimento econômico tão rápido e
que ao mesmo tempo tem sido

atormentada por uma resistência forte e generalizada à


introdução de novos produtos e técnicas.64

Apenas uma pressão extrema dos órgãos políticos superiores


conseguiu superar essa resistência institucional à inovação, uma
opinião compartilhada por Barrington Moore. 65 As características
progressistas do capitalismo estão ausentes na União Soviética:
(1) competição entre empresas por uma parcela do mercado; e
(2) esforços de vendas por parte das indústrias privadas de bens
de capital.

9 Para uma discussão sobre muitos destes problemas, veja Harry G. Shaffer,
"Males e Remédios", Problems of Communism, XII (Maio-Junho, 1963), pp.
18-26.

344
Apêndice B: Planejamento Econômico Soviético 345
É principalmente a decisão do regime de competir com o
Ocidente - daí uma pressão externa de competição - que atua como o
grande estímulo à mudança tecnológica.
A posição do gerente soviético está constantemente em fluxo.
Ele é deliberadamente transferido de cargo a cada poucos anos para
impedir que ele forme alianças locais com membros do Partido local e
outras pessoas que poderiam ajudá-lo a escapar de suas
responsabilidades. Esse elemento de "familiaridade" é um problema
para os administradores centrais.
Como os objetivos do gerente de aumento da produção são
idênticos aos objetivos dos funcionários do Partido a nível local ou
regional (eles também desejam números elevados de produção para
impressionar a hierarquia), os vários grupos de interesse trabalham
juntos e tendem a encobrir os erros uns dos outros.
Os planejadores centrais não querem que isso aconteça, e o
resultado é uma constante movimentação de gerentes. Infelizmente,
isso encoraja os gerentes a basear toda a produção e inovação em uma
perspectiva de curto prazo. A inovação tecnológica custa tempo,
dinheiro e materiais; por que arriscar as possíveis perdas?
Se o gerente não conseguir atender às cotas de produção devido
à transferência de recursos para a inovação e experimentação
tecnológica, ele está em apuros. No entanto, quaisquer benefícios reais
seriam obtidos por seu sucessor, já que este assumiria depois que o
gerente inovador tivesse sido transferido.
A inovação envolve risco com pouca chance de recompensa. Os
resultados são previsíveis: designs ultrapassados, desperdício de

345
346 A Religião Revolucionária de Marx
matérias-primas devido a métodos de produção ineficientes e uma
produção geral menor a longo prazo.
Esse problema tem sido constante e é precisamente o que Hayek
havia dito que seria inevitável sob um sistema socialista. Uma vez que
a função de tomada de decisão seria sufocada pelo medo de perdas, a
comunidade socialista inevitavelmente seria menos eficiente nesse
aspecto do que uma comunidade capitalista.66

Indicadores de Sucesso
A quarta fraqueza básica da prática soviética merece uma seção
própria. Como os planejadores podem avaliar o sucesso ou o fracasso
de seus planos? Com base em que critério pode ser feita uma medição
desse sucesso ou fracasso?
O sistema de mercado livre utiliza lucro e prejuízo como guia,
mas o socialismo não pode usar esse dispositivo de medição. Na medida
em que a União Soviética utiliza esse sistema de medição, está
abandonando o socialismo puro.
Alec Nove chamou a atenção para essa questão em um ensaio
famoso. Os soviéticos não têm regras concretas para medir o sucesso;
seu sistema de preços é irracional do ponto de vista do verdadeiro lucro
e prejuízo, oferta e demanda.
O cumprimento do plano, e essencialmente o cumprimento do
produto bruto, é o objetivo econômico básico. Mas isso levanta um
problema: qual será a meta? Se for simplesmente o peso, por exemplo,
uma fábrica de fabricação de pregos se concentrará em pregos grandes
e pesados, excluindo os tamanhos menores ou tachas.

346
Apêndice B: Planejamento Econômico Soviético 347
Se o número for substituído, então as tachas serão produzidas,
com alguns poucos pregos grandes de construção. E quanto a um
objetivo de valor? Se o valor bruto de saída for a meta, os gerentes se
certificarão de que matérias-primas mais caras sejam usadas na
construção de qualquer produto específico.
Se for usado um "valor adicionado" pelo método de produção,
então valerá a pena ao gerente dividir o processo de produção em
inúmeras unidades semiautônomas, criando assim várias etapas de
produção desnecessárias para lucrar com o máximo possível de etapas
de "valor agregado".
Os planejadores centrais têm lutado com as etapas inferiores da
burocracia sobre problemas como esses por meio século, mas o sistema
é auto derrotante. As empresas estão apenas seguindo o motivo do
lucro; quaisquer que sejam as metas impostas centralmente, os gerentes
operarão em excesso em relação a elas.67
Durante vários anos (especialmente após 1961), houve
considerável discussão sobre a possibilidade de instituir preços quase
de mercado para alguns bens de consumo. O nome geralmente
associado a essa recomendação é Y. Liberman. Ele propôs três metas:
volume de produção, variações na variedade e cronogramas de entrega.
Os lucros da empresa são o único outro guia a ser seguido, dadas
essas três considerações básicas.10 Isso ajudaria a melhorar a qualidade,
garantindo assim maior satisfação do consumidor. Ele alega que isso

10 Shaffer, "Ills and Remedies," op. cit., p. 22, fornece um resumo das propostas
de Liberman.

347
348 A Religião Revolucionária de Marx
ainda permitiria um planejamento central completo, mas críticos
domésticos e observadores estrangeiros argumentaram que, uma vez
iniciado, esse sistema não poderia ser interrompido. 11
Não está claro para onde levarão os experimentos de Liberman
em 130 empresas. Philippe Bernard acredita que o status quo será
mantido; não haverá expansão do mercado para áreas da indústria além
de têxteis, peles e vestuário, onde as recomendações de Liberman já
estão prevalecendo.68
Robert Campbell concorda; a reforma de 1965 não foi realmente
fundamental para a economia soviética.69 Os preços não são realmente
negociáveis, uma vez que as agências superiores ainda estabelecem os
preços. Os suprimentos ainda são regulados pelo antigo sistema.
Os burocratas estão agindo como burocratas e estão arrastando
os pés, interferindo até em áreas supostamente "reformadas". A
avaliação de Vaclav Holesovsky é esclarecedora:

[...] É bastante fútil falar de reformas de preços na


presença de um sistema de contabilidade projetado para
facilitar o controle central, mas que é totalmente inadequado
para a estimativa racional dos verdadeiros custos de produção.

11 Para exemplos dos escritos de Liberman com uma dispersão de alguns ensaios
dos seus críticos, veja Myron E. Sharpe (ed.), Reform of Soviet Economic
Management (2 vols.; White Plains, Nova York: International Arts & Sciences
Press, 1966). Cf. a discussão por Marshall I. Goldman, "Economic
Controversy in the Soviet Union," Foreign Affairs, XLI (1963); reimpresso em
Bornstein e Fusfeld (eds.), The Soviet Economy, pp. 339 -51.

348
Apêndice B: Planejamento Econômico Soviético 349
A verdadeira descentralização significaria
comprometer-se com o funcionamento das forças de mercado; o
governo se afastaria das tentativas de orientação universal do
processo de produção em direção à posição de um comprador
de produtos.

É provável que a União Soviética siga tal caminho no


futuro próximo? Em vista das implicações envolvidas, a
resposta parece ser negativa. No momento, o governo
geralmente exige mais da economia do que ela pode fornecer
confortavelmente.

Se ele abrir mão, mesmo que parcialmente, de seu


controle direto e abrangente sobre a economia, estaria
oferecendo aos gerentes de produção um grau de liberdade que
lhes permitiria se ajustar às capacidades reais e aos
verdadeiros níveis de custo de seus recursos produtivos.

Ao relaxar a "economia de comando", o Estado perderia


assim o principal instrumento de pressão que exerce não apenas
sobre os recursos, mas também sobre as pessoas que os
produzem e usam.70

Mas é Alexander Gerschenkron quem toca na questão mais


fundamental: a manutenção do controle político.

É duvidoso que uma economia de consumo possa ser


estabelecida na Rússia Soviética. Um sistema econômico
descentralizado voltado para um aumento constante nos níveis
de consumo deixaria a ditadura soviética sem uma função
social, sem justificativa para sua existência.

É muito mais provável que a ditadura continue a política


de provocar deliberadamente uma crise internacional após a

349
350 A Religião Revolucionária de Marx
outra e de manter uma alta taxa de investimento como o
complemento econômico para tal política.

Então, um novo encurtamento das liberdades gerenciais,


como as concedidas desde a morte de Stalin, seguido por uma
reversão geral da política de descentralização, deve ser apenas
uma questão de tempo, e as empresas e a gestão na Rússia
devem retornar à normalidade do mercantilismo soviético,
oculto sob uma generosa camada de fraseologia socialista .71

Lei Econômica
A confusão sobre os indicadores de sucesso e preços aponta para
uma falha fundamental na vida econômica soviética. Não há acordo
entre economistas, gerentes e líderes políticos sobre o que exatamente
constitui uma lei econômica.
No outono de 1964, por exemplo, o Pravda publicou um artigo
do Acadêmico V. Trapezinikov. O autor apresentou uma proposta pró-
lucro basicamente semelhante à apresentada por Liberman alguns anos
antes.72
Como os editores admitiram mais tarde, este e outros artigos
semelhantes causaram considerável interesse entre os leitores, tanto que
cerca de 600 cartas e artigos foram enviados para os escritórios do
Pravda como resultado.
A maioria desses acadêmicos, os editores admitiram, estava
basicamente do lado de Liberman. No entanto, a variedade das várias
respostas foi enorme; nenhum parecia concordar exatamente com como
o sistema deveria operar.

350
Apêndice B: Planejamento Econômico Soviético 351
Um sugeriu um padrão de "eficácia da produção", pelo qual ele
queria dizer uma série graduada de padrões, incluindo qualidade, valor,
confiabilidade, peso, tempo de serviço, segurança, conveniência de uso,
produtividade e facilidade de uso.
Como ele esperava que os planejadores econômicos centrais
elaborassem uma escala graduada dessas para todos os produtos, ele
não explicou. Outro argumentou que o lucro não era o melhor padrão,
mas a produtividade do trabalho social (seja lá o que isso for) deveria
ser. Um terceiro queria calcular essa produtividade em termos de
economia nos custos de produção.
Uma quarta carta argumentava que um índice que refletisse
economia nos custos de vida e trabalho social deveria ser construído;
ele deveria estimar o crescimento do volume de produção final por
funcionário e por unidade de capital produtivo. Em outras palavras, o
caos econômico teórico reina nos círculos acadêmicos da União
Soviética.12
Nessas circunstâncias, a avaliação de Bergson sobre a natureza
do planejamento soviético parece justificada: ele é sem lei. É, como ele
diz, a dominação da política sobre a economia:

[...] sob o socialismo soviético, o governo sempre foi


considerado o mestre, e não o servo, das 'leis econômicas'.73

12 Ibid., XVII, nº 7 (10 de março de 1965), pp. 28-29. De Pravda, 17 de fevereiro


de 1965. A página anterior inclui o anúncio de 20 de janeiro do
estabelecimento das propostas de Liberman em 128 empresas.

351
352 A Religião Revolucionária de Marx
Os planejadores centrais estão comprometidos com o exercício
contínuo do poder político:

Já mencionei anteriormente a relutância do governo em


se comprometer com princípios econômicos. Essa relutância
deve ser vista em relação ao apego dos diretores do sistema à
tomada de decisões centralizada em geral. Santificar princípios
econômicos teria diminuído o papel e talvez também a
autoridade dos diretores do sistema.74

Até certo ponto, essa atitude está mudando hoje, mesmo que
seja apenas pela pressão da tarefa esmagadora de planejamento
econômico em uma sociedade complexa e industrializada. No entanto,
a arbitrariedade de um sistema sem lei ainda existe:

Quando as autoridades superiores relutam em se


comprometer com princípios, a arbitrariedade facilmente passa
a ser considerada uma espécie de virtude em si. [...] À medida
que os princípios ganharam força recentemente, essa atitude
perdeu terreno.

A hostilidade aos princípios e a propensão para a


arbitrariedade agora são vistas como manifestações de um culto
à personalidade que deve ser exorcizado, embora
aparentemente essas atitudes ainda prevaleçam [...]75

A teoria econômica é claramente algo em constante mudança na


União Soviética. Conceitos marxistas retardaram sua economia em
muitas áreas, mas à medida que a crescente complexidade da economia
força os planejadores soviéticos a reavaliar seus pressupostos, alguns
desses gargalos marxistas provavelmente serão superados.

352
Apêndice B: Planejamento Econômico Soviético 353
Essa, ao menos, é a atitude de alguns observadores ocidentais.76
Robert Campbell mostrou como, nos últimos anos, a discussão
econômica na URSS começou a se assemelhar à teoria do valor
ocidental em muitos aspectos.77
Portanto, a vida política pode estar "amadurecendo" em
algumas áreas periféricas, e a teoria econômica pode ser uma delas, mas
o país ainda é governado por um Partido monolítico que é conhecido
por sua relutância em aceitar qualquer desvio de suas políticas
predominantes.
Quando percebemos que nenhum livro-texto de economia
política foi publicado na URSS de 1928 a 1954, e que foi necessário
suspender o ensino de classes de economia em instituições de ensino
superior nesses anos, podemos entender melhor a realidade da vida
intelectual soviética.13 Não é surpreendente que a economia prática
sofra sob tais circunstâncias; a teoria econômica é muito restringida
pela ideologia política.

Estatística Soviética
As estatísticas soviéticas, todos os críticos concordam, são
altamente questionáveis na maioria dos casos. No entanto, quão válidas
elas realmente são é motivo de debate acalorado entre os observadores
ocidentais. Naum Jasny é o grande antagonista da valid ade das
estatísticas soviéticas.

13 Sobre a supressão de livros didáticos e aulas de economia, veja Nove, The


Soviet Economy, p. 282.

353
354 A Religião Revolucionária de Marx
Ele vê as estatísticas mais como funções dos desejos políticos
da hierarquia governante do que como reflexos da vida econômica
soviética. Estatísticas "neutras" foram sacrificadas após 1929; a partir
de 1930, elas refletiram os caprichos pessoais de Stalin:

Uma vez que praticamente todos os principais


estatísticos favoreciam estatísticas imparciais, as organizações
estatísticas foram completamente reorganizadas, e esses
estatísticos desapareceram da maneira usual soviética em um
ou dois anos.78

O método de distorção mais comumente empregado é a recusa


do governo em publicar estatísticas desfavoráveis. Quando certos dados
não se conformam com a impressão que a liderança soviética deseja
transmitir para o mundo exterior e a população doméstica, os números
simplesmente não são publicados.
Este fato é reconhecido por praticamente todos os observadores
não-marxistas. Como resultado, Jasny argumenta, e porque ele sente
que a distorção deliberada também é empregada,

um estudante cuidadoso não deve aceitar um único


número soviético sem uma verificação minuciosa .79

Um exemplo clássico dessa distorção ocorreu no início dos anos


1930. Metade do gado da Rússia foi perdido nesses anos devido à
relutância da população camponesa em entregá-los às fazendas
coletivas; eles preferiam comê-los.
A preços de 1926-27, cerca de quatro bilhões de rublos em gado
pereceram. No entanto, as estatísticas oficiais soviéticas relataram um
ganho de um bilhão e um quarto de rublos em gado para a economia.

