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CRESÇA NA CONSCIÊNCIA DE NOSSA IDENTIDADE

CRISTĂ E SEUS EFEITOS - (1PE 1.1-2; J0 1.40-42)

Introdução

O que define quem você é?

Nosso tempo preza muito a possibilidade de cada um criar


uma identidade que seja apreciada, do senso de valor que
queremos experimentar, a autoestima.

✓ Seja o programa de exercício,


✓ seja um grupo de terapia que proporcione gosto pelo
seu corpo,
✓ seja o movimento de "sair do armário" quanto à
orientação homossexual,
✓ seja uma causa social ou política que te faça sentir
parte de algo maior,
✓ ou o curso que te abrirá portas para uma oportunidade
ímpar no mercado de trabalho.

O objetivo sempre é estabelecer uma identidade que nos


faz orgulhosos de nós mesmos. No fator identidade, o
importante é sentir-se bem consigo mesmo.

Isso não significa que em gerações passadas não houvesse


preocupação com a identidade. Acontece que qualquer
honra era advinda de ser parte de uma comunidade, seguir
as suas regras e servi-la de forma sacrificial.
Em tempos recentes, porém, a identidade desejável é
formada por um individualismo expressivo, no qual nós
determinamos por nós mesmos quem somos, num grito de
autoafirmação.

Antes do que "viver uma mentira, o louvável é colocar para


fora sentimentos e desejos outrora enrustidos.

De acordo com a sociedade contemporânea, são esses


sonhos extravasados que nos definem.

Carl Trueman toma a frase:

"Eu sou uma mulher presa no corpo de um homem"

uma frase considerada ilógica há menos de 50 anos atrás,


mas hoje extremamente aceitável, e constrói o caminho
filosófico e cultural que conduziu a uma transformação no
conceito de identidade que culminou na revolução
sexual.

Como é que um conceito passa de algo sem sentido para


um conceito tão cheio de significado, que negá-lo é
sinônimo de ser opressor e homofóbico?

É importante observar de início que a separação entre


gênero e sexo corrente em nossos dias revela que a
convicção interna que a pessoa tem de sua identidade tem
prioridade sobre a realidade biológica de seu corpo.
Antigamente se cogitava cuidar da mente ou dos
sentimentos para se adequarem ao corpo, mas agora se
ajusta o corpo para combinar com os sentimentos (o
corpo virou mero apêndice).

Porém, como é que o entendimento social do "eu"


contribuiu para a normalização do transgenerismo em
nossa sociedade?

Como se deu a mudança de linguagem de uma luta por


direitos iguais para um discurso de acusação homofóbica se
não formos aprovadores públicos de seus atos?

Afirmar que isso se deve ao pecado (ou depravação total) é


verdadeiro, mas não nos ajuda a entender melhor o
nosso tempo e como nós também somos influenciados pela
matriz que preparou o tecido social para que a revolução
sexual fosse plausível.

A revolução sexual é apenas o resultado de uma


revolução maior sobre a sua identidade, como você se
enxerga.

Antes da revolução, a identidade que você transmitia a


outros era pautada por marcadores externos (onde você
nasceu, de quem você é filho, qual sua atividade profissional
etc.).

Em culturas tradicionais, o seu verdadeiro “eu” era algo


recebido e aprendido, não algo que o indivíduo criava para
si.
Desde os primórdios da humanidade caída, houve
orientação homossexual, mas sexualidade não era vista
como o coração da sua identidade.

A mentalidade que prevaleceu em boa parte da história


humana é que a ordem criada é fixamente estabelecida e
você aprende a se adaptar a ela; havia apenas uma época
certa do ano para plantar, continentes eram distantes a
ponto de imigrantes não mais verem a família de origem, o
nascimento de crianças sempre envolvia risco para as mães.

Com o avanço da tecnologia (recursos agrícolas, aeronaves


e medicina avançada), ficou gradativamente mais fácil
pensar na ordem criada como flexível e possível de ser
moldada por nós, como matéria-prima que nós
manipulamos para os nossos propósitos.

Consequentemente, a natureza humana se tornou algo


que indivíduos ou sociedades inventam para si mesmos.

Todavia, a luta da comunidade LGBTQI+ não para em mera


aceitação ou respeito por seus ideais; ela luta por
aprovação da parte dos demais, do contrário estes
incorrem em dano psicológico.

Observe como o “discurso de ódio se tornou alvo de pesadas


censuras (algo que não vemos nem mesmo nas leis civis do
Pentateuco), por causa do dano psicológico ser alvo de
grandes preocupações em nossos dias.
A identidade como sinônimo de dignidade. Recusar a
prestação de qualquer serviço a uma identidade gay (p.
ex., flores ou bolos a um casamento gay) é ferir a sua
dignidade.

O estado psicológico atingiu até a esfera legal e o


ordenamento jurídico.

Antigamente, nossos avós ficariam satisfeitos em


providenciar o sustento necessário para a sua família
(satisfação em ser o provedor); afinal, o objetivo de um
trabalho é prover sustento.

Hoje, falamos de satisfação baseados em estado


psicológico.

Para os nossos avós, satisfação era objetiva, baseada em


provisão; para nós, o sentimento é central para a
satisfação.

Até a atividade eclesiástica não fica imune a essas


influências; nós também pensamos em felicidade em
termos psicológicos.

Gostamos de prestar adoração cada um conforme o seu


próprio gosto, escolhemos a igreja na qual nos
encaixamos (há igreja para todo gosto) e costumamos
criticar toda autoridade externa que poda o nosso
espaço ou o nosso reconhecimento na igreja.
A identidade marcada por preferências pessoais também
nos atingiu.

Um parêntesis apologético

Essa identidade psicologizada, que tem oferecido a


estrutura de pensamento que abriu espaço para os “direitos”
da comunidade LGBTQI+, tem influenciado várias outras
agendas (bullying, políticas de reparação social etc.).

POR EXEMPLO, quando políticas públicas falam de


tornar a sala de aula um “lugar seguro”, é porque a escola
não deve mais expor ideias que desafiem a forma do aluno
pensar e viver (sentido tradicional de educação), mas
simplesmente providenciar o espaço para que ele seja
reafirmado em sua individualidade;

A escola deixou de ser ambiente formador, para ser


ambiente performático, no qual a individualidade do
aluno é exibida.”

