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Direito institucional referir que entre os fiéis católicos e os que

foram batizados fora da igreja católica


existe uma diferença objetiva: os fiéis
católicos estão em plenitude de comunhão
com a igreja, através dos vínculos da fé,
Can.204: O conceito de fiel cristão e de dos sacramentos e da obediência à
igreja hierarquia (e da expressão externa dos
mesmos). Isto constitui o dever básico de
Este cânone oferece-nos quatro
todos os fiéis, que fundamente e legitima
notas/características dos fiéis cristãos: 1)
os restantes direitos.
são batizados validamente; 2) membros do
Povo de Deus, que é a Igreja; 3) partícipes, Can.206: Os catecúmenos
segundo a condição de cada um, da tríplice
São catecúmenos os não-batizados que,
missão sacerdotal de Cristo; 4) chamados a
movidos pelo Espírito, desejam
desempenhar a missão da Igreja no mundo;
explicitamente, incorporar-se na igreja. Por
Esta noção descritiva dos fiéis é isso, estão unidos à igreja, que os acolhe e
claramente mais teológica do que jurídica, mantém com eles uma especial relação,
até porque o cânone 96 já a expressa convidando-os à prática de uma vida
juridicamente. O CIC83, ao situar-se nesta evangélica, que passa pela introdução dos
linha teológica e constitucional demonstra mesmos nos ritos sagrados (c.788§§2-3) e
claramente a troca da ótica teológica e na concessão de certas prerrogativas, como
jurídica que as exéquias (c.1183§1) e a receção de
prevalecia em 1917, Igualdade possui um bênçãos (c.1170).
significado relativo ao
por uma visão
mesmo tratamento para Can.207: Os clérigos, os leigos e os
compatível com a todos os membros de consagrados
linha teológica do um determinado grupo
Concílio Vaticano de pessoas. Já a A distinção entre leigos e clérigos é de
II. equidade significa a instituição divina. Os leigos ou seculares
promoção de iguais
são os batizados, que não receberam o
Agora, toma-se oportunidades para os
membros desse grupo, sacramento da ordem e não pertencem a
como ponto de
institutos de vida consagrada/sociedades de
partida o batismo
vida apostólica, mas que têm a especial
que traz igualdade radical para todos os
missão de iluminar e ordenar as realidades
fiéis na igreja, em dignidade e em direito.
temporais às quais estão estreitamente
E além disso, reconhece-se a existência de
ligados. Os clérigos são todos aqueles que
diversas funções na igreja, o que evita a
receberam o sacramento da ordem (pelo
confusão entre igualdade e equidade.
menos diaconado). Já os consagrados, ao
O §2 recupera o conceito de igreja católica contrário do que se pensa, não pertencem a
ensinado pelo Vaticano II, na Lumen um grau intermédio, mas à vida e santidade
Gentium. Ao afirmar que esta única Igreja, da igreja.
querida e fundada por Cristo, subsiste na
Direitos e deveres dos fiéis
Igreja católica, não exclui que outras
igrejas cristãs careçam de significado em Can.208: A igualdade radical e a
realização à salvação, já que também nelas diversidade de funções
se podem encontrar muitos elementos de
santificação e de verdade. O cânone expressa a igualdade
fundamental e radical de todos os
Can.205: A plena comunhão com a Igreja batizados, substituindo a conceção estatal
de Igreja, que abordava o assunto como se
Ao reconhecer elementos válidos de
salvação fora da Igreja Católica, é preciso
houvesse duas classes de cristãos: a
hierarquia e os súbditos. Existe então, um duplo objeto de
infabilidade: as doutrinas que a Igreja
Os fiéis, enquanto pessoas humanas, têm propõe como divina e formalmente
de ter, à partida, a sua dignidade e os seus reveladas, e como tais, irreformáveis – de
direitos fundamentais respeitados. Além fide credenda – como são os artigos do
disso, enquanto incorporados em Cristo Credo, os dogmas cristológicos e marianos,
pelo batismo, são partícipes da sua tripla os sacramentos, o primado e infabilidade do
missão. É este o fundamento da igualdade papa..., e entre as morais, a doutrina sobre a
na igreja, e não os status particulares que grave imortalidade do aborto; e as verdades
possam haver dentro da organização. acerca da doutrina propostas pela Igreja de
maneira definitiva como doutrina católica –
Contudo, o texto matiza essa igualdade
fundamental com a expressão “segundo a também chamadas de fidei tenenda –
necessárias para guardar e expor o depósito
condição de cada um”. Esta matização é
secundária já que a diferenciação que da fé, ainda que não tenham sido propostas
pelo Magistério como formalmente
existe na igreja, por causa dos ministérios
sagrados e das diferentes vocações, não reveladas. Desta segunda categoria seria
então a doutrina sobre a ordenação
pode erigir-se em princípio. A igualdade,
enquanto fundamento da personalidade sacerdotal reservada só aos homens, a
doutrina sobre a ilicitude da autanásia como
cristã é absoluta pelo batismo; só depois é
que surge a questão da diversidade no uma grave violação da lei de Deus, a
licitude da prostituição e fornicação.
exercício dos deveres, que nos torna numa
comunidade de iguais/diferentes, por
Em ambos os casos, é necessário
vontade do próprio Deus, que confere a
cada batizado igual dignidade, e que por assentimento pleno e irrevogável por parte
do crente. A única diferença refere-se à
sua vez, distribui singularmente os seus
dons e ministérios. virtude sobrenatural da fé; no caso das
verdades de fidei credenda, o assentimento
provém diretamente sobre a fé, a partir da
autoridade da palavra de Deus. No caso das
verdades de fidei tenenda, o assentimento
ocorre sobre a fé na assistência do Espírito

