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6 dezembro 2017
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A Igreja busca as verdades de fé para levar ao seu povo através de três fontes inesgotáveis,
que são: As Sagradas Escrituras, A Sagrada Tradição e O Sagrado Magistério. Através
destes três pilares fundamentais a Igreja nos revela com segurança e sem equivoco as
doutrinas e ensinamentos divinos confiado a Igreja.
Sagrado Magistério
No vasto campo do ensinamento da Igreja Católica, há um ramo específico que trata de seu
próprio Magistério, isto é, do poder de ensinar que lhe foi confiado por Nosso Senhor Jesus
Cristo. É uma parte essencial da Teologia e do Tratado De Ecclesia em particular. Se não se
compreende o que Igreja diz sobre seu próprio Magistério, torna-se impossível aderir de
forma conveniente à sua doutrina e pode-se dizer que uma adesão plenamente racional
torna-se mesmo impossível. A adesão da inteligência ao ensinamento da Igreja deve ser
sempre conforme à natureza humana, isto é, ela deve estar fundada na natureza e na
operação da inteligência humana porque a graça não destrói a natureza, mas a aperfeiçoa.
Assim como a teologia eleva a filosofia sem destruí-la e assim como a Igreja eleva o Estado
sem destruí-lo, o Magistério eleva a inteligência humana, mas não pode contradizer a
natureza dessa mesma inteligência.
Assim, é indispensável para cada católico conhecer quem pode ensinar (sujeito do
Magistério), aquilo que pode ser ensinado (objeto do Magistério), por que meios o múnus
docendi pode ser exercido (viva voz, por uma Bula, por uma Encíclica, por um Concílio).
Há, porém, um outro aspecto relativo ao Magistério que é praticamente desconhecido e
negligenciado pelos próprios católicos. Trata-se dos diferentes graus do Magistério e,
consequentemente, dos diferentes graus de assentimento devidos aos distintos graus de
Magistério. O conhecimento claro da doutrina dos graus de assentimento ao Magistério é
indispensável para todo católico e, em particular, para todo eclesiástico. A ignorância dessa
doutrina ou um erro em seu âmbito tem consequências graves, sobretudo em tempos de
crise neomodernista.
Há duas tendências que se opõem em relação aos graus do Magistério e a adesão que lhes é
devida:
A primeira posição é aquela que afirma que todo ato do Magistério – ao menos papal – é
infalível e constitui a regra próxima da fé à qual é preciso aderir de maneira absoluta para
permanecer fiel ao ensinamento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Torna-se supérfluo, então,
distinguir em um caso concreto o grau de um ato do Magistério do Papa ou de um Concílio.
Enquanto ato do Magistério da autoridade suprema ele é infalível e requer, portanto, uma
adesão absoluta. É uma visão unívoca do Magistério (ao menos do Magistério papal ou de
um Concílio): Magistério significa sempre um ato infalível ao qual é preciso aderir
incondicionalmente. É a posição dos que atualmente são denominados conservadores, mas
também é a posição (ao menos na prática) dos sedevacantistas e de outros que por
incoerência não são nem uma coisa nem outra.
A segunda posição é aquela que admite a distinção entre Magistério infalível e não-
infalível, mas que afirma que o Magistério não-infalível é praticamente desprovido de
autoridade e que a adesão a ele não difere muito da adesão devida a um perito em uma dada
matéria. Na prática, o Magistério não-infalível é considerado como inexistente. Apesar das
aparências contrárias, o erro do univocismo é o mesmo da posição precedente: há um só
grau de Magistério, o do Magistério infalível. O Magistério não infalível é um não-
Magistério ou no máximo um magistério puramente humano. Essa é a posição dos católicos
liberais ou modernistas/neomodernistas.
A Igreja, como é sabido, procede de Deus enquanto autor da ordem sobrenatural e ela é
uma obra especialíssima da providência no interior da ordem da redenção. Ela corresponde
à potência passiva obediencial do homem (capacidade de ser elevado por Deus a uma
ordem superior à sua natureza e mesmo à toda natureza) e somente a Revelação, a graça e
as virtudes podem fazê-la conhecida perfeitamente. Na sociedade natural, os poderes
procedem de Deus de modo mediato, enquanto Ele é o autor da natureza e da razão, e
procedem de modo imediato da exigência inata do bem comum, fundada na natureza
mesma do homem. Na Igreja, ao contrário, todos os poderes hierárquicos procedem do alto
e são transmitidos diretamente por Deus aos Apóstolos e a seus sucessores, enquanto autor
da Revelação e da graça. Com isso, os poderes da Igreja (governar, ensinar, santificar) são
exercidos em primeiro lugar por Nosso Senhor, pois o homem tem tão somente a potência
obediencial para exercê-los, sendo só um instrumento para a produção dos efeitos
sobrenaturais que esses poderes operam. É, então, necessário, que Cristo exerça esses
poderes como causa primeira e principal (invisível) por intermédio do Papa e dos Bispos. E,
por essa razão, o Papa e os Bispos não são os sucessores de Cristo, mas seus vigários, seus
enviados, e eles participam ministerialmente dos poderes do Salvador enquanto
instrumentos. Trata-se de um verdadeiro mistério de união entre o divino e o humano[1].
Podem-se distinguir três graus de Magistério, correspondentes a três graus de autoridade:
Magistério infalível, Magistério puramente autêntico da autoridade suprema, Magistério
dos Bispos Diocesanos.
O terceiro grau de Magistério é aquele dos Bispos em relação aos fiéis que lhes foram
confiados pelo Soberano Pontífice. É um Magistério particular e subordinado (mesmo
sendo próprio dos Bispos, que não são simples delegados do Papa). É evidente que se trata
de um Magistério não-infalível, que pode, então, conter erros e os contém algumas vezes.
Isso é pacífico na doutrina católica e em todos os teólogos[3]. É o grau de Magistério em
que se encontra a maior parcela de humano e, portanto, em que as garantias de verdade são
menores.
Qual deve ser a atitude do fiel diante da autoridade suprema da Igreja quando essa ensina
de maneira somente autêntica, sem engajar a sua infalibilidade? Encontram-se, hoje,
sobretudo, duas posições majoritárias e francamente opostas: i) a posição dos assim
chamados conservadores e sedevacantistas, que afirmam a submissão absoluta aos atos
desse Magistério e ii) a posição dos neomodernistas e progressistas em geral, que afirmam
que nenhum assentimento é devido aos ensinamentos desse tipo de Magistério.
Encontramo-nos, assim, diante de um dilema: aceitar tudo ou rejeitar tudo.
[3] Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira indica vários desses teólogos Catolicismo nº 223,
julho de 1969. Traduzido em francês no livro La Nouvelle Messe de Paul VI: Qu’en
penser? Ed. Diffusion de la Pensée Française, Chiré-en-Montreuil, 1975, Deuxième partie,
chapitre IX.
[4] No segundo e terceiro graus de Magistério podem-se contar ainda diversas subdivisões,
mas elas seriam supérfluas para o propósito desse trabalho.
Por Ailton Bento Araruna, aluno do quarto semestre do curso livre de Teologia no Instituto
Diocesano de Filosofia e Teologia São José. E-mail: aitonarquivos@gmail.com.
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A Sagrada Tradição
Como dito, a Sagrada Tradição é a parte da Revelação transmitida pelos séculos de maneira
não escrita. Ipso facto, a Tradição é anterior à Escritura.
Não desprezes o que contarem os velhos sábios, mas entretém-te com suas palavras, pois é
com eles que aprenderás a sabedoria, os ensinamentos da inteligência, e a arte de servir
irrepreensivelmente os poderosos. Não desprezes os ensinamentos dos anciãos, pois eles os
aprenderam com seus pais (Eclo 8,9-11).
A Tradição Apostólica está nos ensinos dos Concílios eclesiásticos, na Liturgia, na arte
sacra (principalmente nas antigas catacumbas) e, por fim, nos Padres da Igreja.
Os Padres da Igreja são Santos e proeminentes teólogos (doutores católicos) dos primeiros
séculos da Igreja (compreende o período entre os séculos I e VII). Seus ensinos são a base
de toda (ou ao menos dos pontos mais importantes) doutrina católica.
liturgia, pois praticamente todos os ritos católicos têm origem nos Padres.
Contudo, nem todos os escritos patrísticos são a Tradição da Igreja. Neles há também
regras locais e opiniões pessoais que não necessariamente refletem-na.
Jesus fez ainda muitas outras coisas. Se fossem escritas uma por uma, penso que nem o
mundo inteiro poderia conter os livros que se deveriam escrever (Jo 21,25).
Se alguém tem fome, coma em casa. Assim vossas reuniões não vos atrairão a condenação.
As demais coisas eu determinarei quando for ter convosco (I Cor 11,34).
Sabeis bem que preceitos vos dei em nosso do Senhor Jesus (I Ts 4,2).
Assim, pois, irmãos, ficai firmes e conservai os ensinamentos que de nós aprendestes, seja
por palavras, seja por carta nossa (II Ts 2,15).
Intimamo-vos, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que eviteis a convivência de
todo irmão que leve vida ociosa e contrária à tradição que de nós tendes recebido (II Ts
3,6).
O que de mim ouviste em presença de muitas testemunhas, confia-o a homens fiéis que, por
sua vez, sejam capazes de instruir a outros (II Tm 2,2).
Apesar de ter mais coisas que vos escrever, não o quis fazer com papel e tinta, mas espero
estar entre vós e conversar de viva voz, para que a vossa alegria seja perfeita (II Jo 12).
Tinha muitas coisas para te escrever, mas não quero fazê-lo com tinta e pena. Espero ir ver-
te em breve e então falaremos de viva voz (III Jo 13s).
A Sagrada Escritura
Entre as pessoas que receberam a Palavra de Deus de maneira não escrita, a Tradição,
algumas foram inspiradas por Ele mesmo para que escrevessem parte da Revelação. A
Escritura é inspirada por Deus, mas foi escrita no tempo por homens inspirados, os
hagiógrafos.
