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Índice
O Deus Ditador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
Origens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
O início do Sionismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
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Um poder divino disruptivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
Wahhabismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
Estado islâmico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
O renascimento islâmico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
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Introdução: o encontro
com o povo Abraâmico
As três religiões do judaísmo, cristianismo e islamismo compartilham
muito mais semelhanças do que podemos pensar hoje. A nível pessoal,
eles são uma família próxima: o avô Jude, o pai Christian e o filho Islão
(as mulheres nunca tiveram muito poder nesta família). A relação entre as
três gerações é forte porque elas se respeitam profundamente, se bem que
relutantemente, uma à outra. No entanto esta relação é muito complexa,
porque não só é forte, mas também muito íntima e assassina.
Os Abrahams não se dão bem uns com os outros, mas o problema parece
ser que, mesmo sendo de gerações diferentes, cada um pensa que está com-
pletamente certo, e que todos os outros estão completamente errados. Eles
também se sentem obrigados a forçar os outros a se submeterem às suas
opiniões. Eles usam tudo, desde retórica suave a massacres e assassinatos
arbitrários para conseguir isso. Eles são terrivelmente duros, ao ponto de
se sentirem obrigados a matarem-se uns aos outros.
De qualquer forma, o avô Jude está a ficar mais velho, cansado e distraído,
embora ainda se lembre dos bons velhos tempos e divague com demasiada
frequência. Ele está no seu caminho e adora as velhas tradições. Ele não
suporta que lhe digam que suas práticas como adoração, fé, louvor e oração
poderiam ser mais eficazes e ele resiste à mudança tanto quanto possível.
Ele é rabugento e pode ficar muito zangado muito rapidamente. Por outro
lado, ele se lembra muito melhor do passado do que dos tempos mais re-
centes, o que não é propício a uma boa conversa. Ele gosta de dizer que vive
há três mil anos e que tem visto muitas mudanças em sua vida. Ele mal sai
mais, fica em casa, onde lê e murmura.
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entusiasmo sem limites não conhecia limites. A sua fé podia mover monta-
nhas. Desde então, ele se irritou e perdeu a noção da história, quando seus
seguidores não mais o ouvem, e agora ele desistiu. Ele parece contente por
ser um fracasso. Acho que ele nem sequer tenta entender o filho dele.
Estas três gerações conhecem-se muito bem. Não acredite neles por um
momento se eles o negarem. Eles não te estão a dizer toda a verdade. Na
verdade, nenhum deles está a dizer toda a verdade. Acho que eles não sa-
bem como o fazer. Todos dizem que a verdade é conhecida por Deus, que,
por sinal, é o elemento comum mais poderoso do lote. Mas aparentemente
ninguém sabe o seu verdadeiro nome.
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Os antecedentes do judaísmo remontam tão longe que se perdem um pou-
co na névoa da história. Diz-se que o reconhecido fundador da família é
Abraão, e segundo a lenda foi seu relacionamento pessoal com Deus que
lhe permitiu, após os 70 anos de idade, ter tantos filhos, que por sua vez ti-
veram filhos, e assim por diante, até que a família cresceu para formar uma
espécie de tribo ao seu redor, composta de pessoas intimamente relaciona-
das. Ele viveu até à idade de 175 anos. O relacionamento pessoal original
de Abraão com seu Deus levou seus descendentes a acreditarem que Deus
e alguns deles, incluindo Moisés, tinham um relacionamento semelhante
com ele ao longo dos tempos. Embora privilegiada, esta relação parecia ter
falhas. Eles estavam sempre zangados um com o outro.
O cristianismo surgiu depois de mais de mil anos. Jesus, que era origi-
nalmente um rabino judeu, foi o primeiro cristão. Como duvidava de sua
própria beneficência enquanto vagueava pelas ruas, reuniu alguns amigos
à sua volta e começou a realizar grandes reuniões públicas em Jerusalém.
Ele era muito sério e muitas vezes reprovador, mas era muito gentil com a
maioria das pessoas. Alguns acharam-no hipócrita, mas outros disseram
que ele era o filho de Deus, o que ele não negou. O seu incrível dom de pa-
lavras fez dele um dos mais famosos (e infames) de todos os homens santos
da época. Ele era visto como o Messias e como um causador de problemas
enfurecedor. As autoridades judaicas e romanas quiseram silenciá-lo e,
após um incidente, ele foi morto em uma cruz. Na altura, os judeus não se
importavam muito com ele. Ele era apenas mais um homem santo e havia
demasiadas falsas esperanças sobre a raça escolhida.
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O Islão continua a ser uma religião jovem, reflexiva e intensa. Começou
quando um certo Maomé começou a ter visões e revelações em Meca sobre
a submissão ao único Deus e a necessidade de ajudar os pobres e necessi-
tados. Maomé, um soldado e político, iniciou então a expansão territorial,
travando guerras e batalhas. Os soldados muçulmanos acabaram por che-
gar aos limites da Europa, apenas para serem empurrados para trás pelos
exércitos cristãos.
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obtido todas as suas histórias de Christian e Jude, como roupas de segunda
mão. Estas histórias também não se sobrepõem exactamente. No entanto,
como qualquer jovem teimoso, ele se recusa a admiti-lo e diz que as histó-
rias de seu pai e seu avô não são bem verdadeiras porque há muitas versões
diferentes e as linhas principais se perderam na tradução. Os seus, por ou-
tro lado, são reais porque foram verificados por Deus recentemente. Mais
vale discutir sobre quantos anjos podem dançar em cima de uma cabeça de
alfinete. O que é que isso importa? Eu me pergunto.
Em segundo lugar, eles justificam todas as suas acções desde que possam
defender (ou promover) a sua religião. Graças a essa justificação, não há li-
mite, pois todos eles se irritam muito rapidamente, especialmente uns com
os outros, batendo e gritando ou, como eu temo, pior. Mencionei anterior-
mente que eles podem matar-se uns aos outros e acredito sinceramente que
um dia o farão.
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interrompem os outros e assumem que todos devem concordar com eles.
É difícil ouvi-los e quase impossível argumentar.
Esta crença em «um só Deus» também é confusa. Seu Deus é suposto ser
onisciente e ter poder absoluto sobre a humanidade e o meio ambiente, no
entanto desastres e catástrofes naturais continuam a ocorrer, causando dor,
miséria, pobreza e deslocamento de seres humanos. Porque é que o Deus
deles deixa isto acontecer, por amor de Deus?
Todos os três se afastam dos seus instintos naturais básicos. Eles preferem
enganar os crentes a pensar que qualquer coisa religiosa é melhor do que
qualquer coisa pessoal. Eles os aconselham a negar a si mesmos a sensuali-
dade, o sexo e a luxúria (este último, aos seus olhos, é um pecado cardinal).
