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CONCÍLIO VATICANO I
Prof. Felipe Aquino
Fonte: http://cleofas.com.br/historia-da-igreja-concilio-vaticano-i/ - acesso por Pe. Aldo Fernandes,
em 05.04.2018

O Concílio do Vaticano I foi o acontecimento de maior relevo na História da Igreja do século


XIX.
1. Os preparativos
Mais de trezentos anos haviam decorridos após a última assembleia do Concílio de Trento
(3-4/12/1563), quando Pio IX, em dezembro de 1864, comunicou secretamente aos cardeais a sua
intenção de reunir novo Concílio Ecumênico: os tempos, ingratos como eram, o exigiam; era preciso
deliberar sobre os remédios a oferecer-lhes – o que se faria por excelência num Concílio.
A Bula de convocação saiu aos 29/06/1868, convidando também os protestantes e os
ortodoxos separados; estes, porém, não compareceram. A notícia de um próximo Concílio suscitou
entusiasmo e também apreensões; o público só sabia que seriam condenados erros contemporâneos,
reafirmada a doutrina da Igreja, revistas a disciplina, a obra missionária, a formação dos
seminaristas. Mas na Cúria Romana reinava um certo mistério sobre os intensos preparativos do
Concílio.
A agitação pública aumentou quando em fevereiro de 1869 a revista jesuíta La Civiltà
Cattolica anunciou que o Concílio estava para definir a infalibilidade papal. O mundo não católico,
imbuído de liberalismo, proclamava-se defensor da liberdade dos simples fiéis católicos,
“subjugados pelo domínio obscuro e obscurantista dos eclesiásticos”. Na Alemanha, o historiador Pe.
lnácio Dollinger (1799-1890) colocou-se a frente do movimento anti-infalibilista, com diversos
escritos contrários à definição. O Presidente de Ministros da Baviera, Clodoveu de Hohenhole,
procurou suscitar uma intervenção dos Governos europeus contra os pretensos perigos do Concílio.
Os bispos alemães reunidos em Fulda (setembro de 1869) enviaram um escrito ao Papa em que
declaravam não julgar oportuna a definição, embora não se opusessem a doutrina; temiam as reações
dos Governos e cisões entre os próprios católicos. Em verdade, a definição desse dogma podia
parecer ousadia numa época em que se respirava o liberalismo.
2. O decorrer do Concílio
O Concílio foi aberto aos 08/12/1869 na basílica de São Pedro, com a presença de 764
prelados. No mesmo dia e na mesma hora, abria-se em Nápoles, sob a presidência de Ricciardi, um
anticoncílio, do qual participaram 700 delegados maçônicos do mundo inteiro; a indignação
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dispersou esse conciliábulo após poucos dias, tal era a indignação popular provocada por blasfêmias
contra Cristo e sua Mãe Imaculada.
Quatro foram as sessões públicas do Concílio. A terceira, aos 24/04/1870, promulgou uma
Constituição Dogmática Dei Filius, unanimemente aprovada: o cap. 1° afirma a existência de um
Deus pessoal, livre, Criador de todas as coisas e independente do mundo criado (contra o
materialismo e o panteísmo); o capítulo 2° ensina que certas verdades religiosas, como a existência
de Deus, “podem ser conhecidas com certeza pela luz natural da razão humana” (contra o ateísmo e
contra o fideísmo num século em que a fé cristã era escarnecida pelo racionalismo, o Concílio
defendia a razão!); o texto desse 2º capítulo acrescenta que houve uma Revelação Divina, a qual
chega até nós mediante tradições orais e Escrituras Sagradas. O capítulo 3° proclama que a fé é uma
adesão livre do homem a Deus, que surge um dom da graça divina. O capítulo 4° define os setores
próprios da razão e da fé e lembra que qualquer aparente desacordo entre razão e fé só pode vir de
falsa compreensão das proposições da fé ou das conclusões da razão.
