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"Quando o mundo estiver


unido na busca do
conhecimento, e não mais
lutando por dinheiro e poder,
então nossa sociedade
poderá enfim evoluir a um
novo nível."
© Gius. Laterza & Figli, todos os direitos reservados.

Publicado por acordo com Marco Vigevani Agenzia Letteraria

Título original: Introduzione a Aristotele.

Vedada, nos termos da lei, a reprodução total ou parcial deste livro,

em quaisquer meios, sem autorização da editora.

Direitos para o Brasil adquiridos por

Contraponto Editora Ltda.

Av. Franklin Roosevelt 23 / 1405

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Tel/fax: (21) 2544-0206 / 2215-6148

Email: contato@contrapontoeditora.com.br

Site: www.contrapontoeditora.com.br

1ª edição: novembro de 2012

Tiragem: 2.000 exemplares

Preparação de originais: Laura Vasconcellos

Revisão tipográfica: Tereza da Rocha

Projeto gráfico: Regina Ferraz

CIP-BRASIL CATALOGAÇÃO-NA-FONTE

SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

R223i Reale, Giovanni, 1931-

Introdução a Aristóteles / Giovanni Reale ; tradução Eliana Aguiar. – Rio de Janeiro

: Contraponto, 2012.

Tradução de: Introduzione a Aristotele

ISBN 978-85-7866-073-4

1.Aristóteles. 2. Filosofia. 3. Filosofia antiga – História.I. Título. II. Série.

12-7169 CDD: 100 CDU: 1


Sumário

Advertência

Cronologia

I. O homem, a obra e a formação do pensamento

filosófico

Do nascimento ao ingresso na Academia

As duas décadas na Academia, as obras da juventude e a

formação da filosofia de Aristóteles

Os “anos de viagem”

O retorno a Atenas, a fundação do Perípato e as obras de

escola

A leitura de Aristóteles hoje

Notas

II. A “filosofia primeira”: análise da Metafísica

Conceito e características da metafísica

As quatro causas

O ser, seus significados e o sentido da fórmula “ser

enquanto ser”

A “tábua” aristotélica dos significados do ser e seu

sentido

Especificações acerca dos quatro sentidos do ser

A questão da substância

A substância em geral e as notas definidoras do conceito

de substância

A “forma” aristotélica não é universal


O ato e a potência

Demonstração da existência da substância suprassensível

A natureza do Motor Imóvel

Unidade e multiplicidade do divino

Deus e o mundo

Notas

III. A “filosofia segunda”: análise da Física

Caracterização da física aristotélica

A mudança e o movimento

O espaço e o vazio

O tempo

O infinito

A “quinta-essência” e a divisão entre mundo sublunar e

mundo celeste

Notas

IV. A psicologia: análise de De anima

Conceito aristotélico de alma

A tripartição da alma

A alma vegetativa

A alma sensitiva

A alma racional

Notas

V. A filosofia moral: análise da Ética a Nicômaco

Relações entre ética e política

O bem supremo do homem: a felicidade


Dedução da “virtude” das “partes da alma”

As virtudes éticas

As virtudes dianoéticas

A perfeita felicidade

Psicologia do ato moral

Notas

VI. A doutrina do Estado: análise da Política

Conceito de Estado

O cidadão

O Estado e suas formas possíveis

O Estado ideal

Notas

VII. A filosofia da arte: análise da Poética

Conceito de ciências produtivas

A mimese poética

O belo

A catarse

Notas

VIII. A fundação da lógica: análise do Organon

Conceito de lógica, ou “analítica”

O esquema geral dos escritos lógicos e a gênese da lógica

aristotélica

As categorias, os termos e a definição

As proposições: Sobre a interpretação

O silogismo
O silogismo científico ou demonstração

O conhecimento imediato

Os princípios da demonstração

Os silogismos dialéticos e sofísticos

A lógica e a realidade

Notas

História da fortuna crítica e das interpretações de

Aristóteles

História da escola peripatética e dos escritos de

Aristóteles até a edição de Andrônico de Rodes

Os comentaristas gregos de Aristóteles

Aristóteles na Idade Média

Aristóteles no Renascimento e nos primeiros séculos da

era moderna

O renascimento de Aristóteles nos séculos XIX e XX

A inovação do método genético e a redescoberta do

jovem Aristóteles

Notas

Bibliografia comentada

Compilações bibliográficas e resenhas críticas

As obras de Aristóteles

Edições gerais e específicas das obras de Aristóteles

Traduções das obras em língua italiana

Traduções em latim e em línguas modernas

Índices e léxicos

Coletâneas, paráfrases e comentários


Estudos críticos

Traduções de Aristóteles em língua portuguesa


ADVERTÊNCIA

Em termos de análise e de síntese, este livro é o produto de uma série de

pesquisas e estudos que iniciei há quase vinte anos. Além de diversos artigos

e ensaios em coletâneas e revistas, dediquei a Aristóteles Il concetto di

filosofia prima e l’unità della metafísica de Aristotele (Milão, 1965, 1967), e

traduzi a Metafísica, com introdução e comentário analítico, para a editora

Loffredo (2 v., Nápoles, 1968). Sempre em conexão com Aristóteles, traduzi

e comentei Metafísica, de seu discípulo Teofrasto, mostrando todas as

relações entre ela e a obra maior do mestre. Paralelamente a esta Introdução

a Aristóteles, publico a primeira tradução italiana do Tratado sobre o cosmo

para Alexandre, reivindicando a paternidade do texto para Aristóteles

(Loffredo, Nápoles, 1974).

No plano da síntese, discorri sobre Aristóteles no peque-no volume Il

motore immobile (La Scuola, Brescia) e sobretudo em I problemi del pensiero

antico (v. 1, Dalle origini ad Aristoteles, Celuc, Milão, 1972).

O leitor encontrará nesta Introdução, portanto, o resultado de todos os

estudos anteriores. É evidente que muitos aspectos já extensamente

refletidos foram aqui retomados com alguns retoques, ou até de modo

integral. Em específico, retomei partes de Problemi del pensiero antico, em

sua maioria resumidas; o primeiro capítulo e a parte concernente à história

do aristotelismo são totalmente novos.

Agradeço enfaticamente ao professor Berti, a quem muito devo no que

diz respeito à interpretação do primeiro Aristóteles: os resultados que

obteve ao estudar o Aristóteles exotérico são os mesmos a que cheguei

examinando o Aristóteles esotérico. Devo agradecer-lhe também por ter-me

permitido ler o esboço de um trabalho, a ser brevemente publicado, sobre as

interpretações de Aristóteles (que integrarão a obra organizada por V.


*
Mathieu, Questioni di storiografia filosofica, La Scuola, Brescia), que me foi

de grande utilidade.

Giovanni Reale
*
Efetivamente publicado em 1975. [n.t.]
CRONOLOGIA

384-383 a.C. Aristóteles nasce em Estagira, filho do médico Nicômaco e de

Féstis. É provável que viva um breve período em Pela, quando o pai foi

nomeado médico da corte do rei macedônio Amintas.

367-366 a.C. Transfere-se para Atenas e entra na Academia, onde

permanece por duas décadas, durante as quais redige e publica inúmeras

obras, a maioria sob a forma de diálogos. Essas obras foram chamadas de

“exotéricas”, em contraposição às que vieram depois, escritas apenas para

aulas e cursos, e que por isso ficaram conhecidas como “esotéricas”, ou

dirigidas aos iniciados.

360-358 a.C. Data provável da redação do diálogo Grilo. Talvez seja

imediatamente posterior aos tratados Sobre as Ideias e Sobre o bem.

353 a.C. Data provável da redação de Eudemo.

351-350 a.C. Data provável da redação de Protréptico, ao qual logo se seguiu

o tratado Sobre a filosofia.

347 a.C. Morre Platão; Aristóteles deixa a Academia e Atenas, mudando-se

provavelmente para Atarneu, convidado pelo tirano Hérmias, e logo em

seguida para Assos, cidade que Hérmias doou aos filósofos da Academia,

Erasto e Corisco, pelos bons serviços prestados.

347-345 a 344 a.C. Aristóteles funda a dirige uma escola em Assos, com

Xenócrates, Corisco e Erasto. Começa a redigir as obras destinadas à escola e

para de produzir escritos dirigidos ao grande público. Não é mais possível

reconstruir, mesmo parcialmente, a cronologia dessas obras.

345-344 a 343-342 a.C. Aristóteles funda e dirige uma escola em Mitilene,

na ilha de Lesbos.
343-342 a.C. Por intercessão de Hérmias, Filipe da Macedônia escolhe

Aristóteles para educar seu filho Alexandre. Data desse período a redação do

Tratado sobre o cosmo para Alexandre, se é que (como eu considero) ele é

um documento autêntico (de fato, apresenta muitos pontos tangenciais aos

textos exotéricos).

341 a.C. Hérmias cai prisioneiro dos persas e em seguida é morto. Nesse

período, Aristóteles se casa com Pítia, irmã de Hérmias, com quem tem uma

filha que recebe o mesmo nome da mãe.

340 a.C. Nomeado regente, Alexandre interrompe seus estudos. É provável

que Aristóteles tenha se transferido pouco depois para Estagira,

reconstruída por Alexandre a seu pedido (fora destruída pouco antes da

partida de Aristóteles de Atenas). Pítia morre, talvez em Estagira. Aristóteles

se casa com Hérpiles, que lhe deu um filho, o qual, em homenagem ao avô

paterno, se chamou Nicômaco.

335-334 a.C. Aristóteles volta a Atenas e funda o Perípato.

335-334 a 323 a.C. No Perípato, Aristóteles ministra os grandes cursos de

filosofia e ciência, e elabora e sistematiza os escritos esotéricos.

323 a.C. Morre Alexandre, o que desencadeia uma revolta antimacedônica.

Aristóteles sente-se ameaçado a ponto de ser obrigado a deixar Atenas.

322 a.C. Aristóteles transfere-se para Calcides, onde tem propriedades

herdadas de sua mãe; morre poucos meses depois.


I.

O HOMEM, A OBRA E A FORMAÇÃO DO

PENSAMENTO FILOSÓFICO

Do nascimento ao ingresso na Academia

Para expor e interpretar corretamente o pensamento de Aristóteles é

indispensável expor algumas informações essenciais sobre sua vida, sobre a

gênese, as características peculiares, a destinação de suas obras e os

respectivos problemas de caráter cronológico. A crítica moderna julgou que

poderia resolver muitas das questões suscitadas pela leitura de Aristóteles

remetendo-se aos dados biográficos, e chegou a acreditar que a natureza do

pensamento aristotélico seria plenamente desvelada a partir de sua gênese. É

bem verdade que essa nova orientação da crítica — que, como veremos, foi

inaugurada em 1923 por Werner Jaeger — esbarrou com suas colunas de

Hércules em menos de cinquenta anos, à medida que destruiu as premissas

de onde partira e as próprias bases sobre as quais trabalhara. Mas também é

verdade que obteve resultado irreversível ao demonstrar o despropósito da

atitude adotada durante séculos em relação a Aristóteles: seu pensamento

era visto como um bloco monolítico, desligado de sua gênese e de sua

história. As novas interpretações do filósofo demonstraram, em especial,

que é impossível compreender o pensamento aristotélico sem tomar como

ponto de partida o evento essencial de sua vida, ou seja, os vinte anos

passados na Academia, na escola de Platão. Foi no curso dessas duas

décadas, nos constantes debates com Platão e nas polêmicas correlatas com

os acadêmicos, que Aristóteles conquistou sua consciência filosófica e

construiu as bases de seu próprio pensamento. Em grande parte, os dogmas

aristotélicos só assumem a justa proporção e o significado exato quando

remetidos a essa matriz acadêmico-platônica.

Examinemos, portanto, de maneira ordenada, os principais dados da

biografia de Aristóteles.

Fontes plenamente confiáveis indicam o primeiro ano da xcix Olimpíada,


1
ou seja, 384-383 a.C., como data de nascimento de nosso filósofo. Seu pai
se chamava Nicômaco e pertencia à corporação dos asclepíades, isto é,

professava a arte médica. Sua mãe se chamava Féstis e, segundo certa

tradição, também era vinculada aos asclepíades.

A cidade que viu Aristóteles nascer foi Estagira (hoje Stavros), que fazia

parte do reino macedônio. Havia muito era colonizada pelos gregos, e nela

se falava um dialeto jônico. Portanto, os pais de Aristóteles eram gregos, e

sua cidade natal havia tempos era helenizada.

O pai, Nicômaco, que, como dissemos, era médico, deve ter se destacado

em sua arte, pois, como foi atestado, escreveu livros de medicina e até uma

obra de “física”. Seu prestígio era tamanho que foi escolhido por Amintas,

rei dos macedônios, como seu amigo e médico da corte. Desde os tempos do

rei Arquelau, a residência dos soberanos macedônios se firmara na cidade de

Pela; por conseguinte, é lícito pensar que Nicômaco e também Aristóteles

residiram nessa cidade, na corte macedônia. Em todo caso, Aristóteles não

morou muito tempo em Pela, porque logo ficou órfão.

É bastante provável que Aristóteles tenha se transferido de Pela para

Atarneu. De fato, sabemos que, com a morte dos pais, ele ficou sob a tutela

de Próxeno, que era dessa cidade.

Já podemos tirar algumas conclusões úteis dos elementos até aqui

expostos. É fantasiosa a pretensão de descobrir em Aristóteles características

e traços não gregos, pois de sangue grego eram seus pais, e sua pátria havia

muito era completamente helenizada. O grande amor pelas ciências

naturais, uma das características peculiares de Aristóteles, já tinha raízes

bem claras na família, tanto pelo lado do pai quanto pelo da mãe. Também

as relações que Aristóteles estabeleceria futuramente com Filipe e com

Alexandre da Macedônia, das quais falaremos amplamente, têm origem,

pelo menos em parte, nessa antiga ligação do pai, Nicômaco, com os

macedônios. Enfim, o tempo que passou em Atarneu, na casa de seu tutor,

Próxeno, pode ter alguma ligação com as estreitas relações que Aristóteles

manteria depois com Hérmias, futuro tirano de Atarneu e de Asso, como

veremos.

As duas décadas na Academia, as obras da juventude e a formação da

filosofia de Aristóteles

Para completar a educação do jovem Aristóteles, que bem cedo deve ter

manifestado uma vocação especulativa, Próxeno resolveu mandá-lo para

Atenas e inscrevê-lo na Academia. A fama de Platão e de sua escola já tinha


se espalhado e se consolidado em todo o mundo grego. Esse fato encontra

testemunhos precisos e circunstanciados. Diógenes Laércio, citando palavras

de Apolodoro, escreveu: “Encontrou-se [Aristóteles] com Platão na idade de


2
dezessete anos e ficou em sua escola por vinte anos.” Portanto, é fácil

calcular que Aristóteles entrou para a Academia em 367-366 a.C., e que lá

permaneceu até 347-346 a.C., ou seja, exatamente o período que vai da

segunda viagem de Platão à Sicília até sua morte. Em suma, Aristóteles

frequentou a Academia exatamente nas duas décadas de maior esplendor da

escola, no período em que fervilhavam os grandes debates relativos à revisão

crítica a que Platão submeteu o próprio pensamento.

Como todos sabem, Platão fundou a Academia pouco tempo depois da

primeira viagem à Sicília (388 a.C.), atribuindo-lhe o estatuto jurídico de

comunidade religiosa consagrada ao culto das Musas e de Apolo, senhor das

Musas. Essa era uma forma — a única, aliás — de conceder aspecto legal à

escola, projeto radicalmente novo e, enquanto tal, não previsto pelas leis do

Estado. As finalidades da Academia tinham caráter sobretudo político, ou,

melhor dizendo, caráter ético-político-educativo: Platão pretendia preparar

os “verdadeiros políticos” do futuro, os homens capazes de renovar

radicalmente o Estado por meio do saber e do conhecimento do Bem


3
supremo.

Situando-se para além do horizonte socrático, a Acade-mia incluía o

estudo de aritmética, geometria, astronomia e até de medicina, disciplinas

encaradas como preparação necessária para a dialética. Cientistas ilustres

como Eudoxo, matemático e astrônomo, deram aulas na escola. Sabemos

também da presença de médicos chegados especialmente da Sicília. Sem

dúvida, os ensinamentos ministrados por essas pessoas provocavam debates


4
fecundos. Portanto, o interesse pela ciência que Aristóteles já levava

consigo, produto do ambiente familiar, encontrou na Academia o espaço

perfeito para se desenvolver de modo adequado. Platão encontrava-se na

Sicília em 367-366, como dissemos, e lá permaneceu até o início de 364;

assim, a primeira influência decisiva sobre Aristóteles foi do próprio

Eudoxo, na época a figura mais destacada da escola. De fato, Aristóteles irá

se referir a ele mais de uma vez e de maneira bastante clara. Como alguns

destacaram, é provável que, além do exemplo como cientista-filósofo

enciclopédico, Aristóteles tenha sido influenciado sobretudo pelo postulado


5
defendido por Eudoxo de “salvar os fenômenos” (postulado também da

Academia, mas levado às últimas consequências por Eudoxo), ou seja,


“encontrar um princípio que explique os fatos mas mantenha intacto o
6
modo genuíno como eles se apresentam”. Contudo, Aristóteles não adotou

as ideias filosóficas de Eudoxo; elas discordavam demais das de Platão e

incorriam em aporias bem mais graves que as platônicas, as quais

pretendiam corrigir.

Outros personagens de destaque com quem Aristóteles deve ter se

encontrado logo no início foram Espeusipo, Filipe de Opunte, Erasto e

Corisco. Os dois primeiros se tornaram escolarcas da Academia; na terceira

viagem de Platão à Sicília, a escola seria dirigida por Heráclides Pôntico;

Filipe ficou responsável pela publicação da última obra platônica, as Leis;

Erasto e Corisco, como veremos, teriam seus nomes ligados mais

intimamente a Aristóteles.

Pouco sabemos sobre as relações pessoais de Aristóteles com Platão, que

ele conheceu, segundo as informações já expostas, quando tinha entre

dezenove e vinte anos. As fontes parecem apontar claramente para relações

não muito pacíficas. Platão considerava Aristóteles muito inteligente (se é

verdade que costumava chamá-lo pela alcunha de “A Inteligência”), porém,

entrava em conflito com ele em virtude do temperamento polêmico e das

críticas que o jovem e decidido discípulo lhe fazia. No entanto, a influência

de Platão sobre Aristóteles foi absolutamente determinante, e não apenas

por um período de sua vida, mas para sempre. Como veremos, o

platonismo foi o núcleo em torno do qual a especulação aristotélica se

construiu. É absolutamente correto o que Diógenes Laércio escreve:


7
“Aristóteles foi o mais genuíno dos discípulos de Platão.” No decurso dos

séculos seguintes, esse fato foi com frequência ignorado, e, a partir do


8
Renascimento, muitos se compraziam em contrapor os dois filósofos como

termos de uma antítese irredutível. Contudo, veremos que as razões desse

equívoco tiveram um caráter predominantemente teórico, apriorístico e

anti-histórico.

Reconstruir com exatidão a atividade de Aristóteles ao longo das duas

décadas passadas na Academia é impossível, pois a documentação de que

dispomos não é precisa o bastante. No entanto, de uma maneira conjectural

e com ampla margem de aproximação, é possível determinar os principais

acontecimentos.

Pode-se conjecturar que, no triênio que vai de seu ingresso na Academia

até o retorno de Platão da Sicília, Aristóteles estudou ciências matemáticas

sob a batuta de Eudoxo. É provável que tenha iniciado antes do retorno de


Platão seu segundo ciclo de estudos, que de hábito ia dos vinte aos trinta

anos, segundo o plano geral que podemos ler na República (de fato, na

qualidade de estrangeiro, Aristóteles foi dispensado do curso de ginástica e

do respectivo estágio). Na segunda fase, os jovens eram preparados para a

dialética, aprofundando a natureza das disciplinas aprendidas na fase

propedêutica e suas afinidades recíprocas, a fim de refletir sobre a

possibilidade de transcender tais disciplinas para alcançar o Ser puro das


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Ideias, ou seja, para chegar à dialé-tica pura.

Não resta dúvida de que situar a paideia platônica em bases científico-

dialéticas agradava ao jovem Aristóteles, como se vê claramente no Grilo,

que parece ser sua primeira obra, dedicada à retórica. Nela, tomando como

ponto de partida uma série de escritos retóricos compostos para celebrar

Grilo, filho de Xenofonte, morto em 362 a.C. na Batalha de Mantineia,

Aristóteles polemizava com a retórica entendida como simples incitação

irracional dos sentimentos, tal como teorizada por Górgias e proposta de

novo por Isócrates e sua escola. Assim, o Grilo representa a nítida tomada de

posição de Aristóteles a favor da paideia platônica e contra a paideia

isocrática, baseada na retórica. Parece que a tese defendida por Aristóteles

era exatamente a mesma que Platão havia sustentado anos antes no Górgias:

a retórica não é uma techne, não é uma arte nem uma ciência. Como se sabe,

Platão reabilitou parcialmente a retórica no Fedro, onde aponta a total

negatividade e vacuidade de uma retórica de tipo gorgiano-isocrático, e

demonstra que, para perdurar, a retórica deve ter como base a dialética.

Portanto, o Fedro reafirma a tese de que a retórica, entendida como

estimulação dos sentimentos, não é arte. Logo, não é necessário, como quer
10
Jaeger, situar a composição do Grilo como anterior ao Fedro.

Na verdade, Aristóteles referia-se sobretudo à tese do Górgias,

desenvolvendo-a e aprofundando-a, porque a retórica que pretendia

repudiar, aquela que servia de base aos elogios escritos em honra a Grilo —

entre os quais, segundo parece, havia um texto do próprio Isócrates —, era

exatamente aquela contra a qual Platão polemizava no Górgias, e que

Isócrates havia retomado.

O Grilo deve ter sido muito bem aceito na Academia, tanto que

Aristóteles foi encarregado de ministrar um curso oficial de retórica.

Chegou até nós a informação de que ele iniciou seu curso com a seguinte
*
frase: “É torpe calar e deixar falar Isócrates”, paródia de um verso de

Eurípedes. A orientação seguida pelo curso de Aristóteles, portanto, é


bastante clara: contestar todas as pretensões da retórica de tipo gorgiano e

isocrático em prol da defesa da dialética, e provavelmente mostrar, como

Platão já havia feito no Fedro, que, para ter valor, a retórica deve se basear

na dialética. Assim como o Grilo, o curso de retórica deve ter obtido grande

repercussão, pois Cefisodoro, discípulo de Isócrates, escreveu uma obra

dividida em quatro livros, denominada Contra Aristóteles; e, como

conjecturam certos autores, com algum fundamento, o próprio Isócrates


11
respondeu aos ataques de Aristóteles no Antídosis.

A cronologia do Grilo e do curso de retórica pode ser facilmente

reconstruída. Grilo morreu em 362 a.C., os encômios foram publicados logo

em seguida, e o texto de Aristóteles foi uma reação contra a má retórica

desses elogios. Portanto, é possível pensar que o Grilo foi escrito entre 360 e

358 a.C., e que o curso teve início imediatamente depois, ou seja, quando

Aristóteles contava cerca de 25 anos.

Uma segunda obra juvenil datável de forma bastante segura é Eudemo, ou

Sobre a alma. A obra, sob a forma de diálogo, era dedicada à memória de

Eudemo de Chipre, condiscípulo e amigo de Aristóteles que morreu em

combate perto de Siracusa, durante uma expedição organizada por Díon

contra Dionísio, o Jovem. Ora, as fontes antigas permitem estabelecer de

forma bastante plausível que a morte de Eudemo aconteceu no ano de 354

a.C.; portanto, é muito provável que Aristóteles tenha escrito a obra em

memória do amigo morto no ano seguinte, em 353 a.C.

O texto tinha um caráter eminentemente consolativo e tratava dos

problemas da alma e seus destinos ultraterrenos. Dessa vez, o modelo usado

por Aristóteles foi Fédon. Aliás, ele volta a propor algumas das teses do

Fédon, defendendo-as com tal eficácia que, como todos sabem, os

neoplatônicos tardios consideraram equivalentes a obra-prima platônica e o

texto aristotélico. Se isso é incontestavelmente certo, como testemunham os

fragmentos que chegaram até nós, não é verdade que Aristóteles se limitava

a repetir Platão de maneira passiva; nem é fato que defendesse aquela

metafísica das Ideias que iria repudiar depois. Além do mais, defendia
12
apenas de forma parcial uma visão acentuadamente pessimista da vida.

Na realidade, a julgar pelos já citados fragmentos, mais que um discurso

metafísico, o que Aristóteles faz em Eudemo é um discurso de fé, com uma

remissão pontual ao mito; o tom pessimista se explica pelo estado de espírito

em que Aristóteles andava mergulhado em decorrência da morte do amigo.

Portanto, o que escreve Berti a respeito disso nos parece correto:


Já se disse que a ocasião em que Eudemo foi escrito seria suficiente para justificar

amplamente o destaque atribuído à precariedade da vida terrena e, por outro lado, o

fato de que o discurso aristotélico sublinhava acima de tudo a felicidade da vida futura.

Mesmo sem levar isso em conta, cabe admitir que, de todo modo, Aristóteles aprovaria

a concepção transcendentalista expressa no diálogo [Fédon], mas sem se considerar

13
obrigado a apoiar por isso a doutrina das ideias separadas.

Como veremos, Aristóteles logo abandonou o conceito das Ideias

transcendentes (já refutada por Eudoxo), mas não a de um Deus e de uma

realidade divina transcendentes.

Aliás, como testemunham expressamente os textos que chegaram a nós, a

imortalidade da alma também era demonstrada por Aristóteles no Eudemo,

mais com argumentos baseados na verossimilhança e na persuasão do que

com provas rigorosas e científicas, o que se harmoniza plenamente com a


14
finalidade consolativa do diálogo.

Os textos testemunham também que a imortalidade propugnada por


15
Aristóteles referia-se ao intelecto, ou seja, à alma racional (não à alma
16
como um todo, tal como pretendiam certos críticos). Em suma, no que

diz respeito à imortalidade da alma, Aristóteles devia advogar a tese que

defenderia também nas obras tardias e que se expressa de modo

paradigmático na Metafísica:

Se, ademais, resta alguma coisa depois da corrupção da substância composta, este é um

problema que ainda precisa ser examinado. Nada o impede para alguns seres, como

por exemplo a alma: não a alma toda, mas apenas a alma intelectiva; toda, seria

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impossível.

Esta será também, como veremos, a posição assumida em Sobre a alma.

A postura teórica do Eudemo acerca da natureza da alma devia ser análoga

(mesmo que apenas in nuce) àquela que se encontra em Sobre a alma.

Aristóteles não concebia a alma como uma Ideia, como pretenderam alguns

deduzir dos fragmentos, mas como substância-forma. Ele polemizava, como

já havia feito Platão, com a concepção da alma como harmonia do corpo

(concepção que reduzia a alma a epifenômeno do corpo), atribuindo-lhe,

em consequência, uma realidade substancial. Mas essa alma substancial era

ao mesmo tempo concebida e afirmada expressamente como “uma forma”

(ou seja, uma forma substancial que informa um corpo), a qual,

decompondo-se o corpo, não se decompõe com ele.

Tirando partido de todos os estudos recentes sobre o jovem Aristóteles,

Berti fez a seguinte avaliação da obra que acabamos de analisar brevemente:


[...] não se sustenta a interpretação que Jaeger faz do Eudemo, vendo nessa obra a

expressão de uma postura doutrinal totalmente fiel ao platonismo, entendido como

doutrina das ideias separadas e da reminiscência, afirmação da imortalidade da alma

como um todo e concepção dualista das relações alma e corpo. Ela teve grande sucesso,

e merecidamente, porque, depois das intuições isoladas de Zeller e Kaim, trouxe à luz o

platonismo do jovem Aristóteles e permitiu a melhor compreensão de sua formação

espiritual, oferecendo uma imagem do filósofo totalmente diversa daquelas

tradicionais e indubitavelmente mais próxima da realidade histórica. Mas seu erro foi

acreditar que, no ano de 353, Aristóteles ainda se mantinha fiel ao platonismo do

Fédon, escrito 25 ou trinta anos antes. [...] Na realidade, há elementos platônicos no

Eudemo, e são muitos: a convicção da imortalidade e da preexistência da alma

(limitada, porém, apenas à alma intelectiva), a doutrina de sua substancialidade e sua

imortalidade e aquele caráter ultraterreno que o leva a considerar a vida depois da

morte superior, mais natural e mais feliz que a vida terrena. Alguns desses elementos

estavam destinados a permanecer também nas obras mais maduras, enquanto outros,

em particular o tom ultraterreno, não possuem pretensões doutrinais, e se devem

apenas às circunstâncias ocasionais e à intenção consolativa do diálogo. O que se deve

definitivamente rejeitar é sua adesão à doutrina das ideias separadas, à doutrina da

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reminiscência e à concepção da alma como ideia.

Sublinharemos aqui outro elemento que nos parece essencial: na época

em que redigiu o Eudemo, Aristóteles ainda se mostrava sensível ao

componente religioso e místico presente em Platão como um todo, mas esse

componente aos poucos iria perder peso e consistência na evolução

posterior de Aristóteles. Portanto, se há uma antítese entre o Eudemo e as

obras tardias, é a seguinte: as obras tardias limitam o discurso filosófico à

pura dimensão científica, e abandonam todos os discursos de caráter mítico

e religioso que ainda se apresentavam no Eudemo.

Há um terceiro texto de Aristóteles escrito no período de permanência na

Academia e que parece datável, pelo menos com certa margem de

aproximação. Trata-se do Protréptico, ou Exortação à filosofia, o mais

celebrado, lido e imitado de todos os escritos publicados por Aristóteles.

A obra, da qual possuímos muitos fragmentos reproduzidos por

Giamblico em seu texto com o mesmo título, era dedicada e dirigida a

Temison, “rei de Chipre” (ou seja, rei de uma das nove cidades da ilha

naquela época). Ora, entre 351 e 350 a.C. Chipre entrou em guerra contra os

persas; e, no período imediatamente anterior, intensificara suas relações

com Atenas. Portanto, 351-350 a.C. é aceita como data provável da

composição do Protréptico, hipótese ainda mais verossímil quando se pensa

que o livro compreende uma resposta ao Antídosis de Isócrates, redigido em

352 a.C.
No Protréptico, Aristóteles retoma a polêmica contra a escola de Isócrates

e seu programa educativo, controvérsia que teve início com o Grilo e

prosseguiu no curso de retórica, com a participação do isocrático Cefisodro

e depois do próprio Isócrates, justamente com o Antídosis. Dessa vez o

ataque é levado às ultimas consequências. Já a dedicatória é muito

significativa: Isócrates havia dedicado três obras exortativas aos príncipes de

Salamina, em Chipre; Aristóteles oferece sua nova obra a outro príncipe de

Chipre, com a clara intenção de levar o pensamento da Academia até onde

era grande a penetração da escola isocrática. Mais notável, no entanto, é que

Aristóteles não pretende derrotar Isócrates desmontando outra vez, como

no Grilo, a retórica que servia de base à escola do adversário, mas

demonstrando positivamente a excelência da filosofia que, por sua vez,

fundamentava a paideia da Academia. Aristóteles evidencia a excelência

dessa filosofia em todos os sentidos, seja em si e para si, seja pelos efeitos e

benefícios que proporciona aos homens. Contrariando o Antídosis, em

especial, a filosofia é apontada como a única base para uma ação segura.

Portanto, o Protréptico é uma defesa integral da filosofia e ao mesmo tempo

o documento em que Aristóteles, às vésperas dos 35 anos, esclarece de modo

definitivo, para si e para os outros, o ideal da “vida teórica”, aquele tipo de

vida que tem na especulação o próprio fim e a própria felicidade, avançando

para além das posições da Academia.

Em primeiro lugar, Aristóteles demonstra a imprescindibilidade da

filosofia, ilustrando o conjunto dos atributos que a coroam e que fazem dela

a mais excelente de todas as coisas.

A filosofia é necessária, como demonstra o fato de que até para negá-la é

preciso filosofar; negar a filosofia significa fazer filosofia, pois os raciocínios

que pretendem demonstrar sua impossibilidade não prescindem de um

caráter filosófico. No fragmento (frag.) 2, lemos o seguinte:

Em resumo, se é preciso filosofar, é preciso filosofar; se não é preciso filosofar, também

é preciso filosofar. Pois, se a filosofia existe, todos estamos de alguma forma obrigados

a filosofar, dado que ela existe. Mas, se não existe, somos obrigados a investigar por

19
que não existe. Ao investigar, filosofamos, pois investigar é a causa da filosofia.

A filosofia certamente é possível. Os princípios e as causas primeiras, o

objeto específico da filosofia são, em si e para si, por sua própria natureza, o

que há de mais cognoscível, mesmo que para nós pareçam obscuros. Essa é

uma das teses que irão reaparecer no Aristóteles maduro; e é ela, aliás, o
centro de sua ontologia: aquilo que é primeiro para os sentidos é último
20
para a plenitude do Ser, e vice-versa.

Para exercer a filosofia, ademais,

[...] não são necessários instrumentos ou locais específicos; não importa o lugar da

Terra em que coloquemos o pensamento, poderemos sempre alcançar a verdade, pois

21
ela está presente em toda parte.

Trata-se de um pensamento que alcançará grande êxito na era helenístico-

romana.

Além disso, a filosofia é um bem objetivo e constitui o fim metafísico do

homem, ou seja, aquilo em que e pelo qual a essência do homem se realiza

plenamente. O homem é corpo e alma; mas o corpo é um instrumento a

serviço da alma e, portanto, inferior à alma. A alma, por sua vez, é dividida

em partes, todas subordinadas à parte racional. Por conseguinte, o homem

“é apenas ou sobretudo essa parte”, ou seja, a alma racional. Mas a missão

da alma racional é alcançar a verdade, missão que só se realiza pela filosofia.

Logo, a filosofia é a realização daquilo que há de mais elevado em nós,

sendo, portanto, a nossa perfeição. Por conseguinte, o conhecimento é a


22
virtude suprema, por assim dizer, a chave da vida do homem.

É possível compreender então por que a filosofia é considerada o “fim” do

homem. Demonstrar que ela realiza a essência do homem pressupõe

diretamente essa tese, pois a essência de uma coisa é também seu fim.

Aristóteles, porém, julga que deveria fornecer uma prova específica, o que

demonstra como ele já estava imbuído de sua fundamental concepção

finalística da realidade e de alguns conceitos basilares da metafísica. Aquilo

que é “primeiro” para a geração é “último” quanto ao valor ontológico; e vice-

versa: aquilo que é último para a geração é primeiro quanto ao valor

ontológico. Ora, no homem, o corpo se desenvolve primeiro, depois a alma;

e, na alma, primeiro as faculdades irracionais, de-pois a faculdade racional.

Assim, com base nesse princípio estabelecido, a alma racional, que é última

na geração, é primeira na ordem e no valor ontológico, e, portanto, primei-

ro é também o conhecimento filosófico, que representa a “virtude” dessa


23
alma.

A filosofia também é útil. Sobretudo no desenvolvimento desse ponto

Aristóteles responde a Isócrates, quando este afirma no Antídosis que a

orientação filosófica da paideia acadêmica era totalmente abstrata, à medida

que a filosofia era inútil. Pois bem: Aristóteles afirma, em primeiro lugar, o

conceito da superioridade do contemplar sobre o fazer, da teoresis sobre a


práxis: contemplar tem valor autônomo, fazer tem valor subordinado; na

vida ultraterrena, os bem-aventurados vivem contemplando, não agindo:

É evidente que nossa tese é mais verdadeira que as outras se nos transferimos em

pensamento para a Ilha dos Bem-aventurados. Na verdade, lá não há necessidade de

nada, nem se obtêm benefícios de alguma outra coisa, pois só subsistem o pensamento

24
e a especulação.

Contudo, embora seja verdadeira a tese de que a filosofia vale em si e por

si, também é verdade que a filosofia é útil para a ação, pois propicia as
25
normas e os parâmetros do agir.

Enfim, a filosofia traz felicidade. Todos os homens amam viver, sendo a

vida algo agradável em si; porém, a vida mais elevada consiste em pensar;

portanto, a suprema felicidade se realiza na atividade do pensamento (em

particular na filosofia, em que o pensamento se realiza de modo perfeito).

Por isso a conclusão de Aristóteles é esta:

Nada que seja divino ou bem-aventurado pertence aos homens, com exceção da única

coisa digna de consideração, ou seja, aquilo que há em nós de inteligência e sabedoria;

na verdade, entre as coisas que há em nós, apenas esta parece ser imortal e só esta é

divina. E pelo fato de participarmos dessa faculdade, a vida, apesar de sua natureza

miserável e difícil, pode ser administrada de modo tão agradável que o homem, em

comparação com as outras coisas, parece um Deus. “Entre as coisas que há em nós, a

inteligência é efetivamente o deus” — quer tenha sido Hermotino, quer Anaxágoras a

dizer isso —, e “o éon mortal tem uma parte de algum deus”. Portanto, é preciso

filosofar ou partir daqui dando adeus à vida, pois todas as outras coisas parecem pura

26
verborragia e palavras vãs.

Nas últimas décadas, no âmbito da produção do primeiro Aristóteles, a

crítica deu muito destaque a algumas obras de conteúdo metafísico, sobre as

quais a clássica monografia de Jaeger não se pronunciou. Infelizmente, a

datação desses estudos só é possível com grande margem de aproximação e

por meio de conjecturas. Mas essas obras revestem-se de grande

importância para a compreensão do desenrolar do pensamento aristotélico,

pois representam uma tomada de posição precisa, nítida e pontual de

Aristóteles em relação à ontologia platônica. Portanto, uma referência a seu

conteúdo torna-se indispensável.


27
Vamos começar pelo tratado Sobre as Ideias.

A crítica recente deu grande destaque à estreita conexão entre esse texto e

o movimento de revisão crítica que teve início na Academia a partir da

segunda viagem de Platão à Sicília. O diálogo platônico com o qual o

tratado Sobre as Ideias revela maior afinidade é Parmênides (sobretudo a


primeira parte), redigido e publicado por Platão justamente depois de seu

retorno da segunda viagem.

A situação na qual nasce o tratado Sobre as Ideias pode ser reconstruída de

forma bastante pontual. Durante a segunda viagem de Platão à Sicília, a

Academia foi dominada, como veremos, pela figura de Eudoxo, que

pretendia resolver a aporia fundamental da doutrina platônica das Ideias,

consistindo esta na dificuldade de conciliar as duas características essenciais

das Ideias: serem “separadas” e, ao mesmo tempo, serem a “causa das

coisas”. Eudoxo passou a defender a imanência das Ideias: misturando-se às

coisas, as Ideias seriam causa do ser das próprias coisas. Na tentativa de

resolver uma aporia, a tese de Eudoxo, decididamente herética, caía em

outros impasses bem mais graves e grosseiros, pois tratava as Ideias

imateriais como coisas materiais; portanto, traía justamente a concepção

fundamental da ontologia platônica.

Todos os membros da Academia devem ter participado desses ardentes

debates, inclusive propondo soluções alternativas. O próprio Aristóteles,

que chegou à Academia exatamente nesse momento, não se limitou a uma

participação passiva nas discussões, mas logo se viu obrigado a formar uma

opinião própria, que discordava tanto de Platão quanto de Eudoxo. O

Aristóteles que Platão encontrou ao voltar da Sicília tinha vinte anos e, nos

três anos de Academia, já havia solucionado, na ausência do fundador da

escola, algumas das dificuldades do platonismo. Os primeiros debates com

Platão, ao que tudo indica, devem ter sido bastante inflamados. Note-se que

há justamente no Parmênides um Aristóteles muito jovem que, a nosso ver

(outros também já observaram isso), coincide com o Aristóteles histórico.

Se a resposta de Cefisodoro ao Grilo confirma que Aristóteles já havia

tratado da teoria das Ideias, ela também demonstra que, na época da

redação do mencionado diálogo, a informação de que Aristóteles se

dedicava à doutrina das Ideias circulava inclusive fora dos muros da

Academia. E se a resposta de Cefisodoro já conhece o tratado Sobre as Ideias,

é provável que ele tenha sido redigido logo depois do Grilo (que, como

vimos, se situa entre 360 e 358 a.C.).

Ao que tudo indica, eram duas as teses fundamentais do tratado Sobre as

Ideias: a) não é possível admitir Ideias separadas; b) para que a doutrina das
28
Ideias se sustentasse, seria preciso eliminar a doutrina dos princípios.

Trataremos da doutrina dos princípios adiante, quanto falarmos do tratado

Sobre o bem. Avaliaremos agora o significado e o alcance dessa recusa da


doutrina das Ideias. O que Aristóteles pretende atingir não é tanto a Ideia,

mas sua “separação”. Platão também critica essa separação na primeira

parte do Parmênides. Contudo, os caminhos que os dois filósofos trilham

são muito diferentes. Platão considerava que era possível manter ao mesmo

tempo os aspectos transcendente e imanente das Ideias, desde que

entendidos de maneira adequada: para ele, as dificuldades da “separação”

diziam respeito apenas a um modo deformado de compreender as Ideias.

Aristóteles, ao contrário, considera que é preciso renunciar totalmente à

transcendência das Ideias, transformando-as em “causas formais” imanentes

das coisas. Entretanto, ao realizar essa mudança na doutrina platônica, não

renuncia a toda e qualquer forma de transcendência; no lugar do inteligível

transcendente ele coloca a inteligência transcendente, ou seja, Deus, como

veremos melhor ao debater o tratado Sobre a filosofia e sobretudo ao

analisar a Metafísica.