Eles afirmam que o sacrifício e a abnegação são superiores e mais saudá-
veis, enquanto tal abstinência enlouquece as pessoas; eles começam a ouvir
vozes e acabam cometendo suicídio por causa da religião. A única maneira
de ter uma vida, aparentemente, é morrer.
Além disso, eles se sentem pressionados porque lhes é dito que nunca po-
derão agradecer a Deus o suficiente por protegê-los do pecado. Então eles
sacrificam as suas vidas por Deus. Em muitos casos eles se convertem pri-
meiro a um ermitão, depois a um ascético e finalmente a um mártir sagrado.
Que tipo de Deus está observando de lado como os ativistas religiosos gri-
tam seu nome enquanto matam, decapitam ou mutilam outros, muitas ve-
zes da mesma religião, ou pior, crianças, enquanto reivindicam um direito
religioso? É incompreensível. Como poderia um Deus amoroso tolerar tal
atrocidade? Não há resposta a esta pergunta. Pelo menos nenhum que eu
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possa entender. Isso mostra, na minha opinião, que esse Deus de amor
todo-poderoso e abrangente simplesmente não existe, fora das mentes in-
quietas dos seus próprios crentes.
Quando tento entender, imagino que uma dessas três religiões é a certa e
que as outras estão erradas, mas isso parece improvável. Mas é exatamente
nisso que uma grande parte dos seguidores de cada religião acredita. Esta
é a natureza da fé religiosa. Não é uma teoria intelectual complicada. É
bastante tribal na medida em que se alimenta do poder da multidão, como
os adeptos de uma equipa de futebol. Você acaba pensando que está certo
e todos os outros estão errados. Sobre tudo.
Em tal caso, e se Deus existe, sem dúvida concluirá que a sua ideia de hu-
manidade era um projecto condenado pelo qual terá finalmente de assumir
a responsabilidade. Esta hipótese apocalíptica e a relação entre o velho avô
áspero, Jude, o pai preguiçoso, Christian, e o filho fanático, Islão, da triste
dinastia Abraâmica, estão no centro deste livro.
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O Deus Ditador
O «um só Deus» é totalitário.
As três religiões são chamadas religiões ‘Abraâmicas’ porque o seu Deus é
baseado em Abraão do Antigo Testamento. São conhecidas como religiões
monoteístas porque o seu Deus é único, exclusivo, onisciente e omnipo-
tente. Abraão teve a sorte de ter sido escolhido para ter um relacionamento
especial com o seu Deus. Eles passaram muito tempo juntos planejando o
futuro da primeira religião criada a partir da idéia de um só Deus e o Sol, a
Lua, as estrelas e os planetas não tinham nada a ver com isso.
As religiões monoteístas também assumem que seu Deus tem poder e do-
mínio supremo, como um super-homem (pois é um homem) que conhece
tudo, vê tudo e tem poder absoluto sobre todos, incluindo nossos pensa-
mentos. As três religiões sempre foram implacáveis em reprimir qualquer
um que discorde delas. Eles tentam impedir a idolatria e até mesmo, origi-
nalmente, todas as representações de Deus. Eles defendem uma doutrina
autojustificadora que é impossível de examinar, impossível de desafiar e
ainda mais impossível de provar.
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comunicações oficiais. Paradoxalmente, as religiões monoteístas parecem
reservar o seu tratamento mais cruel para aqueles que partilham a sua fé
de uma forma geral, mas que têm uma visão diferente sobre questões obs-
curas de teologia ou doutrina. É a verdade, dizem eles, que é indivisível e
indiscutível. Toda a verdade e nada mais que a verdade.
No entanto, nem sempre foi esse o caso. Antes de Abraão começar a discu-
tir com o seu Deus, o politeísmo, a adoração de vários deuses, era a única
prática no mundo que tinha alguma semelhança com uma religião. Esses
deuses muitas vezes vieram do mundo natural, como o sol, a lua e as es-
trelas. Mais tarde, eles foram personificados, como super-heróis. Eles inte-
ragiram com os outros. Estes deuses eram imperfeitos e cometeram erros.
Eles nem sempre disseram a verdade. Na verdade, o politeísmo ignorava
completamente as noções de verdade e falsidade, que eram essencialmente
relacionadas ao ser humano; não cabia aos deuses determiná-las.
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inimigos do partido ou do governo foram sistematicamente eliminados sob
modelos fascistas, comunistas e outros mais recentes, mas semelhantes.
O monopólio de Deus:
além da razão e contra a natureza
A natureza e o propósito do monoteísmo são completamente diferentes das
outras religiões. O monoteísmo invade a vida pessoal, elimina crenças con-
correntes, rejeita a razão natural e impõe um conjunto de rituais herméticos
(adotados por muitos dos primeiros monoteístas). Ela tende a operar de acor-
do com modelos teocráticos e autoritários, permitindo que a religião mude a
própria natureza humana. É por isso que o monoteísmo tem uma tendência
natural para monopolizar a esfera política. Ele se comporta como um parasi-
ta, ou um vírus, especialmente quando é atraído pelo poder político.
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neutro e mortal. Ao longo da história, a religião tem aproveitado a sua
oportunidade para estabelecer a sua autoridade e consolidar o seu poder
sempre que a oportunidade surgiu ou foi detectada uma fraqueza, seja nos
Estados Unidos, Reino Unido, França, Israel, Rússia, Austrália, Indonésia
ou em muitos outros países. A religião monoteísta tem a característica,
como a corrosão da ferrugem, de nunca dormir. Pode acordar, acelerar e
tornar-se perigoso num piscar de olhos.
Muitas pessoas têm medo de dizer que a violência é parte do Islão. Eles
têm medo de ser acusados de islamofobia, mas têm provas claras de que a
maioria dos ataques terroristas dos últimos vinte anos veio do Islão e não
de religiões mais antigas.
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tem sido até recentemente a força motriz do apartheid, do racismo e do
sexismo em vários países. A maioria dos políticos extremistas afirma ser
profundamente religiosos, quando nunca parecem ser. No entanto, os cris-
tãos de extrema-direita em partes dos EUA e da Austrália não podem ser
considerados passivos ou inofensivos. Tal como no Islão, os textos sagrados
do Cristianismo contêm mandamentos destrutivos. Por muitos séculos, o
cristianismo tem sido o principal assaltante religioso internacional. O his-
toriador romano Amiano Marcelino, consternado com a propensão dos
cristãos à violência, escreveu já cinco séculos antes das Cruzadas que «não
há animais selvagens tão hostis aos homens como a maioria dos cristãos,
animados por ódios mortais entre si (...) O que acontecerá então àqueles
que acreditam em deuses diferentes1?