354
Apêndice B: Planejamento Econômico Soviético 355
A maneira como esse número foi alcançado foi simples: apenas
os rebanhos de propriedade estatal foram contados! Jasny estima que a
estimativa oficial soviética da contribuição agrícola para o produto
nacional em 1937 foi exagerada em 45 por cento.80
Os críticos de Jasny têm a atitude de que, embora as estatísticas
possam ser enganosas, elas não são manipuladas deliberadamente
(exceto, talvez, nos resumos finais). Gerschenkron argumenta que o
próprio trabalho de Jasny se baseia em grande parte em números
oficiais publicados e que quaisquer correções que ele tenha feito nas
fontes oficiais foram derivadas de outras fontes soviéticas menos
divulgadas.81
Alec Nove é um dos que olharam para as estatísticas soviéticas
com um olhar um pouco menos desconfiado. 82 No entanto, todos
concordam que é necessário ter extrema cautela com as estatísticas
oficiais da URSS.
Daniel Marx fez um ponto interessante que deve ser
considerado ao avaliar os métodos estatísticos soviéticos: "Embora
ninguém pretenda que as estimativas feitas pelos países da Europa
Ocidental sejam infalíveis, a insistência de que as estimativas dos
países do Leste Europeu devem ser válidas porque têm 'a força da lei'
[o argumento de um apologista comunista previamente citado] parece
quase ingênua.
No entanto, essa atitude pode ajudar a explicar os
procedimentos empregados pela União Soviética na compilação e
apresentação de suas estatísticas de produção. Se 'planos' têm a força
da lei, os resultados devem estar de acordo com as previsões ou correm
o risco de serem ilegais e tudo o que essa discrepância implica."83

355
356 A Religião Revolucionária de Marx
A hostilidade de Jasny decorre daquilo que ele considera "a
questão mais importante", ou seja,

que as realizações da economia socializada planejada,


na industrialização e em outros aspectos, são apenas uma
fração das realizações 'estatísticas' e que os sacrifícios nos
níveis de consumo são muito maiores do que os indicados pelas
'estatísticas' oficiais e seus comentaristas oficiais.84

Como ele disse em outro lugar,

É uma regra impossível de decidir se um economista


soviético está fazendo uma afirmação errada contra seu melhor
conhecimento ou se ele não está devidamente informado .14

Conclusão
A agricultura, a antiga inimiga de todos os planejadores
socialistas, não foi discutida. O leitor é referido a algumas das
literaturas facilmente disponíveis sobre o assunto. 15 É suficiente

14 Jasny, Essays on the Soviet Economy (Munique: Institut zur Erforschung der
UdSSR, 1962), p. 59. Como ele admite, as estatísticas distorcidas estão em
minoria, mas em seções importantes, ou seja, as seções resumidas. Ibid., p. 17.
15 Sobre a questão da agricultura, veja Naum Jasny, The Socialized Agriculture
of the USSR (Stanford, Califórnia: Stanford University Press, 1949); Lazar
Volin, A Survey of Soviet Russian Agriculture (Washington, D.C.:
Departamento de Agricultura dos EUA, 1951); Gregory Grossman, "Soviet
Agriculture Since Stalin", The Annals, CCCIII (1956), pp. 62 -74; Lazar Volin,

356
Apêndice B: Planejamento Econômico Soviético 357
apontar que a agricultura e a habitação são invariavelmente os dois
pontos fracos de qualquer nação socialista industrializada.
A Polônia se tornou a área agrícola mais produtiva no bloco
soviético; a solução foi simples: a Polônia descentralizou a agricultura
quase completamente. Os agricultores têm relativa liberdade para
cultivar o que desejam. A União Soviética continuará a sofrer com
baixa produção por agricultor até seguir o exemplo da Polônia.
Na análise final, a teoria de Mises, Hayek e outros parece ser
justificada, ou pelo menos dificilmente refutada, pela teoria e prática
econômica soviética. A maioria dos comentaristas não marxistas está
disposta a admitir que, em termos de eficiência econômica em si -
baixos custos de produção, maior produção, alocação de acordo com as
preferências do consumidor demonstradas - as economias de mercado
superam o sistema soviético.
Deve-se ter em mente, é claro, que os objetivos da hierarquia
soviética raramente foram orientados pelas preferências do
consumidor; o objetivo era o estabelecimento do poder político. O
desperdício era uma consideração menos importante do que o
fortalecimento do Partido e do estado soviético.

"Agricultural Policy of the Soviet Union", Comparisons of the United States


and Soviet Economies (Comitê Econômico Conjunto, Congresso dos Estados
Unidos, 86º Cong., 1ª Sessão, 1959), parte I; trechos em Bornstein e Fusfeld
(eds.), The Soviet Economy, pp. 168-201; Nancy Nimitz, "Agriculture Under
Khrushchev: The Lean Years", Problems of Communism, XIV (Maio -Junho,
1965); reimpresso em Bornstein e Fusfeld, ibid., pp. 202 -15.

357
358 A Religião Revolucionária de Marx
Houve crescimento, sem dúvida, especialmente nas áreas de
indústria pesada e armamentos militares. Em termos de crescimento
econômico em si, a conclusão comedida de Bergson é certamente
precisa o suficiente:

Como tem acontecido, o exemplo excepcional de


socialismo que ainda está por surgir se destacou até agora não
tanto pelo uso efetivo de recursos, mas pelos fins novos e
estranhos impostos a um grande estado.85

No entanto, o comentário de Jan Prybyla se aproxima mais da


realidade:

O que os russos mostraram é que o crescimento


econômico desordenado a taxas rápidas pode ser alcançado
sem economistas e sem ciência econômica; mas que, após a
economia superar sua crise adolescente, problemas elusivos e
sutis de alocação de recursos entre um número crescente de fins
'prioritários' competidores exigem uma ciência econômica para
sua solução.86

Como eles propõem resolver esses problemas ainda está por ser
visto, mas parece claro que, sem descentralização econômica e o
surgimento de uma economia de consumo baseada na propriedade
privada e no lucro, as questões fundamentais permanecerão sem
solução.
A economia oscilará entre o planejamento no topo e o
localismo, tornando-se cada vez mais irracional à medida que a
complexidade da tarefa de planejamento cresce ainda mais. O sistema,
em boa terminologia marxista, contém as sementes de sua própria
destruição.

358
Apêndice B: Planejamento Econômico Soviético 359

1 Frederick Engels, Herr Eugen Dunring's Revolution in Science [Anti-


Duhring} (London: Lawrence and Wishart, [1878] 1934), p. 311. [Collected
Works, 25, p. 270.]
2 Abram Bergson, The Economics of Soviet Planning (New Haven,
Connecticut: Yale University Press, 1964), p. 316.
3 Naum Jasny, Soviet Industrialization, 1928-1952 (University of Chicago
Press, 1961), p. 24.
4 G. Warren Nutter, Growth of Industrial Production in the Soviet Union (Um
Estudo pelo National Bureau of Economic Research [Princeton University
Press, 1962]), pp. 259-60.
5 Ibid., p. 289.
6 Jasny, Soviet Industrialization, pp. 1-2.
7 Ibid., p. 73.
8 Robert W. Campbell, Soviet Economic Power (2nd ed.; New York: Houghton
Mifflin, 1966), p. 24.
9 Murray N. Rothbard, Man, Economy and State, 2 vols. (Princeton, Nova
Jersey: Van Nostrand, 1962), 2, p. 837. [Reimpresso pela New York
University Press, 1979.]
10 Para uma discussão sobre a questão do crescimento econômico, veja o ensaio
de Colin Clark, originalmente publicado no The Intercollegiate Review, agora
distribuído pela National Association of Manufacturers, "Growthmanship":
Fact and Fallacy (1965). P. T. Bauer, Economic Analysis and Policy in
Underdeveloped Countries (Durham, Carolina do Norte: Duke University
Press, 1957); Bauer e Basil S. Varney, The Economics of Underdeveloped
Countries (University of Chicago Press, 1957). [P. T. Bauer, Dissent on
Development: Studies and Debates in Development Economics (Cambridge,
Massachusetts: Harvard University Press, 1972); Equality, the Third World

359
360 A Religião Revolucionária de Marx

and Economic Delusion (Cambridge, Massachusetts: Harvard University


Press, 1981); Reality and Rhetoric: Studies in the Economics of Development
(Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1984).]
11 Alexander Gerschenkron, Economic Backwardness in Historical Perspective
(Cambridge, Massachusetts: Harvard-Belknap Press, 1961), p. 293.
12 Abram Bergson, The Real National Income of Soviet Russia Since 1928
(Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1961), p. 293.
13 Gerschenkron, Economic Backwardness, p. 262.
14 Jan S. Prybyla, "Crescimento Econômico Soviético: Perspectivas e Projeções",
Quarterly Review of Business and Economics, IV (1964); reimpresso em
Morris Bornstein e Daniel R. Fusfeld (eds.), The Soviet Economy: A Book of
Readings (Homewood, Illinois: Irwin, 1966), pp. 308-9.
15 Campbell, Soviet Economic Power, pp. 128-29.
16 Ibid., p. 26.
17 Ibid., p. 14.
18 Janet Chapman, Real Wages in Soviet Russia Since 1928 (Cambridge,
Massachusetts: Harvard University Press, 1963), p. 6.
19 Bergson, Real National Income, p. 261.
20 Chapman, Real Wages, p. 19.
21 Ibid., p. 146.
22 Ibid., p. 147.
23 Ibid., p. 150.
24 Ibid., p. 152.
25 Ibid., p. 173.

360
Apêndice B: Planejamento Econômico Soviético 361

26 Chapman, Real Wages, p, 175.


27 Bergson, Real National Income, p. 96
28 Alexander Balinky, "Non-Housing Objectives of Soviet Housing Policy,”
Problems of Communism (U.S. Information Agency), X Guly-Aug., 1961), p.
17.
29 Ibid.
30 Robert Campbell, Soviet Economic Power, p. 137.
31 Balinky, op. cit., p. 19.
32 Ibid., p. 21.
33 Ibid., p. 23.
34 Ibid., p. 22.
35 Nutter, Growth ofIndustrial Production in the Soviet Union, p. 239.
36 Bergson, Economics ofSoviet Planning, pp. 311-12.
37 Ibid., p. 312.
38 Nove, The Soviet Economy, p. 156.
39 Campbell, Soviet Economic Power, p. 141.
40 Gerschenkron, Economic Backwardness, p. 287.
41 Herbert S. Levine, "The Centralized Planning of Supply in Soviet Industry,"
Comparisons of the United States and Soviet Economies (Joint Economic
Committee, Congress of the United States, 86th Con., 1st Session, 1959);
reimpresso em Wayne A. Leeman (ed.), Capitalism, Market Socialism, and
Central Planning (Boston: Houghton Mifflin, 1963), p. 55.
42 Ibid., pp. 55-58

361
362 A Religião Revolucionária de Marx

43 Ibid., p. 68.
44 Jasny, Soviet Industrialization, pp. 25-27.
45 Ibid., pp. 73ff.
46 Nutter, Growth, p. 64.
47 Peter Wiles e Leon Smolinski, "The Soviet Planning Pendulum," Problems of
Communism, XII (Nov.-Dec., 1963), p. 24.
48 Ibid., p. 21.
49 Ibid., pp. 24-25.
50 Nove, The Soviet Economy, p. 207:
51 Ibid.
52 Cf. Greenslade, "Khrushchev and the Economists," op. cit., pp. 193ft
53 Alec Nove, "Revamping the Economy," Problems of Communism, XII Gan.-
Feb., 1963), p. 15.
54 Wiles and Smolinski, "Pendulum," ibid. (Nov.-Dec, 1963), p.25.
55 Peter Wiles, "Rationality, the Market, Decentralization, and the Territorial
Principle," in Grossman (ed.), Value and Plan, pp. 186-87~ Cf. Gerschenkron,
Economic Backwardness, pp. 287-88.
56 Bergson, Economics ofSoviet Planning, p. 150.
57 Nove, "Prospects for Economic Growth in the USSR," American Economic
Review, Papers and Proceedings, LIII (1963); reprinted in Bornstein and
Fusfeld (eds.), The Soviet Economy, J, p. 318.
58 Joseph S. Berliner, Factory and Manager in the USSR (Cambridge,
Massachusetts: Harvard University Press, 1957), chaps. 11, 12.

362
Apêndice B: Planejamento Econômico Soviético 363

59 Berliner, "Blat Is Higher than Stalin," em Abraham Brumberg (ed.), Russia


Under Khrushchev (New York: Praeger, 1962), p. 173.
60 Ibid., p. 175.
61 Nove, "Prospects," op. cit., p. 318.
62 Campbell, Soviet Economic Power, p. 58.
63 Grossman, "Soviet Growth: Routine, Inertia, and Pressure," American
Economic Review, Papers and Proceedings, L (1960), pp. 62 -72.
64 Ibid., p. 64.
65 Barrington Moore, Terror and Progress in the USSR
(Cambridge,Massachusetts: Harvard University Press, 1954), pp. 40, 71.
66 Hayek, "The Competitive Solution," Economica, III, New Series (1940); em
Hayek, Individualism and Economic Order, pp. 196-99.
67 Nove, "The Problem of 'Success Indicators' in Soviet Industry," Economica,
XXV (1958); em Leeman (ed.), Capitalism, Market Socialism, and Central
Planning, pp. 78-90.
68 Philippe Bernard, "Postscript," em seu Planning in the Soviet Union (Nova
York: Pergamon Press, 1966), p. 295.
69 Robert W. Campbell, "Economics: Road and Inroads," Problems of
Communism, XIV (Nov.-Dec., 1965), pp. 28-33.
70 Vaclav Holesovsky, "Surveying the Soviet Economy," Problems of
Communism, XII (Sept.-Oct., 1963), p. 59.
71 Gerschenkron, Economic Backwardness, pp. 294-95.
72 Current Digest of the Soviet Press, XVI, #33 (9 Sept. 1964), pp. 13 -15.
73 Bergson, Economics of Soviet Planning, p. 13.

363
364 A Religião Revolucionária de Marx

74 Ibid., p. 174.
75 Ibid., p. 271.
76 Joseph S. Berliner, "Marxismo e a Economia Soviética", Problems of
Communism, XIII (Set.-Out., 1964); reimpresso em Bornstein e Fusfeld (eds.),
The Soviet Economy, pp. 18-33.
77 Robert W. Campbell, "Marx, Kantorovich e Novozhilov: 'Stoimost' versus
Realidade", Slavic Review, XX (1961); reimpresso em Leeman (ed.),
Capitalism, Market Socialism, and Central Planning, sob o título "Matemática
no Planejamento Soviético e a Teoria do Valor", pp. 102 -18.
78 Naum Jasny, "Soviet Statistics," The Review of Economics and Statistics,
XXXII (1950), p. 92.
79 Ibid., p. 93.
80 Ibid., p. 94.
81 Alexander Gerschenkron, "Comments on Naum Jasny's 'Soviet Statistics',"
ibid., XXXII (1950).
82 Nove, "A Note on the Availability and Reliability of Soviet Statistics,"
publicada como um apêndice em The Soviet Economy, pp. 323 -30. Cf. Lynn
Turgeon, "On the Reliability of Soviet Statistics," The Review of Economics
and Statistics, XXXIV (1952), pp. 75-76.
83 Daniel Marx, "Comments on Naum Jasny's 'Soviet Statistics'," Review of
Economics and Statistics, XXXII (1950), p. 251.
84 Jasny, "Soviet Statistics," op. cit., p. 98.
85 Bergson, Economics of Soviet Planning, p. 358.
86 Jan S. Prybyla, "Soviet Economic Growth: Perspectives and Prospects," op.
cit., em Bornstein e Fusfeld (eds.), The Soviet Economy, p. 314.

364
APÊNDICE C
O MITO DA POBREZA DE MARX*1
Se eu tivesse tido dinheiro nos últimos dez dias, teria conseguido fazer um bom
negócio na bolsa de valores. Agora chegou o momento em que com astúcia e muito
pouco dinheiro realmente se pode fazer uma fortuna em Londres.
Karl Marx (1864)1

Uma das ideias mais amplamente aceitas no mundo é que o


homem é puramente produto de seu ambiente: social, econômico,
físico, educacional, genético ou uma combinação de todos eles. Esse
sistema de crenças é o que os cientistas sociais chamam de
determinismo ambiental. É uma heresia muito antiga.
Na verdade, é a antiga heresia relacionada à causa e efeito na
ação humana. Ela apareceu pela primeira vez no Jardim do Éden. Deus
perguntou a Adão se ele havia comido da árvore proibida. A resposta
de Adão foi um puro determinismo ambiental:

A mulher que me deste por companheira deu -me da


árvore, e eu comi" (Gn 3:12).

Então Deus perguntou à mulher o que ela havia feito. Sua


resposta seguiu na mesma linha:

1 A maior parte deste apêndice foi publicada como "Poor Karl" em American
Opinion (Abril de 1971).

365
366 A Religião Revolucionária de Marx
"A serpente me enganou, e eu comi" (Gn 3:13).

Ambas as respostas eram historicamente precisas, mas


judicialmente irrelevantes. Sim, a mulher havia pecado. Isso isentava
Adão? Sim, a serpente havia pecado. Isso isentava Eva? Tanto Adão
quanto Eva estavam, na verdade, acusando Deus por seu pecado. Adão
estava, na prática, dizendo:

Olhe aqui, Deus, você me deu esta mulher. Foi culpa dela
que eu pequei e, portanto, foi realmente sua culpa. Meu
ambiente estava falho. Você criou esse ambiente, então você é o
responsável final.

Mas isso era uma mentira: o ambiente de Adão era o jardim e o


mundo, e Deus havia pronunciado o mundo como muito bom, dia após
dia, enquanto o criava. A serpente moralmente rebelde havia entrado
nesse ambiente perfeito, e era responsabilidade de Adão guard ar esse
ambiente e expulsar a serpente.
Em vez disso, Adão e Eva ouviram a mentira da serpente,
aceitaram-na como verdadeira e imediatamente violaram a lei de Deus.
Eles agiram na história com base no que já haviam concluído
moralmente. No meio de um ambiente perfeito, pecaram, trazendo
assim as punições de Deus sobre si mesmos e sobre o ambiente perfeito.
Qual foi o castigo de Deus? Dar a Adão e Eva o ambiente
imperfeito que eles tinham insinuado que Ele havia dado a eles antes
de pecarem. Seus corpos foram colocados sob uma maldição (Gênesis
3:16, 19). Assim como o ambiente externo (Gênesis 3:17-18). Foi o
castigo perfeito para um pecado perfeitamente mau em um ambiente
perfeito. Tudo se encaixou.

366
Apêndice C: O Mito da Pobreza de Marx 367
Sempre que encontramos a filosofia do determinismo
ambiental, nos deparamos com a tentativa do homem pecador de
transferir responsabilidade e culpa. Filosofias "ambientalistas"
diferentes identificam diferentes alvos finais para a transferência de
responsabilidade do homem, mas o alvo será sempre o deus daquela
filosofia em particular.
Qualquer coisa que seja considerada como a fonte última da
ação humana é o deus dessa filosofia. Sempre será vista como a fonte
da lei. A ela, homens "pegos em flagrante" buscarão transferir sua culpa
e a ira de Deus.