Todo esse modo de pensar traz uma série de problemas


para o mundo contemporâneo, que são percebidos até por
quem é descrente.
Pense, por exemplo, nas incoerências redundantes dessas
agendas. O mesmo grupo lutando por pertencimento social
(encaixar-se na sociedade) é aquele que preza a
individualidade mais do que tudo.

A mesma sociedade obcecada pelo corpo (cirurgias


plásticas, academia, etc.) também despreza o corpo
(biologia não é importante, e sim gênero).

É esse desprezo pelo que a biologia comunica que torna


legítimo fazer uma cirurgia para adequar o corpo ao gênero,
mas mudar sua identidade emocional para combinar com
o seu corpo é considerado preconceituoso (chamado de
“cura gay”).

Todavia, por que aquilo que é volátil (sentimento) deveria


ser mais seguro do que aquilo que é fixo e natural (biologia)?

Timothy Keller faz uma crítica a tal busca contemporânea


pela identidade subjetiva observando que ela é incoerente,
ilusória, massacrante e fragmentadora.

É incoerente pois todos temos desejos profundos que são


contraditórios.
Quem nunca sentiu tanto o desejo de extravasar na comida
ou nas compras ao mesmo tempo que parou, freiou para ser
prudente?

Ou talvez a sua luta seja entre paixões lascivas e desejo de ser


santo?

Você nunca se pegou tendo sentimentos de raiva e logo em


seguida se envergonhou por tê-los extravasado e não ter
sido longânime?

Afinal, qual sentimento ou desejo realmente te define:

o da extravagância ou o da prudência?

Da lascívia ou da castidade? Da ira ou da paciência?

Não podemos escolher qual deles queremos ter, pois todos


são reais e muito fortes em nós.

Somos um poço de contradição, e por isso não podemos


nos definir conforme nossos sentimentos ou desejos.

EM SEGUNDO LUGAR,

a busca individualista por uma identidade, e desprovida de


interesse na opinião alheia, é ilusória, porque sempre
estamos procurando aprovação de outros.

Por sermos seres sociais, com uma carência intrínseca por


pertencimento, não conseguimos fugir da busca por
aprovação daqueles a quem admiramos.
Portanto, nossa identidade não é determinada por nós
mesmos, e sim pelas estruturas dominantes que nos cercam
e nos cativam, às vezes sem que nos apercebamos.

EM TERCEIRO LUGAR, ela é massacrante.

Frases do tipo “Eu não consigo viver sem...” revelam nossos


apegos exagerados a coisas criadas.

Todavia, realidades criadas não duram; cessam.

✓ Pode ser o corpo malhado,


✓ o desempenho no esporte ou no trabalho,
✓ a causa política ou
✓ o parceiro a que se ama
✓ todas essas coisas vêm e vão.

Quando nossa identidade é subjetivamente formada


pelo valor que damos a essas dádivas criadas, estamos
trilhando um caminho de frustração.

EM QUARTO LUGAR, essa busca por identidade é


fragmentadora pois valoriza mais desejos e sonhos pessoais
do que laços sociais.

Se a identidade é buscada através do senso de realização


pessoal, então casamentos estão destinados ao divórcio.
Afinal, relacionamentos quaisquer, principalmente o
casamento, são pautados por abnegação, perdas e
trocas.

Se você não estiver disposto a entender que sua identidade


não é formada apenas por satisfações pessoais, então
casamentos hão de ruir.

Casamentos, no passado, não eram perfeitos, mas


duravam mais tempo por conta do respeito às estruturas
sociais.

Como a identidade subjetiva é mais predominante do que a


honra concedida pela sociedade, então temos um número
alucinante de divórcios em comparação com a geração de
nossos avós.

Não é que a geração deles não tivesse problemas no


casamento, mas tais problemas não eram considerados
suficientes para romper laços sociais.

Hoje, em contrapartida, a identidade individualista


predomina sobre a reputação social. Por isso essa busca
por identidade é fragmentadora.
Essa apologética crítica que visa mostrar a loucura do
pensamento anticristão não é o nosso foco, mas nos ajuda a
estabelecer quão danosa é a proposta de uma identidade
calcada em sentimentos voláteis.

Em busca de uma visão bíblica de identidade

Ainda que essa busca contemporânea por uma identidade


subjetiva seja danosa, ela reflete um pecado antigo, um mal
que sempre esteve presente neste mundo pecador: o anseio
por fazer um nome.

Se em culturas antigas se fazia o nome mediante atos


heroicos, hoje se aplaude quem se expressa “sem medo
de ser feliz”.

As versões são diferentes, mas ambos procuram fazer um


nome.

- - - No mundo dos esportes ou do entretenimento, nós


chamamos de fama.

No mercado de trabalho, nós chamamos de sucesso, mas


tudo se resume a essa busca por fazer um nome para si.

A história de Babel é emblemática da busca por uma


identidade à parte de Deus. Suas edificações portentosas
tinham por intento tornar “célebre o nosso nome” (Gn 11.4).
Toda essa busca por fazer um nome é resultado de uma
sociedade que não tolera ser estrangeira.

Isso era verdade no início das civilizações e é verdade ainda


hoje.

A Torre de Babel foi o exemplo máximo de cooperação


em torno de grandeza; eles queriam construir um reino
glorioso para si. Como castigo, Deus os alienou mediante a
confusão de línguas.

Esse fascínio pelos reinos deste mundo também atingiu até


fiéis como o justo Ló (2Pe 2.7), o qual encontrou sua
identidade na posição que atingira em Sodoma,
esquecendo-se de sua origem estrangeira (Gn 19.9).

Em nossos tempos, o mundo continua pressionando-nos


a não tolerar a condição de estrangeiro.