O fato de ter transformado as Ideias transcendentes em formas imanentes

não implicava absolutamente um alinhamento de Aristóteles com as

posições defendidas por Eudoxo. Por isso criticou-o expressamente,

demonstrando que sua teoria da “mistura” das Ideias nas coisas destruía a

imaterialidade, situando as Ideias no plano dos elementos materiais. De

fato, mesmo tornando imanentes as Ideias, Aristóteles continua a afirmar sua

espiritualidade e imaterialidade. Como Berti disse muito bem, Aristóteles

transforma as Ideias de entes transcendentes em estruturas transcendentais,

o que não representa de forma alguma a recusa de todo o sistema platônico,

como indica Berti, mas apenas uma revisão crítica desse sistema, “realizada

como a consumação de uma instância estabelecida pelo próprio Platão e


29
tendo em vista um platonismo mais fecundo e rigoroso”.

O tratado Sobre o bem também se liga estreitamente à atividade do último

Platão, e seria uma dissertação sobre o curso oral ministrado por Platão a

respeito da “teoria dos princípios”. O curso de Platão sobre o Bem é fato

atestado também por outras fontes. Chegou até nós inclusive a notícia de

que muitos dos que seguiram o curso saíram decepcionados, pois

esperavam ouvir aquilo que normalmente se entende por bem, mas

depararam, ao contrário, com discursos acerca de matemática e geometria;


30
por fim, ouviam o filósofo afirmar que “o Bem é Uno”. O curso sobre o

Bem era a expressão do momento matemático-pitagórico do pensamento

platônico, cujos traços encontramos em alguns dos últimos diálogos,

sobretudo Filebo e Timeu.


31
Nessa última fase de seu pensamento, Platão submeteu a doutrina das

Ideias a uma reconsideração radical. As Ideias precisam de uma explicação

posterior, à medida que são múltiplas; de fato, toda multiplicidade deve ser

justificada enquanto tal em função de uma unidade superior. Assim, para

explicar a multiplicidade, Platão considera necessário deduzir as Ideias de

princípios superiores. Esses princípios eram justamente o Uno e a Díade o

grande e o pequeno (o Uno, como dissemos, identificava-se ao Bem). O

Uno tinha a função de princípio formal, e a Díade, de princípio material.

Combinando-se entre si, Uno e Díade eram a causa das Ideias-Números, e,

portanto, das Ideias propriamente ditas; e, enfim, as Ideias eram a causa das

coisas. Toda a realidade deduzia-se, assim, do supremo par de princípios

Uno-Díade. No primeiro livro da Metafísica, Aristóteles extrai as

consequências de seu tratado Sobre o bem e escreve:

Sendo as Ideias causa de outras coisas, Platão considera que os elementos constitutivos

das Ideias seriam os elementos de todos os seres. E aponta o grande e o pequeno como

elemento material das Ideias, e o Uno como elemento formal; de fato, considera que,

justamente por participação no Uno, o grande e o pequeno dá origem às Ideias e aos

32
Números.

É justamente essa “doutrina dos princípios” que Aristóteles expõe de

maneira ampla no tratado Sobre o bem, apontando as razões apresentadas na

Academia a seu favor e analisando o modo como as Ideias-Números e as

Ideias são deduzidas dos Princípios. Com certeza tal exposição não devia ter

um caráter doxográfico, mas crítico-teórico. Provavelmente ele ainda não

submetia a doutrina dos princípios a uma crítica acurada, como havia feito

com as Ideias no tratado Sobre as Ideias. No entanto, é certo que desenvolvia

a doutrina dos princípios na direção que o tratado Sobre as Ideias já

indicava. Talvez suas conclusões fossem aquelas que encontramos no

primeiro livro da Metafísica, pouco depois do trecho citado:

A partir do que se disse, fica claro que ele se serviu só de duas causas: a formal e a

material. De fato, as Ideias são causas formais das outras coisas, e o Uno é causa formal

das outras Ideias. Ante a pergunta sobre que matéria tem função de substrato do qual

se predicam as Ideias — no âmbito dos sensíveis — e o Uno — no âmbito das Ideias

33
—, ele respondeu que é a Díade, isto é, o grande e o pequeno.

Em suma, Aristóteles deve ter extraído sua própria doutrina da causa

formal e da causa material da reflexão sobre a doutrina dos princípios. Aliás,

a doutrina de Filebo, que é a exposição mais próxima das “doutrinas não

escritas” de Platão, também leva a conclusões bastante próximas das


aristotélicas. Filebo fala de quatro gêneros supremos do real: o limite (ou

princípio determinante), o ilimitado (ou princípio indeterminado), o misto

desses dois e a causa da mistura. É fácil identificar nos dois primeiros,

respectivamente, a causa formal e a causa material de Aristóteles; e no misto,

aquilo que será o sínolo (synolon), ou o composto de forma e matéria. O

tratado Sobre o bem, sem dúvida, não falava da causa da mistura, pois ela

permanece fora do processo de geração das Ideias-Números do Uno e da

Díade, intervindo apenas na gênese do cosmo. Platão debate o tema

longamente no Timeu, um diálogo cosmológico, enquanto Aristóteles, mais

uma vez corrigindo a doutrina platônica, aborda a questão no tratado Sobre

a filosofia, do qual falaremos a seguir.

Provavelmente o tratado Sobre o bem foi escrito pouco depois do tratado

Sobre as Ideias, no qual a doutrina dos princípios era mencionada, como

sabemos, mas não ainda desenvolvida. Também depõe a favor dessa ordem

de sucessão o fato de que, no tratado Sobre as Ideias, Aristóteles criticasse a

doutrina das Ideias, mas não ainda a das Ideias-Números ou números

ideais, estreitamente ligada à doutrina do Uno e da Díade; e de que tal

crítica, como é expressamente atestado, aparece, ao contrário, no tratado

Sobre a filosofia. Portanto, Aristóteles primeiro tomou posição em relação à

teoria das Ideias em geral, negando a “separação” entre elas; em seguida,

expôs e avaliou criticamente a doutrina dos “princípios”, deles deduzindo os

conceitos de “causa material” e de “causa formal”; finalmente, criticou e

eliminou tudo o que lhe parecia absurdo nessa doutrina, em particular os

números ideais, declarando, como leremos a seguir, que eles são


34
impensáveis e inconcebíveis.

Chegamos assim ao tratado Sobre a filosofia, o mais comprometido e mais


35
vasto dos escritos juvenis do Estagirita. Todos os estudiosos, com a única

exceção de Werner Jaeger e seus seguidores mais fiéis, admitem o fato de

que esse texto faz parte do período acadêmico. Na verdade, as provas de


36
Jaeger contra isso não têm bases sólidas. O estudioso alemão, convencido

de que Aristóteles jamais criticou Platão durante o período passado na

Academia, achou necessário deslocar a redação do texto para os anos da

estada em Assos (de que falaremos em breve), motivado justamente pelo

fato de o texto criticar Platão. Contudo, as fontes antigas dizem de modo


37
claro que Platão era criticado nos diálogos, usando o plural de modo

inequívoco e não limitando a circunstância apenas ao tratado Sobre a

filosofia. Ademais, Jaeger considera possível ver no frag. 6 uma alusão à


morte de Platão. Mas esse fragmento é altamente ambíguo e não pode ser

entendido, inequivocamente, no sentido desejado por Jaeger. Todos os

elementos internos levam a crer que o tratado Sobre a filosofia tenha sido

composto nos últimos anos de permanência de Aristóteles na Academia.

Certas remissões doutrinais ao Timeu e às Leis são uma comprovação


38
disso.

A obra, que devia ter a forma de diálogo, dividia-se em três livros. O

primeiro, com uma resenha histórico-teórica, definia o conceito de filosofia


39
como conhecimento dos princípios supremos do real. O segundo criticava

a doutrina das Ideias e também a doutrina das Ideias-Números, ou números

ideais. Contra estes últimos, Aristóteles alegava o seguinte:

[...] se as Ideias são outra espécie de número, mas não matemático, não poderíamos ter

nenhum conhecimento dele; de fato, quem, entre a maior parte de nós, compreende

40
uma espécie de número diversa?

Enfim, no terceiro livro, Aristóteles apresentava sua ontologia, teologia e

cosmologia de modo sistemático, inserindo muitas novidades. Introduzia a

doutrina da forma-privação e do ato-potência (talvez essa doutrina já

aparecesse no primeiro livro; em todo caso, já estava presente no

Protréptico); ele apresentava uma nova visão de Deus como inteligência:

este, e não mais o Uno e a Díade, era colocado no vértice da realidade.

Introduzia a doutrina da eternidade do mundo, inovando profundamente a

cosmologia do Timeu; e dava forma sistemática à concepção teológica do


41
Universo.

São particularmente importantes as inovações no campo teológico,

demonstrando que o Estagirita, embora ainda não tivesse elucidado sua

concepção do divino, tinha resolvido de modo positivo o problema da

transcendência. Um ser transcendente existe, mas não se trata do mundo

das Ideias, e sim do Deus-pensamento ou de uma multiplicidade de

princípios de natureza análoga, que se remetem a um primeiro princípio

superior. Eis a demonstração que Aristóteles dava da existência de Deus:

Também dão testemunho de que o poder divino é eterno as doutrinas esclarecidas e

discutidas em muitos trechos dos tratados destinados ao público; isto é, é necessário

que a primeira e suprema divindade seja completamente imutável; se for de fato

imutável, será também eterna. Ele chama de “tratados destinados ao público” aqueles

que são colocados à disposição da multidão e seguem uma exposição ordenada desde o

início. Costuma-se denominar tais escritos de exotéricos, e os mais científicos de

acroamáticos e doutrinais. Ele trata desse tema nos livros Sobre a filosofia. De fato, essa é

uma proposição de validade universal; onde há um melhor, há também um ótimo;


dado que, no âmbito daquilo que existe, há uma realidade que é superior a outra

realidade, existe por conseguinte uma realidade perfeita, que deve ser a potência

divina. Portanto, aquilo que muda o faz por obra de um agente externo ou por obra de

si mesmo; se por obra de um agente externo, este lhe é superior ou inferior; se por obra

de si mesmo, em vista de algo inferior ou à medida que aspira a uma realidade

superior. Porém, a potência divina nada tem de superior a si, por obra de quem

poderia sofrer uma mudança (de fato, seria uma categoria superior de divindade), e há

o postulado de que aquilo que é superior não sofre influência daquilo que é inferior;

portanto, se sofresse uma influência de algo que lhe é inferior, estaria acolhendo algo

de mau, no entanto, não há nada de mau no divino. E tampouco muda a si mesmo por

aspirar a uma realidade superior; não carece de nenhuma das perfeições que lhe são

próprias. Portanto, não se modifica para pior, à medida que nem mesmo um homem,

por vontade própria, piora a si mesmo ou acolhe algo de mal recebido em

consequência de uma mudança para pior. Aristóteles recolheu essa demonstração do

42
segundo livro da República de Platão.

E sobre o problema da multiplicidade, ou unidade dos princípios, o frag.

17 diz:

É uma argumentação de Aristóteles: “Ou o princípio é único ou há muitos deles. Se é

uno, temos o que buscamos. Se são muitos, podem ser ordenados ou desprovidos de

ordem. Contudo, se são desprovidos de ordem, mais desordenados ainda serão os seus

efeitos, e o cosmo não será mais cosmo, e sim ausência de cosmo; e aquilo que é contra

a natureza existirá, enquanto o que está em conformidade com a natureza não existirá.

Se, ao contrário, são ordenados, ordenaram-se por força própria ou por obra de

alguma causa externa. Todavia, caso se ordenem por força própria, eles têm um

43
princípio comum que os une, e este é o princípio.”

Aqui, a solução do problema da multiplicidade-unidade dos princípios


44
remete fortemente àquela que Aristóteles irá propor na Metafísica.

Ao contrário, porém, é bastante duvidoso que Aristóteles já tivesse uma

solução definitiva para o problema da natureza de Deus e para sua função

de causa. Relata Cícero:

No terceiro livro de Sobre a filosofia, Aristóteles expõe uma doutrina incoerente,

entrando em desacordo com seu mestre, Platão. De fato, ele ora concede um absoluto

valor divino ao intelecto, ora defende que o mundo (= a própria periferia extrema) é

uma divina potência, ora estabelece outro poder divino à frente do mundo (= da

periferia extrema), e lhe atribui a função de dirigir e conservar seu movimento por

meio do movimento retrógrado. Em seguida, afirma que o calor do céu é um poder

divino, sem compreender que o céu é parte do mundo, definido por ele mesmo em

outro trecho como poder divino. Mas como esse célebre intelecto divino poderia se

conservar em tamanha velocidade? Onde estão, aliás, os vários deuses, se

considerarmos o céu também um poder divino? Como, ademais, ele afirma que Deus é

desprovido de corpo, acaba privando-o de qualquer sensibilidade e até de sabedoria.

De que modo, além disso, o mundo poderia se mover, se é desprovido de corpo; ou de


que modo [o mundo], movendo-se sempre, poderia ser [o divino poder] sereno e feliz?

45

Ora, embora Cícero possa ser responsável por muitos mal-entendidos

(veremos adiante que, no que diz respeito à pluralidade do divino, o grego

jamais hesitou em declará-lo ao mesmo tempo uno e múltiplo), resta o fato

de que o tratado Sobre a filosofia não devia ser suficientemente claro acerca

da natureza de Deus e de sua função causadora. Ao que tudo indica, mais

que como mente incorpórea, Aristóteles já concebia Deus como causa final;

no entanto, sem dúvida não havia esclarecido que Deus age sobre o mundo

como o amante sobre o amado. Contudo, nem De caelo nem a Física

desenvolvem esse conceito, que só irá aparecer com toda a clareza na

Metafísica.

Esse Deus, concebido como impassível, não cria o mundo, que, portanto,
46
é eterno. Os astros, feitos de éter (quinta-essência) e animados, ocupam

um lugar privilegiado no cosmo. A alma desses astros era denominada


47
entelékheia, que fontes contaminadas por influências estoicas

identificaram erroneamente ao próprio éter. Na realidade, como Berti

demonstrou com uma análise acurada de todos os documentos e suas

interpretações, essa identificação é equivocada, pois

[...] o éter constitui apenas o corpo, não a alma dos astros, e o apelativo entelékheia

pretende indicar menos o movimento da alma que sua continuidade, ou seja, a

48
circularidade que ela imprime ao movimento do astro.

O aristotelismo do tratado Sobre a filosofia reforma radicalmente o

platonismo, mas conserva seu núcleo essencial, ou seja, a descoberta do

suprassensível e do transcendente, que se torna noûs e não mais noetón, ou

seja, Inteligência suprema, não simplesmente Inteligível. As Ideias tornadas

imanentes passam a ser a forma das coisas, ou seja, a estrutura inteligível do

sensível. Entre mundo e Deus se estende uma faixa intermediária, que não é

mais aquela do metaxù platônico, ou seja, não é a esfera dos entes

matemáticos, mas o conjunto dos corpos e esferas celestes, incorruptíveis,

eternos, dado que são feitos de éter, de matéria estruturalmente diversa da

matéria do mundo sublunar. Temos aqui, portanto, um esboço das ideias

metafísico-ontológico-cosmológicas que os tratados do Aristóteles maduro

tratarão de explicitar e aprofundar.

Os “anos de viagem”
Com a morte de Platão em 347 a.C., explode na Academia uma grave crise

sucessória a respeito da direção da escola. Eudoxo havia rompido com

Platão e com a Academia, e retornara à pátria. Os aspirantes à direção eram

Heraclides Pôntico, que já fora regente da Academia por ocasião da terceira

viagem de Platão à Sicília; Xenócrates, personalidade de incontestável

destaque; e Espeusipo, que ostentava seus estreitos laços de parentesco com

Platão, sendo seu sobrinho (filho da irmã de Platão, Potone). Naturalmente,

nenhum desses personagens rivalizava com Aristóteles, que com certeza

também se sentia mais capacitado para a sucessão. A direção da Academia,

no entanto, passou justamente às mãos de Espeusipo: os laços de sangue

com o fundador da escola prevaleceram sobre o valor científico. É

importante assinalar que, efetivamente, Aristóteles havia se afastado de

Platão em vários aspectos, salvando, porém, a substância do platonis-mo,

enquanto Espeusipo se afastara do mestre traindo o próprio espírito do


49
platonismo.

Consciente de que, apesar das dissidências mencionadas, era o mais

autêntico continuador de Platão, Aristóteles não suportou a decisão e

deixou a Academia. O abandono, como foi corretamente sublinhado por

Jaeger, tem o sabor de uma “secessão”, tanto que ele foi acompanhado por

Xenócrates, que, depois de Aristóteles, era o personagem de maior destaque


50
da escola.

Aristóteles não podia retornar à sua Estagira natal, pois naquele período a

cidade havia sido destruída por Filipe da Macedônia. Diante disso, aceitou

de bom grado o convite de Hérmias, tirano de Atarneu. O filósofo havia

passado seus dias de adolescência nessa colônia, na casa de Proxeno, e

portanto era possível que já tivesse travado conhecimento com Hérmias.

Ora, nesse período, Hérmias, que de humilde servidor de Eubulo, senhor de

Atarneu, havia passado a seu sócio e em seguida a sucessor, estabeleceu uma

relação estreita com dois platônicos formados na Academia, Erasto e

Corisco (já mencionados), que tentaram criar leis inspiradas nos princípios
51
platônicos para sua pátria, Scepsis, cidade próxima de Atarneu. A

cooperação de Erasto e Corisco com Hérmias foi bastante fecunda, fazendo

com que a tirania deste último se tornasse mais benigna e esclarecida, e

levando os territórios próximos, situados entre Atarneu e Assos, a se

submeterem voluntariamente a seu domínio. O próprio Platão consagrou

essa colaboração, endereçando aos três homens a Carta vi.


Tudo indica que Aristóteles e Xenócrates se juntaram a Hérmias, Erasto e

Corisco em Atarneu. No mesmo ano, eles se transferiram para Assos, cidade

que Hérmias ofereceu a Erasto e Corisco pelos bons serviços prestados. Em

Assos, os quatro filósofos abriram uma escola com a intenção de

transformá-la na verdadeira Academia. Corisco deve ter sido um dos mais

apaixonados ouvintes das aulas de Aristóteles, pois o Estagirita a ele se

dirigia em muitas dessas aulas, usando seu nome nos exemplos que criava

para ilustrar os conceitos que expunha, e que ainda podem ser lidos nas

obras da escola. Entre os ouvintes mais assíduos de Aristóteles, além de

Corisco, estavam Neleu, filho de Corisco, e Teofrasto, nascido em Eresos, na

ilha de Lesbos, que seria o sucessor de Aristóteles no Perípato.

Aristóteles completou um triênio de atividade na escola de Assos. Mas em

345-344 a.C., provavelmente estimulado por Teofrasto, transferiu-se para

Mitilene, em Lesbos, onde abriu outra escola, a qual dirigiu por dois anos,

ou seja, até 343-342, que também se tornou uma Academia, não uma

instituição contraposta à Academia.

Em 343-342 a.C., Filipe da Macedônia escolheu Aristóteles como

preceptor de seu filho Alexandre, então com treze anos. Hérmias, que havia

estabelecido uma aliança com Filipe, com quem preparava secretamente os

planos de uma guerra contra a Pérsia, teve papel decisivo nessa escolha. Ele

tinha Aristóteles na mais alta conta e, além do mais, considerava a grande

vantagem de contar com um homem de confiança na corte de Filipe. A

escolha deve ter sido facilitada pelos antigos laços que uniam a família de

Aristóteles aos reis macedônios. Pouco depois, Hérmias caiu em poder dos

persas, capturado numa armadilha. Torturado, não revelou os planos

secretos elaborados com Filipe e morreu como herói. Aristóteles dedicou-

lhe um poema cheio de sentimento.

Aristóteles casou-se, ao que tudo indica, logo após a morte de Hérmias,

com a irmã deste, Pítia, provavelmente refugiada na corte macedônia. Teve

uma filha com ela, que recebeu o nome da mãe.

No Castelo de Mieza, perto de Pela, durante três anos, Aristóteles

encarregou-se da educação de Alexandre: aquele que em breve se tornaria o

guia espiritual do helenismo, portanto, foi o educador daquele que viria a

ser um dos maiores personagens da história grega. O entendimento entre os

dois homens era excelente. Não há dúvida de que, tendo em conta a idade

do discípulo, Aristóteles não se limitou à tradicio-nal paideia, mas tratou de

transmitir também alguns princípios filosóficos. É difícil estabelecer até que


ponto os ensinamentos de Aristóteles influíram na formação espiritual de

Alexandre, mas é certo que a política do imperador macedônio seguirá

caminhos totalmente opostos aos recomendados pelo mestre.

Em 340 a.C., Alexandre é nomeado regente do reino e tem de interromper

os estudos. Alexandre deu grande prova de sua gratidão ao mestre,

atendendo a seu pedido de reconstruir a cidade de Estagira. E, ao que tudo

indica, foi para lá que Aristóteles se transferiu, talvez pensando em

colaborar para o renascimento da cidade, elaborando suas leis. Nesse

ínterim, o filósofo perdeu a esposa, unindo-se em seguida a Hérpiles, que

provavelmente foi sua governanta, depois concubina e enfim, segundo

algumas fontes, segunda esposa. Hérpiles dará ao filósofo um filho homem,

que receberá o nome do avô paterno, Nicômaco.

É impossível estabelecer o que Aristóteles teria escrito nesses anos de

viagens. Deve remontar a essa época, se for autêntico (como acreditamos,

pessoalmente), o Tratado sobre o cosmo para Alexandre, uma esplêndida

síntese das doutrinas cosmológico-físico-teológicas de Aristóteles, com

ligações estreitas com os conceitos desenvolvidos no Protréptico e no diálogo

Sobre a filosofia. Quanto ao resto, só podemos trabalhar com hipóteses.

Talvez Aristóteles tenha parado de publicar livros, dedicando-se apenas à

redação de cursos e aulas. O único curso que poderia datar do período

acadêmico são os Tópicos, que, a bem dizer, têm ligações estreitas com a

retórica, matéria que, como sabemos, Aristóteles já lecionava na Academia.

As tentativas mais recentes dos estudiosos para estabelecer quais dos

tratados a nós chegados pertencem ao período de Assos e Mitilene não

passam de conjecturas altamente discutíveis, em razão da ausência de


52
qualquer dado histórico e objetivo que possa servir de base.

Muitas das partes dos tratados que hoje lemos remon-tam, sem dúvida, a

essa época; contudo, jamais saberemos quais são eles, pois Aristóteles de

várias maneiras retomou os cursos em Atenas e reelaborou, completou e

sistematizou suas aulas.

O retorno a Atenas, a fundação do Perípato e as obras de escola

Em 335-334 a.C., quando Alexandre já detinha as rédeas da situação política

da Grécia, Aristóteles voltou para Atenas. Tinha então cinquenta anos e não

havia ninguém capaz de fazer sombra à sua fama: era o professor de

Alexandre e também o pensador mais conceituado e renomado do

momento. Nesse ínterim, na Academia, Espeusipo fora substituído por


53
Xenócrates, com quem Aristóteles havia rompido relações há algum

tempo. Consciente de que tinha muito mais a dizer que Xenócrates,

Aristóteles resolveu se afastar definitivamente da Academia e abrir seu

próprio espaço, criando uma escola, certo de que poderia produzir tanto

quanto Platão na Academia. Contudo, como era estrangeiro, e a lei

ateniense não lhe permitia adquirir terrenos e imóveis, ele resolveu fundar

sua escola num ginásio público, o Liceu (assim chamado por ser consagrado

a Apolo Lício), que dispunha de um prédio e um jardim (um “passeio”). A

nova escola foi chamada de Perípato por causa desse passeio (perípatos, em

grego, quer dizer “passeio”) e pelo costume aristotélico de dar aula

enquanto andava. Escreve Diógenes Laércio: “[Aristóteles] escolheu o

passeio público, o Perípato, no Liceu, e, passeando até chegar a hora de fazer


54
suas unções, debatia filosofia com os discípulos. Daí o nome peripatético.”

Não importa o que digam, os frequentes exemplos dados por Aristóteles de

que o passeio é um meio de alcançar a saúde são uma confirmação desse

costume de ensinar passeando de que fala a tradição.

Durante quase doze anos, Aristóteles dirigiu a escola com sucesso,

ofuscando a fama da Academia. A seu lado ensinaram nomes como


55
Teofrasto e Eudemo de Rodes, dando contribuições importantes. Esses

anos foram dedicados à sistematização das aulas. Como os cursos eram para

uso interno da escola, em seguida foram denominados esotéricos, em

contraposição às obras juvenis, escritas para um público mais amplo, fora


56
da escola, e que por isso eram chamadas exotéricas. Quis a sorte que

nenhuma dessas obras publicadas (exotéricas) chegasse até nós, e que, ao

contrário, boa parte das aulas (obras esotéricas) se conservasse.

Tomando a liberdade de apresentar a lista completa desses títulos


57
adiante, mencionaremos aqui os tratados de maior relevância do ponto de

vista filosófico, que exporemos a seguir. São eles os catorze livros de filosofia

primeira, que receberam depois o nome de Metafísica; os tratados de

filosofia segunda — Física, Sobre o céu, Sobre a geração e a corrupção —, aos

quais se conecta também o texto Sobre a alma; três cursos de ética — Ética a

Eudemo, Ética a Nicômaco e Grande Moral (cuja autenticidade é negada por

parte da crítica) —; Política, Poética, Retórica, Organon, compreendendo

Categorias, Sobre a interpretação, Analíticos primeiros e Analíticos segundos,

Tópicos e Refutações sofísticas. A essas obras filosóficas acrescenta-se uma

massa imponente de obras sobre ciências naturais.


Os anos de ensino em Atenas, isto é, dos cinquenta aos sessenta e dois

anos de idade, foram certamente os mais fecundos de Aristóteles: é o

período em que o homem, alcançando a plenitude da experiência espiritual,

ainda dis-põe de todas as suas energias para dar-lhe um acabamento

definitivo.

Em 323 a.C., a morte de Alexandre desencadeou uma onda de ódio

antimacedônico em Atenas. Caiu sobre Aristóteles uma acusação de

irreligião, por causa do poema em memória de Hérmias, considerado

apropriado a um deus, nunca a um mortal. As intenções que se escondiam

por trás dessa acusação eram claríssimas (Sócrates também havia sido

denunciado por impiedade): queriam que Aristóteles pagasse um preço

altíssimo por suas relações com Alexandre. O filósofo abandonou Atenas

com a família e se refugiou em Calcides, onde tinha propriedades herdadas

da mãe. Foi lá que, alguns meses depois, veio a falecer.


58
Teofrasto, amigo fiel de longa data, assumiu a direção do Perípato.

A leitura de Aristóteles hoje

Já dissemos antes que o mérito essencial de Jaeger foi ter chamado a atenção

dos estudiosos para a necessidade de partir das obras da juventude, ou

melhor, dos fragmentos que chegaram até nós, para se ter um correto

entendimento de Aristóteles. Por infortúnio, porém, tais fragmentos são

escassos, e muito poucos são diretos. Ora, os fragmentos são como peças de

um mosaico; logo, podem compor os mais varia-dos desenhos. Além disso,

como as obras juvenis eram em sua maioria diálogos, há o perigo de se topar

com trechos de discursos de personagens que não expressam o pensamento

de Aristóteles. Por isso a reconstituição das obras do jovem Aristóteles é

obrigatoriamente conjectural. Partindo dessa premissa, em todo caso, pode-

se concluir que é impossível extrair dos fragmentos que chegaram até nós o

perfil de um Aristóteles completamente platônico, tal como o que Jaeger


59
reconstruiu. A crítica a Platão começa muito cedo, como veremos, e é uma

crítica que leva — recorrendo a termos hegelianos — à superação de Platão,

que é uma suprassunção. Veremos quais elementos atestam esse aspecto. (É

significativo, aliás, que Jaeger não tenha examinado os tratados Sobre as

Ideias e Sobre o bem.)

No entanto, o ponto mais frágil da leitura jaegeriana de Aristóteles é a

interpretação dos escritos de escola do Estagirita. Jaeger certamente tem

razão quando diz que nem todos foram redigidos nos últimos doze anos, em
Atenas, e que grande parte remonta aos anos de Assos e de Mitilene. Mas

erra quando pretende em seguida estabelecer quais pertencem àquele

período, quais ao último. E erra porque, na falta de qualquer dado histórico

que lhe sirva de base, é obrigado a se apoiar em pressupostos teóricos. Jaeger

acredita que é possível distinguir nas obras de escola algumas estratificações

fortemente platônicas, outras menos platônicas, e outras, ainda, de

tendência antiplatônica. Considera esses estratos teoricamente tão diversos a

ponto de não serem unificáveis, e, consequentemente, localiza os primeiros

no período de Assos, os segundos num período de transição e os terceiros

na última etapa da evolução espiritual de Aristóteles. Só que, aplicando esse

método “genético”, muitos estudiosos chegaram, no curso de meio século, a


60
conclusões diametralmente opostas às de Jaeger.

Hoje, ganha cada vez mais força a opinião de que o método genético, pelo

menos no sentido jaegeriano, deve ser deixado de lado. Alguns estudiosos

destacaram que, se um autor não renega uma obra ou parte dela, deve ser
61
considerado plenamente responsável pela obra. Isso vale ainda mais para

as obras esotéricas de Aristóteles, que jamais saíram de suas mãos e,

portanto, podiam ser retificadas e organizadas como melhor lhe parecesse.

Se o Estagirita considerasse superados alguns trechos desses cursos ou

mesmo o curso inteiro, certamente os teria suprimido ou modificado. Além

do mais, o sistema de rolos dava aos livros da época uma notável

plasticidade, permitindo que fossem corrigidos quando e do modo que se

desejasse.

Essas razões voltam a impor, portanto, a oportunidade, quando não a

necessidade, de refazer a leitura unitária dos textos esotéricos.

Naturalmente, nesse processo, cabe verificar se e em que medida a unidade é

real ou problemática; em todo caso, trata-se de uma decisão que deve ser

tomada no plano teórico, não no histórico-genético. Em suma, depois de

meio século de experimentos sob a égide do método genético, ficou

claríssimo que as obras esotéricas não podem ser consideradas simples

apontamentos, e que se obstinar a lê-las nessa condição é privá-las de

significado filosófico.

A leitura dos esotéricos que propomos nas páginas a seguir será, portanto,

unitária, no sentido mencionado. Em cada um dos escritos esotéricos,

nascidos e crescidos num intervalo bastante amplo de tempo, com

interrupções, retomadas e repetições, é possível identificar linhas de força,

parâmetros constantes e também reexames incessantes de problemas e


soluções. Foram justamente as pesquisas dos textos realizadas com o

método genético que, de modo paradoxal, acabaram tornando isso mais

claro e evidente.

Passemos, portanto, à análise pontual das obras de escola, tentado captar

seus núcleos essenciais. Como não podemos dispor de um critério

cronológico, pelas razões já expostas, utilizaremos a ordem lógica com que

Aristóteles distinguia hierarquicamente as ciências. Na verdade, ele

considerou primeiras as ciências teóricas, ou seja, puramente

contemplativas, que são a metafísica, a física e a matemática; as ciências

práticas, isto é, a ética e a política, são segundas; e terceiras são as ciências

poiéticas, ou seja, as artes. A lógica não entra no quadro porque, mais que

uma ciência, fornece o instrumento preliminar para qualquer ciência,

mostrando como o homem raciocina.

NOTAS
1. Apolodoro (= frag. 38 Jacoby), em Diógenes Laércio, v, 9. Todas as informações que se seguem,

exceto as provenientes de Diógenes, foram extraídas das antigas biografias de Aristóteles (cf.

“Bibliografia comentada”, § 2, 3), reunidas no trabalho fundamental de I. Düring, Aristotle in the

Ancient Biographical Tradition, Göteborg, 1957. Boas reconstruções modernas podem ser

encontradas em W. Jaeger, Aristoteles, Berlim, 1923 (trad. ital., Florença, 1935, várias reeds.),

passim. Aristóteles, L’éthique à Nicomaque, t. i, 1, introdução de R. Gauthier, Louvain, 1970, p. 2 ss;

I. Düring, Aristotles, Darstellung und Interpretation seines Denkes, Heidelberg, 1966, p. 1-21. Para a

primeira parte da vida de Aristóteles, a reconstrução de E. Berti, La filosofia del primo Aristotele,

Pádua, 1962, p. 123 ss, é muito bem cuidada. (Razões de espaço nos impedem de indicar ponto a

ponto todas as fontes em que nos apoiamos, as eventuais fontes discordantes, os vários motivos que

depõem a favor daquelas a que conferimos maior peso; o leitor interessado encontrará tudo isso nas

obras acima indicadas.)

2. Diógenes Laércio, v, 9 (a tradução dos trechos de Diógenes é de M. Gigante, Diogene Laerzio, Vita

dei filosofi, Laterza, Bari, 1962).

3. Cf. U. von Wilamovitz-Moellendorff, Platon. Berlim, 1959, p. 208 ss.

4. Cf. Jaeger, op. cit., p. 11-27.

5. Cf. Arist., Metaph. a 8, passim.

6. Cf. Berti, op. cit., p. 142.

7. Diógenes Laércio, v, 1.

8. Cf. adiante, “História da fortuna crítica e das interpretações de Aristóteles”, § 4.

9. Cf. Berti, op. cit., p. 151-159.

10. Cf. W. Jaeger, Paideia, trad. ital., Florença, 1967, v. ii, p. 250 ss. [Edição brasileira: Paideia. São

Paulo: Martins Fontes, 1996.]

11. Para aprofundamento e bibliografia, remetemos a Berti, op. cit., p. 159-185.

12. Quem defende essa tese é Jaeger, em Aristotele, p. 49-68; Bignone (L’Aristotele perduto e la

formazione filosofica di Epicuro, Florença, 1936, v. i, p. 67 ss) parece reconfirmá-la plenamente.

13. Berti, op. cit., p. 417.

14. Cf. Elias, Arist. categ. proem., p. 114, 25 ss = Eudemo, frag. 3 Ross.

15. Cf. Themist., Arist. de anim., p. 106, 29 ss = Eudemo, frag. 2 Ross.


16. Tese de Jaeger, Aristotele, p. 62 ss.

17. Arist., Metaph. L 3, 1.070 a 24-26. A tradução dos trechos da Metafísica citados aqui e mais adiante

é de G. Reale, Aristotele, La “Metafísica”, 2 v. Nápoles: Loffredo, 1968.

18. Cf. Berti, op. cit., p. 453-543. Para exegeses opostas, cf. Jaeger, Aristotele, p. 69-132; W. G.

Rabinowitz, Aristotle’s “Protrepticus” and the Sources of the Reconstruction, Berkeley/Los Angeles,

1957; I. Düring, Aristotle’s “Protrepticus”. An Attempt at Reconstruction, Estocolmo, 1961

(excelente); os artigos do mesmo autor que citamos nas “Referências bibliográficas”, § vii, 2. Uma

boa tradução com comentário histórico e teórico é a de E. Berti, Esortazione alla filosofia

(“Protreptico”), Pádua, Radar, 1967.

19. Elias, Prophyr. Isag. 3, 17 ss. Protreptico, frag. 2 Ross (trad. ital. Berti).

20. Cf. Protreptico, frag. 5 Ross.

21. Jambl., Ptotr. 40, 20 ss = Protreptico, frag. 5 Ross.

22. Cf. Protreptico, frags. 6-7 Ross.

23. Ibid., frag. 11 Ross.

24. Jambl., Protr. ix, 53, 2 ss = Protreptico, frag. 12 Ross.

25. Cf. Potreptico, frag. 13 Ross.

26. Jambl., Protr. viii, 48, 9 ss = Protreptico, frag. 10 c Ross.

27. Para um aprofundamento do tratado Sulle Idee, cf. Berti, op. cit., p. 186-249 e P. Wilpert, Zwei

aristotelische Frühschriften über die Ideenlehre, Regensburg, 1949; outra bibliografia in Berti, op. cit.

28. Cf. Sulle Idee, respectivamente frags. 3 e 4.

29. Berti, op. cit., p. 249.

30. Arist., Harm. 2, 20, 16-31, rep. in Ross, Arist. Fragm., p. 111.

31. Cf., sobre o complexíssimo problema da “doutrina não escrita” de Platão, “Bibliografia

comentada”, § viii, 3.

32. Arist., Metaph. a 6, 987 b 18 ss.

33. Arist., Metaph. a 6, 988 a 9 ss.

34. Para um debate sobre a bibliografia relativa ao tratado Sobre o bem e para uma interpretação

aprofundada dos fragmentos, cf. Berti, op. cit., p. 250-316.

35. Para um estudo aprofundado do tratado Sobre a filosofia, ver Berti, op. cit., p. 317-409 (com o

debate a respeito de toda a bibliografia até 1961). Para exegeses opostas, cf. Jaeger, Aristotele, p. 161-

220, e Arist., Della filosofia, texto, tradução, organização, introdução e comentário exegético de M.

Untersteiner, Roma, 1963 (com amplíssima bibliografia, p. xxvi-xl). Cf. também os artigos de

Untersteiner citados na “Bibliografia comentada”, § viii, 2.

36. Cf. Jaeger, Aristotele, p. 167 ss.

37. Procl. apud Filopono. De aet. mundi, p. 31, 17 ss (Rabe) = Sulla filosofia, frag. 10 Ross.

38. Cf. Berti, op. cit., p. 401 ss.

39. Cf. frag. 8, 6 Ross.

40. Syrian., Metaph. 159, 33 ss = Sulla filosofia, frag. 11 Ross.

41. Cf. especialmente frags. 10-29 Ross.

42. Simplic., De caelo 228, 28 ss = Sulla filosofia, frag. 16 Ross (tradução de M. Untersteiner [cf. nota

34]. A tradução dos outros fragmentos aqui mencionados é do mesmo autor).

43. Schol. in Proverb. Salomonis cod. Paris gr. 174 f 46 a = Sulla filosofia, frag. 17 Ross.

44. Cf. Metaph. L 8, passim.

45. Cic., De nat. deor. i, 13, 33 = Sulla filosofia, frag. 26 Ross. Cf. Berti, op. cit., p. 375 ss.

46. Filopono, De aetern. mundi, 30, 10 ss = Sulla filosofia, frag. 18 Ross; cf. também frag. 19 a b c.

47. Cic., Tusc. disp. i, 10-22 = Sulla filosofia, frag. 27 Ross.

48. Berti, op. cit., p. 556; cf. ibid., p. 392-401.


49. Para uma exposição sintética das doutrinas desses filósofos da primeira Academia, remetemos o

leitor ao segundo volume do nosso I problemi del pensiero antico. Milão: Celuc, 1972, p. 30 ss.

50. Cf. Jaeger, Aristotele, p. 135 ss.

51. Cf. a excelente reconstrução desse período da vida de Aristóteles em L’éthique à Nicomaque,

Gauthier, i, 1, p. 30 ss.

52. De fato, dos mesmos elementos é possível extrair teses opostas; o leitor poderá ter acesso à

documentação que elaboramos a respeito disso no volume ii de Il concetto di filosofia prima, passim.

53. Cf. Reale, I problemi del pensiero antico, ii, p. 45-53.

54. Diógenes Laércio, v, 2; cf. também Cic., Acad. i, 4, 17.

55. Cf. Reale, I problemi del pensiero antico, ii, p. 61 ss.

56. Cf. nota 42, trecho de Simplício.

57. Cf. “Bibliografia comentada”, § ii, 1.

58. Sobre Teofrasto, cf. Reale, I problemi del pensiero antico, ii, p. 65 ss.

59. O trabalho de Berti, citado várias vezes, é a mais eloquente confirmação disso.

60. Para a documentação, remetemos a nosso volume Il concetto di filosofia prima, passim.

61. Cf. P. Aubenque, Le problème de l’être chez Aristote. Paris, 1962, p. 9 ss.

* Nas citações dos textos de Aristóteles, optamos por traduzir as versões italianas mencionadas por

Giovanni Reale. Muitas vezes as traduções brasileiras

consultadas diferiam bastante das italianas (tanto no estabelecimento de alguns conceitos quanto na

própria construção dos períodos), não se coadundo, em diversas ocasiões, com as análises e os

comentários de Reale. Ademais, o próprio autor muitas vezes interfere explicitamente nas traduções

apresentadas, intervenções que se perderiam caso se seguissem as edições em português. [n.t.]


II.

A “FILOSOFIA PRIMEIRA”: ANÁLISE DA

METAFÍSICA

Conceito e características da metafísica

O que é “metafísica”?

Vamos começar por esclarecer a palavra. Sabe-se que “metafísica” não é

um termo aristotélico (talvez tenha sido cunhado pelos peripatéticos, se não

tiver nascido por ocasião da edição das obras de Aristóteles por Andrônico
1
de Rodes, no século i a.C.).

Aristóteles utilizava “filosofia primeira”, ou mesmo “teologia”, em

oposição a “filosofia segunda”, ou “física”; mas o termo “metafísica”

certamente é mais pregnante e tornou-se o preferido da posteridade, sendo

definitivamente consagrado. Como veremos, a “metafísica” aristotélica é, na

verdade, a ciência que se ocupa das realidades que estão acima das físicas, as
2
realidades transfísicas, e, como tal, se opõe à física. Por isso foi denominada

metafísica cada tentativa filosófica do pensamento humano de superar o

mundo empírico e alcançar um universo metaempírico.

Tomando como premissa esse esclarecimento de caráter geral, cabe

caracterizar de maneira exata os sentidos precisos que Aristóteles concedeu

à ciência que ele chamou de “filosofia primeira” e que os pósteros

denominaram “metafísica”. Essas definições são, na verdade, quatro:


3
a) A metafísica indaga as causas e os princípios primeiros, ou supremos.
4
b) A metafísica indaga o ser enquanto ser.
5
c) A metafísica indaga a substância.
6
d) A metafísica indaga Deus e a substância suprassensível.

As quatro definições aristotélicas de metafísica estão em perfeita

harmonia entre si: uma leva estruturalmente à outra, e cada uma a todas as
7
outras, de modo orgânico e unitário.

