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TITULO ORIGINAL
L'lnvention Démocratique -Ies limites de Ia domination totalitaire
COORDENADORIA DA COLEÇÃO INVENÇÕES DEMOCRÁTICAS
André Menezes Rocha, David Calderoni, Helena Singer, Lilian L'Abbate Kelian, Luciana de Souza Chauí Mattos Berlinck,
Marcelo Gomes Justo, Maria Luci Buff Migliori, Maria Lúcia de Moraes Borges Calderoni.
CONSELHO EDITORIAL INTERNACIONAL
Boaventura de Sousa Santos (Universidade de Coimbra/University of Wisconsin), Christian Azals (Université de Picardie Jules
Verne d'Amiens), Diego Tatian (Universidad Nacional de Córdoba), Laurent Sove (Université de Picardie Jules Verne d'Amiens
Mariana Gainza, Marilena de Souza Chauí (FFLCH-USP), Milton Meira do Nascimento (FFLCH-USP), Paul Israel Singer (FEA-
USP), Sandra Jovchelovitch (London School of Economics), Vittorio Morfino (Università degli studi di Milano-Sicocca).
André Rocha
Diogo Droschi
(Sobre A ronda noturna (De Nachtwacht), Rembrandt, 1642 - Rijksmuseum (Amsterdã»
EDITORAÇAo ELETRONICA
Waldênia Alvarenga Santos Ataíde
REVISÃO TÉCNICA
Marilena Chauí e André Rocha
REVISÃO DE TEXTO
Lira Córdova e Cecília Martins
EDITORA RESPONSÁVEL
Rejane Dias
ISBN 978-85-7526-524-6
11-02872 CDD-321.92
lndices para catálogo sistemático:
1. Europa oriental: Política e governo: 1945-1989- :
Ciências políticas: História 321.92
A lógica totalltárla'
_ ~."," publicado na Kontinent Skandinauia, Ed. Dreyer, 1980, p. 3 e 4. Revista antitotalitária, dirigida por
~ :" Stubbcrud.
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88 A INVENÇÃO DEMOCRATICA - OS LIMITES DA DOMINAÇÃO TOTALlTARIA
.urpreendente e, para o nosso propósito, mais instrutivo que, entre aqueles mes-
.nos que desmontavam a mistificação do comunismo soviético, a maioria sentia
.epugnância em aproximar stalinismo e fascismo evitando falar de um Estado
.otalitário na URSS. Acumulavam elementos para uma interpretação, mas se
-squivavam perante a exigência de uma nova conceituação. Nesse aspecto o
.aso dos trotskistas é exemplar. Por menos numerosos que fossem não há dúvida
::enhuma de que exerceram uma influência considerável sobre os intelectuais
.ie esquerda na Europa ocidental. Ora, eles não variaram no seu julgamento:
:1 fascismo foi e continua sendo, para eles, um meio que o Grande Capital se
.leu, em condições históricas determinadas, de reafirmar sua dominação sobre
:' proletariado, enquanto o stalinismo lhes apareceu e aparece sempre como o
:woduto monstruoso de uma situação na qual a derrota da revolução mundial
.iavia dissociado da infraestrutura socialista uma superestrutura burocrática em
=iue uma casta parasitária se tinha enxertado sobre o Estado proletário. Este
~aso bem que merece reter a atenção pois o maítre à penser, o guia do qual todos
JS argumentos eram tirados tinha, no que lhe diz respeito, no final da sua vida,
, "0 Estado sou eu!" Frase atribuída a Luís XIV, momento culminante da monarquia absoluta, sob cujo
reinado a centralização do Estado chegou ao máximo, Conservamos a expressão no original, por se tratar
de uma frase célebre, (NT}
"A Sociedade sou eu!". Grifado no original. (N.T.).
90 A INVENÇÃO DEMOCRÁTICA - OS LIMITES DA DOMINAÇÃO TOTALITÁRIA
"fare Ferro, La Révo/ution de 1917, Aubier-Montaigne, 1976. - Des Soviets à Ia burcaucratic, Coleção
Archives. Gallimard-Julliard, 1980.
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96 A INVENÇÃO DEMOCRÁTICA - OS LIMITES DA DOMINAÇÃO TOTALITÁRIA
dos aparelhos que reduzem à função de puros executantes aqueles que se supõe
participarem da vida das instituições, ainda não veria que ditadura, burocracia,
aparelhos precisam de um novo sistema de corpos.
Ora, talvez toquemos aqui na causa mais profunda da cegueira da esquer-
da face à variante comunista do totalitarismo. Enquanto não sente senão nojo
por todas as formas de organização criadas pelo fascismo, nas quais reconhece
um desígnio de arregimentação e de mistificação porque o culto do chefe e
da disciplina aí é praticado abertamente, permanece a maior parte das vezes
estúpida perante o processo de associação, de mobilização, de animação de
massa, porque se desenvolve sob o signo aparente da democracia real. Como o
ideal da democracia real é o seu, limita-se a deplorar que seja desnaturado nos
fatos pela ação de manipuladores. Curiosamente retoma por sua própria conta
a acusação de parasitismo ou de sabotagem para aplicá-Ia aos burocratas, sem
nunca se perguntar se a ideia do bom "coletivo" pode ser extraída do sistema
de representações totalitário. Paralisada pela justa crítica do individualismo
burguês, pela da separação dos papéis e das atividades engendrada pelo ca-
pitalismo, não sabe acrescentar-lhe a crítica inversa: desmontar a ficção da
unidade, da identidade, da substância do social e mostrar que ela conduz ao
isolamento dos indivíduos levado ao seu mais alto grau, à dissolução do Sujeito,
à destruição forçada da sociabilidade humana. E é tal sua impotência que a
vemos desarmada quando os comunistas da nova onda, sobretudo, os italianos,
proclamam os méritos da "democracia de massa", como se esse conceito não
fosse o melhor para cobrir a invasão de todos os setores da cultura - antes os da
economia - por grupos apaixonados pela sua coesão, votados ao conformismo,
cimentados pelo ódio dos desviantes.
Tentar discernir as grandes linhas do empreendimento totalitário é uma
coisa. Seria outra perguntar-se o que acontece com seus efeitos na realidade.
Seria necessário observar a desordem em vez da ordem; a corrupção para além
da imagística do corpo são; a luta pela sobrevivência ou pelos lugares à espera
do "futuro radioso", a virulência dos antagonismos burocráticos sob a férula
do poder. Essa tarefa, nós não a empreendemos. Pelo menos não deixemos o
leitor duvidar de nosso pensamento: o sistema totalitário não alcança seus fins.
Mais que qualquer outro se choca contra o desmedido da experiência. Importa
ainda apreciar sua coerência fantasmática.