- - “Inclusão, direitos de minorias, não tolerar o bullying ou a


homofobia são agendas seculares de quem se sente dono deste
mundo e não tolera ficar de fora.” Heber Jr. Pedras Vivas

Se Pedro nos ensina nessa carta que cristãos devem


esperar exclusão, ostracismo e o desprezo advindo do
ódio por Cristo, nossa sociedade tem o seu coração no
mundo e não está disposta a ficar de fora.
O contraste entre a visão pagã e a visão cristã de identidade é
notório, afinal, a identidade cristã não é conquistada, e
sim recebida.”

Na Escritura, Cristo conquista o direito de ter um nome


acima de todo nome (Fp 2.5-11).

Na verdade, sua identidade foi maculada (Is 53.3) para que a


minha fosse reparada; ele foi excluído para que eu
passasse a pertencer à familia de Deus.

Portanto, é ele quem faz o nome em nosso lugar. Nós,


contudo, recebemos o seu nome (At 11.26c).

Na Escritura, quem dá nome tem domínio, exerce


liderança (At 2.20, 23; 3.20; Lc 1.59-63). Como perdemos o
controle de nossas vidas ao nos tornarmos escravos do
pecado, precisamos ser libertados, adotados e nomeados
pelo nosso Salvador. Portanto, ele é exclusivo em nos
conceder um nome bendito (Gn 12.2; Ap 2.17).

Entretanto, infelizmente até cristãos caem no engano de


fazerem um nome para si. Querem criar uma identidade
admirável e satisfatória mediante suas próprias realizações.

1. Afinal, o que move tantas pessoas a buscarem mais


uma especialização a fim de colocarem no currículo?
2. Por que muitos pais ficariam frustrados se o seu filho
jovem optasse por um trabalho braçal em vez de ir para
a universidade?

3. Por que temos receio do que pessoas pensam de nós


quando nossos filhos nos envergonham em público?

4. Por que a dona de casa por vezes se sente inferiorizada


por não trabalhar fora?

5. Por que a maioria dos crentes da igreja tem mais


disposição para servir quando possui cargos na igreja?

Por trás de cada resposta as perguntas acima, existe


uma certa preocupação com o nosso nome, com a nossa
reputação, com o nosso legado.

Pecamos também quando nos preocupamos


demasiadamente com a identidade terrena a ponto de
ofuscarmos nossa identidade celestial.

Preconceito, inclusão e justiça social não são apenas


lutas da sociedade atual. Cristãos também se apegam a
tais coisas.
1. Por que você fica irada quando o seu filho sofre
bullying na escola, senão pelo desejo de que as pessoas
o tratem sem preconceito?

2. Você está mais interessado em ele se encaixar do que


em ensiná-lo que não nos encaixamos muito bem
nesta vida.

3. Deixamos de ensinar nossos filhos que se sentir um


peixe fora da água não é de todo estranho para
quem é forasteiro nesta terra.

4. Por que você se sente indignado quando um


funcionário inferior a você consegue a promoção na
empresa em vez de você?

É porque você zela mais por justiça e busca dos direitos


do que em assumir a postura de um peregrino que não
será tratado justamente em terra estrangeira.

5. Por que é que o idoso ou o acamado se sente tão abatido


quando perde o senso de utilidade?

Porque, no fundo, o que nos dá senso de identidade é o


que nós fazemos, realizamos, antes do que aquilo que
somos em Cristo.
Não somos devidamente preparados para os anos nos quais
faremos menos e menos.

Portanto, até cristãos podem ser atingidos pela


preocupação pecaminosa com o seu nome e com as
delícias e encantos deste mundo.

Pensamos exageradamente em nosso desempenho e na


reputação que ele nos trará.

Construímos reinos aqui como fruto de nosso próprio


esforço, esquecendo que na vida cristã, o reino não é
nosso (é de Deus), e quem o constrói não somos nós
(apenas herdamos o reino).

Por isso, precisamos aprender com Pedro sobre nossa


identidade recebida em Cristo.

Veremos primeiramente como receber uma identidade, é o


que nos faz cristãos, e depois nos debruçaremos sobre duas
palavras que compõem essa identidade: eleitos e
forasteiros.
Identidade recebida

Pedro aprendeu que ser discípulo de Jesus é primeiro ter sua


identidade transformada.

O pescador de peixes transformado em pescador de homens


(Lc 5.10) aprendeu já em seu primeiro encontro com Jesus
que conhecer a Jesus envolve antes, ser conhecido por
ele.

Antes de amarmos e escolhermos a Jesus, nós somos


amados e escolhidos por ele (Jo 15.16; 1Jo 4.10).

O primeiro encontro de Pedro com Jesus já é emblemático


desse conhecimento prévio de Jesus mudando a sua
identidade (Jo 1.40-42).

André, o irmão de Simão (o nome original de Pedro), era um


discípulo de João Batista que passou a seguir a Jesus.

Quando André anuncia o achado (“Achamos o Messias”) e


leva seu irmão ao Mestre, Jesus olha para Simão e diz: “Tu
és Simão, o filho de João; tu serás chamado Cefas (que quer
dizer Pedro)” (Jo 1.42).

Jesus conhecia Simão, assim como conhecia Natanael


(Jo 1.47-48) e conhecia Saulo de Tarso (At 9.4), todos no seu
primeiro encontro. Jesus conhece profundamente cada
um daqueles a quem ele quer atrair.

No entanto, a história do encontro com Pedro nos revela


muito mais do que apenas um Jesus que tem conhecimento
prévio de um futuro discípulo.

Observe como Jesus já se mostrava autoridade na sua


vida para nomeá-lo de “Rocha.”

Jesus está mudando a identidade de Simão para que ele


torne o Pedro que conhecemos como o líder dos apóstolos.

Quando Pedro confessou a Cristo (“Tu és o Cristo”, Mt


16.16), Cristo confessou a Pedro (“Tu és Pedro, Mt 16.18; cf.
Mt 10.32).

A continuidade da história a nos ensinar que Cristo o faria


fundamental para a edificação da igreja ( 16.18), e firme em
sua caminhada cristã (Lc 22.32), dois sentidos condizentes
com o seu novo nome.

Em seu primeiro encontro Jesus está demonstrando mais do


que um conhecimento cognitivo acerca da história de
Pedro, como se fosse um adivinho.
O Salvador está revelando um propósito de mudança de
identidade.