Santo Tomás define a inspiração como “a ação de Deus, movendo e dirigindo o autor na
produção do livro, preservando-o de erros [no que tange à salvação], de forma que é Deus o
autor e o homem mero instrumento usado para escrever”.
Todavia, para escrever os livros sagrados, Deus escolheu e serviu-Se de homens na posse
das suas faculdades e capacidades, para que, agindo Ele neles e por eles, pusessem por
escrito, como verdadeiros autores, tudo aquilo e só aquilo que Ele queria (Ibid.,
Constituição Dogmática Dei Verbum, n. 11).
O conteúdo das Sagradas Escrituras é totalmente ditado por Deus e de obrigação para
crença dos fiéis.
A Sagrada Escritura consta de duas partes com 72 livros ao todo: o Antigo Testamento (45
livros) e o Novo Testamento (27 livros).
O Magistério Eclesiástico
Deus não só Revelou-Se e escolheu homens para que escrevessem parte dessa Revelação,
como instituiu uma autoridade que guardasse tal Tesouro incorrupto durante os séculos.
Essa autoridade é a Igreja Católica.
Toda autoridade Me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, e ensinai a todas as nações (Mt
28,18s).
Somente o Magistério Eclesiástico pode dizer quais livros são inspirados e quais costumes,
regras e doutrinas contidas nos Santos Padres (e outros loci da Tradição) são, de fato,
Palavra de Deus.
A Igreja definiu o cânon das Escrituras Sagradas e somente ela pode interpretá-las:
Antes de tudo, sabei que nenhuma parte da Escritura é de interpretação pessoal. É o que ele
faz em todas as suas cartas, nas quais fala nestes assuntos. Nelas há algumas passagens
difíceis de entender, cujo sentido os espíritos ignorantes ou pouco fortalecidos deturpam,
para a sua própria ruína, como o fazem também com as demais Escrituras (II Pd 1,20;
3,16).
O Magistério, embora não seja a própria Tradição, é o órgão através do qual essa vem
transmitida. Por isso, os teólogos chamam à Tradição Apostólica de Tradição passiva e ao
Magistério de Tradição ativa.
A Tradição não atestada pelo Magistério da Igreja, não constituiria verdadeira Tradição
apostólica, ao máximo teria um valor de documentação histórica, mas não de Fé.
A Igreja é como uma Mestra (Magistério) que contém e transmite a Escritura (Bíblia) e a
Tradição (Denzinger) e lhes explica o verdadeiro significado aos discentes. Havendo
dúvidas sobre o conteúdo, pode-se pedir explicações à Igreja e ela o iluminará.
É da Igreja que recebemos a Fé e ela é que nos leva ao Depósito, não o contrário:
Eu não creria no Evangelho, se a isto não me levasse a autoridade da Igreja católica (Sto.
Agostinho, Contra epistulam Manichæi quam vocant fundamenti 5,6: PL 42,176).
Tudo o que foi dito sobre o Magistério se aplica ao Magistério solene e definitivo da Igreja.
De fato, existem dois tipos de Magistério:
Magistério autêntico
Magistério infalível
Magistério autêntico
Magistério pontifical diocesano autêntico: ensino de um Bispo que tem jurisdição sobre
uma área (ensino sobre qualquer coisa).
Magistério universal ordinário autêntico: o ensino da Igreja (Papa e Bispos sobre qualquer
coisa).
Magistério infalível
De tudo o que foi dito sobre o homem – sua busca e dívida para com Deus, sua vontade de
religar-se com Ele, como também de sua incapacidade de alcançá-Lo; por outro lado, do
fato de Deus Se dignar mostrar-Se ao homem: Há absoluta necessidade de aderir à
Revelação, em outras palavras, à religião revelada.
Ditosos somos nós, Israel, porque a nós foi revelado o que agrada a Deus! (Br 4,4).
Revelação divina
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Ver histórico
Algumas religiões possuem textos religiosos que as mesmas acreditam ter sido revelados
por deuses ou de modo sobrenatural. Por exemplo, os judeus ortodoxos, cristãos e
muçulmanos acreditam que a Torá foi recebida de Javé no monte Sinai bíblico.[1][2] A
maior parte dos cristãos acredita que tanto o Antigo Testamento quanto o Novo Testamento
foram inspirados por Deus. Os muçulmanos acreditam que o Alcorão foi revelado por Deus
a Maomé palavra por palavra através do anjo Gabriel (Jibril).[3][4] No hinduísmo, alguns
Vedas são considerados Apauruṣeyā, "composições não humanas", por terem sido
revelados diretamente, e, portanto, são chamados de Shruti, "o que é ouvido". As 15 000
páginas escritas a mão pela mística Maria Valtorta foram tidas como ditadas diretamente
por Jesus, enquanto ela atribuiu o Livro de Azarias a seu anjo da guarda.[5] Aleister
Crowley disse que o Liber AL vel Legis lhe foi revelado através de um ser superior que
chamava a si próprio de Aiwass.
Marcas físicas deixadas pela revelação são chamadas estigmas. Em casos raros, como o de
Juan Diego Cuauhtlatoatzin, as revelações deixam artefatos físicos.[6] O conceito católico
de "locução interior" fala de uma voz interior ouvida pelo receptor da revelação.
Nas religiões abraâmicas, o termo se refere ao processo através do qual Deus revela, ao
mundo dos homens, sua existência, sua vontade e sua Divina Providência.[7]
Revelação individual
Tomás de Aquino acreditava em dois tipos de revelação individual de Deus: revelação geral
e revelação especial. Na revelação geral, Deus se revela através de sua criação. Através da
criação, algumas verdades divinas podem ser apreendidas através do estudo empírico da
natureza, física, cosmologia etc. Na revelação especial, Deus revela sua natureza a um
indivíduo de modo sobrenatural, por exemplo através de escrituras ou milagres.
Embora alguém possa deduzir a existência de Deus e de seus atributos através da revelação
geral, alguns dados especiais somente podem ser conhecidos através da revelação especial.
Revelação pública
Alguns grupos religiosos acreditam que Deus se revelou a um grande grupo de indivíduos.
No Deuteronômio, Javé teria revelado os Dez Mandamentos aos israelitas no monte Sinai
bíblico. No cristianismo, o livro Atos dos Apóstolos descreve o dia de Pentecostes, onde
um grande grupo de seguidores de Jesus teria experimentado uma revelação em massa. O
povo dacota acredita que Ptesáŋwiŋ falou diretamente com o povo quando estabeleceu as
tradições religiosas dacotas. Algumas versões de uma lenda asteca falam de Huitzilopochtli
falando diretamente com o povo asteca quando este chegou a Anåhuac. Historicamente,
existiram muitos imperadores, líderes religiosos e outras figuras que foram deificados e
tratados como se suas palavras fossem revelações divinas.
A Revelação Divina - Perspectivas da Constituição Conciliar "Dei Verbum"
REVELAÇÃO
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A Revelação Divina
Pelo Pe. Dom Cirilo Folch Gomes, O.S.B., Professor de Dogmática na Escola Teológica da
Congregação Beneditina Brasileira, Rio de Janeiro
O documento consta de seus capítulos. Considera primeiro a natureza da Revelação (c. I),
depois as condições de sua transmissão desde o tempo dos Apóstolos (c. II), em seguida
várias questões relativas à Sagrada Escritura: sua inspiração divina e as normas de sua
interpretação (c.III), o Antigo Testamento (c.IV),o Novo Testamento (c.V), e a importância
da Escritura na vida da Igreja (c. VI).
A Natureza da Revelação
Há, sem dúvida, um perene testemunho de Deus em todas as coisas da ordem criada, mas
dele se distingue a Automanifestação que desde o inicio da história humana Deus realizou
em vista de franquear aos homens a via de uma felicidade superior".
Estas palavras, retiradas com certa liberdade dos primeiros parágrafos do capitulo I,
resumem a doutrina da natureza da Revelação. Retomam um assunto já exposto na
Constituição Dogmática "Sobre a fé católica", do Concilio Vaticano I (1869-1870), onde
vemos ensinada a gratuidade e sobrenaturalidade da Revelação, seu duplo objeto - que é o
mistério de Deus e o de Seus desígnios — bem como sua necessidade (suposta a elevação
do homem à ordem sobrenatural).[3] São referências que devemos ter presentes, mesmo
quando não estão mencionadas expressamente pela Dei Verbum.[4] Assim, para sabermos
o real significado da expressão "Deus invisível", temos de recordar o que o Vaticano I
expos sobre "os mistérios arcanos de Deus... que por sua natureza excedem de tal modo a
capacidade do intelecto criado, a ponto de permanecerem como que encobertos para nós,
mesmo depois da revelação e da fé, enquanto peregrinamos nesta vida".[5]
Há, porém, um progresso com relação ao Vaticano I, e que é uma apresentação mais
unitária do Plano de Deus, na qual percebemos melhor a íntima relação da "Mensagem"
com a "Graça". O Vaticano I dizia que a Elevação do homem ao fim sobrenatural exigia a
Mensagem reveladora, o que não era ainda a formulação mais feliz possível, pois não
evitava a impressão de certo “ensinamento” entre a Revelação — concebida apenas na
categoria de um "ensinamento" — e a História da salvação. Agora, o Vaticano II, ao
associar sempre as "palavras" e as "ações" em seu conceito da Revelação[6], sugere uma
visão mais profunda, na qual ela aparece como o convite efetivo da Elevação sobrenatural,
como a Palavra eficaz que diz e as coisas são feitas. Assim como a "Fiat" primordial
originou as naturezas dos seres e estabeleceu para sempre as leis de sua evolução
proporcionada, a Palavra da divina Automanifestação é o introduzir efetivo do gênero
humano numa estrada nova de possibilidades que, realizadas, o levarão ao consórcio com a
vida e a felicidade do próprio Deus. Não se trata, pois, apenas de umensinamento ditado por
Deus, mas de uma iniciação dos homens no conhecimento e na participação vivencial da
divina intimidade, algo que por si mesmo tende a terminar-se na plena Automanifestação da
Trindade, que é a visão beatifica. Por isso, potencia dos homens para uma vocação superior,
repercutindo neles como uma energia de graça, oferecida ao seu livre consentimento. A
oferta do dom da fé aparece, assim, como algo de absolutamente inseparável dessa Palavra,
como a expressão de sua eficácia criadora, dotada de sua mesma universal extensão.[7] São
aspectos que, sem dúvida, a Teologia há muito soube integrar[8], mas que adquirem nova
projeção numa síntese do Magistério eclesiástico. E até aí vai, segundo nos parece, o
alcance dos textos da Dei Verbum, onde se diz que a Revelação se faz não só por palavras,
mas também por intervenções de Deus, nas quais está como que encarnado o sentido das
palavras.[9]
Dentro dessa perspectiva que associa, assim intimamente, a Palavra divina ao mistério da
elevação e a oferta do dom da fé, aparece ela muito mais do que uma Pregação externa, e
com isso situamos melhor, na universalidade do plano da salvação — coextensivo a todos
as tempos e a todos as homens — o acontecimento, em si limitado, da Pregação profética.