Isto é menos verdade agora que as suas principais forças motrizes histó-
ricas na Europa (o seu passado de cruzada, a inimizade entre católicos e
protestantes, o fundamentalismo e o não conformismo) foram subjugadas,
esmagadas por ditadores políticos e democracias liberais ao longo dos últi-
mos dois séculos. Hoje, portanto, arrependeu-se um pouco, mas continua
a ser um vírus que pode atacar a política corporal a qualquer momento.
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Actualmente, não existe um modelo viável para um Estado religioso cris-
tão autocrático, mas os exemplos bem sucedidos da Arábia Saudita e do ca-
lifado islâmico de curta duração, agora ensombrado, invalidam esta supos-
ta compatibilidade no que diz respeito ao Islão. No entanto, muitos outros
países muçulmanos estão prestes a seguir o exemplo. Além disso, Israel não
está muito longe de se tornar o estado religioso do judaísmo, mesmo que
mantenha a fachada de uma democracia liberal.
Mostrou como uma religião pode ser paciente antes de agarrar a oportuni-
dade de abraçar um anfitrião para dominá-la. A estratégia judaica encontrou
força renovada no novo movimento sionista do final do século XIX, que se
combinou com outras tendências para se manifestar no preciso momento da
criação de um novo país para o povo judeu após a Segunda Guerra Mundial.
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A identidade inicial do cristianismo foi a de um culto zeloso e apaixona-
do. A religião consolidou gradualmente o seu monoteísmo depois de ter
sido aceite dentro do Império Romano. Tornou-se abertamente agressivo
para com os seus inimigos percebidos, especialmente através de fanáticos
comprometidos e rebeldes que contribuíram para o declínio e queda final
do Império Romano. Cresceu rapidamente, depois entregou-se a séculos
de anti-semitismo, violência e perturbação para com muitos dos seus pró-
prios seguidores, divididos tanto pela sua teologia como pela sua geografia,
reduzindo a sua influência entre os seus adeptos cada vez mais diversos,
antes de entrar em declínio moral, pelo menos na Europa Ocidental e nos
Estados Unidos. A flor murchou antes mesmo de florescer.
Uma religião monoteísta que parece estar em declínio não é o fim do cami-
nho. O vírus ainda procura dominar o seu hospedeiro. O monoteísmo cris-
tão permanece em estado de hibernação. Pode despertar e reviver a qualquer
momento, a fim de reafirmar a sua constância histórica e lembrar ao mundo
o seu considerável número de seguidores, a maioria dos quais permanece
sujeita ao vírus e provavelmente ainda está em crescimento, mesmo que a
rede entre Roma, Paris, Nova Iorque e Londres seja relativamente silenciosa.
O Islão adota uma estratégia diferente. Sua história inclui muitos casos em
que poderes seculares e clericais estiveram em conflito, em harmonia, se-
parados e depois fundidos. Depois dos seus primeiros sucessos, especial-
mente no campo de batalha, a agressão institucional do Islão foi domada
na era do colonialismo e do pós-colonialismo, quando os benefícios mate-
riais eram uma ameaça maior do que as crenças rivais. Estes minam tanto
o estado político como a religião.
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Os judeus, o judaísmo
e o Estado de Israel
Origens
A religião dos israelitas tem a sua origem na guerra tribal interreligiosa.
Continua com uma história de libertação milagrosa e um relacionamento
grupal abusivo com Deus. Estes eventos formam o pano de fundo do nas-
cimento do Judaísmo, que se baseia na eleição de uma raça (ou tribo) de
todas as outras para herdar o mundo.
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História antiga e mito: De Abraão a Moisés
A história dos israelitas começa com um relato não datado do Oriente Mé-
dio no final da Idade2 do Bronze, quando se diz que Deus prometeu a um
proeminente líder nômade que ele seria o pai de um grande povo se ele
fizesse o que lhe foi dito. É possível que aqueles que seguiram este homem,
Abrão, agora conhecido como o primeiro patriarca dos israelitas, tenham
tido um sentido de destino especial. Se esse homem realmente existisse
(o que é razoavelmente duvidoso), ele teria sido o primeiro a promover a
idéia revolucionária do único Deus3. O primeiro filho de Abram, Ismael,
também conhecido como Isma’il, é considerado o pai do povo árabe.
Segundo Gênesis, Deus pediu a Abrão que deixasse sua casa, família e país
para segui-lo e obedecê-Lo completamente. Em troca, Deus prometeu a
Abrão que ele teria um relacionamento único, pessoal e exclusivo com Ele,
que produziria uma dinastia de muitos filhos e netos, e que lhe seria dada
uma terra: ‘Farei de ti uma grande nação (...) abençoarei aqueles que te
abençoarem’. Eu vou amaldiçoar aquele que te amaldiçoa4». O conceito de
um povo escolhido e de uma terra escolhida é um aspecto essencial da
história do monoteísmo.
Neste ponto, Abram estava muito duvidoso, pois estas eram apenas promes-
sas. Era necessário um grande acto de fé. Abram já tinha mais de 70 anos e
ele e sua esposa não tinham filhos. Sua decisão de submeter-se ao plano de
Deus confirmou sua fé inabalável, o segundo aspecto essencial do monoteís-
mo. Para honrar a sua decisão, Deus mudou o nome de Abrão para Abraão,
que significa «pai das nações». Acontece que ele tinha 105 anos de vida.
O verdadeiro teste de sua fé, porém, veio quando Deus lhe pediu para
matar seu próprio filho, Isaac, como um sacrifício. Abraão, que confiava
em Deus, estava prestes a obedecer às ordens. Deus interveio no último
2 No Oriente Médio, a Idade do Bronze durou de cerca de 3300 a 1200 a.C., e terminou
abruptamente com o colapso quase simultâneo de várias civilizações proeminentes da
Idade do Bronze. Vários avanços tecnológicos significativos tiveram lugar durante este
período, incluindo os primeiros sistemas de escrita e a invenção da roda.
3 Ironicamente, o pai de Abraão, Terah, ganhava a vida vendendo pequenos ídolos dos
vários deuses adorados na época.
4 Gênesis 12:1-3
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minuto para lhe oferecer um bode em troca, poupando assim a vida de
Isaac. Deus estava satisfeito e foi capaz de confirmar a sua escolha e as suas
promessas anteriores a Abraão.
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menos como relatos de séries incomuns de eventos do que como avisos
judiciosos aos fiéis para serem exclusivos no objeto de sua fé, como uma
versão religiosa primitiva do «foco no caminho».
