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CONCÍLIO VATICANO I
Prof. Felipe Aquino
Fonte: http://cleofas.com.br/historia-da-igreja-concilio-vaticano-i/ - acesso por Pe. Aldo Fernandes,
em 05.04.2018
dispersou esse conciliábulo após poucos dias, tal era a indignação popular provocada por blasfêmias
contra Cristo e sua Mãe Imaculada.
Quatro foram as sessões públicas do Concílio. A terceira, aos 24/04/1870, promulgou uma
Constituição Dogmática Dei Filius, unanimemente aprovada: o cap. 1° afirma a existência de um
Deus pessoal, livre, Criador de todas as coisas e independente do mundo criado (contra o
materialismo e o panteísmo); o capítulo 2° ensina que certas verdades religiosas, como a existência
de Deus, “podem ser conhecidas com certeza pela luz natural da razão humana” (contra o ateísmo e
contra o fideísmo num século em que a fé cristã era escarnecida pelo racionalismo, o Concílio
defendia a razão!); o texto desse 2º capítulo acrescenta que houve uma Revelação Divina, a qual
chega até nós mediante tradições orais e Escrituras Sagradas. O capítulo 3° proclama que a fé é uma
adesão livre do homem a Deus, que surge um dom da graça divina. O capítulo 4° define os setores
próprios da razão e da fé e lembra que qualquer aparente desacordo entre razão e fé só pode vir de
falsa compreensão das proposições da fé ou das conclusões da razão.
A quarta sessão do Concílio, aos 18/07/1870, definiu a infalibilidade do Papa e seu primado
de jurisdição sobre a Igreja inteira. O texto proposto à discussão dos Padres conciliares foi debatido
de março a julho; a assembleia se dividiu em dois campos: a grande maioria julgava a definição
oportuna e necessária (eram apoiados por uma corrente de leigos franceses, encabeçados por Louis
Veuillot, que, repudiando os resquícios de galicanismo, eram ditos ultramontanos, pois
ultrapassavam a cordilheira dos Alpes para aderir a Roma); os demais eram contrários à definição;
destes, poucos se opunham ao dogma como tal; outros apenas negavam a oportunidade de o
proclamar, por causa das reações que isto poderia provocar. Entre os adversários da definição,
citam-se o bispo Strossmayer de Djakovar (Eslavônia), que, depois da definição, aceitou fielmente a
sentença do Concílio; e o bispo Karl Josef von Hefele, que aduzia o caso do Papa Honório contra a
infalibilidade.
Este caso já foi abordado no capítulo 1°: sabe-se que Honório I (625-38), homem pouco
especulativo, foi solicitado pelo Patriarca Sérgio de Constantinopla para aderir ao monergismo
[doutrina segundo a qual a restauração espiritual da pessoa se dava apenas por ação do Espírito
Santo, independentemente da vontade humana] e ao monotelitismo [doutrina segundo a qual havia
em Cristo duas naturezas – divina e humana – mas uma só vontade]; Honório parece ter dado razão
a Sérgio em suas cartas, ordenando que não se falasse mais nem de uma nem de duas energias
(atividades) em Cristo; o Concílio Ecumênico de Constantinopla III em 681 condenou, por isto, o
Papa Honório I. Ora deve-se dizer que Honório não intencionou pronunciar definições dogmáticas no
caso; além disto, depreende-se do contexto mesmo das duas famosas cartas que, quando Honório fala
de uma só vontade em Cristo, ele se refere ao plano moral e não ao plano físico (a vontade humana e
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a vontade divina em Jesus queriam dizer sempre a mesma coisa). O mal de Honório não foi ter
aderido ao erro, mas foi permitir, por descuido, que este se propagasse.
Os argumentos da oposição foram sendo desfeitos. Quando viram a causa perdida, 56 dos
oposicionistas se retiraram de Roma, tendo pedido e obtido a licença do Papa, aos 17/07/1870;
deixaram, porém, uma carta ao Santo Padre, em que afirmavam seu propósito de conservar sempre
fidelidade e submissão à Santa Sé. No dia seguinte, 18/07, 533 Padres conciliares deram voto
favorável à Constituição Pastor Aeternus; dois apenas se manifestaram contrários, mas logo se
anexaram à sentença positiva. Pio IV promulgou logo a Constituição, o que provocou calorosa
aclamação em toda a basílica de São Pedro.