Passamos a ver esta última como a exteriorização culminante, realizada pelos instrumentos
de Deus, de uma Pregação que é antes de tudo uma ação direta de Deus em cada homem,
uma iluminação do Verbo oferecida "a todo homem que vem a este mundo".[14]
Projetamos em nova luz o caráter essencialmente ministerial e por isso mesmo relativo —
apesar de sua imensa importância — de todo o Profetismo, de todo o Kérigma, de todo o
Magistério, bem como a razão por que não sejam estes, por sua vez, coextensivos a todos
os tempos e a todos as homens.[15]
A Revelação começou, por isso, no Paraiso: "desde o inicio" — diz o texto.[20] O pecado
original poderia tê-la encerrado, afastando para sempre a face do Senhor, porque
significava uma recusa do homem ao Deus que o chamava, mas Deus, em Sua misericórdia,
quis manter o primeiro apelo, transformando a mensagem de graça em mensagem de
Redenção, a qual, desde a promessa do Genesis[21], se tornou a grande esperança humana,
talvez exteriormente transmitida, aqui e ali, de geração em geração, mas de qualquer modo
a esperança que acenava interiormente para todos esses milhares de corações que, em
qualquer época e em qualquer lugar, "procuram a salvação".[22]
Ora, vejamos como o tema está desenvolvido na Constituição Dei Verbum. Ela começa por
assinalar um princípio de meridiana evidência e de importância basilar:
"As verdades que Deus revelou para a salvação de todos os povos, Ele benignamente
providenciou a fim de que permanecessem íntegras e fossem transmitidas a todas as
gerações".[31]
É mais uma aplicação do fecundo conceito de Revelação como Lição divina e como divino
Gesto neste mundo. Ou, por outras palavras, é lembrar que a Igreja fundada por Cristo e
sujeito receptor imediato da plenitude da Revelação é uma instituição de Deus e não algo
de apoiado apenas nas falíveis garantias humanas. Ora, se essa Igreja foi instituída coma
uma sociedade ornada de uma estruturação visível e hierárquica, entre cujas funções uma é
de ensinar, então se requer que esse magistério seja um critério tangível da infalível
transmissão das verdades recebidas de Deus: alcançamos, por uma via de conveniências a-
priori, as palavras de Cristo prometendo aos Apóstolos (e seus sucessores até a consumação
dos séculos) uma assistência divina.[32]
Antes, porém, de nos determos na função do Magistério eclesiástico através dos séculos,
temos a questão das duas fontes da Revelação: Escritura e tradição apostólicas orais. Aeste
respeito é sabido que vinha sendo reavivado nos últimos decênios uma controvérsia entre as
teólogos católicos, já esboçada em tempos passados como, por exemplo, por ocasião do
Concilio de Trento. Em oposição à sentença frequentemente encontradiça nos Manuais de
Teologia fundamental (como se fora a expressão mesma do ensinamento do Tridentino) que
sustenta serem Escritura e Tradição duas fontes complementares quanto ao número de
verdades reveladas, vários teólogos vinham defendendo uma tese diversa. Negavam, em
primeiro lugar, que a sentença precedente tivesse sido realmente definida por Trento, e
achavam que a complementaridade da Tradição fosse mais de ordem "qualitativa" ou
"formal" do que "quantitativa" ou "material": a pregação dos Apóstolos, transmitida fora
das Escrituras à memória da Igreja, visou entregar-lhe antes de tudo "o sentido" do texto
sagrado, a "luz" onde as divinas verdades, consignadas todas no texto, aparecem em sua
plena objetividade aos olhos da Igreja.[33]
Em favor desta segunda tese parecem militar várias razões. Inicialmente, o fato de que
todos as dogmas ensinados pela Igreja o tem sido com apoio na Escritura, como se ali
estivessem ao menos na profundidade dos textos. Depois, é fato de que parece ter sido a
tese pacificamente abraçada por nomes eminentes da tradição teológica patrística e
escolástica.[34] Enfim, uma razão teórica, a da dignidade da Sagrada Escritura: se o
Espirito Santo quis suscitar um livro, durante a transmissão da Revelação, e até mesmo
inspirá-lo ao ser redigido, será necessário julgá-lo mais que uma coletânea de escritos
ocasionais e sim um monumento útil para a orientação da Igreja através dos tempos,
contendo, pois, ao menos a total substância da Mensagem.[35]
Ora, porque partilhavam estes modos de ver, numerosos bispos protestaram, no Concilio,
contra o primeiro dos esquemas trazidos A aula conciliar sobre "as duas fontes da
Revelação", em 1962, e foi por esta razão que o Papa Joao XXIII ordenou uma
reelaboração do texto por nova Comissão, onde estivessem representados todos os pontos
de vista.[37] Através das respostas dadas, a partir de então, às sugestões dos conciliares das
duas tendências, manifestava-se o propósito de fazer abstração do problema no texto da
Constituição.[38] Em atenção, porém, a um desejo expresso do Sumo Pontífice, foi ele
abordado, mas em termos tão moderados que permanece ainda aberto As duas teses
católicas:
“Não é da Escritura apenas que a Igreja consegue sua certeza a respeito de tudo que foi
revelado. Por isso ambas (Escritura e Tradição) devem ser recebidas e veneradas com igual
sentimento de piedade e reverencia".[39]
Pode-se, pois, entender de modo diverso essa complementação da Tradição oral apostólica,
mas tem ela de ser afirmada no nível mesmo da Revelação[40], como já o dissera o
Concílio de Trento e como a própria Sagrada Escritura o diz com bastante clareza:
"Assim, irmãos, ficai firmes e conservai as tradições que de nós aprendestes, seja por
palavras, seja por carta nossa".[41]
Quer-nos parecer, todavia, que a Constituição poderia ter sido mais clara no determinar a
diferença de sentidos em que as vezes toma a palavra "Tradição". O leitor desprevenido não
sei se perceberá que no texto uma coisa é a "Tradição" enquanto significa a transmissão —
feita por Cristo ou pelos Apóstolo — da totalidade do Depósito, de modo oral ou
escrito[42]; outra coisa é a "Tradição" enquanto a transmissão feita pelos Apóstolos de
modo oral e contradistinto da Escritura[43]; outra coisa é a transmissão feita posteriormente
na vida da Igreja através do Magistério (com diversos graus de assistência divina) ou
através da vivencia dos fiéis.[44] Ora, são as confusões nesse campo uma das principais
dificuldades para o diálogo ecumênico.[45] Os protestantes, não raro, julgam que
simplesmente identificamos o conceito de "Tradição apostólica" (2o sentido) com o de
"Tradição magisterial da Igreja" (3o sentido). Pensam então que atribuímos ao Magistério
(ou ao "senso dos fiéis") a prerrogativa de ser a Palavra reveladora de Deus (quando na
verdade só o consideramos "palavra da Igreja", divinamente assistida, sem dúvida, e
portanto infalível, mas infalível no testemunhar, no interpretar a Palavra reveladora
recebida, uma vez por todas, na era apostólica). Daí o temor de que a Igreja Católica venha
a proclamar "novos" dogmas, que sejam, objetivamente, acréscimos à Revelação já
concluída com o Cristo Jesus e com a morte dos Apóstolos, suas testemunhas privilegiadas.
[46]
É sabido que o capítulo II da Constituição Dei Verbum foi objeto de uma redação
cuidadosa e esteve alerta a esse problema, mas podemos perguntar-nos se conseguiu ser
suficientemente claro nos parágrafos sobre a “Tradição”. A nosso ver não deixa ainda
bastante nítidos os limites entre o conceito de "Tradição" enquanto ela se situa no nível da
Revelação objetiva e enquanto se situa no nível do conhecimento subjetivo das verdades
reveladas: só neste segundo caso se pode dizer que ela “progride na Igreja”.[47] Trata-se,
contudo, de defeito no modo de redigir, que se torna compensado pela leitura do conjunto
do capítulo, em cujos últimos parágrafos vem afirmada de modo inequívoco a dependência
do Magistério eclesiástico com relação A Palavra de Deus, (que lhe compete apenas
"transmitir") — e essa Palavra é, segundo a totalidade do contexto, a que encontrou sua
plenitude na revelação de Cristo.
