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A epidemia do Covid-19
radicaliza uma presença
constante da era moderna e
contemporânea, o impulso
de conhecer e
problematizar a sociedade
em que vivemos, na sua
operação, principalmente
no que se refere a sua
capacidade de distribuir
felicidade e bem estar entre
todos. Uma mudança na
inércia comportamental, de
certa maneira abrupta da
existência estabelecida e
comportada, determinado
por um agente biológico de
um vírus, como o da
pandemia de Covid-19. É
claro também, que a
aspiração a sua
transformação em algo
diverso do existente decorre
de uma diversidade de visões e narrativas, que disputam o metabolismo social, todas
almejando ser compartilhada pela maior parcela. Há uma clássica divisão entre os
conhecimentos ou as narrativas, que disputam a opinião social. De um lado, uma
parcela dita progressista, que luta contra a manutenção de sua forma operativa;
alienada, competitiva e repetitiva, bloqueadora da felicidade e do bem estar. E, de
outro lado, uma parcela conservadora, que reafirma que a forma de funcionar da
sociedade contemporânea competitiva é adequada, e que, não deve ser questionada,
pois sua própria reprodução permitirá alcançar a felicidade e o bem estar. Há um pós
epidemia colocado no futuro, que várias correntes disputam qual será sua
configuração, numa disputa de narrativas que se sobrepõe, repetindo como será
nosso "novo normal". Como ele se reestruturaria? Havendo, claramente um paradoxo,
nessa expressão "novo normal", uma vez que, se verdadeiramente "novo" deveria não
ser "normal". Será, já um direcionamento em favor do conservadorismo? No Brasil, o
discurso conservador ganhou terreno a partir de uma série de acontecimentos desde o
processo de redemocratização, que podem ser resumidos em quatro pontos;
"O machismo foi tornado crime, o que lhe reduz as manifestações públicas e abertas.
Mas ele sobrevive no imaginário da população, no cotidiano da vida privada, nas
relações afetivas e nos ambientes de trabalho, nas redes sociais, nos grupos de
whatsapp, nas piadas diárias, nos comentários entre os amigos “de confiança”, nos
pequenos grupos onde há certa garantia de que ninguém irá denunciá-lo. O mesmo
ocorre com o racismo, com o preconceito em relação aos pobres, aos nordestinos, aos
homossexuais. Proibido de se manifestar, ele sobrevive internalizado, reprimido não
por convicção decorrente de mudança cultural, mas por medo do flagrante que pode
levar a punição. É por isso que o politicamente correto, por aqui, nunca foi expressão
de conscientização, mas algo mal visto por “tolher a naturalidade do cotidiano...O
“brasileiro médio” gosta de hierarquia, ama a autoridade e a família patriarcal, condena
a homossexualidade, vê mulheres, negros e índios como inferiores e menos capazes,
tem nojo de pobre, embora seja incapaz de perceber que é tão pobre quanto os que
condena. Vê a pobreza e o desemprego dos outros como falta de fibra moral, mas
percebe a própria miséria e falta de dinheiro como culpa dos outros e falta de
oportunidade. Exige do governo benefícios de toda ordem que a lei lhe assegura, mas
acha absurdo quando outros, principalmente mais pobres, têm o mesmo
benefício.” LAGO 2020
O inglês Francis Bacon (1561- 1626) no seu Novum Organum escrito nos tempos do
Renascimento Europeu pretendia recuperar o trato direto com as coisas, da
experiência empírica se rebelando contra o pensamento da filosofia escolástica, para
se libertar de uma imensa quantidade de noções, que ele chamava de ídolos. De
acordo, com ele eram quatro as espécies de ídolos que serviam as conveniência
humanas para expressar a correta realidade da natureza e do mundo; ídolos da
tribo, ídolos da caverna, ídolos do foro, e ídolos do teatro. Os ídolos da tribo eram os
que levavam o gênero humano a acreditar que sua visão era a expressão geral e
correta da realidade. Os ídolos da caverna eram os que levavam os indivíduos a
acreditar que sua opinião tinha valor universal e aceitação geral. Os ídolos do
foro provinham da comunicação entre indivíduos através da linguagem e da
imperfeição das palavras. Por último, os ídolos do teatro derivavam do fato de que
todas as ideias chegam aos indivíduos através de encenações sancionadas pela
tradição, sejam elas filosóficas, científicas, ou crendices e superstições. Os ídolos
seriam como obstáculos, condicionadores do pensar que bloqueavam seu livre
caminhar, dando-lhe um sentido automático e mecânico, que hoje poderiam estar
representados pelas culturas institucionais que participamos, como; a família ou clã
(tribo), o nosso círculo de relações (caverna), da linguagem corriqueira, exclusiva ou
profissional (foro) e dos aparatos formadores que nos instruíram (teatro).