Jesus estava demonstrando qual seria a transformação


operada naquele discípulo. É como se a primeira frase de
Jesus a Pedro já contasse a história inteira desse pescador.

Foi depois que Simão se tornou Pedro que, gradativamente,


o apóstolo passou a entender as implicações de uma
mudança de nome.

A Bíblia tem vários outros exemplos de mudança de


nome operada por Deus, gerando uma mudança de
identidade:

Abrão virou Abraão, Sarai virou Sara, Jacó virou Israel, e


Saulo virou Paulo.

O último destes disse: “Já não sou eu quem vive, mas Cristo
vive em mim” (Gl 2.20).

Porém, todos experimentaram uma mudança de rumo


na vida, iconizadas pela mudança de seus nomes.

Nos também experimentamos uma mudança de identidade


em nosso novo nascimento.

Uma conscientização gradativamente crescente do que


significa sermos adotados por uma nova familia, termos um
novo nome.
Nossas habilidades, nosso tempo, nossos recursos devem
ganhar novo direcionamento por causa de nossa nova
identidade.

Paulo renunciou a sua identidade antiga para estar em


Cristo (Fp 3.7-9), guardou a nova fé fielmente (2Tm 4.2),
utilizou seu conhecimento adquirido nos dias de farisaísmo
para combater judaizantes na Galácia.

Todos esses exemplos provam uma continua consciência da


identidade em Cristo.

O Livro de Atos revela que Pedro aprendeu que nossa


identidade é definida pelo que recebemos de Deus.
Ainda que criado dentro de um contexto de exclusivismo
judaico, sua experiência na casa de Cornélio foi
transformadora.

Quando ensinado acerca da santificação de todos os povos


mediante a visão dos lençóis (At 10),

Pedro foi obrigado a concluir que os gentios são


receptores das mesmas promessas (cf. Ef 3.6). Quando
arguido pelos judaizantes que ele se misturara com os
gentios, Pedro contou toda a história e concluiu:

"Se Deus lhes concedeu o mesmo dom que a nós nos outorgou
quando cremos no Senhor Jesus, quem era eu para resistir a
Deus?".

E a conclusão foi que "também aos gentios foi por Deus


concedido o arrependimento para vida" (At 11.17-18).
Observe como a diferença entre judeu e gentio, tão
acalorada naqueles dias, foi substituída por aquilo que os
unia, a saber, as dádivas divinas: o Espírito Santo e o
arrependimento para a vida.

O discípulo enviado aos da "circuncisão" (Gl 2.7-8) aprendeu


junto a incircuncisos que a nossa identidade espiritual é
muito mais significativa do que nossa identidade étnica.

Quando ele inicia a carta se apresentando como "Pedro,


apóstolo de Jesus Cristo", está falando a partir daquilo que
recebeu. Seu apostolado procede de Jesus, não foi
autodesignado. Pedro não se intitulou apóstolo, mas foi
designado apóstolo pelo Mestre e enviado por aquele
que tem autoridade sobre ele.

Pedro não passou em uma "prova de apostolado". Seu


histórico ao lado de Jesus indica mais demérito do que
qualquer honra.

Ele foi graciosamente feito um apóstolo.

É verdade que Pedro tem autoridade apostólica, mas sua


autoridade não é suprema ou despótica, pois é própria de
quem se enxerga igual aos seus leitores ("Eu, presbítero como
eles", 1Pe 5.1) e de quem está a serviço de Cristo ("servo", 2Pe
1.1)."

Portanto, sua autoridade não é conquistada por honra,


ou desempenho próprio, mas graciosamente concedida
pelo Redentor. Pedro reconheceu que nossa identidade é
definida pelo que somos em Deus.

Olhemos agora para as duas palavras que compõem nossa


identidade cristã conforme o início de 1 Pedro.

Eleitos e forasteiros

No verso 1 de nosso texto petrino, o apóstolo chama os seus


leitores de "eleitos" e "forasteiros".

Por obra de Deus, como mostrará o verso 2, fomos feitos


eleitos e forasteiros.

O primeiro título é a condição que nos foi concedida por


Deus, enquanto o segundo é resultado dessa condição em
relação ao mundo.

Por sermos "eleitos" (eklektóis), selecionados para sermos


povo de Deus, isto causou uma alienação em relação ao
mundo, o que nos faz "forasteiros" (parepidemois).

Se há senso de pertencimento a Deus, no mundo nos


sentimos "peixes fora d'água".

Fomos repatriados por Deus e passamos a experimentar


a animosidade do mundo.
É claro que a nossa relação de forasteiros não é apenas de
passividade, como se fosse apenas produzido em nós antes
do que producente.

No decorrer da epístola, Pedro irá revelar que o caráter


eleito da igreja ("raça eleita", 2.9-10) resulta numa postura de
procedimento exemplar entre os incrédulos ("peregrinos e
forasteiros", 2.11-12).

A própria sequência do texto de Pedro explica que eleitos


têm uma forma adequada de caminhar neste mundo:
como forasteiros.

Karen Jobes afirma que a identidade de "forasteiros" nos


distancia de qualquer domínio que a sociedade tem sobre
nós.

Por outro lado, Pedro não nos chama a nos distanciarmos da


sociedade.

K. Scott Oliphint aprofunda a realidade de que "eleitos" e


"forasteiros" não significa que nos apartemos da sociedade,
mas que a nossa condição qualifica nossas atividades
neste mundo.

"A ênfase aqui não está na dispersão do povo de Deus, mas


em seu 'enraizamento' na escolha de Deus, baseada
firmemente no seu amor eterno e efetuada através do
sangue de seu Filho e da obra santificadora de seu Espírito.
Esse é o resumo de nossa identidade conforme os
primeiros dois versos de 1 Pedro.

Vamos desenvolver um pouco mais essas facetas de


nossa identidade recebida.

Em primeiro lugar, é preciso dizer que os qualificativos do


verso 2 (presciência do Pai, santificação do Espírito,
aspersão do Filho) provavelmente se referem a toda a nossa
identidade recebida, tanto o sermos eleitos como
forasteiros.

