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As três fontes da Revelação Divina para a Igreja

6 dezembro 2017

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A Igreja busca as verdades de fé para levar ao seu povo através de três fontes inesgotáveis,
que são: As Sagradas Escrituras, A Sagrada Tradição e O Sagrado Magistério. Através
destes três pilares fundamentais a Igreja nos revela com segurança e sem equivoco as
doutrinas e ensinamentos divinos confiado a Igreja.

Sagrado Magistério

No vasto campo do ensinamento da Igreja Católica, há um ramo específico que trata de seu
próprio Magistério, isto é, do poder de ensinar que lhe foi confiado por Nosso Senhor Jesus
Cristo. É uma parte essencial da Teologia e do Tratado De Ecclesia em particular. Se não se
compreende o que Igreja diz sobre seu próprio Magistério, torna-se impossível aderir de
forma conveniente à sua doutrina e pode-se dizer que uma adesão plenamente racional
torna-se mesmo impossível. A adesão da inteligência ao ensinamento da Igreja deve ser
sempre conforme à natureza humana, isto é, ela deve estar fundada na natureza e na
operação da inteligência humana porque a graça não destrói a natureza, mas a aperfeiçoa.
Assim como a teologia eleva a filosofia sem destruí-la e assim como a Igreja eleva o Estado
sem destruí-lo, o Magistério eleva a inteligência humana, mas não pode contradizer a
natureza dessa mesma inteligência.

Assim, é indispensável para cada católico conhecer quem pode ensinar (sujeito do
Magistério), aquilo que pode ser ensinado (objeto do Magistério), por que meios o múnus
docendi pode ser exercido (viva voz, por uma Bula, por uma Encíclica, por um Concílio).
Há, porém, um outro aspecto relativo ao Magistério que é praticamente desconhecido e
negligenciado pelos próprios católicos. Trata-se dos diferentes graus do Magistério e,
consequentemente, dos diferentes graus de assentimento devidos aos distintos graus de
Magistério. O conhecimento claro da doutrina dos graus de assentimento ao Magistério é
indispensável para todo católico e, em particular, para todo eclesiástico. A ignorância dessa
doutrina ou um erro em seu âmbito tem consequências graves, sobretudo em tempos de
crise neomodernista.

Há duas tendências que se opõem em relação aos graus do Magistério e a adesão que lhes é
devida:

A primeira posição é aquela que afirma que todo ato do Magistério – ao menos papal – é
infalível e constitui a regra próxima da fé à qual é preciso aderir de maneira absoluta para
permanecer fiel ao ensinamento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Torna-se supérfluo, então,
distinguir em um caso concreto o grau de um ato do Magistério do Papa ou de um Concílio.
Enquanto ato do Magistério da autoridade suprema ele é infalível e requer, portanto, uma
adesão absoluta. É uma visão unívoca do Magistério (ao menos do Magistério papal ou de
um Concílio): Magistério significa sempre um ato infalível ao qual é preciso aderir
incondicionalmente. É a posição dos que atualmente são denominados conservadores, mas
também é a posição (ao menos na prática) dos sedevacantistas e de outros que por
incoerência não são nem uma coisa nem outra.

A segunda posição é aquela que admite a distinção entre Magistério infalível e não-
infalível, mas que afirma que o Magistério não-infalível é praticamente desprovido de
autoridade e que a adesão a ele não difere muito da adesão devida a um perito em uma dada
matéria. Na prática, o Magistério não-infalível é considerado como inexistente. Apesar das
aparências contrárias, o erro do univocismo é o mesmo da posição precedente: há um só
grau de Magistério, o do Magistério infalível. O Magistério não infalível é um não-
Magistério ou no máximo um magistério puramente humano. Essa é a posição dos católicos
liberais ou modernistas/neomodernistas.

O cerne do problema é, então, a autoridade do Magistério Eclesiástico não-infalível. Ele


pode ser considerado como tendo autoridade infalível ou como um Magistério que não
exige, per se, nenhum assentimento. Eis aqui um dilema entre duas concepções opostas do
Magistério, mas que se fundam ambas sobre a mesma univocidade: o Magistério para ser
verdadeiramente Magistério tem que possuir uma autoridade infalível, postulando um
assentimento absoluto.

A Igreja, como é sabido, procede de Deus enquanto autor da ordem sobrenatural e ela é
uma obra especialíssima da providência no interior da ordem da redenção. Ela corresponde
à potência passiva obediencial do homem (capacidade de ser elevado por Deus a uma
ordem superior à sua natureza e mesmo à toda natureza) e somente a Revelação, a graça e
as virtudes podem fazê-la conhecida perfeitamente. Na sociedade natural, os poderes
procedem de Deus de modo mediato, enquanto Ele é o autor da natureza e da razão, e
procedem de modo imediato da exigência inata do bem comum, fundada na natureza
mesma do homem. Na Igreja, ao contrário, todos os poderes hierárquicos procedem do alto
e são transmitidos diretamente por Deus aos Apóstolos e a seus sucessores, enquanto autor
da Revelação e da graça. Com isso, os poderes da Igreja (governar, ensinar, santificar) são
exercidos em primeiro lugar por Nosso Senhor, pois o homem tem tão somente a potência
obediencial para exercê-los, sendo só um instrumento para a produção dos efeitos
sobrenaturais que esses poderes operam. É, então, necessário, que Cristo exerça esses
poderes como causa primeira e principal (invisível) por intermédio do Papa e dos Bispos. E,
por essa razão, o Papa e os Bispos não são os sucessores de Cristo, mas seus vigários, seus
enviados, e eles participam ministerialmente dos poderes do Salvador enquanto
instrumentos. Trata-se de um verdadeiro mistério de união entre o divino e o humano[1].
Podem-se distinguir três graus de Magistério, correspondentes a três graus de autoridade:
Magistério infalível, Magistério puramente autêntico da autoridade suprema, Magistério
dos Bispos Diocesanos.

O primeiro analogado na ordem do Magistério Eclesiástico é o Magistério infalível, que


exclui toda possibilidade de erro não só de facto, mas também de iure. Esse ensinamento
não depende em nada da forma de ensino (Bula, Encíclica, etc), mas da autoridade que é
engajada – a mais alta autoridade magisterial que se possa conceber. Isso vale para a duas
formas nas quais o Magistério Infalível pode se exercer: o extraordinário infalível e o
ordinário infalível.

O Magistério infalível extraordinário se verifica quando estão presentes as quatro condições


dadas pelo Concílio Vaticano I: (i) que o papa (ou o Concílio) ensine enquanto autoridade
universal da igreja, (ii) utilizando a plenitude de sua autoridade apostólica, (iii) que a
vontade de definir seja manifesta e (iv) que a matéria seja relativa à fé ou à moral[2]. Se
uma dessas quatro condições está ausente não haverá um ato infalível do Magistério.

O segundo grau de Magistério é o Magistério mere (puramente) authenticum do chefe


supremo da Igreja, isto é, quando a infalibilidade não está em questão. Esse Magistério
pode ser chamado também de Magistério Supremo não-infalível, pois provém da autoridade
suprema da Igreja. É o magistério, normalmente, das Encíclicas dos papas, por exemplo.
Nesse tipo de Magistério, é certo que há garantias inegáveis de verdade, mas elas não são
absolutas. Trata-se, então, do Magistério ordinário não-infalível do Papa ao qual
assimilamos o Magistério autêntico e universal subordinado ao Soberano Pontífice dos
decretos das Congregações Romanas aprovados sob a forma comum. Os decretos
aprovados sob forma específica têm o mesmo valor de uma decisão do Papa. Deve ser
assimilado a esse Magistério o magistério de um Concílio Ecumênico que não possui a
voluntas definiendi/obligandi. Trata-se da autoridade suprema que ensina, mas sem a
intenção de engajar toda a sua autoridade e revesti-la inteiramente da assistência divina
infalível.

O terceiro grau de Magistério é aquele dos Bispos em relação aos fiéis que lhes foram
confiados pelo Soberano Pontífice. É um Magistério particular e subordinado (mesmo
sendo próprio dos Bispos, que não são simples delegados do Papa). É evidente que se trata
de um Magistério não-infalível, que pode, então, conter erros e os contém algumas vezes.
Isso é pacífico na doutrina católica e em todos os teólogos[3]. É o grau de Magistério em
que se encontra a maior parcela de humano e, portanto, em que as garantias de verdade são
menores.

Vemos, então, que os diversos graus de autoridade determinam os diversos graus de


magistério. Assim, quando a autoridade suprema e universal da Igreja utiliza a sua voluntas
difiniendi/obligandi em matéria de fé ou moral, o Magistério atinge a participação mais
perfeita no sacerdócio de Cristo, com garantia absoluta de infalibilidade, de ausência de
erro. Nesse Magistério, há muito mais de divino do que de humano. Quando a autoridade
suprema ensina sem querer, porém, definir, temos um grau intermediário, em que a parcela
humana é suficientemente grande para dar margem a possíveis erros, como ensinam os
teólogos. E, finalmente, quando temos uma autoridade particular e subordinada que ensina,
a participação no Magistério de Cristo atinge o mínimo[4]. Fica claro, assim, que quando se
fala de Magistério, o termo engloba todos esses tipos de Magistério e só pode ser uma
noção analógica.

Parece solidamente estabelecido que a cada grau do Magistério corresponde um grau de


assentimento. E isso por causa da natureza profunda do Magistério eclesiástico enquanto
participação mais ou menos perfeita na potestas docendi de Nosso Senhor, encontrando-se
nos diversos graus de Magistério uma assistência divina mais ou menos eficaz. E também
por causa da natureza da inteligência que pode assentir de maneira absoluta somente se
encontra a evidência da coisa em si mesma ou a evidência da infalibilidade da autoridade
que afirma uma doutrina ou uma verdade. Grau de assentimento corresponde
necessariamente a grau de Magistério. Não se pode negar isso sem cometer erro tanto em
relação ao Magistério Eclesiástico quanto à teoria do conhecimento do homem. Negar isso
é ir contra a Revelação e a lei natural.

No Magistério Supremo não-infalível se encontra a questão fundamental em relação ao


assentimento devido ao Magistério, sobretudo nesses tempos difíceis de crise pós-Concílio
Vaticano II.

Qual deve ser a atitude do fiel diante da autoridade suprema da Igreja quando essa ensina
de maneira somente autêntica, sem engajar a sua infalibilidade? Encontram-se, hoje,
sobretudo, duas posições majoritárias e francamente opostas: i) a posição dos assim
chamados conservadores e sedevacantistas, que afirmam a submissão absoluta aos atos
desse Magistério e ii) a posição dos neomodernistas e progressistas em geral, que afirmam
que nenhum assentimento é devido aos ensinamentos desse tipo de Magistério.
Encontramo-nos, assim, diante de um dilema: aceitar tudo ou rejeitar tudo.

O assentimento ao Magistério Supremo não-infalível não pode, então, ser absoluto e a


maioria dos teólogos diz que se trata de um assentimento moralmente certo. Trata-se, por
conseguinte, de uma certeza moral, que, como dissemos, não exclui a possibilidade do erro,
mas somente a sua probabilidade. Os teólogos acrescentam que esse assentimento deve ser
também condicionado, quer dizer, implicando a seguinte condição: a não ser que o
contrário seja decidido ou tenha sido decidido pela Igreja e a não ser que o contrário seja
demonstrado com verdadeira evidência pela razão. Trata-se, pois, de um assentimento
interno e religioso da vontade e da inteligência, mas que é moralmente certo e
condicionado.
Deve-se, então, ao Magistério supremo não-infalível um verdadeiro assentimento interior
da inteligência e da vontade, salvo se a condição se realiza. Trata-se, então, de um
assentimento correspondente à certeza moral e condicionado, porque em certas condições –
a definição do contrário pela Igreja ou a evidência do contrário provada pela razão – esse
assentimento não será mais obrigatório. Os teólogos atuais esquecem com muita frequência
a condicionalidade desse assentimento. Eles esquecem os si (se), quamdiu (enquanto), nisi
(salvo se), donec (até que), utilizados pelos teólogos católicos para indicar a
condicionalidade desse assentimento e expõem o Magistério Supremo mere authenticum
como se obrigasse a uma adesão absoluta.

[1] Salaverri, Joaquín. La Potestad de Magisterio Eclesiástico y asentimento que le es


debido in Estudios Eclesiásticos n. 29, 1955, pp. 159-161 et 182-187.

[2] Cartechini, SISTO, S.J. De Valore Notarum. Romae, 1951.

[3] Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira indica vários desses teólogos Catolicismo nº 223,
julho de 1969. Traduzido em francês no livro La Nouvelle Messe de Paul VI: Qu’en
penser? Ed. Diffusion de la Pensée Française, Chiré-en-Montreuil, 1975, Deuxième partie,
chapitre IX.

[4] No segundo e terceiro graus de Magistério podem-se contar ainda diversas subdivisões,
mas elas seriam supérfluas para o propósito desse trabalho.
Por Ailton Bento Araruna, aluno do quarto semestre do curso livre de Teologia no Instituto
Diocesano de Filosofia e Teologia São José. E-mail: aitonarquivos@gmail.com.

REVELAÇÃO: FONTES (PARTE 2 DE 2)

Publicado em 18 de janeiro de 2016 por Karlos Guedes

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A Revelação, cremos encontrar-se em duas grandes fontes: escrita (Sagrada Escritura) e


não escrita (Sagrada Tradição). Ambas, a Tradição e a Escritura, podem ser chamadas de
Palavra de Deus Revelada e são chamadas de fontes remotas da Revelação.

A Sagrada Tradição

Como dito, a Sagrada Tradição é a parte da Revelação transmitida pelos séculos de maneira
não escrita. Ipso facto, a Tradição é anterior à Escritura.

Não desprezes o que contarem os velhos sábios, mas entretém-te com suas palavras, pois é
com eles que aprenderás a sabedoria, os ensinamentos da inteligência, e a arte de servir
irrepreensivelmente os poderosos. Não desprezes os ensinamentos dos anciãos, pois eles os
aprenderam com seus pais (Eclo 8,9-11).

A Sagrada Tradição existe e é Palavra de Deus:


Por isso é que também nós não cessamos de dar graças a Deus, porque recebestes a palavra
de Deus, que de nós ouvistes, e a acolhestes, não como palavra de homens, mas como
aquilo que realmente é, como palavra de Deus (I Ts 2,13).

A Tradição Apostólica está nos ensinos dos Concílios eclesiásticos, na Liturgia, na arte
sacra (principalmente nas antigas catacumbas) e, por fim, nos Padres da Igreja.

Santos Padres da Igreja

Os Padres da Igreja são Santos e proeminentes teólogos (doutores católicos) dos primeiros
séculos da Igreja (compreende o período entre os séculos I e VII). Seus ensinos são a base
de toda (ou ao menos dos pontos mais importantes) doutrina católica.

A importância dos Santos Padres se deve a:

interpretação e desenvolvimento que deram da doutrina;

liturgia, pois praticamente todos os ritos católicos têm origem nos Padres.

Contudo, nem todos os escritos patrísticos são a Tradição da Igreja. Neles há também
regras locais e opiniões pessoais que não necessariamente refletem-na.

Os Padres são divididos entre latinos (ocidentais) e gregos (orientais).


Os Grandes Padres Latinos:

Santo Ambrósio de Milão (340-397);

São Jerônimo de Estridão (347-420);

Santo Agostinho de Hipona (354-430);

São Gregório Magno (540-604).

Os Grandes Padres Gregos:

São Basílio de Cesareia (329-379);

Santo Atanásio de Alexandria (296-373);

São Gregório de Nazianzo (329-389);

São João Crisóstomo (347-407).