Examinemos mais de perto. Quem pesquisa as causas e os princípios

primeiros deve necessariamente encontrar Deus. Ele é, de fato, a causa e o

princípio primeiro por excelência. Chegaremos a conclusões idênticas se


partirmos das outras definições: perguntar o que é o ser significa perguntar

se existe somente o ser sensível ou também um ser suprassensível (ser

teológico). Do mesmo modo, a questão “O que é a substância?” implica

também a pergunta “Que tipos de substâncias existem, apenas as sensíveis

ou também as suprassensíveis?”, e, portanto, envolve também a questão

teológica.

Com base nisso, compreende-se por que Aristóteles utilizou o termo

“teologia” para indicar a metafísica, posto que as três definições levam

estruturalmente à questão teológica. A busca de Deus não é apenas um

momento da investigação metafísica, mas seu momento essencial e

definidor. Aliás, o Estagirita diz com toda a clareza que, se não houvesse

uma substância suprassensível, nem sequer existiria uma metafísica, e a

física seria a ciência mais elevada: “Se não subsistisse outra substância além
8
daquelas sensíveis, a física seria a primeira ciência.”

Já dissemos que as ciências teóricas são superiores às práticas e às

produtivas, e que, por sua vez, a metafísica é superior às outras duas ciências

teóricas. Ao fazer metafísica, o homem realiza efetivamente a pura vida

contemplativa que, pelas razões já vistas no Protréptico, é ontologicamente


9
superior à vida ativa. Ao fazer metafísica, o homem se aproxima de Deus,

não somente porque o conhece, mas também porque faz o mesmo que

Deus, que é puro conhecimento, como veremos. Portanto, Aristóteles diz:

“Todas as outras ciências podem até ser mais úteis ao homem, mas
10
nenhuma é superior a esta [metafísica].”

As quatro causas

Depois de examinar e esclarecer as definições de metafísica do ponto de

vista formal, vamos agora analisar sinteticamente seu conteúdo.

Dissemos que a metafísica é apresentada por Aristóteles, antes de mais

nada, como pesquisa das causas primeiras. Cumpre então estabelecer quais e

quantas são essas “causas”.

Aristóteles determinou que as causas devem ser necessariamente finitas

quanto ao número e estabeleceu que, no que se refere ao mundo do devir,

reduzem-se às seguintes (já entrevistas, embora confusamente, segundo ele,

por seus predecessores): 1) causa formal; 2) causa material; 3) causa eficiente;


11
4) causa final.

As duas primeiras nada mais são que a forma (ou essência) e a matéria que

constituem todas as coisas, e delas falaremos em breve. (É bom lembrar que


causa e princípio significam para Aristóteles aquilo que funda, aquilo que

condiciona, aquilo que estrutura.) Mas atenção! Se considerarmos o ser das

coisas estaticamente, matéria e forma bastam como explicação; porém, se, ao

contrário, considerarmos as coisas dinamicamente, ou seja, em seu

desenvolvimento, em seu devir, em seu gerar-se e corromper-se, então já

não bastam. Na verdade, é evidente que, se considerarmos, por exemplo,

determinado homem do ponto de vista estático, ele se reduz apenas à sua

matéria (carne e ossos) e à sua forma (alma); contudo, se o considerarmos

de outro modo e perguntarmos “Como esse homem nasceu? Quem o

gerou? Por que se desenvolve e cresce?”, então duas outras razões ou causas

são necessárias: a causa eficiente, ou motriz, ou seja, o pai que o gerou, e a

causa final, isto é, o télos, ou escopo para o qual tende o devir do homem (a

realização de sua essência).

O ser, seus significados e o sentido da fórmula “ser enquanto ser”

Dissemos que, além de doutrina das causas, a metafísica é definida por

Aristóteles como doutrina “do ser”, ou também “do ser enquanto ser”.

Vejamos, portanto, o que é o ser (o[n, ei,~nai) e o ser enquanto ser (o]n

h/,~ o[n) no contexto da especulação aristotélica. Contra os eleatas, que

entendiam o ser como único, e contra os platônicos, que o viam como

realidade transcendente, Aristóteles caracteriza o ser da seguinte maneira:

a) O ser exprime originariamente uma “multiplicidade” de significados.

Nem por isso, porém, é um mero “homônimo”, ou seja, um “equívoco”.

Entre univocidade e equivocidade pura há uma via intermediária, e o caso

do ser está justamente nela. Eis a célebre passagem em que Aristóteles

enuncia essa doutrina:

Fala-se ser em múltiplos sentidos, mas sempre em referência a uma unidade e a uma

realidade determinada. Não se fala ser por mera homonímia, mas do mesmo modo

como dizemos que é “sadio” tudo que se refere à saúde, que a conserva, que a produz,

que é seu sintoma ou que tem condições de recebê-la; ou do mesmo modo como

dizemos que é “médico” tudo que se refere à medicina, ou que a possui, ou que é bem-

disposto para ela por natureza, ou que é obra da medicina; e podemos acrescentar

ainda outros exemplos de coisas como essas que também são ditas. Assim, portanto,

12
fala-se ser em muitos sentidos, mas todos em referência a um só princípio.

Mas vamos deixar, por ora, a determinação e a identificação desse

princípio, prosseguindo na caracterização geral do conceito de ser.

b) Em consequência de tudo o que estabelecemos, o ser não poderá se

reduzir a um “gênero” e menos ainda a uma “espécie”. Trata-se, portanto,


de um conceito transgenérico, além de transespecífico, ou seja, mais amplo

e estendido que o gênero e também que a espécie.

c) Se a unidade do ser não é uma unidade de espécie nem de gênero, que

tipo de unidade é? O ser exprime significados diversos, mas que têm relação

precisa com um princípio idêntico ou uma realidade idêntica, como bem

ilustram os exemplos de “sadio” e “médico”, no trecho citado. Portanto, as

várias coisas denominadas ser exprimem, sim, sentidos diversos do ser, mas

todas elas implicam, ao mesmo tempo, uma referência a algo que é uno, ou,

mais especificamente, à substância. É o que Aristóteles afirma com toda a

clareza na conclusão do trecho mencionado:

Assim, portanto, fala-se ser em muitos sentidos, mas todos em referência a um só

princípio. Algumas coisas se chamam ser porque são substâncias, outras porque são

afecções da substância, ou porque são corrupções ou privações, ou qualidades, ou

causas produtoras ou geradoras, seja da substância, seja daquilo que se refere à

13
substância, ou porque são negações de qualquer uma delas, isto é, da substância.

Portanto, o centro unificador dos sentidos do ser é a ousía, a substância. A

unidade deriva nos vários sentidos do ser porque todos eles têm relação com

a substância. Nesse sentido, pode-se dizer que a ontologia aristotélica é

fundamentalmente uma “ousiologia”.

Tais esclarecimentos servem para alertar o leitor quanto à interpretação

da célebre fórmula “ser enquanto ser” (o]n h/ o[n). Essa fórmula não pode

ser entendida como um uniforme, abstrato e unívoco ente de caráter

extremamente geral, como muitos creem, mas exprime a própria

multiplicidade dos significados do ser e a relação que os liga formalmente e

que faz com que cada um deles seja ser. Então, o ser enquanto ser significa a

substância e tudo aquilo que, de múltiplas maneiras, se refere à substância.

Em todo caso, fica evidente que, para Aristóteles, a fórmula “ser enquanto

ser” perde qualquer significado fora do contexto do discurso sobre a

multiplicidade dos significados do ser: quem atribui a ela o sentido de ser

generalíssimo ou de puro ser, aquém e acima das múltiplas determinações

do ser, cai vítima do “arcaico” modo de pensar dos eleatas e trai


14
completamente o significado da reforma aristotélica.

A “tábua” aristotélica dos significados do ser e seu sentido

Depois de estabelecido o conceito de ser e o princípio da originária e

estrutural multiplicidade dos sentidos do ser, vamos examinar agora


quantos e quais são esses sentidos. Aristóteles esboça uma “tábua” precisa
15
dos significados do ser.

a) Fala-se ser, de um lado, no sentido de acidente, ou seja, como ser

acidental ou casual (o]n kata; sumbebhkov~). Por exemplo, quando

dizemos “o homem é músico”, estamos indicando um caso de ser acidental;

na verdade, ser músico não exprime a essência do homem, mas apenas

aquilo que pode acontecer de o homem ser, um puro acaso, um mero

acidente.

b) Oposto ao ser acidental é o ser por si (o]n kaJ ∆auJto). Isso não indica o
que é por outro, como o ser acidental, mas o que é ser por si, ou seja,

essencialmente. Como exemplo de ens per se, Aristóteles aponta, na maioria

das vezes, apenas a substância; mas pode também indicar todas as

categorias: além da essência, ou substância, a qualidade, a quantidade, a


16
relação, o agir, o suportar, o onde e o quando. De fato (ao contrário do que

se verifica na especulação medieval), em Aristóteles, as categorias diferentes

da substância são algo bem mais sólido que aquilo que é puramente

acidental (que exprime o puramente fortuito), dado que, embora de

maneira subordinada à substância, são fundamento, em segunda ordem,

dos outros sentidos do ser, como veremos.

c) Em terceiro lugar, aparece na lista o sentido do ser como verdadeiro, ao

qual se contrapõe o significado do não-ser como falso. Trata-se do ser que

poderíamos chamar de “lógico”: o ser como verdadeiro indica o ser do juízo

verdadeiro, enquanto o não-ser como falso indica o ser do juízo falso. Este é

um ser puramente mental, que só tem subsistência na razão e na mente que

pensa.

d) Em último lugar vem o sentido do ser como potência e como ato (o]n

dunavmei kai; ejnergeiva/). Dizemos, por exemplo, que é vidente tanto

aquele que tem a potência de ver — isto é, que pode ver, mas está

momentaneamente, digamos, de olhos fechados — quanto aquele que vê em

ato. De forma análoga, dizemos também que está em ato uma estátua já

esculpida, e que está em potência o bloco de mármore que o artífice esculpe;

nesse mesmo sentido, dizemos que é trigo o broto de trigo, pois que é trigo

em potência, e que a espiga madura é trigo em ato. O ser segundo a potência

e segundo o ato, esclarece Aristóteles, se estende a todos os sentidos já

mencionados do ser: pode existir um ser acidental em potência ou em ato,

pode haver o ser do juízo verdadeiro ou falso em potência ou em ato, e,


sobretudo, pode haver uma potência e um ato segundo cada uma das
17
diversas categorias.

Especificações acerca dos quatro sentidos do ser

Os quatro sentidos do ser na realidade são quatro “grupos” de sentidos;

cada um deles reagrupa depois sentidos semelhantes mas não idênticos, ou

seja, não unívocos mas análo-gos. As diferentes categorias não expressam

sentidos idênticos ou unívocos do ser; o ser expresso em cada “figura das

categorias” constitui um sentido diverso daquele de cada uma das outras.

Por conseguinte, a expressão “o ser segundo as figuras das categorias”

designa tantos sentidos diversos do ser quantos são os seres. Aristóteles diz

expressamente que o ser não pertence às diversas categorias do mesmo

modo e no mesmo grau: “O é predica-se de todas as categorias, porém não

do mesmo modo, mas de modo primário, da substância, e de modo


18
derivado, das outras categorias.”

E ainda:

[...] é preciso dizer que as categorias são seres apenas por homonímia, ou que são seres

apenas quando se acrescenta ou se retira de “ser” determinada qualificação; como, por

exemplo, quando se diz que também o não cognoscível é cognoscível. Com efeito, está

correto afirmar que se diz que as categorias são ser não em sentido equívoco, nem em

sentido unívoco, mas diz-se que elas são ser do mesmo modo que a palavra médico,

cujos diversos sentidos implicam referências a uma só e mesma coisa, e nem por isso

são puros homônimos; médico designa um corpo, uma operação ou um instrumento

19
não por homonímia ou sinonímia, mas em virtude da referência a uma só coisa.

Essa última realidade é obviamente a substância. Como se pode ver,

aquilo que vale em geral para os diversos significados do ser vale depois, em

particular, para as categorias: as demais categorias são ser apenas em relação

à primeira e em virtude dela. Mas então, perguntaríamos, além da unidade

que é própria de todos os significados do ser, qual o vínculo específico que

reúne as diversas “figuras de categorias” naquele grupo único que é

justamente o grupo das “categorias”? A resposta é a seguinte: as figuras das

categorias expressam os significados primeiros e fundamentais do ser, são a

distinção originária em que se apoia necessariamente a distinção dos

significados posteriores. As categorias representam, portanto, os significados

em que o ser se divide originariamente, são as divisões supremas do ser, ou,


20
como também diz Aristóteles, os “gêneros” supremos do ser. Nesse sentido, é

fácil compreender por que Aristóteles incluiu nas categorias o grupo dos
significados do ser “por si”: justamente porque se trata dos significados

originários.

A potência e o ato também representam dois significados diversos do ser

(a potência é chamada abertamente de não-ser em relação ao ato, pois é

não-ser em ato), posto que uma é ser potencial ainda não realizado, e o

outro, ser atual e realizado. Mas é importante sublinhar que, mesmo

tomados singularmente, eles têm múltiplos significados, tantos quantas

forem as categorias. Uma coisa é a potência segundo a substância, outra é a

potência segundo a qualidade, outra é a potência segundo a quantidade, e

assim por diante. O mesmo pode ser dito do ato.

Discurso análogo vale para o ser como verdadeiro e para o ser acidental,

cujos vários modos, por falta de espaço, não será possível elucidar aqui. No

entanto, um ponto essen-cial merece destaque. O ser como verdadeiro, que

é o ser do juízo unindo (separando) sujeito e predicado, só pode ter lugar

segundo as categorias (como veremos melhor na lógica). E assim, o ser

acidental nada mais é que a afecção ou o acontecimento puramente fortuito


21
que tem lugar segundo as várias figuras categoriais.

Em resumo, todos os significados do ser pressupõem o ser das categorias;

por sua vez, o ser das categorias depende inteiramente do ser da primeira

categoria, isto é, da substância. Portanto, todos os significados do ser

supõem o ser das categorias; e se, por sua vez, o ser das categorias supõe o

ser da primeira categoria e nele se baseia inteiramente, é evidente que a

pergunta radical sobre o sentido do ser deve centrar-se na substância. Assim, é

possível compreender perfeitamente as exatas afirmações de Aristóteles:

Na verdade, aquilo que, desde os tempos antigos, assim como agora e sempre, constitui

o eterno objeto de pesquisa e o eterno problema “O que é o ser?” equivale a este outro:

“O que é a substância?” [...]; por isso também devemos examinar principal,

fundamental e, por assim dizer, exclusivamente o que é o ser entendido nesse

22
sentido.

O sentido último do ser é revelado pelo sentido da substância (oujsiva). O

que é, então, a substância?

A questão da substância

Já de início, cabe dizer que o problema da substância é o mais delicado,

complexo e, em certo sentido, também o mais desconcertante para quem

quer entender a metafísica aristotélica renunciando às soluções sumárias a

que nos habituaram as classificações simplistas dos manuais.


Antes de mais nada, é preciso esclarecer que a questão geral da substância

envolve dois problemas essenciais estreitamente ligados, um dos quais se

desenvolve em duas direções diferentes. As soluções que os predecessores de

Aristóteles deram para a questão da “substância” eram totalmente

antitéticas: alguns viram na matéria sensível a única substância; Platão, ao

contrário, localizou a verdadeira substância nos entes suprassensíveis,

enquanto a convicção comum parecia enxergar nas coisas concretas a

verdadeira substância. Mas eis que Aristóteles enfrenta a questão

estruturando-a de maneira exemplar. Depois de ter reduzido o problema

ontológico geral a seu núcleo central, ou seja, à questão da ousía (como

vimos), ele afirma com toda a clareza que o ponto de chegada está em

determinar quais substâncias existem: se apenas as sensíveis (como querem

os naturalistas) ou também as suprassensíveis (como querem os platônicos).

Atenção! Este é o problema dos problemas e a quaestio ultima, a pergunta


23
por excelência da metafísica aristotélica (e de toda a metafísica, em geral).

Porém, para resolver esse problema específico, Aristóteles quis primeiro

solucionar outra questão: o que é a substância? Eis, portanto, o outro

problema da ousiologia aristotélica: o que é a substância em geral? É a

matéria? É a forma? É o composto? Esse problema geral deve ser resolvido

antes do outro, por correção metodológica; tendo estabelecido antes o que

é, em geral, a ousía, será possível dizer com maior precisão se existe apenas o

sensível ou também o suprassensível. Se, por exemplo, concluíssemos que

ousía é somente a matéria ou o composto concreto de matéria e forma, a

questão da substância suprassensível estaria eliminada eo ipso; se, no

entanto, concluíssemos que ousía também é algo mais, ou pelo menos

predominantemente algo mais que matéria, então a questão do

suprassensível se apresentaria sob nova luz. Em que Aristóteles irá se basear

para examinar a substância em geral? Claro, naquelas substâncias que

ninguém contesta, as substâncias sensíveis. Assim escreve o filósofo, de

modo expresso:

Todos admitem que algumas das coisas sensíveis são substâncias; portanto, devemos

desenvolver nossa investigação a partir delas. É de grande utilidade proceder

gradualmente para o que é mais cognoscível. Na verdade, todos chegam ao saber desta

forma: partindo das coisas menos cognoscíveis por natureza [= as coisas sensíveis] em

24
direção àquelas mais cognoscíveis por natureza [= as coisas inteligíveis].

A substância em geral e as notas definidoras do conceito de substância

Mas vamos afinal à pergunta: o que é a ousía em geral?


Tudo o que foi dito antes deve ter preparado o leitor para a resposta

aristotélica ao problema em questão. O Estagirita diz que por “substância”

(ousía) podem ser entendidos, a diversos títulos: 1) a forma; 2) a matéria; 3)

o sínolo, ou composto de matéria e forma. Com isso, Aristóteles reconhecia

em cada um de seus predecessores uma parte de razão e apontava que o erro

foi a unilateralidade e a exclusão.

Tentaremos ilustrar brevemente tais significados.

a) Substância é, num sentido, a forma (ei,~do~, moryhv). “Forma”,

segundo Aristóteles, é a íntima natureza das coi-sas, “o que é”, ou a essência

(to; tiv h,~n ei,~nai) delas. A forma ou essência do homem, por exemplo, é

sua alma, ou seja, aquilo que faz dele um ser vivente racional; a forma ou

essência do animal é a alma sensitiva; a da planta, a alma vegetativa. E ainda:

a essência do círculo é o que faz com que ele tenha aquela determinada

figura com aquelas determinadas qualidades; o mesmo deve se repetir em

relação às diferentes coisas. Quando definimos as coisas, costumamos nos

referir à sua forma ou essência; em geral, as coisas só são cognoscíveis em


25
sua essência.

b) Contudo, se a alma racional não conformasse um corpo, não haveria

um homem, e se a alma sensitiva não conformasse certa matéria, não

teríamos um animal; se a alma vegetativa não conformasse outra matéria,

não teríamos as plantas. E o mesmo vale — e de modo ainda mais evidente

— para todos os objetos produzidos pela atividade da arte; se a essência ou

forma da mesa não se realizasse na madeira, ela não teria qualquer

concretude (e o mesmo deve se repetir em todos os casos). Nesse sentido,

também a matéria é fundamental para a constituição das coisas; e, portanto,

ela pode ser denominada — pelo menos dentro desses limites — substância

das coisas. Por outro lado, é evidente que tais limites são bem definidos: de

fato, se não houvesse a forma, a matéria seria indeterminada e não bastaria


26
para constituir as coisas.

c) Com base no que foi dito, o terceiro significado também fica

perfeitamente claro: o “sínolo” (suvnolon). Sínolo é a união concreta de

forma e matéria. Todas as coisas concretas nada mais são que sínolos de

forma e matéria.

Portanto, todas as coisas sensíveis, sem distinção, podem ser consideradas

em sua forma, em sua matéria e no conjunto de forma e matéria; e são

“substância” (ousía), a título diverso (no sentido que vimos), tanto a forma
27
quanto a matéria e o sínolo.
Desenvolvendo o problema da substância em geral em uma segunda

direção, o Estagirita também tentou determinar quais são esses “títulos” com

base nos quais alguma coisa tem o direito de ser considerada substância. Nos

textos, essa segunda direção nem sempre se distingue explicitamente da

primeira, e muitas vezes se entrelaça a ela de várias maneiras. Contudo, é

essencial distingui-la para entender em profundidade o pensamento

aristotélico.

O Estagirita parece estabelecer que as características definidoras das

substâncias são cinco. Substância é:

a) O que não é inerente a outra coisa nem predicado de outra coisa;

portanto, é objeto de inerência e de predicação.

b) Aquilo que pode subsistir por si ou separadamente do resto,

autonomamente.

c) Aquilo que é “algo de determinado” (não um universal abstrato, um

tovde ti).

d) O que tem uma unidade intrínseca e não é mero agregado de partes não

organizadas.

e) O que é ato ou em ato (não puramente em potência).

Ora, a matéria só tem o primeiro atributo de substancialidade, portanto,

só é substância de maneira muito imprópria; a forma e o sínolo, ao

contrário, possuem todas as características da substancialidade, embora de

modos diferentes. Então qual será a substância por excelência? Do ponto de

vista empírico, substância por excelência parece ser o indivíduo concreto, ou

seja, o sínolo. No entanto, do ponto de vista metafísico, a “substância

primeira” é a forma: a forma é princípio, causa e fundamento, enquanto, em


28
relação a ela, o sínolo é principiado, causado e fundado.

O sentido do ser é assim plenamente determinado. O ser em seu

significado mais forte é a substância; e a substância, num primeiro sentido

(impróprio), é matéria, num segundo sentido (mais próprio) é sínolo, num

terceiro sentido (e por excelência) é forma. Ser, portanto, é a matéria; ser,

num grau mais alto, é o sínolo; e ser, no sentido mais forte, é a forma. Desse

modo, compreende-se por que Aristóteles chamou a forma de “causa


29
primeira do ser”, pois ela “informa” a matéria e funda o sínolo.

A “forma” aristotélica não é universal

Apresentada da maneira que propusemos, a doutrina aristotélica da

substância parece bem menos aporética do que sustentava sobretudo


30
Zeller, mas também muitos estudiosos modernos. A distinção dos

múltiplos significados da ousía implica a necessidade de não elaborar um

discurso em termos de aut-aut (ou-ou), como se, a qualquer custo, somente

um dos significados pudesse restar em campo; mas de fazer, ao contrário,

um discurso em termos de et-et (e-e), como vimos: a metafísica aristotélica

não é voltada, como sua sucessora, para a reductio ad unum a qualquer

preço, mas para a distinção dos vários aspectos da realidade. Feita essa

distinção, ela não apenas recusa posteriores unificações como declara que

esses vários aspectos são irredutíveis, e os considera enquanto tais, como

expressão do caráter estrutural da realidade.

Assim se resolve facilmente outra dificuldade sugerida por Zeller. É difícil

— diz ele — considerar imutáveis as formas do mutável, como queria

Aristóteles. Na verdade, Aristóteles insiste com muita energia no aspecto da

imutabilidade do eîdos. Pois bem: a imutabilidade do eîdos aristotélico não

passa da imutabilidade da causa, da condição ou do princípio metafísico em


31
relação ao causado, ao condicionado e ao principiado empírico.

Finalmente, concluímos nossa análise da substância nos detendo em um

aspecto muitas vezes negligenciado e cuja compreensão, aliás, é fatalmente

obstada pela abordagem zelleriana — que serve de base para muitos

estudiosos. Trata-se da relação entre a forma e o universal. Aristóteles

demonstra, como acabamos de ver, que matéria, forma e sínolo apresentam

requisitos que os qualificam como ousía, enquanto o universal, que os

platônicos elevam à categoria de substân-cia por excelência, não tem

absolutamente qualificação alguma para ser considerado substância, pois

não responde a nenhum dos requisitos que são próprios da


32
substancialidade.

Mas, dirão alguns, o eîdos aristotélico não é universal? A resposta é

inequivocamente negativa. Inúmeras são as vezes em que Aristóteles

qualifica seu eîdos de “tovde ti”, expressão que indica uma coisa

determinada, que se opõe ao universal abstrato; além disso, vimos que todas

as características da substancialidade dizem respeito ao eîdos. O eîdos

aristotélico é um princípio metafísico: em termos modernos, seria uma

estrutura ontológica transcendental. Daremos como prova apenas uma

passagem — a mais significativa — que fecha o livro dedicado à substância.

Depois de dizer que ela é “um princípio e uma causa”, Aristóteles mostra o

modo como se deve buscar esse princípio e essa causa. A coisa ou o fato cujo

princípio ou causa se busca devem ser previamente conhecidos, e cabe situar


a pesquisa da seguinte forma: por que tal coisa ou tal fato são assim e assim?

O que equivale a dizer: por que a matéria é (ou constitui) esse determinado

objeto? Eis como Aristóteles expõe a questão:

[...] esse material é uma casa: por quê? Porque nele está presente a essência de casa. E

assim investigaremos: por que essa determinada coisa é homem? Ou: por que esse

corpo tem tais características? Portanto, na investigação de por que, busca-se a causa

da matéria, ou seja, a forma pela qual a matéria é uma determinada coisa: e essa é

33
justamente a substância.

Mas aqui está o exemplo mais eloquente, com o qual Aristóteles encerra

sua investigação:

O que é composto de alguma coisa de tal modo que o todo constitui uma unidade não

é como um amontoado, mas como uma sílaba. A sílaba não é apenas as letras de que é

formada, nem BA é idêntica a B e A, nem a carne é simplesmente fogo e terra; uma vez

que os compostos, ou seja, carne e sílaba, se dissolvem, deixam de existir, enquanto

letra, fogo e terra continuam a ser. Portanto, a sílaba é algo que não é redutível

unicamente a letras, ou seja, a vogais e consoantes, mas uma coisa diferente delas.

Assim, a carne não é apenas fogo e terra ou quente e frio, mas também algo diferente

deles. Ora, se mesmo esse algo fosse, ele também, um elemento ou um composto de

elementos, aconteceria o seguinte: se fosse um elemento, valeria o discurso anterior (a

carne seria constituída por esse elemento fogo e terra e por alguma coisa diferente, de

modo que iríamos até o infinito); se, ao contrário, fosse um composto de elementos, é

evidente que seria composto não de um só, mas de vá-rios elementos (do contrário,

estaríamos ainda no primeiro caso), de modo que se repete, também aí, o discurso a

respeito de carne e sílaba. Por isso compreende-se claramente que esse algo não é um

elemento, mas a causa pela qual essa coisa é carne, aquela outra é sílaba, e assim por

diante, para todo o resto. Esse algo é a substância de cada coisa: de fato, é a causa

34
primeira do ser.

Como se vê, a ousía-eîdos de Aristóteles, como estrutura imanente

ontológica da coisa, não pode efetivamente ser confundida com o universal

abstrato. O universal, ao contrário, é o gênero (gevno~), que não tem uma

realidade ontológica própria; por exemplo, o animal, entendido como

gênero animal, é apenas um termo comum abstrato que não tem realidade

em si e não existe senão no homem ou em outra forma animal.

Por outro lado, é importante destacar que o eîdos aristotélico tem dois

aspectos: um deles é ontológico, como vimos, e o outro é o que poderíamos

chamar de lógico. O Estagirita não estudou nem estabeleceu esses dois

aspectos e suas relativas diferenças, mas, nos vários casos, passou de um a

outro de maneira inconsciente. Podemos observar melhor que ele a

diferença, até por razões linguísticas, pois de quando em quando somos

obrigados e traduzir eîdos de dois modos diferentes: às vezes como “forma”


e às vezes como “espécie”. No que diz respeito ao aspecto ontológico do

eîdos, ou seja, da “forma”, Aristóteles tem razão ao dizer que não se trata de

um universal. E quanto ao eîdos no sentido lógico de espécie? Claro, a

espécie nada mais é que o eîdos quando pensado pela mente humana.

Portanto, seria possível dizer que, como estrutura ontológica ou princípio

metafísico, o eîdos não é universal; porém, ao contrário, quando é pensado e

abstraído pela mente humana, ele se torna universal. É bom repetir:

preocupado em reafirmar o primeiro ponto, Aristóteles não destacou o

segundo. (Ainda mais porque, a seu ver, o eîdos, mesmo considerado como

espécie, é a “diferença” específica que dá concretude ao gênero, justamente

“diferenciando-o” e, portanto, resgatando-o de sua abstrata


35
universalidade, como veremos também na lógica.) Em todo caso, essas

dificuldades não devem desviar nosso olhar daquilo que foi dito antes acerca

da estatura ontológica e real do eîdos: não somente ele não é um universal

como também é mais ser que a matéria e mais ser que o sínolo, pois é o
36
princípio que, estruturando a matéria, faz subsistir o próprio sínolo.

O ato e a potência

Devemos ainda acrescentar às doutrinas já expostas algumas


37
pormenorizações relacionadas à potência e ao ato referidos à substância: A

matéria é “potência”, ou seja, potencialidade, no sentido de que é

capacidade de assumir ou receber a forma: o bronze é “potência” da estátua,

pois é capacidade tanto de receber quanto de assumir a forma da estátua; a

madeira é “potência” dos vários objetos que podem ser feitos com ela, pois é

capacidade concreta de assumir as formas desses vá-rios objetos. A forma se

configura, ao contrário, como ato ou atuação dessa capacidade. O composto

ou sínolo de matéria e forma, enquanto tal, será ato de modo predominante;

se considerado em sua forma, será apenas ato, ou enteléquia; se considerado

em sua materialidade, será, ao contrário, misto de potência e ato. Portanto,

todas as coisas que possuem matéria têm sempre, enquanto tais, maior ou

menor potencialidade. Porém, como veremos, se há seres imateriais, ou seja,


38
formas puras, eles serão atos puros, sem potencialidade.

Como mencionamos, o ato também é chamado por Aristóteles de

enteléquia: às vezes, parece que flutua entre os dois termos certa diversidade

de significado; todavia, na maior parte dos casos e em particular na

Metafísica, os dois são sinônimos. Portanto, ato e enteléquia significam

realização, perfeição atuante e atuada. A alma, portanto, como essência e


forma do corpo, é ato e enteléquia do corpo; em geral, todas as formas das

substâncias sensíveis são ato e enteléquia. Deus, como veremos, será

enteléquia pura (e assim também as outras Inteligências motrizes das esferas

celestes).

O ato, diz ainda Aristóteles, tem absoluta “prioridade” e superioridade

sobre a potência; de fato, a potência existe sempre em função do ato e é

condicionada pelo ato, do qual ela é potência. Enfim, o ato é superior à


39
potência, pois é o modo de ser das substâncias eternas.

A doutrina da potência e do ato, do ponto de vista metafísico, é de

enorme importância. Com ela Aristóteles conseguiu resolver as aporias

eleáticas do devir e do movimento: devir e movimento deslizam no núcleo do

ser, pois não indicam uma passagem do não-ser absoluto ao ser, mas do ser

em potência ao ser em ato, ou seja, de ser para ser. Além disso, também

solucionou perfeitamente o problema da unidade da matéria e da forma: a

primeira é potência, a segunda, ato, ou atuação da potência. Por fim, o

Estagirita serviu-se dessa doutrina, pelo menos em parte, para demonstrar a

existência de Deus e entender sua natureza. Mas os conceitos de potência e de

ato também desempenham, em Aristóteles, um papel importantíssimo no

âmbito de todas as outras ciências.

E assim chegamos à última das questões da metafísica: a da substância

suprassensível, que é o problema decisivo.

Demonstração da existência da substância suprassensível

Há substâncias suprassensíveis ou só substâncias sensíveis? Aristóteles

tentou responder com precisão a essa pergunta, pois era o ponto que achava

importante corrigir em Platão.

Eis de que maneira se demonstra a existência do suprassensível.

As substâncias são as realidades primeiras, no sentido de que todos os

outros modos de ser, como já vimos amplamente, dependem delas.

Portanto, se todas as substâncias fossem corruptíveis, absolutamente nada

haveria de incorruptível. Mas — diz Aristóteles — o tempo e o movimento,

sem dúvida, são incorruptíveis. O tempo não foi gerado nem será

corrompido; em momento anterior à geração do tempo deve ter existido

um “antes”, e após a destruição do tempo deverá existir um “depois”. Ora,

“antes” e “depois” nada mais são que tempo. Em outros termos: pelas razões

vistas, sempre há tempo antes ou depois de qualquer suposto início ou fim

do tempo; portanto, o tempo é eterno. O mesmo raciocínio vale para o


movimento, pois, para Aristóteles, o tempo nada mais é que uma

determinação do movimento. Portanto, não há tempo sem movimento, a

eternidade do primeiro postula a eternidade do segundo. No entanto, em

que condições pode subsistir um movimento (e um tempo) eterno? O

Estagirita responde com base nos princípios que havia estabelecido pelo

estudo das condições do movimento na Física: somente quando subsiste um

Princípio primeiro que dele seja causa.

Porém, para ser causa do movimento, como deve ser tal princípio? Em

primeiro lugar, diz Aristóteles, o Princípio deve ser eterno: se eterno é o

movimento, eterna deve ser sua causa. Em outras palavras: para ser capaz de

explicar um movimento eterno, a causa só pode ser eterna.

Em segundo lugar, o Princípio deve ser imóvel: na verdade, somente o

imóvel é causa absoluta do móvel. Na Física, Aristóteles demonstrou esse

aspecto com rigor. Tudo que está em movimento é movido por algo outro;

se esse algo, por sua vez, for movido, será movido ainda por outro algo.

Mas, para explicar cada movimento, é preciso buscar apoio em um

princípio que de per si não se mova depois, pelo menos em relação ao que

move. Seria absurdo pensar em recuar de motor em motor ao infinito, pois

um processo ao infinito é impensável nesses casos. Ora, se assim é, não

apenas deve haver motores relativamente móveis, dos quais procedem os

movimentos singulares, como também — a fortiori — um Princípio

absolutamente primeiro e absolutamente imóvel, do qual procede o

movimento de todo o Universo.

Em terceiro lugar, o princípio deve ser totalmente isento de potencialidade,

ou seja, deve ser ato puro. Se ele tivesse potencialidade, haveria a

possibilidade de não se mover em ato; mas isso é absurdo, pois nesse caso

não haveria um movimento eterno dos céus, isto é, um movimento sempre

em ato. Para concluir: como há um movimento eterno, é necessário que haja

um Princípio eterno que o produza, e é necessário que esse Princípio seja: a)

eterno, se aquilo que ele causa é eterno; b) imóvel, se a causa absolutamente

primeira do móvel é o imóvel; c) ato puro, se o movimento que causa está

sempre em ato.

Esse princípio é o Motor Imóvel, justamente a substância suprassensível


40
que buscávamos.

Mas como o Primeiro Motor pode mover e permanecer absolutamente

imóvel? No âmbito das coisas que conhecemos, há algo que saiba mover sem

mover a si mesmo?
Aristóteles responde indicando o exemplo de coisas como o objeto do

desejo e da inteligência. O objeto do desejo é aquilo que é belo e bom: ora, o

belo e o bom atraem a vontade do homem sem que eles mesmos se movam;

assim também o inteligível move a inteligência sem se mover. Igualmente

desse tipo é a causalidade exercida pelo Primeiro Motor, ou seja, pela

substância primeira; o Primeiro Motor move como o objeto de amor atrai o


41
amante (kinei~ wJ~ ejrwvmenon), enquanto todas as outras coisas

movem sendo movidas.

Como é evidente, a causalidade do Primeiro Motor não é uma

causalidade de tipo eficiente, ou seja, do tipo daquela exercida por uma mão

que move um corpo, ou pelo escultor que entalha o mármore, ou pelo pai

que gera o filho. Deus, ao contrário, move atraindo; e atrai como objeto de

amor, vale dizer, à guisa de fim; a causalidade do Motor Imóvel é portanto,

propriamente, um causalidade de tipo final.

O mundo, que é constantemente atraído por Deus como fim supremo,

não teve um começo. Não houve um momento em que havia o caos (ou o

não cosmo) porque, se assim fosse, estaria desmentido o teorema da

prioridade do ato sobre a potência; isto é, primeiro seria o caos, que é

potência, e depois seria o mundo, que é ato. Seria também um absurdo, pois

Deus, sendo eterno, deve necessariamente atrair, como objeto de amor, o


42
Universo, que, portanto, deve ser tal como é desde sempre.

Essa é uma tese que Aristóteles já havia defendido no tratado Sobre a

filosofia, nos últimos anos de sua permanência na Academia.

A natureza do Motor Imóvel

O princípio do qual “dependem o céu e a natureza” é Vida. E que vida?

Aquela que, mais que qualquer outra, é excelente e perfeita; a vida que nós

só podemos viver por um breve tempo; a vida do puro pensamento; a vida

da atividade contemplativa. Eis o trecho estupendo em que Aristóteles —

fato extremamente raro para ele — se comove e no qual sua linguagem é

quase poesia, canto, celebração:

Assim, desse princípio dependem o céu e a natureza. E seu modo de viver é o mais

excelente: um modo de viver que só nos é concedido por um breve tempo. Mas ele

permanece sempre nesse estado. Para nós, é impossível, mas para ele não é impossível,

pois o ato do seu viver é prazer. Para nós, vigília, sensação e conhecimento também são

agradáveis em grau supremo, exatamente porque são ato; assim também, em virtude

deles, esperanças e lembranças. [...] Se, portanto, Deus se encontra perenemente nessa

feliz condição em que nos encontramos às vezes, isso é maravilhoso. Se ele se encontra
em uma condição superior, é ainda mais maravilhoso. Ele se encontra de fato nessa

condição. Ele é também Vida, pois a atividade da inteligência é Vida, e ele é

precisamente esta atividade. Sua atividade, que subsiste de per si, é vida ótima e eterna.

Na verdade, dizemos que Deus é vivente, eterno e ótimo; desse modo, pertence a Deus

43
uma vida perenemente contínua e eterna; isto é, portanto, Deus.

Mas o que pensa Deus? Deus pensa a coisa mais excelente. Mas a coisa

mais excelente é Deus. Portanto, Deus pensa a si mesmo, é atividade

contemplativa de si mesmo, é pensamento de pensamento (novhsi~

nohvsew~). Eis as exatas afirmações do filósofo:

[...] o pensamento que é pensamento por si tem por objeto aquilo que é de per si

excelente, e o pensamento que o é em grau máximo tem por objeto aquilo que é

excelente em máximo grau. A inteligência pensa a si mesma, apreendendo-se como

inteligível: na verdade, ela se torna inteligível intuindo-se e pensando a si, de modo que

inteligência e inteligível coincidem. A inteligência é de fato aquilo que é capaz de

apreender o inteligível e a substância, e está em ato quando os possui. Portanto, mais

ainda que tal capacidade, o que a inteligência tem de divino é esta propriedade; a

44
atividade contemplativa é aquilo que há de mais agradável e de mais excelente.

E ainda: “Se a Inteligência divina é aquilo que há de mais excelente, ela


45
pensa a si mesma, e seu pensamento é pensamento de pensamento.”

Portanto, Deus é eterno, imóvel, ato puro, isento de potencialidade e de

matéria, vida espiritual e pensamento de pensamento. Sendo isso, claro,

“não pode ter qualquer grandeza”, mas deve ser “sem partes e indivisível”.
46
Ademais, deve ser “impassível e inalterável”.

Unidade e multiplicidade do divino

Aristóteles pensou, porém, que Deus não era suficiente para explicar o

movimento de todas as esferas que, segundo ele, formavam o céu. Deus

move diretamente o primeiro móvel — o céu das estrelas fixas —, mas entre

essa esfera e a Terra há muitas outras esferas concêntricas, de grandezas

decrescentes e encerradas umas nas outras. O que move essas esferas?

Poderia haver duas respostas: ou elas se movem pelo movimento derivado

do primeiro céu, que se transmite mecanicamente de uma esfera a outra, ou

por outras substâncias suprassensíveis, imóveis e eternas, que se movem de

modo análogo ao do Primeiro Motor.

Aristóteles adotou a segunda solução. A primeira não poderia se

enquadrar na concepção de diversidade dos vários movimentos das

inúmeras esferas que, segundo as visões da astronomia da época, eram

diferentes e não uniformes. Portanto, não haveria modo de explicar como o


movimento do primeiro céu gerava diferentes movimentos, nem como o

poder de atração de um só Motor gerava movimentos circulares rotativos

em direção oposta. Essas são as razões pelas quais Aristóteles introduziu a

multiplicidade dos motores, pensados como substâncias suprassensíveis

capazes de mover de modo análogo ao de Deus, ou seja, como causas finais

(causas finais relativamente à esferas singulares).

Então, com base nos cálculos dos astrônomos Galipos e Eudoxo, com

algumas correções que julgou necessárias, Aristóteles estabeleceu que eram

55 as esferas, admitindo, porém, a possibilidade de que fossem 47. Quantas

fossem as esferas, tantas seriam as substâncias imóveis e eternas que

produzem seus movimentos. Deus ou o Primeiro Motor move diretamente

a primeira esfera e apenas indiretamente as demais. As outras 55 substâncias


47
suprassensíveis movem as outras 55 esferas.

Seria essa uma forma de “politeísmo”?

Para Aristóteles, assim como para Platão e para os gregos em geral, o

“Divino” designa uma ampla esfera, na qual, a títulos diversos, se incluem

múltiplas e diferentes realidades. Já para os fisiologistas, o “Divino” incluía

estruturalmente muitos entes. O mesmo vale para Platão: “divinas” são para

Platão as ideias do Bem e do Belo, e, em geral, todas as Ideias. “Divino” é o

“Demiurgo”; “divinas” são as almas; “divinos” são os astros e “divino” é o

mundo. De maneira análoga, para Aristóteles, “divino” é o Motor Imóvel,

“divinas” são as substâncias imóveis e suprassensíveis que movem os céus,

“divinos” são astros, estrelas, esferas, almas de esferas e astros, e “divina” é

também a alma intelectiva dos homens. Divino, em suma, é tudo aquilo que

é eterno e incorruptível. Os gregos não sentiam a antítese unidade-

multiplicidade do divino; portanto, não por acaso, a questão jamais havia

sido formulada nesses termos.