O verso 2 simplesmente começa com "segundo a presciência


de Deus Pai...". A ligação entre "eleição" e "presciência" " é
resultado da obra trinitária.

Pedro nos ensina que essa identidade nos é comunicada


segundo a "presciência de Deus Pai".

Para muitos evangélicos, a palavra "presciência" significa


que Deus na eternidade olhou o futuro e viu que nós iríamos
crer; por isso, ele nos escolheu. O problema dessa opinião é
que eleição se torna uma reação divina a uma postura
futura dos homens. Nessa visão, Deus não é proativo, mas
reativo.
No entanto, a Escritura nos ensina que eleição não está
relacionada a qualquer atitude passada ou futura dos
homens. Os motivos da eleição estão em Deus somente (Rm
9.11).

A palavra grega "presciência" (prognosis) não significa


informação prévia que se tem sobre alguém.

Deus sabe de todas as coisas previamente, mas Pedro não


está falando de informação antecipada.

A Bíblia diz, por exemplo, que Deus não conhece o caminho


do ímpio, apenas o caminho do justo (Sl 1.6); isto é, ele não
APROVA o caminho do ímpio, apenas do justo.

Quando Jesus condena a atitude de hipócritas, ele diz:


"Nunca vos conheci" (Mt 7.23).

A continuidade do verso diz que ele quer distância desses


que praticam a iniquidade; portanto, Jesus sabe o que eles
fazem e não aprova, nunca os amou.

Conhecer, na mentalidade judaica, é ter envolvimento


íntimo de afeto, de amor com alguém (Jr 1.4).

Por exemplo, para que Jesus nascesse de Maria ainda


virgem, o texto bíblico diz que José "não a conheceu,
enquanto ela não deu à luz um filho" (Mt 1.25).

Conhecer, portanto, é amar intimamente.


Se nós somos conhecidos previamente por Deus Pai,
significa que somos amados desde a eternidade (Rm 8.29,
11.2)

Além de textos fora de 1 Pedro que contribuem para o


melhor entendimento de "presciência", há um fortíssimo
argumento no próprio capítulo 1 de 1 Pedro que corrobora
para a interpretação adotada no parágrafo anterior.

É dito de Cristo que ele foi "conhecido... antes da fundação


do mundo" (1Pe 1.20). O verbo "conhecido" (proginosko) é da
mesma raiz do substantivo "presciência" do verso 2.

Pedro não está dizendo que o Pai tinha informação sobre o


Filho antes da fundação do mundo, uma informação
desnecessária e desconectada do seu argumento. O que
Pedro está afirmando é que Deus amorosamente
determinou, aprovou o que Cristo faria ainda na
eternidade (cf. At 2.23).

A obra redentora de Cristo foi desejada desde antes da


fundação do mundo, mas foi manifesta no fim dos tempos.

Portanto, não somos escolhidos com base em fé prevista,


isto é, como se Deus estivesse antevendo nossa fé (posição
arminiana), mas com base no amor prévio de Deus. Não
somos nós que nos achegamos a Cristo, mas ele se
achega a nós.
Não somos nós que escolhemos a Cristo, mas ele é quem nos
escolhe para que sejamos frutíferos nele (Jo 15.16).

Nossa identidade não é conquistada, mas recebida.

É essa eleição totalmente calcada no amor prévio dele, antes


de fazermos bem ou mal (Rm 9.11), que nos faz povo dele e
nos prepara para a nossa missão de vida.

Segundo o próprio Pedro irá nos ensinar, Cristo é pedra


eleita (1Pe 2.4, 6) e nós somos raça eleita (1Pe 2.9).

Cristo é a pedra escolhida por Deus para sobre ela


edificar um novo povo, uma nova humanidade.

Como diz Wayne Grudem, nossa identidade está calcada "no


cuidado paternal de Deus por você antes de haver mundo"

Tornamo-nos discípulos de Cristo por causa do afeto que o


próprio Pai teve por nós na eternidade.

Aplicação]

Ser escolhido para ser de Deus era a condição que o povo


judeu tinha (Dt 7.6-8; 10.15; 14.2) e que agora está sendo
aplicada a cada um de nós. Somos alvo da escolha amorosa
de Deus, Isso é tremendamente significativo! Para quem
está sendo excluído por opositores do evangelho, para quem
está sofrendo aflições decorrentes de sua fidelidade a Deus, é
tremendamente confortador saber que somos preciosos
para ele.
Ainda que você tenha sido alvo de desprezo em sua infância,
seja na hora de escolher o time, seja em outra brincadeira,
ou escanteado na adolescência (bullying), ou até objeto de
ostracismo na experiência adulta, é muito encorajador
saber que Deus te escolheu para ser dele.

Se Pedro tinha a intenção de escrever para encorajar os seus


leitores (1Pe 5.12), ele certamente apresenta uma doutrina
encorajadora.

Primeiro, porque ela nos humilha (escolha não


fundamentada no objeto escolhido), e isso é saudável para a
nossa vida cristã. Segundo, porque essa doutrina nos ensina
a nos gloriarmos naquilo que provém dele (Gl 6.14).

Agora é preciso pensar nos efeitos de nossa identidade


enquanto parte da sociedade. Se a nossa identidade cristã
não é conquistada, mas recebida, devemos entender o
impacto que ela gera para a nossa relação com o mundo.
Pedro chama os seus leitores de "forasteiros"
(parepidemois). Esta condição de "forasteiros" é repetida na
epístola aliada ao termo correlato "peregrinos" (2.11) e, por
isso, é significativa para formar o conceito de identidade.

O "forasteiro" era considerado o "residente temporário" em


um país estrangeiro (cf. Gn 23.4; Hb 11.13), e isso fala muito
sobre a nossa vinculação a este mundo.

Mais especificamente, os leitores são chamados de


forasteiros da "Dispersão" (diáspora), um termo que se
refere ao que aconteceu aos judeus quando foram
espalhados fora de sua terra por ocasião dos exílios assírio e
babilônico (Jo 7.35; Tg 1.1).