No dia seguinte foi realizada uma festa, o que ajudou a passar o tempo.
Deus, vendo é claro tudo o que estava acontecendo, disse a Moisés e amea-
çou destruir os israelitas a fim de criar uma nova geração de crentes, desta
vez de Moisés - uma reação exagerada muito interessante de um Deus mui-
to ciumento e malévolo, mas obviamente todo-poderoso. Moisés implorou
para que os israelitas fossem poupados. Deus acabou por se arrepender (a
Bíblia até diz que ele estava «arrependido»). Moisés desceu da montanha
com duas tábuas de pedra nas quais Deus tinha escrito os Dez Mandamen-
tos e quando ele viu o bezerro de ouro (que ele esperava ver), ele ficou com
raiva e quebrou as tábuas de pedra. Ele também rasgou o bezerro de ouro
em pedaços, moeu-o em pó, espalhou-o sobre a água e forçou os israelitas
a bebê-lo. Esta história desempenhou um papel bastante preventivo.
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ser adorado em Jerusalém por todo o Israel; e que todos, incluindo sacer-
dotes, profetas e reis, estão sujeitos à lei de Javé, tal como foi transmitida
através de Moisés.
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ou em qualquer outro lugar. Os documentos históricos desse período são
poucos, mas parece que os terroristas judeus eram destemidos em sua guer-
rilha e temidos pelas populações locais mais dóceis entre as quais viviam e
com as quais mal colaboravam.
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e muitos viram o nascimento de Israel moderno como o momento de um
renascimento social e político moderno. Mesmo muitos judeus que per-
maneceram apegados à tradição se esforçaram para abandonar os elemen-
tos arcaicos, mantendo apenas os atributos externos. Isso marcou uma rara
virada na história: por que alguém iria querer reintegrar toda a bagagem de
preconceitos religiosos arcaicos?
Como é que isto aconteceu? Como o judaísmo conseguiu fundir suas dou-
trinas e práticas com a ideologia modernista e humanista do nacionalismo
judaico? A resposta está em parte na história e em parte na questão da
identidade.
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oposta pela elite rabínica tradicional, que procurava preservar e ampliar
os antigos valores judaicos. Eles sentiram que os valores tradicionais não
podiam coexistir com a natureza radical do movimento Haskala. Na altura,
isto deve ter-lhes parecido correcto.
O início do Sionismo
Os primeiros sionistas, a maioria dos quais não eram religiosos, tinham di-
ficuldade em recrutar. Foi necessário estabelecer definições precisas, espe-
cialmente para os membros. Entretanto, era impossível determinar quem
era e quem não era «judeu», já que faltava uma pátria nacional, sem aplicar
o marcador judeu mais óbvio: o critério religioso. O movimento não pode-
ria progredir sem apelar aos membros das comunidades judaicas europeias
que ainda se identificavam desta forma.
26
A igreja judaica e o sionismo desfrutaram de uma união que teria sido con-
siderada improvável em 1945, mas que agora é vista como um desenvolvi-
mento natural. O monoteísmo voltou a atacar, mesmo com o nascimento
de uma nação que parecia estar à beira de prescindir totalmente da religião.
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que se tornaria um lar religioso para os judeus de todo o mundo. A religião
foi ainda definida como o fundamento da identidade nacional judaica, sem
ser separada do Estado. Os feriados religiosos tornaram-se feriados nacio-
nais. As práticas seculares e os rituais do ciclo de vida (batismos, casamen-
tos, funerais6) eram da responsabilidade das comunidades religiosas. Os
cristãos e muçulmanos em Israel também foram obrigados a celebrá-los
dentro das suas próprias comunidades religiosas, o que é um caso interes-
sante de regulamentação imposta em nome das religiões monoteístas. A
religião estava entrelaçada com um Estado-nação modernista.
A relação entre nacionalismo e religião tem sido descrita como uma série
de contradições: nacionalismo modernista versus arcaico e religiosidade
retrógrada. Contudo, no caso do sionismo que se desenvolveu com a cria-
ção do Estado de Israel, estes fenómenos fundiram-se numa trindade: «Re-
ligião-Estado-Nacional». Em vez de rejeitar a religião, os sionistas usaram
uma narrativa histórica secular que considerava os judeus como um povo
mono-confessional.
O mito de que não há identidade judaica sem judeus religiosos está pro-
fundamente enraizado na consciência da sociedade israelita secular e da
6 Comumente conhecido como «hatch, match and dispatch» em todo o Reino Unido.
28
diáspora judaica fora de Israel. O liberalismo dos primeiros colonos não
era páreo para o monoteísmo dos fiéis.
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exército israelense. Isto poderia ser visto como um eco inconsciente dos
primeiros cristãos fundamentalistas que recusaram o serviço militar nos
últimos anos do Império Romano. Tal como os sionistas religiosos, os Ha-
redim estão a crescer em número.
O generoso anfitrião ainda não pode ser destruído, mas ao se esforçar por
permear todas as esferas do estado e da vida pública, o judaísmo tornou-se
agora integrado e está à beira de alcançar seu objetivo principal de ganhar
controle absoluto sobre a sociedade de uma forma natural.
30
Cristianismo: o vírus deixa
seu tempo para trás
Avante, soldados de Cristo
Durante os primeiros anos após a morte sangrenta de Cristo na cruz do
Gólgota, os primeiros cristãos, discípulos e seguidores, vaguearam pela
região como mercadores gananciosos, recrutando com sucesso milhares
para se juntarem ao culto cristão. Não havia nenhuma taxa a pagar, exceto
para aceitar a palavra do Senhor.
31
de suas próprias viagens e encontros para levar a palavra do Senhor àque-
les que pareciam prontos para serem convertidos. O próprio Paul já era
o convertido mais famoso do mundo. Ele recebeu a revelação do Senhor
enquanto caminhava em direção a Damasco. De acordo com o livro de
Atos (9:1-9), ele foi atingido «por uma luz do céu que o envolveu em seu
brilho» e caiu no chão.
32
regras. Foi embaraçoso, mas não impossível, para eles impedirem Paulo de
andar por aí promovendo a paz na terra e o amor por todos. Eles continua-
ram a perseguir judeus e cristãos rebeldes, mas as mensagens essenciais da
revolução cristã eram, à primeira vista, difíceis de criminalizar ou desafiar.
A mensagem cristã original de amor perfeito não era sustentável. Será que
a razão finalmente percebeu os erros e deficiências de um programa tão
idealista? Qualquer que seja a causa dessa mudança, ela ocorreu mais ou
menos na mesma época em que o cristianismo foi aceito no panteão da
religião romana.