"O intelecto humano não é luz pura, pois recebe influência da vontade e dos afetos,
donde se pode gerar a ciência que se quer. Pois o homem se inclina a ter por verdade
o que prefere. Em vista disso, rejeita as dificuldades, levado pela impaciência da
investigação; a sobriedade, porque sofreia a esperança; os princípios supremos da
natureza, em favor da superstição; a luz da experiência, em favor da arrogância e do
orgulho, evitando parecer se ocupar de coisas vis e efêmeras; paradoxos, por opinião
do vulgo. Enfim, inúmeras são as fórmulas pelas quais o sentimento, quase sempre
imperceptívelmente, se insinua e afeta o intelecto." BACON, citado em KONDER 2002
página19
"Em primeiro lugar, é preciso saber formular problemas. E, digam o que disserem, na
vida científica os problemas não se formulam de modo espontâneo. É justamente esse
sentido do problema que caracteriza o verdadeiro espírito científico. Para o espírito
científico, todo conhecimento é resposta a uma pergunta. Se não há pergunta, não
pode haver conhecimento científico. Nada é evidente. Nada é gratuito. Tudo é
construído." BACHELARD 1999 página18
"Desta forma, as ideias poderiam surgir com o livre curso da imaginação: "devemos ter
à mão uma folha de papel dobrada no meio, na qual vamos registrando promiscue
todas as imagens que digam respeito à matéria. Além disso, também precisamos fazer
alguns intervalos enquanto pensamos, os quais contribuem de maneira extraordinária
para o descanso e fortalecimento da imaginação. Também devemos evitar reler com
frequência aquilo que nós mesmos tivermos escrito. Não devemos ler escritos sobre a
matéria a respeito da qual estamos refletindo, do contrário atamos o gênio." KANT
1995 página11
Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 Stutgart - 1831 Berlim) foi amigo e conviveu com
o poeta Friedrich Hölderlin, e com o também filósofo Joseph Von Schelling,
participando na ainda não unificada Alemanha, dos acontecimentos da Revolução
Francesa (1789). Estudou no seminário teológico e protestante de Tubingen (1788-
1793) na região de influência de Stutgart, no que era o Ducado Würtemberg. Depois,
foi preceptor na cidade de Berna na atual Suíça, mantendo-se mobilizado pelos tema
religiosos, principalmente a partir do texto de Kant; A religião nos limites da simples
razão. Na qual, a determinação ética do pensamento segue uma trilha entre a moral e
a religiosidade, na mesma trilha da humanização do sagrado, encarnado na figura de
Jesus Cristo e nos questionamentos de Lutero, expressos no drama entre a doutrina
eclesiástica e a fé do sujeito. Há uma distinção importante, nesses escritos da
juventude, entre a religião estatutária e a popular e da comunidade, sendo essa última
a que sintetiza a racional e universal vontade do sagrado. Hegel foi um entusiasta dos
princípios revolucionários do Iluminismo, no que concerne a liberdade, fraternidade e
igualdade. Quando, Napoleão entrou em Iena, em 13 de outubro de 1806, Hegel
escreveu uma carta enaltecendo aquilo que considerava como sendo; "o Espirito do
mundo." Ou, quando da derrota napoleônica em 1814, que descreveu como um
acontecimento trágico, "o espetáculo de um gênio grandioso destruído pela
mediocridade" (SINGER, 2003. p. 12). Nessa admiração, alguns críticos apontaram
uma antecipação da crença no poder autocrático do Estado, que sem dúvida terá sua
adesão, quando da restauração da Prússia, no qual via a encarnação da razão
absoluta. Diferentemente de Rousseau e de toda tradição filosófica francesa, o centro
racional aqui não é o indivíduo isolado, mas a reunião e o esforço empreendido pela
história para a emergência de formas de aglutinação de indivíduos em comunidades.