Pedro está usando uma linguagem figurada para se


referir à sua posição espiritual decorrente de serem
povo escolhido de Deus. Mesmo no Antigo Testamento, os
hebreus foram chamados de "estrangeiros e peregrinos em
relação à terra de Canaã, que era posse do próprio Deus (Lv
25.23; cf. Sl 39.12).

Pedro, portanto, está refletindo uma linguagem


veterotestamentária e aplicando-a aos seus leitores
espalhados pelas várias províncias da Ásia Menor, atual
Turquia: "Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia" (1Pe
1.1)."

Pedro está escrevendo a cristãos espalhados numa grande


região do Império Romano como sementes do evangelho.

Se civilmente os receptores da carta pertencem a diferentes


nacionalidades, espiritualmente eles são todos
compatriotas, estrangeiros pertencentes a outra pátria
superior.

É importante destacar que a experiência judaica de


dispersão seja aplicada a leitores gentílicos.

A maioria dos comentaristas concorda que os destinatários


de Pedro são mormente gentios, já que há vários indícios
disso na primeira epístola.
Primeiramente, a herança que eles receberam de seus pais
era de conduta vã: "Fostes resgatados do vosso fútil procedi-
mento que vossos pais vos legaram" (1.18).

Segundo, houve tempo em que eles não eram considerados


povo de Deus, até que foram alcançados pela misericórdia
redentora: "Vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora,
sois povo de Deus" (2.10).

Terceiro, as suas práticas passadas não combinam com os


cuidados morais do povo judeu: "Basta o tempo decorrido
para terdes executado a vontade dos gentios, tendo andado
em dissoluções. concupiscências, borracheiras, orgias,
bebedices e em detestáveis idolatrias" (1Pe 4.3).

Portanto, ainda que a igreja fosse uma mistura de judeus e


gentios. Pedro utiliza linguagem que combina com um
histórico próprio de gentios. Ao longo de toda a epistola, o
apóstolo Pedro utiliza terminologia das experiências
judaicas para tais leitores gentios (como fez Paulo em Rm
9.6-8. 24-26; Gl 3.6-9, 14, 29, 4.21-31; 6.15-16). Pedro fala da
"peregrinação" por ocasião da Páscoa (1Pe 1.17-21; 2.11), e a
linguagem de "cingir" utilizada por Pedro (1Pe 1.13), no
sentido de aprontar-se para partir, deixando assim a vida
antiga para trás, recapitula a linguagem que Deus utilizou
no início do Êxodo (Ex 12.11).

A metáfora da peregrinação, portanto, é enriquecida até


com a escolha precisa de palavras. Pedro ainda fala da
"Dispersão" (1Pe 1.1; 2.11) e da construção do templo (1Pe 2.4-
5), além de lhes atribuir títulos próprios aos judeus como
"raça eleita", "nação santa" (1Pe 2.9) e chamar as mulheres de
"filhas" de Sara (1Pe 3.6).

Observe como Pedro está fazendo com que toda a história do


Antigo Testamento seja recontada como sendo a história dos
próprios leitores. Pedro está concedendo honra a quem
antes não tinha honra aos olhos de um judeu.

Se em Babel os homens que buscavam identidade em sua


grandeza terrena foram alienados por maldição, Abraão
será alienado como bênção (Gn 12); isto é, tirado de sua terra
para se tornar um forasteiro (Gn 23.4). Essa não era apenas a
identidade de Abraão, mas a identidade do povo que saiu do
Egito (Ex 6.4), cuja lei mosaica tinha um cuidado todo
especial para com o estrangeiro em decorrência da
experiência que Israel vivera no Egito (Ex 22.21; 23.9; Lv
19.34).

Outras nações antigas tinham legislação de proteção aos


órfãos e viúvas, os mais necessitados da sociedade de então,
mas só Israel tinha legislação de proteção e cuidado do
estrangeiro!

Você consegue imaginar o impacto que essa identidade


de estrangeiro deveria ter em nossas igrejas no que diz
respeito ao cuidado do visitante, do excluído. e do
diferente? Deveríamos ter uma sensibilidade e um amor
diferenciado por tais grupos, pois nós também somos
"estranhos no ninho" quanto este mundo e fomos incluídos
no povo de Deus.
Desde a bênção abraâmica (Gn 12.3) até a oração salomónica
na inauguração do templo (1Rs 8.41-43), o intento de manter
a pureza judaica não era étnico, mas missiológico. Não há
qualquer expressão de xenofobia em expulsar as nações
de Canaã ou em não tolerar casamento interracial!

A verdade é que Deus estava lhes ensinando COMO A


MISTURA DE FÉ DANIFICA A MISTURA DE POVOS. Não se
misturar com aquilo que é estrangeiro ao evangelho é a
maneira bíblica de ser bênção a quem é estranho ao
evangelho.

No Novo Testamento, a mesma temática de forasteiro


continua. Se Cristo não foi recebido pelos seus (Jo 1.11) e se
tornou estrangeiro entre o seu próprio povo, em
contrapartida ele foi celebrado por estrangeiros que vieram
de longe (Mt 2.1-12). As diferenças étnicas, raciais e
linguísticas se dissipam em Cristo (Gl 3.26-29), porque no
reino de Deus o Pentecostes promove a reversão da
maldição de alienação em Babel (At 2; Gn 11.1-9).

Se antes as línguas foram confundidas e surgiram barreiras


étnico-culturais, agora o Espírito transpõe tais barreiras e
faz o evangelho ouvido em vários idiomas.

Como resultado do Pentecostes, agora nos sentimos muito


mais próximos de pessoas de outra cultura que têm a
nossa fé do que do nosso vizinho que não compartilha dessa
fé.
Essa hermenêutica petrina é de imensa riqueza prática, e
devemos aprender como fazê-la para o nosso próprio
proveito. Pedro está escrevendo a cristãos que sofriam por
causa de sua fé, e a forma que ele encontra para encorajá-los
e orientá-los é inserindo os leitores na Grande História da
Redenção que começou no Antigo Testamento.

Não há nada que possa nos deixar mais seguros e


esperançosos do que saber que a história dos grandes
feitos de Deus pelo seu povo no passado também é a
nossa história.