Can.209: A comunhão com a Igreja


O primeiro dever/direito de quem se
relaciona com a igreja, pelo batismo, será
viver em comunhão com ela. E isto
consiste em conservar a unidade da fé e
dos sacramentos e na devida obediência à
hierarquia.
No entanto, o direito/dever de comunhão
não é um sentimento impreciso; tem que
funcionar como uma realidade orgânica: a
aceitação e a vivência interior têm que
transparecer para a atuação externa e
social.
Como expressa claramente o §2 deste c) no estado de vida: para os clérigos na
cânone, o direito/dever da comunhão não fraternidade (can. 275; 280; 548 §3; 550
se refere apenas à Igreja universal, mas diz §2) e para os religiosos na vida fraterna
também respeito ao amor e à fidelidade (can. 602).
para com as igrejas particulares às quais os
§2. A comunhão acontece em várias
batizados pertencem, já que elas são
esferas: na Igreja Universal ou Particular
extensões da una e única Igreja católica.
(can.368).

E, portanto,
§1. A comunhão manifesta-se de diversos
modos:
Can.210: Vocação à santidade
a) no agir: can. 227
O capítulo V da Lumen Gentium sobre a
b) no estado de graça ou de coração: can, vocação universal à santidade na Igreja,
916; 959 afirma que todos na Igreja são chamados a
ser santos. O c.210 dá-nos a versão jurídica
desta doutrina conciliar, estabelecendo que
Cânone 750: Outras condições necessárias para é um dever de todos os fiéis cristãos levar
viver em comunhão com a Igreja – Professio
fidei; De fide credenda e De fide tenenda
uma vida de santidade, e não somente dos
consagrados (pelo sacramento da ordem ou
§ 1. «Deve-se crer com fé divina e católica em tudo pela profissão dos conselhos evangélicos).
o que está contido na palavra de Deus escrita ou
transmitida, a saber, no único depósito da fé A formulação do cânon acrescenta
confiado à Igreja, e que ao mesmo tempo, é “segundo a condição de cada um” para dar
proposto como divinamente revelado pelo a entender que na Igreja existem diversos
magistério solene da Igreja ou pelo seu magistério modos e caminhos para alcançar a única
ordinário e universal; isto se manifesta pela adesão
comum dos fiéis sob a guia do magistério sagrado;
santidade.
por isso, todos estão obrigados a evitar quaisquer
O cânones, além disso, destaca que no
doutrinas contrárias.
dever/direito à própria santidade entram,
§ 2. Deve-se ainda firmemente aceitar e acreditar como elementos integrantes, o dever de
também em tudo o que é proposto de maneira trabalhar pela edificação da Igreja, assim
definitiva pelo magistério da Igreja em matéria de fé como o dever de cooperar para que todos
e costumes, isto é, tudo o que se requer para os batizados levem uma vida santa. A
conservar santamente e expor fielmente o depósito
da fé; opõe-se, portanto, à doutrina da Igreja igreja deve fornecer os meios para tal fim,
Católica quem rejeitar tais proposições consideradas por meio da hierarquia, assim como por
definitivas». meio dos restantes batizados.

As verdades da fé propõem-se ao povo de Can.211: A evangelização


Deus, e é preciso que este dê uma resposta Encontramos aqui uma vez mais, a
de fé, enquanto adesão total à pessoa de aplicação da igualdade radical que nasce e
Deus. Fala-se em fé divina e católica, em se fundamenta no batismo. O cânon
referência ao depósito revelado na Sagrada estabelece que todos os fiéis cristãos têm
Escritura e à Tradição, propostos pelo direito/dever à evangelização, não se
Magistério como infalíveis, e por isso tratando mais de uma atividade exclusiva
mesmo, todos estão obrigados a evitar da hierarquia e de determinadas vocações
qualquer doutrina contrária. cristãs.