Determinismo Econômico
Uma das duas versões mais populares do determinismo
ambiental no século XX foi a filosofia social conhecida como
determinismo econômico. (Seu principal concorrente foi o
Freudianismo: determinismo psicológico, principalmente sexual.) Mais
do que qualquer outra figura do século XIX, Karl Marx foi responsável
pela popularidade da ideia de determinismo econômico.
Hoje, vemos sua abordagem "ambientalista" desenfreada em
nossos inúmeros programas de bem-estar federal e estadual. A Linha
Partidária da maioria dos partidos políticos modernos é simples:

Se conseguirmos apenas mudar as instituições


econômicas das pessoas, elas se tornarão novas criaturas.

Como Marx escreveu em "O Capital",

367
368 A Religião Revolucionária de Marx
Ao agir assim sobre o mundo externo e mudá-lo, ele [o
homem] ao mesmo tempo muda sua própria natureza .2

Marx argumenta que o homem é um produto de seu ambiente


econômico e, portanto, é possível que a classe proletária altere a
humanidade por meio da atividade revolucionária. As próprias
contradições internas no sistema capitalista, segundo ele, enfraquecerão
as instituições do mundo burguês, tornando possível a bem-sucedida
revolta da classe trabalhadora.
Os assuntos econômicos, em resumo, são considerados pelos
marxistas como governantes da direção e significado de todas as outras
esferas da vida, incluindo até mesmo as ideias que os homens têm. Essa
linha de raciocínio é melhor expressa no prefácio que Marx escreveu
para seu livro, "Contribuição à Crítica da Economia Política" (1859):

Não é a consciência dos homens que determina sua


existência, mas, ao contrário, sua existência social que
determina sua consciência.3

Aparentemente, as ideias não têm consequências - pelo menos


não consequências sérias. Essa perspectiva é fundamental para a
maioria das formas de ambientalismo e se tornou uma das ideias mais
influentes da história.
Marx e Engels usaram essa estrutura ideológica para refutar
seus oponentes. No "Manifesto Comunista" (1848), eles atacaram
qualquer um que questionasse a validade de sua filosofia
revolucionária, da seguinte forma:

368
Apêndice C: O Mito da Pobreza de Marx 369
Suas próprias ideias são apenas o resultado das
condições de sua produção burguesa e propriedade
burguesa[...]4

Mas há uma grande dificuldade nesse raciocínio. Marx e Engels


eram ambos filhos de pais burgueses. Por que eles se tornaram
defensores da chamada "filosofia dos trabalhadores"? Eles obviamente
se consideravam membros dessa

pequena seção da classe dominante [que] se separa e se


une à classe revolucionária, a classe que tem o futuro em suas
mãos.5

Mas como isso é possível? Como um membro da classe


burguesa pode fazer isso se o determinismo econômico for verdadeiro?
Somente se o determinismo econômico for apenas aproximadamente
verdadeiro.
Essa minoria burguesa separada só poderia aparecer, dado o
ponto de vista científico de Marx, se essas pequenas seções da classe
dominante fossem análogas à visão da física quântica das partículas
subatômicas: elas fazem isso ou aquilo sem motivo aparente. 2 Uma
visão tão indeterminada da ação de classe dificilmente seria capaz de
convocar as massas proletárias para as barricadas.

2 Poderia se argumentar que de alguma forma o interesse econômico próprio


causa essa deserção, mas apenas porque aqueles que desertam não acreditam
realmente que a revolução proletária alcançará o que Marx disse que
alcançaria: a expropriação dos expropriadores. O Capital, 1 (edição Kerr), p.
837. [O Capital, 1, p. 763.]

369
370 A Religião Revolucionária de Marx
O sucesso do sistema de Marx é um testemunho eloquente
contra a própria lógica desse sistema: as ideias não são simplesmente o
produto de arranjos econômicos institucionais, e as ideias têm
consequências.

Confortos Juvenis
Karl Marx, o autodeclarado filósofo, economista e teórico social
do proletariado industrial do século XIX, foi, como observado, o filho
burguês de um pai burguês. Nascido em Trier, na atual Renânia-
Palatinado, Alemanha, Marx encontrava-se em uma posição
privilegiada.
Em 1816, dois anos antes de seu nascimento, seu pai renunciou
às suas origens judias e se juntou à igreja protestante oficial do estado,
permitindo que sua família ingressasse nas fileiras da sociedade
burguesa.
Era de se esperar que Heinrich (Herschel) Marx, um advogado
relativamente bem-sucedido, quisesse que seu filho se saísse bem no
mundo dos "negócios." Ele providenciou para o jovem Karl uma
educação liberal e humanista completa, primeiro no Ginásio de Trier e
depois na Universidade de Bonn e, em seguida, em Berlim.
Pouco antes de sua formatura no ginásio, Marx escreveu um
ensaio chamado "Reflexões de um Jovem Sobre a Escolha de uma
Profissão", no qual exibiu sentimentos liberais e burgueses, como este:

O princípio principal, no entanto, que deve nos guiar na


escolha de uma vocação é o bem-estar da humanidade, nossa
própria perfeição.6

370
Apêndice C: O Mito da Pobreza de Marx 371
Como o jovem que podia escrever essas palavras em 1835 se
tornou o filósofo da revolução de classe uma década depois? 3 Uma
coisa é certa: sua "conversão" ao comunismo revolucionário não foi
produto de qualquer pobreza pessoal extrema.
Ele havia ingressado inicialmente na Universidade de Bonn,
mas seu tempo foi gasto mais em bebedeira e duelos do que em estudos,
uma situação típica para os jovens que tinham aspirações de ingressar
nas burocracias oficiais do estado após a graduação.
O pai de Marx insistiu, portanto, que ele transferisse para a mais
rigorosa Universidade de Berlim; Marx o fez no início de seu segundo
ano na faculdade. Sabemos relativamente pouco sobre a vida de Karl
Marx nos cinco anos seguintes.
Ele acumulou muitas dívidas, recebeu apoio financeiro contínuo
de seus pais (seu pai morreu em 1838) e passou a maior parte do tempo
no chamado Professors' Club ou Doctors' Club, um grupo de cerca de
trinta membros jovens que se reunia no Café Stehely. Foi aqui e em sua
leitura extracurricular, não na sala de aula, que ele recebeu a maior parte
de sua educação.4

3 Uma resposta é que ele entrou em um pacto com Satanás: Richard Wurmbrand,
Marx and Satan (Westchester, Illinois: Crossway, 1986), cap. 2.
4 No entanto, isso geralmente é o caso quando jovens muito brilhantes entram
na faculdade. Livros didáticos os entediam. Palestras em sala de aula os
entediam. Palestras europeias são notoriamente entediantes, e as palestras
universitárias alemãs do século XIX podem ter estabelecido o recorde mundial
moderno internacional na produção de tédio estudantil. As palestras de Oxford
eram entediantes, insistia Adam Smith, mas pelo menos não eram em alemão.

371
372 A Religião Revolucionária de Marx
Como estudante nas Universidades de Bonn e depois em
Berlim, ele gastou quantidades prodigiosas do dinheiro de seu pai. Era
um hábito que ele nunca iria quebrar: gastar o dinheiro de outras
pessoas. Isso exigiu a adoção de uma estratégia de vida de pedir
esmolas.
No final de dezembro de 1837, alguns meses antes de sua morte,
seu pai escreveu uma carta longa, desesperada e crítica para ele. É óbvio
que o pai conhecia muito bem seu filho. Ele descreveu em detalhes os
hábitos pessoais de seu filho - hábitos que permaneceram com ele por
toda a vida:

Senhor Deus! Desordem, excursões empoeiradas em


todos os departamentos do conhecimento, meditações
empoeiradas sob uma lâmpada de óleo sombria; vagando
descontroladamente com uma roupa de estudante desalinhada e
cabelos desarrumados em vez de se divertir com uma cerveja;
retirada antissocial com negligência de toda decência e até de
toda consideração pelo pai[...]

E é aqui, neste local de estudos sem sentido e


inexperientes, que os frutos devem amadurecer para lhe
refrescar a si e à sua amada Jenny von Westphalen - G.N.], e a
colheita ser recolhida para cumprir as suas sagradas
obrigações!? 7

O homem moribundo desesperado recorreu então ao sarcasmo,


mais do que merecido, em relação à capacidade de seu filho de gastar
dinheiro:

À medida que se é rico, meu caro filho dispensou em um


ano quase 700 táleres, contrariando todos os acordos,

372
Apêndice C: O Mito da Pobreza de Marx 373
contrariando todos os costumes, enquanto os mais ricos gastam
menos de 500. E por quê?

Devo fazer justiça a ele dizendo que ele não é um


dissipador, nem um gastador. Mas como um homem que a cada
semana ou duas descobre um novo sistema e precisa rasgar
obras antigas trabalhosamente elaboradas, como ele pode se
preocupar com ninharias?

Como ele pode se submeter à pequenez da ordem? Todos


metem a mão no bolso, e todos o enganam, desde que não o
perturbem em seus estudos, e um novo vale-dinheiro é logo
escrito novamente, é claro.8

Coitado do enganado Heinrich! Ele tinha lido as cartas de seu


filho que descreviam em detalhes a volumosa quantidade de leitura que
o jovem havia realizado, sem saber que o jovem passava noites sem fim
bebendo no bar local com outros "jovens hegelianos" no "Clube dos
Doutores".
Lembrando-se de sua experiência em Bonn - uma transferência
imposta pelos pais - Karl não havia escrito sobre esses usos familiares
dos fundos de seu pai. E assim, o velho concluiu que

meu trabalhador e talentoso Karl passa noites


miseráveis acordado, enfraquece sua mente e seu corpo com
estudos sérios, se nega todo prazer, a fim de, na verdade,
realizar estudos abstratos elevados, mas o que ele constrói hoje
ele destrói amanhã, e no final ele destruiu seu próprio trabalho
e não assimilou o trabalho dos outros.9

O que o "ocupado abelhão" Karl realmente havia realizado no


período de inverno de 1837/1838? Apenas a frequência a um único

373
374 A Religião Revolucionária de Marx
curso, sobre procedimento legal criminal. (Uma pena que ele não tenha
aprendido o suficiente para evitar futuros problemas com as autoridades
legais de várias nações, de 1842 a 1849.)
O filho havia estado envolvido por um ano em um "jogo de
confiança" com o dinheiro de seu pai. Ele havia cursado apenas sete
disciplinas em seus três semestres na Universidade de Berlim. Nos
quatro anos seguintes, ele cursou apenas mais seis. 10
Ele não se formou em Berlim. Ele nunca teve coragem de
enfrentar seus exames. Em 1841, Marx se formou na Universidade de
Jena com um doutorado em filosofia (não em direito, como seu pai
esperava). Devido aos procedimentos do sistema universitário alemão
na época de Marx, ele nunca havia frequentado efetivamente Jena,
embora sua tese de doutorado lhe desse direito a todas as honras.

Marx o Editor
Ele conseguiu seu primeiro emprego no recém-criado
Rheinische Zeitung em 1842. Tornou-se colaborador regular em abril
de 1842 e, em poucos meses, foi nomeado editor. Acusações haviam
sido feitas ao jornal de que ele tinha orientação comunista. No dia em
que assumiu o cargo de editor (15 de outubro de 1842), Marx escreveu
um editorial negando a acusação.
Ele não era apenas contra o comunismo, afirmou, mas também
era igualmente contrário à panaceia da revolução, observando que

para todos esses problemas não há uma única prescrição


[...] para nos redimir de todos esses pecados.11

374
Apêndice C: O Mito da Pobreza de Marx 375
O comunismo, quer revolucionário ou evolucionário, não era o
objetivo de Karl Marx em 1842. Como ele mesmo colocou:

O Rheinische Zeitung, que nem mesmo pode conceder


realidade teórica às ideias comunistas em sua forma atual, e
muito menos desejar ou considerar possível sua realização
prática, submeterá essas ideias a uma crítica rigorosa .12

Apesar das negações, o que aconteceu com o Rheinische


Zeitung também aconteceria com outras duas empreitadas editoriais
com as quais Marx esteve envolvido nos próximos anos: ela se tornou
tão radical que as autoridades a fecharam.
A história do jornal é esclarecedora. Originalmente, esse jornal
de Colônia havia sido iniciado pelo governo prussiano, que havia
anexado recentemente as províncias alemãs ocidentais onde Colônia
estava localizada.
O governo, temendo a possibilidade de um catolicismo militante
que pudesse ter sucesso em agitar contra o controle protestante,
esperava contrapor um jornal católico bem-sucedido em Colônia. A
empreitada governamental, como tantas empreitadas intelectuais
governamentais, falhou.
Vários industriais ricos de Colônia que tinham simpatias
liberais foram encorajados a assumi-lo. Um dos que fizeram o
encorajamento foi Moses Hess, um jovem que era herdeiro de uma
grande fortuna e que foi o primeiro dos "jovens hegelianos" a se
converter ao comunismo.
Seus colegas ainda não estavam cientes de seu radicalismo, no
entanto, e mesmo quando suas crenças se tornaram mais evidentes, seus

375
376 A Religião Revolucionária de Marx
amigos industriais continuaram a aceitar pelo menos algumas de suas
sugestões.
Uma dessas sugestões foi contratar Karl Marx como editor do
jornal. Isaiah Berlin, um dos biógrafos de Marx, descreve o que
aconteceu:

De um jornal moderadamente liberal, ele rapidamente se


tornou um jornal veementemente radical; mais violentamente
hostil ao governo do que qualquer outro jornal alemão [...] Os
acionistas ficaram, na verdade, pouco menos surpresos do que
as autoridades [...]13

As autoridades, embora censurando constantemente o jornal,


inicialmente tinham medo de fechá-lo, provavelmente porque não
queriam alienar os proprietários proeminentes. Foi somente quando o
Imperador Nicolau I da Rússia aconteceu de ler uma das diatribes anti-
russas de Marx que as autoridades agiram. O Imperador reclamou ao
governo prussiano, e o governo respondeu, relutante em irritar o
Imperador e colocar em perigo a aliança russo-prussiana que estava em
vigor na época.
A influência de Moses Hess não se encerrou neste ponto. O
homem que mais tarde foi apelidado de "o rabino comunista" por Marx
prestou vários outros serviços importantes para a história do marxismo.
Primeiro, e possivelmente o mais importante, ele conseguiu converter
um jovem hegeliano ao comunismo. Esse jovem era Friedrich Engels,
filho de um rico industrial alemão.

376
Apêndice C: O Mito da Pobreza de Marx 377

O Encontro Fatídico
No outono de 1842 – por volta do mesmo período em que Marx
assumiu a função de editor –, o jovem Engels estava viajando por
Colônia a caminho de Manchester, onde estava prestes a começar a
trabalhar na fábrica de seu pai.
Segundo uma biografia, Hess alegou que havia convencido
Engels da validade do comunismo em uma única tarde. 14 Engels
encontrou-se brevemente com Marx durante essa viagem, mas não
parece ter surgido uma amizade sólida entre eles naquela época.
Agora, Engels levou sua ideologia comunista para a Inglaterra,
e seu contato próximo com os proletários britânicos (ele era filho do
empregador deles, afinal) o convenceu da necessidade de colocar a
economia como base da crítica social.
A maioria dos biógrafos de Marx concluiu que foi Engels quem
primeiro teve a ideia do materialismo histórico e que foi sua influência
que ajudou a cristalizar o materialismo filosófico de Marx em uma
forma expressamente comunista de radicalismo.5
Engels sempre afirmou que eles chegaram à ideia de forma
independente, mas nunca estava disposto a receber crédito por qualquer
coisa relacionada a ele e Marx. Ele foi o único dos primeiros associados

5 Isso é admitido, por exemplo, na biografia semi-oficial escrita por Franz


Mehring, Karl Marx: The Story of His Life (Ann Arbor: University of
Michigan Press, [1933] 1962), p. 95.

377
378 A Religião Revolucionária de Marx
de Marx a manter a confiança de Marx nos anos seguintes, e sem dúvida
sua humildade foi um dos fatores dessa relação.
A próxima contribuição de Moses Hess foi sua ajuda em colocar
Karl Marx em contato com radicais franceses quando Marx foi para
Paris no final de 1843. Acredita-se que tenha sido durante sua estadia
na França, segundo a maioria dos estudiosos contemporâneos, que
Marx adotou completamente o comunismo.
Em 1845, a metamorfose estava completa. Uma década antes,
ele era um jovem idealista humanista. A partir daí, passou pela crítica
hegeliana até o materialismo feuerbachiano. Seus cinco meses como
editor revelaram suas habilidades na escrita polemica e na crítica
radical. Finalmente, em 1844, ele começou sua amizade vitalícia com
Engels, e até 1845 ele já era um comunista.