De grande importância para o diálogo ecumênico é o ângulo básico em que todo o capítulo
II considera a questão das fontes da Revelação. Ele atribui tanto à Escritura como à Pre-
gação apostólica um lugar relativo e subordinado diante daquilo que é designado como
verdadeiramente a "fonte" da Revelação: o Evangelho de Jesus. O Concílio de Trento já
fizera essa mesma colocação, num texto que, sob este prisma, poderia ter sido bem mais
explorado na teologia e na pastoral.[48] A fonte onde haurimos toda a Revelação, a
realidade primordial, o "Absoluto" em matéria de Revelação, éaquilo que foi prometido
pelos Profetas e que depois os Apóstolos proclamaram: o “Evangelho” de Jesus. Por esta
expressão entende-se o ensinamento de sua boca e, mais, todo o gesto de sua vida, pelo
qual ele Eis a realidade A qual convém propriamente o nome de "fonte da verdade
salutífera e da disciplina moral".[49]
A Escritura e a Tradição surgem, assim, perfeitamente focalizadas em seu lugar, que é mais
o de dois canais do que de duas fontes, através dos quais os homens recebem a Palavra de
Deus. Portanto, não os absolutizemos, não os consideremos independentemente do
Acontecimento polar da Economia divina, que foi a presença e a atuação de Cristo na
História; não os consideremos fora do quadro eclesial onde Cristo (e o Espírito de Cristo)
os suscitou. O Cristianismo não é somente uma Mensagem ou Epístola de Deus à
humanidade, cujo compêndio possa estar, portanto, exaustivamente encerrado num Livro. É
a religião de uma Palavra que se fez carne antes de se fazer Mensagem ou Livro; que se
tornou fermento atuante na História antes de lhe entregar a posse de sua Mensagem — e
isso pode significar que tenha criado condicionamentos especiais para sua transmissão e
interpretação. No diálogo, pois, com os protestantes haveremos de fazer-lhe ver como em
seuempenho em distinguir tão adequadamente entre a Palavra de Deus (que eles identificam
simplesmente com a Palavra bíblica) e a Igreja (a "aluna"- da Escritura, coma diria Barth)
estão no fundo omitindo de considerar milagre de um influxo impresso pelo Cristo nessa
Igreja, que ele fundou para ser não só a "aluna" da Palavra bíblica; mas seu “habitat” nativo
— porque sede do mesmo Espírito que também impregna a Letra. Estão no fundo,
conceituando de um modo puramente “associacionista” a Igreja, como se ela fosse somente
um conjunto de fiéis — isto é, de vozes humanas e falíveis — e não o “sacramento”; o
“mistério”, o lugar onde Cristo continua operando através de seu Espírito.[50] No ponto de
vista católico; a Escritura não pode ser adequadamente distinta da Igreja. Ela é um
elemento- de sua constituição.[51] Deus a quis como uma cristalização, como uma nova
"encarnação" de Sua Palavra, que surgisse; na infância daIgreja para nela se perpetuar
como um elemento inamissível. Fora da Igreja, a Escritura é letra morta, letra. sem o
Espírito. Só se torna Palavra do Deus vivo no momento em que se torna iluminada pelo
Espírito que Cristo entregou como o Hóspede de sua Igreja: Desde então, passa a ser
Mestra da Igreja, porque voz do-Espírito, voz de Cristo, voz do Esposo, voz à qual a Igreja
deve seu existir e por isso a norma de seu evoluir. É a doutrina que está subjacente ao no 10
da Constituição, com qual se encerra o capítulo II: Tradição, Escritura e Magistério
intimamente entrelaçados enquanto fecundados pelo Espírito Santo, que visa realizar, por
estes instrumentos, Seu desígnio do “Povo .de Deus”.
A Sagrada Escritura
O fato, porém, de Deus ser dito Autor da Bíblia não exclui que também os homens possam
ser ditos "verdadeiros autores"[54]: "Deus se utilizou de homens sem lhes tirar ouso das
próprias capacidades e faculdades", enunciado este que resume o que se pode ler nas
encíclicas "Spiritus Paraclitus", de Bento XV, e “Divino Afflante Spiritu” de Pio XII[55],
frequentes vezes citadas nesses capítulos juntamente com a “Providentissimus”, de Leão
XIII, e que até agora constituíram os grandes baluartes domovimento Bíblico Moderno.
Essa doutrina exclui que a inspiração tenha consistido num "ditado", quer de palavras, quer
de imagens, ou mesmo que-esteja comprometida em todo e qualquer "conceito" utilizado
pelos hagiógrafos em suas afirmações.[56] Daí resulta que podemos encontrar, a serviço
das afirmações divinas, todo um universo cultural de representações, que é de origem
puramente humana, e que não há de cair sob a inerrância bíblica. Estamos diante desse
aspecto da divina "condescendência", de que fala o no 13 da Constituição, e que imita a
Encarnação do Verbo pessoal na fraqueza da nossa natureza humana.
O documento não propõe, além disso, nenhuma teoria para elucidar a Colaboração do
Autordivino e dos autores humanos. É mais sóbrio do que a encíclica Providentissimus que
a este respeito assume e desenvolve a teoria de Santo Tomás sobre a “profecia” dentro da
categoria da instrumentalidade.[57] Segundo Leão XIII, a assistência do Espírito Santo
levou os escritores a “conceberem exatamente” (“rectemente conciperent”) o que deviam
redigir, asserção que, para alguns autores, opõe dificuldade à doutrina de um "sentido
pleno" nas Escrituras, capaz de ser ignorado do autor humano e conhecido apenas de Deus.
[58] Adiante veremos que, a Constituição, embora nada digaexpressamente sobre esse
“sentido pleno”, também não lhe estabelece nenhuma dificuldade preliminar, antes parece
supô-lo.
Da inspiração decorre a inerrância de todo o conteúdo que Deus “quis consignar em vista
de nossa salvação”.[59] Temos aqui uma formulação da inerrância em termos menos
absolutos do que os encontrados nos esquemas preparatórios.[60] É verdade absolutamente
isenta de erro a que interessa nossa salvação. Não se nega, pois, que possam existir
deficiências e até erros no domínio de observações da ciência natural ou de notícias
históricas.[61] [Nota do Site: Nesse domínio recusamos a interpretação do autor e
indicamos ao leitor o seguinte estudo, mais recente e seguro sobre o tema da inerrância da
Bíblia: Acerca da verdade contida na Sagrada Escritura - Gonzalo Aranda Perez]. Isso não
significa limitar a inerrância bíblica apenas aos dados de índole religiosa ou moral — teoria
preconizada no século passado por vários autores, mas rejeitada pelo magistério
eclesiástico.[62] (Teoria, aliás, que não resolve todas as dificuldades, porque mesmo na
ordem moral existem na Bíblia asserções deficientes ou superadas pelo Evangelho, como
por exemplo os Salmos de maldição).
A inerrância se restringe, assim, não só a temas religiosos ou morais, mas aquilo que nas
afirmações bíblicas diz respeito à salvação humana sobrenatural. Já Santo Agostinho dizia:
"O Espírito de Deus, que falou pelos escritores sagrados, não quis instruir os homens no
que não interessava a sua salvação".[63] Santo Tomás várias vezes ensinou que a Escritura
costuma falar "segundo as aparências sensíveis".[64] Leão XIII escreveu mesmo que este
princípio pode ser aplicado inclusive no domínio dos temas históricos.[65] É verdade que
aqui é preciso ter grande cautela, pois quando alguns autores pretenderam fazer uma
aplicação genérica do princípio das "aparências" no campo das narrativas históricas da
Bíblia, o Papa Bento XV advertiu contra esse abuso fácil de ser feito à doutrina de Leão
XIII.[66] E a razão éque a revelação judeu-cristã está intimamente ligada à história, ela
éuma "História Sagrada", de modo que uma "des-historicização" simplesmente a esvazia.
No esquema anterior ao texto definitivo da Dei Verbum lia-se que a Escritura ensina, sem
erros, "a verdade salutar". No texto definitivo lemos: "a verdade que Deus quis consignar
por causa de nossa salvação". A modificação é mais de linguagem do que de sentido, tendo
sido feita para serem evitados possíveis desvios deinterpretação, mas mantém o conceito
restritivo de inerrância, de que falamos[67], cujo significado preciso é o indicado na citação
de Santo Tomás, acrescentada em nota, onde o Santo Doutor inquire “se a profecia diz
respeito às conclusões do saber (humano)”. É o seguinte o teor dessa magnífica citação:
"Respondo dizendo que em tudo aquilo que existe em função de um fim, a determinação da
matéria se faz segundo a exigência do fim, conforme diz o Filósofo (II Phys.). Ora, o dom
da profecia é concedido para a utilidade da Igreja, conforme ensina o Apóstolo (2 Cor 12).
Logo, tudo aquilo cujo conhecimento pode ser útil à salvação é matéria de profecia, sejam
coisas passadas ou futuras, eternas, necessárias ou contingentes. Tudo aquilo, porém, que
não pode pertencer à salvação éestranho à profecia..., por isso, as palavras de João 16,13:
"Quando vier o Espírito da verdade, Ele vos ensinará toda a verdade", a glosa acrescentou:
"necessária à salvação". Ora, necessário à salvação é o que é necessário à instrução da fé ou
à informação dos costumes. Mas muitas coisas que são demonstradas na ciência podem ser
úteis a isso; como, por exemplo, a incorruptibilidade do intelecto, ou aquilo que, con-
siderado nas criaturas, induz à admiração da divina sabedoria e do divino poder; eis por que
também são mencionados na Sagrada Escritura".[68]
Com estas palavras, a Constituição não pode deixar de abrir a perspectiva do chamado
"sentido pleno", embora conste pelo relatório da Comissão teológica que não haja o
propósito de ensinar formalmente a existência desse sentido.[71] Há teólogos e exegetas
que o negam, julgando-o incompatível com a doutrina da instrumentalidade da inspiração,
instrumentalidade essa que, exercendo-se em toda a extensão dos Livros sagrados, não nos
permitiria abstrair da participação dos autores humanos sequer um conceito.[72] A maioria
dos modernos autores, ao contrário, diz que o fato mesmo do hagiógrafo ser instrumento
nos força a admitir que sua obra atinge efeitos superiores ao alcance de sua cooperação,
conforme as palavras de Santo Tomas: Por isso que a mente do profeta é instrumento
deficiente, até mesmo os verdadeiros profetas não conhecem tudo o que, mediante suas
visões, suas palavras ou seus gestos, está na intenção do Espírito Santo”.[73] Também a
doutrina de Pio XII, expressa na Divino Afflante Spiritu[74] e principalmente na bula
Munificentissimus Deus[75] supõe, a existência objetiva de um "sentido pleno", distinto de
qualquer alegorização subjetiva.