Quando bons intérpretes do Antigo Testamento nos


mostram como cada narrativa no período dos patriarcas, do
êxodo, dos juízes ou da monarquia conduz à história de
Jesus Cristo, eles estão nos ensinando a enxergar a Escritura
como uma Grande História e a nos inserirmos nela.

O próprio apóstolo Pedro assume a condição de


"forasteiro". No final da epistola, ele indica que escreve a
partir da "Babilônia" (5.13), um termo claramente
metafórico, já que no primeiro século a Babilónia não
existia mais enquanto cidade ou império.

Essa metáfora nos ajuda a entender, primeiramente, que ele


escreve como um forasteiro a forasteiros. Todavia, o
significado de "Babilônia" acrescenta um elemento de
sofrimento e alienação.
O Novo Testamento nos ajuda a entender que o apóstolo
está se referindo a Roma (Ap 16.19; 17.5; 18.2), o lugar onde
ele acabou martirizado, conforme nos diz a tradição.

Mas por que se referir a Roma como "Babilônia"?

Assim como a Babilônia no Antigo Testamento, Roma


representava "o centro de poder mundano e oposição ao
povo de Deus"

"Pedro, portanto, encorajava os seus leitores sendo que ele


próprio estava inserido no antro de oposição à fé cristã.

Essa identidade de estrangeiros é bastante prática. Já que


recebemos um novo passaporte, temos uma relação
diferente tanto com os fiéis como com os incrédulos.

Somos feitos viajantes," colocados numa jornada diferente


pelo Deus que nos chama à sua terra. Devemos viver na
expectativa pela pátria que ainda não conhecemos (Hb
11.16; Fp 3.20).

Se nascemos de novo para uma nova identidade, então


adotamos novos costumes, fazemos novos projetos e
perdemos o apoio de fazer parte do sistema mundano.

É verdade que os filhos de Deus não são os verdadeiros


estrangeiros neste mundo, pois os mansos herdarão a
terra (Mt 5.5). Todavia, a preocupação de Pedro é com o
testemunho que o nosso novo passaporte demanda que
tenhamos (1Pe 2.11-12; 3.15-16).
Pedro está compactando ideias da identidade cristã, nessa
saudação que serão desenvolvidas ao longo da epístola.

Com essa identidade em vista Pedro está escrevendo


uma espécie de guia de viagens para cristãos
peregrinos.

Ao longo da epistola, o apóstolo fala do impacto dessa


identidade para as relações amistosas (pertencemos a Cristo
e somos casa espiritual; 1Pe 2.4-10; 3.8-12) assim como para
as relações hostis (cidadão, servo, esposa marido: 1Pe 2.11-
3.7, 13-17).

Por exemplo, na relação difícil entre marido e mulher, ele


ensina que a esposa honra o marido com seu
procedimento servil e obediente, e sua beleza está no
temor que ela tem por Deus; em contrapartida, o homem
honra a sua esposa quando ele assume a vida no lar e
protege a sua parte mais frágil/valiosa (1Pe 3.1-7).

Observe como a nossa identidade muda como tratamos e o


que esperamos do cônjuge.

Pense em outra aplicação que está intimamente ligada ao


estrangeiro: a prática da hospitalidade (1Pe 4.9; cf. Rm
12.13; Hb 13.2).
A hospitalidade nos dias de Pedro era especialmente
importante, já que hospedarias eram poucas e pouco
convidativas. Portanto, a hospitalidade era conceder uma
experiência mais aconchegante e menos perigosa a um
viajante.

A lição de 1 Pedro 4.9, porém, é para cristãos de todas as


épocas. A ordenança petrina é que a prática seja mútua
entre cristãos.

Não se trata apenas de espírito despojado com a sua casa,


típico de quem gosta de ter a casa cheia (característica
também presente em descrentes). Pedro está falando de uma
identidade cristã. Por quê? Porque hospitalidade é mais do
que um compartilhar de recursos materiais; envolve
identificação e apoio mútuo a quem está na mesma situação
de estrangeiro.

Em outras palavras, você é hospitaleiro quando supre um


irmão e o encoraja a viver como um forasteiro neste mundo
por causa de Jesus.

Inclusive, a continuidade da epístola irá nos ensinar que a


nossa identidade faz-nos abraçar o sofrimento dentro
dos propósitos redentores de Deus, antes do que ficarmos
confusos por tais aflições (1Pe 4.12-19)
Não temos as proteções de governos teocráticos, pois este
mundo é mau e frustrante. Este mundo não é o nosso lar,
mas se opõe a nós. É por isso que Pedro trata tanto do
sofrimento injusto (1Pe 2.19-23; 3.17; 4.15-16).

Ele está nos ensinando o que podemos e devemos esperar


das instituições deste mundo. Nossa identidade molda nossa
esperança e nossa expectativa (1Pe 1.3-12; 5.10).

A fonte dessa nova identidade

O que me define de forma duradoura não é o estado onde eu


nasci, nem a profissão que assumi, nem mesmo a familia na
qual entrei quando me casei. O que me define de forma
perene é o que sou no Deus Triúno. Se as três frases do
verso 2 qualificam os eleitos e forasteiros do verso 1,
então a identidade dos leitores de Pedro é calcada na obra
redentora de Deus por eles.

Por exemplo, Paulo nos ensina que imortalidade não é algo


que nos pertence ontologicamente, como pensavam os
filósofos gregos, mas é uma dádiva que nos é concedida
soteriologicamente, isto é, decorrente da salvação (2Tm
1.10).

Como imortalidade não significa "existência perene" (algo


que pertence a todos os homens, crentes e descrentes), mas
"comunhão imperdível com Deus" (algo que pertence
apenas aos crentes), então cristãos são redefinidos como
imortais de acordo com a redenção do nosso Deus.

Precisamos crescer no entendimento da interrelação que há


na obra trinitária de redenção. Nenhuma das pessoas age
sozinha, nem na criação, nem na providência e muito
menos na redenção.

A eleição não é salvação completa. Há pessoas eleitas que


ainda não foram remidas, e, por isso, Paulo se desgasta para
levar o evangelho até elas (2Tm 2.10).