Eles Não Eram Pobres Rapazes


Um fato geralmente subestimado pelos estudiosos do início do
marxismo é que nem Marx, nem Engels, e certamente não Hess,
sofreram de extrema pobreza quando jovens. Os três eram intelectuais
burgueses. Todos eles vieram de origens confortáveis, se não ricas.
Dos três, apenas Engels teve algum contato próximo com o
proletariado industrial, e ele era filho do empregador do proletariado,

378
Apêndice C: O Mito da Pobreza de Marx 379
trabalhando como executivo da empresa por quase toda a sua vida
adulta. Ele odiava isso, mas se recusou a sair até a meia-idade.6

6 Eleanor Marx-Aveling, filha de Marx, descreveu a situação:

Por vinte anos Engels foi condenado ao trabalho forçado


da vida empresarial. • • • Mas eu estava com Engels quando ele
chegou ao fim desse trabalho forçado e eu vi o que ele deve ter
passado todos aqueles anos. Nunca esquecerei o triunfo com
que ele exclamou: 'Pela última vez!' ao calçar suas botas pela
manhã para ir ao escritório pela última vez.

Algumas horas depois, estávamos parados no portão


esperando por ele. Vimos ele atravessar o pequeno campo em
frente à casa onde ele morava. Ele estava balançando sua
bengala no ar e cantando, seu rosto radiante. Então preparamos
a mesa para uma celebração e bebemos champanhe e estávamos
felizes. Eu era muito jovem na época para entender tudo aquilo
e quando penso nisso agora as lágrimas vêm aos meus olhos.

Marx and Engels Through the Eyes of Their Contemporaries (Moscow:


Foreign Languages Publishing House, 1972), p. 163. Comovente!

Eleanor cometeu suicídio em 1898. (Sua irmã Laura morreu da mesma maneira
em 1911.) É notável que a herança de Eleanor foi avaliada em 1.909 libras,
que era uma pequena fortuna em 1898. Ela herdou a propriedade de Marx,
principalmente os royalties de seus livros.

Seu marido comunista falido então herdou tudo. Payne, Marx, p. 530. Não é
uma má herança para um bígamo que havia sido secretamente e ilegalmente
casado no ano anterior com outra mulher, uma atriz de 22 anos, para quem ele
imediatamente retornou (ibid., pp. 525, 530-31).

379
380 A Religião Revolucionária de Marx
Em março de 1843, Marx perdeu seu emprego, mas em junho
se casou - não com alguma proletária, mas com Jenny von Westphalen,
sua antiga namorada, filha de um alto e respeitado funcionário
prussiano.
Sua longa lua de mel foi passada em uma viagem pela Suíça
onde, como Jenny relatou posteriormente, eles literalmente
distribuíram dinheiro. A mãe de Jenny havia dado ao casal uma
pequena herança para a viagem.
Marx passou os próximos meses lendo e escrevendo artigos. (O
jornal para o qual ele estava escrevendo teve apenas um número e foi
imediatamente confiscado pelas autoridades, nunca mais sendo
revivido.) No final do ano, ele e sua nova esposa foram para Paris. Essas
não são exatamente as atividades de um filósofo proletário faminto. 15
Marx passou os próximos meses lendo e escrevendo artigos. (O
jornal para o qual ele estava escrevendo teve apenas um número e foi
imediatamente confiscado pelas autoridades, nunca mais sendo
revivido.) No final do ano, ele e sua nova esposa foram para Paris. Essas
não são exatamente as atividades de um filósofo proletário faminto. 7

Pobre Garotinho Rico8


Há algumas contas do estado financeiro de Marx durante os
anos de 1844-48. Todas elas apontam para o mesmo fato: ele viveu uma

7 Payne, Marx, p. 92.


8 Estou escrevendo essa subseção em Julho, 1988.

380
Apêndice C: O Mito da Pobreza de Marx 381
vida de conforto. Eu reuni os dados fragmentários e, por vezes,
conflitantes da melhor maneira que pude.
Em março de 1844, enquanto estava em Paris por cerca de
catorze meses, os amigos de Marx na Alemanha arrecadaram 1.000
táleres para ele,16 o que equivalia a três anos de renda para um tecelão
da Silésia que trabalhava de 14 a 16 horas por dia. 9
Pouco depois, segundo Raddatz, chegaram mais 800 táleres.17
A isso se somava o dinheiro que ele ganhava com seu salário anual de
1.800 francos na Vorwärts,18 além dos 4.000 francos que ele recebeu
do "Círculo de Colônia" de liberais que financiaram o efêmero jornal
Rheinische Zeitung.19 Raddatz diz que a isso deve ser acrescido mais
2.000 francos que Marx recebeu pela venda de provas dos Deutsche-
Französische Jahrbücher.10
No entanto, não encontrei nenhuma confirmação desses 2.000
francos adicionais, então não os considero. Em qualquer caso, sua renda
total, como observa Raddatz corretamente, "deveria ter sido suficiente

9 De acordo com uma estimativa - talvez exagerada - de Wilhelm Wolff em


1844. Menos de um táler por dia era o salário líquido de trabalho para um
tecelão na Silésia em 1844. Veja o trecho de seu ensaio de 1844 em Frank
Eyck (ed.), The Revolutions of 1848-49 (Nova York: Barnes & Noble, 1972),
p. 22. Wolff reclamou que oficiais aposentados do exército recebiam pensões
de 1.000 táleres por ano. Wolff foi o benfeitor de Marx que lhe deixou uma
pequena fortuna em 1864 - veja abaixo.
10 Por amor de Deus, não consigo imaginar alguém pagando tanto por cópias de
prova de um jornal que sobreviveu apenas a uma edição.

381
382 A Religião Revolucionária de Marx
para vários anos."20 Arnold Ruge havia observado sarcasticamente em
uma carta de 1844:

Sua esposa lhe deu de presente de aniversário um chicote


de montaria que custou 100 francos, e o pobre diabo não sabe
montar nem tem um cavalo. Tudo o que ele vê, ele quer 'ter' -
uma carruagem, roupas elegantes, um jardim de flores, móveis
novos da Exposição, na verdade, até a lua.21

Marx foi expulso de Paris no início de 1845. Ele fugiu para a


Bélgica e, previsivelmente, nos próximos três anos em Bruxelas, não
ganhou um centavo.22 No entanto, o dinheiro continuou a chegar. Em
dezembro de 1844, ele recebeu 1.000 francos pela publicação de "A
Sagrada Família."23
Engels também lhe deu o adiantamento que havia recebido em
maio pelo livro "A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra."11
Colônia enviou mais 750 francos. Ele também recebeu um
adiantamento de 1.500 francos por um livro que nunca chegou a
escrever.
O editor cometeu um sério erro financeiro. Após assinar um
contrato inicial com Marx que prometia um pagamento de 1.500
francos após a conclusão do manuscrito e outros 1.500 no momento da
publicação,24 ele cedeu por algum motivo e enviou a Marx os 1.500
iniciais alguns meses depois.

11 Raddatz, Karl Marx, p. 61. Pode ser que eu esteja contando em duplicidade
aqui: Raddatz e Draper não mencionam os dados um do outro sobre a renda de
Marx com livros. Talvez estejam se referindo ao mesmo pagamento.

382
Apêndice C: O Mito da Pobreza de Marx 383
Nos próximos anos, ele passaria exigindo o manuscrito ou a
devolução de seu dinheiro, tudo em vão. Marx também pediu
emprestado 150 francos ao seu cunhado em novembro de 1847. 25 Não
há registro de qualquer reembolso.
Em uma carta de 1847 para Engels, Marx menciona o tema
recorrente de sua correspondência com Engels: "dinheiro."26
Sabemos que Marx recebeu 6.000 francos do espólio de seu pai
em março de 1848. Seu pai havia morrido em 1838; Marx não
conseguiu persuadir sua mãe e seu tio Lion Philips a lhe dar o dinheiro
até 1848.27 Robert Payne afirma, sem oferecer qualquer evidência que
o comprove, que Marx imediatamente gastou 5.000 francos para
financiar a compra de armas para trabalhadores belgas. 28
Não encontrei evidências disso, nem nenhumas das biografias
padrão de Marx se refere a tal coisa. Se ele fez isso, foi o ato menos
característico de Marx em toda a sua carreira. O que sabemos é que ele
foi expulso da Bélgica algumas semanas depois, após a publicação do
Manifesto Comunista, e, naquele momento, aparentemente não tinha
dinheiro.
Talvez nunca saibamos com certeza o que aconteceu com essa
herança de seu pai.
Se somarmos sua renda de 1844 até o início de 1848, ela
ultrapassa 15.000 francos, além dos 1.800 táleres, mais qualquer
dinheiro que Engels tenha recebido pela "Condition of the Working
Class." Nada mal para um Ph.D. geralmente desempregado!

383
384 A Religião Revolucionária de Marx

Estilo de Vida
A pergunta óbvia que surge é: Quanto dinheiro isso
representaria em poder de compra? Muito. Os dados estatísticos deste
período não são altamente confiáveis, mas podemos fazer estimativas
utilizáveis.
Uma pesquisa realizada em fevereiro de 1848, quando a
revolução estava eclodindo, indicava que o salário médio de um
trabalhador parisiense do sexo masculino era ligeiramente inferior a
quatro francos por dia,29 ou cerca de 1.250 francos por ano, se ele
trabalhasse continuamente, seis dias por semana, 52 semanas por ano.
Portanto, durante sua breve estadia de menos de um ano em
Paris, Marx arrecadou cerca de 6.800 francos, além de 1.800 táleres, ou
cerca de seis vezes o salário médio de um trabalhador parisiense,
mesmo que não contemos os 2.000 francos pela suposta venda de
conjuntos de provas, e ele não precisou trabalhar 52 semanas para
conseguir isso.
Quanto custava viver em Paris? Uma pesquisa em 1845 indicou
que as despesas mínimas para uma família sem filhos em Paris estavam
na faixa de 750 francos por ano.30 Marx tinha apenas um filho em 1844,
então mesmo que as despesas fossem o dobro disso, ele poderia ter
sobrevivido. Sua renda naquele ano era dez ou onze vezes maior do que
os gastos mínimos de uma família parisiense.
Eu não investiguei o custo de vida em Bruxelas. É improvável
que tenha sido drasticamente diferente. Havia um padrão-ouro
internacional na época, mobilidade livre da população e crescente

384
Apêndice C: O Mito da Pobreza de Marx 385
concorrência comercial. Todos esses fatores teriam tendido a igualar os
custos de vida nas principais cidades.
Considere essas proporções em termos da renda atual nos
Estados Unidos. Em primeiro lugar, lembre-se de que não havia
impostos de renda em 1844. Os impostos eram bastante baixos, muito
abaixo dos níveis de dois dígitos.
Se uma família de três pessoas atingisse o nível de pobreza com
cerca de US$ 8.500 por ano em 1985,31 e se assumirmos que a média
das famílias pobres gasta tudo o que recebe, então a família de Marx
estava gastando o equivalente a US$ 85.000 em dólares após impostos
hoje, ou pelo menos US$ 125.000 de renda antes de impostos. 12
Isso o colocaria pelo menos no 1% mais alto dos ganhadores de
renda nos EUA. Esse valor de nível de pobreza não inclui cupons de
alimentos, educação gratuita, serviços de saúde ou outros benefícios
modernos de assistência social.
Se esses benefícios forem adicionados à renda básica de US$
8.500, o limite de pobreza para as famílias americanas em 1985 estava
consideravelmente acima de US$ 10.000 por ano, o que significa que
Marx estava ganhando o equivalente a mais de US$ 100.000 por ano
após impostos.
Outra maneira de analisar os números é assumir que a média das
famílias negras nos EUA está no nível mais baixo de renda. A média
de renda líquida das famílias negras em 1985 era de US$ 16.000. 32 Com

12 O preço do ouro em 1985 estava na faixa de US$350/oz.

385
386 A Religião Revolucionária de Marx
seis vezes a renda da família média de um trabalhador parisiense, após
impostos, a família Marx estava indo bem.
Seis vezes a renda média de uma família negra nos EUA após
impostos teria colocado a renda da família Marx em 1985 em US$
96.000. O casal médio com dois filhos ganhava US$ 28.000 após
impostos. Se você calcular seis vezes essa renda, a família Marx
ganharia US$ 168.000.
Em resumo, Marx não era um proletário faminto. Pelos padrões
de 1844, ele era um homem rico.
Até onde eu sei, até a data em que escrevo esta seção, no final
de julho de 1988, parece que sou o primeiro pesquisador a buscar esses
dados mínimos sobre os níveis de salário e o custo de vida em Paris
durante os anos 1840 para comparar a renda de Marx com a dos
trabalhadores comuns.
Certamente não sou a única pessoa inteligente o suficiente para
fazer isso. O que estamos enfrentando é uma combinação de preguiça
por parte dos estudiosos da vida de Marx, mais um elemento de silêncio
dignificado: discutir tais assuntos levaria à derrubad a do mito da
pobreza de Marx.
Isso lança sérias dúvidas sobre a autorepresentação de Marx ao
longo da vida como a figura de Prometeu do proletariado europeu.
Somente se alguém finalmente encontrar evidências de que ele
realmente doou 5.000 francos aos trabalhadores belgas no início de
1848 é que encontraremos reservas de compaixão por pobre Karl.
Seus anos de dificuldades financeiras sérias começaram em
1848, mas nesse momento sua filosofia do materialismo dialético e do

386
Apêndice C: O Mito da Pobreza de Marx 387
comunismo econômico já havia se cristalizado em sua mente. Em
resumo, sua filosofia de vida havia sido desenvolvida nos anos de
notável prosperidade.
Ele se tornou o autoproclamado "porta-voz dos proletários"
antes de sofrer as dificuldades financeiras autoinfligidas do
proletariado. Ao contrário dos proletários, ele nunca manteve um
emprego estável após 1844, e aquele emprego em Paris durou menos
de um ano.
Marx retornou a Colônia em 1848 e, em junho, começou a
publicação de mais um jornal, o Neue Rheinische Zeitung. No mês
seguinte, ele foi levado a julgamento e subsequentemente absolvido da
acusação de subversão.
Em maio, publicou o inflamatório "número vermelho" -
literalmente impresso em tinta vermelha - uma vez que estava prestes a
ser expulso de qualquer maneira. Ele partiu para a França, mas foi
expulso três meses depois (agosto de 1849).
A partir daí, viajou para Londres, que, juntamente com a Suíça,
era o lar da maioria dos radicais do século XIX após as revoluções de
1848-1850. Ele passaria a maior parte de sua vida restante em Londres,
a cidade dos exilados.

Pobreza Autoimposta
Foi no período de 15 anos, de 1848 a 1863, que Marx ganhou
sua reputação de pobreza, uma reputação que ele ganhou pela sua
relutância em sair e ganhar a vida. Ele perdeu três de seus filhos, viveu
em uma squalor indescritível e lutou com a ajuda de Engels e qualquer

387
388 A Religião Revolucionária de Marx
renda que pudesse obter dos artigos que escrevia (ou que Engels
escrevia em nome de Marx) para o New York Daily Tribune de Horace
Greeley.
Em 1861, a situação ficou desesperada para Marx. A Guerra
Civil nos Estados Unidos começou a causar estragos no mercado de
algodão inglês, pois o Sul impôs um embargo às exportações de
algodão para a Inglaterra na esperança (que se provou ilusória) de que
tal ato forçaria os industrialistas e trabalhadores ingleses a
pressionarem o governo inglês a reconhecer oficialmente a
independência do Sul.
O dinheiro que Engels possuía vinha de seu emprego nas
fábricas de seu pai, e Engels trabalhava na filial de Manchester das
participações industriais de seu pai. Seus rendimentos diminuíram
devido às condições deprimidas, e ele não conseguiu ajudar muito Marx
por três anos.
Simultaneamente, o Tribune cancelou a coluna de Marx sobre
assuntos europeus para dar mais espaço às notícias sobre a guerra.
Assim, as duas principais fontes de apoio financeiro de Marx foram
cortadas. Ele acumulou dívidas profundas.
As coisas ficaram tão ruins nesses anos que Karl Marx foi
levado ao ponto de ruptura final: ele realmente teve que sair e procurar
emprego! Ele se candidatou a um cargo em um escritório de ferrovia
local. Sua explicação ao seu correspondente de Hanover, Dr.
Kugelmann, foi direta:

Não consegui o cargo por causa da minha má caligrafia .33

388
Apêndice C: O Mito da Pobreza de Marx 389
Qualquer pessoa que já tenha visto a caligrafia de Marx pode
simpatizar tanto com os funcionários da ferrovia quanto com o Dr.
Kugelmann.34 Ele nunca tentou novamente.
Não há como negar que a família Marx viveu na pobreza
absoluta nesses anos. Mas os livros didáticos raramente mencionam que
a causa dessa pobreza autoimposta foi o fato de Marx nunca ter se
preocupado em arrumar um emprego.
Nada do que é humano me é estranho ele escreveu uma vez,
citando o dramaturgo da República Romana Terêncio, proclamando
assim seu compromisso pessoal com o humanismo radical. Nada de
humano era estranho a Marx, é tentador acrescentar, exceto o emprego
estável.
Em 1864, ele havia dissipado uma fortuna. O dinheiro havia
sido adiantado (dado) a ele por Engels, somado à herança que recebeu
da propriedade de sua mãe, além de uma grande herança de Wilhelm
Wolff.
Em 1865, novamente quebrado, ele teve a oportunidade de
escrever uma coluna mensal sobre os movimentos do mercado
financeiro. Ele recusou o emprego, nem se dando ao trabalho de
oferecer uma explicação.35
Karl e Jenny Marx simplesmente não eram capazes de lidar com
dinheiro com sucesso. Três coisas ajudaram a aliviar suas dificuldades
econômicas neste período sombrio de suas vidas. Primeiro, havia
Helene (Lenchen) Demuth, a governanta dos Marx. Ela havia crescido
como criada na casa dos von Westphalen, e a mãe de Jenny a enviou
para cuidar dos Marx em 1846. Ela permaneceu com a família até a
morte de Karl Marx em 1883.