Várias expressões dessa Instrução encontramos retomadas pela Dei Verbum, no no 19. A
historicidade dos Evangelhos não pode ser posta em questão[77], mas isto não significa que
seu gênero literário seja, simplesmente falando, o "gênero histórico", porquanto eles foram
redigidos sob a luz da compreensão mais plena que os Apóstolos tiveram em Pentecostes,
de tudo o que o Senhor fizera e dissera; e porque os hagiógrafos "escolheram" certas coisas,
"sintetizaram" outras, ou as explanaram "com vistas à situação das igrejas", ou ainda as
"proclamaram" ("formam praeconii retinentes"). Sempre, porém, transmitindo "verdades
autênticas a respeito de Jesus ("vera et sincera de Iesu"), pois esta foi sua expressa intenção.
Escritura e Vida
Na base o que está em jogo, mais uma vez, é o fato de ser a Revelação cristã uma irrupção
de Deus na História não só por sua Mensagem, mas também por sua Ação. E se aquela
encontra na Vida da Igreja (enquanto se prolonga pelos séculos distribuindo à humanidade
os dons da Redenção), sua culminante manifestação na Escritura, esta se exprime nos
Sacramentos e, de modo particular, na Eucaristia, prolongamento da Presença e da Açãodo
Senhor.
Juntamente com a Tradição, a Escritura é a suprema regra da fé”[79], e cabe-lhe, de modo
especial, o título de “palavra de Deus"[80], porque é seu canal "inspirado". Nela ressoa,
pois, a "voz do Espírito Santo", nela vem carinhosamente dialogar com seus filhos "o Pai
que está nos céus"- ("Pater occurrit"). Aplicam-se-lhe, por isso, os adjetivos que os
Apóstolos atribuíram de modo absoluto, à Palavra de Deus: "viva eficaz"; "poderosa para
santificar".[81]
Devendo ser franqueado seu acesso à totalidade dos fiéis, o Concílio deseja multipliquem-
se as "versões adequadas e corretas, principalmentedos textos primitivos dos livros
sagrados”[82] e até — a critério da autoridade eclesiástica — em edições comuns com os
irmãos separados.
Sejam esses estudos "como que aalma", da Teologia, bem corno da pregação, da catequese
e de, toda instrução cristã (retiros, conferencias espirituais, etc.), principalmente da homilia
litúrgica.
Recomenda-se, assim, aos clérigos, sobretudo aos sacerdotes e outros que, como diáconos e
catequistas, se consagram ao ministério da palavra, a “leitura assídua” e o “minucioso
estudo” dessa palavra .que pregariam em vãose não a escutassem pessoalmente no interior
de si mesmos. Exortam-se, igualmente os demais fiéis, especialmente os Religiosos, a que
vão aos próprios textos sagrados; seja mediante a participação da Liturgia, seja mediante a
leitura pessoal e a frequência a cursos apropriados, seja enfim pela oração. Referindo-se a
esta, a Constituição evoca aquele hábito que na espiritualidade monástica se chama a
"lectio divina", a leitura meditativa que—conduz oração, ou antes que já éfeita como uma
oração, e na qual o fiel procura encontrar com a inteligência e com toda a alma, a
mensagem que a Palavra de Deus dirige à sua pessoa em particular: "com Ele falamos
quando rezamos, a Ele escutamos quando lemos", diz o, texto. Dialogo, pois, conversação
com Deus, e assim, eminente modo de orar. Supõe-se nisto, com toda a Tradição, existir na
profundidade da Escritura (pelo fato de que é a Palavra divina dirigida a todos os homens)
um sentido "espiritual" que não é só o das figuras e tipos a respeito do Povo de Deus em
seu conjunto, mas esse de uma mensagem moral especifica para cada fiel.
[2] O 1o. esquema, que se chamou "De fontibus revelationis", foi discutido na 1a. Sessão
do Concilio (1962). A maioria dos conciliares o rejeitou num sufrágio que, não tendo
atingido dois terços, foi pessoalmente corroborado pelo Papa Joao XXIII (dia 21-11-1962),
o qual ordenou que fosse refundido por uma Comissão mista, composta da Teológica e do
Secretariado para a União dos cristãos. Surgiu assim, durante o período intersecional, um
2° esquema, que foi enviado aos Bispos (maio de 1963) a fim de o examinarem e enviarem
suas impressões à Comissão. Cerca de 300 Bispos, que se manifestaram, louvaram algum
progresso, mas mantiveram em geral fortes criticas. Em marco de 1964, foi constituída uma
Subcomissão especial para rever o esquema, a qual elaborou um 3o. ensaio. Em outubro
seguinte (3a. Sessão conciliar) foi este discutido na aula de São Pedro, sendo
substancialmente aprovado, mas com a proposição de várias modificações. Assimiladas
estas ao esquema, resultou em um 4o. texto, que foi votado por partes (20-22/9/1965),
recebendo ainda sugestões em numerosos "placet iuxta modum", de sorte que foi preciso
proceder-se a um 5o. texto, o qual foi votado (20-22/10) e solenemente promulgado a 18-
11-65. Cf. M. Zerwick, S.J., "De S. Scriptura in Constitutione dogmatica Dei Verbum", em
Verbum Domini 44 (1966), 17-42. Para maiores detalhes veja-se, por exemplo, Fr.
Boaventura Kloppenburg, O.F.M., Concilio Vaticano II, vol.IIe vol. IV, Petrópolis, 1962-
1965; idem, "A IV e Última Sessão do Vaticano II", REB (1965), p. 446.
[4] Menções expressas nos números 5 e 6 da Dei Verbum (DV), sobre a fé, o mistério da
salvação e a relativamente necessária revelação de certas verdades da ordem natural. Veja-
se o que diz o Proêmio.
[8] Note-se que não nos referimos a integração "quoad se", postulada a-priori pela
simplicidade da ação divina, mas à que vem postulada pela lógica inerente a seus elementos
manifestativos, enquanto considerados "quoad nos".
[11] LG, 8.
[13] Rom 16,25; 1 Cor 2,7; Ef 5,32; Col 1,26 s; Ef 1,9; 3$; etc.
[14] Jo 1,9. Cf. S. Tomás: "A Revelação se faz por meio de certa luz interior e inteligível,
que eleva a mente para que esta perceba aquilo que, por sua luz natural, o intelecto não
pode atingir": Contra Gentes III, cap. 135.
[18] Cf. Santo Tomás, C. G. III, cap. 153: "O movimento pelo qual a graça nos dirige ao
fim último é voluntário, não violento... ora, para ser voluntário, precisa ser conhecido; logo,
é necessário que a graça nos proporcione um conhecimento do fim último para que nos
possamos endereçar para ele"
[19] Contra o jansenismo, a sentença da teologia católica foi sempre a de que a vontade
salvífica universal de Deus se traduz concretamente na oferta de graças, pelo menos
suficientes, de salvação, a todos os homens. Já antes, S. Tomás: "O efeito dessa vontade e
a própria ordenação da natureza para o fim salutar e a oferta de todas as coisas, tanto
naturais como gratuitas, que promovem na direção do fim": In Sent. 1, d 46, q 1, a 1. É a
mesma doutrina que está mais ou menos explícita nos grandes textos do Vaticano II sobre a
ordenação de todos os homens ao Povo de Deus: LG, 16; Ad Gentes, 3; Nostra Aetate, 2;
etc.
[20] DV, 3.
[22] DV, 3.
[23] Propondo Cristo como consumador da Revelação, a Comissão teológica achou não
precisar afirmar explicitamente que com a morte do último Apóstolo "a Revelação se
encerrou", como alguns conciliares haviam solicitado: cf. B. Kloppenburg, "A IV e
Última...", p. 445
[24] Jo 3,34.
[26] DV, 5.
[29] Entre os teólogos protestantes recentes encontramos não raro uma atenuação do
principio da "Sola Scriptura", que talvez exprima a mente, na verdade, dos primeiros
Reformadores. Não nos referimos só ao fato de que reconhecem a necessidade de ser a
Escritura lida dentro das Igrejas e com a ausculta de toda a série multissecular da
"Tradição": desprezar a Tradição seria como "desonrar pai e mãe" (Barth); ainda assim,
contudo, sendo a Tradição uma autoridade humana e não celeste, haveria de ser mensurada
finalmente conforme o conhecimento que cada um tivesse da Escritura, sob a luz do
Espirito Santo. A atenuação, porém, mais importante, de que falávamos, consiste na
tornada de consciência de que o valor decisivo da Escritura não é propriamente o de ser ela
a Palavra de Deus escrita, mas simplesmente a Palavra de Deus (cf. o artigo "Tradition", de
G. Ebeling, na enciclopédia protestante Die Religion in Geschichte und Gegenwart, 4a. ed.,
t. VI, cadernos 31-36 (1962), col. 966 984: "Quand les Reformateurs parlent de la Sola
Scriptura, l'accent ne se place pas sur la Schriftlichkeit...", citado por J. Dupont, O.S.B.,
"Ecriture et Tradition", Nouvelle Revue Theologigue (1963), 337-356; 449-468: ver p. 342.