A Constituição assim aprovada consta de quatro capítulos, que afirmam o fundamento bíblico
e patrístico, a duração perpétua, o valor e a essência do primado romano, assim como a infalibilidade
do magistério papal. A autoridade do Papa foi definida como sendo sumo e imediato poder de
jurisdição sobre toda a Igreja, ficando assim condenados o galicanismo [movimento originado na
França, que defendia a independência administrativa da Igreja católica romana de cada país com
relação ao controle papal] e o febronianismo [foi um poderoso movimento dentro da Igreja Católica
na Alemanha, na última parte do século XVIII, direcionada para a nacionalização do catolicismo, a
limitação do poder do papado, em favor do episcopado, e da reunião das igrejas católicas
dissidentes com a cristandade] (cap. 3°). O capítulo 4° define, como dogma revelado por Deus, que
as definições do Romano Pontífice proferidas ex cathedra [A teologia católica afirma que o Papa,
em comunhão com o Sagrado Magistério, quando delibera e define (clarifica) solenemente algo em
matéria de fé ou moral (os costumes), ex cathedra (literalmente, "a partir da cadeira", de São Pedro
neste caso), está sempre correto], isto é, na qualidade de Mestre da Igreja inteira, em questões de fé e
de Moral, gozam de especial assistência do Espírito Santo; são, pois, infalíveis e irreformáveis por si
mesmas, sem necessitar da aprovação da Igreja.
Após esta memorável sessão, o Concílio ainda estava no início das suas atividades. Dos 51
projetos de decreto, só tinha estudado e publicado dois; das questões disciplinares, só quatro haviam
sido discutidas, mas não definidas. Não obstante, o Concílio teve que ser interrompido abruptamente,
pois no dia seguinte, 19/07, estourou a guerra franco-alemã, que obrigou muitos prelados a regressar
à pátria. Sobreveio a ocupação de Roma aos 20/09/1870, que tornou praticamente impossível a
continuação dos trabalhos. Em consequência, aos 20/10/1870 o Papa suspendeu o Concílio, que
deveria voltar a reunir-se em época mais apropriada, mas na verdade nunca foi reaberto; o Concílio
do Vaticano II (1962-65) havia de completar os seus trabalhos.
A importância do Concílio do Vaticano I é enorme para a Igreja. A definição da infalibilidade
papal era a conclusão lógica de premissas contidas na própria Escritura (Mt 16,16-19; Lc 22,31; Jo
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21,15-17) e desenvolvidas através dos tempos; principalmente por ocasião dos litígios que afetavam
a Igreja, foi emergindo na consciência dos cristãos a preeminência do magistério dos sucessores de
Pedro. Precisamente as tendências galicanas e febronianas dos séculos XVII/XVIII serviram para
aguçar essa tomada de consciência de modo mais vivo; humanamente falando, os católicos podiam
ter optado pelo nacionalismo eclesial, mas o desenrolar dos embates e a ação do Espírito Santo
levaram a Igreja como tal a reafirmar a antiga verdade do primado papal tanto em matéria de
jurisdição quanto em matéria de doutrina. Numa época de descrença, a fé se afirmava de maneira
corajosa. A própria Igreja aparecia como algo de transcendente ou como um Sacramento, que o
homem recebe de Deus, à diferença de outras sociedades e instituições.
A centralização explicitada pelo Concílio do Vaticano I teve expressões sempre mais
perceptíveis durante os pontificados seguintes. Era preciso que ocorresse o Concílio do Vaticano II
(1962-65) para terminar a obra que o anterior deixara inacabada. O Vaticano I só pôde abordar a
função do Romano Pontífice dentro do exíguo espaço de sua duração; o Vaticano II abordou também
o papel dos bispos e dos presbíteros na Igreja, pondo em relevo o conceito de colegialidade que, sem
apagar o primado de Pedro, enriquece a estrutura da Igreja.
Claro está que a agitação pública que precedeu e acompanhou o Vaticano I, não se apaziguou
logo. Os bispos da minoria oposicionista submeteram-se pouco depois, inclusive Karl Josef von
Hefele, de Rottenburg a 10/04/1871. Também a maior parte dos teólogos reconheceram a definição.