Prova da existência da Tradição

Sobre a Sagrada Tradição, encontram-se as seguintes passagens na Escritura:

Jesus fez ainda muitas outras coisas. Se fossem escritas uma por uma, penso que nem o
mundo inteiro poderia conter os livros que se deveriam escrever (Jo 21,25).

Se alguém tem fome, coma em casa. Assim vossas reuniões não vos atrairão a condenação.
As demais coisas eu determinarei quando for ter convosco (I Cor 11,34).
Sabeis bem que preceitos vos dei em nosso do Senhor Jesus (I Ts 4,2).

Assim, pois, irmãos, ficai firmes e conservai os ensinamentos que de nós aprendestes, seja
por palavras, seja por carta nossa (II Ts 2,15).

Intimamo-vos, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que eviteis a convivência de
todo irmão que leve vida ociosa e contrária à tradição que de nós tendes recebido (II Ts
3,6).

Ó Timóteo, guarda o bem que te foi confiado! (I Tm 6,20).

O que de mim ouviste em presença de muitas testemunhas, confia-o a homens fiéis que, por
sua vez, sejam capazes de instruir a outros (II Tm 2,2).

Eu te deixei em Creta para acabares de organizar tudo e estabeleceres anciãos (Bispos) em


cada cidade, de acordo com as normas que te tracei (Tt 1,5).

Apesar de ter mais coisas que vos escrever, não o quis fazer com papel e tinta, mas espero
estar entre vós e conversar de viva voz, para que a vossa alegria seja perfeita (II Jo 12).

Tinha muitas coisas para te escrever, mas não quero fazê-lo com tinta e pena. Espero ir ver-
te em breve e então falaremos de viva voz (III Jo 13s).
A Sagrada Escritura

Entre as pessoas que receberam a Palavra de Deus de maneira não escrita, a Tradição,
algumas foram inspiradas por Ele mesmo para que escrevessem parte da Revelação. A
Escritura é inspirada por Deus, mas foi escrita no tempo por homens inspirados, os
hagiógrafos.

Santo Tomás define a inspiração como “a ação de Deus, movendo e dirigindo o autor na
produção do livro, preservando-o de erros [no que tange à salvação], de forma que é Deus o
autor e o homem mero instrumento usado para escrever”.

Também o II Concílio do Vaticano define o conceito de inspiração, nesses termos:

Todavia, para escrever os livros sagrados, Deus escolheu e serviu-Se de homens na posse
das suas faculdades e capacidades, para que, agindo Ele neles e por eles, pusessem por
escrito, como verdadeiros autores, tudo aquilo e só aquilo que Ele queria (Ibid.,
Constituição Dogmática Dei Verbum, n. 11).

O conteúdo das Sagradas Escrituras é totalmente ditado por Deus e de obrigação para
crença dos fiéis.

A Sagrada Escritura consta de duas partes com 72 livros ao todo: o Antigo Testamento (45
livros) e o Novo Testamento (27 livros).

O Magistério Eclesiástico
Deus não só Revelou-Se e escolheu homens para que escrevessem parte dessa Revelação,
como instituiu uma autoridade que guardasse tal Tesouro incorrupto durante os séculos.
Essa autoridade é a Igreja Católica.

Toda autoridade Me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, e ensinai a todas as nações (Mt
28,18s).

Somente o Magistério Eclesiástico pode dizer quais livros são inspirados e quais costumes,
regras e doutrinas contidas nos Santos Padres (e outros loci da Tradição) são, de fato,
Palavra de Deus.

A Igreja definiu o cânon das Escrituras Sagradas e somente ela pode interpretá-las:

Antes de tudo, sabei que nenhuma parte da Escritura é de interpretação pessoal. É o que ele
faz em todas as suas cartas, nas quais fala nestes assuntos. Nelas há algumas passagens
difíceis de entender, cujo sentido os espíritos ignorantes ou pouco fortalecidos deturpam,
para a sua própria ruína, como o fazem também com as demais Escrituras (II Pd 1,20;
3,16).

O Magistério eclesiástico é, pois, o exercício da autoridade conferida por Nosso Senhor à


sua Igreja a respeito de sua tríplice função em relação à Verdade revelada: guardar, ensinar
e explicar a Revelação.
Portanto, só a Igreja docente é constituída única depositária e autêntica intérprete da
Revelação. Então o Sagrado Magistério é a fonte (regra) próxima da Revelação. O
Magistério custodia, explica e interpreta a Palavra de Deus escrita ou oral.

O Magistério, embora não seja a própria Tradição, é o órgão através do qual essa vem
transmitida. Por isso, os teólogos chamam à Tradição Apostólica de Tradição passiva e ao
Magistério de Tradição ativa.

Assim, o Magistério não é fonte propriamente dita da Revelação (a Escritura e a Tradição


sim). O Magistério sempre pressupõe as duas fontes da Revelação.

A Tradição não atestada pelo Magistério da Igreja, não constituiria verdadeira Tradição
apostólica, ao máximo teria um valor de documentação histórica, mas não de Fé.

A Igreja é como uma Mestra (Magistério) que contém e transmite a Escritura (Bíblia) e a
Tradição (Denzinger) e lhes explica o verdadeiro significado aos discentes. Havendo
dúvidas sobre o conteúdo, pode-se pedir explicações à Igreja e ela o iluminará.

É da Igreja que recebemos a Fé e ela é que nos leva ao Depósito, não o contrário:

Eu não creria no Evangelho, se a isto não me levasse a autoridade da Igreja católica (Sto.
Agostinho, Contra epistulam Manichæi quam vocant fundamenti 5,6: PL 42,176).
Tudo o que foi dito sobre o Magistério se aplica ao Magistério solene e definitivo da Igreja.
De fato, existem dois tipos de Magistério:

Magistério autêntico

Magistério infalível

Magistério autêntico

Magistério autêntico é o exercício do poder de ensinar pela obrigação de encargo pessoal.


Na Igreja, cabem ensinar o Bispo (à sua diocese) e o Papa (ao mundo inteiro).

Esse Magistério não é infalível, mas se deve prestar o devido obséquio:

Magistério pontifical autêntico: ensino do Papa sem o exercício da infalibilidade (ensino


sobre qualquer coisa).

Magistério pontifical diocesano autêntico: ensino de um Bispo que tem jurisdição sobre
uma área (ensino sobre qualquer coisa).

Magistério universal ordinário autêntico: o ensino da Igreja (Papa e Bispos sobre qualquer
coisa).

Magistério infalível

Magistério infalível é o exercício do poder de ensinar de modo definitivo. Apenas a Igreja


inteira (Papa e Bispos) ou o somente Papa (cf. Pastor Æternus, Concílio Vaticano I).
Magistério universal ordinário infalível: o ensino da Igreja inteira continuamente no tempo
e no espaço – o que sempre, por todos e em todos os lugares: “quod ubique, quod sempre,
quod ab omnibus”, São Vicente de Lerins (em matéria de fé ou moral).

Magistério universal extraordinário infalível: o ensino da Igreja, Papa e Bispos,


normalmente reunidos em Concílio, mas não necessariamente (sobre um ponto de fé ou
moral).

Magistério pontifical infalível extraordinário: o ensino por declaração solene e formal do


Papa, chamado de ex cathedra (sobre fé ou moral).

Nenhuma doutrina é considerada infalivelmente definida se não constar claramente (Código


de Direito Canônico, cân. 749 §3).

As condições para o pronunciamento ex cathedra (exercido apenas 12 vezes na história


bimilenar da Igreja):

Papa deve queira ensinar como Pastor e Mestre dos cristãos;

O objeto da definição infalível são apenas proposições de fé ou de moral, ou seja, a


salvação das almas;

Ensine com a intenção de proferir sentença definitiva sobre o assunto focalizado (a


infalibilidade não se estende nem aos argumentos previamente apresentados para
fundamentar a definição nem às conclusões que desta decorram).

De tudo o que foi dito sobre o homem – sua busca e dívida para com Deus, sua vontade de
religar-se com Ele, como também de sua incapacidade de alcançá-Lo; por outro lado, do
fato de Deus Se dignar mostrar-Se ao homem: Há absoluta necessidade de aderir à
Revelação, em outras palavras, à religião revelada.

Ditosos somos nós, Israel, porque a nós foi revelado o que agrada a Deus! (Br 4,4).

Revelação divina

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Ver histórico

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Revelação divina é a denominação, de modo genérico, para todo conhecimento transmitido


ao homem diretamente por um deus ou deuses (muitas vezes o meio por onde este
conhecimento foi passado também é chamado assim).

A revelação é o ato de revelar ou desvendar ou tornar algo claro ou óbvio e compreensível


por meio de uma comunicação ativa ou passiva com a Divindade. A Revelação pode
originar-se diretamente de uma divindade ou por um intercessor ou agente, como um anjo
ou santidade; alguém que tenha experimentado tal contato é denominado profeta.
Descrição

Algumas religiões possuem textos religiosos que as mesmas acreditam ter sido revelados
por deuses ou de modo sobrenatural. Por exemplo, os judeus ortodoxos, cristãos e
muçulmanos acreditam que a Torá foi recebida de Javé no monte Sinai bíblico.[1][2] A
maior parte dos cristãos acredita que tanto o Antigo Testamento quanto o Novo Testamento
foram inspirados por Deus. Os muçulmanos acreditam que o Alcorão foi revelado por Deus
a Maomé palavra por palavra através do anjo Gabriel (Jibril).[3][4] No hinduísmo, alguns
Vedas são considerados Apauruṣeyā, "composições não humanas", por terem sido
revelados diretamente, e, portanto, são chamados de Shruti, "o que é ouvido". As 15 000
páginas escritas a mão pela mística Maria Valtorta foram tidas como ditadas diretamente
por Jesus, enquanto ela atribuiu o Livro de Azarias a seu anjo da guarda.[5] Aleister
Crowley disse que o Liber AL vel Legis lhe foi revelado através de um ser superior que
chamava a si próprio de Aiwass.

Marcas físicas deixadas pela revelação são chamadas estigmas. Em casos raros, como o de
Juan Diego Cuauhtlatoatzin, as revelações deixam artefatos físicos.[6] O conceito católico
de "locução interior" fala de uma voz interior ouvida pelo receptor da revelação.

Nas religiões abraâmicas, o termo se refere ao processo através do qual Deus revela, ao
mundo dos homens, sua existência, sua vontade e sua Divina Providência.[7]

Com o iluminismo na Europa, que começou em meados do século XVII, e o


desenvolvimento do racionalismo, materialismo e ateísmo, o conceito de revelação
sobrenatural passou a ser visto com ceticismo. No livro A era da razão (1794–1809),
Thomas Paine desenvolveu a teologia do deísmo, rejeitando a possibilidade de milagres e
argumentando que a revelação pode ser considerada válida somente em relação ao receptor
original, e que tudo além disso seria mera fofoca.[8]
Tipos

Revelação individual

Tomás de Aquino acreditava em dois tipos de revelação individual de Deus: revelação geral
e revelação especial. Na revelação geral, Deus se revela através de sua criação. Através da
criação, algumas verdades divinas podem ser apreendidas através do estudo empírico da
natureza, física, cosmologia etc. Na revelação especial, Deus revela sua natureza a um
indivíduo de modo sobrenatural, por exemplo através de escrituras ou milagres.

Embora alguém possa deduzir a existência de Deus e de seus atributos através da revelação
geral, alguns dados especiais somente podem ser conhecidos através da revelação especial.

Revelação pública

Alguns grupos religiosos acreditam que Deus se revelou a um grande grupo de indivíduos.
No Deuteronômio, Javé teria revelado os Dez Mandamentos aos israelitas no monte Sinai
bíblico. No cristianismo, o livro Atos dos Apóstolos descreve o dia de Pentecostes, onde
um grande grupo de seguidores de Jesus teria experimentado uma revelação em massa. O
povo dacota acredita que Ptesáŋwiŋ falou diretamente com o povo quando estabeleceu as
tradições religiosas dacotas. Algumas versões de uma lenda asteca falam de Huitzilopochtli
falando diretamente com o povo asteca quando este chegou a Anåhuac. Historicamente,
existiram muitos imperadores, líderes religiosos e outras figuras que foram deificados e
tratados como se suas palavras fossem revelações divinas.
A Revelação Divina - Perspectivas da Constituição Conciliar "Dei Verbum"

PE. DOM CIRILO FOLCH GOMES 13 JUNHO 2014

REVELAÇÃO

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Acerca da verdade contida na Sagrada Escritura

A Revelação Divina

Perspectivas da Constituição Conciliar "Dei Verbum"

Pelo Pe. Dom Cirilo Folch Gomes, O.S.B., Professor de Dogmática na Escola Teológica da
Congregação Beneditina Brasileira, Rio de Janeiro

Na Constituição Dogmática Dei Verbum o Concilio Vaticano II consagrou perspectivas


teológicas que situam o tema fundamental da Revelação divina sob nova luz. Embora sem
contar pronunciamentos dogmáticos[1] assinala um verdadeiro progresso no campo
doutrinário enquanto empresta a força da autoridade conciliar a uma série de conquistas
amadurecidas na teologia moderna. Nossa intenção, neste artigo, será não a de fazer uma
exegese completa do documento, mas a de realçar os aspectos que nos parecem de maior
importância. Sobre a história do texto não nos estenderemos, remetendo o leitor às
minuciosas crônicas que já tem sido publicadas.[2]

O documento consta de seus capítulos. Considera primeiro a natureza da Revelação (c. I),
depois as condições de sua transmissão desde o tempo dos Apóstolos (c. II), em seguida
várias questões relativas à Sagrada Escritura: sua inspiração divina e as normas de sua
interpretação (c.III), o Antigo Testamento (c.IV),o Novo Testamento (c.V), e a importância
da Escritura na vida da Igreja (c. VI).

A Natureza da Revelação

"Aprouve a Deus, em Sua bondade e sabedoria, revelar-se a si mesmo e tornar conhecido


esse mistério de Sua vontade, que é o de levar os homens ao consórcio da divina natureza,
ao acesso até ao Pai, por meio de Cristo, Verbo Encarnado, no Espirito Santo. Por essa
revelação, o Deus invisível, levado pela abundância de Sua caridade, fala aos homens como
a amigos, com eles conversa, a fim de convida-los e traze-los a comunhão consigo. A
economia dessa revelação se realiza mediante obras e palavras... obras que corroboram o
que está nas palavras... palavras que desvendam o mistério das obras. Em Cristo
resplandece o sentido de todas as revelações, pois ele não é apenas o Mediador mas
também a Plenitude mesma da revelação.