33
O judaísmo não havia abordado diretamente o conceito de poder divino,
exceto em fábulas e histórias, embora estas fornecessem pistas poderosas
sobre a natureza do Deus que Moisés e outros enfrentaram. Inicialmente, o
cristianismo reivindicava o acesso e a compreensão do poder divino, como
diferente do poder político, que fazia parte de um circuito alternativo de
influência que incluía resistência, interação e até mesmo aprovação ou
apoio. O poder divino proposto pelo cristianismo era distintamente dife-
rente. Era um poder máximo, um poder que não podia sequer ser avaliado.
Tinha pouco a ver com o poder temporal (ou político), e muito menos com
o poder humano. O poder divino no monoteísmo não provoca reação nem
resistência, já que ambos são inexistentes e inúteis.
O poder divino não corre o risco de perder seu status, pois o conceito de
onipotência não existia fora do judaísmo no momento do nascimento
de Cristo e, mesmo assim, faltava-lhe clareza. Para entender melhor esse
conceito, imagine que os terroristas (políticos ou religiosos) decidem não
reconhecer o tribunal que os condena por terrorismo. O acusado pode so-
frer o julgamento, mas nunca reconhecerá a sua validade. Neste sentido, o
poder divino nada tem a ver com o poder temporal, mesmo para fins de
comparação, uma vez que é suposto existir separadamente dele.
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O poder total torna-se legítimo através da sua associação com Deus, como
diz a famosa fórmula da Epístola aos Romanos: «Todo o poder vem de
Deus». Moisés estabeleceu o monoteísmo, por um lado, e a autoridade ab-
soluta de Deus, por outro, que são dois lados da mesma moeda. De acordo
com os cristãos, a legitimidade da autoridade de Moisés deriva inteiramen-
te de sua submissão voluntária a Deus. Ele é ao mesmo tempo um legisla-
dor político e um legislador religioso, mas ele se entrega ao seu líder sem
hesitar.
Roma era o seu alvo ideal. Desde o início, a religião dos romanos era poli-
teísta e muito tolerante. Eles estavam felizes em acrescentar cultos estran-
geiros, a maioria de nações conquistadas, ao seu panteão. Eles até se absti-
veram de impor seus próprios deuses àqueles que haviam conquistado, o
que consideraram desnecessário, já que já os haviam derrotado.
Para os romanos, a religião era uma questão cultural e cívica não relacio-
nada com a salvação das almas. Era sobre rituais e jóias, comemorações
e elogios públicos. Em Roma, as expressões individuais de fé não eram
consideradas importantes ou relevantes, ao contrário da estrita adesão a
35
um conjunto rígido de rituais, que era um requisito civil e cívico. Não se
tratava de convicções ou sentimentos íntimos, e muito menos de compor-
tamento pessoal e moral. Mas o cristianismo penetrou em todas as esferas
da vida: personalidade, crenças, moral e sentimentos. A invasão era viral e
não encontrou resistência romana.
Foi difícil debater com cristãos porque eles não aceitaram nenhuma base
de discussão. O cristianismo não era racional, liberal ou tolerante. Não ad-
mitiu outra divindade a não ser o seu próprio Deus. Isto fez de todos os
cristãos pelo menos rebeldes, se não violentos revolucionários.
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O cristianismo não era apenas uma cobertura eclesiástica tranquilizadora
para os males do mundo, nem era um outro modo de vida a ser acrescen-
tado ao panteão romano. Não era sequer uma questão de vida ou morte.
Era muito mais importante. Era uma guerra pelo poder eterno e divino.
Isto tem sido interpretado como fraqueza, o mesmo que tem sido demons-
trado pelas democracias liberais modernas ao lidarem com conflitos vio-
lentos e terrorismo nos dias de hoje. Em ambos os casos, seja perante o
Império Romano ou perante a colonização europeia do pós-guerra, as for-
ças da religião monoteísta escrutinam e testam incansavelmente o arsenal
liberal, procurando a mínima fraqueza, como um vírus que tenta constan-
temente entrar num corpo.
37
O conflito entre secularismo e espiritualidade
A consolidação do princípio de dominação divina inerente ao monoteísmo
encontra-se nos escritos de Santo Agostinho, que distingue duas «Cida-
des»: «A primeira é aquela que vive sob a lei do homem, a outra é aquela
que vive sob a lei de Deus». Destas duas comunidades, uma está destinada
a reinar graças a Deus e a outra a sofrer o castigo eterno do diabo.
Para Constantino, assim como para o imperador Teodósio, que fez do cris-
tianismo a religião estatal do império no final do século IV, não havia dúvi-
da de que o cristianismo (e especialmente a sua Igreja) era um instrumento
valioso ao serviço do poder secular do imperador.
38
No entanto, o Cristianismo tinha finalmente ganho aceitação. Tinha pe-
gado. O vírus estava em acção. Não podia ser parado. Interpretações dos
textos sagrados que legitimaram a mais alta autoridade da igreja romana
apareceram quase imediatamente.
Pela primeira vez, a famosa citação de Mateus sobre Jesus construindo sua
igreja sobre uma pedra foi usada como uma ferramenta política. Ele quali-
ficou imediatamente Pedro, pelo raciocínio post hoc ergo propter hoc, como
o primeiro Papa, e mais tarde se tornou um dos fundamentos teológicos
sobre os quais a Igreja reivindicou o poder.
«Eu vos darei as chaves do Reino dos céus; tudo o que ligardes na terra será
ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu».
Eu vos darei as chaves do reino dos céus; tudo o que ligardes na terra será
ligado no céu, e tudo o que perderdes na terra será solto no céu. (Mateus
16:18-19)
Estes dois versículos foram usados para provar que Deus tinha confiado
o poder terreno ao apóstolo Pedro e aos seus herdeiros escolhidos: os pa-
pas e todo o poder temporal sob eles que tinha sido desenvolvido nos três
séculos que se seguiram à morte de Jesus e, claro, do próprio Pedro, que
nunca teve conhecimento da sua importante elevação temporal. Além das
referências dos escritos de Agostinho que distinguiam as duas cidades, esta
situação formou o terreno comum para os debates sobre o primado da
Igreja sobre o Estado.
39
A queda do Império Carolíngio na Europa Ocidental também gerou uma
casta de guerreiros de fé cristã duvidosa, comumente glorificados e depois
romantizados como os Cavaleiros Errantes, que, até a justificação da vio-
lência pela palavra de Deus, provavelmente pouco mais tinham a fazer do
que lutar entre si por direitos de gabarolice e para conquistar as mulheres.
A luta pelo direito de nomear bispos alemães serviu como causa oficial do
conflito entre poder secular e poder espiritual em meados do século
IX a.C. Esta luta pela investidura foi a conclusão lógica da história de coe-
xistência entre a Igreja e o poder secular desde a época de Agostinho.