Mesmo partindo da premissa de que, dada a forma mentis dos gregos, a

existência de 55 substâncias suprassensíveis, além da Primeira, ou seja, além

do Motor Imóvel, devia parecer bem menos estranha que para nós, cabe

reconhecer que é inegável a tentativa de unificação por parte de Aristóteles.

Antes de mais nada, ele só denominou explicitamente Deus, em sentido

forte, o Primeiro Motor. No mesmo lugar em que está exposta a doutrina da

pluralidade dos motores Aristóteles reitera a unicidade do Motor Primeiro

— Deus em sentido próprio e verdadeiro —, e dessa unicidade deduz a

unicidade do Mundo. O décimo segundo livro da Metafísica, como se sabe,

termina com a solene afirmação de que as coisas não querem ser mal
governadas por uma multiplicidade de princípios. A assertiva se encerra,

como para lhe conferir solenidade ainda maior, com o significativo verso de

Homero:

De multicapitães não carecemos. Não é bom! Que um rei, um só, nos comande e

encabece.*

Diante disso, claro que Aristóteles não poderia deixar de conceber as

outras substâncias imóveis, que movem as esferas celestes singulares, como

hierarquicamente inferiores ao Primeiro Motor Imóvel. Sua hierarquia vem

a ser a mesma que a das ordens das esferas que movem os astros. Por isso

todas as 55 substâncias são inferiores ao Primeiro Motor e depois


48
hierarquizadas umas em relação às outras. Isso explica perfeitamente

como elas podem ser substâncias individuais diversas entre si; são formas

puras imateriais, uma inferior à outra. Contudo, de certa maneira, elas são

deuses inferiores.

No entanto, o Estagirita deixou completamente inexplicada a precisa

relação existente entre Deus e tais substâncias, e também entre as

substâncias e as esferas que elas movem. A Idade Média transformaria as

substâncias nas famosas “inteligências angélicas” motrizes, mas só

conseguiu operar a transformação em virtude do conceito de criação.

Deus e o mundo

Deus (ao falar em Deus estamos nos referindo ao Primeiro Motor), como

vimos, pensa e contempla a si mesmo. Ele pensa também o mundo e os

homens que estão no mundo?

Aristóteles não deu uma solução clara a esse problema, mas parece (pelo

menos em certa medida) que tendia para a negativa.

Sem dúvida, o Deus aristotélico tem conhecimento da existência do

mundo e de seus princípios universais. Por outro lado, se Deus é

propriamente esse princípio supremo, claro também que deve se

autoconhecer enquanto tal, ou seja, ele conhece a si mesmo como objeto de

amor e de atração do Universo como um todo.

É verdade, porém, que os indivíduos enquanto tais, ou seja, com suas

limitações, deficiências e pobreza, não são conhecidos por Deus; esse

conhecimento do imperfeito, aos olhos de Aristóteles, representaria uma

diminutio de Deus. Portanto, os indivíduos empíricos, segundo Aristóteles,

são indignos do pensamento divino justamente por sua empiricidade e


49
particularidade.
Outra limitação do Deus aristotélico — com o mesmo fundamento que a

anterior, de não ter criado o mundo, o homem, as almas singulares —

consiste no fato de que ele é objeto de amor, mas não ama (ou, no máximo,

ama somente a si mesmo). Os indivíduos, enquanto tais, não são de forma

alguma objeto do amor divino; Deus não se curva para os homens e menos

ainda para o homem singular. Cada homem, como cada coisa, tende de

vários modos a Deus, mas Deus, assim como não pode conhecer, também

não pode amar nenhum homem singular.

NOTAS
1. Cf. Reale, La “Metafísica”, i, p. 3 ss, e indicações bibliográficas nele incluídas.

2. As “substâncias separadas”, como diz Aristóteles. Em suma, a metafísica aristotélica é o

prolongamento do problema fundamental do platonismo.

3. Cf. Metaph. a, a e b.

4. Cf. Metaph. G, e 2-4, k.

5. Cf. Metaph. z, h, Q.

6. Cfr. Metaph. e 1 e L.

7. Cf. Reale, Il concetto di filosofia prima, passim.

8. Metaph. e 1, 1.026 a 27-29; k 7, 1.064 b 9-11.

9. Metaph. a 2.

10. Ibid. a 2, 983 a 10-11.

11. Cf. Metaph. a 3-10.

12. Metaph. G 2, 1.003 a 33-1.003 b 6.

13. Metaph. G 2, 1.003 b 5-10.

14. Para um aprofundamento dos problemas, cf. J. Owens, The Doctrine of Being in the Aristotelian

Metaphysics, Toronto, 1963.

15. Cf. Metaph. D 7, e 2-4; sobre essa “tábua”, cf. Reale, La “Metafisica”, v. i, p. 30 ss. O primeiro a

compreender e ilustrar adequadamente essa tábua dos significados foi F. Brantano no texto Von der

mannigfachen Bedeutung des Seieden nach Aristoteles, Freiburg, 1862 (Darnmstadt, 1960), até hoje

insuperável.

16. Além das oito indicadas, em alguns textos Aristóteles lista também o jazer e o ter como categorias.

A tábua essencial, no entanto, é aquela citada, pois a nona e a décima categorias são, na realidade,

dedutíveis das outras. Sobre o problema das categorias e de sua “dedução”, indicamos quatro

estudos clássicos, bastante aprofundados a partir de diferentes pontos de vista: F. A. Trendelenburg,

Geschichte der Kategorienlehre, Berlim, 1846; H. Bonitz, “Ueber die Kategorien des Aristóteles”,

Sitzungsber. d. Kais. Akad. d. Wissensch, Philos.-hist. Klasse, Bd. 10, Heft 5, Viena, 1853, p. 591-645;

O. Apelt., Die Kategorienlehre des Aristoteles, no v. Beiträge zur Geschichte der griech. Philos., Leipzig,

1891, p. 101-216, além do volume de Brentano citado na nota 15, p. 72-220.

17. Para um aprofundamento do problema, cf. Reale, La “Metafisica”, i, p. 34 ss.

18. Metaph. z 4, 1.030 a 21 ss.

19. Ibid., z 4, 1.030 a 32 ss; cf. acima os trechos citados em correspondência com as notas 12 e 13.

20. Cf. Metaph. z 3, 1.029 a 21 e a densa documentação sobre esse aspecto em Brentano, op. cit., p. 98

ss e passim.

21. Cf. Reale, La “Metafisica”, i, p. 41 ss.

22. Metaph. z 1, 1.008 b 2-7.


23. Ibid., z 2, passim.

24. Ibid., z 3, 1029 a 33 ss. Já no Protréptico, como vimos, Aristóteles havia estabelecido que, por

natureza (isto é, em si e por si), vem primeiro o inteligível, ontologicamente primeiro; para nós, ao

contrário, vem primeiro o sensível, ontologicamente segundo; o sensível é primeiro para nós porque

é justamente o ponto de onde partimos para conhecer: só chegamos ao inteligível depois, passando

pelo sensível.

25. Cf. Metaph. z 4-12, h 2-3 e Reale, op. cit., i, p. 572-621, e ii, p. 19-30.

26. Cf. Metaph. z 3.

27. Ibid., z e h, passim.

28. Cf. Reale, La “Metafísica”, i, p. 51 ss.

29. Metaph. z 17, 1.041 b 26.

30. E. Zeller, Die Philosophie der Griechen, ii, 2, Leipzig, 1921, p. 344 ss.

31. Cf. Metaph. z 7-9 e Reale, op. cit., i, p. 589-606.

32. Metaph. z 13-16 e Reale, op. cit., i, p. 621-634.

33. Cf. Metaph. z 17, 1.041 a 25 ss, 1.041 b 5 ss.

34. Cf. Metaph. z 17, 1.041 b 11-28.

35. Cf. Metaph. z 12, passim.

36. Metaph. z 3, 1.029 a 5-7.

37. Cf. Metaph. h e Q.

38. Cf. Metaph. L 6-8.

39. Cf. Metaph. Q 8, passim.

40. Cf. Metaph. L 6-7.

41. Metaph. L 7, 1.072 b 3.

42. Cf. Metaph. L 6, passim.

43. Metaph. L 7, 1.072 b 13-18, 24-30.

44. Metaph. L 7, 1.072 b 18-24.

45. Metaph. L 9, 1.074 b 34 ss.

46 Metaph. L 7, 1.973 a 5-13.

47. Metaph. L 8, passim.

48. Metaph. L 8, 1.073 b 1-3

49. Cf. Metaph. L 9, passim.

* Ilíada ii, 204-205, em Os nomes e os navios – Homero, Ilíada ii, trad. Haroldo de Campos e Odorico

Mendes. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1999. [n.t.]


III.

A “FILOSOFIA SEGUNDA”: ANÁLISE DA FÍSICA

Caracterização da física aristotélica

A segunda ciência teórica para Aristóteles é a física, ou “filosofia segunda”,

que tem como objeto de pesquisa a realidade sensível, intrinsecamente

caracterizada pelo movimento, assim como a metafísica tem como objeto a

realidade suprassensível, intrinsecamente caracterizada pela ausência


1
absoluta de movimento.

Depois das contribuições platônicas, a distinção de uma problemática

física impunha-se estruturalmente: se os planos da realidade são dois, ou,

para usar termos mais aristotélicos, se há dois gêneros de substâncias

estruturalmente distintos — o gênero suprassensível e o gênero sensível —,

então as ciências que têm como objeto de investigação essas duas realidades

diversas também deverão ser necessariamente diversas. A distinção entre

metafísica e física terá como consequência a superação definitiva do

horizonte da filosofia dos pré-socráticos e acarretará uma mudança radical

do antigo sentido de physis, que, além de significar a totalidade do ser, agora

irá significar também o ser sensível; “natureza” passará a significar, de modo

predominante, natureza sensível (mas um sensível no qual a forma continua


2
a ser o princípio dominante).

Na verdade, a palavra “física” pode induzir o leitor moderno ao erro: para

nós, a física identifica-se à ciência da natureza entendida à maneira

galileana, ou seja, quantitativamente. A posição de Aristóteles, ao contrário,

é diametralmente oposta; sua física não é uma ciência quantitativa da

natureza, mas uma ciência qualitativa; comparada à física moderna, a de

Aristóteles, mais que uma “ciência”, é uma “ontologia”, ou “metafísica” do

sensível. Estamos, portanto, diante de uma consideração tipicamente

filosófica da natureza; este, aliás, é o tipo de consideração que irá prevalecer

até a revolução realizada por Galileu. Por conseguinte, não deve ser motivo

de espanto o fato de encontrarem-se nos livros da Metafísica inúmeras

reflexões físicas (no sentido mencionado), e, vice-versa, nos livros da Física,

reflexões de caráter metafísico, pois os âmbitos das duas ciências se


intercomunicam estruturalmente; o suprassensível é causa e razão do

sensível, e tanto a investigação metafísica quanto (embora em sentido

diverso) a própria investigação física desembocam no suprassensível. Além

disso, também é idêntico o método de estudo aplicado às duas ciências, o

que, aliás, será demonstrado de forma adequada na exposição que se segue

(a qual, por razões de espaço, se limita a alguns temas de fundo, os mais

substantivos).

A mudança e o movimento

Dissemos que a característica essencial da natureza é dada pelo movimento,

e, por conseguinte, que Aristóteles dedica grande parte da Física à análise do

movimento e suas causas.

O que é o movimento?

Já sabemos que o movimento só se tornou problema filosófico depois que

foi negado, como aparência ilusória, pelos eleatas. Sabemos também que ele

foi recuperado e parcialmente justificado pelos pluralistas. Contudo,

ninguém, nem Platão, soube estabelecer qual eram sua essência e seu

estatuto ontológico.

Os eleatas haviam negado o devir e o movimento porque, segundo seu

ponto de vista, eles implicariam a existência de um não-ser (aquilo que vem

a ser passa, em geral, de um estado a outro, e cada um desses estados não é o

precedente nem o consequente; sendo assim, nascer e morrer seriam uma

passagem do não-ser absoluto ao ser e do ser ao não-ser absoluto), mas, na

verdade, o não-ser não existe de modo algum. Aristóteles chega à solução

dessa aporia da maneira mais brilhante.

Ora, o movimento é um dado de fato originário e, portanto, não pode ser

posto em dúvida. Mas como se justifica? Sabemos (pela metafísica) que o ser

tem muitos significados, e que um grupo desses significados origina-se da

dupla ser como potência e ser como ato. Em relação ao ser-em-ato, o ser-

em-potência pode ser chamado de não-ser, mais precisamente, de não-ser-

em-ato; mas claro que se trata de um não-ser relativo, pois a potência é real,

porque real é a capacidade e efetiva é a possibilidade de chegar ao ato. Sendo

assim, e atingindo o ponto que nos interessa, o movimento (e a mudança,

em geral) é a passagem do ser em potência ao ser em ato (o movimento é o ato


3
ou a atuação daquilo que é em potência enquanto tal, diz Aristóteles).

Portanto, o movimento não supõe efetivamente o não-ser de Parmênides,

pois se desenvolve no seio do ser e é passagem de ser (potencial) a ser (atual);


assim, o movimento perde definitivamente aquele caráter que poderíamos

denominar nulificante — que fazia com que os eleatas se vissem obrigados a

eliminá-lo — e é fundamentalmente explicado.

Mas Aristóteles ainda faz outras análises da questão do movimento que

são de importância capital; ele chega a estabelecer quais são todas as

possíveis formas de movimento e sua estrutura ontológica. Vamos nos

remeter ainda uma vez à distinção originária dos diversos significados do

ser. Vimos que potência e ato dizem respeito às várias categorias, não apenas

à primeira. Portanto, também o movimento, que é passagem da potência ao


4
ato, dirá respeito às várias categorias (todas as categorias ou as principais).

Assim, é possível deduzir as várias formas de mudança a partir da tábua de

categorias. Algumas categorias efetivamente não admitem mudança, como,

por exemplo, a categoria da relação, pois basta que um dos termos se mova

para que o outro, mesmo que não alterado, mude o significado relacional

(portanto, se admitíssemos movimento segundo a relação, admitiríamos o

absurdo de um movimento sem movimento para o segundo termo); as

categorias do agir e do sofrer são por si mesmas movimentos, e não é

possível movimento de movimento; enfim, também o quando, ou o tempo,

como vimos, é uma afecção do movimento. Restam as categorias 1)

substância, 2) qualidade, 3) quantidade, 4) lugar. E é exatamente segundo

essas categorias que ocorre a mudança. A mudança segundo a substância é a

geração e a corrupção; a mudança segundo a qualidade é a alteração; a

mudança segundo a quantidade é o aumento e a diminuição; e o movimento

segundo o lugar é a translação. Mudança é um termo geral que se aplica bem

a todas as quatro formas, mas movimento, ao contrário, é um termo que

designa as outras três, em particular a última.

Em todas as suas formas, o devir supõe um substrato (que é, aliás, o ser

potencial) que passa de um oposto a outro; na primeira forma, de um

contraditório a outro contraditório; nas outras três formas, de um contrário

a outro contrário. A geração é um assumir a forma; a alteração é uma

mudança da qualidade; o aumento e a diminuição são uma passagem de

pequeno a grande e vice-versa; o movimento local é passagem de um ponto

a outro ponto. Somente os compostos (os sínolos) de matéria e forma

podem mudar, pois apenas a matéria implica potencialidade; a estrutura

hilemórfica da realidade sensível, que implica necessariamente matéria e


5
potencialidade, é, portanto, a raiz de cada movimento.
Essas considerações nos levam, assim, ao problema das quatro causas que

já conhecemos. Matéria e forma são causas intrínsecas do devir. A causa

externa, por sua vez, é o agente, ou causa eficiente; nenhuma mudança tem

lugar sem essa causa, pois não pode haver passagem da potência ao ato sem

que haja um motor já em ato. Por fim, a causa final é o escopo e a razão do

devir. Essa causa indica substancialmente o sentido positivo de cada devir.

Para Aristóteles, trata-se fundamentalmente de uma progressão para a

forma e de uma realização da forma. Longe de ser a porta de entrada para o

nada, o devir, segundo Aristóteles, é a via que leva à plenitude do ser, a via

que as coisas percorrem para se atualizar, para ser plenamente o que são,

para realizar sua essência ou forma (nesse sentido, é fácil compreender por
6
que a physis aristotélica é, em última análise, essa forma).

Constata-se, a propósito disso, que a teleologia aristotélica é falha, não

pelas limitações que Aristóteles opera expressamente em alguns dos famosos


7
trechos da Física, mas por não apresentar solução para a aporia metafísica

de fundo, segundo a qual o mundo existe não por um desígnio do Absoluto,

mas por um anseio quase mecânico e fatal de todas as coisas pela perfeição,

intuído e afirmado pelo Estagirita, mas não rigorosamente justificado. Sobre

a razão de fundo do finalismo universal, o último Platão, com a doutrina do

Demiurgo, no Timeu, enxergou mais longe: na verdade, ou se admite um ser

que projeta o mundo e que o faz ser em função do bem e do melhor ou o

finalismo universal não se sustenta.

O espaço e o vazio

Ligados ao conceito do movimento surgem os conceitos de espaço e de


8
vazio. Os objetos não estão no não-ser, que não existe, mas em um onde, ou

seja, em um lugar que, por conseguinte, é algo que existe. Não resta dúvida

de que o lugar existe e é uma realidade, tendo em mente o deslocamento

recíproco dos corpos (no recipiente onde a água está agora, quando ela sai,

entra o ar; em geral, um corpo diverso vem sempre tomar o mesmo lugar

ocupado pelo corpo retirado, substituindo-o); “[...] portanto, claro que o

lugar também é algo, e que a parte de espaço para a qual e da qual se verifica
9
a mudança dos dois elementos é algo distinto de ambos”. Além disso, a

experiência mostra que existe um “lugar natural” para o qual cada um dos

elementos tende quando não encontra obstáculo: fogo e ar tendem para o

alto, terra e água, para baixo. Alto e baixo não são algo relativo a nós, mas

são objetivos, são determinações naturais; “[...] o alto não é uma coisa
qualquer, é para onde se dirigem o fogo e o leve, e, da mesma forma, o baixo

não é uma coisa qualquer, é para onde vão as coisas pesadas e feitas de
10
terra”.

O que é, então, o “lugar”? Aristóteles chegou a uma primeira

caracterização ao distinguir o lugar que é comum a muitas coisas daquele

que é próprio a cada objeto: “[...] o lugar é, por um lado, algo comum em

que todos os corpos estão; por outro, é o lugar particular em que um corpo

está imediatamente, [...] e se o lugar é aquilo que contém imediatamente


11
cada corpo, ele constituirá então um determinado limite”. Adiante,

Aristóteles determina que “[...] o lugar é aquilo que contém aquele objeto

do qual é lugar, e não é nada da coisa mesma que contém”. Juntando as

duas caracterizações, o lugar é “[...] o limite do corpo continente, à medida


12
que é contíguo ao conteúdo”. Por último, Aristóteles afirma ainda que o

lugar não deve ser confundido com o recipiente: o primeiro é imóvel

enquanto o segundo é móvel. Poderíamos dizer que, em certo sentido, o

lugar é o recipiente imóvel, ao passo que o recipiente é um lugar móvel:

[...] assim como o vaso é um lugar transportável, o lugar também é um vaso que não se

pode transportar. Por isso, quando alguma coisa que está dentro de outra coisa se

move e se transforma numa coisa móvel, como um barquinho em um rio, ela utiliza

aquilo que a contém antes como um vaso que como um lugar. O lugar, ao contrário,

precisa ser imóvel; por isso o rio inteiro é antes lugar, pois o inteiro é imóvel. Portanto,

13
o lugar é o primeiro limite imóvel do continente.

Essa definição tornou-se famosa, e os filósofos medievais a fixaram na

renomada fórmula terminus continentis immobilis primus.

A definição do lugar tem como consequência o fato de que é impensável

um lugar fora do Universo, e que não há um lugar em que o Universo esteja

situado:

[...] quando se prescinde do Universo inteiro, não há nenhuma outra coisa fora do

todo; por isso todas as coisas estão no céu, pois se entende que o céu é o todo! O lugar,

ao contrário, não é o céu, mas, por assim dizer, a extremidade do céu, e ele é [limite

imóvel] contíguo ao corpo móvel; por isso a terra está na água, que está no ar, que por

14
sua vez está no éter, o éter do céu; mas o céu não é, na verdade, uma outra coisa.

Assim, o movimento do céu como totalidade só será possível num

sentido: o da circularidade sobre si mesmo, não havendo possibilidade de

translação. Note-se que tudo que se move está em um lugar (e se move

tendendo a chegar a seu lugar natural); aquilo que é imóvel não está em um

lugar; portanto, Deus e as inteligências motrizes não necessitam

estruturalmente do lugar.
Dessa definição de lugar deriva também a impossibilidade do vazio. O

vazio era entendido como “lugar em que não há nada”, ou “lugar


15
desprovido de corpo”. Mas é evidente que, dada a definição de lugar como

terminus continentis, um lugar em que não há nada é uma contradição em

termos. Dessa forma, desaparece o pressuposto axial sobre o qual os

atomistas construíram sua doutrina dos átomos e a concepção mecanicista

do Universo.

O tempo

Aristóteles dedicou análises aprofundadas ao conceito de tempo. Elas

antecipam até alguns conceitos que santo Agostinho iria desenvolver e


16
celebrizar.

Eis o ponto focal da doutrina aristotélica do tempo:

Seria possível suspeitar que o tempo simplesmente não existe, ou que sua existência é

obscura e com dificuldade observável pelo seguinte motivo: uma parte dele foi e não é

mais, uma parte está para ser e não é ainda. E dessas partes se compõem o tempo em

sua infinitude ou aquele que percebemos gradualmente. Pode parecer impossível que,

compondo-se de não-entes, ele possua uma essência. Além disso, se há um todo

divisível em partes, a partir do momento em que ele existe, é necessário que todas as

partes existam também, ou pelo menos algumas delas. No entanto, algumas partes do

tempo existiram, outras estão para existir, mas nenhuma existe, embora ele seja

divisível em partes. Deve-se ter presente também que o instante não é uma parte; de

fato, a parte tem uma medida, e o todo deve ser composto de partes, enquanto o

17
tempo não parece um conjunto de instantes.

O que é, então, o tempo? Aristóteles tenta resolver o mistério em função

de dois pontos de referência: o movimento e a alma. Quando se prescinde de

um ou do outro, a natureza do tempo nos escapa.

Entretanto, o tempo não é movimento e mudança, mas implica

essencialmente movimento e mudança:

A existência do tempo [...] não é possível sem a existência da mudança; quando não

mudamos nada em nosso ânimo, ou não percebemos nenhuma mudança, temos a

18
impressão de que o tempo realmente não passou.

Como o tempo está em estreita relação com o movimento, ele pode ser

tomado como uma afecção ou propriedade deste. Que propriedade seria

essa? O movimento, que sempre é movimento por um espaço contínuo, por

conseguinte, é contínuo; portanto, igualmente contínuo deve ser o tempo,

pois a quantidade do tempo transcorrido é sempre proporcional ao

movimento. No contínuo distinguem-se o antes e o depois, que, por


conseguinte, têm um correspondente no movimento, e, portanto, no

tempo. Ora,

[...] quando determinamos o movimento por meio da distinção entre antes e depois,

conhecemos também o tempo. Então dizemos que o tempo cumpre seu percurso

19
quando temos a percepção do antes e do depois no movimento.

Daí a célebre definição: “Tempo é o número do movimento segundo o


20
antes e o depois.”

Ora, a “percepção” do antes e do depois, e, portanto, do número do

movimento, pressupõe necessariamente a alma:

Quando [...] pensamos as extremidades como diferentes do meio, e a alma nos sugere

que os instantes são dois, ou seja, o antes e o depois, então dizemos que entre esse dois

instantes há um tempo, já que o tempo parece aquilo que é determinado pelo instante;

21
que isso permaneça como fundamento.

Mas se a alma é o princípio espiritual numerante, e, portanto, a condição

de distinção entre o numerado e o número, então a alma passa a ser a

conditio sine qua non do próprio tempo, e compreende-se perfeitamente a

aporia que Aristóteles sugere nessa passagem de incomensurável

importância histórica:

É possível [...] questionar se o tempo existe ou não sem a existência da alma. Com

efeito, não se admitindo a existência do numerante, fica impossível também a do

numerável, de modo que, obviamente, nem haveria o número. Na verdade, número é

aquilo que foi numerado, ou o numerável. Mas se é verdade que, na natureza das coisas,

apenas a alma ou o intelecto que está na alma têm a capacidade de numerar, daí resulta

22
impossível a existência do tempo sem a existência da alma.

Trata-se de um pensamento fortemente antecipador da perspectiva

agostiniana e das concepções espiritualistas do tempo, que só recentemente

recebeu dos estudiosos a aten-ção merecida.

Aristóteles determinou em seguida que, para medir o tempo, deve haver

uma unidade de medida, assim como é necessária uma unidade de medida

para mensurar qualquer coisa. Deve-se buscar tal unidade no movimento

uniforme e perfeito; e posto que o único movimento uniforme e perfeito é o

circular, a unidade de medida é o movimento das esferas e dos corpos

celestes. Deus e as inteligências motoras, que estão fora do espaço, estão

também, em sua condição de imobilidade, fora do tempo.

O infinito
23
Enfim, devemos falar do conceito de infinito. Aristóteles nega que exista

um infinito em ato. Quando fala de infinito, entende sobretudo “corpo”

infinito, e os argumentos que apresenta contra a existência do infinito em

ato são precisamente contra a existência de um corpo infinito. O infinito

existe apenas como potência ou em potência. Infinito em potência é, por

exemplo, o número, pois sempre é possível acrescentar a qualquer número

outro número sem chegar a um limite extremo além do qual não se possa

avançar. Infinito em potência é também o espaço, pois ele é divisível ao

infinito, e o resultado da divisão é sempre uma grandeza que, enquanto tal,

é sempre posteriormente divisível. Infinito potencial, por fim, é também o

tempo, pois não pode existir todo junto em ato, mas se desenvolve e cresce

infinitamente.

Aristóteles não entreviu nem de longe a ideia de que o infinito pudesse ser

o imaterial, justamente porque relacionava o infinito à categoria da

quantidade, que vale apenas para o sensível. Isso explica também por que ele

acabou por referendar de modo definitivo a ideia pitagórica (e, em geral,

própria de quase todo o pensamento helênico) de que o finito é perfeito e o

infinito é imperfeito. Escreve Aristóteles em uma página paradigmática:

Infinito é [...] aquilo fora do qual, quando se assume como quantidade, sempre é

possível assumir alguma outra coisa. Em contrapartida, aquilo fora do qual não há

nada é perfeito e inteiro. Pois assim definimos o inteiro: aquilo a que nada falta; por

exemplo, o homem inteiro e o cofre inteiro. Assim como no particular, ele o é também

no mais autêntico significado lógico, ou seja, inteiro é aquilo fora do qual não há nada;

mas aquilo fora do qual há alguma coisa que lhe falta não é o todo, não importa o que

lhe falte. Em contrapartida, o inteiro e o perfeito são a mesma coisa em tudo e por

tudo, ou alguma coisa semelhante por natureza. Contudo, nenhuma coisa que não

24
tenha um fim é perfeita, e o fim é o limite.

Essa passagem permite compreender muito bem a razão pela qual

Aristóteles deve necessariamente negar a Deus o atributo de infinitude. Mais

que nunca, depois dessa teorização do infinito como potencialidade e

imperfeição, a antiga intuição dos jônicos, de Melisso e de Anaxágoras, em

que o Absoluto era infinito, teria de ser obliterada; ela se manteria

excêntrica em relação ao pensamento de toda a cultura grega, e teve de

esperar a descoberta de novos horizontes metafísicos para renascer.

A “quinta-essência” e a divisão entre mundo sublunar e mundo celeste

Aristóteles dividiu a realidade sensível em duas esferas nitidamente

diferenciadas entre si (já na época do tratado Sobre a filosofia): de um lado, o


mundo sublunar; do outro, o mundo supralunar, ou celeste, como

mencionamos ao falar de metafísica. Agora cabe esclarecer as razões dessa

distinção.

O mundo sublunar é caracterizado por todas as formas de mudança, entre

as quais predominam a geração e a corrupção. Os céus, ao contrário, são

caracterizados exclusivamente pelo movimento local e, de forma mais exata,

pelo movimento circular. Nas esferas celestes e nos astros não há lugar para

geração, corrupção, alteração, aumento ou diminuição (em todas as idades,

os homens viram os céus assim como nós o vemos; portanto, a própria

experiência diz que eles são sempre iguais e nos leva a concluir que jamais

nasceram; e, assim como nunca nasceram, são também indestrutíveis). A

diferença entre esfera supralunar e esfera sublunar, ambas igualmente

sensíveis, reside apenas na matéria diversa de que são constituídas:

Se existe algo que é eternamente movido, nem mesmo isso pode ser movido segundo a

potência, mas apenas de um ponto a outro (justamente como se movem os céus). E

nada impede que exista uma matéria própria desse tipo de movimento. Por isso o Sol,

os astros e todo o céu estão sempre em ato; não se deve temer que eles parem em

algum momento, como temem os físicos. Eles também não se cansam de percorrer sua

rota, pois seu movimento não é, como o das coisas corruptíveis, ligado à potência dos

25
contrários, o que tornaria fatigante a continuidade do movimento.

Essa matéria, que é potência dos contrários, é dada pelos quatro elementos

(terra, água, ar e fogo), que Aristóteles, contra o eleata Empédocles,

considera transformáveis um no outro, de maneira a explicar a geração e a

corrupção de modo mais profundo que aquele filósofo. Por outro lado, a

outra matéria — que possui apenas a potência de passar de um ponto a

outro, e que, portanto, só pode receber o movimento local — é o éter, assim


26
chamado porque corre sempre (ajei; Jei~n) e que recebeu a denominação

de “quinta substância” porque vem se somar às quatro substâncias dos

outros elementos (água, ar, terra e fogo). Enquanto o movimento

característico dos outros quatro elementos é retilíneo (os pesados movem-se

de cima para baixo, os leves, de baixo para cima), o movimento do éter, ao

contrário, é circular (ele não é nem pesado nem leve). Não está sujeito a

geração, corrupção, nem a acréscimo e alteração ou outras afecções que

impliquem tais mudanças; é por esse motivo que os céus, constituídos por

ele, também são incorruptíveis. Essa convicção de Aristóteles iria perdurar

ao longo de todo o pensamento medieval, e a distinção entre mundo

sublunar e mundo supralunar só viria abaixo, com o pressuposto que a

sustentava, com a chegada da era moderna.


Dissemos no início que a física aristotélica (assim como grande parte de

sua cosmologia) é, na verdade, uma metafísica do sensível. Portanto, o leitor

não deve se espantar ao constatar que a Física está cheia de considerações

metafísicas e culmina com a demonstração da existência de um Motor

Primeiro Imóvel. Radicalmente convencido de que “se não houvesse o

eterno, não haveria sequer o devir”, o Estagirita coroou suas investigações

físicas com a demonstração da existência desse princípio. Mais uma vez, o

resultado da “segunda navegação”, de que Platão fala em Fédon, se mostra


27
absolutamente determinante.

NOTAS
1. Cf. Metaph. e 1, 1.025 b 18 ss.

2. Sobre o conceito aristotélico de natureza, cf. O. Hamelin, Aristote, “Physique ii”, Paris, 1931; e A.

Mansion, Introduction à la “Physique” aristotélicienne, Louvain/Paris, 1945, p. 92 ss.

3. Cf. Phys. G 1, 201 a 10 ss; Metaph. k 9, 1.065 b 33.

4. Cf. Phys. G 1-2; Metaph. k 9.

5. Cf. Phys. a 5 ss; e 1-2.

6. Cf. Phys. b., em parte 7-8.

7. Phys. b 4-6, sobre o qual cf. Mansion, op. cit., p. 292-314.

8. Cf. Phys. D, passim.

9. Phys. D 1, 208 b 6 ss. A tradução dos trechos citados é de A. Russo. Aristóteles, La Fisica, Laterza,

Bari, 1968 (agora também em Aristóteles, Opere, Roma/Bari, 1973).

10. Phys. D 1, 208 b 19-21.

11. Phys. D 2, 209 b 31 ss.

12. Phys. D 4, 211 a 34 ss e 212 a 5 ss.

13. Phys. D 4, 212 a 14-21.

14. Phys. D 5, 912 b 16-22.

15. Phys. D 7, 213 b 31 e 33.

16. Temos um exame exaustivo da doutrina aristotélica do tempo em J.-M. Dubois, Le temps et

l’instant selon Aristote, Paris, 1967. Cf. também L. Ruggiu, Tempo coscienza e essere nella filosofia di

Aristote, Brescia, 1968.

17. Phys. D 10, 218 b 32-218 a 8.

18. Phys. D 11, 218 b 21-23.

19. Phys. D 11, 219 a 22-25.

20. Phys. D 11, 219 b 1 ss.

21. Phys. D 11, 219 a 26-30.

22. Phys. D 14, 223 a 21-26 (grifo nosso).

23. Cf. Phys. G 4-8.

24. Phys. G 6, 207 a 7-15.

25. Metaph. Q 8, 1.050 b 20-27.

26. De caelo a 3, 270 b 22 ss.

27. Para uma interpretação moderna da física aristotélica, em grande parte antitética à nossa, ver W.

Wieland, Die aristotelische Physik, Göttingen, 1962.


IV.

A PSICOLOGIA: ANÁLISE DE DE ANIMA

Conceito aristotélico de alma

A física aristotélica não indaga apenas a natureza em geral e seus princípios,

o Universo físico e sua estrutura, mas também os seres que estão no

Universo: os inanimados, os animados desprovidos de razão e os seres

animados e dotados de razão (o homem). O Estagirita dedica atenção

especial aos seres animados, escrevendo sobre eles uma grande quantidade

de tratados, entre os quais se destaca, por profundidade, originalidade e

valor especulativo, o célebre Sobre a alma, que examinaremos a seguir (a

maior parte dos outros tratados contém doutrinas que interessam mais à
1
história da ciência que à história da filosofia).

Os seres animados se diferenciam dos inanimados porque possuem um

princípio que lhes dá vida. Esse princípio é a alma. Mas o que é a alma?

Para responder à pergunta, Aristóteles toma como base sua concepção

metafísica hilemórfica da realidade. Todas as coisas em geral são sínolos de

matéria e de forma; a matéria é potência, enquanto a forma é enteléquia, ou

ato. Isso também vale para os seres vivos. Ora, observa o Estagirita, os

corpos vivos têm vida, mas não são vida; portanto, são como um substrato

material e potencial do qual a alma é forma e ato. Escreve Aristóteles:

Necessariamente, portanto, a alma é substância, entendida como forma de um corpo

natural que tem vida em potência. Mas a substância (entendida como forma) é ato

2
perfeito. A alma, portanto, é ato perfeito de um corpo do gênero especificado.

E ainda:

3
[...] a alma é ato perfeito primeiro de um corpo natural que tem vida em potência. [...]

Posto que devemos dar uma definição geral válida para toda alma, ela poderia ser o ato

4
perfeito primeiro de um corpo natural orgânico.

Essa simples definição já deixa bem claro que a psyché aristotélica

apresenta características novas, seja em relação à psyché dos pré-socráticos,

identificada em grande parte com o princípio físico, ou pelo menos

reduzida a um aspecto deste, seja em relação à psyché platônica, tão

dualisticamente contraposta ao corpo a ponto de ser vista como diversa e


incapaz de conciliação harmônica com um corpo, visto como cárcere e local

de expiação da alma. (Depois do Fédon, Platão passará a entender a alma

como princípio de movimento, temperando, mas não superando de todo,

sua posição original). Aristóteles assume uma posição intermediária,

unificando os dois primeiros pontos de vista, tentando fazer deles uma

síntese mediadora — como, aliás, na solução de todos os problemas

especulativos. Têm razão os pré-socráticos, que veem a alma como algo

intrinsecamente ligado ao corpo; mas Platão está certo quando identifica na

alma um princípio formal. Não se trata, porém, de uma realidade autônoma

e não conciliável com o corpo, mas da forma, do ato ou da enteléquia do

corpo; trata-se, portanto, daquele princípio inteligível que, estruturando o

corpo, faz com que ele seja aquilo que deve ser. Desse modo, salva-se a

unidade do ser vivente.

Mas, assim como foi recuperada na metafísica pela doutrina do Motor

Imóvel, a substancial descoberta platônica da transcendência também não se

perde na psicologia, dado que Aristóteles não considera a alma

absolutamente imanente. O pensar puro, o especular que leva ao

conhecimento do imaterial e do eterno (que leva o homem, ainda que por

breves instantes, a quase tangenciar o divino), não pode deixar de ser uma

prerrogativa de alguma coisa em nós que é congênere ou tem afinidade com

o conhecido, como Platão havia demonstrado de maneira definitiva no

Fédon. Assim, mesmo pagando o preço das aporias sem solução, Aristóteles

não hesita em afirmar a necessidade de que uma parte da alma seja

“separável” do corpo.

Eis as passagens mais significativas a respeito disso:

É claro, portanto, que a alma não é separável do corpo, ou, pelo menos — se por

natureza ela é divisível —, que algumas de suas partes não o são; o ato perfeito de

algumas de suas partes é o ato perfeito das correspondentes partes do corpo. Mas nada

impede que pelo menos algumas outras partes sejam separáveis, pois não são ato

5
perfeito de nenhum corpo.

E um pouco mais adiante:

Em relação ao intelecto e à faculdade especulativa, em certo sentido, nada é claro;

parece, contudo, que se trata de outro gênero de alma, e que esse gênero só pode se

separar do corpo como o eterno do corruptível. Daí resulta que as outras partes da

6
alma não podem ser separadas, como pretendem alguns pensadores.

Também na Metafísica, ele diz claramente, como já sabemos:


Se, ademais, resta alguma coisa depois da corrupção da substância composta, este é um

problema que ainda precisa ser examinado. Nada o impede para alguns seres, como

por exemplo a alma: não a alma toda, mas apenas a alma intelectiva; toda, seria

7
impossível.

A tripartição da alma

Contudo, para entender profundamente o sentido dessas afirmações,

cumpre examinar primeiro a doutrina geral da alma e o sentido da célebre

tríplice distinção das “partes” ou “funções” da alma. Platão já havia

mencionado, desde a República, três “partes” ou “funções” da psyché,

distinguindo uma alma concupiscível, uma alma irascível, uma alma

intelectiva. Mas essa tripartição, nascida fundamentalmente da análise do

comportamento ético do homem e introduzida para explicá-lo, pouco tem

em comum com a tripartição aristotélica, que nasceu, ao contrário, da

análise geral dos seres vivos e de suas funções, portanto, num terreno mais

biológico que psicológico.

Como os fenômenos da vida — raciocina Aristóteles — supõem

determinadas operações constantes nitidamente diferenciadas (a tal ponto

que algumas podem subsistir em alguns seres sem as que lhes são

sucessivas), então a alma, que é princípio de vida, também deve ter

capacidades, funções ou partes que governam e regulam essas operações.

Pois bem, como os fenômenos e as funções fundamentais da vida são: a) de

caráter vegetativo, como nascimento, nutrição, crescimento; b) de caráter

sensitivo motor, como sensação e movimento; c) de caráter intelectivo, como

conhecimento, deliberação e escolha — e são assim pelas razões antes

expostas —, Aristóteles introduz a distinção entre: a) alma vegetativa; b)

alma sensitiva; c) alma intelectiva, ou racional. Escreve o Estagirita: “As

mencionadas faculdades da alma podem ser encontradas [...] em sua

totalidade em alguns seres, em outros, apenas em parte, e em outros, ainda,


8
em número de uma só.” As plantas possuem apenas a alma vegetativa; os

animais, a vegetativa e a sensitiva; os homens, a vegetativa, a sensitiva e a

racional. Para possuir a alma racional, o homem deve possuir as outras

duas, assim como o animal, para possuir a sensitiva, deve possuir a

vegetativa. Mas é possível possuir apenas a alma vegetativa, sem as demais:

Entre os seres corruptíveis, aqueles que são dotados de razão possuem também todas as

outras faculdades; mas, ao contrário, entre aqueles que possuem apenas uma delas,

nem todos possuem a faculdade de raciocinar, e alguns não têm sequer imaginação,
enquanto outros vivem apenas com ela. No que diz respeito ao intelecto especulativo, o

9
raciocínio é diferente.

Portanto, entre as três almas há antes uma distinção que uma separação.

Escreve Ross:

[...] a divisão que a alma admite não é uma divisão em partes qualitativamente

diferentes, mas em partes que possuem, cada uma delas, a qualidade do todo. Embora

Aristóteles não diga isso, a alma é de fato homeômera, como um tecido, não como um

órgão. E embora use com frequência a expressão tradicional “parte da alma”, a palavra

10
que prefere é “faculdade”.

Observação exata. Porém, como veremos, se por um lado esclarece

algumas coisas, por outro acentua a aporia de outras; em particular, torna

aporética a relação da alma intelectiva com as demais. Aliás, é o próprio

Aristóteles quem enfatiza, na passagem citada, que a questão é diferente

quando se trata do intelecto especulativo.

Examinemos cada uma das três funções da alma.