Há, sem dúvida, um perene testemunho de Deus em todas as coisas da ordem criada, mas
dele se distingue a Automanifestação que desde o inicio da história humana Deus realizou
em vista de franquear aos homens a via de uma felicidade superior".
Estas palavras, retiradas com certa liberdade dos primeiros parágrafos do capitulo I,
resumem a doutrina da natureza da Revelação. Retomam um assunto já exposto na
Constituição Dogmática "Sobre a fé católica", do Concilio Vaticano I (1869-1870), onde
vemos ensinada a gratuidade e sobrenaturalidade da Revelação, seu duplo objeto - que é o
mistério de Deus e o de Seus desígnios — bem como sua necessidade (suposta a elevação
do homem à ordem sobrenatural).[3] São referências que devemos ter presentes, mesmo
quando não estão mencionadas expressamente pela Dei Verbum.[4] Assim, para sabermos
o real significado da expressão "Deus invisível", temos de recordar o que o Vaticano I
expos sobre "os mistérios arcanos de Deus... que por sua natureza excedem de tal modo a
capacidade do intelecto criado, a ponto de permanecerem como que encobertos para nós,
mesmo depois da revelação e da fé, enquanto peregrinamos nesta vida".[5]

Há, porém, um progresso com relação ao Vaticano I, e que é uma apresentação mais
unitária do Plano de Deus, na qual percebemos melhor a íntima relação da "Mensagem"
com a "Graça". O Vaticano I dizia que a Elevação do homem ao fim sobrenatural exigia a
Mensagem reveladora, o que não era ainda a formulação mais feliz possível, pois não
evitava a impressão de certo “ensinamento” entre a Revelação — concebida apenas na
categoria de um "ensinamento" — e a História da salvação. Agora, o Vaticano II, ao
associar sempre as "palavras" e as "ações" em seu conceito da Revelação[6], sugere uma
visão mais profunda, na qual ela aparece como o convite efetivo da Elevação sobrenatural,
como a Palavra eficaz que diz e as coisas são feitas. Assim como a "Fiat" primordial
originou as naturezas dos seres e estabeleceu para sempre as leis de sua evolução
proporcionada, a Palavra da divina Automanifestação é o introduzir efetivo do gênero
humano numa estrada nova de possibilidades que, realizadas, o levarão ao consórcio com a
vida e a felicidade do próprio Deus. Não se trata, pois, apenas de umensinamento ditado por
Deus, mas de uma iniciação dos homens no conhecimento e na participação vivencial da
divina intimidade, algo que por si mesmo tende a terminar-se na plena Automanifestação da
Trindade, que é a visão beatifica. Por isso, potencia dos homens para uma vocação superior,
repercutindo neles como uma energia de graça, oferecida ao seu livre consentimento. A
oferta do dom da fé aparece, assim, como algo de absolutamente inseparável dessa Palavra,
como a expressão de sua eficácia criadora, dotada de sua mesma universal extensão.[7] São
aspectos que, sem dúvida, a Teologia há muito soube integrar[8], mas que adquirem nova
projeção numa síntese do Magistério eclesiástico. E até aí vai, segundo nos parece, o
alcance dos textos da Dei Verbum, onde se diz que a Revelação se faz não só por palavras,
mas também por intervenções de Deus, nas quais está como que encarnado o sentido das
palavras.[9]

No fundo, o protótipo de todo esse regime da Revelação, considerado como um convite


efetivo de Ascensão, isto é, como um convite pascal de Deus, é o Cristo, a Palavra
intradivina feita carne, que passa um dia deste mundo ao Pai, a Ele retornando no
cumprimento de sua missão.[10] Se é verdade que em Cristo, como diz Santo Tomás, está
realizado o "sumo modo" (Caetano acrescentaria: o sumo modo possível) de entrega da
vida divina ao mundo exterior a Deus, pois nele uma natureza criada e atraída a comunhão
com uma personalidade divina antes mesmo de subsistir, entendemos que nele estejam
exemplarizados todos os outros mistérios da Economia sobrenatural, como o do
"teandrismo" da Igreja segundo lembrou a Lumen Gentium[11] — e o mistério da
Revelação — como diz agora a Dei Verbum.[12] E', aliás, a grande tese de São Paulo,
quando ensina que Cristo é o misterioso Desígnio de Deus, para o qual Ele quis convergir
tudo a mais.[13]

Dentro dessa perspectiva que associa, assim intimamente, a Palavra divina ao mistério da
elevação e a oferta do dom da fé, aparece ela muito mais do que uma Pregação externa, e
com isso situamos melhor, na universalidade do plano da salvação — coextensivo a todos
as tempos e a todos as homens — o acontecimento, em si limitado, da Pregação profética.
Passamos a ver esta última como a exteriorização culminante, realizada pelos instrumentos
de Deus, de uma Pregação que é antes de tudo uma ação direta de Deus em cada homem,
uma iluminação do Verbo oferecida "a todo homem que vem a este mundo".[14]
Projetamos em nova luz o caráter essencialmente ministerial e por isso mesmo relativo —
apesar de sua imensa importância — de todo o Profetismo, de todo o Kérigma, de todo o
Magistério, bem como a razão por que não sejam estes, por sua vez, coextensivos a todos
os tempos e a todos as homens.[15]

Há umcondicionamento, sem dúvida, da fé à pregação: "a fé vem pelo ouvido e o ouvido


vem pela palavra de Cristo".[16] Mas não é um condicionamento de estrita necessidade
porque, como também ensina a Sagrada Escritura, "Deus quer que todos os homens se
salvem e cheguem ao conhecimento da verdade"[17], o que significa que a todos concede
meios suficientes de salvação e, portanto, um apelo ao menos interno a que vislumbrem (de
algum modo) a Meta sobrenatural para onde deverão endereçar seus passos.[18] Tudo isso
é conhecido na Teologia, e não de hoje, mas se torna organicamente sintetizado a partir da
perspectiva, sugerida pela Del Verbum, de uma Revelação que é essencialmente a
mensagem da Graça, tão antiga e tão extensa quanto a comunicação da graça.[19]

A Revelação começou, por isso, no Paraiso: "desde o inicio" — diz o texto.[20] O pecado
original poderia tê-la encerrado, afastando para sempre a face do Senhor, porque
significava uma recusa do homem ao Deus que o chamava, mas Deus, em Sua misericórdia,
quis manter o primeiro apelo, transformando a mensagem de graça em mensagem de
Redenção, a qual, desde a promessa do Genesis[21], se tornou a grande esperança humana,
talvez exteriormente transmitida, aqui e ali, de geração em geração, mas de qualquer modo
a esperança que acenava interiormente para todos esses milhares de corações que, em
qualquer época e em qualquer lugar, "procuram a salvação".[22]

A partir dos Patriarcas e Profetas, mais tarde, começará a crescer a explicitação do


conteúdo noético desse universal convite da graça, exteriorizando-se e corporificando-se,
cada vez mais, essa graça que um dia se manifestará encarnada em toda a sua pujança de
"caminho, verdade e vida" para as homens. Há no documento um admirável paragrafo
sobre Cristo como plenitude da Revelação.[23] Ele não é sóo Mediador da Revelação, mas
a sua plenitude; não apenas anuncia, mas e a Salvação. Com ele (e com a missão do
Espírito, que lhe segue) a Revelação se completa, não só porque, como "Verbo feito came",
é alguém que "fala palavras de Deus"[24], mas porque — (transcendendo-se mais uma vez
o aspecto puramente noético da Revelação) — ele "consuma a obra da salvação".[25] Com
sua vinda — e depois com todo o seu itinerário pascal de retorno ao Pai na natureza
assumida — o Cristo constitui a perfeita prolação da Palavra eficaz de elevação e redenção
com aqual Deus convidou, desde o inicio, o gênero humano. Em Cristo o convite aparece
completo, tanto sob o aspecto em que é mensagem inteligível quanto sob o aspecto em
queéoferta de graça, pois Cristo deixou aos homens a plenitude do Espirito Santo.

Ao dom de toda essa Revelação, a resposta humana é a "obediência da fé", um "obséquio


pleno do intelecto e da vontade", diz o texto[26], citando o Vaticano I, mas acrescentando
que se trata de uma auto-entrega da totalidade do homem ao Deus que se revela. Toma-se,
pois, a fé num sentido amplo como o da linguagem bíblica[27] que abrange a esperança e
ao menos um começo de caridade. Volta-se, porém, logo a seguir ao sentido formal da fé
como assentimento da inteligência, aludindo-se a ação dos dons do Espírito Santo, que
realiza a "compreensão" progressiva e mais profunda da Revelação. Pena que o Concilio
não se tenha estendido um pouco mais sobre o significado dessa "compreensão",
desenvolvendo, contra as tenta-ceies de agnosticismo de certa teologia moderna, aquilo que
o Vaticano I qualificou de inteligência analógica "frutuosíssima".[28]

A Transmissão da Revelação Divina

Este tema é, como se sabe, de particular importância no diálogo ecumênico. O


Protestantismo, de um modo geral, sustenta que a Bíblia é a única fonte da Revelação, cuja
interpretação se rege apenas por uma norma decisiva: a iluminação interior do Espirito
Santo em cada fiel; donde, o clássico principio do "livre exame".[29] Já a Igreja Católica
professa a existência, ao lado da Escritura, de outra fonte: a pregação apostólica oral, que
não só acompanhou a redação da Escritura como a precedeu durante algumas dezenas de
anos na infância da Igreja: por que haveria de ter passado sem ter deixado outro vestígio
que não a Escritura? se na natureza nada se perde, muito menos na obra da graça de
Pentecostes pela qual se edificou a Igreja; com que direito haveríamos de dizer que ficaram
irremediavelmente perdidos, anulados ou esquecidos aqueles ensinamentos de todo um
século, que não puderam, é claro, ter a extensão apenas do que ficou escrito em algumas
páginas? Além disto, a Igreja Católica professa a existência de um Magistério eclesiástico
credenciado para a interpretação autêntica das fontes, graças a uma assistência especial do
Espirito Santo, mas de outro gênero que a iluminação inerente a todo e verdadeiro ato de fé.
Estes dois pontos: tradição apostólica e magistério eclesiástico, estão definidos desde o
Concilio de Trento.[30]

Ora, vejamos como o tema está desenvolvido na Constituição Dei Verbum. Ela começa por
assinalar um princípio de meridiana evidência e de importância basilar:

"As verdades que Deus revelou para a salvação de todos os povos, Ele benignamente
providenciou a fim de que permanecessem íntegras e fossem transmitidas a todas as
gerações".[31]

É mais uma aplicação do fecundo conceito de Revelação como Lição divina e como divino
Gesto neste mundo. Ou, por outras palavras, é lembrar que a Igreja fundada por Cristo e
sujeito receptor imediato da plenitude da Revelação é uma instituição de Deus e não algo
de apoiado apenas nas falíveis garantias humanas. Ora, se essa Igreja foi instituída coma
uma sociedade ornada de uma estruturação visível e hierárquica, entre cujas funções uma é
de ensinar, então se requer que esse magistério seja um critério tangível da infalível
transmissão das verdades recebidas de Deus: alcançamos, por uma via de conveniências a-
priori, as palavras de Cristo prometendo aos Apóstolos (e seus sucessores até a consumação
dos séculos) uma assistência divina.[32]
Antes, porém, de nos determos na função do Magistério eclesiástico através dos séculos,
temos a questão das duas fontes da Revelação: Escritura e tradição apostólicas orais. Aeste
respeito é sabido que vinha sendo reavivado nos últimos decênios uma controvérsia entre as
teólogos católicos, já esboçada em tempos passados como, por exemplo, por ocasião do
Concilio de Trento. Em oposição à sentença frequentemente encontradiça nos Manuais de
Teologia fundamental (como se fora a expressão mesma do ensinamento do Tridentino) que
sustenta serem Escritura e Tradição duas fontes complementares quanto ao número de
verdades reveladas, vários teólogos vinham defendendo uma tese diversa. Negavam, em
primeiro lugar, que a sentença precedente tivesse sido realmente definida por Trento, e
achavam que a complementaridade da Tradição fosse mais de ordem "qualitativa" ou
"formal" do que "quantitativa" ou "material": a pregação dos Apóstolos, transmitida fora
das Escrituras à memória da Igreja, visou entregar-lhe antes de tudo "o sentido" do texto
sagrado, a "luz" onde as divinas verdades, consignadas todas no texto, aparecem em sua
plena objetividade aos olhos da Igreja.[33]

Em favor desta segunda tese parecem militar várias razões. Inicialmente, o fato de que
todos as dogmas ensinados pela Igreja o tem sido com apoio na Escritura, como se ali
estivessem ao menos na profundidade dos textos. Depois, é fato de que parece ter sido a
tese pacificamente abraçada por nomes eminentes da tradição teológica patrística e
escolástica.[34] Enfim, uma razão teórica, a da dignidade da Sagrada Escritura: se o
Espirito Santo quis suscitar um livro, durante a transmissão da Revelação, e até mesmo
inspirá-lo ao ser redigido, será necessário julgá-lo mais que uma coletânea de escritos
ocasionais e sim um monumento útil para a orientação da Igreja através dos tempos,
contendo, pois, ao menos a total substância da Mensagem.[35]

Esta tese da "suficiência material" da Sagrada Escritura não há de ser confundida,


evidentemente, com a da "sola Scriptura", dos autores protestantes, porque não se dispensa
de considerar o papel da Tradição oral apostólica como o de um complemento objetivo
(embora não quantitativo) da palavra bíblica. E porque também não prescinde do
Magistério pós-apostólico como condição dirimente de interpretação do Depósito.
Geralmente falando, a tese poderia ser melhor designada como a da "insuficiência material
limitada' da Escritura, porquanto não exclui o reconhecimento de algumas poucas verdades
veiculadas apenas pela Tradição oral, como por exemplo o catálogo completo dos livros
inspirados[36], verdades porém que se restringem periferia do conteúdo revelado.

Ora, porque partilhavam estes modos de ver, numerosos bispos protestaram, no Concilio,
contra o primeiro dos esquemas trazidos A aula conciliar sobre "as duas fontes da
Revelação", em 1962, e foi por esta razão que o Papa Joao XXIII ordenou uma
reelaboração do texto por nova Comissão, onde estivessem representados todos os pontos
de vista.[37] Através das respostas dadas, a partir de então, às sugestões dos conciliares das
duas tendências, manifestava-se o propósito de fazer abstração do problema no texto da
Constituição.[38] Em atenção, porém, a um desejo expresso do Sumo Pontífice, foi ele
abordado, mas em termos tão moderados que permanece ainda aberto As duas teses
católicas:

“Não é da Escritura apenas que a Igreja consegue sua certeza a respeito de tudo que foi
revelado. Por isso ambas (Escritura e Tradição) devem ser recebidas e veneradas com igual
sentimento de piedade e reverencia".[39]

Pode-se, pois, entender de modo diverso essa complementação da Tradição oral apostólica,
mas tem ela de ser afirmada no nível mesmo da Revelação[40], como já o dissera o
Concílio de Trento e como a própria Sagrada Escritura o diz com bastante clareza:
"Assim, irmãos, ficai firmes e conservai as tradições que de nós aprendestes, seja por
palavras, seja por carta nossa".[41]

Quer-nos parecer, todavia, que a Constituição poderia ter sido mais clara no determinar a
diferença de sentidos em que as vezes toma a palavra "Tradição". O leitor desprevenido não
sei se perceberá que no texto uma coisa é a "Tradição" enquanto significa a transmissão —
feita por Cristo ou pelos Apóstolo — da totalidade do Depósito, de modo oral ou
escrito[42]; outra coisa é a "Tradição" enquanto a transmissão feita pelos Apóstolos de
modo oral e contradistinto da Escritura[43]; outra coisa é a transmissão feita posteriormente
na vida da Igreja através do Magistério (com diversos graus de assistência divina) ou
através da vivencia dos fiéis.[44] Ora, são as confusões nesse campo uma das principais
dificuldades para o diálogo ecumênico.[45] Os protestantes, não raro, julgam que
simplesmente identificamos o conceito de "Tradição apostólica" (2o sentido) com o de
"Tradição magisterial da Igreja" (3o sentido). Pensam então que atribuímos ao Magistério
(ou ao "senso dos fiéis") a prerrogativa de ser a Palavra reveladora de Deus (quando na
verdade só o consideramos "palavra da Igreja", divinamente assistida, sem dúvida, e
portanto infalível, mas infalível no testemunhar, no interpretar a Palavra reveladora
recebida, uma vez por todas, na era apostólica). Daí o temor de que a Igreja Católica venha
a proclamar "novos" dogmas, que sejam, objetivamente, acréscimos à Revelação já
concluída com o Cristo Jesus e com a morte dos Apóstolos, suas testemunhas privilegiadas.
[46]

É sabido que o capítulo II da Constituição Dei Verbum foi objeto de uma redação
cuidadosa e esteve alerta a esse problema, mas podemos perguntar-nos se conseguiu ser
suficientemente claro nos parágrafos sobre a “Tradição”. A nosso ver não deixa ainda
bastante nítidos os limites entre o conceito de "Tradição" enquanto ela se situa no nível da
Revelação objetiva e enquanto se situa no nível do conhecimento subjetivo das verdades
reveladas: só neste segundo caso se pode dizer que ela “progride na Igreja”.[47] Trata-se,
contudo, de defeito no modo de redigir, que se torna compensado pela leitura do conjunto
do capítulo, em cujos últimos parágrafos vem afirmada de modo inequívoco a dependência
do Magistério eclesiástico com relação A Palavra de Deus, (que lhe compete apenas
"transmitir") — e essa Palavra é, segundo a totalidade do contexto, a que encontrou sua
plenitude na revelação de Cristo.