No cenário político, a definição do Vaticano I não foi tão focalizada e discutida como o teria
sido se não fora a guerra franco-alemã; todavia, alguns Estados e Estadistas tomariam atitude de
suspeita diante da Igreja; a Prússia [amplo e extenso território que compreendia terras desde a
Polônia até a Letônia], e alguns cantões da Suíça adotaram fortes medidas contra os católicos, que
levaram ao Kulturkampf (secularização de bens eclesiásticos). Estas consequências desagradáveis,
que culminaram no cisma dos Velhos-Católicos, não chegam a extinguir as vantagens que da
definição resultaram para a Igreja.
3. Os Velhos-Católicos
O Sacerdote Inácio Döllinger, já mencionado como adversário da definição, desde cedo
mostrara-se favorável ao sistema febroniano. Era famoso historiador e teólogo de Munique, que
professava ideias liberais em matéria de doutrina e um certo relativismo ou historicismo.
Após a definição da infalibilidade, continuou a manifestar-se hostil ao Papado, que ele julgava
desnecessário. A sua posição professada publicamente valeu-lhe a excomunhão da parte do arcebispo
de Munique, em 1871 – censura este que em 1872 atingiu outros professores de Faculdades alemãs,
por se terem agregado a Döllinger. Aos poucos esses adeptos do mestre, à revelia do próprio mestre,
resolveram fundar uma Igreja própria, cujo chefe era o professor João Frederico von Schulte, de
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Praga. A partir de 1872 foram sendo criadas paróquias de “Velhos-Católicos”. Esta designação se
deve ao fato seguinte: quando o arcebispo de Munique voltou de Roma, após o Concílio, convidou
Inácio Döllinger a “trabalhar Para a Santa Igreja”; este respondeu secamente: “Sim, Para a antiga
Igreja! – Há uma só Igreja, replicou o arcebispo, não existe nova nem antiga Igreja! – Mas fizeram
uma nova!”, retrucou o professor. Por conseguinte, Döllinger pertencia à Velha Igreja; resolveram
também instituir um bispo para si em 1873 na pessoa do professor de Teologia Joseph Hubert
Reinkens, que foi receber a ordenação episcopal das mãos do arcebispo jansenista de Utrecht na
Holanda.
Em Pentecostes de 1874 um Sínodo em Bonn aprovou a constituição eclesiástica traçada por
Schulte: cada povo tem sua Igreja nacional autônoma; as Igrejas nacionais estão ligadas pela
“Conferência” de seus bispos. A autoridade suprema é o Sínodo, do qual fazem parte todos os
eclesiásticos e os deputados dos leigos de cada paróquia; o Sínodo promulga leis e examina a
administração. Na paróquia, a autoridade suprema toca à assembleia dos fiéis, que elege o seu
pároco; a este assiste o Conselho Paroquial.
Os Velhos-Católicos aos poucos foram sendo penetrados por teses protestantes, que lhes
pareciam corresponder à disciplina da Igreja dos oito primeiros séculos (donde o nome
“Velhos-Católicos”): rejeitaram, portanto, além do primado do Papa, o celibato sacerdotal, a
confissão auricular, as indulgências, o culto dos santos, as procissões e peregrinações, a Imaculada
Conceição. Introduziram a língua alemã na liturgia da Missa. Estas inovações causaram
descontentamento dentro da própria comunhão cismática: dos Velhos-Católicos faziam-se
Neo-protestantes. O próprio Inácio Döllinger abandonou publicamente a facção que ele inspirara.
Aliás, a figura de Döllinger ficou sendo misteriosa. Ele não teria levado suas ideias a tais
consequências práticas; não queria o cisma formal. Conservou-se sempre fiel aos votos do seu
sacerdócio; absteve-se de celebrar a Santa Missa após a excomunhão. Sempre levou vida muito
modesta, de severa sobriedade e muito trabalho. Parece que no fim da vida sentia saudades da Igreja
de sua juventude. Desaconselhou mesmo a um de seus discípulos, Blennerhasset, que o seguisse no
caminho tomado após o Vaticano I. O fato é que morreu em 1890 sem se ter reconciliado com a
Igreja.
Em 1889, os Velhos-Católicos e os jansenistas se aliaram na chamada “União de Utrecht”. As
tendências liberais se fizeram sentir muito especialmente na Suíça, onde os Velhos-Católicos são
chamados “Igreja Cristã Católica”, dirigida por leigos e não por teólogos, como na Alemanha,
porque as razões da oposição ao Vaticano I eram mais políticas do que teológicas.