389
390 A Religião Revolucionária de Marx
Como a biografia de Payne sobre Marx demonstra, ela era a
guardiã da bolsa da família e a mantinha o mais solvente possível. Ela
também teve um filho ilegítimo de Marx em 1851 - um filho que Marx
nunca quis reconhecer, com medo de constrangimentos nos círculos
revolucionários de Londres - outro fato até então ignorado, que o livro
de Payne traz à luz.

As Heranças
Um segundo fator foi o adiantamento de sua herança de sua mãe
(que ainda não havia falecido) que ele recebeu no início de 1861. A mãe
de Karl pagou suas antigas dívidas e, através do executor de seu espólio,
seu irmão de criação Lion Philips, um industrialista de grande
sucesso.13 Marx recebeu £160, parte das quais gastou em uma viagem
pela Europa.36
Finalmente, em 1863, Engels conseguiu reunir £125, e
possivelmente mais - o registro não é claro - para o alívio de Marx.14
Foi nesta ocasião que Engels criticou Marx abertamente, a única vez
que o fez.

13 Lion Philips, tio de Marx por casamento, tornou-se o fundador de uma das
empresas mais poderosas da Europa, a Philips Electrical Company, da qual a
North American Philips Company (Norelco) é uma subsidiária. Veja Payne,
Marx, p. 330.
14 Ibid., pp. 339-40. A biografia de Nicolaievsky relata que Engels realmente
pagou a Marx 350 libras em 1863, embora eu tenha inclinação a duvidar dessa
cifra. Nicolaievsky e Maenchen-Helfen, Karl Marx, p. 253.

390
Apêndice C: O Mito da Pobreza de Marx 391
Em janeiro, a "esposa" de Engels faleceu, e ele escreveu a Marx
desesperado. Marx respondeu com duas breves frases de pesar e depois
lançou-se em uma descrição de seus próprios problemas financeiros.
Engels ficou furioso, disse isso a Marx, e Marx se desculpou -
possivelmente a única vez em sua vida adulta que ele pediu desculpas
a alguém fora de sua família imediata. Assim, Engels lhe enviou o
dinheiro, e os dois parceiros se reconciliaram.
Em meados de 1863, a mãe de Marx faleceu. Sua parte na
herança, descontando o adiantamento, foi algo inferior a £100. 37 Ele
recebeu esse dinheiro no início de 1864. Foi o suficiente, como uma
biografia menciona, para amenizar "pelo menos o pior da aflição de
Marx."38 Em seguida, veio uma grande quantia.
Um seguidor alemão obscuro, Wilhelm Wolff, um dos dezoito
conspiradores originais da Liga dos Justos em 1846, faleceu e deixou
para Marx a quantia surpreendente (pelos padrões de 1864) de £824.39
Marx posteriormente dedicou "O Capital" a Wolff. 40
Em setembro, Engels foi nomeado sócio pleno na empresa de
seu pai e pode ter estado menos ressentido do que o normal quando
Marx exigiu mais £40, que ele insistiu que lhe devia (Engels era o
executor do espólio de Wolff).41 Assim, em um único ano, Marx
recebeu quase £1000.
Quando comecei a investigar as finanças de Marx (antes da
publicação da reveladora biografia de Payne), comecei a me perguntar
o quanto esse dinheiro equivaleria em termos de poder de compra.
Nenhuma biografia anterior à de Payne fez essa pergunta fundamental.
O professor Bowley estimou que em 1860 a renda de um
trabalhador agrícola no grupo dos dez por cento mais pobres da

391
392 A Religião Revolucionária de Marx
população britânica era algo em torno de £30 anualmente. Uma renda
média para um trabalhador seria cerca de £45 por ano. Para aqueles no
grupo dos dez por cento mais ricos da população, uma cifra de £70 seria
típica.42
A renda da família Marx em 1863 os colocaria no grupo dos
cinco por cento mais ricos da população britânica! Essa foi a quantia
enviada por Engels para aliviar "pelo menos o pior da aflição de Marx."
Sua renda no ano seguinte, 1864, equivaleria aos salários pagos a mais
de vinte proletários britânicos "médios."

O que vem fácil, vai fácil


Incrivelmente, em maio de 1865, Marx estava novamente sem
dinheiro. Em 31 de julho desse ano, ele escreveu para Engels pedindo
mais dinheiro, afirmando que estava em dívida com uma casa de
penhores por dois meses.43 O Dr. Kugelmann recebeu uma carta em
outubro que continha estas palavras:

Minha situação econômica se tornou tão ruim devido à


minha longa doença e às muitas despesas que ela acarretou, que
estou enfrentando uma crise financeira em breve, algo que, além
dos efeitos diretos sobre mim e minha família, também seria
desastroso para mim politicamente, especialmente aqui em
Londres, onde é necessário 'manter as aparências'.44

Parece que a sociedade radical de Londres estava sofrendo de


uma grave "afetação burguesa", ou então o Dr. Marx estava agora se
associando a pessoas de classe muito alta. Marx então prosseguiu
pedindo a Kugelmann se ele conhecia alguém que emprestasse dinheiro
a uma taxa de juros de cinco a seis por cento, pois, como ele anunciou,

392
Apêndice C: O Mito da Pobreza de Marx 393
agora estou pagando 20 a 30 por cento de juros pelas
pequenas quantias que empresto, mesmo assim não consigo
adiar meus credores por muito mais tempo[...]45

Marx, o economista da classe proletária, dificilmente poderia


ser considerado um administrador financeiro prudente.
Para onde foi o dinheiro? A biografia de Payne fornece uma
pista importante. Em uma carta ao seu tio Lion Philips, Marx anunciou
(junho de 1864) que havia ganho £400 na bolsa de valores. Em 4 de
julho, ele escreveu a Engels pedindo o acerto final da herança de Wolff:

Se eu tivesse tido o dinheiro nos últimos dez dias, teria


sido capaz de fazer um bom negócio na bolsa de valores.
Chegou a hora em que, com sagacidade e muito pouco dinheiro,
alguém realmente pode fazer uma fortuna em Londres.46

Infelizmente, Marx esqueceu que quando algumas pessoas estão


enriquecendo na bolsa de valores, outras frequentemente estão ficando
arruinadas. Não podemos ter certeza, mas os instintos de jogo de Marx
podem ter sido a causa, pelo menos em parte, de sua ruína financeira.

Bairros Não-Proletários
Despesas, como todos sabemos, tendem a aumentar à medida
que a renda sobe. Com a pequena herança de sua mãe em mãos, Marx
mudou sua família para uma nova casa em março de 1864, pouco antes
da notícia da herança de Wolff chegar. Isso representou um salto para
a classe média alta. A descrição de Payne da casa de Marx (e a
fotografia dela em seu livro) é reveladora:

393
394 A Religião Revolucionária de Marx
Ninguém que chegasse à nova casa na Maitland Park
Road a confundiria com o alojamento de um trabalhador. Era
espaçosa e elegante, com cornijas sobre as janelas e elegantes
colunas coríntias na entrada, com um pequeno jardim na frente
e um jardim maior nos fundos.

Como quase todas as casas com colunas em Londres,


esta casa transmitia uma impressão de afluência contida. Um
médico, um magistrado local ou um empresário que trabalhasse
na cidade não ficaria fora de lugar nela.47

Karl Marx permaneceu nesta casa até 1875, quando se mudou


para outra que aparentemente era quase idêntica à casa de Maitland
Park (essa residência final foi destruída durante a guerra). Jenny, sua
esposa, deu um baile de gala em outubro de 1964, outro dreno nas
finanças de Marx, e ela deu outros ao longo dos anos. 48
Sem dúvida, eles serviram à família Marx como lembranças de
sua juventude abastada. Suas preferências de moradia certamente
confirmam a observação de Logan Pearsall Smith:

Todos os reformadores, por mais rigorosa que seja a sua


consciência social, vivem em casas tão grandes quanto podem
pagar.49

A Pensão de Engels
Quando Engels decidiu vender sua participação na empresa
familiar em 1869, ele escreveu para Marx e perguntou quanto dinheiro
seria necessário para quitar todas as suas dívidas. Marx respondeu
imediatamente que estava £210 em atraso, "dos quais cerca de 75 são
para o penhor e juros."50 Em julho de 1869, Engels acertou suas contas

394
Apêndice C: O Mito da Pobreza de Marx 395
com a empresa e conseguiu quitar as dívidas de Marx, ao mesmo tempo
em que lhe concedeu uma pensão anual de £350.
No entanto, Marx afirmou que mesmo essa quantia considerável
não era suficiente para que ele vivesse confortavelmente. Um ano antes,
em uma carta para Kugelmann, ele havia escrito esta mensagem
surpreendente:

Pode ter certeza de que já discuti a possibilidade de


deixar Londres e me mudar para Genebra, não apenas comigo
mesmo e minha família, mas também com Engels. Aqui eu tenho
que gastar de £400 a £500 por ano; em Genebra, eu poderia
viver com £200.51

A renda de Marx, usando as estimativas do Professor Bowley,


era cerca de cinco vezes maior do que a dos dez por centos superiores
das classes trabalhadoras britânicas.
Usando os números de 1867 apresentados naquele ano por R.
Dudley Baxter à Sociedade Estatística de Londres, descobrimos que a
renda de Marx colocava sua família entre as 120.000 melhores famílias
na Inglaterra e no País de Gales. Cerca de 5,1 milhões de famílias
viviam abaixo da "linha de pobreza" de Marx. Após 1869, a pensão
anual regular de Marx o colocava entre os dois por centos superiores da
população britânica em termos de renda.
Em resumo, Marx sentia que não conseguia viver
confortavelmente com uma renda maior do que a desfrutada por
noventa e oito por cento de seus compatriotas - em uma nação que, per
capita, era a mais rica do mundo.52
Incrivelmente, uma biografia coloca da seguinte forma:

395
396 A Religião Revolucionária de Marx
Mas suas ansiedades só realmente terminaram em 1869,
quando Engels vendeu sua parte na fábrica de algodão e
conseguiu fazer uma concessão definitiva a Marx, se moderada,
todos os anos.53

É assim que a história é reescrita.

Conclusão
Então, o que tudo isso significa? Talvez não muito. Mas, pelo
menos, agora podemos colocar o mito da pobreza de Marx em sua
devida perspectiva. Ele foi pobre apenas durante quinze anos de sua
carreira de sessenta e cinco anos, em grande parte devido à sua
relutância em usar seu doutorado e sair para conseguir um emprego.
Suas opiniões econômicas haviam sido formadas, pelo menos
em seus aspectos essenciais, antes que essa pobreza se instalasse, e a
culminação final de seu sistema, "O Capital," publicado em 1867, foi
concluída nos anos de alta renda.
Sua própria vida parece servir como testemunho contra a
validade de sua doutrina do determinismo econômico. O filósofo-
economista da revolução de classes - o "Doutor Vermelho de Soho" que
passou apenas seis anos nesse bairro decadente - foi um dos cidadãos
mais ricos da Inglaterra durante as duas últimas décadas de sua vida.

396
Apêndice C: O Mito da Pobreza de Marx 397
Mas ele não conseguia equilibrar suas contas. 15
Em um aspecto, pelo menos, as coisas não mudaram muito
desde os anos intermediários do século passado. Ainda é possível
encontrar muito mais autoproclamados marxistas nos campi
universitários burgueses do que você pode encontrar nas oficinas
"proletárias" de Detroit ou Chicago.
Os intelectuais burgueses bem alimentados têm muito mais
afinidade com as ideias de Marx e Engels do que o proletariado
industrial de hoje. As ideias de Marx nasceram na universidade e em
seu submundo intelectual, foram nutridas durante anos de afastamento
voluntário da produção econômica e floresceram em anos de luxo,
muito distantes do ambiente do proletariado deslocado.
A chamada "tragédia" da "vida empobrecida" de Marx foi
principalmente devido às suas próprias escolhas e estilo de vida. Se ele

15 Na sua morte, o patrimônio de Marx foi avaliado em cerca de £250, consistindo


principalmente de seus livros e móveis. Payne; Marx, p. 500. O comentário de
Payne é muito preciso:

Apesar da generosidade de Engels, ele estava


continuamente endividado. Embora passasse a maior parte de
suas horas acordado pensando em dinheiro, ele tinha muita
pouca compreensão do risco associado ao empréstimo. Ele
assinaria letras de câmbio com altos juros e se perguntava como
havia chegado a tal situação quando as letras venciam. Ele era
imprudente e estranhamente infantil em questões financeiras.
Ele não tinha o dom de ganhar dinheiro e nenhum para gastá-
lo (p. 342).

397
398 A Religião Revolucionária de Marx
tivesse vivido no meio do século XX, poderia ter evitado esses quinze
anos de dificuldades financeiras autoimpostas.
Hoje, existem muitas fundações e organizações isentas de
impostos que fornecem apoio financeiro substancial a pensadores e
ativistas revolucionários, permitindo-lhes viver com o mesmo padrão
elevado que Marx desfrutou durante a maior parte de sua vida.
Karl Marx estabeleceu o padrão, tanto intelectual quanto
financeiramente, para a geração atual de intelectuais burgueses bem
alimentados e bem subsidiados.
Um economista que não conseguia economizar, um organizador
revolucionário cujas organizações invariavelmente se desmoronavam,
um profeta secular cujas profecias não se concretizaram, um homem
autônomo autoproclamado que passou a vida dependendo da ajuda de
Engels e se endividou com agiotas, o autoproclamado porta-voz da
classe trabalhadora que nunca realizou uma hora de trabalho manual
em sua vida, o inventor de uma teoria de revoluções industriais
inevitáveis que na verdade ocorreram apenas em sociedades rurais
atrasadas, o homem que previu o desaparecimento do Estado, cujas
ideias ressuscitaram a antiga busca pelo império mundial, a vida de Karl
Marx foi um testemunho vivo do fracasso de ideias ruins.
As únicas pessoas que ainda levam a sério suas ideias são
intelectuais burgueses, pastores de classe média hereges e ambiciosos
pelo poder que desejam se tornar tiranos vitalícios - o tipo de pessoas
que Marx desprezava, ou seja, pessoas muito parecidas com ele mesmo.
Apenas desfrutando do apoio da burguesia ao longo de toda a
sua vida, Karl Marx passou seus dias criticando a própria estrutura
econômica que lhe proporcionava tempo livre: o capitalismo. Ele

398
Apêndice C: O Mito da Pobreza de Marx 399
atacou o "liberalismo burguês", mas foi esse sistema de atitudes liberais
e mente aberta que criou uma atmosfera de liberdade intelectual, sem a
qual ele teria sido preso e seus livros queimados como lição para os
outros.
Se a burguesia de Londres não lhe tivesse dado um lugar para
se esconder e trabalhar - algo análogo às cidades de refúgio do Antigo
Testamento - nunca teríamos ouvido falar deste filósofo materialista de
terceira categoria e economista clássico de quarta categoria.
Em resumo, Marx fez o possível para minar as próprias bases
de sua existência. E hoje descobrimos que, nas nações oficialmente
marxistas, as ideias anticomunistas são o centro das atenções. Não
sobra nada do marxismo além de sua busca pelo poder. Parafraseando
o intelectual burguês Lincoln Steffens, os comunistas viram o futuro de
perto, e ele simplesmente não funciona.

1 Marx to Frederick Engels, 14 July 1864: cited in Robert Payne, Marx (New
York: Simon.& Schuster, 1968), p. 354. [Collected Works, vol. 41, p. 546.]
2 Marx, O Capital, vol. 1 (Chicago: Charles H. Kerr, [1867] 1906), p. 198. Esta
é a edição da Modern Library. [O Capital, vol. 1 (Nova York: International
Publishers, [1967] 1979), p. 177.]
3 Tradução de N. I. Stone (Nova York: International Library, 1904), pp. 11 -12.
[Karl Marx e Friedrich Engels, Selected Works, 3 vols. (Moscou: Progress
Publishers, 1969), vol. 1, p. 503. Não usarei novamente "vol." após títulos ou
datas de publicação. O primeiro numeral arábico identifica o número do
volume.]