"O Estado é absolutamente racional ... e tem o direito supremo sobre o indivíduo, cujo
dever supremo é de ser um membro do Estado." HEGEL
Nesse sentido, Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), elegeram como
sua forma de interpretar o mundo o conflito inter classes, a emergência de uma
subjetividade nova e inusitada, o operariado e a didática da história como parteira da
transformação pensada e induzida. Além disso, Marx e Engels identificam uma
tendência inercial do sistema capitalista, que supervaloriza a forma líquida, a base
monetária, que materializa o lucro, na fórmula; Dinheiro - Mercadoria - Dinheiro' (D-M-
D'). A décima primeira tese sobre o filósofo materialista, pertencente a esquerda
hegeliana Ludwig Feuerbach (1804-1872) procura construir uma nova posição para o
pensar nos tempos modernos;
Uma proposição assertiva, que mira mais nos objetivos a serem atingidos, do que na
descrição daquilo que ocorre, sintetizado no agente concentrado e subalternizado pela
produção industrial, o operariado. A proposta é a instituição de uma filosofia da práxis,
aonde parte se da vivência humana concreta e objetiva, os homens de carne e osso,
para se chegar as suas ideias, sua imaginação e naquilo que engendram
mentalmente, como justificativa para sua atuação. A base empírica sobre a qual Marx
pensa e observa, o desenvolvimento do Capital é a Inglaterra, mas especificamente
Manchester, aonde seu companheiro de reflexão Engels administra a fábrica do seu
pai, rico industrial alemão associado ao empreendimento textil fabril da Ermen &
Engels Victoria Mill. Engels irá vivenciar de forma bastante próxima, a dura situação da
classe operária na Inglaterra do primeiro impulso industrial, fornecendo rico material
empírico para as abstrações de Marx. Nessas observações e escritos de Engels há
um olhar e afeto específico para os irlandeses, que são os principais explorados, tendo
inclusive namorado uma empregada da sua fábrica, Mary Burns, imigrante da Irlanda.
Interessante nesse pensamento foi, apesar de sua gestação datada em meados do
século XIX, e localizada na Revolução Industrial da Inglaterra, sua capacidade de se
manter como explicação da forma de operar capitalista até os dias atuais.
"O ponto de partida de nossa investigação foi a afirmação de Fernand Braudel, de que
as características essenciais do capitalismo histórico em sua longue durée - isto é,
durante toda suas existência - foram a flexibilidade e o ecletismo do capital, e não as
formas concretas assumidas por ele em diferentes lugares e épocas: 'Permitam-me
enfatizar aquilo que me parece ser um aspecto essencial da história geral do
capitalismo: sua flexibilidade ilimitada, sua capacidade de mudança e de adaptação.
Se há, segundo creio, uma certa unidade no capitalismo, da Itália do século XIII até o
ocidente dos dias atuais, é aí, acima de tudo, que essa unidade deve ser situada e
observada.'" BRAUDEL 1982 pagina 433, citado por ARRIGHI 1996 página4
Os ciclos repetidos do capitalismo são sem dúvida uma constante na sua história
desde o século XIII europeu, conforme demonstrado por ARRIGHI 1996, aonde a
sucessão de hegemonias dominadoras assinalam o processo apontado por Braudel.
