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Sociedades pobres com alguns ricaços

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Em que lugar você preferiria viver? Em uma sociedade em que os ricos são
extraordinariamente ricos e os pobres são muito pobres ou em uma sociedade em que os
ricos estão simplesmente muito bem de vida, mas onde mesmo as pessoas das faixas de
mais baixa renda também gozam de um bom padrão de vida?

Para quase todos, menos para os mais ardentes libertários do livre mercado, a resposta
seria esta última. Pesquisas mostraram sistematicamente que, embora a maioria das
pessoas manifeste desejo de que haja certa distância entre o topo e a base, elas
prefeririam viver em sociedades consideravelmente mais igualitárias do que as que vivem
atualmente. Muitas chegariam até a optar pela sociedade mais igualitária mesmo que o
bolo geral fosse menor do que do que em uma sociedade dotada de menor igualdade.

Os dirigentes têm razão em ter o crescimento da economia como meta, mas afastar
preocupações sobre a distribuição de um padrão de vida bom, que é o que a desigualdade de
renda mede, essencialmente, é se desinteressar pela vida de milhões

A partir dessa premissa, conclui-se que uma boa maneira de avaliar quais países são
lugares melhores para se viver do que outros é perguntar: a vida é boa para todos lá ou só
é boa para os ricos?

Para encontrar a resposta, podemos examinar a comparação entre as pessoas


enquadradas em pontos diferentes da distribuição de renda com seus pares de outros
países. Se você é um britânico ou um americano orgulhoso de seu país, poderá ficar
constrangido.

A partir da faixa mais alta da escala de renda, os britânicos gozam de padrões de vida
muito altos por qualquer parâmetro, virtualmente. No ano passado, os 3% de maior renda
das famílias britânicas ganhavam cerca de 84 mil libras esterlinas, já descontados os
impostos, o equivalente a US$ 125 mil após neutralizados os efeitos das diferenças de
preços entre os países. Isso situa os britânicos de maior renda pouco atrás dos alemães e
noruegueses mais ricos e, com folga, no segmento da elite global.

Mas o que acontece quando descemos para os degraus mais baixos? Para a Noruega,
trata-se de um quadro persistentemente róseo. Os 10% da faixa mais alta ocupam o
segundo lugar, em padrão de vida, entre os decis [a faixa de 10%] máximos em todos os
países; a família norueguesa média ocupa o segundo lugar no conjunto de todas as médias
nacionais, e, saltando-se para a outra extremidade, os 5% mais pobres da Noruega são os
5% de menor renda mais prósperos do mundo. A Noruega é um bom lugar para se viver,
seja para quem é rico ou para quem é pobre.
Já no Reino Unido, as coisas são diferentes. Embora a faixa de maior renda fique em 5º
lugar entre todas as médias nacionais, a família média ocupa o 12º, e os 5% mais pobres, o
15º. Longe de simplesmente se distanciar de seus pares da Europa Ocidental, no ano
passado a faixa das famílias britânicas de menor renda tinham um padrão de vida 20%
mais baixo do que as de suas congêneres da Eslovênia. Nas faixas médias da distribuição
acontece o mesmo.

Em 2007 o padrão de vida da família britânica média era 8% inferior ao de seus pares do
noroeste da Europa, mas a discrepância, desde então, disparou para um recorde de 20%.
Mantidas as tendências atuais, a família média de Eslovênia terá melhores condições de
vida do que sua congênere britânica em 2024, e a família média polonesa passará na
frente do Reino Unido antes do fim da década. Um país desesperadamente carente de
mão de obra migrante terá de pedir aos recém-chegados que aceitem um corte salarial.

Do outro lado do Atlântico o quadro é a mesmo, só que mais agravado. Os ricos dos EUA
são excepcionalmente ricos - os 10% de maior renda detêm as rendas disponíveis do
maior decil mais elevadas do mundo, 50% superiores às de seus congêneres britânicos.
Mas o decil inferior luta com um padrão de vida pior do que o vigente nos 14 países mais
pobres da Europa, incluindo a Eslovênia.

Só para deixar bem claro, os dados dos EUA mostram que tanto o crescimento amplo
quanto a distribuição de seus resultados são importantes para o bem-estar. Cinco anos de
expansão saudável pré-pandemia dos padrões de vida americanos por toda a distribuição
beneficiaram toda a população, uma tendência ostensivamente ausente no Reino Unido.

Mas redistribuir os ganhos de uma maneira mais justa teria um impacto mais
transformador sobre a qualidade de vida de milhões. A arrancada de crescimento
aumentou em aproximadamente 10% as rendas das famílias americanas do decil de renda
mais baixo. Mas se se transpuser grau de desigualdade da Noruega para os EUA, se verá
que o decil mais pobre dos americanos teria de estar em condições de renda 40%
melhores, enquanto o decil máximo de renda permaneceria mais rico do que a faixa
máxima de quase todos os outros países do planeta.

Nossos dirigentes têm razão, é claro, em ter o crescimento da economia como meta, mas
afastar preocupações sobre a distribuição de um padrão de vida bom - que é o que a
desigualdade de renda mede, essencialmente - é se desinteressar pela vida de milhões.
Enquanto essas diferenças não forem reduzidas, o Reino Unido e os EUA continuarão
sendo sociedades pobres com bolsões de pessoas ricas. (Tradução de Rachel
Warszawski)

John Burn-Murdoch é colunista do Financial Times

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