De grande importância para o diálogo ecumênico é o ângulo básico em que todo o capítulo
II considera a questão das fontes da Revelação. Ele atribui tanto à Escritura como à Pre-
gação apostólica um lugar relativo e subordinado diante daquilo que é designado como
verdadeiramente a "fonte" da Revelação: o Evangelho de Jesus. O Concílio de Trento já
fizera essa mesma colocação, num texto que, sob este prisma, poderia ter sido bem mais
explorado na teologia e na pastoral.[48] A fonte onde haurimos toda a Revelação, a
realidade primordial, o "Absoluto" em matéria de Revelação, éaquilo que foi prometido
pelos Profetas e que depois os Apóstolos proclamaram: o “Evangelho” de Jesus. Por esta
expressão entende-se o ensinamento de sua boca e, mais, todo o gesto de sua vida, pelo
qual ele Eis a realidade A qual convém propriamente o nome de "fonte da verdade
salutífera e da disciplina moral".[49]

A Escritura e a Tradição surgem, assim, perfeitamente focalizadas em seu lugar, que é mais
o de dois canais do que de duas fontes, através dos quais os homens recebem a Palavra de
Deus. Portanto, não os absolutizemos, não os consideremos independentemente do
Acontecimento polar da Economia divina, que foi a presença e a atuação de Cristo na
História; não os consideremos fora do quadro eclesial onde Cristo (e o Espírito de Cristo)
os suscitou. O Cristianismo não é somente uma Mensagem ou Epístola de Deus à
humanidade, cujo compêndio possa estar, portanto, exaustivamente encerrado num Livro. É
a religião de uma Palavra que se fez carne antes de se fazer Mensagem ou Livro; que se
tornou fermento atuante na História antes de lhe entregar a posse de sua Mensagem — e
isso pode significar que tenha criado condicionamentos especiais para sua transmissão e
interpretação. No diálogo, pois, com os protestantes haveremos de fazer-lhe ver como em
seuempenho em distinguir tão adequadamente entre a Palavra de Deus (que eles identificam
simplesmente com a Palavra bíblica) e a Igreja (a "aluna"- da Escritura, coma diria Barth)
estão no fundo omitindo de considerar milagre de um influxo impresso pelo Cristo nessa
Igreja, que ele fundou para ser não só a "aluna" da Palavra bíblica; mas seu “habitat” nativo
— porque sede do mesmo Espírito que também impregna a Letra. Estão no fundo,
conceituando de um modo puramente “associacionista” a Igreja, como se ela fosse somente
um conjunto de fiéis — isto é, de vozes humanas e falíveis — e não o “sacramento”; o
“mistério”, o lugar onde Cristo continua operando através de seu Espírito.[50] No ponto de
vista católico; a Escritura não pode ser adequadamente distinta da Igreja. Ela é um
elemento- de sua constituição.[51] Deus a quis como uma cristalização, como uma nova
"encarnação" de Sua Palavra, que surgisse; na infância daIgreja para nela se perpetuar
como um elemento inamissível. Fora da Igreja, a Escritura é letra morta, letra. sem o
Espírito. Só se torna Palavra do Deus vivo no momento em que se torna iluminada pelo
Espírito que Cristo entregou como o Hóspede de sua Igreja: Desde então, passa a ser
Mestra da Igreja, porque voz do-Espírito, voz de Cristo, voz do Esposo, voz à qual a Igreja
deve seu existir e por isso a norma de seu evoluir. É a doutrina que está subjacente ao no 10
da Constituição, com qual se encerra o capítulo II: Tradição, Escritura e Magistério
intimamente entrelaçados enquanto fecundados pelo Espírito Santo, que visa realizar, por
estes instrumentos, Seu desígnio do “Povo .de Deus”.

A Sagrada Escritura

Os quatro capítulos seguintes tratam em particular da Sagrada Escritura. Inicialmente, da


inspiração divina e da consequente inerrância, ou melhor, verdade, de todos os livros
canônicos.

Sobre a inspiração retomam-se os termos da conhecida definição do Vaticano I: os livros


sagrados foram estritos sob inspiração do Espírito Santo; por isso a Igreja afirma que Deus
é seu Autor. [52] Citam-se alguns dos clássicos lugaresbíblicos onde se apoia essa
afirmação tradicional[53] cujo. sentido é o de postular mais que uma assistência divina
preservativa de erros ou uma simples "aprovação subsequente" do Espírito Santo — ou da
Igreja — dada a obras em si puramente humanas.

O fato, porém, de Deus ser dito Autor da Bíblia não exclui que também os homens possam
ser ditos "verdadeiros autores"[54]: "Deus se utilizou de homens sem lhes tirar ouso das
próprias capacidades e faculdades", enunciado este que resume o que se pode ler nas
encíclicas "Spiritus Paraclitus", de Bento XV, e “Divino Afflante Spiritu” de Pio XII[55],
frequentes vezes citadas nesses capítulos juntamente com a “Providentissimus”, de Leão
XIII, e que até agora constituíram os grandes baluartes domovimento Bíblico Moderno.
Essa doutrina exclui que a inspiração tenha consistido num "ditado", quer de palavras, quer
de imagens, ou mesmo que-esteja comprometida em todo e qualquer "conceito" utilizado
pelos hagiógrafos em suas afirmações.[56] Daí resulta que podemos encontrar, a serviço
das afirmações divinas, todo um universo cultural de representações, que é de origem
puramente humana, e que não há de cair sob a inerrância bíblica. Estamos diante desse
aspecto da divina "condescendência", de que fala o no 13 da Constituição, e que imita a
Encarnação do Verbo pessoal na fraqueza da nossa natureza humana.

O documento não propõe, além disso, nenhuma teoria para elucidar a Colaboração do
Autordivino e dos autores humanos. É mais sóbrio do que a encíclica Providentissimus que
a este respeito assume e desenvolve a teoria de Santo Tomás sobre a “profecia” dentro da
categoria da instrumentalidade.[57] Segundo Leão XIII, a assistência do Espírito Santo
levou os escritores a “conceberem exatamente” (“rectemente conciperent”) o que deviam
redigir, asserção que, para alguns autores, opõe dificuldade à doutrina de um "sentido
pleno" nas Escrituras, capaz de ser ignorado do autor humano e conhecido apenas de Deus.
[58] Adiante veremos que, a Constituição, embora nada digaexpressamente sobre esse
“sentido pleno”, também não lhe estabelece nenhuma dificuldade preliminar, antes parece
supô-lo.
Da inspiração decorre a inerrância de todo o conteúdo que Deus “quis consignar em vista
de nossa salvação”.[59] Temos aqui uma formulação da inerrância em termos menos
absolutos do que os encontrados nos esquemas preparatórios.[60] É verdade absolutamente
isenta de erro a que interessa nossa salvação. Não se nega, pois, que possam existir
deficiências e até erros no domínio de observações da ciência natural ou de notícias
históricas.[61] [Nota do Site: Nesse domínio recusamos a interpretação do autor e
indicamos ao leitor o seguinte estudo, mais recente e seguro sobre o tema da inerrância da
Bíblia: Acerca da verdade contida na Sagrada Escritura - Gonzalo Aranda Perez]. Isso não
significa limitar a inerrância bíblica apenas aos dados de índole religiosa ou moral — teoria
preconizada no século passado por vários autores, mas rejeitada pelo magistério
eclesiástico.[62] (Teoria, aliás, que não resolve todas as dificuldades, porque mesmo na
ordem moral existem na Bíblia asserções deficientes ou superadas pelo Evangelho, como
por exemplo os Salmos de maldição).

A inerrância se restringe, assim, não só a temas religiosos ou morais, mas aquilo que nas
afirmações bíblicas diz respeito à salvação humana sobrenatural. Já Santo Agostinho dizia:
"O Espírito de Deus, que falou pelos escritores sagrados, não quis instruir os homens no
que não interessava a sua salvação".[63] Santo Tomás várias vezes ensinou que a Escritura
costuma falar "segundo as aparências sensíveis".[64] Leão XIII escreveu mesmo que este
princípio pode ser aplicado inclusive no domínio dos temas históricos.[65] É verdade que
aqui é preciso ter grande cautela, pois quando alguns autores pretenderam fazer uma
aplicação genérica do princípio das "aparências" no campo das narrativas históricas da
Bíblia, o Papa Bento XV advertiu contra esse abuso fácil de ser feito à doutrina de Leão
XIII.[66] E a razão éque a revelação judeu-cristã está intimamente ligada à história, ela
éuma "História Sagrada", de modo que uma "des-historicização" simplesmente a esvazia.

No esquema anterior ao texto definitivo da Dei Verbum lia-se que a Escritura ensina, sem
erros, "a verdade salutar". No texto definitivo lemos: "a verdade que Deus quis consignar
por causa de nossa salvação". A modificação é mais de linguagem do que de sentido, tendo
sido feita para serem evitados possíveis desvios deinterpretação, mas mantém o conceito
restritivo de inerrância, de que falamos[67], cujo significado preciso é o indicado na citação
de Santo Tomás, acrescentada em nota, onde o Santo Doutor inquire “se a profecia diz
respeito às conclusões do saber (humano)”. É o seguinte o teor dessa magnífica citação:

"Respondo dizendo que em tudo aquilo que existe em função de um fim, a determinação da
matéria se faz segundo a exigência do fim, conforme diz o Filósofo (II Phys.). Ora, o dom
da profecia é concedido para a utilidade da Igreja, conforme ensina o Apóstolo (2 Cor 12).
Logo, tudo aquilo cujo conhecimento pode ser útil à salvação é matéria de profecia, sejam
coisas passadas ou futuras, eternas, necessárias ou contingentes. Tudo aquilo, porém, que
não pode pertencer à salvação éestranho à profecia..., por isso, as palavras de João 16,13:
"Quando vier o Espírito da verdade, Ele vos ensinará toda a verdade", a glosa acrescentou:
"necessária à salvação". Ora, necessário à salvação é o que é necessário à instrução da fé ou
à informação dos costumes. Mas muitas coisas que são demonstradas na ciência podem ser
úteis a isso; como, por exemplo, a incorruptibilidade do intelecto, ou aquilo que, con-
siderado nas criaturas, induz à admiração da divina sabedoria e do divino poder; eis por que
também são mencionados na Sagrada Escritura".[68]

Quanto à interpretação da Sagrada Escritura, a Constituição pouco se estende.[69] Não


menciona expressamente senão o sentido literal intencionado pelos hagiógrafos, que
recomenda seja atentamente investigado. Se a Palavra de Deus quis exprimir-se "através de
homens e de modo humano", devemos procurar entendê-la dentro desses condicionamentos
de conceituação e de linguagem humana que ela utilizou. Para isso será da maior
importância o conhecimento dos vários gêneros literários, bem como das circunstâncias
concretas ("Sitz im Leben") em que os textos foram redigidos.[70]
Não está dito, porém, que a função da exegese seja apenas a de conhecer o que os
hagiógrafos quiseram manifestar: ela deve procurar conhecer "o que Deus nos quis
transmitir", "o que a Deus aprouve manifestar mediante as palavras dos hagiógrafos".

Com estas palavras, a Constituição não pode deixar de abrir a perspectiva do chamado
"sentido pleno", embora conste pelo relatório da Comissão teológica que não haja o
propósito de ensinar formalmente a existência desse sentido.[71] Há teólogos e exegetas
que o negam, julgando-o incompatível com a doutrina da instrumentalidade da inspiração,
instrumentalidade essa que, exercendo-se em toda a extensão dos Livros sagrados, não nos
permitiria abstrair da participação dos autores humanos sequer um conceito.[72] A maioria
dos modernos autores, ao contrário, diz que o fato mesmo do hagiógrafo ser instrumento
nos força a admitir que sua obra atinge efeitos superiores ao alcance de sua cooperação,
conforme as palavras de Santo Tomas: Por isso que a mente do profeta é instrumento
deficiente, até mesmo os verdadeiros profetas não conhecem tudo o que, mediante suas
visões, suas palavras ou seus gestos, está na intenção do Espírito Santo”.[73] Também a
doutrina de Pio XII, expressa na Divino Afflante Spiritu[74] e principalmente na bula
Munificentissimus Deus[75] supõe, a existência objetiva de um "sentido pleno", distinto de
qualquer alegorização subjetiva.

O parágrafo sobre a exegese termina lembrando que ésobretudo na perspectiva do Espírito


Santo, Autor principal da Bíblia, que se deixa captar o sentido de seus textos. O que
significa que devem ser lidos dentro do panorama global da Revelação, com os olhos da
tradição viva da Igreja e das analogias da fé, competindo em última instância ao Magistério
da Igreja o julgamento sobre os resultados da exegese.

O Antigo e o Novo Testamento


O capítulo IV versa sobre os Livros do Antigo Testamento. Recorda, de início, o quadro da
História da salvação em que se situam. O significado da escolha do povo de Israel foi pre-
parar a salvação universal, e dessa vocação teve conhecimento cada vez mais profundo
através da mensagem dos profetas. Economia provisória, portanto, mas cujo registro nos
Livros Sagrados conserva o perene valor de "palavra de Deus". Encontram-se neles, sem
dúvida, "coisas imperfeitas e transitórias", mas permanecem para os cristãos o documento
da pedagogia divina preparatória do Cristo e do Reino Messiânico. De par com as profecias
e figuras contem ensinamentos sublimes sobre Deus e a salvação, além de tesouros
admiráveis de preces. Sua plena significação só aparece A luz do Evangelho, para cujo
entendimento, por sua vez, contribuem.

O capitulo V, dedicado ao Novo Testamento, exalta sua excelência e em particular a dos


Evangelhos. Sendo Cristo o VerboEncarnado, que agiu e falou entre nós, cheio de graça e
verdade, os Livros inspirados que foram escritos em seu testemunho devem ser
considerados, de maneira eminente, palavra salvífica de Deus. Isto vale em primeiro lugar
para o "quadriforme Evangelho" — segundo Mt, Mc, Lc e Jo — do qual se dirá que éo
"fundamento da fé" (enquanto condição de pleno conhecimento de seu conteúdo).