A alma vegetativa

A alma vegetativa é o princípio mais elementar da vida; como os fenômenos

mais elementares da vida, conforme já dissemos, são geração, crescimento e

nutrição, a alma vegetativa é o princípio que os governa. Fica assim

nitidamente superada a explicação que os naturalistas davam para os

processos vitais. A causa do crescimento não é o fogo, nem o calor, nem a

matéria, em geral; o fogo e o calor são no máximo causas contribuintes, não

a verdadeira causa. Em todo processo de nutrição e de crescimento está

presente uma regra ou lei que proporciona grandeza e crescimento, coisa de

que o fogo é estruturalmente incapaz, e que seria inexplicável sem algo além

do fogo, isto é, sem a alma. Assim, também é impossível explicar o

fenômeno da nutrição pelo jogo mecânico de relação entre elementos

semelhantes (como queriam alguns) ou entre certos elementos contrários; a

nutrição é a assimilação do dessemelhante que só a alma torna possível, por

meio do calor:

Posto que há três coeficientes — aquilo que é nutrido, aquilo de que se nutre e aquilo

que o nutre —, aquilo que nutre é a alma, aquilo que é nutrido é o corpo que possui

11
essa alma, aquilo de que se nutre é o alimento.

Por fim, a alma vegetativa governa a reprodução, alvo de todas as formas

de vida finita no tempo. Na verdade, toda forma de vida, até a mais

elementar, é feita para a eternidade, não para a morte. Mesmo o mais


modesto dos vegetais, ao se reproduzir, busca o eterno, e a alma vegetativa é

o princípio que torna possível, no nível mais baixo, a perpetuação na

eternidade.

A alma sensitiva

Além das funções examinadas no item anterior, os animais possuem

sensações, apetites e movimento. Portanto, é preciso supor outro princípio

que governe tais funções; esse princípio é a alma sensitiva.

Vamos começar pela primeira função da alma sensitiva: a sensação, que,

entre as três, em certa medida, é a mais importante e, sem dúvida, a mais

característica.

Alguns dos antecessores de Aristóteles explicavam a sensação como uma

afecção, paixão ou alteração que o semelhante sofre por obra do semelhante

(ver, por exemplo, Empédocles ou Demócrito), ao passo que outros a viam

como uma ação que o semelhante sofre por obra do dessemelhante.

Aristóteles toma essas formulações como ponto de partida e vai além,

buscando mais uma vez a chave para interpretar a sensação na doutrina

metafísica da potência e do ato. Possuímos faculdades sensitivas que não são

capazes de receber sensações em ato, apenas em potência. Elas são como o

combustível, que só queima em contato com o comburente. Assim, a

faculdade sensitiva, em contato com o objeto sensível, deixa de ser simples

capacidade de sentir para se transformar em sentir em ato.

Todo ente sofre e é movido pela ação de um agente e do agente que está em ato. Por

isso tanto sofre a ação do semelhante quanto sofre a ação do dessemelhante — como

afirmamos. Na realidade, ele sofre a ação do dessemelhante, mas, depois de tê-la

12
sofrido, torna-se semelhante.

E ainda:

A faculdade sensitiva é, em potência, aquilo que o sensível já é em ato perfeito,

conforme dissemos. Ela sofre, portanto, porque não é semelhante; mas, uma vez que

13
sofreu sua ação, torna-se semelhante e é como ele.

Por isso diz muito bem Ross:

A sensação não é uma alteração comparável à simples substituição de um estado por

seu oposto, mas à realização de uma potência, ao avanço de alguma coisa para si

14
mesma e para a atuação.

Mas — perguntaremos — o que significa afirmar que a sensação é um

tornar-se semelhante ao sensível? Não se trata, evidentemente, de um

processo de assimilação parecido com o que tem lugar na nutrição; na


assimilação da nutrição, assimila-se também a matéria, enquanto na

sensação só a forma é assimilada. Escreve Aristóteles:

Para qualquer percepção em geral, é preciso ter presente que o sentido é o receptáculo

das formas sensíveis sem a matéria, como a cera recebe a marca do anel, mas não o

ferro e o ouro, ou seja, recebe a marca áurea e férrea, mas não como ouro e ferro. De

maneira análoga, o sentido sofre a ação de cada ente que tem calor, sabor ou som,

porém, não quando se considera cada um desses entes como coisa particular, mas

15
apenas enquanto ele possui essa qualidade, e em virtude da forma.

Em seguida, o Estagirita examina os cinco sentidos e os sensíveis que são

próprios a cada um deles. Quando um sentido capta o sensível próprio,

então a relativa sensação é infalível. Além dos sensíveis próprios, há também

os sensíveis comuns, como movimento, repouso, figura e grandeza, por

exemplo, que não são percebidos por nenhum dos cinco sentidos em

particular, mas podem ser percebidos por todos:

[...] não pode haver um órgão sensorial próprio dos sensíveis comuns, que percebemos

acidentalmente, a cada sensação particular; esses são movimento, repouso, grandeza,

número, unidade, que percebemos por meio de um movimento; por um movimento

percebemos, por exemplo, uma grandeza, e portanto uma figura, pois a figura é uma

determinada grandeza, enquanto o ente em repouso é percebido por sua falta de

movimento; o número, pela negação da continuidade e por meio dos sensíveis

16
próprios, dado que cada sentido percebe uma só ordem de sensíveis.

Tendo em mente esses esclarecimentos, pode-se falar de um “sentido

comum” (e Aristóteles efetivamente fala), que é como um sentido “geral”

não específico, ou, melhor, é o sentido que age de maneira não específica,

como os estudiosos observaram com propriedade. Em primeiro lugar, na

passagem citada, percebe-se muito bem que a sensação capta os sensíveis

comuns de modo não específico. Além disso, sem dúvida, pode-se falar de

sentido comum a propósito do sentido do sentir ou da percepção do sentir,

ou ainda quando distinguimos ou comparamos os sensíveis entre si.

Com base nessas distinções, Aristóteles estabelece que os sentidos são

infalíveis quando captam os objetos que lhes são próprios, mas apenas nesse

caso. Eis o famoso trecho que formula essa doutrina:

A percepção dos sensíveis próprios é verdadeira ou comporta o mínimo possível de

erro. Em segundo lugar vem a percepção do objeto em que tais qualidades sensíveis se

inserem acidentalmente; nesse caso, o engano já é possível, dado que ninguém se

engana ao distinguir que o sensível é branco, mas pode se enganar ao distinguir se

branco é um determinado ente ou outro. Em terceiro lugar vem a percepção dos

sensíveis comuns, [...] e cito, por exemplo, movimento e grandeza; é sobretudo a

17
respeito deles que o sentido pode se enganar.
Da sensação derivam a “fantasia”, que é produção de imagens, e a

“memória”, que as conserva (e do acúmulo de fatos mnemônicos deriva a

“experiência”).

As outras duas funções da alma sensitiva que mencionamos no início

deste item são o apetite e o movimento. O apetite nasce em consequência da

sensação:

As plantas só possuem a faculdade nutritiva; outros seres, ao contrário, possuem, além

dela, a sensitiva. Mas, se possuem a sensitiva, têm também a apetitiva, pois apetite é

desejo, ardor e vontade. Todos os animais têm pelo menos um sentido: o tato; por

outro lado, onde há sensação, há prazer e dor, há prazeroso e doloroso, e quem os

18
sente tem também o desejo, que é o apetite do prazeroso.

O movimento dos seres viventes, enfim, deriva do desejo: “O motor é um


19
princípio único: a faculdade apetitiva”, e o desejo é “uma espécie de
20
apetite”. O desejo é movido pelo objeto desejado que o animal capta pela

sensação ou que, de todo modo, se apresenta de forma sensível. Portanto,

apetite e movimento dependem intimamente da sensação.

A alma racional

Como a sensibilidade não é redutível à simples vida vegetativa e ao princípio

da nutrição, mas contém um plus que só pode ser explicado quando se

introduz um princípio ulterior, ou seja, a alma sensitiva, também o

pensamento e as operações a ele ligadas, como a escolha racional, são

irredutíveis à vida sensitiva e à sensibilidade, pois contêm um plus que só se

explica com a introdução de um princípio ulterior: a alma racional. É dela

que falaremos agora.

O ato intelectivo é análogo ao ato perceptivo à medida que é uma

recepção ou assimilação de formas inteligíveis, assim como esse último é

uma assimilação da forma sensível, mas difere profundamente da faculdade

perceptiva, pois não é misturado ao corpo e ao corpóreo. Eis o modo como

Aristóteles caracteriza o intelecto, numa das mais elevadas páginas que

jamais brotaram de sua pena, na qual a antiga intuição de Anaxágoras ganha

forma definitiva — graças às categorias emprestadas de Platão — e, por

conseguinte, é assimilada como uma conquista irreversível.

Sobre a parte com a qual a alma conhece e pensa — seja ela algo separado ou não

separável espacialmente, mas apenas idealmente —, é preciso ver quais características

possui e como se produz o pensar. Ora, se o pensar tem algo a ver com o sentir, isso

deve ser o fato de sofrer algo por parte do pensado, ou alguma coisa do gênero. Mas

então, a rigor, ele não deve sofrer nada, mas apenas acolher a forma e tornar-se, em
potência, semelhante à coisa, mas não efetivamente a própria coisa; em suma, a relação

do pensante com o pensado deve ser semelhante à do senciente com o sentido. Em

consequência, é preciso que o intelecto, posto que pensa tudo, esteja isento de qualquer

mistura — como Anaxágoras diz que deve ser — a fim de que possa “dominar”, ou

seja, a fim de que possa conhecer. Qualquer coisa estranha que se apresentasse no meio

atuaria como um obstáculo e um impedimento; sendo assim, o intelecto não pode ter

nenhuma natureza, exceto esta: a de ser potencialidade. Portanto, aquilo que na alma

chamamos Noûs (assim entendo aquilo com que a alma pensa e opina) não é, em ato,

nenhuma das realidades existentes antes de seu efetivo pensar. Por isso não é razoável

que ele seja misturado ao corpo, porque logo iria adquirir certa qualidade, e seria frio

ou quente, ou seria um instrumento de certa espécie, como é o órgão do sentido. Ora,

ao contrário, nada disso acontece. E têm razão aqueles que dizem que a alma é o lugar

das formas ideais, salvo que isso não pode ser dito de toda a alma, mas apenas da alma

pensante, e que as formas ideais nela não existem em ato, mas só em potência. Claro

que a imunidade, no que diz respeito a sofrer ações, não é igual no caso das faculdades

inteligente e senciente, quando consideramos os órgãos do sentido e a própria

sensação. Se a perceptibilidade daquilo que é percebido sensivelmente for muito

intensa, o sentido não pode sentir; assim, os sons demasiado fortes são indistinguíveis,

o mesmo valendo para as cores demasiado luminosas e para os odores muito

acentuados. Todavia, quando o intelecto pensa um pensamento que se encontra no

nível mais alto da capacidade de pensar, isso não significa que ele tem menos

capacidade de pensar as coisas de menor relevância: ao contrário, tem mais. Pois o

órgão do sentido não existe sem o corpo, enquanto a inteligência existe por si mesma.

Quando, desse modo, a inteligência torna-se todas as coisas, tal como ocorre com

aquele que é denominado sábio quando transforma sua capacidade em ato (e isso

acontece quando seu atuar-se só depende dele mesmo), também neste caso ela é de

certo modo potencial, embora não no sentido anterior, de ter apreendido e descoberto.

21
Assim, então, o intelecto pode pensar por si mesmo.

O conhecimento intelectivo, como o sensitivo, também é explicado por

Aristóteles em função das categorias metafísicas de potência e ato. A

inteligência, de per si, é capacidade e potência de conhecer as formas puras;

as formas, por sua vez, estão contidas em potência nas sensações e nas

imagens da imaginação. É necessário, portanto, que alguma coisa traduza

essa dupla potencialidade em ato, de modo que o pensamento se atualize,

apreendendo a forma em ato, e a forma contida na imagem se converta em

conceito apreendido e possuído em ato.

Assim surgiu aquela distinção que se tornou fonte de inúmeros problemas

e debates, na Antiguidade e na Idade Média, entre intelecto em potência (ou

possível) e intelecto agente, segundo uma terminologia que se tornará técnica,

mas que em Aristóteles só é técnica virtualmente. Eis a página que apresenta

a distinção e que permanecerá como ponto de referência constante durante

séculos:
Como em toda a natureza há um elemento que é matéria e é próprio de cada gênero

(sendo, em potência, todos os objetos que constituem o gênero), e outro elemento que

é a causa eficiente, dado que produz todos eles (como a arte atua em relação à

matéria), é necessário que também na alma haja esses elementos diversos. De um lado

está o intelecto, que tem a potencialidade de ser todos os objetos; do outro, o intelecto

que produz todos eles, quase como se fosse um estado semelhante à luz, pois, em certo

sentido, a luz transforma em ato as cores que estavam só em potência. Esse intelecto é

separado, impassível e sem mistura, pois, em sua essência, é ato. Na verdade, o agente é

sempre superior ao paciente, e o princípio, à matéria. A ciência em ato é idêntica a seu

objeto; a ciência em potência, no indivíduo, é (quanto ao tempo) anterior; mas, em

termos absolutos, não é anterior sequer em relação ao tempo. Não é que esse intelecto

às vezes pense, às vezes não pense. Separado [do corpo], ele é justamente apenas aquilo

22
que é, e isso é imortal e eterno.

Duas afirmações contidas nesse trecho merecem destaque. Em primeiro

lugar, a comparação com a luz: assim como as cores não seriam visíveis, e a

vista não poderia distingui-las se não houvesse a luz, também as formas

inteligíveis, contidas nas imagens sensíveis, permaneceriam em estado

potencial; o intelecto em potência também não as poderia captar em ato se

não houvesse uma luz inteligível, permitindo ao intelecto “ver” o inteligível

e permitindo ao inteligível ser visto em ato. Trata-se de uma imagem, a

mesma com que Platão representou a suprema Ideia do Bem. Contudo, para

explicar a mais elevada das faculdades humanas, Aristóteles só podia lançar

mão de uma analogia, justamente porque essa faculdade é irredutível a algo

ulterior e representa um ponto-limite intransponível.

A outra afirmação é a de que esse intelecto em ato (ou agente) está “na

alma”. Caem, portanto, as explicações já defendidas pelos antigos

intérpretes de que o Intelecto agente é Deus (ou, de todo modo, um

Intelecto divino separado), o qual, entre outras coisas, como vimos, tem

características estruturalmente inconciliáveis com as do intelecto agente. É

verdade que Aristóteles afirma que “o intelecto vem de fora, e só este é


23
divino”, enquanto as faculdades inferiores da alma já estão em potência no

germe masculino e passam, por intermédio dele, para o novo organismo

que se forma no ventre materno; mas é também verdade que, mesmo vindo

“de fora”, ele permanece na alma (ejn th/~ ynch/~) durante toda a vida do

homem. O “vir de fora” do intelecto significa, portanto, sua transcendência,

no sentido de diferença por natureza; ou seja, significa alteridade essencial

em relação ao corpo — representa a proclamação da dimensão

metaempírica, suprassensível e espiritual que existe em nós. É o divino em

nós.
No entanto, se o intelecto agente não é Deus, ele espelha as características

do divino, sobretudo sua absoluta impassibilidade, como diz textualmente o

Estagirita:

Mas acredita-se que o intelecto é gerado como uma substância particular e que não

perece. De fato, se perecesse, teria sido destruído sobretudo pelo enfraquecimento da

velhice; e, nessas condições, sem dúvida, aconteceria o mesmo que ocorre com os

órgãos sensoriais; se o velho recuperasse a integridade dos olhos, veria da mesma forma

que um jovem. Pois a velhice se deve a uma afecção que não é da alma, mas do ser em

que essa alma está encerrada, como se verifica nos estados de embriaguez e de doença.

Tanto a atividade teórica quanto a atividade especulativa esmorecem quando outra

parte do corpo, no interior, começa a enfraquecer; porém, o intelecto em si mesmo é

impassível. Meditar, amar ou odiar não são afecções suas, mas do composto, e o

24
intelecto, com certeza, é algo mais divino e é impassível.

Como na Metafísica, uma vez estabelecido o conceito de Deus com as

características que vimos, Aristóteles não pôde resolver as numerosas

aporias que a concepção comportava, também aqui, uma vez estabelecido o

conceito do espiritual que está em nós, ele não conseguiu superar as aporias

que dele derivavam.

Esse intelecto é individual? Como pode vir “de fora”? Que relação tem

com nossa personalidade e com nosso eu? E com nosso comportamento

moral? Ele tem um destino escatológico? Qual o sentido de sua

sobrevivência ao corpo? Estas são questões que Aristóteles deixou sem

resolver, e estão estruturalmente destinadas a ficar sem resposta no contexto

do discurso aristotélico, depois que ele abandonou o componente mítico-

religioso platônico que havia acolhido nos primeiros escritos. Para que

fossem enfrentadas, sobretudo para que fossem resolvidas racionalmente de

maneira adequada, elas exigiriam a elaboração do conceito de criação, que,

como sabemos, é estranho não só a Aristóteles, mas a toda a cultura grega.

NOTAS
1.Para uma leitura aprofundada dessas obras, indicamos F. A. Trendelen-burg, Aristotelis “De anima”,

libri tres, Berlim, 1877 (cujo comentário ainda é fundamental; reed. Graz, 1957); G. Rodier, Aristote,

“Traité de l’âme”, Paris, 1900; P. Siwek, Aristotelis “De anima”, libri tres, Roma, 1943-1946; J. Tricot,

Aristote, “De l’âme”, Paris, 1947; D. Ross, Aristotle, “De anima”, Oxford, 1961.

2. De an. b 1, 312 a 19-22. A tradução que citamos é a de A. Barbieri (Aristóteles, L’anima, Laterza,

Bari, 1957), na qual, contudo, faremos algumas correções.

3. De an. b 1, 312 a 27 ss.

4. De an. b 1, 412 b 5 ss.

5. De an. b 1, 413 a 4-7.

6. De an. b 2, 413 b 24-29.

7. Metaph. D 3, 1.070 a 24-26.


8. De an. b 3, 414 a 29-31.

9. De an. b 3, 415 a 6-12.

10. W. D. Ross, Aristotle, Londres, 1923; trad. ital., Aristotele, Bari, 1949, p. 198.

11. De an. b 4, 416 b 20-23.

12. Ibid., b 5, 417 a 17-20.

13. Ibid., b 5, 418 a 3-6.

14. Ross, Aristotele, p. 202; cf. De an. b 5, 417 b 6 e 16.

15. De an. b 12, 424 a 17-24 (cf. Trendelenburg, op. cit., p. 337 ss).

16. De an. G 1, 425 a 14-20.

17. De an. G 3, 428 b 18-25.

18. Ibid., b 3, 414 a 32-414 b 6.

19. De an. G 10, 433 a 19 ss.

20. De an. G 10, 433 a 25 ss.

21. De an. G 4, 429 a 10-429 b 10 (a tradução desta página, particularmente eficaz, é de G. Calogero,

Storia della logica ântica, i, Bari, 1967, p. 289).

22. De an. G 5, 430 a 10-23.

23. De genr. anim. b 3, 736 b 27 ss.

24. De an. a 4, 408 b 18-29.


V.

A FILOSOFIA MORAL: ANÁLISE DA ÉTICA A

NICÔMACO

Relações entre ética e política

Na sistematização aristotélica do saber, as ciências práticas, como vimos,

vêm em segundo lugar, depois das ciências teóricas. Elas são

hierarquicamente inferiores às teóricas na medida em que nelas o saber

deixa de ser um fim em si mesmo, no sentido absoluto, pois está

subordinado e de certa maneira submetido à atividade prática. Essas

ciências práticas dizem respeito efetivamente à conduta dos homens e

também ao objetivo que eles pretendem alcançar com essa conduta, quer

sejam considerados como indivíduos, quer como membros de uma

sociedade, mais precisamente, da sociedade política. Aristóteles, aliás,

denomina “política” (e também “filosofia das coisas do homem”), em geral,

a ciência que abarca a atividade moral dos homens tanto como indivíduos

quanto como cidadãos. Em seguida, ele subdivide essa “política” (ou

“filosofia das coisas do homem”), respectivamente, em ética e política

propriamente dita (teoria do Estado).

Nessa subordinação da ética à política, há uma influência clara,

determinante, da doutrina platônica, a qual, de resto, dava forma

paradigmática à concepção tipicamente helê-nica de que só se pode

entender o homem como cidadão e que situa a cidade acima tanto da

família quanto do indivíduo singular: o indivíduo existe em função da

cidade, não a cidade em função do indivíduo. Eis o que Aristóteles diz

expressamente:

Se o bem é idêntico para o indivíduo e para a cidade, parece mais importante e mais

perfeito escolher e defender o bem da cidade. Sem dúvida, o bem também é desejável

quando diz respeito a uma só pessoa, mas é mais belo e mais divino quando se refere a

1
um povo e às cidades.

Portanto, cabe à política uma função arquitetônica, ou seja, de comando;

compete a ela determinar “que ciências são necessárias na cidade, quais cada
um deve aprender e até que ponto”. É bem verdade, porém, que, como

destacaram alguns estudiosos, à medida que Aristóteles avança em sua Ética,

as relações entre indivíduo e Estado ameaçam ruir. Contudo, esse fato, em si

mesmo importantíssimo, não é enfrentado por Aristóteles no plano da

consciência crítica. Ele não chega a extrair as consequências que, levadas a

seu limite, poderiam derrubar a abordagem geral da “filosofia das coisas do

homem”. Os condicionamentos histórico-culturais pesaram mais que as

conclusões especulativas, e a pólis continuou a ser para o Estagirita,

fundamentalmente, o horizonte que engloba os valores do homem.

O bem supremo do homem: a felicidade

Em suas várias ações, o homem tende sempre para fins precisos, que se

configuram como bens. Ora, há fins e bens que desejamos, tendo em vista

outros fins e bens futuros, e que, portanto, são fins e bens relativos. Porém,

como é impensável um processo que leva de um fim a outro e de um bem a

outro até o infinito (pois isso destruiria até os próprios conceitos de bem e

de fim, que implicam estruturalmente um término), devemos pensar que

todos os fins e bens para os quais tende o homem existem em função de um

fim último e de um bem supremo.

Qual é esse bem supremo? Aristóteles não tem dúvida: todos os homens,

sem distinção, consideram que esse bem é a eudaimonia, ou seja, a felicidade.

A felicidade, portanto, é o fim para o qual tendem, consciente e

declaradamente, todos os homens. Mas o que é a felicidade? Aqui começam

as divergências: a multidão não pensa igual aos letrados e os próprios

letrados divergem entre si.

A maioria dos homens acredita que a felicidade consiste no prazer e no

gozo. Mas uma vida dedicada aos prazeres é uma vida que torna os homens
2
“semelhantes aos escravos”, é uma “existência digna de animais”.

As pessoas mais evoluídas e mais cultas situam o bem supremo e a

felicidade na honra. E buscam a honra sobretudo aqueles que se dedicam

ativamente à vida política. No entanto, este não pode ser o fim último que

todos buscamos, pois, como observa acertadamente Aristóteles, trata-se de

algo externo: “A honra parece depender antes de quem a confere do que de

quem a recebe; nós, ao contrário, consideramos que o bem é algo de


3
individual e inalienável.” Ademais, os homens não buscam tanto a honra

por si mesma, mas como prova e reconhecimento público de sua própria


bondade e virtude, que, portanto, demonstram ser algo mais importante

que a honra.

Se os tipos de vida dedicados aos prazeres ou à busca de honras, mesmo

inadequados pelas razões expostas, têm uma aparente plausibilidade, o

mesmo não se pode dizer da vida consagrada ao acúmulo de riquezas, que,

na opinião de nosso filósofo, não tem sequer essa plausibilidade aparente:

A vida [...] dedicada ao comércio é algo que vai contra a natureza, e é evidente que a

riqueza não é o bem que procuramos; de fato, ela tem em vista apenas o ganho, não

4
passa de um meio para alcançar outra coisa.

É bem verdade que os prazeres e as honras são buscados por si mesmos,

mas não as riquezas; a vida dedicada ao acúmulo de riquezas, por

conseguinte, é a mais absurda e a mais inautêntica, pois está voltada para a

busca de coisas que valem no máximo como meios, nunca como fins.

Mas o bem supremo do homem também não pode ser aquilo que Platão e

os platônicos indicaram como tal, ou seja, a Ideia do Bem ou o transcendente

Bem-em-si, pois, nesse caso, é evidente que não seria realizável ou alcançável

pelo homem. Não se trata, portanto, de um bem transcendente, mas de um

bem imanente; não pode ser um bem já definitivamente realizado, mas

realizável e adquirível pelo homem e para o homem. (Para Aristóteles, o

bem não é uma realidade única e unívoca, mas, como vimos em relação ao

conceito de ser, é plurívoco, diverso nas diferentes categorias e diverso nas

diferentes realidades que pertencem a cada categoria, embora sempre ligado

por uma relação de analogia.)

Mas qual é o bem supremo realizável pelo homem?

A resposta de Aristóteles está em perfeita harmonia com a concepção

singularmente helênica da areté, sem a qual seria inútil tentar compreender

plenamente a construção ética do nosso filósofo.

O bem do homem só pode consistir na “obra” que lhe é peculiar, ou seja,

aquela obra que ele e só ele sabe realizar, assim como, em geral, o bem de

cada coisa consiste na obra que é peculiar a essa coisa. A obra do olho é ver,

a obra do ouvido é ouvir, e assim por diante. E a obra do homem? Ela a) não

pode ser o simples viver, posto que o simples viver é próprio também de

todos os seres vegetais; b) tampouco pode ser o sentir, posto que é comum

também aos animais; c) nada mais resta senão concluir que a obra peculiar

do homem é a obra da razão e a atividade da alma segundo a razão. Logo, o

verdadeiro bem do homem consiste nessa “obra”, ou “atividade”, da razão,


mais exatamente, nas perfeitas explicação e atuação de tal atividade. Essa é,

portanto, a “virtude do homem”, e é nela que se encontra a felicidade.

Em consequência, e como já havia feito no Protréptico, Aristóteles afirma:

Assim sendo, o bem próprio do homem é a atividade da alma em conformidade com a

virtude; se as virtudes são muitas, segundo a melhor e mais perfeita. Isso vale também

para uma vida completa. Se uma só andorinha, ou um só dia, não faz verão, tampouco

5
um só dia, ou um breve tempo, proporciona beatitude ou felicidade.

Aristóteles adere à doutrina socrático-platônica que via a essência do

homem na alma, mais precisamente, na parte racional da alma, no intelecto.

Somos a nossa razão e o nosso espírito. O homem bom, diz Aristóteles, “[...]

age mediante a parte racional de si mesmo, que parece constituir cada um


6
de nós”. E ainda: “Está claro, portanto, que cada um de nós é sobretudo

intelecto, e que a pessoa moralmente idônea ama o intelecto acima de


7
tudo.” Enfim: “Se esta [a alma racional, em particular, a parte mais elevada

dessa alma, ou seja, o intelecto] é a parte dominante e melhor, tudo parece


8
indicar que cada um de nós consiste propriamente nela.”

Como esse é o fundamento próprio da ética socrático-platônica, não é de

admirar que, ao aceitar o fundamento, Aristóteles acabe por concordar com

Sócrates e Platão bem mais do que em geral se acredita. Os valores

autênticos, também para o Estagirita (como já destacamos), não poderiam

ser os exteriores (como a riqueza), que apenas tangenciam o homem; nem

os corporais (como os prazeres), que não se referem ao verdadeiro eu do

homem, mas apenas aos prazeres da alma, posto que o verdadeiro homem é

a alma: “Tendo, portanto, repartido o bem em três grupos, os chamados

bens exteriores, os da alma e os do corpo, devemos dizer que os bens


9
relacionados à alma são os principais e os mais perfeitos.” Os verdadeiros

bens do homem são os bens espirituais, que consistem na virtude de sua

alma; e é na virtude que reside a felicidade. Quando falamos de virtude

humana, não nos referimos de modo algum às virtudes do corpo — como

esclarece Aristóteles, de modo inequívoco —, mas às da alma, e afirmamos

que a felicidade é uma atividade própria da alma.

O socrático “cuidado da alma” é, também para Aristóte-les, o caminho, a

única via que leva à felicidade. No entanto, ao contrário de Sócrates e

sobretudo de Platão, Aristóteles considera indispensável também ser dotado

o suficiente de bens exteriores e de meios de fortuna; na verdade, se a

presença deles não traz felicidade, ausentes, eles podem frustrá--la ou

comprometê-la (pelo menos em parte). Essa reavaliação parcial dos bens


exteriores vem se associar a certa reavaliação do prazer, que, para

Aristóteles, coroa a vida virtuosa e é como uma consequência necessária, da

qual a virtude é o antecedente.

Dedução da “virtude” das “partes da alma”

A felicidade é definida, portanto, como atividade da alma conforme à

virtude. Fica evidente, então, que qualquer aprofundamento posterior do

conceito de “virtude” depende de um aprofundamento do conceito de alma.

Ora, como vimos, segundo Aristóteles, a alma se divide em três partes: duas

irracionais (a alma vegetativa e a alma sensitiva) e uma racional (a alma

intelectiva). Como cada uma dessas partes tem uma atividade que lhe é

peculiar, cada qual tem também sua virtude peculiar, ou excelência.

Contudo, a virtude humana é apenas aquela em que intervém a atividade da

razão.

a) A alma vegetativa é comum a todos os seres vivos: “A virtude de tal

faculdade consiste em algo comum a todos os seres, não especificamente ao


10
homem.”

b) Diverso, no entanto, é o discurso a respeito da alma sensitiva e

concupiscível, a qual, mesmo sendo de per si irracional, “ainda participa de


11
certo modo da razão”. Fica claro, então, que há uma virtude dessa parte

da alma que é especificamente humana e que consiste em dominar, por

assim dizer, tais tendências e impulsos que são, de per si, imoderados; é isso

que o Estagirita chama de “virtude ética”.

c) Enfim, posto que também há em nós uma alma puramente racional,

deve haver também uma virtude peculiar a essa parte da alma, que será a

“virtude dianoética”, ou seja, a virtude racional.

As virtudes éticas

Vamos começar pelo exame da virtude ética, ou, melhor, das virtudes éticas,

pois elas são numerosas, tantas quantos são os impulsos e sentimentos que a

razão deve moderar. As virtudes éticas derivam em nós do hábito. Somos

potencialmente capazes, por natureza, de formá-las e, por meio do

exercício, traduzir essa potencialidade em ato. Realizando sucessivamente

atos justos, nós nos tornamos justos, ou seja, adquirimos a virtude da

justiça, que depois permanece em nós de maneira estável, como um habitus

que mais tarde irá nos ajudar a realizar atos de coragem. E assim por diante.
Em suma, para Aristóteles, as virtudes éticas são aprendidas da mesma

maneira que aprendemos as várias artes, que são, elas também, “hábitos”.

Esse discurso, embora esclarecedor, ainda não toca o cerne da questão; diz

como adquirir e em seguida possuir tais virtudes, mas ainda não diz em que

consistem as virtudes. Qual é a natureza comum a todas as virtudes éticas? O

Estagirita responde com precisão: jamais existirá virtude quando houver

excesso ou falta, ou seja, quando houver demais ou de menos; virtude

implica, ao contrário, uma justa proporção, o meio-termo entre dois excessos.

Escreve Aristóteles:

Em qualquer coisa, seja ela homogênea ou divisível, é possível distinguir o mais, o

menos e o igual, tanto em relação à própria coisa quanto em relação a nós mesmos; o

igual é um meio-termo entre o excesso e a escassez. Assim, chamo de posição

intermediária em relação a uma coisa aquela que dista na mesma medida de cada um

dos extremos, e ela é única e idêntica em todas as coisas; chamo de posição

intermediária em relação a nós aquilo que não excede nem falta; esta, no entanto, não é

única nem igual para todos. Por exemplo: tomando-se o dez como quantidade

excessiva e o dois como quantidade escassa, o seis aparecerá como o meio-termo em

relação à coisa; esse é o meio-termo segundo a proporção numérica. Contudo, o meio-

termo em relação a nós não deve ser interpretado da mesma forma; se, para

determinada pessoa, comer dez unidades de alimento é demais e comer duas é pouco,

isso não significa que o professor de ginástica deve ordenar que coma seis, pois essa

ração ainda pode ser muito ou muito pouco, dependendo de quem vai recebê-la: para

Milo (que era um atleta excepcional) seria pouco, mas para um atleta principiante seria

demais. Pode-se dizer o mesmo em relação à corrida ou à luta. Assim, cada pessoa que

tem ciência evita o excesso e a escassez, busca o meio-termo e a ele dá preferência; o

12
meio-termo não é estabelecido em relação à coisa, mas em relação a nós.

Mas — perguntaremos —, ao tratar das virtudes éticas, a que se referem o

“excesso”, a “escassez” e o “meio-termo” mencionados? Referem-se —

esclarece Aristóteles — a sentimentos, paixões e ações. A virtude ética,

portanto, é o meio-termo entre os dois extremos da paixão, que se

produzem por escassez ou por excesso. É óbvio, para todos os que

compreenderam bem essa doutrina aristotélica, que a posição intermediária

não é a mediocridade e tampouco é sua antítese; o “justo meio” está

nitidamente acima dos extremos e representa, por assim dizer, sua

superação, portanto, como bem diz Aristóteles, um “ápice”, ou seja, o ponto

mais elevado da perspectiva do valor, já que marca a afirmação da razão

sobre o irracional: “[...] em relação à sua essência e à razão que estabelece sua

natureza, a virtude é uma posição intermediária; mas, em relação ao bem e à


13
perfeição, ela ocupa o lugar mais elevado”.
Temos aqui quase uma síntese de toda aquela sabedoria grega que

encontrou sua expressão mais típica nos poetas gnômicos e nos Sete Sábios,

e que apontou mais de uma vez o meio-termo, o nada em demasia, a justa

medida, como regra suprema do agir moral, regra que é como uma chave

paradigmática do modo de sentir helênico. Temos também a assimilação da

lição pitagórica, que situava a perfeição no limite (o péras); e sobretudo um

eco preciso do conceito de “justa medida”, que teve grande importância

especialmente no último Platão.

A doutrina da virtude ética como “justo meio” entre dois extremos é

ilustrada por uma ampla análise das principais virtudes éticas (ou, melhor,

daquelas que o grego de então considerava essenciais), naturalmente não

deduzidas segundo um fio condutor preciso, mas empírica e quase

rapsodicamente elencadas. A virtude da coragem é o “justo meio” entre os

excessos de temeridade e de covardia; a coragem, desse modo, é a justa

medida imposta ao sentimento de medo que, quando desprovido de

controle racional, pode degenerar, na escassez, em covardia e, no excesso,

em temeridade. A temperança é o “justo meio” entre os excessos de

intemperança ou devassidão ou de insensibilidade; a temperança, portanto,

é o comportamento justo que a razão impõe diante de determinados

prazeres. A liberalidade é o “justo meio” entre a avareza e a prodigalidade; a

liberalidade, assim, é o comportamento justo que a razão impõe em relação

ao uso do dinheiro — e assim por diante.

Entre as virtudes éticas, o Estagirita não hesita em apontar a justiça como

a mais importante (e dedica todo o quinto livro à análise desse ponto). Num

primeiro sentido, a justiça é o respeito à lei do Estado; e como a lei do

Estado (do Estado grego) abarca toda a área da vida moral, a justiça, nesse

sentido, compreende de certo modo toda a virtude. “Por isso”, comenta

Aristóteles, antecipando a célebre proposição da Crítica da razão prática, de

Kant, “a justiça é muitas vezes considerada a maior das virtudes, e ‘nem

Vésper nem a estrela-d’alva’ são tão admiráveis. Como diz o provérbio, na


14
justiça estão compreendidas todas as virtudes juntas.” Mas o significado

específico da justiça, que Aristóteles analisa com acurácia, diz respeito à

repartição de bens, vantagens e ganhos. A justiça, entendida nesse sentido,

consiste na justa medida com que se devem repartir benefícios, vantagens e

ganhos, ou males e desvantagens, e ela consiste numa posição intermediária

“porque é característica do justo meio, enquanto a injustiça é característica


15
dos extremos”.
De maneira geral, as abundantes e requintadas análises sobre os vários

aspectos de cada virtude ética que Aristóte-les empreende permanecem, no

máximo, num plano apenas fenomenológico. Pode-se dizer, aliás, que

muitas vezes as convicções morais da sociedade a que pertencia exerceram

uma influência decisiva sobre ele — como, por exemplo, no caso da

descrição da magnanimidade, que deveria ser uma espécie de coroação das

virtudes, mas, ao contrário, transforma-se numa pesada hipoteca que o

gosto da época impõe à doutrina aristotélica.

As virtudes dianoéticas

Acima das virtudes éticas, segundo Aristóteles, estão as outras, que, como

mencionamos, são as virtudes da parte mais elevada da alma, ou seja, da

alma racional; são, portanto, virtudes dianoéticas, ou virtudes da razão. E

posto que duas são as partes ou funções da alma racional — uma que

conhece as coisas contingentes e variáveis, outra que conhece as coisas

necessárias e imutáveis —, logicamente haverá uma perfeição, ou virtude,

da primeira e uma perfeição, ou virtude, da segunda. Essas duas partes da

alma racional são basicamente a razão prática e a razão teórica, e as

respectivas virtudes são as formas perfeitas com as quais se apreendem a

verdade prática e a verdade teórica.

A virtude típica da razão prática é a “sensatez” (phrónesis), enquanto a

virtude típica da razão teórica é a “sabedoria” (sophía).

A “sensatez” consiste em conseguir governar corretamente a vida do

homem, ou seja, saber deliberar a respeito do que é bom ou mau para o

homem. Esta, diz Aristóteles, é “uma capacidade prática acompanhada do


16
raciocínio verdadeiro sobre aquilo que é bom ou mau para o homem”.

Para uma compreensão exata da doutrina aristotélica, é importante observar

que a phrónesis, ou sensatez, ajuda a deliberar corretamente a respeito dos

verdadeiros objetivos do homem, no sentido de que aponta os meios

capazes de atingir os fins verdadeiros; ou seja, ajuda a identificar e obter as

coisas que levam a tais fins, mas não indica nem determina os próprios fins.

Os verdadeiros fins e o objetivo verdadeiro são apreendidos pela virtude,

que dirige a vontade de modo correto. Eis o que Aristóteles diz: “A obra

humana se cumpre pela sensatez e pela virtude ética; a virtude aponta a


17
retidão dos propósitos, enquanto a sensatez torna os meios corretos.”

É evidente, portanto, que as virtudes éticas e a virtude dianoética da

sensatez estão ligadas entre si numa via de mão dupla. Eis o que afirma
Aristóteles: “a) não é possível ser virtuoso sem a sensatez; b) não é possível
18
ser sensato sem a virtude ética”.

A outra virtude dianoética, a mais elevada, é, como dissemos, a sabedoria

(sophía). Ela é constituída pela apreensão intuitiva dos princípios por meio

do intelecto, ou pelo conhecimento discursivo das consequências que

derivam desses princípios. A sabedoria é uma virtude mais elevada que a

sensatez porque esta última diz respeito ao homem e, portanto, também a

tudo que há nele de mutável; a sabedoria diz respeito àquilo que está acima

do homem. O homem é o melhor dos seres viventes; contudo, diz

Aristóteles,

[...] há outras coisas muito mais divinas; para ficar só nas mais visíveis, há os astros que

compõem o Universo. Por tudo o que foi dito, é evidente que a sabedoria é ao mes-mo

19
tempo ciência e intelecto das coisas mais elevadas por natureza.

A perfeita felicidade

De vez que, como vimos no início, a felicidade é uma atividade conforme à

virtude, agora está claro em que ela consiste. Em primeiro lugar, consiste na

atividade do intelecto conforme a sua virtude; o intelecto é aquilo que há de

mais elevado em nós, e a atividade do intelecto é atividade perfeita,

autossuficiente, tem em si o próprio fim, pois tende ao conhecimento em si.

Na atividade de contemplação intelectiva o homem atinge o ápice de suas

possibilidades e põe em ato o que há de mais alto em si. Escreve Aristóteles:

[...] se a atividade do intelecto, que é contemplativa, parece superior em dignidade,

além de não contemplar nenhum outro fim senão ela mesma — o fim de ter em si o

seu próprio prazer perfeito (que intensifica a atividade), de ser autossuficiente, fácil e

ininterrupta, na medida das possibilidades do homem —, também parece que todas as

qualidades atribuídas aos homens felizes se encontram nessa atividade; então ela será a

felicidade perfeita do homem, desde que perdure pela vida inteira, pois, de fato, nada

do que diz respeito à felicidade pode ser incompleto. No entanto, uma vida assim será

superior à natureza do homem; pois não é por ser homem que ele viverá dessa

maneira, mas porque tem em si algo de divino; e na mesma medida em que esse algo

supera a estrutura composta do homem, também sua atividade superará a atividade

conforme às outras virtudes. Se, portanto, o intelecto é algo de divino em comparação

com a natureza do homem, também a vida conforme ao intelecto será divina se

comparada à vida humana. Porém, não se deve dar ouvido àqueles que aconselham

que, sendo homens, devemos nos ater às coisas humanas; e, sendo mortais, às coisas

mortais; devemos, antes, tanto quanto possível, agir como imortais e tudo fazer para

viver segundo a parte mais elevada que temos em nós, pois, ainda que ela seja pequena

20
em tamanho, supera em muito todo o resto em potência e valor.
Em segundo lugar vem então a vida conforme às virtu-des éticas. Elas

dizem respeito à estrutura composta do homem e, enquanto tal, só podem

proporcionar uma felicidade humana.

A felicidade da vida contemplativa, ao contrário, de certa forma, leva para

além do humano; realiza, por assim dizer, uma tangência à divindade cuja

vida só pode ser contemplativa. Escreve textualmente Aristóteles:

Portanto, a atividade do deus, que excele em bem-aventurança, será contemplativa.

Então, entre as atividades humanas, aquela que tiver maior afinidade com ela será mais

capaz de produzir felicidade. Prova disso é o fato de que todos os outros seres vivos

não participam da felicidade, pois são completamente desprovidos dessa faculdade. Na

verdade, para os deuses, toda a vida é bem-aventurada; porém, para os homens, ela o é

apenas à medida que puderem ter uma atividade semelhante àquela; nenhum outro ser

vivente é feliz, pois de modo algum participa da especulação. Logo, tanto quanto se

estender a especulação também irá se estender a felicidade; naqueles em que a

especulação é maior, a felicidade também será maior; isso não acontece por acaso, mas

graças à especulação: ela tem valor em si. Assim, a felicidade é uma espécie de

21
especulação.