A quarta sessão do Concílio, aos 18/07/1870, definiu a infalibilidade do Papa e seu primado
de jurisdição sobre a Igreja inteira. O texto proposto à discussão dos Padres conciliares foi debatido
de março a julho; a assembleia se dividiu em dois campos: a grande maioria julgava a definição
oportuna e necessária (eram apoiados por uma corrente de leigos franceses, encabeçados por Louis
Veuillot, que, repudiando os resquícios de galicanismo, eram ditos ultramontanos, pois
ultrapassavam a cordilheira dos Alpes para aderir a Roma); os demais eram contrários à definição;
destes, poucos se opunham ao dogma como tal; outros apenas negavam a oportunidade de o
proclamar, por causa das reações que isto poderia provocar. Entre os adversários da definição,
citam-se o bispo Strossmayer de Djakovar (Eslavônia), que, depois da definição, aceitou fielmente a
sentença do Concílio; e o bispo Karl Josef von Hefele, que aduzia o caso do Papa Honório contra a
infalibilidade.
Este caso já foi abordado no capítulo 1°: sabe-se que Honório I (625-38), homem pouco
especulativo, foi solicitado pelo Patriarca Sérgio de Constantinopla para aderir ao monergismo
[doutrina segundo a qual a restauração espiritual da pessoa se dava apenas por ação do Espírito
Santo, independentemente da vontade humana] e ao monotelitismo [doutrina segundo a qual havia
em Cristo duas naturezas – divina e humana – mas uma só vontade]; Honório parece ter dado razão
a Sérgio em suas cartas, ordenando que não se falasse mais nem de uma nem de duas energias
(atividades) em Cristo; o Concílio Ecumênico de Constantinopla III em 681 condenou, por isto, o
Papa Honório I. Ora deve-se dizer que Honório não intencionou pronunciar definições dogmáticas no
caso; além disto, depreende-se do contexto mesmo das duas famosas cartas que, quando Honório fala
de uma só vontade em Cristo, ele se refere ao plano moral e não ao plano físico (a vontade humana e
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a vontade divina em Jesus queriam dizer sempre a mesma coisa). O mal de Honório não foi ter
aderido ao erro, mas foi permitir, por descuido, que este se propagasse.
Os argumentos da oposição foram sendo desfeitos. Quando viram a causa perdida, 56 dos
oposicionistas se retiraram de Roma, tendo pedido e obtido a licença do Papa, aos 17/07/1870;
deixaram, porém, uma carta ao Santo Padre, em que afirmavam seu propósito de conservar sempre
fidelidade e submissão à Santa Sé. No dia seguinte, 18/07, 533 Padres conciliares deram voto
favorável à Constituição Pastor Aeternus; dois apenas se manifestaram contrários, mas logo se
anexaram à sentença positiva. Pio IV promulgou logo a Constituição, o que provocou calorosa
aclamação em toda a basílica de São Pedro.
A Constituição assim aprovada consta de quatro capítulos, que afirmam o fundamento bíblico
e patrístico, a duração perpétua, o valor e a essência do primado romano, assim como a infalibilidade
do magistério papal. A autoridade do Papa foi definida como sendo sumo e imediato poder de
jurisdição sobre toda a Igreja, ficando assim condenados o galicanismo [movimento originado na
França, que defendia a independência administrativa da Igreja católica romana de cada país com
relação ao controle papal] e o febronianismo [foi um poderoso movimento dentro da Igreja Católica
na Alemanha, na última parte do século XVIII, direcionada para a nacionalização do catolicismo, a
limitação do poder do papado, em favor do episcopado, e da reunião das igrejas católicas
dissidentes com a cristandade] (cap. 3°). O capítulo 4° define, como dogma revelado por Deus, que
as definições do Romano Pontífice proferidas ex cathedra [A teologia católica afirma que o Papa,
em comunhão com o Sagrado Magistério, quando delibera e define (clarifica) solenemente algo em
matéria de fé ou moral (os costumes), ex cathedra (literalmente, "a partir da cadeira", de São Pedro
neste caso), está sempre correto], isto é, na qualidade de Mestre da Igreja inteira, em questões de fé e
de Moral, gozam de especial assistência do Espírito Santo; são, pois, infalíveis e irreformáveis por si
mesmas, sem necessitar da aprovação da Igreja.