Aborda-se, a seguir, a questão da historicidade dos Evangelhos. Alvejaram-se aqui certas


ilações ou insinuações provenientes do chamado "método da história das formas" e que
poderiam estar ameaçando a exegese católica. Como é sabido, trata-se de um método
especial de crítica que, após enuclear e classificar as diferentes unidades ou tipos literários
discerníveis nos Evangelhos (paradigmas, palavras, narratos, etc.), procura estabelecer sua
conexão de origem com a vida concreta e a psicologia da comunidade primitiva ("Sitz im
Leben), onde preexistiram como tradições orais. Daí muitas vezes uma tendência não
apenas a exagerar o "mosaico" dos Evangelhos como, principalmente, a atribuir um poder
amplificador, mito-criador, à comunidade e o empenho em "desmitologizar" chega então
facilmente a "des-historicizar", ou à conclusão de um hiato intransponível entre o Jesus
histórico e o do testemunho de seus fiéis.
Em 1964, a Pontifícia Comissão Bíblica publicou a Instrução Sancta Mater Ecclesia[76],
alertando contra esses erros e perigos, provenientes não do uso do método em si, mas de
preconceitos racionalistas que forçosamente relegam os milagres à categoria de "mitos", e
que muitas vezes se aliam a uma falsa concepção da fé, segundo a qual não importa a
verdade histórica. Ao mesmo tempo reconhecia a Instrução a utilidade de um sadio
emprego do método, isto é, a consideração de que os evangelistas dependem de uma
pregação apostólica que os precedeu — Sob a forma não de puras narrações, mas também
de outros modos de dizer, em função das necessidades concretas dos ouvintes (catequeses,
testemunhos, hinos, doxologias, preces) — e de que, ao procederem à redação dos
Evangelhos, organizaram seu material dentro de propósitos determinados de serviço às
igrejas.

Várias expressões dessa Instrução encontramos retomadas pela Dei Verbum, no no 19. A
historicidade dos Evangelhos não pode ser posta em questão[77], mas isto não significa que
seu gênero literário seja, simplesmente falando, o "gênero histórico", porquanto eles foram
redigidos sob a luz da compreensão mais plena que os Apóstolos tiveram em Pentecostes,
de tudo o que o Senhor fizera e dissera; e porque os hagiógrafos "escolheram" certas coisas,
"sintetizaram" outras, ou as explanaram "com vistas à situação das igrejas", ou ainda as
"proclamaram" ("formam praeconii retinentes"). Sempre, porém, transmitindo "verdades
autênticas a respeito de Jesus ("vera et sincera de Iesu"), pois esta foi sua expressa intenção.

Escritura e Vida

O capitulo VI considera a Sagrada Escritura na vida da Igreja. A primeira afirmação é que a


Igreja, da mesma forma como venera o Corpo do Senhor, venera as Escrituras divinas. Não
são também expressão humanizada e tangível da Palavra de Deus? E a Palavra não é a
pessoa mesma do Filho de Deus? Eis por que, no fundo, uma é a “mesa” na qual a Igreja
serve a seus filhos, sob duas formas, o "pão da vida".
Esta ideia já tinha sido recordada em várias passagens da Constituição conciliar sobre a
Liturgia. Para muitos cristãos modernos pode parecer uma comparação estranha e ousada.
Na verdade é tradicional e tem um valor que é mais do que o de piedosa alegoria —
embora, como qualquer comparação, tenha seus limites (a Revelação divina só constitui
verdadeiramente uma "Encarnação" do Verbo no Cristo Jesus, que está substancialmente
presente na Eucaristia; em todas as outras manifestações, a Revelação, rigorosamente
falando, é uma comunicação do Verbo menos plenária, uma comunicação da "força" do
Verbo divino, que não lhes dá, porém, sua divina subsistência: donde, seria gravíssimo erro
querer equiparar simplesmente, mesmo para eleitos práticas de culto, a Bíblia à Eucaristia,
a audição da Palavra de Deus à participação sacramental na Eucaristia).

No Evangelho de São João, capítulo 6, o famoso discurso de Jesus em Carfanaum podemos


dizer que fornece um fundamento bíblico imediato para essa comparação, pois ali o "pão do
céu” é a Palavra assimilada inicialmente no ato de fé e depois na Comunhão da carne e do
sangue do Senhor. Santo Inácio de Antioquia escrevia pouco mais tarde: "Eu me refugio no
Evangelho como no Cristo corporalmente presente".[78] “Logos ensarkos” e "Logos
embiblos”, disseram algumas vezes os Padres e ainda a "Imitação de Cristo", na Idade
Media, falava da "duas Mesas", a do Alimento e a da Luz.

Na base o que está em jogo, mais uma vez, é o fato de ser a Revelação cristã uma irrupção
de Deus na História não só por sua Mensagem, mas também por sua Ação. E se aquela
encontra na Vida da Igreja (enquanto se prolonga pelos séculos distribuindo à humanidade
os dons da Redenção), sua culminante manifestação na Escritura, esta se exprime nos
Sacramentos e, de modo particular, na Eucaristia, prolongamento da Presença e da Açãodo
Senhor.
Juntamente com a Tradição, a Escritura é a suprema regra da fé”[79], e cabe-lhe, de modo
especial, o título de “palavra de Deus"[80], porque é seu canal "inspirado". Nela ressoa,
pois, a "voz do Espírito Santo", nela vem carinhosamente dialogar com seus filhos "o Pai
que está nos céus"- ("Pater occurrit"). Aplicam-se-lhe, por isso, os adjetivos que os
Apóstolos atribuíram de modo absoluto, à Palavra de Deus: "viva eficaz"; "poderosa para
santificar".[81]

Devendo ser franqueado seu acesso à totalidade dos fiéis, o Concílio deseja multipliquem-
se as "versões adequadas e corretas, principalmentedos textos primitivos dos livros
sagrados”[82] e até — a critério da autoridade eclesiástica — em edições comuns com os
irmãos separados.

Os exegetas e estudiosos são encorajados a um estudo bíblico profundo e comum ("collatis


sedulo viribus") a fim de proporcionarem ao máximo número de pastores a faculdade de
distribuírem frutuosamente a Palavra ao Povo de Deus.[83]

Sejam esses estudos "como que aalma", da Teologia, bem corno da pregação, da catequese
e de, toda instrução cristã (retiros, conferencias espirituais, etc.), principalmente da homilia
litúrgica.

Recomenda-se, assim, aos clérigos, sobretudo aos sacerdotes e outros que, como diáconos e
catequistas, se consagram ao ministério da palavra, a “leitura assídua” e o “minucioso
estudo” dessa palavra .que pregariam em vãose não a escutassem pessoalmente no interior
de si mesmos. Exortam-se, igualmente os demais fiéis, especialmente os Religiosos, a que
vão aos próprios textos sagrados; seja mediante a participação da Liturgia, seja mediante a
leitura pessoal e a frequência a cursos apropriados, seja enfim pela oração. Referindo-se a
esta, a Constituição evoca aquele hábito que na espiritualidade monástica se chama a
"lectio divina", a leitura meditativa que—conduz oração, ou antes que já éfeita como uma
oração, e na qual o fiel procura encontrar com a inteligência e com toda a alma, a
mensagem que a Palavra de Deus dirige à sua pessoa em particular: "com Ele falamos
quando rezamos, a Ele escutamos quando lemos", diz o, texto. Dialogo, pois, conversação
com Deus, e assim, eminente modo de orar. Supõe-se nisto, com toda a Tradição, existir na
profundidade da Escritura (pelo fato de que é a Palavra divina dirigida a todos os homens)
um sentido "espiritual" que não é só o das figuras e tipos a respeito do Povo de Deus em
seu conjunto, mas esse de uma mensagem moral especifica para cada fiel.

[1] Cf. a declaração do Secretario Geral do Concilio sabre a qualificação teológica da


Constituição: "Segundo o costume conciliar e a finalidade pastoral do presente Concilio,
este Santo Sínodo define como verdade de fé apenas aquilo que expressamente declarar
como definido em matéria de fé e moral. Tudo o mais que o Concilio propõe, sendo
doutrina do Magistério Supremo da Igreja, deve ser acatado e aceito por todos e cada um
dos fiéis segundo a mente do mesmo Concilio, que transparece quer da matéria versada,
quer do modo como é expressa, se¬gundo as normas da interpretação teológica", REB 25
(1965), 489.

[2] O 1o. esquema, que se chamou "De fontibus revelationis", foi discutido na 1a. Sessão
do Concilio (1962). A maioria dos conciliares o rejeitou num sufrágio que, não tendo
atingido dois terços, foi pessoalmente corroborado pelo Papa Joao XXIII (dia 21-11-1962),
o qual ordenou que fosse refundido por uma Comissão mista, composta da Teológica e do
Secretariado para a União dos cristãos. Surgiu assim, durante o período intersecional, um
2° esquema, que foi enviado aos Bispos (maio de 1963) a fim de o examinarem e enviarem
suas impressões à Comissão. Cerca de 300 Bispos, que se manifestaram, louvaram algum
progresso, mas mantiveram em geral fortes criticas. Em marco de 1964, foi constituída uma
Subcomissão especial para rever o esquema, a qual elaborou um 3o. ensaio. Em outubro
seguinte (3a. Sessão conciliar) foi este discutido na aula de São Pedro, sendo
substancialmente aprovado, mas com a proposição de várias modificações. Assimiladas
estas ao esquema, resultou em um 4o. texto, que foi votado por partes (20-22/9/1965),
recebendo ainda sugestões em numerosos "placet iuxta modum", de sorte que foi preciso
proceder-se a um 5o. texto, o qual foi votado (20-22/10) e solenemente promulgado a 18-
11-65. Cf. M. Zerwick, S.J., "De S. Scriptura in Constitutione dogmatica Dei Verbum", em
Verbum Domini 44 (1966), 17-42. Para maiores detalhes veja-se, por exemplo, Fr.
Boaventura Kloppenburg, O.F.M., Concilio Vaticano II, vol.IIe vol. IV, Petrópolis, 1962-
1965; idem, "A IV e Última Sessão do Vaticano II", REB (1965), p. 446.

[3] Cf. Denzinger-Rahner, n. 1785-1820.

[4] Menções expressas nos números 5 e 6 da Dei Verbum (DV), sobre a fé, o mistério da
salvação e a relativamente necessária revelação de certas verdades da ordem natural. Veja-
se o que diz o Proêmio.

[5] Dz. 1796.

[6] DV 2, 4, T. 14, 17, 18, 19.

[7] Conceituando a Revelação como "locução de Deus feita de modo magisterial", os


Manuais de Teologia fundamental frequentemente acentuavam apenas o aspecto de divina
"Lição", que é a Revelação, esquecendo-se que ela é também o Gesto que deflagra a
História sagrada. Daí certo extrinsecismo, depois, na concepção da fé e dos sacramentos, da
vida da caridade e da recompensa celeste, etc. Da Revelação como "encontro" entre Deus e
a homem tratou, em vários estudos recentes, R. Latourelle, S.J., dos quais conheço os
estudos publicados em Gregorianum (1962), 39-55; 492-510 e (1963), 225-263.

[8] Note-se que não nos referimos a integração "quoad se", postulada a-priori pela
simplicidade da ação divina, mas à que vem postulada pela lógica inerente a seus elementos
manifestativos, enquanto considerados "quoad nos".

[9] Pensamos que assim se devem interpretar as varias referências da Constituição às


"palavras" e as "ações", não se tratando apenas de declarar que estas últimas eram
ensinamentos dramatizados ou propostos à maneira de exemplos: cf. R. Laurentin, L'enjeu
du Concile: Bilan de la première session, Paris 1963, p. 29 ss. A interpretação deste autor,
entretanto, não coincide perfeitamente com a nossa.

[10] Cf. Is 55,10 no sentido que lhe acomoda a Liturgia.

[11] LG, 8.

[12] DV, 2, 4, 13, 17.

[13] Rom 16,25; 1 Cor 2,7; Ef 5,32; Col 1,26 s; Ef 1,9; 3$; etc.
[14] Jo 1,9. Cf. S. Tomás: "A Revelação se faz por meio de certa luz interior e inteligível,
que eleva a mente para que esta perceba aquilo que, por sua luz natural, o intelecto não
pode atingir": Contra Gentes III, cap. 135.

[15] “A Lumen Gentium, em sua apresentação da Igreja como um "Sacramento", e em todo


a seu admirável capitulo sobre "o mistério da igreja", põe em relevo esse caráter ministerial
e relativo dos elementos visíveis da Economia divina."

[16] Rom 10,17.

[17] 1 Tim 2,4; Mt 28,18; Lc 9,56; 10,10; Jo 3,16s; etc.

[18] Cf. Santo Tomás, C. G. III, cap. 153: "O movimento pelo qual a graça nos dirige ao
fim último é voluntário, não violento... ora, para ser voluntário, precisa ser conhecido; logo,
é necessário que a graça nos proporcione um conhecimento do fim último para que nos
possamos endereçar para ele"

[19] Contra o jansenismo, a sentença da teologia católica foi sempre a de que a vontade
salvífica universal de Deus se traduz concretamente na oferta de graças, pelo menos
suficientes, de salvação, a todos os homens. Já antes, S. Tomás: "O efeito dessa vontade e
a própria ordenação da natureza para o fim salutar e a oferta de todas as coisas, tanto
naturais como gratuitas, que promovem na direção do fim": In Sent. 1, d 46, q 1, a 1. É a
mesma doutrina que está mais ou menos explícita nos grandes textos do Vaticano II sobre a
ordenação de todos os homens ao Povo de Deus: LG, 16; Ad Gentes, 3; Nostra Aetate, 2;
etc.
[20] DV, 3.

[21] Gen 3,15: DV, 3.

[22] DV, 3.

[23] Propondo Cristo como consumador da Revelação, a Comissão teológica achou não
precisar afirmar explicitamente que com a morte do último Apóstolo "a Revelação se
encerrou", como alguns conciliares haviam solicitado: cf. B. Kloppenburg, "A IV e
Última...", p. 445

[24] Jo 3,34.

[25] DV, 4,17.

[26] DV, 5.

[27] “Linguagem bíblica e personalista”, disse o Relator. Cf. a propósito o artigo de P.


Grelot, “La Constitution sur la Revelation”, Etudes (1966), p. 236.
[28] Dz 1796.

[29] Entre os teólogos protestantes recentes encontramos não raro uma atenuação do
principio da "Sola Scriptura", que talvez exprima a mente, na verdade, dos primeiros
Reformadores. Não nos referimos só ao fato de que reconhecem a necessidade de ser a
Escritura lida dentro das Igrejas e com a ausculta de toda a série multissecular da
"Tradição": desprezar a Tradição seria como "desonrar pai e mãe" (Barth); ainda assim,
contudo, sendo a Tradição uma autoridade humana e não celeste, haveria de ser mensurada
finalmente conforme o conhecimento que cada um tivesse da Escritura, sob a luz do
Espirito Santo. A atenuação, porém, mais importante, de que falávamos, consiste na
tornada de consciência de que o valor decisivo da Escritura não é propriamente o de ser ela
a Palavra de Deus escrita, mas simplesmente a Palavra de Deus (cf. o artigo "Tradition", de
G. Ebeling, na enciclopédia protestante Die Religion in Geschichte und Gegenwart, 4a. ed.,
t. VI, cadernos 31-36 (1962), col. 966 984: "Quand les Reformateurs parlent de la Sola
Scriptura, l'accent ne se place pas sur la Schriftlichkeit...", citado por J. Dupont, O.S.B.,
"Ecriture et Tradition", Nouvelle Revue Theologigue (1963), 337-356; 449-468: ver p. 342.
Daí certa abertura para a perspectiva de uma "Tradição primitiva" que, sendo também
Palavra de Deus, viesse a constituir princípio normativo da fé, se eventualmente pudesse
ser comprovada. A dificuldade quanto à doutrina católica se deslocaria então para o terreno
do modo como comprovar uma "Tradição apostólica". O maior dos equívocos protestantes
consiste em supor que para os católicos a Igreja — enquanto "coetus hominum fidelium" —
esteja acima da Palavra de Deus ou ao menos no mesmo nível que essa Palavra, isto é, que
o próprio Senhor. No fundo pensam que erigimos o "Magistério" eclesiástico ou as
veneráveis "tradições humanas" em fontes da Palavra de Deus, quando na verdade situamos
essas entidades no plano apenas de intérpretes da Palavra, a qual professamos estar na
Pregação apostólica e na Bíblia.