Daí certa abertura para a perspectiva de uma "Tradição primitiva" que, sendo também
Palavra de Deus, viesse a constituir princípio normativo da fé, se eventualmente pudesse
ser comprovada. A dificuldade quanto à doutrina católica se deslocaria então para o terreno
do modo como comprovar uma "Tradição apostólica". O maior dos equívocos protestantes
consiste em supor que para os católicos a Igreja — enquanto "coetus hominum fidelium" —
esteja acima da Palavra de Deus ou ao menos no mesmo nível que essa Palavra, isto é, que
o próprio Senhor. No fundo pensam que erigimos o "Magistério" eclesiástico ou as
veneráveis "tradições humanas" em fontes da Palavra de Deus, quando na verdade situamos
essas entidades no plano apenas de intérpretes da Palavra, a qual professamos estar na
Pregação apostólica e na Bíblia.
[30] Dz 783.
[31] DV, 7.
[33] Defendendo este modo de ver escreveram, por exemplo: Y. M.-J.Congar, La Tradition
et les traditions. Essai historique. Essai theologigue. 2 vols., Paris 1960-63; H. Holstein, La
Tradition dons l'Eglise, Paris 1960; J. R. Geiselmann, Die Heilige Schrift und die Tradition.
Zu den neueren Kontroversen fiber das Verhaeltnis der Heiligen Schrift zu den
nichtgeschriebenen Traditionen, Friburgo/Br. 1962. Sustentando, ao contrário, a sentença
da insuficiência material da Escritura, como sendo a doutrina de Trento, escreveram H.
Lennerz, em Gregorianum (1959), 38-53; 624-635; (1961), 517-522; J. Beumer, em
Scholastik (1959), 249-258; (1960), 342-362; (1962), 222-226; etc.
[35] Cf. P. Rusc h, "De non definienda illimitata insufficientia materiali Scripturae", em
Zeitschrift fur katholische Theologie (1964), 1-15.
[36] Cf. DV, 8: "Pela mesma Tradição torna-se conhecido à Igreja o cânon completo dos
livros sagrados". Nem todos os autores achariam, porém, que o cânon deva ser dito uma
verdade conhecida pela Revelação, podendo ser considerado simplesmente o objeto de uma
declaração infalível do magistério eclesiástico: cf. B. Brinkmann, SJ., "Insoiation und
Kanonizitat der Heitigen Schrift in ihrem Verhaeltnis zur Kirche", em SchoIastik (1958),
208-233.
[38] Veja-se, por exemplo, a justificativa dada pela Comissão à frase do n° 8, onde se diz
estar a pregação apostólica "speciali modo" expressa nos livros inspirados: "Ad
praecavendam quaestionem de sufficientia materiali S. Scripturae, et insimul ad
affirmandam praecellentiam ipsius, utpote quae non tantum verbum Dei contineat, sed sit
verbum Dei, dicitur simpliciter quod praedicatio apostolica in libris inspiratis special' modo
exprimitur": Cf. M. Zerwick, art. cit., p. 21
[39] DV, 9. Sobre a intervenção do Papa Paulo V1, mediante carta dirigida a Comissão
Teológica no dia 18-10-65, pode-se ler a noticia da Revista Eclesiástica Brasileira (1966),
383-385.
[40] Cf. ainda DV, 10: "A Sagrada Tradição e a S. Escritura constituem um só depósito da
palavra de Deus".
[41] 2 Tess 2,15, citada na DV, 8, bem como Jud 3. Outros textos: 2 Tess 3,6; 2 Tim 2,2;
Mt 28,19s; Mc 16,15s; Jo 14,16-26; At 1,8; 10,39-42.
[42] DV, 7; 8: "Unde Apostoli, tradentes... fideles monent ut teneant traditiones quas sive
per sermonem sive per epistulam didicerint". "Quod vero ab Apostolis traditum est, ea
omnia complecitur quae ad Populi Dei vitam... conferunt"
[44] DV, 9: "Haec quae est ab Apostolis traditio... proficit... turn ex contemplatione et
studio credentium... turn ex intima spiritualium rerum quam experiuntur inteltigentia, turn
ex praeconio eorum qui cumepiscopatus successione charisma veritatis certum acceperunt".
Assim, mais adiante, não saberíamos dizer que "Tradição" seja essa pela qual "integer
Sacrorum Librorum canon Ecclesiae innotescit": cf. supra, nota 36. Sobre os vários sentidos
do conceito de "Tradição", ver Charles Journet, "Dépôt divinement révélé et Magistère
divinement assisté", em Nova et Vetera (1950), 294-301; idem, Message révélé, Friburgo
1964: ver a diferença entre o "magistério declarativo" — ao qual é prometida uma
assistência absoluta e infalível, e o "magistério canônico", ao qual não é prometida senão
uma assistência prudencial, cujas luzes vão diminuindo à medida que se faz a aproximação
do mundo da mobilidade e da contingência: pp. 63-67.
[47] DV, 8.
[48] Dz 783. Dom Jacques Dupont, O.S.B., mostra excelentemente a importância dêsse
texto no diálogo ecumênico, em seu artigo, "Ecriture et Tradition", NRT (1964), 337-356;
449-468: "Au lieu de juxtaposer deux réalités que les Réformateurs opposaient l'une à
l'autre, le Concile les situe par repport à une troisième: l’Evangile, dont on ne veut que
sauvegarder la pureté" (p. 345).
[50] Veja a este respeito, Y, M-J Congar; O.P. “Sainte Ecriture et Sainte Eglise”, Rév. Sc.
Phil. Théol. (1960), 81-8a: "On ne peut unir organiquement à l'Ecriture qu'une Eglise qui
soit mystère sacramentel, Corps du Christ, Epouse, Temple du Saint-Esprit; si l'Eglise n'est
plus que “collection fidelium”, elle est bien proche d'être toute humaine, faillible, et de
n'exister comme Eglise de Dieu que par sa soumission à action de sa Parole” (p. 86).
[51] Este tema é desenvolvido por Karl Rahner, S.J., com sua habitual originalidade, em
Ueber die Schriftinspiration, Herder 1958, cf.também Missão e Graça, tr., Vozes 1965; 3o
vol., p. 176.s.
[52] Dz 1787.
[56] Desde, é claro, que não se trate formalissimamente do sujeito epredicado das
afirmações, pois a verdade destas desapareceria se desaparecesse o valor das noções sobre
as quais repousa.
[58] Por isso, o “sentido pleno” só pode ser conhecido à luz de nova revelação na Nova
Economia.
[61] Cf., a propósito, a intervenção do Cardeal Fr. Koenig, Arcebispo de Viena, durante a
3a Sessão conciliar: em B. Kloppenburg, Concilio Vaticano II, vol. IV, p. 108 s.
[62] Cf. J. Triquet, "Lenormant (François)", no Dict. Bible Supplément, col. 354-359; Y.
Laurent, "Le caractère historique de Gen. II-III, dans l'exégèse française au tournant du
XIXe siècle", em Ephem. Theol. Lovan. (1947), 36-39.
[63] De Genesi ad litteram 2, 920 (PL 34, 270s).
[66] Encicl. Spiritus Paraclittis,1B, 456; cf. Robert-Feuillet, Introduction la Bible, Desclée,
1959, I, p. 65.
[67]A explicação dada pela Comissão teológica à expressão "veritas salutaris" foi a
seguinte: "Voce salutaris nullemodo suggeritur Sacram Scripturam non esse integraliter
irtspiratam et verbum Dei... Haec expressio nullam intendit materialem limitationem
veritatis Scripturae, sed indicat eius specificationem formalem, cuiusratio habeatur in
diiudicando quo sensu quae in Scriptura assnmuntur sont vera". Atendendo à solicitação
dos opositores da expressão, o Papa Paulo VI escreveu à Comissão uma carta pedindo que
fosse reconsiderada a conveniência de ser omitida do texto, principalmente por não ser
ainda doutrina comum. A Comissão, entretanto, preferiu retê-la, modificando apenas seu
teor verbal para evitar abusos de interpretação e considerar a sugestão do Sumo Pontífice.
Cf. P. Grelot, "La Constitution…”Etudes' (1966), p. 239; Rev. Ed. Bras. (1966), 383-386:
"Três intervenções...”.
[69] DV, 12
[72] Assim, por exemplo, G. Courtade, "Les Ecritures ont-elles un sens plénier?" Rech. Sc.
Rel. (1950), 481-499; C. Spicq, O.P., "L'Ecriture et S. Thomas", Bulletin Thomiste, 1947-
1953, t VIII, pp. 220-221."
[73] Summa, II-11, q. 173, a. 4. Cf. as observações de M. Labour-dett e, O.P., "Théologie
morale", na Rev. Thom. (1950), 414-421.
[74] EB, 553: o Papa fala de "um sentido espiritual, intencionado e ordenado por Deus": cf.
M. Braun, O.P., "Le sens plénier et les encycliques", Rev. Thom. (1951), 294-304. Não
todos concordam, entretanto, que esse "sentido espiritual" seja outra coisa que o "sentido tí-
pico", nestas palavras de Pio XII.
[75] Cf. J. Coppens, "Les divers sens des saintes Ecritures"; Nouv. Rev. Théol. (1952), 3-
21.
[76] O texto encontra-se na REB 1964, pp. 483-487 e, no original latino, em Bíblica, 63.
[77] Bem diz M. Zerwick: "Si revera ageretur de evangeliorum histo-ricitate simpliciler,
ipsa religio christiana in summo esset periculo. Rerum condicio autem valde dissimilis est,
si solummodo agitur de genere historicitatis quod lifterario generi Evangeliorum ex
ipsorum testimonio videtur adscribendum esse" (art. cit., p. 38).
[79] DV, 21
[80] DV 9, 21, 24.
[82] DV, 22
[83] DV, 23
FONTE: Revista Eclesiástica Brasileira, vol. XXVI, ano 1966, págs 816-837.
PARA CITAR
O que é?
REVELAR é remover um véu, isto é, fazer conhecer algo obscuro, oculto ou desconhecido.