Psicologia do ato moral

Sócrates reduziu as virtudes à ciência e ao conhecimento e negou que o

homem pudesse querer ou fazer voluntariamente o mal. Platão em grande

medida compartilhou essa concepção; e, embora tivesse identificado forças

irracionais no espírito humano — a alma concupiscível e a alma irascível —,

capazes de se opor à alma racional, sempre acreditou que a virtude humana

consiste no domínio da razão e na submissão das forças irracionais à razão

por meio da força da própria razão, pois para ele a virtude era sempre, em

última análise, razão. Aristóteles tenta superar essa interpretação

“intelectualista” do fato moral. Como bom realista que era, percebeu muito

bem que uma coisa é conhecer o bem, outra é pô-lo em ato, realizá-lo e

transformá-lo, por assim dizer, em substância das próprias ações; e tratou

de determinar mais de perto quais seriam os complexos processos psíquicos

que o ato moral pressupõe.

Em primeiro lugar, ele esclarece o que entende por “ações involuntárias”

e “ações voluntárias”. Involuntárias são aquelas realizadas por imposição ou

por ignorância das circunstâncias; voluntárias são aquelas “em que o

princípio motor está em quem age, se ele conhece as circunstâncias


22
particulares em que a ação se desenvolve”.

No entanto, se até esse ponto tudo parece lógico, de repente a perspectiva

muda, pois Aristóteles inclui entre as ações voluntárias também as que


foram ditadas pela impetuosidade, pela ira e pelo desejo; portanto, chama

de voluntárias as ações das crianças (e até de outros animais, posto que têm

origem neles próprios, logo, dependem deles). É evidente que, nesse sentido,

“voluntárias” são as ações simplesmente espontâneas, que se originam nos

sujeitos que as realizam, não coincidindo com aquelas a que nós, modernos,

damos esse nome.

Mas o Estagirita prossegue na análise e mostra que os atos humanos, além

de “voluntários” no sentido mencionado, são determinados por uma

“escolha” (proaíresis); e afirma que esta parece “uma coisa essencialmente


23
própria da virtude e mais apta que as ações para julgar os costumes”. De

fato, a escolha não pertence à criança ou ao animal, mas apenas ao homem

que raciocina e reflete. A “escolha” sempre implica raciocínio e reflexão,

precisamente aquele tipo de raciocínio e reflexão concernente às coisas e às

ações que dependem de nós e que participam da ordem dos realizáveis.

Aristóte-les chama esse tipo de raciocínio e reflexão de “deliberação”. A

diferença entre deliberação e escolha é a seguinte: a deliberação estabelece

quais e quantos são os vários meios e as várias ações que cabe acionar para

atingir determinados fins; estabelece toda a série de coisas que cumpre

realizar para chegar a determinado fim, desde as mais remotas até as mais

próximas e imediatas; a escolha age sobre estas últimas, descartando as

irrealizáveis e pondo em ato as que considera realizáveis. Assim, escreve

Aristóteles:

O objeto da deliberação e o objeto da escolha são a mesma coisa, salvo que o objeto da

escolha já foi determinado, pois o que se escolhe é aquilo que já foi decidido pela

deliberação. Na verdade, todos deixam de indagar como devem agir quando fizeram

voltar a si mesmos, à parte de si mesmos que comanda, o princípio da ação: é essa que

24
decide.

Muitos estudiosos acreditaram ver nessa passagem aquilo que chamamos

de “vontade”, pois a escolha é um apetite ou um desejo deliberado; portanto,

não é somente desejo ou apetite, nem somente razão. Por infortúnio,

quando se tenta aprofundar a posição de Aristóteles, ela se revela

extremamente ambígua e esquiva. Na verdade, ele nega de modo expresso

que a escolha possa se identificar à vontade (boúlesis), pois a vontade diz

respeito apenas aos fins, enquanto a escolha (assim como a deliberação) diz

respeito aos meios. Então, se é verdade que a escolha é aquilo que nos

transforma em autores de nossas ações, responsáveis por elas, ela não é o

que nos torna verdadeiramente bons, pois só os fins a que nos propomos
alcançar podem ser bons, enquanto a escolha (assim como a deliberação)

refere-se apenas aos meios. Assim, o princípio primeiro, aquele do qual

depende nossa moralidade, está antes na volição do fim.

E o que é a volição do fim? Das duas, uma: ou é uma tendência infalível

para o bem, para aquilo que é verdadeiramente o bem, ou é uma tendência

para aquilo que nos parece o bem. No primeiro caso, é evidente que a

escolha incorreta jamais será voluntária, mas, como dizia Sócrates, será uma

espécie de ignorância, um erro, um equívoco. No segundo caso, seria

preciso concluir que “aquilo que se deseja não é desejado por natureza, mas

é desejado segundo o que parece bom a cada um. Como, para uns, uma

coisa parece boa, enquanto para outros outra coisa parece boa, se assim
25
fosse, o desejado poderiam ser coisas contrárias”: isso significaria que

ninguém seria considerado bom ou mau; ou, o que dá no mesmo, todos

seriam bons porque todos fariam o que lhes parece bem. Aristóteles acredita

que pode sair desse dilema do seguinte modo:

[...] devemos dizer que o objeto da vontade no sentido absoluto e verdadeiro é o bem,

mas, para cada um de nós em particular, o objeto da vontade é aquilo que parece bem;

para quem é virtuoso, o que é verdadeiramente bom; para quem é vicioso, qualquer

coisa; assim como, no caso dos corpos, as coisas verdadeiramente saudáveis o são para

os corpos bem-dispostos, enquanto para os enfermos, ao contrário, outras coisas é que

são saudáveis; o mesmo vale em relação às coisas amargas, doces, quentes, pesadas e

assim por diante. Quem é virtuoso avalia corretamente todas as coisas, e em cada uma

delas a verdade lhe aparece. Na realidade, para cada disposição de caráter, são belas e

agradáveis as coisas que a ela se adaptam, e talvez o homem virtuoso seja diferente dos

outros sobretudo porque é capaz de distinguir a verdade em cada coisa, sendo ele

mesmo norma e medida dessas coisas. Na maioria dos homens, porém, o engano vem

do prazer, que parece bom, mas na verdade não o é. Por isso eles escolhem o agradável

26
como um bem e evitam o doloroso como um mal.

Se é assim, contudo, estamos andando em círculos: para me tornar e ser

bom devo desejar os fins bons, mas só serei capaz de reconhecê-los se eu for

bom. A verdade é que Aristóteles entendeu muito bem que somos

responsáveis por nos-sas ações, causas de nossos próprios atos morais,

causas do próprio modo como as coisas nos parecem ser moralmente; mas

não soube dizer por que isso é assim e qual é, dentro de nós, a raiz de tudo

isso. Ou seja, não soube determinar corretamente a verdadeira natureza da

vontade e do livre-arbítrio. Isso explica por que, mesmo reprovando

Sócrates, ele retoma por vezes as posições socráticas, afirmando, por

exemplo, que o incontinente erra, pois, no momento em que comete a ação

de incontinência, não tem perfeita consciência; e que o conhecimento é


determinante no que diz respeito ao agir moral. Explica também por que

Aristóteles chega inclusive a dizer que, quando um homem se torna vicioso,

não pode mais deixar de sê-lo, embora antes fosse possível não se tornar
27
vicioso.

Contudo, é justo reconhecer que, sem obter êxito completo, Aristóteles

entreviu melhor que todos os seus antecessores que o fato de ser bom ou

mau depende de algo que existe dentro de nós, que não consiste em simples

desejo irracional, mas que tampouco é razão pura. Essa alguma coisa,

contudo, lhe escapa, e ele não consegue determiná-la. Aliás, devemos

reconhecer objetivamente que nenhum grego conseguiria esse feito, e que o

homem ocidental só iria entender a vontade e o livre-arbítrio com o

advento do cristianismo.

NOTAS
1.Eth. Nic. a 2, 1.094 b 7-10 (a tradução dos trechos da Ética a Nicômaco que citaremos aqui são de A.

Plebe, Laterza, Bari, 1957, hoje também em Aristóteles, Opere, op. cit.).

2. Eth. Nic. a 5, 1.095 b 20.

3. Eth. Nic. a 5, 1.095 b 24-26.

4. Eth. Nic. a 5, 1.096 a 5-7.

5. Eth. Nic. a 7, 1.098 a 12-20.

6. Eth. Nic. i 4, 1.166 a 16 ss.

7. Eth. Nic. i 8, 1.169 a 2 ss.

8. Eth. Nic. k 7, 1.178 a 2 ss.

9. Eth. Nic. a 8, 1.098 b 12-15.

10. Eth. Nic. a 13, 1.102 b 2 ss.

11. Eth. Nic. a 13, 1.102 a 13 ss.

12. Eth. Nic. b 6, 1.106 a 26-1.106 b 7.

13. Eth. Nic. b 6, 1.107 a 6-8.

14. Eth. Nic. e 1, 1.129 b 27-30.

15. Eth. Nic. e 5, 1.133 b 32-1.134 a 1.

16. Eth. Nic. z 5, 1.140 b 4-6.

17. Eth. Nic. z 12, 1.144 a 6-9.

18. Eth. Nic. z 13, 1.144 b 31-33.

19. Eth. Nic. z 7, 1.141 a 34-1.141 b 2 (em que nos afastamos da tradução de Plebe).

20. Eth. Nic. k 7, 1.177 b 19-1.178 a 2.

21. Eth. Nic. k 8, 1.178 b 21-32.

22. Eth. Nic. G 1, 1.111 a 22-24.

23. Eth. Nic. G 2, 1.111 b 5 ss. (Divergimos de Plebe na interpretação do termo proaivresi~, que, a

nosso ver, não se expressa apropriadamente como “proposição”, mas traduz-se melhor como

“escolha”, vocábulo muito mais claro e mais de acordo com o original grego.)

24. Eth. Nic. G 3, 1.113 a 2-7 (afastamo-nos parcialmente da tradução de Plebe).

25. Eth. Nic. G 4, 1.113 a 20 ss.

26. Eth. Nic. G 4, 1.113 a 23, 1.113 b 2.

27. Cf. Eth. Nic. G 5, passim.


VI.

A DOUTRINA DO ESTADO: ANÁLISE DA POLÍTICA

Conceito de Estado

Vimos que, para o Estagirita, embora o bem singular do indivíduo e o bem

do Estado tenham a mesma natureza (posto que ambos consistem na

virtude), o bem do Estado é mais importante, mais nobre, mais perfeito e

mais divino. A razão disso reside na própria natureza do homem, ao

demonstrar com clareza que ele é absolutamente incapaz de viver isolado e

que precisa, para ser ele mesmo, estabelecer relações com seus semelhantes

em todos os momentos de sua existência.

Em primeiro lugar, a natureza distinguiu os homens em machos e fêmeas,

que se unem para formar a primeira comunidade, a família, para procriação

e satisfação das necessidades elementares (para Aristóteles, o núcleo familiar

incluiria também o escravo que, como veremos, é escravo por natureza).

Como as famílias não bastam a si mesmas, surgiu a aldeia, que é uma

comunidade mais ampla, criada para garantir as necessidade da vida de

modo orgânico e sistemático.

Se a família e a aldeia são suficientes para garantir as necessidades básicas

da vida em geral, elas não bastam para assegurar as condições da vida

perfeita, ou seja, da vida moral. Essa forma de vida, que bem poderíamos

chamar de espiritual, só pode ser assegurada pelas leis, pelas magistraturas e,

em geral, pela complexa organização de um Estado. É no Estado que o

indivíduo, instado pelas leis e pelas instituições políticas, é levado a deixar

seu egoísmo e a viver não mais segundo o subjetivamente bom, porém,

segundo o verdadeira e objetivamente bom. Assim, o Estado, que

cronologicamente é último, torna-se primeiro do ponto de vista ontológico,

pois se configura como o “todo” do qual a família e a aldeia são as “partes”,

e, ontologicamente, o todo precede as partes, pois somente o todo dá

sentido a elas. Assim, só o Estado dá sentido às outras comunidades e só ele

é autossuficiente. Eis o que diz Aristóteles: “Quem for incapaz de fazer parte

de uma comunidade, quem não precisa de nada, bastando-se a si mesmo, é


1
uma besta ou um deus, não uma parte da cidade.”
O cidadão

Em primeiro lugar, Aristóteles analisa a família e os problemas da

administração familiar. E aqui o filósofo se deixa realmente condicionar

pelas estruturas sociopolítico-culturais de seu tempo, a ponto de ir contra

seus próprios princípios metafísicos. Ele repete o preconceito grego segundo

o qual a mulher é “por natureza” inferior ao homem porque possui menos

“razão” que ele. Reitera também o preconceito segundo o qual há homens

escravos “por natureza” — seriam aqueles homens em que o instinto e a

sensibilidade predominam sobre a razão (os escravos, para Aristóteles, eram

tão necessários quanto os animais domésticos, indispensáveis para os

serviços relativos às necessidade do corpo, aos quais um homem “livre” não


2
deve se dedicar). Posto que Aristóteles, sempre condicionado pelos

preconceitos helênicos, considera que, entre os bárbaros, ao contrário do

que acontece entre os gregos, o instinto e a sensibilidade predominam sobre

a razão, ele também considera “justo” e “natural” que os bárbaros sejam

submetidos aos gregos e se tornem escravos deles, quando capturados em

guerra.

Bem mais razoáveis, embora dentro dos limites das condições econômicas

de seu tempo, são as observações de Aristóteles acerca da administração da

família e da aquisição de riquezas. Uma economia saudável deve fornecer o

necessário para se viver; portanto, deve compreender apenas as atividades

naturais (caça, pecuária e agricultura) ou a troca, excluindo qualquer

comércio e qualquer atividade que tenha como base o dinheiro, pois esta

objetiva o aumento indiscriminado das riquezas. Uma economia baseada

nessas últimas atividades perderia de mira o verdadeiro propósito do viver e

acabaria fatalmente dedicando-se à produção de bens materiais, em vez de

usá-los para a vida. Esta seria transformada em meio, deixando de ser um


3
fim.

Da análise da família Aristóteles passa (depois de pesadas críticas ao


4
comunismo platônico) ao exame do Estado, sem aprofundar as questões

relacionadas à aldeia (que, como vimos, era o segundo elemento

constitutivo do Estado). A propósito, como muitos já notaram, ele

apresenta a questão de um ponto de vista diferente. Como o Estado é

composto de cidadãos, trata-se de estabelecer quem é o cidadão.

Para ser cidadão de uma cidade, não basta residir em seu território, nem

gozar do direito de impetrar uma ação judicial, nem sequer ser descendente

de cidadãos. Para ser cidadão é necessário “participar dos tribunais e das


magistraturas”, é preciso fazer parte da administração da justiça e da
5
assembleia que legisla e governa a cidade.

Mais que nunca, reflete-se nessa definição a característica peculiar da pólis

grega, onde o indivíduo só se sentia cidadão se participasse diretamente do

governo da coisa pública em todos os seus momentos (fazer leis, tratar de

sua aplicação, administrar justiça). Por conseguinte, nem o colono nem um

membro de uma cidade conquistada podiam se sentir ou ser considerados

“cidadãos”. Mas tampouco os operários podiam ser verdadeiros cidadãos,

mesmo que fossem homens livres (isto é, embora não fossem imigrantes,

nem estrangeiros, nem escravos), pois eles não dispunham do tempo

necessário para exercer as funções que, para Aristóteles, são essenciais.

Assim, os cidadãos de uma cidade são muito poucos, e todos os outros

homens da própria cidade acabam se transformando, de certa maneira, em

meios para a satisfação das necessidades dos primeiros. Os operários se

diferenciam dos escravos porque, enquanto estes servem às necessidades de

uma só pessoa, aqueles servem às necessidades públicas, mas nem por isso
6
deixam de ser meios.

Dessa forma, embora Aristóteles afirmasse que “não devem ser


7
considerados cidadãos todos aqueles sem os quais a cidade não subsiste”, a

história acabou por demonstrar que a verdade é justamente o contrário;

para isso, contudo, foram necessárias várias revoluções, e até hoje é difícil

pôr em prática essa verdade, embora ela já tenha sido plenamente

conquistada no plano teórico.

O Estado e suas formas possíveis

O Estado, cujas naturezas e finalidade já estabelecemos, pode ser posto em

prática sob diferentes formas, isto é, sob diferentes “constituições”. Eis a

maneira como Aristóteles define a constituição: “[...] é a estrutura que dá

ordem à cidade, estabelecendo o funcionamento de todos os cargos e


8
sobretudo da autoridade soberana”. Ora, claro que, a partir do momento

em que essa autoridade soberana pode se realizar sob diversas formas, as

constituições serão tantas quantas forem as formas. O poder soberano pode

ser exercido: a) por um só homem; b) por poucos homens; c) pela maior parte

dos homens. Mas isso não é suficiente. Cada uma dessas três formas de

governo pode ser exercida de modo correto, de modo incorreto ou, mais

precisamente:
Quando um só, poucos ou a maioria exerce o poder tendo em vista o interesse comum,

então há necessariamente as constituições justas; quando um, poucos ou a maioria

9
exerce o poder tendo em vista seu interesse privado, então há os desvios.

Assim, há três formas de constituição justa: a) monarquia; b) aristocracia;

c) politeia. A elas corresponde o mesmo número de formas de constituição

ilegítimas: a) tirania; 2) oligarquia; 3) democracia. (Para melhor

compreensão, o leitor moderno deve ter em mente o que o Estagirita

entende por “democracia”: um governo que, deixando de lado o bem de

todos, visa a favorecer os interesses dos mais pobres de modo indevido. Por

conseguinte, ele dá ao termo a acepção negativa que hoje atribuiríamos à

palavra “demagogia”; Aristóteles, na verdade, faz questão de esclarecer que o

erro em que incorre a democracia é considerar que, como todos são iguais

em liberdade, podem e devem ser iguais também em todo o resto.)

Qual a melhor entre essas três constituições?

A resposta de Aristóteles é plurívoca. Antes de mais nada, é preciso dizer

que as três formas de governo, quando exercidas com retidão, são naturais e

portanto boas, porque o bem do Estado consiste em visar ao bem comum.

No entanto, é evidente que, se existisse numa cidade um homem que

superasse a todos, o poder monárquico caberia a ele; e se houvesse um

grupo de indivíduos excelentes em virtude, seria o caso de um governo

aristocrático. Portanto, em tese, a monarquia seria a melhor forma de

governo, desde que houvesse na cidade um homem excepcional; a

aristocracia o seria, por sua vez, quando houvesse um grupo de homens

excepcionais. Mas como tais condições não se verificam na realidade,

Aristóteles, com seu forte senso de realidade, indica a politeia como forma

de governo mais conveniente para a cidade grega de seu tempo; nela não

havia um ou poucos homens excepcionais, mas muitos homens, que, não

sendo excelentes na virtude política, eram capazes de comandar e ser

comandados, alternadamente, segundo a lei.

A politeia é quase um meio-termo entre a oligarquia e a democracia; ou,

como os estudiosos bem observaram, uma democracia temperada com

oligarquia; de fato, quem governa é uma multidão (como na democracia),

não uma minoria (como na oligarquia); porém não se trata de uma

multidão pobre (ao contrário da democracia), mas de uma multidão

suficientemente abastada para servir ao exército e que se destaca também na

capacidade e na virtude guerreiras. Como se pode ver, a politeia dosa as

qualidades e elimina os defeitos das duas formas desviantes; portanto, no


esquema geral traçado pelo Estagirita, ela acaba se situando em posição um

tanto anômala, pois está num plano diverso, seja em relação às duas

primeiras constituições perfeitas, seja em relação às três imperfeitas. A

politeia, portanto, como já observaram os estudiosos, é a constituição que

valoriza “a classe média”, que, justamente por ser “média”, oferece maiores

garantias de estabilidade. Eis as afirmações explícitas de Aristóteles:

Uma cidade almeja ser constituída, na medida do possível, por cidadãos iguais e

semelhantes entre si, e isso acontece sobretudo com cidadãos pertencentes às classes

médias; por isso a cidade mais bem governada será aquela em que se realizam tais

condições, das quais deriva por natureza a possibilidade da comunidade de cidadãos.

De mais a mais, justamente a classe que funda essas possibilidades, ou seja, a classe

média, é que tem sua existência garantida na cidade. Os que a ela pertencem, por não

serem pobres, não desejam as condições dos demais, nem os outros desejam as deles,

como acontece com os ricos, cuja posição é invejada pelos pobres. Por isso, não

tramando contra os outros e não sendo objeto de tramas, eles passam a vida sem

perigos. Como dizia Focílides: “Muitas coisas são ótimas por sua posição

intermediária, e é nessa posição que quero estar na cidade.” É evidente, portanto, que a

melhor comunidade política é a que se baseia na classe média; as cidades que se

encontram nessas condições podem ser bem governadas; isto é, aquelas — digo — em

que a classe média é mais numerosa e mais poderosa que as duas classes extremas ou

10
pelo menos uma delas.

Portanto, assim como na ética, também na política o conceito de “meio-

termo” desempenha papel fundamental.

O Estado ideal

Não cabe falar aqui, dado seu caráter minucioso e até técnico, das análises

que Aristóteles elabora nos livros iv, v e vi da Política (dedicados ao exame

dos vários gêneros e espécies de constituição, das várias formas de

revolução, das causas que as determinam e de como é possível preveni-las).

O Estagirita dá provas de um extraordinário conhecimento histórico, uma

compreensão penetrante e fina sagacidade no entendimento dos fatos e

acontecimentos políticos que são realmente notáveis.

Em contrapartida, despertam maior interesse, no que diz respeito à

problemática propriamente filosófica, os últimos dois livros, dedicados à

análise do Estado ideal. À medida que, para Aristóteles, a concepção de

Estado, como vimos, é fundamentalmente moral, não é de admirar que ele

centralize seu discurso antes nos problemas morais e educativos que nos

aspectos técnicos relativos às instituições e às magistraturas. Vimos na Ética

que os bens pertencem a três gêneros diferentes: bens exteriores, bens


corporais e bens espirituais da alma. E vimos também em que sentido os

dois primeiros devem ser considerados simples meios para a realização dos

terceiros. Isso vale — diz Aristóteles — tanto para o indivíduo quanto para

o Estado, que também deve bus-car os dois primeiros de maneira limitada e

exclusivamente em função dos bens espirituais, pois a felicidade consiste ape-

nas neles.
11
Eis as condições ideias para dar lugar a um Estado feliz:

a) Quanto à população, condição primeira da atividade política, ela não

deve ser nem muito pequena nem numerosa demais, mas na medida justa.

De fato, uma cidade que tem poucos cidadãos não poderá ser

autossuficiente, e a cidade deve bastar a si mesma. Aquela que tem um

número grande demais de cidadãos, por sua vez, dificilmente será

governável. Ninguém pode ser general de um grande número de cidadãos.

Ninguém pode ser o arauto de uma cidade populosa demais se não tiver a

voz do guerreiro Estentor. Os cidadãos não irão conhecer uns aos outros, e,

portanto, não poderão distribuir os cargos com conhecimento de causa. Em

suma, Aristóteles quer uma cidade na medida do homem.

b) Também o território deve apresentar características semelhantes.

Deverá ser grande o suficiente para fornecer o necessário à vida, sem

produção excedente. Deverá ser alcançável com a vista. Deverá ser difícil de

atacar e fácil de defender, em posição favorável tanto em relação ao interior

quanto em relação ao mar.

c) As qualidades ideais do cidadão são — na opinião de Aristóteles —

exatamente as mesmas que os gregos apresentam: quase um meio-termo e

uma síntese das qualidades dos povos nórdicos e dos povos orientais. (Inútil

dizer que, também nesse parecer, o Estagirita é vítima dos mesmos

preconceitos que fizeram com que se acreditasse que os “bárbaros” eram

escravos “por natureza”.)

d) Aristóteles examina então as funções essenciais para a cidade e sua

distribuição ideal. Para subsistir, uma cidade deve possuir: cultivadores de

terra que forneçam alimentos; artesãos que forneçam instrumentos e

manufaturas; guerreiros para defendê-la dos rebeldes e dos inimigos;

comerciantes que produzam riqueza; homens que estabeleçam o que é útil à

comunidade e quais são os direitos recíprocos do cidadão; sacerdotes que

cuidem do culto.

Pois bem: a boa cidade impede que todos os cidadãos exerçam todas essas

funções. De início, na cidade ideal, não deverá ser praticada uma forma de
vida particular, como a dos agricultores, operários ou ainda dos

comerciantes; esses são modelos de vida ignóbeis e contrários à virtude, e,

de todo modo, capazes de impedir o exercício da virtude, pois não

propiciam a disponibilidade e o tempo livre necessários para isso. Os

camponeses, portanto, serão escravos, e os operários e comerciantes não

farão parte dos “cidadãos”. Os verdadeiros cidadãos tratarão apenas da

guerra, do governo e do culto. Por sua natureza, tais funções, que exigem

virtudes diversas (o guerreiro deve ter força, o juiz e o legislador, sensatez),

terão de estar a cargo de pessoas diversas; mas isso dificilmente seria aceito

pelos guerreiros, que, possuindo a força militar, em qualquer caso exigiriam

também o poder político.

A solução proposta por Aristóteles é a seguinte: as mesmas pessoas

exerceriam essas funções em tempos diversos. “A natureza determina que os

jovens possuam a força e os velhos, a sensatez, de modo que é útil e justo


12
dividir os poderes tendo em conta esse fato.” Assim, os cidadãos serão

primeiro guerreiros, depois conselheiros e enfim sacerdotes. Todos eles serão

abastados e — como camponeses, operários e mercadores encarregam-se de

fornecer o que é preciso para satisfazer as necessidades materiais — terão

todo o seu tempo disponível para o exercício da virtude e para a plena

realização da vida feliz. Desse modo, o “bem viver” e a felicidade são

concedidos apenas a esse número restrito de “cidadãos”; todos os outros,

mesmo que vivam e atuem na cidade, são reduzidos a simples “condições

necessárias” para a vida fe-liz dos demais, e estarão, portanto, condenados a

uma vida infra-humana. Aqui estamos diante do habitual condicionamento

histórico-social que limita profundamente o pensamento aristotélico sobre

esse tema, situando-o numa dimensão muito distante da nossa, pois, de

forma substancial, o filósofo julga necessário que muitos homens vivam

uma vida infra-humana ou não perfeitamente humana para que os demais

possam viver a plena e perfeita vida humana, e considera tudo isso

“natural”.

e) Ainda há, contudo, um ponto essencial. A felicidade da cidade depende

da virtude, mas a virtude vive em cada cidadão; portanto, a cidade só pode

se tornar e ser feliz à medida que cada cidadão se torne e seja virtuoso.

Como cada homem pode se tornar virtuoso e bom? Em primeiro lugar, deve

haver certa disposição natural que, em seguida, recebe a influência dos

hábitos e costumes, ou seja, dos pensamentos e discursos. Ora, a educação


age justamente sobre hábitos e pensamentos; por conseguinte, ela é fator de

enorme importância no Estado.

Os cidadãos devem ser educados de modo fundamentalmente igual para

que sejam capazes, em seus turnos, de obedecer e comandar, posto que,

sempre em turnos, deve-rão obedecer (quando forem jovens) e em seguida

comandar (quando se tornarem homens maduros). Em particular, dado que

a virtude do cidadão bom e do homem bom é idêntica, a educação deverá ter

em mira, de modo substancial, a formação de homens bons; ela deverá

fornecer os meios para que o ideal estabelecido pela ética se realize, isto é, para

que o corpo viva em função da alma, as partes inferiores da alma em função

das superiores, e, em particular, para que se realize o ideal da pura

contemplação. Escreve o filósofo:

Introduzindo nas ações uma distinção análoga à que foi feita em relação às partes da

alma, poderemos dizer que são preferíveis aquelas que derivam da melhor parte da

alma, pelo menos para quem saiba comparar todas ou ao menos duas partes da alma,

pois todos consideram melhor aquilo que tende para um fim mais elevado. Qualquer

tipo de vida ainda pode ser dividido em dois, segundo sua tendência para as ocupações

e o trabalho ou para a liberdade em relação a qualquer compromisso, ou para a guerra

ou para a paz; em conformidade com essas distinções, as ações são necessárias e úteis

ou belas. Ao escolher esses ideais de vida, é preciso seguir as mesmas preferências que

valem para as partes da alma e para as ações que delas derivam; é preciso escolher a

guerra tendo como objetivo a paz, o trabalho tendo como objetivo a libertação em relação a

ele, as coisas necessárias e úteis para alcançar as belas. O legislador deve ter em mente

todos estes elementos que acabamos de anali-sar, as partes da alma e as ações que as

caracterizam, mirando sempre as melhores, de modo que sejam tomadas como fins,

não apenas como meios. Esse critério deve guiar o legislador em seu comportamento

diante das várias concepções da vida e dos vários tipos de ação: é necessário atender ao

trabalho, fazer a guerra, praticar as coisas necessárias e úteis; mais que isso, é preciso

13
praticar o livre repouso, viver em paz e fazer coisas belas [ou seja, contemplar].

O Estado, não os indivíduos privados, deverá ministrar a educação, que

tem início naturalmente com o corpo, desenvolvendo este primeiro que a

razão; ela prossegue com a educação dos impulsos, dos instintos e dos

apetites; e, enfim, encerra-se com a educação da alma racional. A tradicional

educação ginástico-musical grega é adotada pelo Estado aristotélico, e é com

essa descrição que termina a Política.

Deve-se apenas reiterar que as classes inferiores estão excluídas da

educação. Para Aristóteles, uma educação técnico-profissional é um

contrassenso, pois não educaria em benefício do homem, mas das coisas que

servem ao homem, enquanto a verdadeira educação é uma formação no


sentido de se tornar verdadeira e plenamente homem. Pretensão admirável

esta, e que teria muito a dizer ainda hoje, se Aristóteles não pretendesse que,

para que alguns possam se tornar e ser perfeitamente homens, outros devem

prosseguir presos ao destino de ser homens pela metade.

Em suma, também na política a concepção metaempírica da alma e dos

valores da alma constitui a linha de força a partir da qual se desenvolve todo

o discurso aristotélico. Aqui também Aristóteles se mostra bem mais

próximo de Platão do que se costuma acreditar: o Estagirita critica e rejeita

certos aspectos aberrantes da República platônica, mas não seu ideal básico.

NOTAS
1. Pol. a 2, 1.253 a 27-30. A tradução dos trechos citados é de C. A. Viano, “Política” e “Costituzione

d’Atene” di Aristotele, Utet, Turim, 1955.

2. Cf. Pol. a 5.

3. Pol. a 7 ss.

4. Pol. b.

5. Pol. G 1.

6. Pol. G 5.

7. Pol. G 5, 1.278 a 2 ss.

8. Pol. G 6, 1.078 b 8-10.

9. Pol. G 7, 1.079 a 27-31.

10. Pol. D 11, 1.295 b e 5-34.

11. Cf. Pol. h 4 ss.

12. Pol. h 9, 1.329 a 14-17.

13. Pol. h 14, 1.333 a 26; 1.333 b 3.


VII.

A FILOSOFIA DA ARTE: ANÁLISE DA POÉTICA

Conceito de ciências produtivas

Já vimos que o terceiro gênero das ciências é constituído pelas “ciências

poiéticas”, ou “ciências produtivas”. Como diz o nome, tais ciências ensinam

a criar e a produzir coisas, objetos, instrumentos, segundo regras e

conhecimentos precisos.

Como é óbvio, trata-se das várias artes ou, como falamos, ainda lançando

mão de um termo grego, das “técnicas”. Contudo, na formulação do

conceito de arte, os gregos visavam, mais do que nós, ao momento cognitivo

que ele pressupõe, sublinhando, em especial, a contraposição entre arte e

experiência; na verdade, esta última implica uma repetição

preponderantemente mecânica e não vai além do conhecimento do quê, ou

seja, do dado de fato, enquanto a arte vai além, referindo-se ao

conhecimento do porquê ou se aproximando disso, e constitui, enquanto

tal, uma forma de conhecimento. Fica evidente, portanto, a razão da

inclusão das artes no quadro geral do saber, assim como o motivo de sua

posição no terceiro e último grau, pois elas são um saber, mas um saber que

não é fim em si mesmo e tampouco se volta para o benefício do agir moral

(como o saber prático), mas para o benefício do objeto produzido.

As ciências poiéticas, em seu conjunto, só indiretamente dizem respeito à

pesquisa filosófica. A exceção são as belas-artes, que se distinguem do

conjunto das outras artes na estrutura ou na finalidade.

Diz Aristóteles: “Algumas coisas que a natureza não sabe fazer a arte faz;
1
outras, ao contrário, ela imita.”

Logo, há artes que completam e integram de algum modo a natureza e,

portanto, têm como fim a mera utilidade pragmática; e artes que, ao

contrário, “imitam” a própria natureza, reproduzindo ou recriando alguns

de seus aspectos com material moldável, com cores, sons ou palavras, e

cujos fins não coincidem com os fins da mera utilidade pragmática. São estas

as chamadas “belas-artes”, objeto de Aristóteles na Poética. Na verdade, o

Estagirita limita-se à análise da poesia e, a bem dizer, apenas da poesia


trágica; apenas subordinadamente examina a poesia épica (numa parte da

obra que se perdeu, e teria tratado também da comédia). Mas algumas das

coisas que diz valem também para as belas-artes em geral, ou pelo menos

podem ser estendidas às outras belas-artes. Dois são os conceitos que devem

concentrar nossa atenção para compreendermos qual é, na visão de

Aristóteles, a natureza do fato artístico: a) o conceito de “mimese” e b) o

conceito de “catarse”.

A mimese poética

Comecemos pelo exame da mimese. Platão censurou a arte com severidade

justamente por se tratar de mimese, ou seja, de imitação de coisas

fenomênicas, as quais (como sabemos), por sua vez, são imitações dos

paradigmas eternos das Ideias; desse modo, a arte seria cópia da cópia,

aparência de aparência, esgotando o verdadeiro até fazê-lo desaparecer.

Aristóteles opõe-se nitidamente a esse modo de conceber a arte e interpreta

a mimese artística a partir de uma perspectiva oposta, transformando-a

numa atividade que, longe de reproduzir passivamente a aparência das

coisas, quase recria as coisas segundo uma nova dimensão.

Eis o texto basilar a respeito disso:

[...] fica claro [...] que não é ofício do poeta descrever as coisas que realmente

aconteceram, mas as que podem acontecer em determinadas circunstâncias, ou seja,

coisas que são possíveis segundo as leis da verossimilhança e da necessidade. De fato, o

historiador e o poeta não diferem porque um escreve em versos, o outro em prosa; a

história de Heródoto bem poderia ser posta em versos; e, mesmo em versos, não seria

menos história. A verdadeira diferença é que o historiador descreve fatos que

realmente ocorreram, e o poeta, fatos que poderiam ocorrer. Por isso a poesia é algo

mais filosófico e mais elevado que a história; a poesia tende, de preferência, para a

representação do universal, e a história, para o particular. Podemos dar uma ideia do

que significa “universal” com o seguinte exemplo: certo indivíduo de tal ou qual

natureza diz ou faz coisas de tal ou qual natureza que correspondem às leis da

verossimilhança ou da necessidade; é justamente a isso que visa a poesia, ainda que dê

nomes próprios a seus personagens. Já o particular ocorre quando se conta, por

2
exemplo, o que fez Alcebíades ou o que lhe aconteceu.

Essa passagem, sob muitos aspectos, é iluminadora.

a) Em primeiro lugar, Aristóteles entende muito bem que a poesia não é

poesia porque usa versos (um historiador poderia usar versos e nem por isso

estaria fazendo poesia). Portanto, é lícito dizer que não são os meios usados

pela arte que a determinam como arte.


b) Em segundo lugar, Aristóteles identifica bem que a poesia (e a arte em

geral) também não depende de seu objeto, ou melhor, do conteúdo de

verdade de seu objeto. Não é a verdade histórica das pessoas, dos fatos e das

circunstâncias nela representada que lhe conferem o valor de arte. A arte,

claro, pode narrar coisas que efetivamente aconteceram, mas só se torna arte

quando acrescenta a essas coisas um certo quê inexistente na narrativa

puramente histórica (é interessante lembrar que o Estagirita entende a

narrativa histórica sobretudo como crônica, como descrição de pessoas e

fatos apenas cronologicamente ligados). Se as Histórias de Heródoto fossem

postas em versos, isso não geraria poesia; contudo, coisas efetivamente

acontecidas e narradas por Heródoto poderiam se transformar em poesia.

Como? Responde Aristóteles:

E ainda que ocorra a um poeta poetar sobre fatos que realmente aconteceram, ele não

será menos poeta por isso; pois nada impede que, entre as coisas que realmente

acontecem, haja algumas de natureza tal que poderiam ser vistas não como coisas que

realmente aconteceram, mas como coisas cuja ocorrência seria possível e verossímil. E

é graças a esse aspecto da possibilidade e da verossimilhança que aquele que resolve

3
narrá-las não é seu historiador, mas seu poeta.

c) Portanto, fica claro, em terceiro lugar, que a arte tem uma

superioridade em relação à história graças ao modo diverso de tratar os fatos.

Enquanto a história permanece inteiramente ligada ao particular,

considerando-o na condição de particular, a arte, mesmo quando fala dos

mesmos fatos que a história, transfigura-os, por assim dizer, pelo modo de

tratá-los e vê-los “sob o aspecto da possibilidade e da verossimilhança”,

fazendo assim com que ganhem um significado mais amplo e, em certo

sentido, universalizando tal objeto. Aristóteles recorre ao termo técnico


4
“universal” (ta; kaJovlou). Mas que tipos de “universal” podem ser os da

arte, esses tipos de universal que (como lemos na passagem inicial) não

desdenham nomes próprios?

d) Evidentemente, não estamos tratando aqui dos universais lógicos, do

tipo que é objeto da filosofia teórica e, em particular, da lógica. Se a arte não

deve reproduzir verdades empíricas, também não deve reproduzir verdades

ideais de tipo abstrato, mais precisamente, verdades lógicas. A arte não só

pode e deve desligar-se da realidade como não deve apresentar fatos e

personagens como são, mas como poderiam ou deveriam ser; pode

também, como Aristóteles diz expressamente, introduzir o irracional e o

impossível, e até dizer mentiras e tornar conveniente o uso de paralogismos


(raciocínios falsos); pode fazer tudo isso desde que torne o impossível e o
5
irracional verossímeis. O Estagirita chega a dizer o seguinte: “O impossível
6
verossímil é preferível ao possível, porém incrível.” E ainda: “No que diz

respeito às exigências da poesia, é preciso ter em mente que se deve preferir

sempre uma coisa impossível, embora crível, a uma coisa incrível, mesmo
7
que possível.” Sendo assim, a arte pode muito bem representar os deuses de

modo inverídico, porque é assim que são representados pelo povo e, como

crença do povo, passam a fazer parte da vida.

e) A universalidade da representação da arte nasce de sua capacidade de

reproduzir os acontecimentos “segundo a lei da verossimilhança e da

necessidade”; ou seja, de sua capacidade de reconstituir os acontecimentos

de tal maneira que eles se mostrem interligados e conectados de modo

perfeitamente unitário, quase como um organismo no qual cada parte tem

seu sentido em função do todo do qual faz parte.

Então, com terminologia crociana, Valgimigli diz que o universal da arte é


8
“o universal concreto, ou melhor, no máximo de sua concretude”.

Poderíamos dizer também que é o “universal fantástico”, usando modelos

mais próximos dos de Vico. Mas é óbvio que essa terminologia nos leva

decididamente para além de Aristóteles. Não obstante, é evidente que, pelas

considerações feitas antes, na célebre passagem de que lançamos mão como

ponto de partida, o Estagirita intuiu, mesmo que vaga e confusamente, tudo

isto: a arte é mais filosófica que a história, mas não é filosofia; o universal da

arte não é o universal lógico e, portanto, é algo autônomo, que tem seu

próprio valor, embora este não seja o valor do verdadeiro historiador nem o

valor do verdadeiro lógico. A posição platônica fica, assim, nitidamente

superada.

O belo

A estética moderna nos habituou a considerar os problemas da arte de tal

maneira que é difícil pensar na possibilidade de defini-la prescindindo de

uma concepção adequada do belo. Na realidade, isso não era assim tão claro

para os antigos. Platão ligou o belo antes à erótica que à arte, e Aristóteles,

mesmo relacionando o belo à arte, só o definiu de forma incidental na

Poética. Eis, portanto, sua definição:

[...] o belo, seja ele um ser animado ou outro objeto qualquer, desde que igualmente

constituído de partes, não só deve apresentar certa ordem particular entre essas partes

como também deve ter, dentro de determinados limites, uma grandeza própria; na
verdade, o belo consiste na grandeza e na ordem. Portanto, não pode ser belo um

organismo excessivamente pequeno, pois, em tal caso, atuando-se num lapso de tempo

quase imperceptível, a vista se confunde; tampouco pode ser um organismo

excessivamente grande, como, por exemplo, um ser de 10 mil estádios, pois o olho não

conseguiria abarcar o objeto em seu conjunto; assim, sua unidade e sua totalidade

9
orgânica escapariam a quem olha.

Aristóteles exprimiu o mesmo conceito na Metafísica, onde o belo se

relaciona às matemáticas:

Posto que o bem e o belo são diversos (o primeiro se encontra sempre nas ações,

enquanto o segundo se encontra também nos entes imóveis), equivocam-se os que

afirmam que as ciências matemáticas não dizem nada sobre o belo e sobre o bem. De

fato, as matemáticas falam do bem e do belo, e conseguem revelá-los em grau máximo;

se é verdade que nunca os nomeiam explicitamente, dão a conhecer, todavia, seus

efeitos e razões; portanto, não se pode dizer que não falam deles. As formas supremas

do belo são a ordem, a simetria e o definido — e as matemáticas nos levam a conhecê-

10
los mais que todas as outras ciências.