[30] Dz 783.
[31] DV, 7.

[32] Mt 28,20; Jo 14,16s. 26; Mc 16,16; Lc 10,16; etc.

[33] Defendendo este modo de ver escreveram, por exemplo: Y. M.-J.Congar, La Tradition
et les traditions. Essai historique. Essai theologigue. 2 vols., Paris 1960-63; H. Holstein, La
Tradition dons l'Eglise, Paris 1960; J. R. Geiselmann, Die Heilige Schrift und die Tradition.
Zu den neueren Kontroversen fiber das Verhaeltnis der Heiligen Schrift zu den
nichtgeschriebenen Traditionen, Friburgo/Br. 1962. Sustentando, ao contrário, a sentença
da insuficiência material da Escritura, como sendo a doutrina de Trento, escreveram H.
Lennerz, em Gregorianum (1959), 38-53; 624-635; (1961), 517-522; J. Beumer, em
Scholastik (1959), 249-258; (1960), 342-362; (1962), 222-226; etc.

[34] Veja-se Y. Congar, La Tradition . ..Essai historique, principalmente páginas 139-150.


Veja-se também P. de Vooght, O.S.B., "Le rapport ecriture-tradition d'apres saint Thomas
d'Aquin et les theologiens du XIlle siècle", em Istina (1962), 499-510: Santo Tomás
mantem rigorosamente que todos os artigos da fé salutar estão consignados na Escritura;
admite que, só pela tradição, se conhecem certos ritos e usos, até mesmo elementos
essenciais dos sacramentos (formas), mas não são pontos indispensáveis à salvação.

[35] Cf. P. Rusc h, "De non definienda illimitata insufficientia materiali Scripturae", em
Zeitschrift fur katholische Theologie (1964), 1-15.
[36] Cf. DV, 8: "Pela mesma Tradição torna-se conhecido à Igreja o cânon completo dos
livros sagrados". Nem todos os autores achariam, porém, que o cânon deva ser dito uma
verdade conhecida pela Revelação, podendo ser considerado simplesmente o objeto de uma
declaração infalível do magistério eclesiástico: cf. B. Brinkmann, SJ., "Insoiation und
Kanonizitat der Heitigen Schrift in ihrem Verhaeltnis zur Kirche", em SchoIastik (1958),
208-233.

[37] C. supra, nota 2.

[38] Veja-se, por exemplo, a justificativa dada pela Comissão à frase do n° 8, onde se diz
estar a pregação apostólica "speciali modo" expressa nos livros inspirados: "Ad
praecavendam quaestionem de sufficientia materiali S. Scripturae, et insimul ad
affirmandam praecellentiam ipsius, utpote quae non tantum verbum Dei contineat, sed sit
verbum Dei, dicitur simpliciter quod praedicatio apostolica in libris inspiratis special' modo
exprimitur": Cf. M. Zerwick, art. cit., p. 21

[39] DV, 9. Sobre a intervenção do Papa Paulo V1, mediante carta dirigida a Comissão
Teológica no dia 18-10-65, pode-se ler a noticia da Revista Eclesiástica Brasileira (1966),
383-385.

[40] Cf. ainda DV, 10: "A Sagrada Tradição e a S. Escritura constituem um só depósito da
palavra de Deus".

[41] 2 Tess 2,15, citada na DV, 8, bem como Jud 3. Outros textos: 2 Tess 3,6; 2 Tim 2,2;
Mt 28,19s; Mc 16,15s; Jo 14,16-26; At 1,8; 10,39-42.
[42] DV, 7; 8: "Unde Apostoli, tradentes... fideles monent ut teneant traditiones quas sive
per sermonem sive per epistulam didicerint". "Quod vero ab Apostolis traditum est, ea
omnia complecitur quae ad Populi Dei vitam... conferunt"

[43] DV, 9 e 10.

[44] DV, 9: "Haec quae est ab Apostolis traditio... proficit... turn ex contemplatione et
studio credentium... turn ex intima spiritualium rerum quam experiuntur inteltigentia, turn
ex praeconio eorum qui cumepiscopatus successione charisma veritatis certum acceperunt".
Assim, mais adiante, não saberíamos dizer que "Tradição" seja essa pela qual "integer
Sacrorum Librorum canon Ecclesiae innotescit": cf. supra, nota 36. Sobre os vários sentidos
do conceito de "Tradição", ver Charles Journet, "Dépôt divinement révélé et Magistère
divinement assisté", em Nova et Vetera (1950), 294-301; idem, Message révélé, Friburgo
1964: ver a diferença entre o "magistério declarativo" — ao qual é prometida uma
assistência absoluta e infalível, e o "magistério canônico", ao qual não é prometida senão
uma assistência prudencial, cujas luzes vão diminuindo à medida que se faz a aproximação
do mundo da mobilidade e da contingência: pp. 63-67.

[45] Cf. supra, nota 29.

[46] Escreve,, por exemplo, Pierre Maury, em Positions protestantes (coletânea


"Protestantisme français", Paris 1945, p. 417): "Depuis la promulgation de l'infaillibilité
pontificale au Concile du Vatican notamment, il nous semble que le principe, en soi
légitime, de l'interprétation du texte sacré de l’Eglise ... est appliqué de telle façon que
l'autorité de la Bible em matière de foi est totalement soumise à l'autorité de l’Eglise.
L'interprétation devient l'explicitation, et l'explicitation aboutit concrètement à des
adjonctions, voire à des altérations essentielles du contenu de la Révélation scripturaire.
C'est Rome qui parte' en dernière instance, et non pas la Bible". Colho a citação em J.
Dupont, O.S.B., "Ecriture et Tradition", Nouv. Rev. Théol. (1964), p. 339. Em outros
autores, entre os quais Karl Barth, encontramos as mesmas afirmações, passim. Agora,
entretanto, com a era do Concílio, as perspectivas estão mudando.

[47] DV, 8.

[48] Dz 783. Dom Jacques Dupont, O.S.B., mostra excelentemente a importância dêsse
texto no diálogo ecumênico, em seu artigo, "Ecriture et Tradition", NRT (1964), 337-356;
449-468: "Au lieu de juxtaposer deux réalités que les Réformateurs opposaient l'une à
l'autre, le Concile les situe par repport à une troisième: l’Evangile, dont on ne veut que
sauvegarder la pureté" (p. 345).

[49] DV, 7; cf. também 9.

[50] Veja a este respeito, Y, M-J Congar; O.P. “Sainte Ecriture et Sainte Eglise”, Rév. Sc.
Phil. Théol. (1960), 81-8a: "On ne peut unir organiquement à l'Ecriture qu'une Eglise qui
soit mystère sacramentel, Corps du Christ, Epouse, Temple du Saint-Esprit; si l'Eglise n'est
plus que “collection fidelium”, elle est bien proche d'être toute humaine, faillible, et de
n'exister comme Eglise de Dieu que par sa soumission à action de sa Parole” (p. 86).
[51] Este tema é desenvolvido por Karl Rahner, S.J., com sua habitual originalidade, em
Ueber die Schriftinspiration, Herder 1958, cf.também Missão e Graça, tr., Vozes 1965; 3o
vol., p. 176.s.

[52] Dz 1787.

[53] Jo 20, 31; 2 Tim 3,16; 2 Ped 1, 19-21; 3, 15-15.

[54] DV, 11.

[55] Cf. Ench. Bibl. (EB), 448 e 556 s.

[56] Desde, é claro, que não se trate formalissimamente do sujeito epredicado das
afirmações, pois a verdade destas desapareceria se desaparecesse o valor das noções sobre
as quais repousa.

[57] Summa Theol. II-II, pp. 171-174.

[58] Por isso, o “sentido pleno” só pode ser conhecido à luz de nova revelação na Nova
Economia.

[59] DV, 11.


[60] No 1o esquema, elaborado pela Comissão teológica preparatória, liamos: "Ex hac
divinae inspirationis extensione ad omnia, directe et necessario sequitur immunitas absoluta
ab errore totius S. Scripturae". Acrescentava em seguida as seguintes palavras das
Enciclicas "Providentissimus" e "Divino Afflante Spiritu": "Antiqua enim et constanti
Ecclesiae fide edocemur nefas omnino esse concedere sacrum ipsum errasse scriptorem,
cum divina Inspiratio per se ipsam tam necessario excludat et respuat errorem omnem im
qualibet re, religiosa vel profana, quam necessarium est Deum, summam Veritatem, nullius
omnino errons auctorem esse". (Note-se, porém, que essas Encíclicas continham, além
disto, sugestões restritivas como a aceitação de uma linguagem de "aparências", e dos
gêneros literários; por isto mesmo poderão permanecer citadas em nota no texto definitivo
da "Dei Verbum"). Nos esquemas posteriores houve mudança de registro. No 2o: “... inde
totam Scripturam divinitus inspiratam ab omiti prorsus errore immunem esse consequitur".
Mais ainda no 3°: "...inde Scripturae libri integri cum omnibus suis partibus veritatem sine
ullo errore docere profitendi sunt": fala-se não apenas de imunidade de erro, mas,
positivamente, da verdade contida nas Escrituras. Numa 4a formulação: "Inde Scripturae
libri integri... veritatent salutarem inconcusse et fideliter, integre et sine errore docere
profitendi sont". (Sobre a diferença entre esta fórmula e a definitiva, veja-se o que dizemos
adiante). Cf. M. Zerwick, art. cit., p. 30; P. Grelot, "La Constitution sur la Révélation",
Etudes, 1966, an., p. 107.

[61] Cf., a propósito, a intervenção do Cardeal Fr. Koenig, Arcebispo de Viena, durante a
3a Sessão conciliar: em B. Kloppenburg, Concilio Vaticano II, vol. IV, p. 108 s.

[62] Cf. J. Triquet, "Lenormant (François)", no Dict. Bible Supplément, col. 354-359; Y.
Laurent, "Le caractère historique de Gen. II-III, dans l'exégèse française au tournant du
XIXe siècle", em Ephem. Theol. Lovan. (1947), 36-39.
[63] De Genesi ad litteram 2, 920 (PL 34, 270s).

[64] S. Theol., I' q. 70, a. I. ad 3.

[65] Encicl. Providentissimus, EB, 123.

[66] Encicl. Spiritus Paraclittis,1B, 456; cf. Robert-Feuillet, Introduction la Bible, Desclée,
1959, I, p. 65.

[67]A explicação dada pela Comissão teológica à expressão "veritas salutaris" foi a
seguinte: "Voce salutaris nullemodo suggeritur Sacram Scripturam non esse integraliter
irtspiratam et verbum Dei... Haec expressio nullam intendit materialem limitationem
veritatis Scripturae, sed indicat eius specificationem formalem, cuiusratio habeatur in
diiudicando quo sensu quae in Scriptura assnmuntur sont vera". Atendendo à solicitação
dos opositores da expressão, o Papa Paulo VI escreveu à Comissão uma carta pedindo que
fosse reconsiderada a conveniência de ser omitida do texto, principalmente por não ser
ainda doutrina comum. A Comissão, entretanto, preferiu retê-la, modificando apenas seu
teor verbal para evitar abusos de interpretação e considerar a sugestão do Sumo Pontífice.
Cf. P. Grelot, "La Constitution…”Etudes' (1966), p. 239; Rev. Ed. Bras. (1966), 383-386:
"Três intervenções...”.

[68] De Veritate, q. 12, a. 2. A restrição, portanto, da inerrância não se dá quanto ao campo


material dos dados bíblicos, mas quanto à determinação de um ponto de vista: enquanto
dizem respeito à salvação, todos os dados contêm a verdade. Ainda assim, convém não
esquecer o caráter progressivo da Revelação, silenciado nesse texto da "Dei Verbum", mas
presente em outros: cf. I. de la Potterie, S.J., "La vérité de la Sainte Ecriture et l'histoire du
salut d'après la Constitution dogmatique Dei Verbum", Nouv. Rev. Théol. (1966), 156, nota
17.

[69] DV, 12

[70] O primeiro documento que advertiu, "ex professo", sobre a necessidade do


conhecimento dos vários gêneros literários (poesia, narrato histórico, texto legal, etc.) foi a
encíclica Divino Afflante Spiritu, de Pio XII (EB 555-562), cujos termos recorrem na
Constituição Dei Verbum. A única novidade é aqui o reconhecimento de que podem existir
"textos que são de vários modos históricos" (compare-se, porém, com os documentos de
Pio XII e ver-se-á que não é uma novidade absoluta: ver, por ex., EB 558 e 618). Que quer
dizer esta expressão? Que uma coisa é, por exemplo, a "história primordial"
("Urgeschichte") que preenche o intervalo desde a Criação do mundo até Abraão, sem
citação de fontes; outra coisa é a "história religiosa", que, negligenciando as causas
segundas, atribui os eventos diretamente á Providência divina; outra, a "epopeia religioso-
nacional"; outra o "romance-histórico", etc. Cf. M. Zerwick, art. cit., 34 s.

[71] Cf. B. Kloppenburg, "A IV e Última, ..", REB 1965, p. 446.

[72] Assim, por exemplo, G. Courtade, "Les Ecritures ont-elles un sens plénier?" Rech. Sc.
Rel. (1950), 481-499; C. Spicq, O.P., "L'Ecriture et S. Thomas", Bulletin Thomiste, 1947-
1953, t VIII, pp. 220-221."
[73] Summa, II-11, q. 173, a. 4. Cf. as observações de M. Labour-dett e, O.P., "Théologie
morale", na Rev. Thom. (1950), 414-421.

[74] EB, 553: o Papa fala de "um sentido espiritual, intencionado e ordenado por Deus": cf.
M. Braun, O.P., "Le sens plénier et les encycliques", Rev. Thom. (1951), 294-304. Não
todos concordam, entretanto, que esse "sentido espiritual" seja outra coisa que o "sentido tí-
pico", nestas palavras de Pio XII.

[75] Cf. J. Coppens, "Les divers sens des saintes Ecritures"; Nouv. Rev. Théol. (1952), 3-
21.

[76] O texto encontra-se na REB 1964, pp. 483-487 e, no original latino, em Bíblica, 63.

[77] Bem diz M. Zerwick: "Si revera ageretur de evangeliorum histo-ricitate simpliciler,
ipsa religio christiana in summo esset periculo. Rerum condicio autem valde dissimilis est,
si solummodo agitur de genere historicitatis quod lifterario generi Evangeliorum ex
ipsorum testimonio videtur adscribendum esse" (art. cit., p. 38).

[78] Ad Philad., c. 5 (PG 5, 699-702).

[79] DV, 21
[80] DV 9, 21, 24.

[81] Heb 14,12; At 20,32; cf. 1Tess 2, 13: DV, 21.

[82] DV, 22

[83] DV, 23

FONTE: Revista Eclesiástica Brasileira, vol. XXVI, ano 1966, págs 816-837.

PARA CITAR

FOLCH, Dom Cirilo. A Revelação Divina - Perspectivas da Constituição Conciliar "Dei


Verbum" - Disponível em: < http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/concilio-
vaticano-ii/revelacao/696-a-revelacao-divina-perspectivas-da-constituicao-conciliar-qdei-
verbumq >. Desde: 12/06/2014.
A Revelação DivinaVeritatis Splendor12 de abril de 2012 A Revelação Divina2015-07-
03T17:46:31-03:00Teologia DogmáticaNo Comment

O que é?