399
400 A Religião Revolucionária de Marx

4 Marx e Engels, Manifesto do Partido Comunista (1848), em Selected Works,


1, p. 123. [Collected Works, 6, p. 501.]
5 Ibid., 1, p. 117. [Collected Works, 6, p. 494.]
6 Lloyd D. Easton e Kurt H. Guddat (eds.), Writings of the Young Marx on
Philosophy and Society (Garden City, Nova York: Doubleday Anchor, 1967),
p. 39. [Collected Works, 1, p. 8.]
7 Herschel Marx para Karl Marx, 9 Dec. 1837; Collected Works, 1, p. 688.
8 Ibid., 1,p. 690.
9 Idem.
10 Os cursos estão listados em ibid., 1, pp. 703-4.
11 Easton & Guddat (eds.), Young Marx, p. 133. [Marx, "Communism and the
Augsburg Allgemeine Zeitung" (16 Oct. 1842), Collected Works, 1, p. 219.]
12 Ibid., p. 134. [Collected Works, 1, p. 220.]
13 Isaiah Berlin, Karl Marx: His Life and Environment (3rd ed.; New York:
Oxford University Press, 1963), p. 74.
14 Boris Nicolaievsky e Otto Maenchen-Helfen, Karl Marx: Man and Fighter
(London: Methuen & Company; 1936), pp. 51-91.
15 Payne, Marx, p. 92.
16 Hal Draper, The Marx-Engels Chronicle: A Day-by-Day Chronology of Marx
& Engels' Life & Activity (Nova York: Schocken, 1985), p. 29. Este é um
volume exaustivo e indispensável.
17 Fritz J. Raddatz, Karl Marx: A Political Biography (Boston: Little, Brown,
[1975] 1978), p. 46.
18 Ibid., p. 283, nota 20.

400
Apêndice C: O Mito da Pobreza de Marx 401

19 Ibid., p. 61.
20 Ibid., p. 58.
21 Citado em ibid., p. 47.
22 Ibid., p. 61.
23 Draper, Chronicle, p. 16.
24 "Contrato", 1 de fevereiro de 1845, em Collected Works, 4, p. 675.
25 Draper, Chronicle, p. 28.
26 Marx para Engels, 15 de maio de 1847, Collected Works, 38, p. 116.
27 Oscar J. Hammen, The Red '48ers: Karl Marx and Friedrich Engels (Nova
York: Scribner's, 1969), p. 190.
28 Payne, Marx, p. 176.
29 Donald Cope McKay, The National Workshops: A Study in the French
Revolution 0/1848 (Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press,
1933), p. xv.
30 Ibid., p.xvi.
31 Statistical Abstract of the United States, 1988 (Washington, D.C.: Department
of Commerce, 1988), p. 406.
32 Ibid., table 695.
33 Marx to Kugelmann, 28 December 1862; in Letters to Kugelmann (New York:
International Publishers, 1934), p. 24. [Collected Works, 41, p. 436.]
34 Amostras podem ser encontradas em Mehring, Karl Marx, p. 283, e Payne,
Marx, pp. 35, 153, 405.
35 Mehring, Karl Marx, pp. 342-43. Isso ocorreu em 1865, o ano seguinte à
grande herança recebida por Marx.

401
402 A Religião Revolucionária de Marx

36 Payne, Marx, p. 330.


37 Ibid., p. 346.
38 Nicolaievsky e Maenchen-Helfen, Karl Marx, p. 253.
39 Payne, Marx, p. 354.
40 Berlin, Karl Marx, pp. 247-48.
41 Payne, Marx, p. 354.
42 A. L. Bowley, Wages and Income in the United Kingdom Since 1860
(Cambridge University Press, 1937), p. 46.
43 Mehring, Karl Marx, p. 341.
44 Marx para Kugelmann, 13 October 1866; Letters to Kugelmann, p. 42.
45 Idem.
46 Payne, Marx, p. 354. [Collected Works, 41, p. 54-6.]
47 Ibid., p. 377.
48 Ibid., p. 355.
49 The Portable Curmudgeon, editado por Jon Winokur (New York: New
American Library, 1987), p. 232.
50 Citado por Otto Riihle, Karl Marx: His Life and Work (New York: New Home
Library, 1942), p. 360.
51 Marx para Kugelmann, 17 de Março de 1868; Letters to Kugelmann, p. 65.
52 As cifras de Baxter aparecem no Economic History Review, XXI (Abril de
1968), p. 21.
53 Nicolaievsky e Maenchen-Helfen, Karl Marx, p. 254.

402
BIBLIOGRAFIA
Uma edição inglesa dos trabalhos completos de Marx e Engels
está sendo publicada pela editora Lawrence & Wishart of London
(1975-). Nada do gênero existiu durante o tempo em que escrevi este
livro. Tal empreendimento editorial não possui data de conclusão até
onde eu sei. Levará muitos anos. Reimpressa aqui está a minha
bibliografia de 1968, inalterada.

Escritos originais de Marx e Engels


Basic Writings on Politics and Philosophy, editado por Lewis S.
Feuer. Garden City, Nova Iorque: Doubleday Anchor, 1959. Esta
coletânea destaca o lado político de Marx, além de sua filosofia da
história. Ela diminui a ênfase nos escritos econômicos e presta pouca
atenção aos manuscritos iniciais que tratam da alienação humana.
O Capital: Uma Crítica da Economia Política. Nova Iorque:
Modern Library, sem data. Esta é uma reedição da edição de Charles
H. Kerr do volume I de O Capital, de 1906. Neste volume, Marx
apresentou sua crítica básica ao sistema econômico capitalista.
O Capital: Uma Crítica da Economia Política. Chicago: Charles
H. Kerr & Co., 1909. O segundo volume de O Capital, intitulado O
Processo de Circulação do Capital. É o volume menos importante dos
três, montado após a morte de Marx por Engels.
O Capital: Uma Crítica da Economia Política". Chicago:
Charles H. Kerr & Co., 1909. O terceiro volume do estudo, "O Processo
de Produção Capitalista como um Todo", também foi montado por

403
404 A Religião Revolucionária de Marx
Engels. Ele tenta esclarecer algumas das dificuldades teóricas
levantadas no primeiro volume. Alguns comentaristas (notadamente
Böhm-Bawerk) argumentaram que ele abandona os princípios
estabelecidos no primeiro volume.
Uma Contribuição à Crítica da Economia Política"
(Contribuição para a Crítica da Economia Política). Nova York:
International Library Publishing Co., 1904. Esta é a tradução de N. I.
Stone do volume de 1859. Este foi o primeiro trabalho que Marx
considerou ser um raciocínio econômico totalmente científico, em
contraste com suas especulações políticas e filosóficas, bem como seus
comentários sobre eventos contemporâneos. A introdução contém uma
de suas declarações mais famosas sobre o determinismo econômico.
Dialética da Natureza (Engels). Nova York: International
Publishers, 1940, 1960. Esses manuscritos foram publicados
postumamente. Eles contêm muitas de suas incursões no campo das
ciências físicas, que ele tentou explicar em termos de raciocínio
dialético. Os marxistas soviéticos consideram esses textos como parte
integrante do sistema original de Marx, mas muitos comentaristas
ocidentais (como Lichtheim e R.C. Tucker) acreditam que esses ensaios
são estranhos à perspectiva marxista.
Os Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844." Nova
York: International Publishers, 1964. Aos 26 anos, Marx escreveu esses
manuscritos tratando principalmente da alienação humana e da
sociedade que a promove. Na última década, esses ensaios foram
"redescobertos" por estudiosos, tanto no Oriente quanto no Ocidente, e
têm sido o foco de numerosos artigos e livros.

404
Bibliografia 405
A Ideologia Alemã." Londres: Lawrence & Wishart, 1965. Esta
edição é a primeira tradução completa para o inglês deste importante
manuscrito inicial. Foi escrito no ano seguinte ao EPM de 1844 e, como
este último, foi publicado apenas neste século. A primeira seção
delineia sua teoria do determinismo econômico em sua forma mais
precoce e contém uma crítica extensa a vários oponentes de esquerda
de Marx, a maioria deles já esquecidos.
A Revolução na Ciência de Herr Eugen Dühring (Anti-
Dühring)" (Engels). Londres: Lawrence & Wishart, 1934-. Em 1877,
Engels escreveu a primeira edição deste volume. É mais famoso pela
sua seção central, que posteriormente foi publicada separadamente
como "Socialismo: Utópico e Científico". Ele continua muitas das
especulações sobre ciências naturais e, nesse sentido, é o companheiro
de seu trabalho "Dialética da Natureza".
A Sagrada Família." Moscou: Foreign Languages Publishing
House, 1956. A única tradução para o inglês do manuscrito de 1845.
Este foi o primeiro livro coescrito por Engels e Marx (principalmente
por este último). É uma típica diatribe (crítica veemente) contra alguns
dos antigos colegas alemães de Marx e representa sua posição filosófica
anterior. Por alguma razão, está fora de impressão e extremamente
difícil de encontrar.
A Questão da Habitação" (Engels). Nova York: International
Publishers, s.d. Escrito como uma série de artigos em 1872, eles
representam ataques à facção proudhonista do socialismo europeu.
Karl Marx: Escritos Iniciais", editado por T. B. Bottomore.
Nova York: McGraw-Hill, 1964. Bottomore traduziu alguns dos
importantes escritos de Marx de 1843 e 1844, incluindo o famoso

405
406 A Religião Revolucionária de Marx
ensaio "Sobre a Questão Judaica", no qual ele castiga os judeus
burgueses europeus como a essência do sistema capitalista. Também
inclui traduções dos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844.
Karl Marx: Escritos Selecionados em Sociologia e Filosofia
Social", editado por T. B. Bottomore e M. Rubel. Nova York: McGraw-
Hill, 1964-. Publicados pela primeira vez em 1956, esses fragmentos
dos primeiros ensaios marxianos lançaram o novo interesse pelo tema
da "alienação" em Marx. Também inclui fragmentos relevantes dos
estudos marxistas posteriores.
Cartas aos Americanos, 1848-1895", Nova York: International
Publishers, 1953. Uma das várias coleções de correspondência entre os
dois fundadores do marxismo e seus seguidores americanos.
Cartas a Kugelmann", Nova York: International Publishers,
1934. A correspondência entre Marx e o Dr. Kugelmann durou uma
dúzia de anos, de 1862 a 1874. Marx comenta sobre as tendências
sociais e políticas atuais, sua própria condição econômica e o
movimento socialista em geral.
Ludwig Feuerbach e o Desfecho da Filosofia Clássica Alemã"
(Engels). Nova York: International Publishers, 1941. Aqui, Engels
traça o desenvolvimento da filosofia alemã desde Hegel até Feuerbach.
Ele vê Feuerbach como o principal contribuinte para a filosofia
materialista antes de Marx, embora critique a visão passivista de
Feuerbach sobre o homem. Ao transcender Feuerbach, Marx lançou o
socialismo científico, de acordo com Engels.
Malthus, editado por Ronald Meek. Nova York: International
Publishers, 1954. Esses fragmentos de Marx e Engels tratam do

406
Bibliografia 407
problema populacional, especialmente conforme tratado por Malthus, a
quem eles caracterizam como um apoiador da classe burguesa.
Sobre o Colonialismo. Moscou: -Foreign Languages Publishing
House, s.d. Uma coleção de artigos escritos entre 1850 e 1888 por Marx
e Engels sobre o tema do colonialismo, especialmente o colonialismo
britânico na Ásia. Muitos desses ensaios foram publicados no New
York Daily Tribune, o jornal liberal de Horace Greeley, para o qual
Marx era correspondente europeu.
A Pobreza da Filosofia. Moscou: Foreign Languages Publishing
House, s.d. Este livro foi escrito por Marx em 1847 como resposta a
Proudhon. Nele, Marx delineia alguns dos temas que marcariam suas
pesquisas posteriores: crítica à divisão do trabalho, aceitação da teoria
do valor-trabalho e a natureza revolucionária da ciência.
Formações Econômicas Pré-Capitalistas, editado por E. J.
Hobsbawm. Nova York: International Publishers, 1964. Estes são
fragmentos publicados postumamente de sua carreira posterior (1857-
58). Traça o desenvolvimento da propriedade e o crescimento das
unidades econômicas produtivas. Contém um tratamento do
feudalismo, uma das poucas vezes em que ele se afastou de seu tema
central: a análise e crítica do capitalismo.
Revolução e Contrarrevolução, ou a Alemanha em 1818",
Chicago: Kerr & Co., 1996. Esses foram ensaios escritos em 1951 e
1952 para o New York Daily Tribune, e podem ser considerados como
estudos complementares aos seus ensaios mais famosos sobre a França
no período de 1848-52. Embora publicados sob o nome de Marx, foram
na verdade escritos por Engels.

407
408 A Religião Revolucionária de Marx
Revolução na Espanha. Nova York: International Publishers,
1939. Esses são artigos escritos para o New York Daily Tribune sobre
a insurreição de 1854 na Espanha. Eles complementam os ensaios de
Marx e Engels sobre as revoluções europeias do meio do século.
Correspondência Selecionada, 1846-1895", editado por Dona
Torr. Nova York: International Publishers, 1935. Esta é a seleção mais
influente da correspondência de Marx e Engels em inglês. Inclui a
maioria das famosas cartas frequentemente citadas por estudiosos do
sistema marxiano.
Obras Selecionadas, 3 volumes. Moscou: Foreign Languages
Publishing House, 1969. Este conjunto contém a maioria das obras mais
importantes de Marx e Engels, incluindo o Manifesto Comunista, A
Guerra Civil na França e a Crítica do Programa de Gotemburgo. Era
um conjunto de dois volumes em 1962.
Teorias do Valor Excedente. Moscou: Foreign Languages
Publishing House, s.d. Esta é a primeira seção do chamado quarto
volume de O Capital. Ela examina os ensinamentos de economistas
anteriores, incluindo Adam Smith, David Hume e os Fisiocratas.

Biografias de Marx (Alfabético por Autor)


Berlin, Isaiah. Karl Marx: Sua Vida e Ambiente. Nova York:
Oxford University Press, 1963. Esta é talvez a biografia mais conhecida
e merece reconhecimento por seu equilíbrio de ideias, detalhes
biográficos e sua avaliação do sistema marxista.

408
Bibliografia 409
Carr, E. H. Karl Marx: Um Estudo sobre Fanatismo. Londres:
Dent, 1935. Talvez a melhor biografia geral de Marx, infelizmente fora
de circulação.
Lewis, John. A Vida e o Ensino de Karl Marx. Nova York:
International Publishers, 1965. A biografia "oficial" mais recente de
Marx. É a única que presta atenção aos manuscritos iniciais de Marx;
por esse motivo, é importante. Ela enfatiza o marxismo como uma
filosofia de ativismo voluntário, em contraste com a ideia do marxismo
como uma previsão científica.
Mehring, Franz. Karl Marx. Ann Arbor: University of Michigan
Press, 1962. Esta é uma reimpressão da biografia clássica. É a biografia
"oficial" mais importante e a que mais se dedica aos detalhes das lutas
diárias de Marx pela Revolução. É menos adequada na área de ideias e
filosofia.
Nicolaievsky, Boris e Maenchen-Helfen, Otto. Karl Marx:
Homem e Lutador. Londres: Methuen & Co., 1936. Um tratamento
simpático de Marx. Um estudo adequado, mas não particularmente
distinto.
Ruhle, Otto. Karl Marx: Sua Vida e Obra. Nova York: New
Home Library, 1943. Um estudo simpático, mas não cegamente
favorável, sobre Marx. Talvez a melhor introdução a Marx como
pessoa. Também contém observações sólidas e úteis sobre os
ensinamentos de Marx.
Schwartzchild, Leopold. Karl Marx: O Prussiano Vermelho.
Nova York: Universal Library, 1947. A única biografia realmente hostil
a Marx. O autor muitas vezes se deixa levar pela polêmica, mas oferece
alguns corretivos às abordagens simpáticas, especialmente no que diz

409
410 A Religião Revolucionária de Marx
respeito às alegadas vitórias de Marx como estudante universitário. O
autor está ansioso para mostrar com que frequência as previsões de
Marx falharam, algo que seus defensores tendem a ignorar.

