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Moral sexual O certo é que vivemos hoje numa

sociedade fragmentada, pluralista, secular,


tolerante, em que o espaço para a ética
cristã se foi reduzindo progressivamente, e
com maior força no âmbito da sexualidade.
I. A SITUAÇÃO ATUAL O puritanismo de antes provocou um clima
de suspeita, receios e culpas, que agora se
A imagem que se oferece da sexualidade
converte em permissividade quase
diversificou-se em múltiplos rostos, e
absoluta, que não admite normas ou
aquilo que a ética cristã tem para oferecer,
critérios éticos. Ou seja, a rutura com o
não parece ser, no mundo de hoje, o mais
esquema antigo não foi substituída por
atrativo e sedutor. E porquê? Porque
novos esquemas, o que nos deixa indefesos
atualmente nada se considera
e desorientados.
absolutamente certo e definitivo. O grande
princípio prioritário da sociedade tornou-se IV. O RISCO DE UMA DUPLA AMEAÇA:
a tolerância, ou seja, suportar e aceitar A RESIGNAÇÃO E O SILÊNCIO
opiniões e comportamentos diferentes
daqueles já pré-estabelecidos. Vemo-nos, portanto, incapazes de resolver
este desafio. Em primeiro lugar porque
II. OS RISCOS E OS PERIGOS DA corremos o risco de dar uma mera denúncia
TOLERÂNCIA retórica, com o intuito de apaziguar e
satisfazer a própria consciência, para não
Ora, dentro deste contexto cultural, em que
nos sentirmos colaboradores da nova
a tolerância se revela como valor absoluto,
situação, convencidos de que a
escondem-se alguns perigos como o
culpabilidade recai sobre os outros, sem
ceticismo , que rejeita a possibilidade de
nenhuma implicação da nossa parte. Mas
alcançar certezas absolutas; a indiferença ,
também somos influenciados pelo medo e
ou seja, a falta de interesse e empatia por
pela insegurança de nos aproximarmos de
questões fundamentais; e a comodidade , a
um mundo tão diferente, e de nos opor aos
preferência por aquilo que traz conforto e
imperativos e modas do ambiente, com
bem-estar, ao invés daquilo que é
receio de sermos assinalados como
essencial. Tudo isto faz com que cada um
antiquados e incapazes de valorizar a
se comporte como lhe convém.
cultura do nosso tempo. Por isso,
III. TOLERÂNCIA CIVIL E INFLUXOS aceitamos uma postura de resignação e
AMBIENTAIS silêncio, frutos de um conformismo
cobarde.
Quando as normas são produto de um
consenso social, o bem e o mal são O puritanismo exacerbado de antes, e o
configurados pela força da lei. O que desenfreio de agora têm raízes idênticas; A
juridicamente se aceita/condena acaba por análise crítica concluiu que esta
se tornar em norma básica de orientação, e “libertação” da sociedade tem que ver com
a ética civil fica reduzida aos “mínimos a submissão à sexualidade como destino
indispensáveis”. Isto significa que nem imposto – que constitui uma verdadeira
tudo o que se permite e tolera numa escravidão.
legislação civil tem de ser aprovado pela
V. O PERIGO DE UMA MORAL
moral. Qual o perigo disto? Ora, se isso
AUTORITÁRIA
acontece, a distinção entre o que é “legal”
e o que é “ético” confunde-se, e acaba por Mas também não vale a pena voltar a uma
se aceitar a tolerância ou a proibição moral que se fundamente exclusivamente
jurídica como imagens de bondade ou de na força da autoridade. Ter-se-ia de
malícia ética. procurar a solução no extremo contrário: o
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regresso às normas claras e taxativas que escravidões do corpo, para alcançar um
regulam a conduta do ser humano. É nível de espiritualidade, agora é o corpo
necessário, mais que nunca, levantar a voz que se deve despojar de tudo aquilo que
com força e denunciar com valentia a impeça a sua expressão mais espontânea e
desumanização atual. Não basta hoje natural. A permissividade absoluta e o
repetir normas, por muito verdadeiras que naturalismo biológico são o denominador
sejam, se não se indicar ao mesmo tempo, comum de muitas correntes modernas.
os valores que encerram. Do mesmo modo,
VIII. RUMO A UMA SEXUALIDADE
não se pode obrigar à aceitação de uma
SIMBÓLICA
norma, sem o convencimento interno de
que se deve atuar de certo modo, para o Quando se oferece um projeto ético com
próprio bem e/ou para agradar a Deus, no outras perspetivas, a reação imediata é
caso dos crentes. rejeição, porque é menos agradável e
levanta de imediato suspeitas de outros
VI. A NECESSIDADE DE UMA
tempos.
RENOVAÇÃO
Não negamos o caráter lúdico do sexo, nem
O medo e um sentimento de culpabilidade
o valor do prazer como fator de equilíbrio
excessiva formavam uma fronteira bem
e felicidade, nem a sua função
vigiada que impedia o aceso à zona
apaziguadora contra a fadiga e o cansaço.
perigosa, da qual era melhor permanecer
O problema é de outra índole. O que não
afastado (tabú). Frente às sombras do
queremos é que a sexualidade se limite a
passado, nasce hoje uma atitude antagónica
ser uma ação utilitária e produtiva para a
e diferente que procura substituir o medo e
obtenção de um prazer e perda por
o pecado pela verdade do sexo. As ciências
completo da sua dimensão expressiva e
que afetam esta dimensão da pessoa
simbólica. Ou seja, que se despoje de todo
humana dissiparam já muitas ignorâncias e
o conteúdo humano, como se fosse um
ingenuidades, purificando uma atmosfera
simples fenómeno zoológico.
demasiado nublada.
Nem é possível rebaixar as nossas
A primeira obrigação, portanto, radica na
exigências cristãs para que tenham lugar
urgência de uma informação adequada, que
dentro do mercado atual de valores. A
saiba unir os conhecimentos científicos,
moral católica não tem que mudar pelo
pedagógicos, éticos e religiosos dentro
facto de estar situada numa sociedade
desta tarefa. Uma educação sexual exige
pluralista. Pelo contrário, num mundo onde
também uma preparação para que o modelo
as práticas e as crenças não ajudam para
oferecido tenha o crédito e as garantias que
nada e onde existem outros múltiplos
exige o nosso mundo atual. A necessidade
atrativos, a luz e a força do evangelho
de uma abordagem renovada é uma das
deveriam ter uma presença muito maior.
tarefas mais urgentes da ética e de qualquer
projeto educativo.
VII. AS AMBIGUIDADES DE UMA
ABORDAGEM
IX. CONCLUSÃO
Frente a uma visão demasiado
espiritualista e uniforme, como a que se Esta é precisamente a nossa intenção ao
viveu até recentemente, encontramo-nos no escrever estas páginas: oferecer aos
meio de uma sociedade que apresenta leitores uma visão da sexualidade que
diferentes antropologias sexuais muito supere as limitações de épocas passadas,
distintas da anterior. Se antes era a alma mas com os dados necessários para que
que devia libertar-se de todos os cárceres e
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saibam enfrentar as novas ideologias com
um espírito crítico.

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