No século XI, numa disputa entre o Papa Gregório VII e o Santo Impera-
dor Romano Henrique IV sobre o primado do poder eclesiástico sobre o
poder secular, a Igreja declarou pela primeira vez, num milénio de gestação
institucional e espiritual, que não só se considerava superior ao poder se-
cular, como estava preparada para pôr em prática esse poder.
Após longas disputas com o Santo Imperador Romano Henrique IV, in-
cluindo as consequências do Sínodo dos Verbos sobre as nomeações epis-
copais em Munique, o Papa Gregório excomungou Henrique IV no Sínodo
Quaresmal de 1076 em Roma, citando as hostilidades anteriores. Ele tam-
bém deu ao Henry um ano para ceder ou perder a sua coroa. O imperador
foi então descalço a Canossa para implorar o perdão do papa. Com este
triunfo, o fundamentalismo cristão atingiu o seu auge totalitário. No en-
tanto, ele pode não ter sabido que este era o clímax; um declínio constante
e persistente já estava no horizonte.
40
As Cruzadas e a purga reformadora
As Cruzadas, que começaram dentro de vinte anos após o incidente de
Canossa, podem, portanto, ser reconhecidas como uma espécie de triun-
falismo religioso. Jesus, um milênio antes, nunca teria feito o que o Papa
Urbano II, sucessor de seu amigo Pedro, fez em 1095 quando proclamou a
primeira cruzada e pediu apoio militar através do recrutamento para fazer
uma peregrinação armada a Jerusalém. Este foi o início de uma série de
guerras religiosas sancionadas pela Igreja com o objetivo explícito de liber-
tar a Terra Santa do domínio islâmico.
Uma das principais diferenças entre estas campanhas e muitos outros con-
flitos religiosos cristãos foi que a Igreja declarou que a participação seria
considerada como uma penitência pelo perdão dos pecados.
41
Cruzadas sobreviveu durante mil anos, e os activistas cristãos e islâmicos
ainda falam de Cruzados com conotações claramente contraditórias.
42
Ou a religião deles, ao que parece. Os cismas e os cultos são frequentemen-
te uma ameaça maior ao monoteísmo do que o inimigo comprovado que
fala uma língua completamente diferente. Ainda assim, é chocante para
a tradição liberal, que está mais ou menos hesitante nas três religiões nos
tempos modernos.
43
Islamismo: Cumprir a Missão
Expandindo a sua influência
A história do Islão inclui momentos em que os poderes secular e eclesiás-
tico têm estado alternadamente em conflito, em harmonia, separados ou
fundidos. O exemplo clássico da história islâmica primitiva é o califado
político abássida e as estruturas estatais que o precederam, criadas pelo
profeta Maomé, que começou sua vida adulta como soldado.
Desde o início, a filosofia islâmica não fez distinção entre o poder secular e
eclesiástico. As duas cidades de Agostinho não têm sentido no Islã, já que
a fé foi definida e apresentada desde o início como uma religião política. É
por isso que os primeiros governantes do crescente império árabe tinham
o título de califas, ou seja, os líderes espirituais do Ummah muçulmano.
Durante o Califado, o estado político era o único veículo para a religião, e
a religião era a fundação do estado. Isto é o que o cristianismo ainda está
a tentar alcançar.
O Islão teve origem militar, entrou na política, suportou como uma ideolo-
gia, e depois desenvolveu uma missão comum através da conquista e uma
doutrina religiosa através do controle.
44
Como muitas ideologias de sucesso, o Islão funciona melhor com multidões.
Seu maior progresso tem sido feito com uma grande população, embora seja
uma religião que se concentra principalmente na salvação pessoal. Mais
recentemente, as suas campanhas militantes têm sido apoiadas por muitos
países muçulmanos. De fato, as campanhas precisam de popularidade para o
recrutamento, assim como as cruzadas cristãs do último milênio.
45
do Islão para purificar o próprio Islão. Para eles, os principais inimigos são,
acima de tudo, hereges islâmicos. Outros movimentos islâmicos consistem
em modernistas que não se opõem ao progresso científico e tecnológico,
mas que, de um modo mais geral, vêem a influência ocidental como uma
ameaça ao Islão. Várias tendências islâmicas modernas assimilaram mais
características dos movimentos anticoloniais e socialistas do que da teolo-
gia islâmica. No entanto, todos estes movimentos partilham características
comuns: são dogmáticos, monoteístas e agressivos, e a sua agressão é ali-
mentada por tudo o que a possa sustentar. As políticas religiosas do Oriente
Médio são notoriamente difíceis de seguir, por isso, alguns exemplos repre-
sentativos dessas tendências são apresentados abaixo.
Wahhabismo
É no wahhabismo que reside a génese do sucesso do Islão sobre o Estado
político, o cumprimento da missão. O Islão passou por uma fase de desape-
go mesmo quando se espalhou para outras partes do mundo, por exemplo
para a Ásia e Europa, resultando numa fusão das práticas islâmicas com as
crenças e tradições locais. Um exemplo notável é o surgimento de cultos
que celebram santos muçulmanos, assim como muitas variantes do misti-
cismo islâmico.
46
que não eram baseadas em textos sagrados, incluindo as celebrações do
aniversário do Profeta Maomé, do Sufismo, do Sunnismo e dos cultos dos
santos islâmicos.
A Arábia Saudita foi criada no início da década de 1930, quando ainda an-
tes, após o fim da Primeira Guerra Mundial, a união entre o clero wahhabi
e a dinastia saudita formou uma aliança política altamente eficaz e dinâmi-
ca. A transformação da dinastia wahhabi saudita em guardiã dos grandes
santuários muçulmanos trouxe o wahhabismo, de forma algo inesperada,
para a corrente islâmica.
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A Irmandade Muçulmana e o anticolonialismo
Embora frequentemente citada como exemplo da «ideologia salafista», a
organização islâmica egípcia, os «Irmãos Muçulmanos», fundada em 1928
por Hassan al-Banna, distingue-se claramente do wahhabismo pelo seu
reconhecimento das conquistas da civilização modernista. Enquanto os
Wahhabis consideram a vida espiritual e secular do século VII como um
tempo ideal a ser repetido, os Irmãos Muçulmanos podem ser definidos
como radicais religiosos da «Idade de Ouro» apenas no sentido espiritual,
mas não no sentido material ou político.
48
do nacionalismo e mesmo do socialismo, que não poderiam ser descritas
como genuinamente islâmicas.
49
«cristão» ou «pagão», a remover os colonizadores e «cruzados» e a reavivar
o único sistema de estado correcto: o Califado, um estado religioso unitário.