O homem pode revelar o que sabe. Deus pode revelar tudo o que quiser deixar conhecido.
A REVELAÇÃO DIVINA é a manifestação de Deus feita para nós de uma verdade que
ilumine as nossas mentes de uma forma sobrenatural (S. Th. 2,2 q. 173 a. 3).
Com esta iluminação da mente, Deus nos comunica a verdade. Ele nos fala não apenas
colocando conceitos na mente humana ou atingindo exteriormente nossos sentidos, mas
também julgando com a luz divina conceitos que são apreendidos naturalmente.
Supera:
A) A essência. Posto que Deus quis dar-lhe a existência, o homem na sua essência, isto é,
naquilo que é, tem direito aos bens inerentes à sua natureza humana (alma e corpo), mas
não tem direito de ter em si uma vida divina, como a revelação lhe promete.
C) As forças. A simples razão humana pode conhecer as coisas divinas de uma forma muito
limitada. Entretanto, com a revelação qualquer um conhece coisas que antes lhe eram
desconhecidas e que então compreende, e outras coisas – os mistérios – dos quais não
compreende a profundidade e a íntima substância, mas que, pela palavra de Deus, conhece
pelo menos de algum modo.
Assim também nos meios para atingir seu fim sobrenatural, a natureza humana não tem
forças suficientes, mas as encontra no que lhe dá a revelação.
A revelação se diz PÚBLICA quando é dirigida ao bem de todos homens, como aquela
feita por meio dos patriarcas, dos profetas, e, finalmente, por meio de Jesus Cristo. Diz-se
PARTICULAR quando é dirigida ao indivíduo, ainda que para o bem de muitos, como as
revelações feitas a alguns santos.
Diz-se IMEDIATA quando Deus se revela diretamente por si ou por um anjo sem a
assistência de um homem; diz-se MEDIATA quando nos manifesta a verdade por meio de
um homem, como se fez através dos profetas (de modo mais exato, também seria mediada
quando Deus usa o ministério de um anjo, mas aqui nós preferimos esta divisão da
revelação feita diretamente do alto a partir daquela entregue por um homem, a quem Deus
falou ou um ser enviado por Deus).
Cada tese que tentaremos demonstrar tem uma conexão lógica com as outras. A verdade
religiosa se apresenta como um edifício harmonioso em todas suas partes e uma não pode
estar sem a outra.
Cada tese, no entanto, é diretamente contra os erros e por isso é necessário conhecê-los para
que nos apareça seu sofisma e inconsistência frente à beleza e à verdade do ensinamento
católico. Por isso, exporemos brevemente cada um tratado. Assim, a força da argumentação
contra eles se destacará melhor.
A) PSEUDOSSOBRENATURALISMO
No princípio era “a Palavra” (Jo 1:1), isto é, a Revelação. Sem esta “Palavra”, não seria
possível nenhum conhecimento acerca de Deus. Por isso, Deus a comunicou a Adão e foi
transmitida até nós. Lamennais, um dos principais autores desta teoria (+ 1854), que se
manteve, diferentemente de outros como De Bonal (+ 1840), Bautain (+ 1867), Bonnety (+
1789), Ventura (+ 1861), que se submeteram e retrataram o erro depois da condenação da
Igreja, considera a razão individual incapaz de chegar ao conhecimento natural de Deus.
Entretanto, vê no consenso geral de todos povos uma confirmação da revelação à ideia de
Deus. Este tradicionalismo rígido foi condenado pela Igreja (D.B. 1617).
Enquanto se mantêm dentro desses limites, desde que não afirmem que a revelação seja
absolutamente necessária para alcançar o conhecimento natural de Deus (caso que seria
contra o Concílio Vaticano I), não se opõem ao ensinamento católico. Ademais, é fácil
distinguir se de fato traços da Revelação alcançaram todas as nações. Se por acaso não
tivesse chegado a ninguém nada desta revelação, seria possível chegar ao conhecimento
natural de Deus apenas com a razão.
Este erro de protestantes antigos foi reproposto e recolocado novamente em nossos dias
com o existencialismo de Severino Kierkegaard e com a teologia dialética de Carlos Barth.
Com grande desconfiança nas forças da inteligência humana, desconfia-se das provas
racionais do Cristianismo, ou, pelo menos, tenta-se reduzi-las ao mínimo. Alguns católicos
também sentiram o influxo dessas teorias. Daí a referência da encíclica “Humani Generis”
(1950), que reafirma a possibilidade de “provar com certeza a origem divina da religião
cristã com a única luz da razão” e que acusa de erros aqueles que “não aceitam o caráter
racional dos sinais de credibilidade da fé cristã.”
B) NATURALISMO ABSOLUTO
b) Agnosticismo kantiano, segundo o qual a única realidade objetiva para nós é o fenômeno
(aquilo que aparece) que impressiona os nossos sentidos; a coisa em si (o númeno, aquilo
que a coisa é) nos escapa e a razão a substitui com as suas formas, como Kant as chama:
categorias a priori, que são subjetivas, isto é, antecedentes, independentes da experiência e
inatas. Muito menos podemos com razão atingir a Deus, que transcende toda a natureza.
Kant diz: tenho a ideia de Deus, mas não posso demonstrar a realidade fora de mim (a
crítica da razão pura). Mas, como um bom protestante, queria admitir a Deus, e então
ilogicamente concluía que se pode e se deve admitir Deus por meio da vontade, como um
postulado. (Crítica da razão prática) (Cf. PARENTE PIOLANTI – GAROFALO:
Dizionario di Teologia per i laici – Ed. Studium, Roma 1949).
Na mesma linha de Kant se encontram Hegel, Fichte, e mais perto dos italianos Croce e
Gentile, que em seu idealismo reduzem toda a verdade a um subjetivismo imanente a nós,
excluindo a realidade objetiva das coisas. Portanto, para eles, Deus existe à medida que nós
o pensamos, e não realmente em si mesmo.
O crítico, como tal, pode negar aquilo que admite como crente.
O Modernismo teve como principais autores na França Leroy e Loisy; Tyrrell na Inglaterra;
na Alemanha, Scheli; na Itália, os autores do “Programa dos modernistas” e Bonaiuti.
4° ONTOLOGISMO. Diz que podemos alcançar essas verdades com a nossa intuição.
Possibilidade da Revelação
TESE – É possível, e aliás conveniente, a Revelação Divina não apenas das verdades
naturais, mas também das verdades sobrenaturais, até mesmo dos próprios mistérios.
FILOSOFICAMENTE É CORRETO
TEOLOGICAMENTE É DE FÉ
(Veremos em seguida o que significa de fé; a partir daqui, enquanto estudando à luz da
razão humana, examinaremos qual é o pensamento católico frente a essas verdades.)
PROVA I
Assim, a razão, se iluminada por aquele que é a luz que ilumina todo homem, escolherá
livremente com maior sabedoria e, portanto, com maior dignidade.
Mistério é algo arcano, secreto. Existem também muitos mistérios na natureza. Por
exemplo, sabemos que movendo um dínamo se produz eletricidade. Sabemos quais são os
efeitos da luz, do calor, do movimento. Mas nós sabemos o que é a eletricidade? É um
mistério da natureza, e há incontáveis. Muito mais na revelação. “Em sentido amplo se
chama mistério uma verdade conhecida apenas pela Revelação, e compreensível, depois
dela, por parte da razão. Por exemplo: a criação do universo no tempo.” (M.J. Scheeben: I
Misteri del Cristianesimo, Trad. Gorlani, Morcelliana 1949, p. 9).
Em sentido estrito, o mistério é uma verdade, cuja existência, sem fé na palavra de Deus, a
criatura não pode ter certeza, ou melhor, não pode representar e compreender o conteúdo
diretamente, mas apenas indiretamente, comparando-o com coisas de outra natureza
(PARENTE – PIOLANTI – GAROFALO op. cit.).
Geralmente, outros autores definem, com expressão mais fácil, o mistério como uma
verdade que é sabida existir, mas não se sabe como existe. Mas preferimos a definição mais
difícil em sua linguagem técnica por ser mais exata e completa. De fato, a obscuridade do
mistério não consiste apenas em não saber como seja, mas, antes que nos seja revelado, não
sabemos nem que existe.
A Igreja estabeleceu o significado da palavra mistério no Concílio Vaticano I (Sess. III. 4):
“Os mistérios divinos por sua própria natureza transcendem de tal modo o intelecto criado
que, embora revelados e cridos, ficam contudo velados e obscuros durante a vida mortal.”
Por isso, na definição se diz que a criatura não pode representar e compreender o conteúdo
diretamente, mas apenas de forma indireta, comparando-a a algo de outra natureza. Isso se
diz conhecer por analogia.
Quando anos atrás um viajante trouxe do Oriente a planta de lótus com os seus frutos que o
povo comumente chama de “caqui”, se ele tivesse falado antes que os ocidentais a tinham
visto podia lhes dizer: “o tronco daquela árvore é feito de tal modo e se assemelha a tal
planta; as folhas são semelhantes àquelas das tais plantas, o fruto na cor e forma é quase
como uma laranja, mas a casca é muito mais suave e o interior mais polposo, etc.” O que
teriam entendido? Se faria uma ideia aproximada, comparando-o à planta de outro gênero,
mas não teriam tido a ideia precisa. Então um dia falando sobre cores com um cego nato,
essa pessoa me disse que pensava o vermelho como um som forte de trombeta. Ele, sempre
cego de nascença, não podia ter a ideia exata da cor: somente com as notícias que ele pôde
apreender, comparando com coisas de outra natureza, os sons, que ele conhecia, formava
uma ideia de que no vermelho, diferentemente de outras cores, havia algo forte que atingia
com maior intensidade no olho de quem podia ver, como o som de uma trombeta atinge
com maior intensidade o ouvido, mais do que o som de um violino ou de uma flauta.