Comentaristas do Sistema Marxista


(Alfabético por Autor)
Bohm-Bawerk, Eugen von. Clássicos Curtos de Böhm-Bawerk,
vol. I. South Holland, Ill.: Libertarian Press, 1962. Este livro inclui seu
famoso ensaio sobre as contradições nos volumes primeiro e terceiro
de O Capital.
Bober, M. M. A Interpretação da História de Karl Marx. Nova
York: Norton, 1965. Uma reimpressão da edição de 1948 deste
importante estudo. Bober evita visões peculiares ou originais de Marx,
e essa é a força do livro. Ele resume o sistema marxiano.
Carew Hunt, R. N. A Teoria e Prática do Comunismo.
Baltimore: Penguin, 1964. Originalmente publicado em 1950, este é
talvez a melhor introdução em um único volume ao pensamento de
Marx. A primeira metade lida com Marx e Engels, enquanto a segunda
metade aborda as contribuições posteriores ao marxismo: Lenin, Stalin,
o pensamento pós-stalinista. Assim como Bober, Carew Hunt não
oferece nenhuma tese surpreendente sobre Marx; ele simplesmente
comenta de maneira inteligente sobre o sistema como um todo,
esclarecendo e expandindo as implicações do comunismo.
Cole, G. D. H. O Significado do Marxismo. Ann Arbor:
University of Michigan, 1964. Uma reimpressão do estudo de 1948.
Cole tenta resumir o marxismo, ao mesmo tempo em que reformula as

410
Bibliografia 411
ideias originais de Marx para que as críticas sérias feitas por
comentaristas hostis não sejam tão convincentes. No entanto, ele não
faz uma apologia total; onde acredita que Marx esteja claramente
errado, ele o afirma. É um livro muito denso de ler; o estilo de escrita
de Cole não se presta a uma leitura rápida. No entanto, um estudante
sério deve lê-lo.
Cornforth, Maurice. Marxismo e a Filosofia Linguística. Nova
York: International Publishers, 1965. Cornforth, um dos filósofos
marxistas mais influentes dos Estados Unidos, continua seus estudos
sobre a abordagem filosófica marxista. As primeiras seções do livro são
um tanto técnicas, tratando de problemas de linguagem e teoria da
comunicação. A seção final é muito importante, especialmente o
capítulo sobre "Humanismo Socialista", onde ele esclarece as
implicações finais do marxismo.
Dunayevskaya, Raya. Marxismo e Liberdade. Nova York:
Bookman Associates, 1958. Um livro confuso escrito por uma
trotskista americana. Sua importância em 1958 estava na tradução de
vários fragmentos dos manuscritos de Marx de 1844, que
posteriormente foram publicados na íntegra.
Dupre, Louis. Os Fundamentos Filosóficos do Marxismo. Nova
York: Harcourt, Brace, & World, 1966. Uma introdução útil ao
pensamento filosófico inicial de Marx e ao seu contexto hegeliano.
Fromm, Erich. O Conceito de Homem de Marx. Nova York:
Ungar, 1964. Fromm oferece um ensaio introdutório sobre as
implicações do tema da alienação marxiana para o pensamento
moderno. Marx, aos olhos de Fromm, é um humanista tradicional. Não
é surpreendente que Fromm tenda a ignorar o apelo de Marx à

411
412 A Religião Revolucionária de Marx
revolução total, e os comentaristas marxistas não têm poupado críticas
a Fromm por isso. O livro também inclui a tradução de Bottomore dos
Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844.
Gray, Alexander. A Tradição Socialista. Nova York:
Longmans, Green and Co., 1946. Este é um estudo clássico da história
do pensamento socialista. Sua importância reside em seu tratamento
dos socialistas pré-marxistas, dos quais Marx tirou muitas de suas
ideias econômicas.
Hook, Sidney. De Hegel a Marx. Ann Arbor: University of
Michigan, 1962. Uma reedição da edição de 1950, na qual Hook traça
o desenvolvimento do hegelianismo de esquerda que culminou no
sistema marxiano. Os capítulos sobre Feuerbach são especialmente
importantes.
Hook, Sidney. Rumo a uma Compreensão de Karl Marx. Nova
York: John Day, 1933. Uma das primeiras análises de Hook sobre
Marx. Retrata Marx basicamente como um pragmático e reflete tanto
as opiniões de Hook na época quanto as de Marx. Ainda assim, é um
texto bem escrito.
Lenin, V.I. Os Ensinos de Karl Marx. Nova York: International
Publishers, 1964. Uma breve introdução à visão bolchevique de Marx,
publicada pela primeira vez em 1917.
Lichtheim, George. Marxismo: Um Estudo Histórico e Crítico.
Nova York: Praeger, 1963. Provavelmente o estudo mais importante
sobre o marxismo. Lichtheim apresenta várias teses novas sobre o
desenvolvimento do sistema. Ele distingue as contribuições de Marx
das adições posteriores de Engels; ele divide o pensamento de Marx em

412
Bibliografia 413
períodos cronológicos; e tenta argumentar que após 1850 Marx não
estava realmente interessado na revolução.
Marcuse, Herbert. Razão e Revolução: Hegel e o Surgimento da
Teoria Social. Boston: Beacon Press, 1964. Este livro lança muita luz
sobre a concepção hegeliana de alienação e a contrasta com a ideia de
alienação que o jovem Marx tinha. Ambos enfatizaram a salvação do
homem em termos de trabalho: Hegel via o processo como trabalho
mental; Marx via-o como trabalho material e social.
Marxismo e Alienação: Um Simpósio. Nova York: Instituto
Americano de Estudos Marxistas, 1965. Inclui diversos ensaios sobre o
tema geral da alienação humana, relacionada com a arte, filosofia e a
ordem social americana. A bibliografia no último capítulo é muito útil.
Todos os contribuidores são marxistas ou, no mínimo, têm uma alta
simpatia pelo marxismo.
Parkes, Henry Bamford. Marxismo: Uma Autópsia. Londres:
George Allen and Unwin, 1940. Uma crítica liberal ao marxismo que
se baseia no argumento de que o marxismo é hostil à democracia liberal
e, portanto, não pode trazer a liberdade humana à existência. Foi
publicado na América sob o título "Marxismo: Uma Autópsia", que a
Universidade de Chicago reimprimiu como livro de bolso em 1964.
Popper, Karl R. A Sociedade Aberta e seus Inimigos, vol. II.
Princeton: Princeton University Press, 1963. Escrito em 1945, este
estudo sobre Marx tem recebido reações mistas. Carew Hunt considera-
o um clássico: marxistas e não-positivistas consideram-no absurdo. É
principalmente uma crítica à metodologia historicista de Marx: a ideia
de que o processo histórico fornece suas próprias leis de interpretação
e previsão. Popper é um positivista e aceita a alegação de Marx de que

413
414 A Religião Revolucionária de Marx
ele (Marx) favorecia a liberdade e o liberalismo. Popper apenas
argumenta que o historicismo de Marx o afastou do objetivo.
Schumpeter, Joseph A. Capitalismo, Socialismo e Democracia.
Nova York: Harper Torchbook, 1962. Originalmente publicado em
1942, o livro de Schumpeter é uma das análises clássicas de Marx. Seu
argumento básico parece ser que a previsão geral de Marx sobre o
colapso do capitalismo pode se concretizar, mas não pelos motivos que
Marx apresentou. Schumpeter fornece iluminação sobre a teoria de
classes de Marx, sua economia e seu impacto histórico. É um livro de
leitura difícil, mas sua importância torna o esforço gasto valioso.
Sweezy, Paul M. A Teoria do Desenvolvimento Capitalista.
Nova York: Monthly Review Press, 1964. Uma reedição da obra de
1942. Sweezy apresenta um resumo em um volume da economia de
Marx. O autor é marxista, e por essa razão o livro é indispensável. Ele
tenta mostrar que Marx ainda é relevante, apesar dos desenvolvimentos
modernos na ciência econômica que pareceriam refutar a economia de
Marx.
Tucker, Robert C. Filosofia e Mito em Karl Marx. Cambridge:
A University Press, 1964. Escrito em 1961, este livro, juntamente com
o de Lichtheim, foi importante na reavaliação dos primeiros escritos de
Marx em termos do tema da alienação. Tucker vê Marx essencialmente
como uma figura religiosa que se preocupava com questões de
alienação do homem, salvação e progresso na terra. A importância deste
estudo não pode ser enfatizada o suficiente.
Wilson, Edmund. Para a Estação da Finlândia. Garden City,
Nova York: Doubleday Anchor, 1953. Uma história inteligente do
crítico literário sobre Marx e seus herdeiros revolucionários.

414
Bibliografia 415
Wright, David McCord. O Problema com Marx. New Rochelle,
Nova York, 1967. Um estudo introdutório sobre o marxismo-
leninismo. Não é muito sistemático e aborda apenas a economia
marxiana em níveis mais simples. Apresenta algumas ideias úteis.

415
ÍNDICE

acadêmicos, xxix, lxi-lxii Arminianismo, xiv


acidentes, 64, 65, 78 Aron, Raymond, 86n, 98

ação, 178-179 Assassinos, 77

Adam, 232, 233 associação (ver também estado), 100

agricultura, 207, 209n, 230 ateísmo, xviii, 3, 34

alienação, 37-47 Agostinho, xviii, 88

visão cristã, 85 automação, 135-136

classes &, 49 autonomia


comunismo primitivo, 81 dependência, 106

desvalorização posterior?, I, Ixxi liberdade &, xii

queda do homem, 169-170 Kant, xi

Era de Ouro, 49, 79 lógica &, 19-20

Hegel, 25 Marx sobre, 35

dinheiro, 181-182 responsabilidade &, xiv

tema popular hoje, Ivii Van Til sobre, 19-20

propriedade privada, 99 Aveling, Eleanor Marx, xli


produção &, 44-45 Babeuf, 77-78, 91

Alvarez, Santiago, 4 Bakunin, Michael, xxxv-xxxvi, lxxiii, 83, 103,


165
anarquia, 200
Bales, James, xxvii
antinomia, 106
bancos, 142
anti-semitismo (de Marx), xlii, 181-182
Baran, Paul, 128
arbitrariedade, 226

416
ÍNDICE 417
Barone, Enrico, 195-196 URSS, 192-95, 221

Bauer, Bruno, 27 burocratas, 166

Bergson, Abram, 202 Burroughs, William, 76

Billington, James, xiii, xx, lxiii-lxvi, 76n festivais do caos, xviii

Birch, Una, 77n Chapman, Janet, 207-209

mercados negros, 218 escolha, 177-178, 188

Blain, Joel, lxii Reconstrução Cristã, xxiii

blat, 218 Cristianismo


Bloom, Allan, xxxviii diálogo, 3

projetos, xxx divisão do trabalho, 42

Bober, M. M., 54n, 155 Queda do homem, 85-86

Bockmuehl, Klaus, xxii, xxvii Feuerbach sobre, 28-29

Bogomil, 77 juventude de Marx, xxv

Bohm-Bawerk, Eugen von, lvi-lvii, 118-19, Caillois, Roger, 74-75, 80


144-154
arrependimento vs. revolução, 97
Bonaparte, Louis Napoleon, 58-59
vocação, 42
resenha de livros, Ixii
Calvino, João, Ix
Borovitski, I., 216
Cronos, 75
Bortkiewicz, L., 152
Calvinismo, 54, 57-58

classe
Bretonne, Restif de la, xiii
Camus, Albert, xxvi
Brook Farm, xli
alienação &, 49
Buber, Martin, 92
O Capital, Iii, liv, lvi, 95
burocracia
definição de Capital, 58-61
LSD &, 23
acumulação de, 125-129
Satan &, xxxv
inconsistência, 69

417
418 A Religião Revolucionária de Marx
alocação de, 190 Condillac, 115n

filosofia, 52 causa e efeito, xii, xv, xviii, xxxviii, 66

concentração de, 127-128 confiança, 168-170

coerção, 26, 206 acaso, 54, 67-69

composição orgânica de, 125n, 146 conflito, 51

preços de, 187-188 mudança, 189

dois tipos de, 122-123 conquista, 171

Comunismo mudança vs. lei, 19-20, 22-23


capitalismo Bakunin sobre, xxxv-xxxvi consumo, 210-212

alienação, 44-46 (veja lei e mudança)

burocracia, xxxv cooperativas, 92-93

crises, 134-144 caos, ix, x, xviii, 87, 162

desumanização, 44-46 (revista também revolução)

dinâmico, 159 cultos de caos, 2, 73-76, 108

revolução &, xvii custos, 193-194


Manifesto Comunista, 11-12 aliança, lxi, lxxii, 85, 174

capitalistas, 155-156 criação, 33-37, 74, 108

Capra, Fritjof, x crédito, 139-140, 141-142

comunidade das mulheres, 82 crítica, xxxiii, xxxiv, xxix

Carew Hunt, R. N., 65-66 astúcia da história, 25

competição, 117, 119, 124, 127, 150, monstro cibernético, 23

Carlebach, Julius, 16n história cíclica, 87-90, 170

157, 189-190 Dana, Charles A., xli


Carnaval, 75 Darwin, Charles, 89n
computadores, xii, 197 Davies, P. C. W., x

Cátaros, 77 dívida, 142

418
ÍNDICE 419
descentralização, xxxvi-xxxvii, 215, divisão do trabalho, 40-43, 46-47, 49,

219,224,231 82, 100, 171

Deeter, Midge, Ixiv intelectual, 185

democracia, 91-92 tese de doutorado, xx, xxix

Demuth~ Fred (filho de Marx), xix, Dooyeweerd, Herman, 2, 21-22, 106

xx, 12 Dove, Alec, 222

Demuth, Helene, xix, xx, 12, 17,249 ponte levadiça, xii

depressão, 140 trabalhador, xlii


calças de designer, xxxiii dualismo

determinismo, 26, 232-235 acaso-necessidade, 63-64

dialetica humanismo, 20-23

alienação, 43-46 Marx sobre, xvii

determinismo vs. indeterminismo, filosofia, xi

55-56 ciência, xii

dualismo, 20-23 cálculo econômico, 183-84, 195-96


história, 52-61 determinismo econômico, 49-52, 233-235

lei vs. mudança, 19-20 lei econômica, 225-227

superprodução, 137 economia

proletariado, 93-94 epistemologia, 115n

racionalismo-irracionalismo, 56-58 revolução marginalista, liii

Rússia, 94-95 de Marx, 110-62

sociedade-indivíduo, 104-105 ciência, 177-178

pensamento-ação, 71-73 socialismo, 177-99 i


diálogo, 3 URSS, 200-31
distribuição, 101-102, 143 Éden, 232

divinização, 44 Einstein, xvi

419
420 A Religião Revolucionária de Marx
Ekeland, Ivar, ix encontro com Marx, 240-241

Tibete elétrico, 23 liberdade da natureza, 104

Eliade, Mircea, 75-76, 78-79, 87 necessidade, 60-61

elites, 61 produção, 200

império, 163, 164, 166-167, 171 relativismo, 55, 56

Engels ciência, 56

acidentes, 64,65 estado, 81, 100-101

autoritarismo, 106-107 direto, 47,60


burgueses, xxxix verdade, 56

funções dos capitalistas, 155-156 Inglaterra, n, 73, 248-49, 251, 253

purificação, 80-81 Iluminismo, 41

crítica, xxxiii empresário, 178n, 190-191,194

ciclos, 89 empresários, 155-160

dualismo, 63-64 determinismo ambiental, 232-233

fé, 65 epistemologia, 177-178


Feuerbach &, 29 escapar da religião, 165

liberdade, 60-61 escatologia, xx, xxxii, 88

escritor fantasma, xl alienação, 45

escrita fantasma, 248 ética, xii

Hess &, xliv-xlv Eva, 232-233

humildade, xliii troca, 114-1 15, n7-118, 120

teoria da exploração, 119-124, 153, 156,

indispensável, xl 204
industrialista, 241, 248 Fabianos, 38
sedutor, xliii fatos, 20

desavença com Marx, 250 fé, 55, 57, 65, 172

420
ÍNDICE 421
queda do homem, 74,85, 169 evangelho, 166

Fausto, xxi Gosplan, 213-215

Fetscher, Iring, 81-82 Greeley, Horace., xli, 248

fetichismo, 115 Grossman, Gregory, xxxvii, 215-216

Feuerbach, Ludwig, 28-30, 71 crescimento, 171,207,202-206,210-211

juízo final, xx Grundrisse, xlvii-xlvii,l, 79

Finkelstein, Sidney,2-3 culpa, 172

fogo, xx-xxi Haberler, Gottfried, 154, 161


previsão, 179 (veja também empresário) Halle, Louis, xxiv-xxv, 25-26, 51,84, 108

Fourier, Charles, xli Halm, Georg, 187-188

livre arbítrio, xiii-xv martelo, 162

liberdade, xii, 60-61 Harris, Abram, III

Revolução Francesa, 77-78, 106 Hayek, F. A.