REVELAR é remover um véu, isto é, fazer conhecer algo obscuro, oculto ou desconhecido.
O homem pode revelar o que sabe. Deus pode revelar tudo o que quiser deixar conhecido.
A REVELAÇÃO DIVINA é a manifestação de Deus feita para nós de uma verdade que
ilumine as nossas mentes de uma forma sobrenatural (S. Th. 2,2 q. 173 a. 3).

Com esta iluminação da mente, Deus nos comunica a verdade. Ele nos fala não apenas
colocando conceitos na mente humana ou atingindo exteriormente nossos sentidos, mas
também julgando com a luz divina conceitos que são apreendidos naturalmente.

Esta revelação é algo sobrenatural, enquanto supera a essência, as exigências e as forças da


natureza humana e não lhe é devida.

Supera:

A) A essência. Posto que Deus quis dar-lhe a existência, o homem na sua essência, isto é,
naquilo que é, tem direito aos bens inerentes à sua natureza humana (alma e corpo), mas
não tem direito de ter em si uma vida divina, como a revelação lhe promete.

B) As exigências. O fim do homem é chegar a Deus, mas, segundo a simples natureza


humana, poderia chegar, na medida do possível, com a inteligência e a vontade. Entretanto,
a revelação lhe promete a visão de Deus face a face.

C) As forças. A simples razão humana pode conhecer as coisas divinas de uma forma muito
limitada. Entretanto, com a revelação qualquer um conhece coisas que antes lhe eram
desconhecidas e que então compreende, e outras coisas – os mistérios – dos quais não
compreende a profundidade e a íntima substância, mas que, pela palavra de Deus, conhece
pelo menos de algum modo.

Assim também nos meios para atingir seu fim sobrenatural, a natureza humana não tem
forças suficientes, mas as encontra no que lhe dá a revelação.

A revelação se diz PÚBLICA quando é dirigida ao bem de todos homens, como aquela
feita por meio dos patriarcas, dos profetas, e, finalmente, por meio de Jesus Cristo. Diz-se
PARTICULAR quando é dirigida ao indivíduo, ainda que para o bem de muitos, como as
revelações feitas a alguns santos.

Diz-se IMEDIATA quando Deus se revela diretamente por si ou por um anjo sem a
assistência de um homem; diz-se MEDIATA quando nos manifesta a verdade por meio de
um homem, como se fez através dos profetas (de modo mais exato, também seria mediada
quando Deus usa o ministério de um anjo, mas aqui nós preferimos esta divisão da
revelação feita diretamente do alto a partir daquela entregue por um homem, a quem Deus
falou ou um ser enviado por Deus).

Erros contra a Revelação

Cada tese que tentaremos demonstrar tem uma conexão lógica com as outras. A verdade
religiosa se apresenta como um edifício harmonioso em todas suas partes e uma não pode
estar sem a outra.
Cada tese, no entanto, é diretamente contra os erros e por isso é necessário conhecê-los para
que nos apareça seu sofisma e inconsistência frente à beleza e à verdade do ensinamento
católico. Por isso, exporemos brevemente cada um tratado. Assim, a força da argumentação
contra eles se destacará melhor.

OS PRINCIPAIS ERROS CONTRA A REVELAÇÃO se encontram em doutrinas que têm


exagerado em dois sentidos opostos, enquanto que, às vezes, uma resulta da outra: a) ou
com um pseudossobrenaturalismo negando toda capacidade e toda possibilidade da razão
humana; b) ou com naturalismo absoluto admitindo apenas o que pode ser conhecido pela
razão em si.

A) PSEUDOSSOBRENATURALISMO

I – O TRADICIONALISMO nega a capacidade da razão humana de conhecer a verdade


religiosa e estabelece como único critério de verdade e de certeza a tradição oral do gênero
humano.

Argumenta-se da seguinte forma:

No princípio era “a Palavra” (Jo 1:1), isto é, a Revelação. Sem esta “Palavra”, não seria
possível nenhum conhecimento acerca de Deus. Por isso, Deus a comunicou a Adão e foi
transmitida até nós. Lamennais, um dos principais autores desta teoria (+ 1854), que se
manteve, diferentemente de outros como De Bonal (+ 1840), Bautain (+ 1867), Bonnety (+
1789), Ventura (+ 1861), que se submeteram e retrataram o erro depois da condenação da
Igreja, considera a razão individual incapaz de chegar ao conhecimento natural de Deus.
Entretanto, vê no consenso geral de todos povos uma confirmação da revelação à ideia de
Deus. Este tradicionalismo rígido foi condenado pela Igreja (D.B. 1617).

O TRADICIONALISMO MITIGADO (Beelen, Schanz, Laforet, etc.), entretanto, não foi


condenado. Ele não nega a capacidade da razão de conhecer a Deus, mas sustenta que ela
precisa estar preparada para isso por meio da instrução. Na prática, todos povos,
descendendo de uma única origem, à qual Deus fez a revelação, mesmo se enganando nas
suas religiões, trouxeram estes conceitos da revelação primitiva.

Enquanto se mantêm dentro desses limites, desde que não afirmem que a revelação seja
absolutamente necessária para alcançar o conhecimento natural de Deus (caso que seria
contra o Concílio Vaticano I), não se opõem ao ensinamento católico. Ademais, é fácil
distinguir se de fato traços da Revelação alcançaram todas as nações. Se por acaso não
tivesse chegado a ninguém nada desta revelação, seria possível chegar ao conhecimento
natural de Deus apenas com a razão.

II – O FIDEÍSMO exagera o papel da fé no conhecimento da verdade, negando que o


objeto da Apologética seja a credibilidade, uma vez que seria impossível a demonstração:
“é preciso acreditar sem provas”, se diz.

Este erro de protestantes antigos foi reproposto e recolocado novamente em nossos dias
com o existencialismo de Severino Kierkegaard e com a teologia dialética de Carlos Barth.
Com grande desconfiança nas forças da inteligência humana, desconfia-se das provas
racionais do Cristianismo, ou, pelo menos, tenta-se reduzi-las ao mínimo. Alguns católicos
também sentiram o influxo dessas teorias. Daí a referência da encíclica “Humani Generis”
(1950), que reafirma a possibilidade de “provar com certeza a origem divina da religião
cristã com a única luz da razão” e que acusa de erros aqueles que “não aceitam o caráter
racional dos sinais de credibilidade da fé cristã.”

III – O LUTERANISMO também segue o fideísmo com um pseudossobrenaturalismo


individual. Na verdade, ele admite a Bíblia como única fonte para conhecer as verdades da
religião, interpretada individualmente com iluminação divina.

No lado oposto estão os erros do:

B) NATURALISMO ABSOLUTO

Podemos classificar os principais em:

1º RACIONALISMO. É um sistema que afirma o supremo e absoluto domínio da razão


humana em todas áreas, submetendo ao seu controle todo fato e toda autoridade, incluindo
o mundo sobrenatural e a própria autoridade de Deus. Este sistema tende a humanizar o
divino quando não o elimina, ou a naturalizar o sobrenatural quando não o nega. Já nos
primeiros séculos da Igreja, eunomianos, nestorianos e pelagianos seguiram este caminho,
mas esse racionalismo estreito e exclusivo se desenvolveu no Humanismo com a
valorização do homem e de sua razão acima de toda autoridade; concretizou-se no
naturalismo de Bernardino Telesio, de Giordano Bruno, de Tommaso Campanella, e passou
à construção subjetiva de Descartes até a Enciclopédia do século XVIII. O racionalismo
nega, então, a Revelação e admite apenas o que a razão alcança.
2º AGNOSTICISMO. Nega a possibilidade ou a capacidade de conhecer alguma verdade:
ignoramus, ignorabimus (não sabemos, não saberemos) é o seu lema. A palavra
“agnosticismo” foi usada pela primeira vez pelo inglês Huxley.

O Agnosticismo se afirmou em correntes filosóficas:

a) Agnosticismo positivista (Conte, Littré, Spencer), que restringe o âmbito do


conhecimento humano ao fenômeno e ao fato experimental. Fecha-se aos fatos e
experiências, sem ir à origem das coisas, a Deus e à revelação, os quais julga
incognoscíveis.

b) Agnosticismo kantiano, segundo o qual a única realidade objetiva para nós é o fenômeno
(aquilo que aparece) que impressiona os nossos sentidos; a coisa em si (o númeno, aquilo
que a coisa é) nos escapa e a razão a substitui com as suas formas, como Kant as chama:
categorias a priori, que são subjetivas, isto é, antecedentes, independentes da experiência e
inatas. Muito menos podemos com razão atingir a Deus, que transcende toda a natureza.

Kant diz: tenho a ideia de Deus, mas não posso demonstrar a realidade fora de mim (a
crítica da razão pura). Mas, como um bom protestante, queria admitir a Deus, e então
ilogicamente concluía que se pode e se deve admitir Deus por meio da vontade, como um
postulado. (Crítica da razão prática) (Cf. PARENTE PIOLANTI – GAROFALO:
Dizionario di Teologia per i laici – Ed. Studium, Roma 1949).

Na mesma linha de Kant se encontram Hegel, Fichte, e mais perto dos italianos Croce e
Gentile, que em seu idealismo reduzem toda a verdade a um subjetivismo imanente a nós,
excluindo a realidade objetiva das coisas. Portanto, para eles, Deus existe à medida que nós
o pensamos, e não realmente em si mesmo.

3° MODERNISMO. Síntese de todas heresias, como chamou Pio X (cf. Encíclica


“Pascendi” e decreto “Lamentabili”, 1907). Partindo dos pressupostos filosóficos do
positivismo kantiano, afirma que a revelação é a compreensão por parte do homem de sua
relação com Deus. O Cristianismo não é mais um complexo de dogmas imutáveis, ??de
valor objetivo absoluto, que nos vêm de uma revelação objetiva externa e ao qual damos
assentimento individual. Isso não é senão o sentimento do divino que surge do nosso
subconsciente. Assim, o dogma é apenas a expressão provisória da nossa subconsciência e
está sujeito a uma contínua evolução.

O crítico, como tal, pode negar aquilo que admite como crente.

O Modernismo teve como principais autores na França Leroy e Loisy; Tyrrell na Inglaterra;
na Alemanha, Scheli; na Itália, os autores do “Programa dos modernistas” e Bonaiuti.

4° ONTOLOGISMO. Diz que podemos alcançar essas verdades com a nossa intuição.

Contra esses erros, eis as teses que se seguem:

Possibilidade da Revelação
TESE – É possível, e aliás conveniente, a Revelação Divina não apenas das verdades
naturais, mas também das verdades sobrenaturais, até mesmo dos próprios mistérios.

FILOSOFICAMENTE É CORRETO

TEOLOGICAMENTE É DE FÉ

(Veremos em seguida o que significa de fé; a partir daqui, enquanto estudando à luz da
razão humana, examinaremos qual é o pensamento católico frente a essas verdades.)

PROVA I

A) É POSSÍVEL POR PARTE DE DEUS, já que Deus pode revelar,

a) fisicamente. Sendo infinitamente sábio e onipotente, pode manifestar ao homem coisas


que estes não sabem, tanto com imagens internas como atingindo externamente nossos
sentidos. Pode fazê-lo imediatamente por si, bem como servindo-se de um homem.

b) moralmente. A revelação não anula sua majestade. Ao contrário, é conveniente, pois


ilumina o homem para atingir seu fim, que é Deus; por fim a revelação é direta à glória de
Deus.
B) POR PARTE DO HOMEM. Este, para praticar a religião, como é seu dever, poderá
fazê-lo melhor enquanto conhece mais o que Deus ensina e quer. Com a revelação, conhece
com maior perfeição e exatidão aquilo que Deus quer dele.

Também não se diga que submetendo-se a Deus, o homem diminui a dignidade e a


autonomia de sua razão, que aliás é enobrecida, porque recebe o ensinamento daquele que é
a Suma Sabedoria. A sua palavra veraz dá a garantia máxima da verdade. Assim, com a
liberdade de fazer uma escolha, é preciso saber o que escolher. Perante dois baús fechados,
não sei qual contém um tesouro, ou coisas inúteis. Quanto mais sei, melhor poderei
escolher, sendo ainda livre para pegar o baú sem valor, se quisesse. Mas eu seria um tolo se
recusasse o tesouro.

Assim, a razão, se iluminada por aquele que é a luz que ilumina todo homem, escolherá
livremente com maior sabedoria e, portanto, com maior dignidade.

II – ALGUMAS VERDADES NATURAIS. O homem, na limitação de sua inteligência,


tem um campo muito estreito também no conhecimento das verdades de ordem natural.
Muitas vezes também comete muitos erros na busca de tais verdades! Por isso, não é nem
um pouco incompatível que Deus as manifeste a ele para a realização mais fácil de seu fim.
Através do conhecimento seguro delas, o homem chega a conhecer melhor a Deus também
naquelas coisas que alcançaria com apenas as forças da inteligência humana.

III – TAMBÉM ALGUMAS VERDADES SOBRENATURAIS, OU MELHOR, ALGUNS


MISTÉRIOS.

Mistério é algo arcano, secreto. Existem também muitos mistérios na natureza. Por
exemplo, sabemos que movendo um dínamo se produz eletricidade. Sabemos quais são os
efeitos da luz, do calor, do movimento. Mas nós sabemos o que é a eletricidade? É um
mistério da natureza, e há incontáveis. Muito mais na revelação. “Em sentido amplo se
chama mistério uma verdade conhecida apenas pela Revelação, e compreensível, depois
dela, por parte da razão. Por exemplo: a criação do universo no tempo.” (M.J. Scheeben: I
Misteri del Cristianesimo, Trad. Gorlani, Morcelliana 1949, p. 9).

Em sentido estrito, o mistério é uma verdade, cuja existência, sem fé na palavra de Deus, a
criatura não pode ter certeza, ou melhor, não pode representar e compreender o conteúdo
diretamente, mas apenas indiretamente, comparando-o com coisas de outra natureza
(PARENTE – PIOLANTI – GAROFALO op. cit.).

Geralmente, outros autores definem, com expressão mais fácil, o mistério como uma
verdade que é sabida existir, mas não se sabe como existe. Mas preferimos a definição mais
difícil em sua linguagem técnica por ser mais exata e completa. De fato, a obscuridade do
mistério não consiste apenas em não saber como seja, mas, antes que nos seja revelado, não
sabemos nem que existe.

A Igreja estabeleceu o significado da palavra mistério no Concílio Vaticano I (Sess. III. 4):
“Os mistérios divinos por sua própria natureza transcendem de tal modo o intelecto criado
que, embora revelados e cridos, ficam contudo velados e obscuros durante a vida mortal.”

Por isso, na definição se diz que a criatura não pode representar e compreender o conteúdo
diretamente, mas apenas de forma indireta, comparando-a a algo de outra natureza. Isso se
diz conhecer por analogia.
Quando anos atrás um viajante trouxe do Oriente a planta de lótus com os seus frutos que o
povo comumente chama de “caqui”, se ele tivesse falado antes que os ocidentais a tinham
visto podia lhes dizer: “o tronco daquela árvore é feito de tal modo e se assemelha a tal
planta; as folhas são semelhantes àquelas das tais plantas, o fruto na cor e forma é quase
como uma laranja, mas a casca é muito mais suave e o interior mais polposo, etc.” O que
teriam entendido? Se faria uma ideia aproximada, comparando-o à planta de outro gênero,
mas não teriam tido a ideia precisa. Então um dia falando sobre cores com um cego nato,
essa pessoa me disse que pensava o vermelho como um som forte de trombeta. Ele, sempre
cego de nascença, não podia ter a ideia exata da cor: somente com as notícias que ele pôde
apreender, comparando com coisas de outra natureza, os sons, que ele conhecia, formava
uma ideia de que no vermelho, diferentemente de outras cores, havia algo forte que atingia
com maior intensidade no olho de quem podia ver, como o som de uma trombeta atinge
com maior intensidade o ouvido, mais do que o som de um violino ou de uma flauta.