Uma fase de intensa produção, aonde a mercadoria parece ser a própria
representação da riqueza, seguida por uma fase aonde a moeda passa a ser
centralidade da prosperidade. ARRIGHI 1996, também assinala, que no século XIX o
capital parecia ter encontrado uma nova casa, algo inusitado até então, que eram as
unidades fabris de produção da revolução industrial, que pareciam ter ancorado o
capital na produção. Mas logo, a repetição das crises em 1870 e 1929 mostraram que
o padrão de busca pelo padrão rentista e especulativo se repetia da mesma forma.
Desde os banqueiros genoveses do século XV, que descobriram que era mais seguro
emprestar dinheiro aos reis da península ibérica, aos investidores de Wall Street em
Nova York em 1929 ou em 2008, vale mais apostar do que produzir." MOREIRA 2018
www.arquiteturacidadeprojeto.blogspot.com captado em 05-06-2020
A importância das formulações de Lenin para o nosso mundo atual, pois fazem frente
a uma certa tendência a localizar as posições progressistas de esquerda como
estatizante, de uma maneira simplificadora e reducionista. Muitas vezes,
principalmente a partir dos anos oitenta do século XX, o senso comum geral assumiu
essa interligação mecânica e automática da defesa do Estado, com o lugar de
resguardo do interesse público, e portanto campo de defesa dos progressistas. Mas tal
posição é de certa forma uma novidade histórica, pois no começo do século XX, e até
meados do século XIX, a esquerda não celebrava o Estado dessa forma. Um
personagem, que foi fruto de uma enorme mistificação pelo regime oficial soviético,
que se caracterizava como Socialismo Real ou de Estado. Lenin vai ter seu cadáver
embalsamado após sua morte, e seu corpo é até hoje exposto junto ao Kremlim, em
Moscou, permanecendo como uma das figuras mais populares da Russia atual, só
perdendo para Pedro, o Grande.
"Entre todas as obras de Lênin, o Estado e a Revolução foi a que sobreviveu de modo
mais interessante. O flanco marxista e, na verdade, quase todos os movimentos
anticapitalistas e críticos do Estado a tomaram para si. O texto pode se aplicar em
oposição tanto aos conceitos capitalistas quanto aos stalinistas do Estado, na medida
em que a meta marxista, a da extinção do Estado era, e é, objetivo declarado da
Revolução Russa e da revolução socialista universal." KRAUSZ 2017 página250
"Os homens sempre foram em política vítimas ingênuas do engano dos outros e do
próprio e continuarão a sê-lo enquanto não aprenderem a descobrir por trás de todas
as frases, declarações e promessas morais, religiosas, políticas e sociais, os
interesses de uma ou de outra classe." Lênin citado por KRAUSZ 2017 página 251
NOTAS:
(1) Os livros, que apontam a premissa autoritária da obra de Lênin são; POLAN, A. J. -
Lenin and the End of Politics - Methuen, Londres 1984 e SERVICE, Robert - Lenin A
political Life v3 The Iron Ring - Mcmillan, Londres 1994, ambos citados por KRAUSZ
2017 página249.
(2) Os livros que apontam a disposição libertária da obra de Lênin são; HARDING, Neil
- Lenin´s Political Thought v.2 - Martin Press Nova York 1981 e ANDERSON, Kevin -
Lenin, Hegel and the End of Politics - Methuen, Londres 1984
(3) Ver aqui no blog, o texto A grave crise brasileira e dois textos esclarecedores, que
são COUTINHO, Carlos Nelson - A democracia como valor universal - acessível no
site https://www.marxists.org/portugues/coutinho/1979/mes/democracia.htm e
VIANNA, Luiz Werneck -Volver Não sairemos deste mato sem cachorro sem a política
e os políticos que nos sobraram - O Estado de S.Paulo 04 Junho 2017
BIBLIOGRAFIA:
BRAUDEL, Fernand - The Wheels of Commerce - Harper & Row, Nova York 1982