Após esta memorável sessão, o Concílio ainda estava no início das suas atividades. Dos 51
projetos de decreto, só tinha estudado e publicado dois; das questões disciplinares, só quatro haviam
sido discutidas, mas não definidas. Não obstante, o Concílio teve que ser interrompido abruptamente,
pois no dia seguinte, 19/07, estourou a guerra franco-alemã, que obrigou muitos prelados a regressar
à pátria. Sobreveio a ocupação de Roma aos 20/09/1870, que tornou praticamente impossível a
continuação dos trabalhos. Em consequência, aos 20/10/1870 o Papa suspendeu o Concílio, que
deveria voltar a reunir-se em época mais apropriada, mas na verdade nunca foi reaberto; o Concílio
do Vaticano II (1962-65) havia de completar os seus trabalhos.
A importância do Concílio do Vaticano I é enorme para a Igreja. A definição da infalibilidade
papal era a conclusão lógica de premissas contidas na própria Escritura (Mt 16,16-19; Lc 22,31; Jo
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21,15-17) e desenvolvidas através dos tempos; principalmente por ocasião dos litígios que afetavam
a Igreja, foi emergindo na consciência dos cristãos a preeminência do magistério dos sucessores de
Pedro. Precisamente as tendências galicanas e febronianas dos séculos XVII/XVIII serviram para
aguçar essa tomada de consciência de modo mais vivo; humanamente falando, os católicos podiam
ter optado pelo nacionalismo eclesial, mas o desenrolar dos embates e a ação do Espírito Santo
levaram a Igreja como tal a reafirmar a antiga verdade do primado papal tanto em matéria de
jurisdição quanto em matéria de doutrina. Numa época de descrença, a fé se afirmava de maneira
corajosa. A própria Igreja aparecia como algo de transcendente ou como um Sacramento, que o
homem recebe de Deus, à diferença de outras sociedades e instituições.
A centralização explicitada pelo Concílio do Vaticano I teve expressões sempre mais
perceptíveis durante os pontificados seguintes. Era preciso que ocorresse o Concílio do Vaticano II
(1962-65) para terminar a obra que o anterior deixara inacabada. O Vaticano I só pôde abordar a
função do Romano Pontífice dentro do exíguo espaço de sua duração; o Vaticano II abordou também
o papel dos bispos e dos presbíteros na Igreja, pondo em relevo o conceito de colegialidade que, sem
apagar o primado de Pedro, enriquece a estrutura da Igreja.
Claro está que a agitação pública que precedeu e acompanhou o Vaticano I, não se apaziguou
logo. Os bispos da minoria oposicionista submeteram-se pouco depois, inclusive Karl Josef von
Hefele, de Rottenburg a 10/04/1871. Também a maior parte dos teólogos reconheceram a definição.
No cenário político, a definição do Vaticano I não foi tão focalizada e discutida como o teria
sido se não fora a guerra franco-alemã; todavia, alguns Estados e Estadistas tomariam atitude de
suspeita diante da Igreja; a Prússia [amplo e extenso território que compreendia terras desde a
Polônia até a Letônia], e alguns cantões da Suíça adotaram fortes medidas contra os católicos, que
levaram ao Kulturkampf (secularização de bens eclesiásticos). Estas consequências desagradáveis,
que culminaram no cisma dos Velhos-Católicos, não chegam a extinguir as vantagens que da
definição resultaram para a Igreja.