Como uma civilização antiga, o Irão sempre foi menos influenciado pelas
ideias fundamentalistas islâmicas do que outras partes do mundo islâmico.
As diretrizes islâmicas foram menos respeitadas no Irã e nos territórios
culturais de influência iraniana: por exemplo, a proibição de retratar pes-
soas e animais foi quase totalmente violada. No entanto, a conquista Safa-
vid do Irã no século XVI e a transição para o xiita significou que o clero
desempenhou um papel particular na cultura iraniana.
50
As raízes da revolução de 1978-79 não estavam na religião, mas no sistema
social. Muitos estudiosos (especialmente entre os emigrantes iranianos)
opõem-se com firmeza ao rótulo «islâmico» da revolução iraniana, expli-
cando que o ultraje que levou à revolução foi em grande parte causado por
factores socioeconómicos e, acima de tudo, pela humilhação da coloniza-
ção do Irão desde o final do século XIX.
A maioria dos iranianos que apoiaram este ‘novo Mahdi’ não esperava seria-
mente que o princípio do ‘Velayat-e faqih’ (a regra dos teólogos islâmicos)
51
fosse aplicado. Para eles, Khomeini simbolizava uma nova resposta ofen-
siva ao colonialismo ocidental, que parecia funcionar. Muitos deles teriam
aceitado qualquer coisa que funcionasse naquela época.
Estado islâmico
A última tentativa da ideologia política islâmica de reunir o secular e o es-
piritual num único estado pan-islâmico levou à criação do Estado Islâmico
(ISIS) como uma organização.
52
e da luta contra Israel como a descendência colonial do Ocidente (esta activi-
dade chama-se «Jihad contra os Cruzados»).
O renascimento islâmico
Muitos movimentos islamistas surgiram em resposta a problemas sociais
e económicos como o desemprego juvenil e a pobreza. No entanto, os
53
movimentos islamistas não se limitam de forma alguma aos países pobres
ou a grupos desfavorecidos e marginalizados, e não são todos extremistas
ou revolucionários. De facto, os membros destes movimentos são geral-
mente muito instruídos, principalmente em campos seculares, graças a
projectos de modernização liderados pelo Estado. Os partidos islâmicos
tradicionais, em particular, são geralmente liderados por jovens de ambos
os sexos que são profissionais com formação avançada.
Uma nova geração chegou à idade adulta nos anos 60 sem ter experimenta-
do directamente o colonialismo, apenas as suas repercussões a longo prazo,
misturadas com alguns benefícios. O acesso generalizado à educação e a
maior disponibilidade da literatura islâmica também lhes deu a oportu-
nidade de formar as suas próprias interpretações do Islão. Os muçulma-
nos poderiam estudar o Alcorão e Sunnah sem a mediação do ulama, que
ofereceu uma interpretação mais institucionalizada do Islão. O próprio
Muhammad pode ter aprovado esta mudança.
54
às ideias islâmicas. No final dos anos 90, o egípcio Amr Khaled tornou-se
um dos muitos pregadores populares com alcance global. Seu site publicou
conselhos sobre o Islã vivo como um princípio ético geral.
55
Continuidade entre todos
os terroristas religiosos
Respondendo ao terrorismo islamista
O ano de 2015 foi um ano negro na Europa, e particularmente na França.
Em 7 de janeiro de 2015, fundamentalistas islâmicos assassinaram doze
pessoas que trabalhavam na revista satírica Charlie Hebdo, em Paris. O
jornal publicou frequentemente desenhos animados zombando de assun-
tos religiosos e figuras de autoridade islâmica, incluindo o Profeta Maomé.
Tais representações são inaceitáveis no Islão.
56
Não houve manifestações após os ataques de 13 de Novembro em Fran-
ça. As pessoas estavam aterrorizadas, muitas pareciam perder a esperan-
ça, como se estivessem congeladas no medo à beira de um precipício. A
população também se tornou mais reticente. Uma pergunta circulou na
mente de todos, sem encontrar uma resposta satisfatória: em que estavam
os bombistas suicidas a pensar? Estes jovens franceses foram educados na
cultura francesa, em escolas e colégios; como poderiam matar tão facil-
mente, tão calmamente, tão sadicamente os seus concidadãos indefesos,
incluindo outros muçulmanos? Talvez o choque tenha sido salutar, fa-
zendo as pessoas comuns entenderem a essência do terror quando usado
como arma política.
Os terroristas que perpetraram esses atos não são psicopatas; eles são pes-
soas normais, mas eles acreditam que seus corpos pertencem inteiramen-
te ao Ummah, a comunidade muçulmana global, e que eles deveriam ser
sacrificados sem hesitação se o Ummah alguma vez estiver em perigo. Os
bombistas suicidas e descapitalizadores de países pobres e subdesenvolvidos
são identificados como «armas de guerra». Isto permite-lhes misturarem-se
com o passado das nações escolhidas para a sua auto-imolação terrorista.
Quase todos estão sob o controle de outros que permanecem escondidos.
Os terroristas não são párias, nem viciados em drogas nem párias; muitos
deles estão entre a elite entre aqueles que receberam a mesma educação
57
religiosa. Os melhores alunos são aqueles que rejeitaram todas as coisas
materiais deste mundo em busca de um sonho espiritual e abraçaram a re-
ligião com paixão, abnegação e amor. Eles vivem pela fé, como os cruzados
afirmaram no início do último milênio.
Os terroristas religiosos não são cobardes. Pelo contrário, eles são pessoas
motivadas, consistentes e corajosas que fazem o que acham que é certo. Os
políticos, especialmente os ditadores, sacrificam apenas a vida dos outros,
mas os terroristas religiosos também estão dispostos a sacrificar a sua. Eles
sacrificam as suas vidas pelo seu Deus. Os seus companheiros crentes con-
sideram-nos mártires. Se cada crente levasse sua fé tão a sério, todos fariam
o mesmo, e o mundo inteiro estaria em apuros.
Os verdadeiros crentes não estão conscientes de nada além da sua fé. Tho-
mas More certamente teria compreendido isto. O terrorismo islâmico é a
única forma de arranjar espaço para Deus. Tudo o resto é secundário e,
portanto, sem importância. De um ponto de vista profundamente religio-
so, esta atitude é totalmente justificada: Deus precisa de espaço. Alguns
até argumentam que os terroristas têm particular prazer em causar terror
e agonia humana porque a vêem como uma manifestação de um poder
superior universal e essencialmente indescritível.