Se na ordem da natureza das coisas criadas, tanta coisa permanece velada para quem não
percebe diretamente, mas apenas através de uma comparação, pensamos em quão
profundos e obscuros serão os mistérios que se referem a Deus! Por isso, embora revelados,
a razão humana não poderá penetrar inteiramente em sua essência, nem demonstrá-los
intrinsecamente. Porém, mesmo conhecida alguma coisa de sua essência, de acordo com a
fraqueza da inteligência humana, será uma nova riqueza incomparável à nossa mente, tanto
no campo da verdade quanto nas consequências práticas que derivam desta luz de vida.

Os mistérios não podem ser demonstrados pela razão, mas pode-se demonstrar que não a
contrariam. O mistério está acima, não contra a razão. Deus, Verdade substancial, é o autor
da fé e da razão, e não pode haver contradição entre fé e razão.

Dizer que na religião há mistérios que superam a inteligência humana não é colocar um
obstáculo à grandeza de nossa Fé. É, ao contrário, confirmar que nossa religião é divina. É
mais que lógico existirem mistérios. Se não existissem, igualaríamos a nossa mente com a
de Deus, que é um absurdo. A mente de Deus é infinita e a nossa pequena inteligência não
pode cobrir sua infinita sabedoria. Por fim no Paraíso, enquanto muitos mistérios nos serão
completamente revelados, outros – aqueles que envolvem a vida íntima de Deus, como, por
exemplo, o mistério da Santíssima Trindade – serão conhecidos mais ou menos por cada
um de acordo com o grau de glória, de forma a satisfazer plenamente a inteligência dos
beatos, mas os poderá compreender de modo completo.

Em um copo não pode entrar toda a água do mar. Muito menos na nossa pequena
inteligência se pode compreender a infinita sabedoria de Deus.

A REVELAÇÃO DAS VERDADES SOBRENATURAIS E DOS PRÓPRIOS


MISTÉRIOS é possível, aliás, muito conveniente:

a) por parte de Deus, que pode, como por outras verdades, nos manifestar essas,
inacessíveis à razão humana, sendo infinitamente Sábio e Onipotente.

b) por parte do homem que vem a conhecer com certeza a verdade a qual a sua inteligência
não podia atingir. Chega a conhecer pelo menos a existência dos mistérios e por meio
destas verdades pode encaminhar sua vida com mais segurança em direção ao último fim,
do modo querido por Deus.

Necessidade da Revelação
Devemos mostrar esta necessidade:

Iº com respeito às verdades divinas e acessíveis à razão humana,

IIº com respeito aos mistérios.

I TESE – No estado atual do gênero humano, as verdades divinas, também aquelas por si
acessíveis à razão, para serem conhecidas por todos, com firme certeza e sem erros,
requerem moralmente uma revelação (Conc. Vat. I D.B. 1786).

EXPLICAÇÃO: Explicamos os termos:

NO ESTADO PRESENTE DO GÊNERO HUMANO: trata-se da condição sob a qual se


encontra o gênero humano após o pecado, com as suas paixões, a sua fraqueza. Trata-se da
humanidade no seu complexo, não de um só indivíduo singularmente.

AS VERDADES DIVINAS: é possível que um homem com seu estudo possa vir a
conhecer alguma verdade divina. Aliás, nas páginas anteriores já mostramos que as
verdades fundamentais podem ser alcançadas passando-se do conhecimento das coisas
visíveis ao das coisas invisíveis, conhecendo-se quem é o Autor. Mas aqui falamos do
conjunto de todas verdades que por si seriam acessíveis à razão humana.
TAMBÉM AQUELAS POR SI ACESSÍVEIS À RAZÃO: não se trata de verdades que se
podem conhecer somente se manifestadas por Deus, mas daquelas que a razão humana
poderia alcançar com suas próprias forças.

PARA SEREM CONHECIDAS POR TODOS: Mesmo que um só indivíduo pudesse


colocar-se ao estudo de todas verdades religiosas acessíveis à razão, a maioria dos homens
não teria meios, quer pela falta de tempo, quer pela inteligência e preparação cultural, quer
pelas ocupações e necessidades da vida. No entanto, todos homens têm necessidade
absoluta de conhecer as verdades divinas com firme certeza. Mesmo depois de longo estudo
feito pelas mentes mais ilustres, nem todas verdades poderiam aparecer à mente com a
segurança que é necessária para as verdades que interessam a toda a nossa existência.
Temos a prova nos estudos dos maiores filósofos pagãos. Por exemplo, Platão, em seu
Fédon, relata a demonstração feita por Sócrates sobre a imortalidade da alma; ademais, o
grande filósofo tem algumas incertezas sobre este assunto de importância vital.

E SEM ERROS: os próprios filósofos pagãos em busca das verdades de ordem natural não
só tiveram algumas incertezas, mas caíram em erros reais. Muito mais ainda cairá um
homem desprovido de cultura.

REQUEREM MORALMENTE UMA REVELAÇÃO: é dita necessidade moral aquela que


não exclui outras possibilidades, mas que é praticamente indispensável e da qual não se
pode prescindir. Assim, por exemplo, para desenhar um círculo perfeito não é
absolutamente impossível traçá-lo a mão livre, mas na prática será necessário o compasso
ou outro instrumento para que ele possa ficar perfeito. Tenho necessidade moral deste
instrumento.
A revelação é moralmente necessária para que os homens tenham facilidade de alcançar seu
fim último.

Esta tese é contra o naturalismo.

PROVA. A tese é comprovada por um argumento um histórico e um psicológico.

A) – ARGUMENTO HISTÓRICO. A História nos mostra que a humanidade por si só não


soube alcançar as verdades éticas e religiosas sem cair nos erros mais graves tais como o
politeísmo, a idolatria, a poligamia, os ritos cruéis e obscenos, etc. Com exceção da
afirmação comum da existência de um poder supremo do qual o homem depende, as outras
verdades religiosas foram quase todas falsificadas e alteradas em várias populações. Apesar
de toda a brilhante cultura grega e as sublimes especulações de Platão e Aristóteles, a
religião dos gregos se degenera em mitologia pueril e imoral.

Os próprios gregos mesclam graves erros às verdades objetos de sua especulação: o


desprezo da família em Platão, e o não reconhecimento da dignidade humana, admitindo a
escravidão, em Aristóteles.

A humanidade abandonada às suas próprias forças e considerada fora do Cristianismo


nunca chegou ao pleno conhecimento da religião natural, substancialmente única para todos
homens, e isso por uma impossibilidade moral, se não uma impossibilidade física e
absoluta.
B) – ARGUMENTO PSICOLÓGICO. Já São Tomás de Aquino (Contra Gentiles i c. 4)
elencava as dificuldades que a humanidade encontra para resolver o problema religioso.
Pode-se resumir nos três pontos seguintes:

1) – Dada a dificuldade que a mente tem de chegar à verdade e a condição da maioria dos
homens, apenas uma minoria pode aspirar ao conhecimento dessas verdades, e com muitas
incertezas e erros.

2) – Essa minoria não pode ser um guia para todos homens.

3) – Disso decorre que a maior parte da humanidade é moralmente incapaz de alcançar o


conhecimento da religião e, portanto, é moralmente necessária uma revelação divina, de
modo que os homens possam facilmente chegar a seu fim último.

II TESE – A Revelação divina é absolutamente necessária em relação aos mistérios


sobrenaturais, dada a hipótese de nossa elevação à ordem sobrenatural.

PROVA – Já mostramos que as forças humanas por si não podem alcançar o conhecimento
dos mistérios sobrenaturais. Não somente não sabem penetrar na essência como não podem
conhecer nem a existência. Ora, se Deus em sua infinita bondade eleva o homem a um fim
sobrenatural, isto é, a participar da sua própria vida divina, tal elevação requer que o
homem conheça verdades sobre a vida íntima de Deus, isto é, os mistérios propriamente
ditos. Se Deus tivesse constituído o homem apenas em uma ordem natural, bastaria
conhecê-lo e chegar a ele de um modo natural, somente com as forças humanas: a
inteligência, a vontade e o conhecimento dele através daquilo que admiramos nas obras de
sua criação. Nesta ordem natural, uma Revelação divina teria sido conveniente e útil, mas
não necessária. Em vez disso, dada a hipótese de que Deus nos tenha querido e constituído
em uma ordem sobrenatural, até a realização suprema da visão beatífica em que o veremos
face a face, como Ele é em sua essência divina (conhecer a Deus em si mesmo, em sua
divindade, como dizem os teólogos), não basta mais o conhecimento de Deus através das
coisas criadas, onde há um raio do Criador, onde Deus expressou algo de si mesmo e de sua
glória, mas onde não é narrada contada sua vida íntima. Dada esta hipótese, não podendo
por isso o homem conhecer com suas próprias forças os mistérios da vida divina de modo
que possa alcançar o seu fim, é necessário que Deus os manifeste.

Por isso é necessária a Revelação para conhecer a existência desses mistérios, e, a fortiori, é
necessária para compreender algo da sua essência.

O Fato da Revelação

Dada a conveniência e necessidade de uma revelação, o homem não pode permanecer


indiferente ao fato da revelação. Ela o toca intimamente, e não lhe diz respeito apenas aos
fatos desta vida que passa, mas se projeta sobre seus destinos eternos, isto é, à chegada ao
fim, que é por se dizer a chegada à sua felicidade.

Historicamente, muitas religiões se apresentam como a Religião Revelada.

É INDIFERENTE SEGUIR UMA OU OUTRA?

ENTRE ESSAS, QUAL É A QUE FOI VERDADEIRAMENTE REVELADA POR


DEUS?

Em outras palavras, o homem não pode ficar indiferente ao dizer: por mim, haver ou não
uma religião revelada é a mesma coisa; ou: entre tantas religiões que se dizem reveladas,
para mim, seguir uma ou outra é indiferente.
Por isso, seguem as duas teses:

I TESE – Dada a necessidade moral de uma religião revelada, cabe a cada um a séria
obrigação de procurar qual seja ela e de abraçá-la quando a encontrar.

É CORRETO

contra os racionalistas.

PROVA:

A) – PELO RESPEITO DEVIDO A DEUS – Se Deus revelou, Ele fez isso para que os
homens, para o seu bem, conhecessem estas verdades. Por isso, eles têm a séria obrigação
de procurar, de conhecer o que Deus revelou, e de seguir esses ensinamentos e
mandamentos que Deus deu.

B) – PARA ALCANÇAR O NOSSO FIM. Para que todos homens possam conhecer
prontamente, com certeza e sem erros o complexo das verdades que constituem a religião
natural é moralmente necessária uma revelação divina; é ainda mais absolutamente
necessária para as verdades sobrenaturais. Conhecendo todas essas verdades, o homem
conhece também os meios apropriados para alcançar seu fim. Por isso, para conhecer esses
meios, deve conhecer estas verdades e deve colocá-las em prática.
II TESE – O homem não pode professar qualquer religião que se diga revelada, mas é
necessário buscar e abraçar a religião verdadeira.

Contra os imanentistas, os modernistas e os indiferentistas.

PROVA: Ao estudar as religiões historicamente, encontramos muitas que se dizem


reveladas. Um erro que frequentemente se ouve repetir nos nossos dias é este: “Todas
religiões são boas.” Este erro surgiu especialmente a partir da comunidade de pessoas que
se encontram no mesmo país, com religião diferente; encontros hoje muito frequentes por
causa da velocidade das comunicações. Muitas vezes a impressão também é maior, porque
alguns não católicos observam sua religião com maior precisão do que fazem alguns
católicos. Não é a observação de uma doutrina que a torna verdadeira. Um viajante que
caminha numa estrada errada pode correr mais rapidamente do que outro que mal caminha
ou para na estrada certa. O segundo está na estrada que o levaria à chegada prefixada,
enquanto o primeiro, mesmo correndo, não vai em direção ao destino.

Assim também não se deve confundir a vontade salvífica de Deus para aqueles que estão no
erro, dizendo que também eles estão no caminho da verdade. Aqueles que estão em uma
falsa religião, se estão sem sua culpa acreditando estar na verdade e agem segundo a
honestidade natural, na prática têm a vontade de observar o que Deus ordena; com um
desejo inconsciente são orientados à religião verdadeira, embora não a conheçam, e assim
Deus lhes providenciará a sua salvação eterna. Mas dizer que eles podem se salvar, dizer
que estão na verdade, há uma diferença substancial.

A verdade não pode ser senão uma. Quando nas diferentes religiões que se dizem reveladas
por Deus encontro algumas afirmações em contradição com o que outras dizem, concluo
que a verdade não pode estar senão de um lado. Se, por exemplo, digo que agora é dia e
outro diz que é noite, é certo que ambos não podemos ter razão. Assim, se uma religião me
afirma que Deus revelou a existência do Purgatório, ou que os sacramentos são sete, e uma
outra religião me nega isso, absolutamente não pode ser que uma e outra tenham razão. Ou
Deus ensinou de uma forma ou de outra. Não pode ter revelado que uma coisa existe e ao
mesmo tempo não existe.

Assim, a religião revelada não pode ser senão uma só.

É por isso que no movimento de Oxford que proclamou uma série de conferências entre as
seitas protestantes para encontrar um entendimento comum, a Igreja Católica foi a única a
não participar.

O acordo devia consistir nisto: que se uma Igreja acreditava, por exemplo, em dois
sacramentos e uma outra, em cinco, se poderia fazer um meio-termo admitindo-se, por
exemplo, três. A Igreja Católica naturalmente foi acusada de intransigência. Mas como
fazer chegar a um acordo sobre uma determinada verdade de fé? Quando se trata de uma
regra disciplinar, algumas mudanças poderiam ser feitas. Desse modo, de fato, a Igreja
Católica mudou, por exemplo, a lei do jejum de acordo com as necessidades dos tempos,
mas nunca poderia eximir os homens da ordem dada por Jesus Cristo para fazer penitência:
“Se não fizerdes penitência, todos perecerão igualmente.” (Lc 13:5). Da mesma forma, se
Jesus Cristo instituiu sete sacramentos, nem mais nem menos, não pode a Igreja, a fim de
agradar aos outros, dizer que instituiu seis, nem dizer, por exemplo, a quem não crê na
virgindade de Maria Santíssima, nem à existência do Purgatório: “Vós admitis comigo uma
destas verdades, e eu renuncio convosco a crer em outra.” Uma religião que age assim,
admitindo ou desaprovando a bel-prazer aquelas verdades em que se deve crer ou não, se
mostra falsa por si própria: não são necessários outros argumentos para demonstrar que
segue aquilo que pensam os homens e não aquilo que Deus revelou. É Deus que revela e os
homens devem seguir o que Deus revelou. Não cabe aos homens mudarem a bel-prazer o
que Deus nos fez conhecer.

O que dissemos indica claramente que entre as religiões que se dizem cristãs, uma só pode
ser aquela revelada por Deus.

A fortiori, as outras religiões, que afirmam coisas todas diversas da religião católica, não
podem ser verdadeiras, caso contrário, Deus teria dito e contradito uma mesma coisa ao
mesmo tempo. Isso é repugnante à sua forte Sabedoria e Verdade.

** Extraído da “Somma di Teologia Dogmatica” de padre Giuseppe Casali

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