3. Os Velhos-Católicos
O Sacerdote Inácio Döllinger, já mencionado como adversário da definição, desde cedo
mostrara-se favorável ao sistema febroniano. Era famoso historiador e teólogo de Munique, que
professava ideias liberais em matéria de doutrina e um certo relativismo ou historicismo.
Após a definição da infalibilidade, continuou a manifestar-se hostil ao Papado, que ele julgava
desnecessário. A sua posição professada publicamente valeu-lhe a excomunhão da parte do arcebispo
de Munique, em 1871 – censura este que em 1872 atingiu outros professores de Faculdades alemãs,
por se terem agregado a Döllinger. Aos poucos esses adeptos do mestre, à revelia do próprio mestre,
resolveram fundar uma Igreja própria, cujo chefe era o professor João Frederico von Schulte, de
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Praga. A partir de 1872 foram sendo criadas paróquias de “Velhos-Católicos”. Esta designação se
deve ao fato seguinte: quando o arcebispo de Munique voltou de Roma, após o Concílio, convidou
Inácio Döllinger a “trabalhar Para a Santa Igreja”; este respondeu secamente: “Sim, Para a antiga
Igreja! – Há uma só Igreja, replicou o arcebispo, não existe nova nem antiga Igreja! – Mas fizeram
uma nova!”, retrucou o professor. Por conseguinte, Döllinger pertencia à Velha Igreja; resolveram
também instituir um bispo para si em 1873 na pessoa do professor de Teologia Joseph Hubert
Reinkens, que foi receber a ordenação episcopal das mãos do arcebispo jansenista de Utrecht na
Holanda.
Em Pentecostes de 1874 um Sínodo em Bonn aprovou a constituição eclesiástica traçada por
Schulte: cada povo tem sua Igreja nacional autônoma; as Igrejas nacionais estão ligadas pela
“Conferência” de seus bispos. A autoridade suprema é o Sínodo, do qual fazem parte todos os
eclesiásticos e os deputados dos leigos de cada paróquia; o Sínodo promulga leis e examina a
administração. Na paróquia, a autoridade suprema toca à assembleia dos fiéis, que elege o seu
pároco; a este assiste o Conselho Paroquial.
Os Velhos-Católicos aos poucos foram sendo penetrados por teses protestantes, que lhes
pareciam corresponder à disciplina da Igreja dos oito primeiros séculos (donde o nome
“Velhos-Católicos”): rejeitaram, portanto, além do primado do Papa, o celibato sacerdotal, a
confissão auricular, as indulgências, o culto dos santos, as procissões e peregrinações, a Imaculada
Conceição. Introduziram a língua alemã na liturgia da Missa. Estas inovações causaram
descontentamento dentro da própria comunhão cismática: dos Velhos-Católicos faziam-se
Neo-protestantes. O próprio Inácio Döllinger abandonou publicamente a facção que ele inspirara.
Aliás, a figura de Döllinger ficou sendo misteriosa. Ele não teria levado suas ideias a tais
consequências práticas; não queria o cisma formal. Conservou-se sempre fiel aos votos do seu
sacerdócio; absteve-se de celebrar a Santa Missa após a excomunhão. Sempre levou vida muito
modesta, de severa sobriedade e muito trabalho. Parece que no fim da vida sentia saudades da Igreja
de sua juventude. Desaconselhou mesmo a um de seus discípulos, Blennerhasset, que o seguisse no
caminho tomado após o Vaticano I. O fato é que morreu em 1890 sem se ter reconciliado com a
Igreja.
Em 1889, os Velhos-Católicos e os jansenistas se aliaram na chamada “União de Utrecht”. As
tendências liberais se fizeram sentir muito especialmente na Suíça, onde os Velhos-Católicos são
chamados “Igreja Cristã Católica”, dirigida por leigos e não por teólogos, como na Alemanha,
porque as razões da oposição ao Vaticano I eram mais políticas do que teológicas.

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