Se na ordem da natureza das coisas criadas, tanta coisa permanece velada para quem não
percebe diretamente, mas apenas através de uma comparação, pensamos em quão
profundos e obscuros serão os mistérios que se referem a Deus! Por isso, embora revelados,
a razão humana não poderá penetrar inteiramente em sua essência, nem demonstrá-los
intrinsecamente. Porém, mesmo conhecida alguma coisa de sua essência, de acordo com a
fraqueza da inteligência humana, será uma nova riqueza incomparável à nossa mente, tanto
no campo da verdade quanto nas consequências práticas que derivam desta luz de vida.
Os mistérios não podem ser demonstrados pela razão, mas pode-se demonstrar que não a
contrariam. O mistério está acima, não contra a razão. Deus, Verdade substancial, é o autor
da fé e da razão, e não pode haver contradição entre fé e razão.
Dizer que na religião há mistérios que superam a inteligência humana não é colocar um
obstáculo à grandeza de nossa Fé. É, ao contrário, confirmar que nossa religião é divina. É
mais que lógico existirem mistérios. Se não existissem, igualaríamos a nossa mente com a
de Deus, que é um absurdo. A mente de Deus é infinita e a nossa pequena inteligência não
pode cobrir sua infinita sabedoria. Por fim no Paraíso, enquanto muitos mistérios nos serão
completamente revelados, outros – aqueles que envolvem a vida íntima de Deus, como, por
exemplo, o mistério da Santíssima Trindade – serão conhecidos mais ou menos por cada
um de acordo com o grau de glória, de forma a satisfazer plenamente a inteligência dos
beatos, mas os poderá compreender de modo completo.
Em um copo não pode entrar toda a água do mar. Muito menos na nossa pequena
inteligência se pode compreender a infinita sabedoria de Deus.
a) por parte de Deus, que pode, como por outras verdades, nos manifestar essas,
inacessíveis à razão humana, sendo infinitamente Sábio e Onipotente.
b) por parte do homem que vem a conhecer com certeza a verdade a qual a sua inteligência
não podia atingir. Chega a conhecer pelo menos a existência dos mistérios e por meio
destas verdades pode encaminhar sua vida com mais segurança em direção ao último fim,
do modo querido por Deus.
Necessidade da Revelação
Devemos mostrar esta necessidade:
I TESE – No estado atual do gênero humano, as verdades divinas, também aquelas por si
acessíveis à razão, para serem conhecidas por todos, com firme certeza e sem erros,
requerem moralmente uma revelação (Conc. Vat. I D.B. 1786).
AS VERDADES DIVINAS: é possível que um homem com seu estudo possa vir a
conhecer alguma verdade divina. Aliás, nas páginas anteriores já mostramos que as
verdades fundamentais podem ser alcançadas passando-se do conhecimento das coisas
visíveis ao das coisas invisíveis, conhecendo-se quem é o Autor. Mas aqui falamos do
conjunto de todas verdades que por si seriam acessíveis à razão humana.
TAMBÉM AQUELAS POR SI ACESSÍVEIS À RAZÃO: não se trata de verdades que se
podem conhecer somente se manifestadas por Deus, mas daquelas que a razão humana
poderia alcançar com suas próprias forças.
E SEM ERROS: os próprios filósofos pagãos em busca das verdades de ordem natural não
só tiveram algumas incertezas, mas caíram em erros reais. Muito mais ainda cairá um
homem desprovido de cultura.
1) – Dada a dificuldade que a mente tem de chegar à verdade e a condição da maioria dos
homens, apenas uma minoria pode aspirar ao conhecimento dessas verdades, e com muitas
incertezas e erros.
PROVA – Já mostramos que as forças humanas por si não podem alcançar o conhecimento
dos mistérios sobrenaturais. Não somente não sabem penetrar na essência como não podem
conhecer nem a existência. Ora, se Deus em sua infinita bondade eleva o homem a um fim
sobrenatural, isto é, a participar da sua própria vida divina, tal elevação requer que o
homem conheça verdades sobre a vida íntima de Deus, isto é, os mistérios propriamente
ditos. Se Deus tivesse constituído o homem apenas em uma ordem natural, bastaria
conhecê-lo e chegar a ele de um modo natural, somente com as forças humanas: a
inteligência, a vontade e o conhecimento dele através daquilo que admiramos nas obras de
sua criação. Nesta ordem natural, uma Revelação divina teria sido conveniente e útil, mas
não necessária. Em vez disso, dada a hipótese de que Deus nos tenha querido e constituído
em uma ordem sobrenatural, até a realização suprema da visão beatífica em que o veremos
face a face, como Ele é em sua essência divina (conhecer a Deus em si mesmo, em sua
divindade, como dizem os teólogos), não basta mais o conhecimento de Deus através das
coisas criadas, onde há um raio do Criador, onde Deus expressou algo de si mesmo e de sua
glória, mas onde não é narrada contada sua vida íntima. Dada esta hipótese, não podendo
por isso o homem conhecer com suas próprias forças os mistérios da vida divina de modo
que possa alcançar o seu fim, é necessário que Deus os manifeste.
Por isso é necessária a Revelação para conhecer a existência desses mistérios, e, a fortiori, é
necessária para compreender algo da sua essência.
O Fato da Revelação
Em outras palavras, o homem não pode ficar indiferente ao dizer: por mim, haver ou não
uma religião revelada é a mesma coisa; ou: entre tantas religiões que se dizem reveladas,
para mim, seguir uma ou outra é indiferente.
Por isso, seguem as duas teses:
I TESE – Dada a necessidade moral de uma religião revelada, cabe a cada um a séria
obrigação de procurar qual seja ela e de abraçá-la quando a encontrar.
É CORRETO
contra os racionalistas.
PROVA:
A) – PELO RESPEITO DEVIDO A DEUS – Se Deus revelou, Ele fez isso para que os
homens, para o seu bem, conhecessem estas verdades. Por isso, eles têm a séria obrigação
de procurar, de conhecer o que Deus revelou, e de seguir esses ensinamentos e
mandamentos que Deus deu.
B) – PARA ALCANÇAR O NOSSO FIM. Para que todos homens possam conhecer
prontamente, com certeza e sem erros o complexo das verdades que constituem a religião
natural é moralmente necessária uma revelação divina; é ainda mais absolutamente
necessária para as verdades sobrenaturais. Conhecendo todas essas verdades, o homem
conhece também os meios apropriados para alcançar seu fim. Por isso, para conhecer esses
meios, deve conhecer estas verdades e deve colocá-las em prática.
II TESE – O homem não pode professar qualquer religião que se diga revelada, mas é
necessário buscar e abraçar a religião verdadeira.
Assim também não se deve confundir a vontade salvífica de Deus para aqueles que estão no
erro, dizendo que também eles estão no caminho da verdade. Aqueles que estão em uma
falsa religião, se estão sem sua culpa acreditando estar na verdade e agem segundo a
honestidade natural, na prática têm a vontade de observar o que Deus ordena; com um
desejo inconsciente são orientados à religião verdadeira, embora não a conheçam, e assim
Deus lhes providenciará a sua salvação eterna. Mas dizer que eles podem se salvar, dizer
que estão na verdade, há uma diferença substancial.
A verdade não pode ser senão uma. Quando nas diferentes religiões que se dizem reveladas
por Deus encontro algumas afirmações em contradição com o que outras dizem, concluo
que a verdade não pode estar senão de um lado. Se, por exemplo, digo que agora é dia e
outro diz que é noite, é certo que ambos não podemos ter razão. Assim, se uma religião me
afirma que Deus revelou a existência do Purgatório, ou que os sacramentos são sete, e uma
outra religião me nega isso, absolutamente não pode ser que uma e outra tenham razão. Ou
Deus ensinou de uma forma ou de outra. Não pode ter revelado que uma coisa existe e ao
mesmo tempo não existe.
É por isso que no movimento de Oxford que proclamou uma série de conferências entre as
seitas protestantes para encontrar um entendimento comum, a Igreja Católica foi a única a
não participar.
O acordo devia consistir nisto: que se uma Igreja acreditava, por exemplo, em dois
sacramentos e uma outra, em cinco, se poderia fazer um meio-termo admitindo-se, por
exemplo, três. A Igreja Católica naturalmente foi acusada de intransigência. Mas como
fazer chegar a um acordo sobre uma determinada verdade de fé? Quando se trata de uma
regra disciplinar, algumas mudanças poderiam ser feitas. Desse modo, de fato, a Igreja
Católica mudou, por exemplo, a lei do jejum de acordo com as necessidades dos tempos,
mas nunca poderia eximir os homens da ordem dada por Jesus Cristo para fazer penitência:
“Se não fizerdes penitência, todos perecerão igualmente.” (Lc 13:5). Da mesma forma, se
Jesus Cristo instituiu sete sacramentos, nem mais nem menos, não pode a Igreja, a fim de
agradar aos outros, dizer que instituiu seis, nem dizer, por exemplo, a quem não crê na
virgindade de Maria Santíssima, nem à existência do Purgatório: “Vós admitis comigo uma
destas verdades, e eu renuncio convosco a crer em outra.” Uma religião que age assim,
admitindo ou desaprovando a bel-prazer aquelas verdades em que se deve crer ou não, se
mostra falsa por si própria: não são necessários outros argumentos para demonstrar que
segue aquilo que pensam os homens e não aquilo que Deus revelou. É Deus que revela e os
homens devem seguir o que Deus revelou. Não cabe aos homens mudarem a bel-prazer o
que Deus nos fez conhecer.
O que dissemos indica claramente que entre as religiões que se dizem cristãs, uma só pode
ser aquela revelada por Deus.
A fortiori, as outras religiões, que afirmam coisas todas diversas da religião católica, não
podem ser verdadeiras, caso contrário, Deus teria dito e contradito uma mesma coisa ao
mesmo tempo. Isso é repugnante à sua forte Sabedoria e Verdade.