Por conseguinte, para Aristóteles, o belo implica ordem, simetria de

partes, determinação quantitativa, ou, em uma palavra, proporção.

Compreende-se assim que, ao aplicar tais cânones à tragédia, Aristóteles

estabelecesse que ela não poderia ser muito longa nem muito curta, porém

capaz de ser apreendida pela mente de um só golpe, do princípio ao fim.


11
Para ele, a mesma coisa valeria para qualquer obra de arte.

Esse modo de Aristóteles conceber o belo traz a clara marca helênica do

“nada em demasia” e da “medida”; em especial, refere-se ao pensamento

pitagórico, que via a perfeição no “limite”.

A catarse

Dissemos que Aristóteles trata fundamentalmente da tragédia e que

desenvolve sua teoria da arte em relação a ela. Não cabe aqui abordar os

pormenores da questão, mas é preciso destacar um ponto que, mesmo

apresentado em estreita conexão com a definição de tragédia, vale para a

arte em geral. Escreve ele:

Tragédia [...] é mimese de uma ação séria e completa em si mesma, com uma

determinada extensão, em linguagem embelezada por várias espécies de ornamentos,

mas cada um em seu lugar, nas diversas partes; em forma dramática e não narrativa,

que, mediante uma série de casos que suscitam piedade e terror, tem como efeito aliviar

12
e purificar a espírito de tais paixões.

O texto original diz exatamente que ela tem como efeito a catarse das

paixões (kavJarsi~ tw~n paJhmavtwn). O ponto mais interessante é o fim


da definição, que, no entanto, é bastante ambíguo; em consequência, foi

objeto de diferentes exegeses. Alguns consideraram que Aristóteles estava

falando de purificação das paixões no sentido moral, quase como uma

sublimação obtida pela eliminação daquilo que elas têm de deletério.

Outros, ao contrário, entenderam a “catarse das paixões” no sentido de

suspensão ou eliminação temporária das paixões num sentido quase


13
fisiológico, e, portanto, no sentido de livrar-se das paixões.

É provável que Aristóteles explicasse mais a fundo o sentido da catarse no

segundo livro da Poética, mas infelizmente este se perdeu. Contudo, temos

dois trechos da Política que mencionam o assunto e gostaríamos de

mencioná-los, dada a importância da questão. Eis o primeiro trecho:

Ademais, a flauta não é um instrumento que favoreça as qualidades morais, mas

suscita antes emoções desenfrea-das, tanto que deve ser usada somente nas ocasiões em

14
que ouvi-la, mais que um aumento de saber, produz catarse.”

Na segunda passagem, ele determina:

Aceitamos a distinção feita por alguns filósofos entre as melodias com conteúdo moral,

aquelas que estimulam a ação e aquelas que suscitam entusiasmo; em exata

correspondência são classificadas também as harmonias. Acrescente-se a isso o fato de

que, a nosso ver, a música não deve ser praticada tendo em vista um só tipo de

benefício que dela possa derivar, mas múltiplos usos, pois pode servir para a educação,

para obter a catarse [...] e, em terceiro lugar, para o repouso, o alívio do espírito e a

suspensão das fadigas. De todas essas considerações, resulta evidente que é pre-ciso

fazer uso de todas as harmonias, no entanto, não do mesmo modo, empregando na

educação aquelas que têm maior conteúdo moral e na audição de músicas executadas

por outras pessoas as que incitam a ação ou inspiram comoção. Essas emoções, tais

como piedade, medo e entusias-mo, que em certas pessoas encontram forte

ressonância, se manifestam em todos, porém mais em alguns e menos em outros.

Vemos ainda que quando alguns, a quem elas comovem intensamente, ouvem cânticos

sagrados que impressionam a alma, logo se encontram na situação de quem foi curado

ou purificado. A mesma coisa vale necessariamente para os sentimentos de piedade, de

medo e, em geral, para todos os sentimentos e afecções, dependendo da necessidade de

cada um, pois todos podem sentir uma purificação e um agradável alívio. De forma

análoga, as músicas particularmente adequadas para produzir purificação

15
proporcionam aos homens uma alegria inocente.

Essas passagens demonstram claramente que a “catarse poética” não é

uma purificação de caráter moral (posto que é expressamente distinta dela),

mas também fica evidente que ela não pode ser reduzida a um fato

puramente fisiológico. É provável — e em qualquer caso possível — que,

mesmo com oscilações e incertezas, Aristóteles entrevisse nessa agradável


“liberação” efetuada pela arte algo semelhante àquilo que hoje chamamos de

“prazer estético”.

Platão havia condenado a arte — entre outras coisas — também por

desencadear sentimentos e emoções, debilitan-do o elemento racional capaz

de dominá-los. Aristóteles vira a interpretação platônica de cabeça para

baixo: a arte não nos carrega, mas nos descarrega da emotividade, e o tipo

de emoção que ela proporciona não só não prejudica, como de certo modo

é capaz de curar.

NOTAS
1. Phys. b 8, 199 a 15-17

2. Poet. 9, 1.451 a 36, 1.451 b 11. Todos os trechos da Poética aqui citados foram extraídos da tradução

de M. Valgimigli; cf. nota 8, abaixo.

3. Poet. 9, 1.451 b 29-33.

4. Poet. 9, 1.451 b 7.

5. Poet. 24, 1.460 a 13 ss.

6. Poet. 24, 1.460 a 26 ss.

7. Poet. 25, 1.461 b 11 ss.

8. M. Valgimigli (org.), Aristóteles, Poetica, Bari, 1968 7, p. 28. (A tradução da Poética foi publicada

na coleção Filosofi Antichi e Medioevali e na Piccola Biblioteca Filosofica Laterza, em edição

condensada. Citamos esta última.)

9. Poet. 7, 1.450 b 36; 1.451 a 4.

10. Metaph. m 3, 1.078 a 31; 1.078 b 2.

11. Cf. Poet. 7.

12. Poet. 6, 1.449 b 24-28.

13. Entre os muitos textos sobre esse assunto, indicamos o artigo de W. J. Verdenius, “Kátharsis tôn

pathe matón”, em vários autores, Autour d’Aristote, Louvain, 1955, p. 367-373, que debate de

maneira sucinta e clara todos os elementos necessários para a compreensão da questão.

14. Pol. Q 6, 1.341 a 21-24 (trad. Viano).

15. Pol. Q 7, 1.341 b 32, 1.342 a 16.


VIII.

A FUNDAÇÃO DA LÓGICA: ANÁLISE DO ORGANON

Conceito de lógica, ou “analítica”

No esquema que serviu de base para que o Estagirita subdividisse e

sistematizasse as ciências, a lógica não encontra espaço, e isso não se dá por

acaso. A lógica não diz respeito à produção de algo (como as ciências

poiéticas), nem à ação moral (como as ciências práticas), nem sequer a uma

determinada realidade distinta daquela que é objeto da metafísica, da física

ou da matemática (ciências teóricas).

A lógica, ao contrário, considera a forma que deve ter qualquer tipo de

discurso visando a demonstrar alguma coisa e pretendendo, em geral, ser

conclusivo. Portanto, a lógica mostra como o pensamento procede quando

pensa, qual é a estrutura do raciocínio, quais são seus elementos, como é

possível fornecer demonstrações, que tipos e modos de demonstração

existem, o que demonstram e quando são possíveis.

Naturalmente, poderíamos dizer que a lógica também é ciência, pois seu

conteúdo é dado pelas operações do pensamento, ou seja, daquele ens


1
tamquam verum (o ser lógico) que o Estagirita distinguiu. Contudo, isso só

se encaixaria de maneira parcial nas concepções de Aristóteles, que chamou


2
a lógica de “ciência” apenas de passagem e quase por acaso, considerando-

a antes um estudo preliminar, uma propedêutica comum a todas as ciências.

Assim, o termo organon, que significa “instrumento”, introduzido por

Alexandre de Afrodísia para designar a lógica em seu conjunto (e que, a

partir do século vi d.C., foi utilizado como título do conjunto de todos os

escritos aristotélicos relativos à lógica), define bem o conceito e o fim da

lógica aristotélica, que forneceria os instrumentos mentais necessários para


3
enfrentar qualquer tipo de investigação.

Mas ainda é preciso acrescentar que o termo lógica não foi usado por

Aristóteles para designar aquilo que entendemos hoje por lógica. Seu

emprego nessa acepção remonta à época de Cícero (e provavelmente tem


4
origem estoica), mas só se consolidou em definitivo com Alexandre.
Aristóteles preferia usar a palavra “analítica”, e Analíticos é o título dos
5
escritos fundamentais do Organon.

A analítica (do grego analysis, que quer dizer “resolução”) explica o

método pelo qual, partindo de determinada conclusão, podemos decompô-

la nos elementos dos quais ela deriva, isto é, nas premissas de onde brota;

assim, é possível fundamentá-la e justificá-la. A analítica é substancialmente

a doutrina do silogismo e constituiu o núcleo fundamental, o eixo em torno

do qual giram todas as outras figuras da lógica aristotélica. O Estagirita,

aliás, tinha perfeita consciência de ter sido o descobridor do silogismo, tanto

que, no fim de Refutações sofísticas, diz com toda a clareza que, embora

houvesse muitos e antigos tratados sobre os discursos retóricos, nada havia


6
sobre o silogismo.

Isso equivale a dizer que, como a lógica (aristotelicamente entendida)

polariza-se completamente em torno ao silogismo, foi a descoberta do

silogismo que permitiu a Aristóteles a organização e em seguida a

enucleação de toda a problemática lógica e, por conseguinte, a fundação da

lógica.

O esquema geral dos escritos lógicos e a gênese da lógica aristotélica

Para melhor orientação na exposição do tema, é oportuno esboçar

exatamente o esquema geral que emerge dos escritos lógicos de Aristóteles

que chegaram até nós. Sem dúvida eles não foram redigidos na ordem em
7
que depois se sistematizaram no Organon; mesmo assim, é nessa ordem

que têm sido lidos. No centro, como vimos, estão os Analíticos (que
8
Aristóteles talvez considerasse uma obra única), que logo foram divididos

em Analíticos primeiros e Analíticos segundos. Os primeiros tratam da

estrutura do silogismo em geral, de suas diversas figuras e de seus diferentes

modos, considerando-o de maneira formal, ou seja, prescindindo do seu

valor de verdade e examinando apenas a coerência formal do raciocínio. Na

verdade, pode haver um silogismo formalmente correto, que parte de

determinadas premissas para deduzir as consequências que elas impõem;

mas, se as premissas não são verdadeiras, chega-se a conclusões inverídicas,

embora o silogismo esteja formalmente correto. Nos Analíticos segundos, ao

contrário, Aristóteles trata do silogismo que, além de formalmente correto,

é também verdadeiro, ou seja, do silogismo científico, que constitui a

demonstração propriamente dita, verdadeira. O filósofo dá a ele a seguinte

definição:
Chamo de demonstração o silogismo científico; chamo de científico aquele silogismo

com base no qual, pelo fato de possuí-lo, há ciência. Então, se a ciência é dessa forma

que propusemos, é necessário que a ciência demonstrativa proceda de proposições

verdadeiras, imediatas, mais conhecidas, anteriores e causas das conclusões. Assim

sendo, os princípios serão efetivamente pertinentes ao demonstrado. A bem dizer, o

silogismo subsiste mesmo sem essas condições, mas a demonstração não pode subsistir

9
sem elas, pois não estaria produzindo ciência.

Por conseguinte, os Analíticos segundos, além das premissas, tratam do

modo como elas são conhecidas e dos correlatos problemas de definição.

Nos Tópicos, por sua vez, Aristóteles analisa o silogismo dialético, aquele

que parte de premissas baseadas simplesmente na opinião ou em elementos

que parecem aceitáveis para todos ou aceitáveis para a maioria, e que,

portanto, proporciona vários tipos de argumentação puramente prováveis.

Por fim, em Refutações sofísticas (que talvez formassem o último livro dos
10
Tópicos), ele trata das argumentações sofísticas.

Como os silogismos são constituídos por juízos e proposições que, por

sua vez, são constituídos por conceitos e termos, Aristóteles precisava

examinar tanto os primeiros quanto os segundos. Nas Categorias e em Sobre

a interpretação encontram-se, respectivamente, de maneira aproximativa,

análises relativas aos elementos mais simples da proposição: os conceitos ou

termos primeiros, o juízo e a proposição. Diante disso, os responsáveis pela

sistematização do Organon consideraram natural que esses tratados fossem

dispostos no início do livro, quase como preliminares dos Analíticos e dos

Tópicos. Essa ligação permanece, não há dúvida, mas é muito mais tênue do

que se julgou no passado. É importante observar em especial que a doutrina

do conceito e da proposição, tal como apresentada nos tratados de lógica

clássica e em boa parte dos escritos com caráter de manual, na maioria é

fruto de reelaborações posteriores (sobretudo medievais) de alguns

elementos extraídos de Aristóteles.

Enfim, é importante recordar, para não deixar escapar o sentido da lógica

aristotélica, que ela nasceu de uma reflexão acerca dos procedimentos

iniciada pelos filósofos precedentes, sobretudo pelos sofistas, e mais ainda

acerca do procedimento socrático, em particular da forma como foi

ampliado e aprofundado por Platão. Decerto o método matemático

também teve sua influência, como demonstra a própria terminologia

utilizada para indicar várias figuras da lógica. Mas a matemática foi apenas

um componente, e tampouco havia outras ciências cujos métodos pudessem

ter sugerido tais descobertas a Aristóteles. A lógica aristotélica, portanto,


tem uma gênese eminentemente filosófica: ela marca o momento em que o

logos filosófico, já amadurecido pela estruturação de todas as principais

questões, torna-se capaz de problematizar a si mesmo e ao próprio modo de

proceder, e estabelece, depois de ter aprendido a raciocinar, o que é a

própria razão, ou seja, como se faz para racionar, como, quando e sobre que

coisas é possível raciocinar.

Só essa descoberta já seria suficiente para dar a Aristóteles um dos

primeiríssimos lugares na história do pensamento humano.

As categorias, os termos e a definição

O tratado Categorias estuda, como dissemos, algo que de certa maneira

corresponde ao estudo do elemento mais simples da lógica. Se tomarmos

uma proposição como “O homem corre”, ou “O homem vence”, e

desfizermos o nexo que a une, ou seja, se separarmos o sujeito do predicado,

obte-remos palavras “sem conexão”, sem qualquer ligação com a

proposição, como “homem”, “vence”, “corre” (termos desconectados que,

ao se combinarem, dão origem à proposição). Ora, diz Aristóteles:

Das coisas ditas sem nenhuma conexão, cada qual significa a substância, ou a

quantidade, ou a qualidade, ou a relação, ou o onde, ou o quando, ou estar numa

11
posição, ou o ter, ou o fazer, ou o sofrer.

Como se pode ver, essas são as “categorias” que já conhecemos da

Metafísica. É uma lista de dez (talvez uma pitagórica homenagem ao

número perfeito da década), mas sabemos que, na verdade, o número mais

exato é oito, pois “estar numa posição” (ou “jazer”) e o “ter” são

subsumíveis em outras categorias.

Se, como vimos, as categorias representam os significados fundamentais

do ser do ponto de vista metafísico, claro que, do ponto de vista lógico,

representarão (por conseguinte) os gêneros supremos aos quais todos os

termos da proposição devem se reportar. Portanto, a passagem citada é

claríssima: quando decompomos uma proposição em seus termos, cada um

e todos os termos obtidos representam, em última análise, uma das

categorias. Logo, assim como as categorias representam (do ponto de vista

ontológico) os significados últimos do ser, elas também representam (do

ponto de vista lógico) os significados últimos aos quais são redutíveis todos

os termos de uma proposição. Decompondo a proposição “Sócrates corre”,

obteremos “Sócrates”, que pertence à categoria da substância, e “corre”, que

pertence à categoria do “fazer”. Assim, quando digo “Sócrates está agora no


Liceu” e decomponho a proposição, obtenho “Sócrates”, da categoria da

substância; “agora”, da categoria do “quando”; “no Liceu”, categoria do

“onde”; e assim sucessivamente.

O termo “categoria” foi traduzido por Boécio como “predicamento”, mas

a tradução só exprime parcialmente o sentido da palavra grega — e não é de

todo adequada, dá origem a inúmeras dificuldades, em grande parte

elimináveis quando se mantém o original. De fato, a primeira categoria

desempenha sempre o papel de sujeito e só impropriamente o de predicado,

como quando digo: “Sócrates é um homem” (ou seja, Sócrates é uma

substância); as outras fazem as vezes de predicado (ou, se quisermos, são as

figuras supremas de todos os possíveis predicados, os gêneros supremos de

predicados). E, naturalmente, como a primeira categoria constitui o ser

sobre o qual se apoia o ser das outras, a primeira categoria será o sujeito, e as

outras não poderão deixar de se referir a ele; portanto, só elas poderão ser

predicados no sentido verdadeiro e próprio.

Quando consideramos os termos da proposição isoladamente e tomamos

cada qual em si mesmo, não temos nem verdade nem falsidade. Ou, como

diz Aristóteles:

Essas coisas que listamos, tomadas uma a uma, em si e de per si, não constituem uma

afirmação, a qual só pode ser gerada, ao contrário, por sua conexão recíproca; de fato,

tudo indica que toda afirmação é verdadeira ou falsa, enquanto, entre as coisas ditas

sem nenhuma conexão, nenhuma é verdadeira ou falsa; por exemplo: “homem”,

12
“branco”, “corre”, “vence”.

Isso significa: a verdade (ou falsidade) nunca está nos termos tomados

singularmente, mas somente no juízo que os conecta e na proposição que

expressa tal conexão. Naturalmente, como as categorias não são apenas os

termos que resultam da decomposição da proposição, mas os gêneros aos

quais podem ser reduzidas ou nos quais se incluem, elas são uma coisa

primeira e não redutível depois. No máximo, pode-se dizer que são “seres”,

mas ser não é um gênero (como já vimos), e portanto elas não são definíveis

porque não existe algo mais geral a que possamos recorrer para determiná-

las.

Chegamos assim ao problema da definição, que Aristóteles não trata nas

Categorias, mas nos Analíticos segundos e em outros escritos. Contudo,

como a definição diz respeito aos termos e aos conceitos, cabe falar dela

agora.
Já dissemos que as categorias são indefiníveis, pois são generalíssimas, são

os gêneros supremos. Indefiníveis são também os indivíduos, e por razões

opostas, ou seja, porque são particulares e estão nos antípodas das

categorias: deles, só é possível ter percepção, isto é, uma apreensão

puramente empírica. Mas entre as categorias e os indivíduos há toda uma

gama de noções e conceitos que vão do mais ao menos geral e que

constituem os termos dos juízos e das proposi-ções que formulamos (o

nome que indica o indivíduo só pode aparecer como sujeito). Esses termos,

que estão entre a universalidade das categorias e a particularidade dos

indivíduos, são conhecidos pelo nome de definição (horismós).

O que quer dizer “definir”? Mais que explicar o significado de uma

palavra, quer dizer determinar o que é o objeto que a palavra indica. Por

isso explicam-se perfeitamente as definições que Aristóteles dá para

“definição”: “O discurso que exprime a essência”, ou “o discurso que

exprime a natureza das coisas”, ou ainda “o discurso que exprime a


13
substância das coisas”.

Para poder definir alguma coisa são necessários o “gênero” e a

“diferença”, diz Aristóteles; ou, na fórmula clássica em que se expressa o


14
pensamento aristotélico, o “gênero próximo” e a “diferença específica”.

Se quisermos saber o que quer dizer “homem”, devemos identificar, por

meio da análise, o “gênero próximo” no qual ele se inclui, que não é aquele

de “vivente” (pois também as plantas são viventes), mas o de “animal” (o

animal tem, além da vida vegetativa, também a sensitiva), e depois analisar

as “diferenças” que determinam o gênero animal, até encontrar a “diferença

última”, distintiva do homem, que é “racional”. O homem, portanto, é

“animal” (gênero próximo) “racional” (diferença específica). A essência das


15
coisas é dada pela diferença última que caracteriza o gênero.

Para a definição dos conceitos singulares, vale o que foi dito a respeito das

categorias: uma definição será válida ou não, mas nunca verdadeira ou falsa,

pois verdadeiro e falso implicam sempre uma união ou separação de

conceitos, e isso só acontece no juízo e na proposição, dos quais iremos

falar.

As proposições: Sobre a interpretação

Quando juntamos os termos entre si (um nome e um verbo) e afirmamos

ou negamos algo de alguma outra coisa, então temos o juízo. O juízo,

portanto, é o ato com o qual afirmamos ou negamos um conceito em


relação a outro conceito, e a expressão verbal do juízo é a enunciação ou

proposição. A bem da verdade, Aristóteles não tem uma terminologia

precisa sobre o assunto: aquilo que denominamos juízo ele indica antes

pelos termos apóphasis (afirmação) e katáphasis (negação), ou seja, pelos

termos que indicam as operações de que o juízo é formado. E aquilo que

chamamos de proposição ele indica pelo termo prótasis. Juízo e proposição

constituem a forma mais elementar de conhecimento, aquele que permite

conhecer diretamente o nexo entre um predicado e um sujeito (o verdadeiro

e o falso nascem, portanto, com o juízo, ou seja, com a afirmação e com a

negação; o verdadeiro ocorre quando ao juízo se une o que é realmente

conjunto (ou se separa o que é realmente separado), e o falso, quando ao

juízo se une o que não é conjunto (ou se separa o que não é separado). A

enunciação ou proposição que exprime o juízo expressa sempre afirmação


16
ou negação; portanto, é verdadeira ou falsa. É importante notar que nem

toda frase é uma proposição concernente à lógica; todas as frases que

exprimem preces, invocações, exclamações e assemelhados não dizem

respeito à lógica, mas a outro tipo de discurso, por exemplo, o retórico ou o


17
poético; apenas o discurso apofântico ou declarativo pertence à lógica.

A primeira distinção dos juízos é entre juízos afirmativos e juízos negativos,

dado que julgar é afirmar ou negar algo de alguma outra coisa (como cada

afirmação de uma coisa se opõe à sua negação, e entre afirmação e negação

não há meio-termo, então, necessariamente, a verdade está em uma ou na


18
outra).

Quanto àquilo que receberá o nome de “quantidade”, ou seja, a extensão

(maior ou menor universalidade do sujeito), os juízos se dividem em

universais, se dizem respeito a um universal (por exemplo, “Todos os

homens são brancos”, ou “Nenhum homem é branco”), individuais ou

singulares, quando se referem a um indivíduo (por exemplo, “Sócrates é

branco”, ou “Sócrates não é branco”). Além disso, pode haver um juízo que

diga respeito a um universal, mas não seja universal, como no caso de “Um

homem é branco” (ou “Alguns são brancos”, e as negativas

correspondentes); esse juízo foi denominado particular. (Nos Analíticos,

Aristóteles prefere juízos indefinidos.) Os juízos contraditórios universais e

individuais são sempre um verdadeiro e o outro falso; os particulares

contraditórios, por sua vez, podem ser ambos verdadeiros (um homem é
19
branco, outro não é branco).
Sobre a interpretação analisa, enfim, o modo como se afirma ou se nega

algo de alguma coisa, e, portanto, a modalidade das proposições. Nós não

apenas conectamos ou separamos um predicado e um sujeito dizendo é ou

não é, mas às vezes especificamos também o modo como sujeito e predicado

estão conectados ou separados. Uma coisa é dizer “O sujeito tal é desse

jeito”; outra é dizer “O sujeito tal deve ser desse jeito”; outra ainda é dizer

“O sujeito tal pode ser desse jeito” (eis um exemplo esclarecedor: uma coisa

é dizer “Deus existe”, outra é dizer “Deus deve existir”, e outra, ainda, “Deus

pode existir”). Aristóteles reduz tais proposições que implicam necessidade

e possibilidade à forma assertiva. Assim, temos: para a necessidade, a

proposição “É necessário que A seja B”; para a possibilidade, “É possível que

A seja B”. As negações seriam: “Não é necessário que A seja B” e “Não é

possível que A seja B”. Em seguida, ele desenvolve uma complexa série de
20
considerações sobre essas proposições modais.

No entanto, não se pode dizer que o filósofo tenha identificado as

distinções posteriores do juízo hipotético e do juízo disjuntivo.

O silogismo

Quando afirmamos ou negamos algo de alguma coisa, ou seja, quando

julgamos ou formulamos proposições, ainda não estamos raciocinando.

Tampouco refletimos, obviamen-te, quando formulamos uma série de

juízos e listamos uma série de proposições desconexas entre si.

Em contrapartida, raciocinamos quando passamos desses juízos e

proposições a proposições que tenham determinados nexos entre si e que

sejam, de certo modo, causas umas das outras, umas antecedentes, outras

consequentes. Não há reflexão sem esse nexo, sem esse caráter de

consequência. Ora, o silogismo é o raciocínio perfeito, aquele em que a

conclusão a que se chega é de fato a consequência que deriva

necessariamente do antecedente.

Em geral, num raciocínio perfeito, ou seja, num silogismo, deve haver três

proposições, das quais duas são antecedentes; portanto, diz-se que estas são

premissas e a terceira é o consequente, a conclusão que deriva das premissas.

No silogismo há sempre três termos em jogo, dos quais um desempenha a

função de uma espécie de dobradiça que une os outros dois, como veremos

a seguir.

Eis o exemplo clássico de silogismo: “Se todo homem é mortal e se Sócrates

é homem, então Sócrates é mortal.”


Como se pode ver, o fato de Sócrates ser mortal deriva necessariamente de

se estabelecer que todo homem é mortal e que Sócrates é homem. Portanto,

“homem” é o termo usa-do como alavanca para a conclusão. Entende-se,

então, a célebre definição dada por Aristóteles:

Silogismo é um discurso (isto é, um raciocínio) em que, estabelecidos alguns dados

(isto é, premissas), segue-se necessariamente algo diferente deles, pelo simples fato de

terem sido estabelecidos. Com a expressão “pelo simples fato de terem sido

estabelecidos” entendo o que decorre por força deles; com a expressão “o que decorre

por força deles” entendo o fato de não precisar acrescentar nenhum termo estranho

21
para que tenha lugar a relação de necessidade.

Um estudioso italiano comenta muito bem essa passagem:

O silogismo caracteriza-se, portanto, pelo fato de o consequente derivar

necessariamente do antecedente pela simples razão de este ter sido formulado. Nesse

sentido, as premissas são causa não da verdade ou da falsidade, ou, em geral, do

conteúdo do consequente em si mesmo, mas da sequela; de modo que, posto o

antecedente, o consequente não pode deixar de derivar dele. As premissas silogísticas,

22
por isso, têm valor de hipóteses e devem ser precedidas da conjunção “se”.

No silogismo, o que está em causa é a coerência do raciocínio; o conteúdo

de verdade deve permanecer fora de questão e será chamado em causa,

como veremos, sob outra perspectiva.

Mas voltemos ao exemplo de silogismo apresentado. A primeira das

proposições se chama “premissa maior”, a segunda “premissa menor”, a

terceira “conclusão”. Os dois termos unidos na conclusão se chamam

extremo menor, o primeiro (que é o sujeito, “Sócrates”), e extremo maior, o

segundo (que é o predicado, “mortal”). Como tais termos são unidos entre

si por outro, que dissemos desempenhar uma função de dobradiça, ele é


23
chamado de termo “médio”, ou seja, termo que opera a mediação.

Mas Aristóteles não apenas estabeleceu o que é o silogismo, ele também

levou a efeito toda uma série de complexas distinções entre as diversas

“figuras” possíveis dos silogismos e os vários “modos” válidos de cada uma

delas.

As diversas “figuras” (schémata) do silogismo são determinadas pelas

diferentes posições que o termo médio pode ocupar em relação aos

extremos nas premissas. Como o termo médio pode ser: a) sujeito na

premissa maior ou predicado na menor; b) predicado tanto na premissa

maior quanto na menor; c) sujeito em ambas as premissas, as figuras

possíveis do silogismo serão três. O exemplo que demos antes é de primeira

figura, que, segundo Aristóteles, é a figura mais perfeita, pois é a mais


natural, à medida que manifesta o processo de mediação da maneira mais

clara e linear.

Mas como as proposições que fazem as vezes de premissas podem variar

por “quantidade” (podem ser universais ou particulares) e por “qualidade”

(podem ser afirmativas ou negativas), há múltiplas combinações possíveis

para cada uma das três figuras. Aristóteles estabelece, numa análise exata,

quais e quantas são essas possíveis combinações, que são os “modos” do

silogismo. As conclusões do Estagirita são as seguintes: há quatro modos

válidos da primeira figura, quatro da segunda e seis da terceira.

Não cabe falar aqui das distinções posteriores entre silogismos perfeitos e

imperfeitos, do modo de reduzir os segundos aos primeiros, dos modos de

reduzir os silogismos das outras figuras aos da primeira, e das regras

referentes à conversão das proposições para operar tais transformações.

Tampouco é o caso de adentrar aqui as questões da silogística modal que o

Estagirita enfrenta, ou seja, as questões relacionadas aos silogismos que

consideram a modalidade das proposições que servem de premissas (se

seriam de simples existência ou implicariam a modalidade da necessidade, ou

ainda a da possibilidade), com todas as suas possíveis combinações. Essa é a


24
parte mais incômoda e criticada da silogística aristotélica.

Enfim, como Aristóteles não havia reconhecido as proposições hipotéticas

e disjuntivas, ele não pôde estabelecer uma doutrina do silogismo hipotético

e disjuntivo, sobre os quais falarão Teofrasto e sobretudo os estoicos.

O silogismo científico ou demonstração

Como vimos, o silogismo como tal mostra qual a essência mesma do

raciocínio, qual a estrutura da inferência; também como tal prescinde do

conteúdo de verdade das premissas (e, portanto, das conclusões). O

silogismo “científico” ou “demonstrativo” se diferencia porém do silogismo

em geral porque pressupõe, além da correção formal da inferência, também

o valor de verdade das premissas (e das consequências). Como bem diz

Mignucci:

O procedimento silogístico próprio da ciência se chama demonstração. Trata-se de um

tipo particular de silogismo que se diferencia do silogismo não pela forma, do contrá-

rio não poderia ser chamado propriamente silogismo, mas pelo conteúdo das

premissas formuladas. Na verdade, na demonstração, as premissas devem ser sempre

verdadeiras, enquanto isso não precisa se verificar necessariamente no silogismo como

tal, pois, nesse caso, só interessa determinar se um dado consequente deriva ou não das

premissas formuladas pelo simples fato de terem sido formuladas, independentemente


do valor de verdade que possam ter. Na demonstração, ao contrário, sendo ela o

procedimento que leva à ciência do consequente, isto é, que leva a verificar se o

consequente é verdadeiramente tal ou não, cabe postular um antecedente verdadeiro,

25
dado que somente do verdadeiro deriva necessariamente o verdadeiro.

Logo, além da correção do procedimento formal, a ciência implica a

verdade do conteúdo das premissas. Vamos então a uma passagem dos

Analíticos segundos sobre esse ponto fundamental:

Julgamos ter ciência de cada coisa [...] quando acreditamos que sabemos que a causa

em virtude da qual a coisa existe é justamente a causa dessa coisa, e que não é possível

que seja de outra maneira. Por conseguinte, é impossível que aquilo que seja objeto de

ciência em sentido próprio seja diferente do que é. Ora, se há outro modo de ter

ciência, nós o veremos a seguir [alusão ao saber intuitivo, com o qual apreendemos os

princípios primeiros]; por enquanto, basta dizer que ter ciência é saber por

demonstração. Entendo por demonstração o silogismo científico; e por silogismo

científico aquele em virtude do qual, pelo simples fato de possuí-lo, temos ciência.

Então, se ter ciência é aquilo que estabelecemos [isto é, conhecer as causas], é necessário

que a ciência demonstrativa proceda de premissas verdadeiras, primeiras, imediatas, mais

conhecidas, anteriores e causais das conclusões. De fato, somente assim os princípios

serão pertinentes ao que foi demonstrado. O silogismo pode subsistir mesmo sem essas

26
condições, mas não a demonstração, do contrário não produziria ciência.

A passagem revela de maneira paradigmática qual a ideia aristotélica de

“ciência”. Ela é fundamentalmente um processo discursivo que tende a

determinar o porquê e a causa; e, das quatro causas que conhecemos bem,

sobretudo a causa formal, ou essência. De fato, essa é a causa fundamental

porque, ao indicar a essência ou natureza da coisa, representa precisamente

aquele “meio” em virtude do qual estabelecemos a necessária conexão de

certas propriedades com um sujeito dado. Entende-se, portanto, o

significado de uma célebre afirmação do Estagirita na Metafísica: “[...] como

nos silogismos, o princípio de todos os processos de geração é a substância;

com efeito, os silogismos derivam da essência, e dela derivam também as


27
gerações.”

Assim como a substância (ou essência, ou forma, ou eidos) está no centro

da metafísica e da física, ela está também no centro da teoria da ciência, ou

seja, de todo o sistema aristotélico. Enquanto o silogismo aristotélico em geral

implica um elevado grau de “formalismo”, o silogismo científico, isto é, a

demonstração científica, está quase inteiramente ligada à concepção

metafísica da substância, e a ciência aristotélica pretende ser a busca da

substância e de todos os nexos que ela implica.


Esse é um ponto de vista consideravelmente distante daquele que as

ciências exatas da era moderna adotaram para si.

A passagem que acabamos de citar revela ainda um segundo ponto

fundamental: como devem ser as premissas do silogismo científico ou da

demonstração. Em primeiro lugar, devem ser verdadeiras, por razões já

amplamente ilustradas; em seguida, devem ser primeiras, ou seja,

necessitam, por sua vez, de posteriores demonstrações; mais conhecidas e

anteriores, ou seja, inteligíveis e claras de per si, e mais universais que as

conclusões; e causais das conclusões, pois devem conter a razão destas

últimas.

Chegamos assim a um ponto delicadíssimo da doutrina aristotélica da

ciência. Surge aqui o problema: como conhecemos as premissas? Sem dúvida

não será por meio de silogismos posteriores, pois do contrário iríamos até o

infinito. A via deve ser outra. Qual seria essa via?

O conhecimento imediato

O silogismo é um processo substancialmente dedutivo, pois extrai verdades

particulares de verdades universais. Mas como apreender as verdades

universais? Aristóteles fala de indução e intuição como processos em certo

sentido opostos ao processo silogístico, mas em todo caso pressupostos pelo

próprio silogismo.

A indução (ejpagwghv) é o procedimento pelo qual se deriva o universal


28
do particular. Embora Aristóteles tente mostrar nos Analíticos o modo

como a própria indução pode ser silogisticamente tratada, ele não só não o

consegue, como essa tentativa fica totalmente isolada; ele mesmo reconhece

que, em geral, a indução não é um raciocínio, porém, ao contrário, um “ser

conduzido” do particular ao universal por obra de uma espécie de

apreensão imediata ou de intuição (ou como quer que se chame esse

conhecimento não mediato); ou ainda, se quisermos, por obra desse

procedimento no qual o “meio” é em certo sentido dado pela experiência

dos casos particulares (em substância, a indução é o processo de abstração).


29

A intuição, por sua vez, é a apreensão pura e simples dos princípios

primeiros. Portanto, Aristóteles também admite o intelecto intuitivo.

Vejamos como isso está descrito nos Analíticos segundos:

Posto que, dentre as disposições racionais com as quais apreendemos a verdade,

algumas são sempre verdadeiras, enquanto outras — como por exemplo a opinião e o
cálculo — admitem o falso, ao passo que o conhecimento científico e a intuição são

sempre verdadeiros; posto que nenhum outro gênero de conhecimento, exceto a intuição,

é mais exato que o conhecimento científico, e que, por outro lado, os princípios são mais

cognoscíveis que as demonstrações; pos-to que todo conhecimento científico se

constitui de modo argumentativo, e, portanto, não pode haver conhecimento

científico dos princípios; e posto que nada, exceto a intuição, pode ser mais verdadeiro

que o conhecimento científico, a intuição deve ter por objeto os princípios. Isso fica

evidente não apenas para quem investiga essas considerações, mas também pelo fato de

que o princípio da demonstração não é ele próprio uma demonstração; por

conseguinte, o princípio do conhecimento científico não é o conhecimento científico.

Portanto, se não há nenhum outro gênero de conhecimento verdadeiro senão a

ciência, a intuição será o princípio da ciência. Assim, a intuição pode ser considerada

princípio do princípio, enquanto a ciência como um todo está analogamente

30
relacionada à totalidade das coisas que tem por objeto.

Como se pode ver, essa é uma página que dá razão à noção de fundo do

platonismo: o conhecimento discursivo supõe um conhecimento não

discursivo anterior; a possibilidade do saber mediato supõe necessariamente

um saber imediato.

Os princípios da demonstração

Em suma, as premissas e os princípios da demonstração são apreendidos

por indução ou por intuição. A respeito disso, é importante notar que cada

ciência irá assumir, antes de tudo, premissas e princípios próprios, ou seja,

premissas e princípios que são peculiares a ela, e só a ela.

Em primeiro lugar, irá assumir a existência do âmbito, ou, melhor (em

termos lógicos), a existência do sujeito para o qual todas as suas

determinações afluirão e que Aristóteles chama de gênero-sujeito. Por

exemplo: a aritmética assumirá a existência da unidade e do número; a

geometria, a existência da grandeza espacial, e assim por diante. Cada

ciência irá caracterizar seu objeto por meio da definição.

Em segundo lugar, cada ciência irá proceder à definição do significado de

uma série de termos que lhe pertencem (a aritmética, por exemplo, definirá

o significado de “comensurável” e “incomensurável” etc.) sem assumir sua

existência, mas tratando antes de provar que são características pertinentes a

seu objeto.

Em terceiro lugar, para isso, as ciências terão de fazer uso de certos

“axiomas”, ou seja, proposições intuitivamente verdadeiras que são

precisamente os princípios em virtude dos quais acontece a demonstração.


Eis um exemplo de axioma: “Se de iguais subtraem-se iguais, os restos serão

iguais.” Portanto, conclui Aristóteles,

[...] toda ciência demonstrativa guarda relação com três elementos, ou seja, com aquilo

que é dado como algo que é (ou seja, o gênero cujas afecções por si [as características

essenciais] a ciência considera), com os axiomas chamados comuns, proposições

primeiras das quais partem as demonstrações, e, enfim, com as afecções cujos

31
significados foram assumidos.

Entre os axiomas, alguns são “comuns” a várias ciências (como o

mencionado); outros, a todas as ciências, sem exceção, como o princípio da

não contradição (não se pode afirmar e negar do mesmo sujeito, ao mesmo

tempo e sob a mesma relação dois predicados contraditórios) e os princípios

de identidade e do terceiro excluído, que estão estreitamente ligados ao da

não contradição (cada coisa é aquilo que é; não é possível haver um termo

médio entre dois contraditórios). São os famosos princípios

transcendentais, vá-lidos para todo tipo de pensamento como tal (por serem

válidos para todo ente como tal), conhecidos por si e, portanto, primeiros,

os quais Aristóteles debate expressa e amplamente no célebre livro iv da

Metafísica. Eles são condições incondicionais de toda demonstração (e são

indemonstrá-veis, pois qualquer forma de demonstração os pressupõe


32
estruturalmente).

As ciências, portanto, têm princípios próprios, princípios comuns a

algumas delas e princípios comuns a todas, que podem ser apreendidos por

indução ou por intuição e determinados por definição. Essas são as

condições da mediação silogística.

Os silogismos dialéticos e sofísticos

Vimos que a teoria do silogismo em geral diz respeito à simples correção

formal da inferência. A teoria do silogismo científico ou demonstração diz

respeito, ao contrário, também ao conteúdo de verdade da inferência, que,

como sabemos, depende da verdade das premissas. O silogismo científico só

existe quando as premissas são verdadeiras e possuem as características

examinadas. Quando as premissas, em vez de verdadeiras, são simplesmente

prováveis, ou seja, baseadas na opinião, então temos o silogismo dialético,

que Aristóteles estuda nos Tópicos.

O objetivo desse tratado é explicado por Aristóteles no seguinte trecho:

Este tratado se propõe a encontrar um método que, acerca de qualquer formulação de

pesquisa que se proponha, permita estabelecer silogismos que partam de elementos

baseados em opiniões aceitas; e que impeçam que venhamos a dizer algo em


contradição com a tese que nós mesmos estamos defendendo. Em primeiro lugar, é

preciso dizer o que é um silogismo e que diferenças marcam sua esfera, para que

possamos entender o silogismo dialético. Este último é o objeto de estudo do presente

tratado.

Silogismo é propriamente um discurso em que, formulados alguns elementos, algo de

diferente deriva necessariamente deles. Assim, temos de um lado a demonstração,

quando o silogismo é constituído por e deriva de elementos verdadeiros e primeiros,

ou de elementos tais que o princípio de seu conhecimento provenha de elementos

verdadeiros e primeiros. Por outro lado, é dialético o silogismo que chega à conclusão a

partir de elementos baseados na opinião. Elementos verdadeiros e primeiros são,

ademais, aqueles que extraem sua credibilidade de si mesmos, e não de outros

elementos; diante dos princípios das ciências, não se deve buscar o porquê em outra

parte; é preciso, ao contrário, que cada um dos princípios imponha sua verdade por si

mesmo. São baseados na opinião os elementos que, por sua vez, parecem aceitáveis para

todos, para a grande maioria ou para os sábios e entre eles, ou seja, para todos, para a

33
grande maioria ou para aqueles especialmente eminentes ou ilustres.