Freud, xxxviii custos, 193-194

Fromm, Eric, lviii empresário, 190-191, 194


Fuss, Peter, lviii, 1 gerentes, 195

Geltman, Max, 16n planejamento, 195

Gerschenkron, A., 213, 224 quase-competição, 190-191

Gleick, James, ix, xvi Heaton, Herbert, I

Glushkov, Victor, 196-197 Hegel, G. W. F., 8-9, 23-26, 78

excedentes, 138 hegelianos, 8-11, 26-30

Deus, xviii, xi Heráclito, x

ouro, 180 Herzl, Theodore, xlvi


Era de Ouro, 49, 73-74, 75, 78-79,87, Hess, Moses, xliv-xlvi, 10,30,239,241
88,99, 101 hierarquia, xxii

Gorbachev, M., xxxvi críticos da alta crítica, xlix, 27

421
422 A Religião Revolucionária de Marx
hippies, 23 Huxley, Aldous, 23

historicismo, 22-23, 52-54 ídolos, ix

história indeterminismo, 62-63

visão bíblica, 169-72 Exército de Reserva Industrial, 132-133, 135

classes &, 4B-52 industrialismo, 121

contradições, 67 industrialização, 37, 204

cíclica, xviii, 169-70 inevitabilidade, lxxii, 69, 97, 98

dialeticamente, 52-61 inflação, 140


econômica, 52 inovação, 121-122,220-221

leis da, 52 intelectuais, xxxii, xxxix, xlii, 255

linear, 40, 170-72 taxa de juros, 187

estágios da, xviii Illuminati, 77

acumulação, 220 Irlanda, 121

Hobsbawm, E.J., 79 irracionalismo, xi, xv-xvi, 53, 56

Hodge, Charles, 3 (veja também noumenal, caos)


Hoff, T.J. B., 186 Jacobinos, 91

Holesovsky, Vaclav, 224 Jasny, Naum, 203, 204)214, 227-228

Hook, Sidney, xliv, xlviii, 1, 16, 39n, Jeremias, 199

71n Jesus, 2

Horowitz, David, I judeus, IBI

habitação, 209-210 jornalismo, lxv

ação humana, 178-179 Kant, Immanuel, x, 21-22, 24

natureza humana, 72 Kantorowicz, Ernst, xxviii '


humanismo, 30-33, 99, 106, 164,234 Keynes,John Maynard, xxxii
Manifesto Humanista, .xiv reino, 163, 165

Hutt, W. H., xxviii Kirzner, Israel, 178n

422
ÍNDICE 423
Knight, Frank, 157 gerentes, 158

conhecimento, 213, 215, 217 Mao, xxxiv, xxxv

Knudson, Robert, 1 Marcuse, Herbert, 24

trabalho, 116-117 Mardi Gras, 75

teoria do valor-trabalho, 113-119, 148-149 marginalismo, 112

Lange,Oskar, 183, 194 Marx, Heinrich, xx-xxi, 236-237

Lassalle, Ferdinand, 15 Marx, Karl

lei, 198,225-227 acidentes, 78


lei-chance, 67-69 acumulação, 124-129

lei vs. mudança, 19-20,22-23 idade 49, xx, Ii

Liga dos Justos, II alienação, I, lvii, lxxi, 37-47,49,

fermento, 174 79,81,99

Lebowitz, Fran, xiii estratégia analítica, 59

Lee, F. N., xxvii, Ixvii anti-comunista, 10, 239

Lefebvre, Henry, lxx-lxxi anti-economia, Ii


Lênin, xxx-xxxi, xxxix, lxviii-lxix, 94, 156n anti-semita, xlii, 70, 181

Lewis, C. S., 163 anti-semitismo, 15-16, 182

Liber, 162 anti-teoria, 96

Liberman, Y:, 223, 225 escritor "anti", xxxiii

Lichtheim, George, 65n, 84 "aparências mantidas", 251-252

locomotivas da história, xviii, 169 ponto de Arquimedes, 35

Londres, 12-13 arrogância, 14-15

Longuet, Edgar,Xli associação, 100


LSD, 23 ateísmo, 34
má alocação, 140-142 ateu, xviii

gestão, 192-195 Agostinho &, 88

423
424 A Religião Revolucionária de Marx
austríacos &, 141-142 consciência, 48

autonomia, 35 cooperativas, 92-93

Babeuf,91 criação, 33-37, 108

Bakunin vs., xxxv-xxxvi, 81 crédito, 139-140, 141-142

bancos, 142 crítica, xxix-xxx, xxxiii, xxxiv, Iv

batizado, 7 ciclos, 89

mendigo, 237 história cíclica, 170

projetos, xxx becos sem saída, xlix, I-Ii


Bohm-Bawerk vs., 144-154 dívida, 142

burguês, xxxiii, xxxix, 235-238, 241 democracia, 91-92

O Capital, Iii, liv, lvi, lxxi, 44-45 demonismo &, xxvi

capital, 122-123 Demuth, Helene &, xix

acumulação de capital, 125-129 calças de designer, xxxiii

capitalismo, 44, 46 dialetica, 43-46

chance, 60, 67-69 ditadura, 81-82


cultos do caos, 2, 71, 73-76, 108, 162 desonesto, 97

cristão, 7 distribuição, xxx, 101

juventude cristã, xxv divinização da produção, 44

raciocínio circular, 62-63 divisão do trabalho, 41-43, 46-47, 49,82

classe, 69 tese de doutorado, xx, xxxiii, Ii, 9

conflito de classe, 47-52 Dr. Drudge, xlvii

classes, 58-61, 100 serviçal, xlii

mercadorias, 117-118, 135, 137 dualismo, 62-63, 66


competição, 117, 119, 124, 127, determinismo econômico, 49-52, 60;
150-151 fetiche econômico, 115

o conflito é progressivo, 51 história econômica, 52

424
ÍNDICE 425
economias de escala, 126 história, 62, 67-69, 88-90, 169

empírico ?, 111-112 acumulação, 139-140

inimigos de, xix, xlvi, Ii, 14 lar (1864), 252-253

Engels &, xliv-xlv humanismo, 30-33

briga de Engels, 250 ideias, 48

Inglaterra, 73 importância de, xxxi-xxxii, xl, xlii,

escatologia, 88 lxii, 4, 18

alienação, 45 renda, década de 1840, 243-245


troca, 114, 120 indeterminismo, 62-63

valor de troca, 114 Exército de Reserva Industrial, 132-133, 135

exílio, 11 industrialismo, 38

exploração, 156 inevitabilidade, 62, 97, 98

teoria da exploração, 119-124 heranças, 249-251

fé na revolução, lxxii investidor, 232, 252

fé em si, 55 procura de emprego, 248


queda do homem, 39-40 jornalismo, xl-xli, Iv

Fausto &, xxi jornalista, 9-10, 59, 239-240

sociedade final, 101 homem mantido, xix

legado fragmentado, liv reino da liberdade, 99, 104-105

leitura frenética, xx, Iii teoria do trabalho, liii, 113-119, 148-149

liberdade, 66 lei, 54

Era de Ouro, 49, 73-74, 78-79, 88, lei-chance, 67-69

99, 101 anos em Londres, 247-251


gradualismo, 133 lunático, 5
estudante de pós-graduação, xxix má alocação de investimento, 140-142

Halle sobre, xxiv:'xxv gerentes, 158

425
426 A Religião Revolucionária de Marx
materialismo, 54 . previsões, 132

"maduro," lvii-lix, 83-84, 90-93 pré-história, 88

Mazzini sobre, xxxiv preço de produção, 149-151

M-C-M', 120, 124 preços, 119

"amadurecendo", 84- propriedade privada, 39-40,46,88,99

volumes ausentes, xxvi produção, 35, 94, 105

modo de produção, 50, 67-68 produção-distribuição, 143

dinheiro, 103, 120, 139-140, 180-183, lucro, 124-125, 134, 146-149,


185-186 155-157, 159-160

moralismo, 97-98 lucros, 122-123

moralidade, 48-49 progresso, 51

natureza-liberdade, 104-105 proletariado, 51, 58-59, 80,81-82,

necessidade, 104 87, 90-91, 99, 110

otimista, 99 Prometeu &, xx, 9, 36

original do homem, xv . profecias, 84


teoria da superprodução, 136-140 profeta?, 70

paganismo, 78-79, 85 racional-irracional, xvii

Comuna de Paris, 79-80, 83 leitura, 238

bancos de penhores, xliii, 13,253 realismo, 34-35

perfeição, 86n reciprocidade, 62

filosofia, 52, 110-111 relativismo, 53, 71-72

planejamento, 102 religião, lxxi

informante da polícia, lvi . religião da revolução, xvii-xviii, Iix,


pragmatismo, 94 70,81,85
práxis, xvii, 71-73 visão religiosa, xxv-xxvii, xxxii

pré-economista, 1 revolução, 18, 50, 62, 69, 70-90,

426
ÍNDICE 427
111-112, 160, 169 sindicatos, 73, 92

ricos, 242-247, 253-254 verdade, 71

Revolução Russa, xxxi universalismo ?, 96

salvação, 79-81 vida universitária, 236-238

salvação do homem, 40 manuscritos inéditos, l-li

sarcastico, 4 anotações inéditas, xlvii-xlviii

Lei de Say, 138 não sistemático, 67, 134

ciência, 110 vida urbana, 37


cientista ?, 70 utopia, 46

auto-engano, xix utópico, 92-93

slogans, xxx teoria do valor, 113-119

mudança social, 69 economia vulgar, 52-53

sociedade, 106 salários, 121-122, 134-135

sociólogo ?, 153 cachoeira, 118

mimado, xxxiv tradição ocidental, 88


teoria do estágio, 95 reclamão, xxxiv

estado, 49, 81-83, 100-101,106 jornada de trabalho, 105

mundo estático, 160 "jovem," lvii-lxi, 1,31,90-93

estudante, 8 jovem vs. maduro, 132

subsistência, 124 manuscritos de 1844, xlix-I, liv, lvii-Iix,

superestruturas, 48, 50 31-34

mais-valia, 120-122, 123, 145-149, marxismo, xviii

161 Mason, Edward, 128-129


tático, 94 Maçonaria, 77
terrorismo, 91 materialismo, 48-52

temas, lvii matemática, ix, xvi, 21-22,64-

427
428 A Religião Revolucionária de Marx
Mayo, H. B., 68-69, 72n mistério, xv

Mazdak,77 misticismo, xvii

Mazzini, Giuseppi, xxxiv pregos, 222

Meek, Ronald, 132 homem natural, 19-20

mir, 95 natureza, 20-21, 24

miséria, 129-134 natureza-liberdade, 21, 45, 53, 61-63, 66,

Mises 67-69, 75, 104

burocracia, 192 nazistas, xxxii


classes, liv-lv neutralidade, 198

cálculo econômico, 177, 183-186, nova humanidade, 72

200 Ano Novo, 87

reformas de Liberman, xxxvii New York Daily Tribune, xl-xli

funcionários, 158n Newton, xviii

propriedade privada, 186 Nietzsche, xvi, xxxviii

produção, 101 Nisbet, Robert A.


bens de produção, 184-186 alienação, 39

socialismo e onisciência, 159 centralização, 106

ciclo de comércio, 141 culpa, 173

modo de produção, 50, 67-68 industrialismo, 38n

dinheiro intelectuais, 173

abolido, 103, 182, 185-186 progresso, 172

alienação, 181-182 seminário, 1

crédito, 139-40 seminário com, xxviii


definido, 181 estilo, lxiii
M-C-M', 120 Norelco, 249n

monopólio, 127-128, 189 noumenal, xii-xiii (ver também

428
ÍNDICE 429
irracional, aleatório). plano quinquenal, 214

Nutall, Jeff, 76 impossível, 215

Nutter, G. Warren, 203, 210-211 conhecimento, 212-213, 215, 217

ocultismo, xii, gerentes &, 195

Odajnyk, Walter, 66, 104 Marx sobre, 102

onisciência, 163, 186, 198,213 onisciência, 213

otimismo, 168-170 preços, 196

ordem, x lucro, 212


orgia, 87 Sqviet, 212-219

superprodução, 136-140 Platão, 32

paganismo, 87 Polônia, 230

Pareto, V., 195n Popper, Karl, 52-.54 positivismo, 24

Comuna de Paris, 79-80, 83 religião do poder, 165

Parmênides, x pragmatismo, 57, 71

Paulo, xiv, xxvi práxis, xii, xvii, 71-73


perestroika, xxxvi predestinação, xiii-xv

perfeição, 86 pré-história, 88

Peters, Tom, x preço, 118

fenomenal, xii preço de produção, 149-151

Philips, Leon, 249 sistema de preços, 180, 187

filosofia, 52 preços, 119, 138

planejamento propriedade privada, 46, 88, 99, 169,

central, 187-88, 191, 193-194 186,209n


escolhas, 216 produção, 35-36,44,67-68, 143,200
descentralizado, 198 bens de produção, 184-186, 187

experimentos, 196 Clube dos Professores, 8

429
430 A Religião Revolucionária de Marx
lucro, 122-123, 124-125, 134, 146-149, padrão, xvi

154-157, 159-160, 188-90 racionalismo, xi, 53, 56-58

progresso, 51, 55, 172, 173 racionamento, 207

proletariado Reagan, Ronald, xxix

Bonaparte III &, 58-59 razão, 53

revolução burguesa (disfarçada), relativismo, 53, 55-56

xxxiii religião da revolução, xvii-xviii, 81, 85

consciência, 80 representação, xxii


dialetica &, 93-94 Revel, J. F., 164n

expropriados, 90-91 revolução

miséria dos, 129-134 autoritária, 106-107

nova era, 99 purificadora, 18, 72, 80-81

Schumpeter sobre, 58-59 contradições, 51

Social Democratas, xxxix .econômica (URSS), 204

progresso social, 51 economia, 50


Prometeu, xix, xx, 9, 36 inevitável, 62, 69, 97

Protágoras, 32 locomotivas da história, xviii, 169

Psychedelic Rangers, 23 lógica &, xvii

física quântica, x, xv parteira, 73

Quigley, Carroll, lxiv nova humanidade, 72

radicalismo, 26 permanente, xviii, 91

aleatoriedade (ver também caos, ato político, 73

irracionalismo) política, 100


computadores &, xii prova de, 112
religião &, xiii razão &, 98

ciência &, xv religião da, xvii-xviii

430
ÍNDICE 431
resolução, 70 Satanás

socialismo &, 73 impérios, 171

mundo estático &, 160 onisciência, 163

Ricardo, David, 149-153 poder, 166

Riis, S. M., 17 sociedade de, xxxv

Robbins, Lionel, 177-178, 196 Saturnália, 75

Roche, John, lxix, lxxi Lei de Say, 137-139

Rodbertus, 161 escassez, 103


Ropke, Wilhem, 179n Schaafsma, Tjeerd, ix

Rosacruzes, 77 Schumpeter, Joseph

Rothbard, Murray, 102-103, 143n Engels, xl

Rousseau, J.J., 41 empreendedorismo, Ixxiii

Rucker, Rudy, ix Hayek sobre, 195n

Ruge, Arnold, lv, lvi, 10 classes de Marx, 58-59

Ruhle, Otto, 14-15, 16-17 previsões de Marx, 113


Runciman, Stephen, 77n necessidade de simplicidade, 66-67

Rushdoony Schwarz, Fred, xxiv

unidade da divindade, 41 ciência, 56, 193

Institutos, xxiv ciência ideal, 24

conhecimento, 57 sociedades secretas, 76-78

universo aberto, 107 Seidenberg, Roderick, 53

Religião da Revolução, xxvi Seligman, E. R. A., 110-111

Rússia, 94-95, 165, 193n Senghor, Leopold, 3


Revolução Russa, xxxi Sennholz, Hans, 154n
Samuelson, Paul, 152, 154 serviço, 166-168

sanções, xi Shafarevich, Igor, Ixviii

431
432 A Religião Revolucionária de Marx
Sherman, Howard, I Strauss, D. F., 27

escassez, 102 Índia

Shoul, Bernice, 139n subsistência, 124-

shume, xvi superestrutura, xviii, 65, 166

tamanho das empresas, 126-127 superestruturas, 48, 50

trabalho escravo, 209 mais-valia, 120-21, 115-149, 161

Slochower, Harry, 51 n, 54n Sweezy, Paul, 128, 152, 153

slogans, xxx ataques, 222


Smith, Adam, 149, 153 táticas, 94-95

ciência social, xxxviii tecnologia, 193-194,205-206

socialismo, 59 televisão, 193n

revolução &, 73 terror, 206

sociologia, 153 livros didáticos, 227

Solzhenitsyn, A., 173-174 teoria e prática, xvii

soberania, xiv, xxii Terceiro Mundo, xxxix


Sowell, Thomas, 130n Tillich, Paul, 32

estagnação, 193-194 tempo, 87, 160, 162, 169-170, 170-172

Stalin, Joseph, 166 tolkachi, 218

fome, 204 Toulmin, Stephen, xii

estado ciclo econômico, 141-142

definido, 100-101 sindicatos, 73, 92

ditadura do proletariado Treadgold, Donald, xix

desaparecimento do, 102-3 Trotsky, xxxi


origem, 49 verdade, 55-56
estatísticas, xii, 227-229 Tucker, Robert C., 85, 89

teoria dos estágios, 95 incerteza, 157, 159

432
ÍNDICE 433
desconhecido, xv Liberman, 225

URSS gerentes, 219-220

agricultura, 207, 209n, 230 planejamento, 212-219

arbitrariedade, 226 propriedade privada, 206-207, 209n

mercado negro, 218 rationing, 207

blat, 218 trabalho escravo, 209

tecnologia emprestada, 205-206 fome, 204

burocracia, 221 estatísticas, 227-229


coerção, 206, 210 status, 210

concorrência, 221 indicadores de sucesso, 222-225

computadores, 197 pregos, 222

confiança, 169-170 livros didáticos, 227

consumo, 210-212 tolkachi, 218

descentralização, xxxvi-xxxvii, 215, salários, 208

219,224,231 desperdício, 230


revolução econômica, 204 utopia, 46

Plano Quinquenal, 214 avaliação, 184

Gosplan, 213-214, 215 valor

crescimento, 202-206, 207, 210-211 troca, 114-115

acumulação, 220 medição, 116-117

moradia, 209-210 inutilidade &, 119

humanismo, 164, 172 teoria do valor, 113-119, 184-185

inovação, 220-221, 221-222 Van Til, Cornelius


irracional, 191,216,219,226, lógica vs. acaso, 19-20
230-231 pressuposicionalismo, 2

"capitalismo latente", 202 racionalismo-irracionalismo, 56

433
434 A Religião Revolucionária de Marx
vitória, 172-174

salários, 121-122, 124, 134-135,208

cachoeira, 118

Webster, Nesta, 76n

Wesolowski, Wlodzimierz, 59n

Windelband, William, xxxi

Wolff, Wilhelm, 243n, 249, 250

trabalhadores, 121 (ver também


proletariado)

Wurmbrand, Richard, xxvi

Jovens Hegelianos, 8-11, 26-3

Zukav, Gary, x

434

Você também pode gostar