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Esta frase foi frequentemente usada durante os anos 90 em processos judi-
ciais e declarações políticas de líderes iranianos, que apresentaram os Esta-
dos Unidos como o principal inimigo de Deus. No entanto, a idéia de que
Deus tem inimigos e, portanto, precisa da ajuda do homem para identifi-
cá-los e combatê-los, não é exclusiva do Islã. É encontrada na antiguidade
pré-clássica e clássica, no Antigo e no Novo Testamento, bem como no
Alcorão e nos textos hebraicos.
Se os combatentes que fazem a guerra pelo Islão, ou seja, a guerra santa «no
caminho de Deus», estão lutando por Deus, segue-se que os seus oponen-
tes estão lutando contra Deus. Como Deus é em princípio o governante, o
líder supremo do estado islâmico, é óbvio que ele comanda o exército. O
dever dos soldados de Deus é matar o maior número possível de inimigos
de Deus.
Nem sempre foi este o caso. Há 900 anos, um padrão claro de ataques ter-
roristas gerados por cristãos na Europa começou e continuou por vários
séculos. Nos dois milênios anteriores à chegada do cristianismo, o Oriente
Médio viveu um longo período de violência tribal por parte dos israelitas.
Tudo, e mais, em nome de Deus. Hoje, este problema, que se apresenta
como uma jihad contra a Europa, deve ser abordado e resolvido.
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Abraão está em guerra consigo mesma, mesmo quando cada um de seus
membros luta para estabelecer o controle total dentro de suas esferas de
influência e além delas, em todo o mundo.
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Confiar no dogma religioso como única fonte de verdadeira moralidade
inspira uma veemente rejeição das leis seculares e justifica qualquer crime
cometido com a intenção ordenada por Deus de destruir as instituições
seculares e sociais. Esta é a versão religiosa do álibi para crimes passionais.
Até se pode ser perdoado por ter compaixão por terroristas. Os verdadei-
ros crentes sempre levaram uma vida difícil, tentando conciliar as diferen-
ças gritantes entre os mandamentos de Deus e os princípios morais reli-
giosos, por um lado, e a realidade cotidiana, por outro. Eles se recusam a
ter quaisquer dúvidas sobre os princípios subjacentes da religião, que dão
sentido às suas vidas, e são muito desconfortáveis com o que vêem na rua,
especialmente nos países desenvolvidos. Eles são agressivos com os não-
-crentes por medo de que suas crenças sejam desmentidas. Na realidade,
se é possível viver sem ele, por que se submeter a todas as provações e
tribulações que vêm com fé?
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Os terroristas não estão esperando a vinda do Messias ou o Dia do Julgamen-
to porque já estão correndo para estas recompensas o mais rápido que po-
dem. Há dois mil anos, foi o cristianismo que lutou pela igualdade universal
de acordo com o seu entendimento religioso. Hoje, é o Islão político que luta
pela igualdade universal de acordo com a sua própria concepção religiosa.
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Os políticos juram que os terroristas serão capturados e punidos, mas isso é
inútil. Eles querem mesmo ser mártires e não têm medo de morrer. Poucos
terroristas são capturados vivos; eles sabem muito bem que a resistência é
inútil e todos eles preferem morrer como mártires do que continuar vivendo.
Todos os sacrifícios são em vão: o paraíso não existe, nunca existiu e nunca
existirá. Uma crença apaixonada na existência do paraíso não é um raio de
esperança. É um mito, estilhaçado como os cintos do Shahid.
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O extremismo vacila e desvanece-se assim que a aura da religião se desva-
nece e a crença inabalável de que um deus Big Brother vingativo e protetor
nos espera no céu desaparece.
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proteger a organização terrorista nigeriana Boko Haram? É em seu nome
que encontramos a pista para a sua principal política de proibição da edu-
cação secular. Porque nos surpreendemos que capturem alunas e as trans-
formem em prostitutas para soldados?
Até que ponto este respeito e tolerância devem ser estendidos? Os cristãos,
por exemplo, devem seguir o conselho de Jesus e dar a outra face quando
ameaçados ou atacados na rua? O politicamente correto atualmente pa-
rece querer aplicar mal os aspectos mais frágeis da democracia liberal a
situações já tensas. Ela enfraquece os laços que unem a sociedade e dilacera
os componentes da sua cultura, facilitando a intolerância e novos precon-
ceitos para substituir os que foram eliminados.
A única relação verdadeiramente saudável que um governo pode ter com or-
ganizações religiosas é uma relação inexistente. Até o Egipto, a terra tradicio-
nal do Islão, reconheceu isto. Uma sociedade secular saudável será alcançada
quando os ministérios e comitês do governo para a religião forem abolidos.
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extremistas do cristianismo se desintegraram junto com suas congrega-
ções. Devíamos aprender com este sucesso.
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Um terceiro grupo vai ainda mais longe e trabalha em prol de uma nova
civilização secular e pós-cristã.
O Messias não veio. O fato de ele nunca ter vindo é o maior desafio à nar-
rativa judaico-cristã. Os crentes esperaram por ele por tanto tempo com
esperança, mas quem quer que ele fosse, foi em vão. Ele não só não veio
para nos poupar da adversidade e dar sentido à nossa existência, mas pare-
ce que ele nunca teve a intenção de vir.
O Mashiach não veio para trazer a paz política aos judeus. Os judeus não
começaram a vida em uma sociedade ideal da Torá, muito menos depois
de 1948. A Segunda Vinda de Cristo não aconteceu, nem na vida dos
primeiros cristãos que esperavam vê-lo, nem nos dois milênios seguintes
(a menos, é claro, que ele inexplicavelmente se tenha escapado). Estamos
agora em 2020 e o Reino de Deus ainda é um castelo no ar. Não só o mal
67
ainda existe no mundo, ele não diminuiu, como pode até ter aumentado. A
morte e o sofrimento desnecessários continuam a ocorrer e o pecado está
tão presente como sempre.
Podemos ser perdoados, então, por perguntar se existe uma razão real para
a fé religiosa? Não podemos simplesmente usar os critérios universais co-
muns de outras áreas da nossa vida?
Este livro não pretende resolver nada, e muito menos manter a verdade
absoluta. Primeiro de tudo, não há verdade absoluta, não há magia por trás
de uma revelação divina. Os humanos são o que eles são, nem bons nem
maus. Nada e ninguém pode mudá-los, quanto mais ajudá-los a se torna-
rem deuses. Isto é impossível assim como inútil; somos os únicos humanos
que viveram, vivem e viverão neste planeta.
O sistema de valores mais eficaz para a humanidade seria aquele que não
dependesse da religião e das suas quimeras, nem da promessa de vida após
a morte, no céu, no inferno ou em qualquer outro lugar...
«Imagine que não há religião. É fácil se você tentar. Nenhum inferno abai-
xo de nós, só o céu acima.
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