Também convém aceitar e reter firmemente Can.212: Obediência e direito de petição e


opinião
O dever da devida obediência à hierarquia exercício e deverão ser interpretadas
da Igreja é consequência do cânone 209, estritamente.
que nos fala sobre o princípio fundamental
A manifestação sensata e humilde da
e primário de viver a fé e de comportar-se
opinião pessoal e pública na Igreja
em comunhão com a Igreja. E portanto,
presume-se, desde que não afete a
esta obediência tem de ser perfeitamente
integridade da fé e o respeito à hierarquia.
conjugável com a liberdade de filhos de
Desde que não se demonstre o contrário,
Deus, e fruto da mesma. Assim, não se
sobretudo se aquilo sobre o qual se opina
pode entender esta obediência como mera
está fora do dogmático e entra dentro do
execução (ativa ou passiva), mas como
opinável e do discutível. Qualquer
correlação necessária com a natureza do
manifestação que possa ser crítica, é
mandato que se intimida (cc.749-754).
interpretada como uma lesão à integridade
Enquanto dever jurídico exigível, esta da fé e do governo, e o direito que neste
obediência só ocorre quando o superior cânone se reconhece, não será senão uma
hierárquico tenha potestade sobre o fiel e mera declaração de boas intenções, sem
dentro dos limites da sua competência. efetividade prática na vida da Igreja.
Deve ser sempre plenamente humana e
Há que apontar também que este cânone é
cristã e carregar consigo o direito a
incompleto, pois não estabelece (mas
encontrar os meios adequados que
devia) a obrigação da hierarquia, de
possibilitem o cumprimento do dever de
proporcionar os meios, nomeadamente,
dar testemunho da fé e de trabalhar na
casos concretos, aos fiéis, de modo a
difusão do Evangelho.
exercerem e a manifestarem o seu direito
Um dos meios consiste no direito que têm de opinião dentro da Igreja
os fiéis, em relação aos seus pastores
Can.213: Administração e receção dos
(superiores), a manifestar as suas
sacramentos
necessidades e os seus desejos. A este
direito (Christifidelibus integrum est) O cânone 213 nada mais faz do que
corresponde o dever da hierarquia, de reproduzir o texto conciliar da LG 37 (“Os
escutar e prestar devida atenção às leigos, como todos os fiéis, têm direito a
petições, necessidades, anseios dos fiéis a receber abundantemente dos seus sagrados
eles encomendados. Trata-se de uma pastores, os bens espirituais da Igreja,
consequência lógica da sua missão serviçal sobretudo a Palavra de Deus e os
(LG 32 e 37). sacramentos”) em linguagem normativa,
omitindo o advérbio abundantemente.
A realização prática deste direito e dever
deverá estabelecer-se com normas Esta estranha omissão pode resultar em
concretas e práticas, mas não pode interpretações minimalistas, como se o
resumir-se em mera proclamação de um exercício deste direito estivesse à mercê da
princípio. Do mesmo modo, a autoridade generosidade pastoral dos ministros.
não é obrigada a ceder, sempre e Contudo tal hipótese é inadmissível já que
necessariamente, a tudo o que se pede; mas todos os fiéis, por virtude do batismo, têm
os fiéis têm o direito a uma resposta direito/dever aos sacramentos –
razoável. sacramentos não se recusam.
O direito à manifestação da própria opinião Can.214: A liberdade religiosa eclesial
deve ser reconhecido e eficazmente
protegido na Igreja, em todos os níveis. As O direito que o cânone 214 reconhece e
condicionantes expressas no texto protege pode descrever-se como o direito a
(conhecimento, competência, prestígio, uma justa liberdade religiosa intra-eclesial,
respeito) não deveriam dificultar o seu como direito do fiel em prestar culto a
Deus, segundo as normas do próprio rito, e
a praticar a sua própria forma de vida
espiritual, que são expressões peculiares de
um património litúrgico, espiritual e
disciplinar.
Violar-se-ia este direito se se impusesse na
Igreja uniformidade no modo de viver a fé,
não tendo em conta as diferenças do tempo
e do lugar, o valor das diferentes
espiritualidades, culturas e dos diversos
contextos em que o evangelho se encarna.
Neste cânon também se encontra o
fundamento válido de um são pluralismo
religioso e de uma legítima variedade nas
formas de viver a fé, dentro dos limites
lógicos e necessários, em conformidade
com a doutrina da Igreja.

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