Como resultado dessa integração de propósitos, dizemos


que Pai, Filho e Espírito trabalham em prol do mesmo
grupo." O Pai não escolhe alguns enquanto o Filho morre
por todos. O Espírito não derrama a graça

de forma universal enquanto o Filho intercede apenas por


alguns. Não há desconexão na obra trinitária.

O verso 2 de nosso texto diz que os leitores são eleitos não


somente segundo a obra do Pai, mas também são alvo da
obra do Espírito e da obra do Filho.

Portanto, os eleitos são aqueles que também são


substituídos por Jesus na cruz e alcançados pelo Espírito
santificador.
Se a presciência do Pai é o amor antigo, eterno, com o qual
nos amou (Rm 11.2; 1Pe 1.20), a santificação do Espírito é a
consagração ou separação do Espírito.

Aqui, "santificação" tem a ver não só com mudança moral,


mas com mudança de posição, isto é, sermos tirados da vida
ímpia que levávamos (1Pe 1.18).

Essa consagração é trabalhada em 1 Pedro 2.9-10 e é


simbolizada no batismo. Essa mesma ação do Espírito é
retratada por Paulo (21 2.13). Se eles foram escolhidos e
tornados forasteiros "em" santificação do Espírito, isso
significa que a obra do Espírito neles é a atmosfera na qual
toda circunstância difícil é transformada em bênção (1Pe
3.14; 4.14).

Por último, o texto nos ensina que nossa identidade é


moldada "para a obediência e a aspersão do sangue de Jesus".

Pedro está falando da obra de Jesus e da nossa obediência


dentro da obra de Cristo.

Karen Jobes observa que a linguagem de aliança em Êxodo


24.3-8 é o pano de fundo para a afirmação petrina, onde há
referência tanto ao compromisso de obediência (v. 3, 7)
quanto ao aspergir do sangue do sacrifício (v. 8).

Quando Deus nos chama em aliança (eleitos), recebemos


todos os benefícios da obra de Cristo (aspersão do sangue) e
respondemos a ele prometendo nossa obediência em
compromisso pactual (assumimos a identidade de
estrangeiros). Essa identidade cristã é resultado da obra de
Cristo e de nossa identificação com ele.

Jesus é o estrangeiro por excelência que veio habitar


entre nós. Afinal, ele veio para os que eram seus, mas eles não
o receberam (Jo 1.11).

Nós não somos "do mundo" (Jo 15.19), porque Jesus não
era.

Quando ele conta a parábola do bom samaritano, narra


sobre o estrangeiro que impressionou os demais pelas suas
boas obras, as quais os homens da lei (sacerdote e levita) não
se importaram em praticar.

Jesus não está exaltando a raça dos samaritanos sobre os


judeus, mas ensinando que quem socorre é quem
entendeu a identidade de estrangeiro.

Jesus é o estrangeiro da parábola, desprezado pelos


homens da lei, sim, mas o único verdadeiro cumpridor da
lei, o qual impressionou os homens pelas suas boas obras (Lc
10.25-37). Jesus amou gente estranha, os marginalizados,
pois se fez como eles.

E ele nos comissiona a fazer o mesmo, a amarmos o inimigo


mesmo sendo nós estrangeiros (Mt 5.43-48).
A obediência da qual Pedro fala não é a de Cristo por nós,
mas é a nossa obediência a ele.

O propósito da obra do Deus Triúno é "para" (eis, i.e., rumo,


em direção a) a obediência a Cristo.

"O que o Pai planeja e o Espírito capacita, Cristo então


recebe, como exaltado Salvador e regente Senhor."

A nossa mudança de identidade não só opera mudança de


rumo em nossa vida, mas redunda em glória para o nosso
Senhor.

"É por isso que Pedro chama os crentes de 'filhos da


obediência em contraste com a vida dissoluta que tinham na
ignorância (1.14) e diz que eles foram salvos mediante a
obediência à verdade do evangelho (1.22)."

Em contrapartida, Pedro "define um descrente como


alguém que não obedece à Palavra de Deus (3.1; 4.17)".

Somos definidos pelo que somos em Deus. Se neste mundo


somos estrangeiros porque temos outro senhor e outra
cidadania celestial (Fp 3.20-21) ainda que em nosso
contexto terreno falemos a mesma língua, tenhamos a
mesma cultura e a mesma nacionalidade civil, isto se dá
porque a nossa identidade é definida verticalmente, não
horizontalmente.

Em vez de sermos definidos por alguma realidade deste


mundo (nossa profissão, nosso casamento e até nosso
ministério na igreja), a qual funciona como espelho que
distorce quem somos, precisamos ser definidos pelo que
somos em Cristo.

Ele é o espelho que reflete adequadamente a nossa


identidade. E isso significa que, em Deus, "graça e paz" nos
são garantidas e serão "multiplicadas".

Mais do que uma saudação, Pedro está declarando uma


bênção. Edmund Clowney nos lembra que bênçãos não são
fórmulas mágicas que carregam poder, mas são honradas
por Deus quando proferidas em fé.

Bênçãos são mais do que desejos, mais do que orações;


declaram o próprio favor de Deus para com o seu povo.

Conclusão

Jesus ilustra a mudança de identidade com a conhecida


parábola da pérola (Mt 13.45-46).

A história diz que um homem que colecionava pérolas


encontra "uma pérola de grande valor" e vende tudo o que
tem para comprar esse único tesouro.

Observe que um homem que "procura boas pérolas".


portanto coleciona as que encontra, desiste de ser um
colecionador para ter apenas uma pérola.

Jesus está nos ensinando que abraçar a Cristo envolve


perder toda a sua identidade prévia por apreço àquilo
que se encontrou.
Paulo é o exemplo perfeito de quem considerou tudo como
perda a fim de ganhar a Cristo e ser achado nele (Fp 3.7-
9).

Que Deus te conduza ao arrependimento pelas vezes em que


você se sente frustrado por não ter realizado tudo o que
você gostaria, por não ter alcançado satisfação e alegria
nas coisas daqui.

Peça ao Senhor alegria por aquilo que você é em Cristo


Jesus.

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