O silogismo dialético, segundo Aristóteles, serve para nos tornar capazes

de debater e, em particular, de identificar, quando debatemos com pessoas

comuns ou instruídas, quais os seus pontos de partida e se suas conclusões

concordam com essas premissas ou não, situando-nos não numa

perspectiva estranha à do oponente, mas em conformidade com seu próprio

ponto de vista. Para a ciência, além de ensinar a debater corretamente os

prós e os contras de várias questões, serve também para averiguar os

princípios primeiros, que, como sabemos, não são dedutíveis

silogisticamente e só podem ser apreendidos por meio da indução ou da

intuição. Contudo, tanto a indução quanto a justificativa de uma intuição

supõem um debate com as opiniões da maioria ou dos mais doutos. Explica

Aristóteles:

Este tratado é igualmente útil no que diz respeito aos elementos próprios de cada

ciência, pois, partindo dos princípios primeiros da ciência em exame, é impossível

dizer algo sobre os princípios mesmos, visto que são anteriores a todos os outros

elementos; portanto, é necessário examiná-los à luz de elementos fundados na opinião

e referentes a cada objeto. Essa é a tarefa própria, ou a mais apropriada, da dialética;

34
utilizada nas investigações, ela leva de fato aos princípios de todas as ciências.

Como se pode ver, em Aristóteles a “dialética” assume um significado

muito diferente do que tinha para Platão (ou, se quisermos, mantém o

significado mais fraco e menos específico que Platão lhe atribuía, dado que,

para este, a dialética é sobretudo a ciência das relações entre as Ideias). Mas

os Tópicos não aprofundam esse segundo aspecto, limitando-se


predominantemente ao primeiro; por conseguinte, invadem com
35
abundância o terreno da retórica.

“Tópicos” (tovpoi) significa “lugares” (em latim, loci), e a palavra indica

metaforicamente os quadro ideais aos quais pertencem e, portanto, de onde

podem ser extraídos os argumentos, como sedes et quasi domicilia


36
argumentorum, como dirá Cícero. Os Tópicos descrevem, portanto, o

“arquivo de onde o raciocínio deve extrair seus argumentos”, como disse

muito bem Ross, que considera essa obra aristotélica a menos estimulante

entre as que compõem o Organon:

O debate pertence a um modo passado de pensar; é um dos últimos esforços daquele

movimento do espírito grego em direção a uma cultura geral que tenta discutir

qualquer assunto sem estudar os princípios primeiros que lhe são próprios e que

conhecemos pelo nome de movimento sofístico. O que distingue Aristóteles [scil.:

naquilo que ele diz nos Tópicos] dos sofistas, pelo menos do modo como foram

retratados por ele e por Platão, é que seu objetivo não é ajudar os ouvintes e leitores a

atingir o ganho e a glória com uma falsa aparência de sabedoria, mas debater as

questões do modo mais sensato possível, sem um conhecimento especial. Mas o

próprio Aristóteles apontou um caminho melhor, o da ciência. Foram os seus

37
Analíticos que deixaram os Tópicos fora de moda.

Enfim, além das premissas baseadas na opinião, o silogismo pode derivar

de premissas que parecem fundadas na opinião (mas que na realidade não o

são). Há então o silogismo erístico. E há também o caso de certos silogismos

que o são apenas na aparência e sugerem uma conclusão, à qual só

chegaram, no entanto, graças a passagens incorretas; nesse caso, há os

paralogismos, os raciocínios errados. Ora, Refutações sofísticas (que muitos


38
consideram o nono livro dos Tópicos) estudam exatamente as

contestações (élenkhos quer dizer justamente “contestação”) sofísticas, ou

seja, falaciosas. A refutação correta é um silogismo cuja conclusão contradiz

a conclusão do adversário; as refutações dos sofistas, ao contrário (assim

como sua argumentação, em geral), eram feitas de modo a parecer corretas,

embora na realidade não o fossem, e lançavam mão de uma série de truques

para induzir os não experientes ao erro. As Refutações sofísticas estudam

com notável perspicácia todos os meandros desses possíveis enganos e os

paralogismos mais característicos a que dão ensejo.

A lógica e a realidade

Muitos estudiosos dizem e repetem à exaustão que, de certa forma, a lógica

aristotélica afastou-se do real; a lógica diz respeito ao universal; a realidade,


ao contrário, é substância individual e particular; o universal não é real, o

real não é sujeito à lógica. Se fossem, o real fugiria totalmente das malhas da

lógica. Na verdade, não é assim. Essas interpretações supõem que a

substância primeira de Aristóteles é o indivíduo empírico, o que não é

correto, como bem sabemos. O indivíduo é sínolo ou composto de matéria

e forma. Se a substância, em certo sentido, é sínolo, no sentido mais forte é a


39
forma ou essência que determina a matéria. O sínolo é um tovde ti, algo

de empiricamente determinado, mas a forma também é um tovde ti, algo de

determinado do ponto de vista inteligível. Sendo apreendida pelo

pensamento, ela se torna universal, no sentido de que a estrutura ontológica

que determina uma coisa se converte em conceito que é apreendido como

capaz de referir-se a várias coisas, portanto, capaz de ser predicado de vários

sujeitos (de todos os que possuem tal estrutura). A forma ontológica

converte-se então numa espécie lógica.

As operações mentais posteriores descobrem, analisando as espécies, as

possibilidades estruturais de inseri-las em gêneros, os quais representam

universais mais amplos (e são como uma matéria lógica ou inteligível cuja

forma ou espécie é a especificação). Esses gêneros se ampliam

sucessivamente em universalidades até as categorias (gêneros supremos).

Acima das categorias, o pensamento descobre ainda um universal que já não

é mais um gênero, e sim uma relação analógica: é o ser e o uno. Mas essas

operações do pensamento não têm um valor meramente nominal, pois se

baseiam na mesma estrutura do real, que é uma estrutura eidética, como


40
vimos na metafísica de modo pontual.

Como se sabe, Kant defendia que a lógica aristotélica (que ele entendia

como lógica puramente formal) nasceu perfeita. Depois das descobertas da

lógica simbólica, ninguém mais pode repetir tal juízo, visto que a aplicação

dos símbolos facilitou enormemente o cálculo lógico e mudou muitas

coisas. Ademais, é bem difícil afirmar que o silogismo é a forma própria de

qualquer mediação e de qualquer inferência, como acreditava Aristóteles.

Contudo, por mais numerosas que sejam as objeções que foram e ainda

podem ser formuladas contra a lógica aristotélica, e por mais verdades que

possam conter as instâncias que vão do Novum Organon de Bacon ao

Sistema de lógica de Stuart Mill, além de instâncias que vão da lógica

transcendental kantiana à lógica da razão (lógica do infinito) hegeliana, ou,

enfim, as instâncias das metodologias das ciências modernas, é sempre

indubitável que a lógica ocidental em seu conjunto tem suas raízes no


Organon de Aristóteles, que, portanto, ainda é um marco no caminho do

pensamento humano.

NOTAS
1. Cf. Metaph. e 2-4.

2. Cf. Reth. a 4, 1.359 b 10, em que se fala de “ciência analítica (e, como iremos ver em seguida,

“analítica” substitui, em Aristóteles, a palavra “lógica”).

3. Cf. Th. Waitz, Aristotelis “Organon”, 2 v. Lipsiae, 1844 (reed. Aalen, 1965), v. ii, p. 293 ss.

4. Cf. C. Prantl, Geschichte der logik im Abendlande, 2 v. Leipzig, 1927, v. ii, p. 54, 535.

5. Além de Analíticos, Aristóteles usa a expressão Escritos sobre o silogismo para referir-se a esses textos.

Ver M. Mignucci (org.), Aristóteles. Analitici primi. Nápoles, 1970, p. 40 e nota 2.

6. Confutazioni sofistiche, 34, 183 b 34 ss e, em parte, 184 a 8-184 b 8.

7. Ver status quaestionis em Aristóteles, Analitici primi, p. 19 ss; cf. também V. Sainati, Storia

dell’“Organon” aristotelico, Florença, 1968.

8. Cf. Waitz (org.), Organon, i, p. 366 ss.

9. An. post. a 2, 71 b 17-25, tradução Mignucci (Aristotele, Gli “Analitici secondi”, Bolonha, 1970; essa

é a edição condensada. Mignucci reeditou-a com amplíssimo comentário na mesma coleção em que

saíram Gli “Analitici primi”, Loffredo, Nápoles).

10. Em sua edição cit. do Organon, Waitz os considera simplesmente o último livro (Iota) dos

Tópicos; cf. a justificativa que ele fornece no v. ii, p. 528 ss; cf. também as indicações dadas por

Mignucci na edição citada de Gli “Analitici primi”, p. 19, nota 2.

11. Cat. 4, 1 b 25-27 (D. Pesce [org.], Aristoteles, Le categorie. Pádua, 1966).

12. Ibid., 4, 2 a 4-10.

13. Cf. os lugares em que tais definições aparecem no Organon (Waitz, op. cit., ii, p. 398 ss).

14. Cf. passagens ibid., ii, p. 399.

15. Ver em especial Metaph. z 12.

16. De interpr. 1 e 9.

17. Ibid., 4, 17 a 1-7.

18. Ibid., 5-6.

19. Ibid., 7.

20. Ibid., 9 ss.

21. An. pr. a 1, 24 b 18-22 (afastamo-nos em parte da tradução de Mignucci).

22. M. Mignucci, La teoria aristotelica della scienza. Florença, 1965, p. 151.

23. Cf. An. pr. a 4.

24. Sobre todas essas questões aqui apenas mencionadas, o leitor encontrará as explicações e os

aprofundamentos necessários na introdução e no comentário de Mognucci, tantas vezes citados.

25. Mignucci, La teoria aristotelica della scienza, p. 110 ss.

26. An. post. a 2, 71 b 9-25 (tradução de M. Mignucci).

27. Metaph. z 9, 1.034 a 30-32.

28. An. pr. b 23, passim.

29. Cf. H. Bonitz, Index aristotelicus, p. 264 a s.v.

30. An. pr. b 19, 100 b 5-17.

31. An. post. a 10, 76 b 11-16.

32. Ver Metaph G 3-8 e Aristóteles, La metafisica (Reale, op. cit., v. i, p. 329-357).

33. Top. a 1, 100 a 18-100 b 23 (a tradução é de Giorgio Colli, cf. Organon, Laterza, Bari 1970).

34. Ibid., a 2, 101 a 36; 101 b 4.


35. Para uma exposição específica da dialética aristotélica, cf. A. Viano, La logica di Aristotele. Turim,

1955, cap. iv, passim.

36. Cic., De Oratore 2, 39, 162 (cf. Top. h. no final).

37. Ross, Aristotele, p. 86 ss.

38. Cf. nota 10, acima.

39. Em Metaph. z 7, 1.032 b 1 ss, Aristóteles diz, sem meios-termos: “chamo de ‘forma’ (eîdos) a

essência de cada coisa e a substância primeira”.

40. Remetemos, para todos os oportunos aprofundamentos, ao livro z da Metafísica, passim, essencial

para compreender o pensamento aristotélico como um todo. A lógica (como qualquer outra parte

do pensamento aristotélico) só é inteligível com base na doutrina da substância-forma, tal como

vem determinada nesse livro. Cf. Reale, La “Metafísica”, i, p. 562-637.


HISTÓRIA DA FORTUNA CRÍTICA E DAS INTERPRETAÇÕES DE

ARISTÓTELES

História da escola peripatética e dos escritos de Aristóteles até a edição de Andrônico de

1
Rodes

Em 322-321 a.C., Teofrasto sucedeu Aristóteles na direção do Perípato,

mantendo-se à frente da escola até 288-284 a.C. Ele foi uma figura de

primeira ordem, um pesquisador formidável, de cultura enciclopédica;

quanto à vastidão do saber, rivalizava com o próprio Aristóteles. Teofrasto,

que, como vimos, seguiu de perto a evolução do pensamento aristotélico

desde os tempos de Assos e Mitilene, não foi contudo capaz de retomar e

repensar os temas aristotélicos. Na verdade, orientou o aristotelismo para

uma direção naturalística e fez com que perdesse seu peculiar vigor

especulativo. Em sua Metafísica, imprimiu um sentido cosmológico à

ontologia aristotélica, reduziu o alcance do finalismo e começou a levantar

dúvidas, embora timidamente, sobre o Motor Imóvel. Revelou tendências

análogas também em física e psicologia. Na ética, preferiu a fenomenologia

descritiva à análise dos princípios (é famoso o seu Características). Em

lógica, produziu algumas correções e inovações. A mais conhecida é a

doutrina do silogismo hipotético, na qual foi precursor dos estoicos.

Tendências análogas podem ser reconhecidas também em outros

discípulos de Aristóteles: Eudemo, Dicearco e Aristóxeno. Os dois últimos

voltaram até a defender a doutrina materialista da alma-harmonia,

expressamente refutada por Aristóteles.

Abertamente materialista foi a orientação do terceiro escolarca do

Perípato, Estratão de Lâmpsaco, que dirigiu a escola de 288-284 a 274-270

a.C. e que eliminou o fim, eliminou a forma, eliminou o Motor Imóvel da

explicação da natureza e do cosmo, limitando-se a fazer uso dos conceitos

de matéria e movimento. De mais a mais, entendeu a psicologia num

sentido sensualista, de modo que era conhecido, e com razão, como “o

Físico”.

De 270 a.C. até por volta do fim da era pagã, a vida da escola aristotélica

prosseguiu num clima de monotonia e constrangedora mediocridade.

Lícon, que sucedeu Estratão e manteve o escolarcado por quase meio século,

era mais literato que filósofo, assim como seu sucessor, Aríston de Quios.
Um contemporâneo de Lícon, Jerônimo de Rodes, acolheu ecleticamente as

doutrinas epicurianas. Critolaus de Faselide, sucessor de Aríston, pendeu

para o estoicismo, e tendências ecléticas podem ser encontradas em seu

sucessor, Diodoro de Tiro.

Depois de Diodoro, os aristotélicos deixaram pouquíssimos vestígios até

Andrônico de Rodes, que, como veremos a seguir, lançou as bases de um

renascimento de Aristóteles e salvou o pensamento do filósofo para a

posteridade.

Pode-se perguntar quais teriam sido as razões que levaram a escola de

Aristóteles a uma crise tão grave, que começou logo após sua morte e

prosseguiu por um século e meio. Entre as muitas causas possíveis, uma é

decisiva. Ao morrer, Teofrasto deixou os prédios e os jardins para a escola,

mas entregou a biblioteca, e portanto todos os escritos de Aristóteles, para

Neleu de Scepsis (Diógenes Laércio, v, 52), filho daquele Corisco que já

conhecemos. Hoje sabemos por Estrabão (xiii, i, 54) que Neleu transferiu-se

com a biblioteca para a Ásia Menor, e que, morrendo lá, deixou-a para seus

herdeiros. Estes, que não tinham pelas obras nenhum interesse especial,

resolveram esconder os preciosos manuscritos num porão, para evitar que

caíssem nas mãos dos reis atálidas, dedicados à construção da biblioteca de

Pérgamo. Assim, os escritos ficaram escondidos até serem comprados por

um bibliófilo de nome Apelicão, que os levou de volta a Atenas, onde

ficaram por breve tempo. Depois da morte de Apelicão, eles foram

confiscados e levados para Roma (86 a.C.) por Sila, e lá foram entregues

para transcrição ao gramático Tirânio, que não terminou a obra, depois

levada a termo por Andrônico.

Portanto, após a morte de Teofrasto, a escola peripatética foi privada do

instrumento mais importante de uma escola filosófica: a biblioteca. E foi

privada justamente daquela produção aristotélica que consistia nos cursos e

aulas, ou seja, nos escritos esotéricos, que continham a mensagem

indiscutivelmente mais original e mais profunda do Estagirita. Assim,

estavam disponíveis apenas as obras publicadas (as exotéricas) e talvez

partes ou extratos dos textos esotéricos; em todo caso, o que estava à

disposição correspondia a uma parcela mínima da obra completa de

Aristóteles.

Andrônico de Rodes, que mencionamos antes e que era, como quer uma

antiga tradição, o décimo primeiro escolarca do Perípato, foi de Atenas a

Roma disposto a recuperar o Aristóteles esotérico para a escola e para o


mundo filosófico. É provável que tenha estabelecido uma relação com

Tirânio, beneficiando-se do trabalho que ele já havia feito; de modo que,

entre 40 e 20 a.C., Andrônico pôde afinal publicar as obras de escola do

Estagirita. A publicação seguiu um procedimento sistemático, segundo um

plano preciso, que levava em conta o conteúdo das obras e a ordem lógica

em que deveriam ser lidas. Assim, pela primeira vez, os estudiosos tinham à

disposição todo o material deixado por Aristóteles organizado do ponto de

vista conceitual. Foi só depois dessa edição de Andrônico que se começou,

muito devagar ainda, a entender que o verdadeiro Aristóteles não estava

naqueles escritos publicados para um amplo círculo de leitores, mas nos

textos esotéricos redigidos como apontamentos de cur-so para seus alunos.

A profundidade dos esotéricos pouco a pouco venceu sua dificuldade e a

linguagem própria para iniciados. Com o passar do tempo, aliás, a situação

mudou completamente: as obras exotéricas foram postas de lado, caindo no

esquecimento e se perdendo; só os escritos esotéricos chegaram até nós,

justamente na sistematização realizada por Andrônico.

2
Os comentaristas gregos de Aristóteles

Depois da edição de Andrônico, a produção dos peripatéticos mudou de

tom e de nível. Mesmo que não tenham ensejado um repensamento radical

de Aristóteles, podemos falar de um “renascimento aristotélico”, que

começou como um trabalho de exposição e exegese do pensamento esotérico

do Estagirita e culminou com a criação dos grandes comentários às várias

obras.

Andrônico propunha uma leitura de Aristóteles que começava com a

Lógica, sublinhando seu valor instrumental; seu discípulo Boezo de Sidón,

por sua vez, propunha que se começasse com a Física. Tudo indica que

ambos tendiam para uma interpretação naturalista do pensamento

aristotélico.

Nicolau de Damasco (entre as eras pagã e cristã) escreveu uma obra

orgânica, Acerca da filosofia de Aristóteles, que parece ter sido a primeira

apresentação sistemática do Aristóteles esotérico.

Com Aspásio (primeira metade do século ii a.C.) começa a série dos

comentaristas. De sua autoria, chegou a nós uma parte do comentário da

Ética a Nicômaco. Também são lembrados como comentaristas Adrasto de

Afrodísia e Hermínio, cujo discípulo, Alexandre de Afrodísia, é considerado

o maior dos comentaristas de Aristóteles.


De Alexandre (que foi professor de filosofia aristotélica em Atenas entre

198 e 211 d.C.) chegaram aos nossos dias o imponente comentário da

Metafísica (cujo texto talvez inclua uma parte espúria), o comentário dos

Analíticos primeiros, dos Tópicos e dos Meteorológicos. Na verdade,

Alexandre também produziu um pensamento próprio, não alinhado à

ortodoxia aristotélica. Ele se inclinou para o naturalismo em ontologia e

psicologia, acentuando o caráter imanente da forma e, portanto, da alma,

que considera mortal. O intelecto agente, que Aristóteles julgava a faculdade

imanente da alma, para Alexandre era a causa primeira transcendente,

entidade transcendente e ao mesmo tempo comum a todos os homens. A

intelecção teria lugar nos homens por obra da atividade desse intelecto

produtivo transcendente, único para todos, sobre o intelecto de cada um de

nós. Teríamos, portanto, um contato direto com o divino, mas seríamos

mortais.

Alexandre fecha a série de comentadores com convicções aristotélicas.

Depois dele, Aristóteles ainda seria muito lido e estudado, mas em função

do neoplatonismo, e os aristotélicos puros seriam verdadeiras exceções,

como Temístio, por exemplo, no século iv, autor de paráfrases aos tratados

aristotélicos. O aristotelismo irá se fundir e se incorporar ao neoplatonismo;

assim, o Perípato e os peripatéticos deixariam de existir como escola e como

filosofia autônoma cerca de três séculos antes que as escolas pagãs fossem

oficialmente fechadas por ordem de Justiniano.

Mas o comentário a Aristóteles continuaria a desfrutar da estima dos

neoplatônicos. A tendência comum a todos os comentaristas era conciliar

tanto quanto possível Platão e Aristóteles. No século iii d.C., Porfírio

(discípulo de Plotino), primeiro dos comentaristas neoplatônicos, dedicou-

se às Categorias, escrevendo o Isagoge, ponto de referência para todos os

pensadores medievais.

Do círculo de Giamblico, temos Dexipo (século iv), autor de um

comentário às Categorias.

Também entre os neoplatônicos das escolas de Atenas e de Alexandria

havia numerosos comentaristas de Aristóteles. Siriano (século v), que foi

professor de Proclo, deixou um comentário à Metafísica. Amônio, discípulo

de Proclo que dirigiu a escola de Alexandria, comentou Categorias, Sobre a

interpretação e Analíticos primeiros.

Todos os comentaristas do século v vieram da escola de Amônio:

Asclépio, do qual restou um comentário parcial à Metafísica; João Filipono,


que comentou obras de lógica e também Física, Sobre a alma, Metafísica,

Sobre a geração e a corrupção, Meteorológicos e Sobre a geração dos animais.

Discípulo de Amônio foi também Simplício, que transitou entre as

correntes alexandrina e ateniense do neoplatonismo. Comentou Categorias,

Física, Sobre o céu e Sobre a alma. Em 529, foi obrigado a abandonar Atenas

e migrou para a Pérsia, em decorrência do fechamento das escolas pagãs por

Justiniano.

Entre os mais jovens discípulos de Amônio figurava Olimpiodoro

(segunda metade do século vi), que, além dos diálogos platônicos,

comentou Categorias. Elias e David foram seus discípulos e deixaram


3
comentários a Categorias e ao Isagoge de Porfírio (século vii).

Ao lado dos comentaristas gregos, é importante mencionar também os

bizantinos, dos quais os mais conhecidos são Miguel de Éfeso (cujos

comentários a algumas obras científicas e a Ética chegaram até nós) e

Eustrásio (do qual temos um comentário a Análiticos segundos), que

viveram no século xi, e Sofonias, do qual restou um comentário a Sobre a

alma.

(Recordemos, enfim, que também saiu das fileiras do neoplatonismo o

Ptolomeu que escreveu uma Vida de Aristóteles, tornando-se fonte de


4
informações para quase todas as biografias sucessivas do Estagirita. É

provável que fosse discípulo de Porfírio e Giamblico, e tenha vivido em

Alexandria na primeira metade do século iv.)

5
Aristóteles na Idade Média

No século vi, Severino Boécio traduziu o Organon de Aristóteles para o

latim. Dessa tradução circulam apenas Categorias e Sobre a interpretação,

visto que as traduções dos outros tratados transformaram-se em letra morta.

Mas essas duas se conservaram, tanto que ainda foram utilizadas no século

xii, conforme demonstraram estudos mais recentes. Portanto, entre os

séculos vi e xii, o mundo latino só conheceu efetivamente e estudou da obra

de Aristóteles os dois primeiros tratados do Organon.

Enquanto isso, porém, Aristóteles renascia no mundo árabe. Na primeira

metade do século ix, foi fundada em Bagdá uma escola de tradutores de

grego que produziu versões árabes de Aristóteles e de alguns de seus

comentaristas mais conhecidos: Alexandre, Temístio, Porfírio e Amônio.

Foi traduzida também a Theologia Aristotelis, que, como todos sabem, é na

realidade uma antologia das Enéadas de Plotino. Tudo isso explica


claramente por que a interpretação que os árabes fizeram de Aristóteles era

acentuadamente neoplatônica.

Na segunda metade do século ix, Al-Kindi escreveu uma Introdução ao

estudo de Aristóteles, codificando os cânones do Estagirita numa

interpretação de caráter decididamente neoplatônico, que ele aplicou

também em seus comentários a algumas obras singulares. Al-Farabi deu

continuidade à obra de comentário e repensamento de Aristóteles no século

x, assim como fez Avicena, com maior originalidade, no século xi.

Mas o comentarista de Aristóteles por excelência foi Averróis (“que o

comentário deu”, como diz Dante, Inf., iv, 144), no século xii. Pelo menos

em parte, Averróis reagiu contra a interpretação neoplatônica; mesmo sem

obter êxito completo, decerto percorreu um longo caminho na direção

oposta à de seus predecessores. Redigiu três séries de comentários: a) “os

pequenos comentários”, paráfrases que sintetizam as teses e conclusões de

Aristóteles, sem as mediações teóricas que levam a tais conclusões e

destinadas àqueles que não tinham condições de enfrentar a leitura dos

textos do Estagirita; b) os “comentários médios”, em que expõe a doutrina

aristotélica com as respectivas mediações demonstrativas, acompanhadas

também de reflexões pessoais; c) os “comentários maiores”, em que

apresenta os textos aristotélicos com as respectivas interpretações.

Por intermédio da Espanha, da Sicília e da Itália meridional, o

aristotelismo árabe teve notável influência sobre o pensamento ocidental,

que, como dissemos, entre todas as obras de Aristóteles, só havia lido

diretamente os dois primeiros tratados do Organon.

No século xii, entre 1128 e 1155, Giacomo Veneto desenvolveu uma

atividade febril de tradutor, como demonstrou recentemente Minio-

Paluello. Traduziu Analíticos primeiros e Analíticos segundos, Tópicos,

Refutações, Física, Sobre a alma, parte de Parva naturalia, Metafísica e os


6
escólios gregos a Analíticos primeiros e ao primeiro livro da Metafísica.

Grande parte do Corpus aristotelicum também foi traduzida, no mesmo

século, por autores ainda não identificados. No fim do mesmo século,

somente as seguintes obras de Aristóteles ainda não tinham sido traduzidas

para o latim: Sobre o céu, os três primeiros livros de Meteorológicos, talvez

Política e Economia, os tratados sobre os animais, Retórica e Poética.

Na primeira metade do século xiii, Roberto Grossates-ta traduziu, com

alguns colaboradores, entre outras obras, Sobre o céu e Ética a Nicômaco,

com comentários de Eutrásio, Miguel de Éfeso e Aspásio.


Na corte de Manfredi, Bartolomeu de Messina traduziu várias obras

científicas do Estagirita.

Por fim, na segunda metade do século xiii, o tradutor responsável foi

Guilherme de Moerbeke; em parte utilizando as traduções anteriores, em

parte retraduzindo ex novo, colocou à disposição do leitor ocidental toda a

obra de Aristóteles. Assim, Enzio Franceschini resume os resultados das

pesquisas acerca das traduções de Guilherme de Moerbeke:

Guilherme corrigiu as seguintes versões anteriores a ele: Sophistici elenchi (de Boécio);

Analytica posteriora, Physica, De anima, De memoria, De longitudine, De iuventute, De

respiratione, De morte (todas de Giacomo Veneto); De generatione, De sensu, De somno,

Metaphysica media, Politica vetus, De partibus animalium (?); anônimas: Liber

ethicorum, De caelo, Simplicius in “De caelo” (Roberto Grossatesta). Traduziu ex novo as

seguintes: Meteora, o comentário de Alexandre de Afrodísia a Meteorológicos (1260); o

comentário de João Filipono aos livros i e ii de De anima (1268); o comentário de

Temístio a De anima (1267); o comentário de Simplício a Predicamenta (com o texto

aristotélico: 1266); o comentário de anônimo a Periermeneias; o livro xi (K) da

Metafísica; os livros ii-viii de Politica; Rhetorica; Epistola ad Alexandrum; Poetica; De

historia animalium, De progressu animalium, De motu an., De generatione an., o

7
comentário de Alexandre de Afrodísica a De sensu.

Nos séculos xii e xiii foram realizadas também várias traduções de

Aristóteles do árabe; no século xiii, sobretudo no âmbito do comentário de

Averróis.

Em paralelo às traduções, surgiram no século xiii e no seguinte inúmeros

comentários. Os que indicaremos agora são apenas os mais conhecidos;

muitos ainda são inéditos, pois um catálogo completo ainda não foi

compilado. Comentários a Analíticos segundos e Refutações, além de um

compêndio da Física, por Roberto Grossatesta. Paráfrases às obras

aristotélicas (Lógica, Física, Metafísica, Ética e Política), de Alberto Magno.

Esclarecedores e corretos comentários, ainda hoje amplamente utilizáveis,

de Tomás de Aquino a Sobre a interpretação, Física, Metafísica, Ética, Sobre a

alma, Sobre o senso e o sensato, Sobre o céu e o mundo, Meteorológicos,

Política. Roger Bacon escreveu Quaestiones supra libros octo “Physicorum”

Aristotelis e Quaestiones supra libros “Primae Philosophiae”. Egídio Romano

comentou Sobre a geração, Sobre a alma, Física, Metafísica e os escritos sobre

lógica. A Henrique de Gand são atribuídas as Quaestiones supra

“Metaphysicam” Aristotelis e um comentário a Física. De Scotus

recordaremos as Quaestiones subtilissimae super libros “Methaphysicorum”

Aristotelis. De Ockham recordaremos Expositio in librum “Porphirii”, In


librum “Predicamentorum”, In duos libros “Perihermeneias”, In duos libros

“Elenchorum”, Expositio in octo libros “Physicorum” e Quaestiones in libros

“Physicorum” (inéditas).

A interpretação que a Idade Média fez de Aristóteles, como

mencionamos, ressentiu-se fortemente da interpretação neoplatônico-

avicenista. De resto, além da influência dos comentaristas árabes, também

contribuiu para essa interpretação a atribuição a Aristóteles do Liber de

causis, que, como sabemos hoje, é um extrato da Elementatio theologica de

Proclo (Santo Tomás de Aquino irá perceber a dependência do Liber de

causis em relação a Elementatio).

Como é sabido, Aristóteles não foi prontamente aceito pelos pensadores

cristãos. Os livros de lógica e de ética foram bem recebidos, enquanto os de

metafísica, física e cosmolo-gia eram considerados contrários à doutrina da

Revelação, pois defendiam a eternidade do mundo. Isso agravou-se à

medida que pensadores imanentistas e os de tendência herética, como

Amalrico de Bena e David de Dinant, pareciam encontrar apoio nas

doutrinas aristotélicas. A partir de 1210, as obras físicas e metafísicas do

Estagirita foram proibidas em Paris. Mas os vetos foram inúteis, e as obras

continuaram a se afirmar cada vez mais. Eis um fato altamente significativo:

em 1263, Urbano iv confirmava a interdição, mas permitia que,

precisamente em sua corte, Guilherme de Moerbecke traduzisse as obras

que proibira. Na realidade, a partir da segunda metade do século xiii,

Aristóteles se transformou no filósofo cujas obras constituíam, na

universidade, os livros de texto para o ensino da filosofia nos cursos de artes.

A história da interpretação medieval de Aristóteles coincide com a

história do pensamento árabe e da escolástica, ou seja, com a parte mais

conspícua da filosofia medieval. O problema principal, tanto entre os árabes

quanto no mundo latino, foi a conciliação das doutrinas aristotélicas com os

textos sagrados. Limitando-nos ao Ocidente, que é o que nos diz respeito

mais de perto, destacam-se pelo menos três posições diversas em relação a

Aristóteles: a) um grupo de pensadores assume em relação ao Estagirita uma

posição negativa mais ou menos nuançada, afirmando a necessidade de um

retorno ao agostinismo (Guilherme de Auvergne, Alexandre de Hales,

Roberto Grossatesta e o grande Boaventura); b) outros, como Alberto

Magno e sobretudo Tomás de Aquino, tentaram realizar uma mediação

integral entre Aristóteles e a doutrina revelada (a introdução do teorema da

distinção entre essência e existência deu a Santo Tomás a base para


fundamentar, no plano racional, o princípio da criação e reformar

radicalmente o aristotelismo, tornando-o conciliável com a fé); c) Siger de

Brabante, enfim, sem se preocupar em conciliar Aristóteles e a fé, deu ao

filósofo uma interpretação de caráter decididamente averroísta; rechaçou a

reforma tomista e defendeu que, para Aristóteles, o mundo é eterno, sem

início e portanto necessário, dado que desde sempre o Motor Imóvel atrai e

move o Universo, e que o intelecto possível é uma substância separada,

única para todos os homens; para superar a oposição que assim se criava

entre o pensamento de Aristóteles e os dogmas da fé, Siger introduziu a

distinção entre duas ordens de verdade, a verdade de fé e a verdade de razão.

Em geral, é preciso dizer que a Idade Média tomou de Aristóteles as

categorias essenciais para entender Deus (ser supremo, suprema forma,

pensamento de pensamento), o cosmo (estrutura hilemórfica dos entes

materiais, ato, potência e todos os conceitos a eles ligados; finitude do

mundo e sua estrutura) e o próprio homem (o conceito de alma como

forma substancial, os processos do conhecimento, o conceito de virtude).

Na verdade, a Revelação iria transformar e conferir valores inéditos a tais

categorias. Mas os filósofos medievais só estavam parcialmente conscientes

disso. As interpretações mais recentes da filosofia medieval estão deixando

cada vez mais claro como era simplista o velho esquema que via na

escolástica uma mera adaptação de Aristóteles às exigências da Revelação.

Em todo caso, ainda é verdade que o fundador do Perípato estimulou e

fecundou o pensamento medieval como nenhum outro filósofo nas eras que

o seguiram. O epíteto que Dante deu a Aristóteles, chamando-o de “mestre

dos que sabem”, exprime à perfeição o sentimento de toda uma época.

8
Aristóteles no Renascimento e nos primeiros séculos da era moderna

Se Dante deu o cetro do saber a Aristóteles, Petrarca, abrindo a era do

humanismo, o entregaria a Platão. Na filosofia humanístico-renascentista,

quem estimulou a reflexão filosófica foi sobretudo Platão. Porém, também

Aristóteles, mesmo que em menor grau, desfrutou de um novo

renascimento.

Na era renascentista, o rosto de Aristóteles muda muito em relação à

Idade Média; entre outras coisas, afirma-se nessa época o mito da oposição

radical entre os dois filósofos. Na realidade, a oposição nasce do conflito de

dois ideais; os amantes das letras e os espíritos religiosos encontrarão em

Platão (neoplatonicamente entendido) seu alimento espiritual, enquanto os


amantes das ciências, os espíritos laicos e os amantes da empiria

encontraram seu alimento em Aristóteles. Os dois vão se transformar, assim,

em dois símbolos: o primeiro, de uma visão transcendental-religiosa-

espiritualista da realidade; o segundo, de uma visão predominante

naturalista-empirista. O célebre afresco Escola de Atenas, de Rafael,

representa visualmente essa oposição de maneira admirável, retratando

Platão com o dedo apontado para invisíveis e metafísicas alturas, e

Aristóteles, para os fenômenos visíveis da experiência.

O primeiro defensor da oposição entre Aristóteles e Platão foi Jorge

Gemistos Pleton, que foi para a Itália de Bizâncio por ocasião do Concílio de

Florença. Ele pretendia reunificar as religiões com base na metafísica do

platonismo (neoplatonicamente entendido), que considerava

incomparavelmente superior à de Aristóteles. Sua Comparação da filosofia de

Platão e de Aristóteles (redigida por volta de 1440) provocou uma reação

forte entre os aristotélicos e deu origem a uma série de escritos polêmicos.

Recordaremos Jorge Scholario Genádio, que escreveu Sobre as dúvidas de

Pleton acerca de Aristóteles. Teodoro Gaza também escreveu contra Pleton.

Ficou famosa sobretudo a resposta de Jorge de Trebizonda a Pleton,

Comparação dos filósofos Platão e Aristóteles (1455), respondida por sua vez

por Basílio Bessarion, que escreveu Contra um caluniador de Platão (1469).

Jorge Genádio ( † c.1464), Jorge de Trebizonda ( † 1484), Teodoro Gaza

(1400-1478) e Hermolau Bárbaro ( † 1493) são considerados iniciadores do

aristotelismo renascentista. Jorge de Trebizonda fez nove traduções de

textos aristotélicos e comentou sobretudo os escritos relativos à lógica.

Teodoro Gaza também traduziu obras de Aristóteles e de Teofrasto.

Hermolau Bárbaro traduziu, além dos escritos de Aristóteles, os

comentários de Temístio. (Proveniente da margem oposta, é importante

recordar a excelente tradução de Bessarion da Metafísica.)

O Aristóteles que renasce, como já mencionamos, é um antiplatônico e

também acentuadamente antiescolástico: Hermolau considerava Alberto e

Santo Tomás (assim como Averróis) “bárbaros”.

Entre os aristotélicos renascentistas, é possível identificar duas orientações

segundo posições interpretativas opostas: os averroístas, que enfatizavam o

intelecto possível único para todos, e os alexandristas, que sublinhavam, ao

contrário, a mortalidade da alma. A Universidade de Pádua era o centro do

averroísmo; o iniciador da interpretação alexandrista foi Pedro

Pomponazzi.
Entre os aristotélicos que, de certa forma, se inspiraram no averroísmo,

recordamos Nicolau Vernia ( † 1499), Agostinho Nifo ( † 1546), que se

aproximou mais tarde do tomismo, Alexandre Achillini ( † 1512) e Marco

Antônio Zimara (†1532).

Simão Pórcio ( † 1555) foi seguidor de Pomponazzi (1462-1524). César

Cesalpino ( † 1603) interpretou Aristóteles numa chave naturalista. Jacobo

Zabarella ( † 1589) e César Cremoni ( † 1631) aproximaram-se da

interpretação alexandrista.

Fora da Itália, trataram de Aristóteles com exposições e comentários J.

Faber Stapulensis (Jacques Lefèvre, † 1537, que foi o iniciador do

humanismo francês), Petrus Ramus (Pierre de la Ramée, † 1572), que

criticou a lógica aristotélica, mas escreveu comentários aos escritos lógicos

Física e Metafísica. O próprio Filipe Melantone (1497-1560) mostrou-se

bastante sensível ao discurso aristotélico.

Muitas traduções e diversos comentários humanistas e renascentistas a

Aristóteles ainda precisam ser descobertos ou permanecem inéditos. Um

catálogo dessas obras não foi organizado nem sequer programado.

Um renascimento de Aristóteles de caráter escolástico aconteceu por obra

dos dominicanos e depois dos jesuítas (cuja ordem foi fundada em 1540),

em conexão com seu trabalho em favor da Contrarreforma.

Entre os dominicanos, destacamos: Domingo de Flandres ( † c.1500), que

escreveu Questiones, acerca da Metafísica do Estagirita; Crisóstomo Javelli (†

meados dos anos 1500), que comentou, entre outros, Metafísica, Ética,

Política e Sobre a alma; Francisco Silvestre de Ferrara (†1528), que escreveu,

entre outros, Questioni sulla “Fisica” e sul “De anima”; To-más de Vio

(†1534), que comentou as obras de lógica e Sobre a alma.

Depois do Concílio de Trento, surgiram Domingo Soto ( † 1560), que

comentou Física e Sobre a alma; Francisco Toledo (†1596), que comentou as

obras de lógica, Física, Sobre a alma e Sobre a geração; Pedro Fonseca

( † 1599), que comentou Metafísica; Francisco Suárez ( † 1617), cujas

Disputationes metaphysicae são dignas de nota. Recordaremos por último

Silvestre Mauro (1619-1687), que comentou de forma clara e linear todo o

Aristóteles filósofo (Lógica, Retórica, Poética, Éticas, Política, Economia,

Física, Sobre o céu, Sobre o mundo, Sobre geração, Sobre a alma, Parva

naturalia, Metafísica), obra publicada em Roma, em 1668 (a reedição,

publicada em Paris, em 1885, ainda pode ser encontrada: Aristotelis Opera


Omnia quae extant brevi paraphrasi et litterae perpetuo inhaerente expostione

illustrata a Silvestro Mauro, 4 v.).

Mas a filosofia moderna já havia tomado um rumo totalmente diverso.

Depois de Galileu, Bacon e Descartes, Aristóteles foi quase esquecido;

Leibniz constitui a típica exceção que confirma a regra. O grande Kant irá

ignorar quase completamente os escritos do Estagirita. A lógica formal

aristotélica, que ele conhece e louva, é na verdade a lógica amplamente

reelaborada pela tradição escolástica; a metafísica que debate é a

racionalista, de Wolf; enquanto as éticas que vão lhe servir de confrontação

são as éticas epicurista e estoica. Assim, até a chegada de Hegel, todos os

grandes filósofos ignoraram os escritos de Aristóteles.

O renascimento de Aristóteles nos séculos XIX e XX

No decorrer do século xix, dois acontecimentos mudaram radicalmente a

situação a favor de Aristóteles: a nítida reavaliação da filosofia do Estagirita

feita por Hegel e a grande edição crítica da obra completa de Aristóteles

realizada pela Academia de Berlim e organizada por Bekker e outros

filólogos de renome inquestionável.

Hegel tomou uma posição drasticamente favorável a Aristóteles,

sobretudo em Lições sobre a história da filosofia (que, como todos sabemos,

nasceram de uma série de cursos universitários ministrados em Jena, em

1805-1806, em Heidelberg, em 1816-1817 e em 1817-1818, e por fim em

Berlim, entre 1819 e 1820), lições publicadas postumamente por Michelet,


9
em 1833, e ampliadas em 1840-1844. Eis uma das afirmações de Hegel,

extremamente significativa: “Ele [Aristóteles] é um dos mais ricos e

profundos gênios científicos que jamais existiram, um homem ao qual

nenhuma época pode contrapor outro igual” (v. ii, p. 275). E eis como o

filósofo alemão estigmatizava a ignorância de sua época acerca da filosofia

de Aristóteles:

Entre outras coisas, o que nos induz a tratar extensamente Aristóteles é a consideração

de que contra nenhum outro filósofo se cometeu tamanha injustiça, com tradições

desprovidas de qualquer sombra de pensamento transmitidas a respeito de sua

filosofia, bem conceituadas até hoje, embora ele tenha sido por tantos séculos o mestre

de todos os filósofos. De fato, opiniões diametralmente opostas à sua filosofia lhe são

atribuídas. Enquanto Platão é muito lido, os tesouros aristotélicos continuaram

desconhecidos durante séculos, até a era moderna, e os mais infundados preconceitos a

seu respeito ainda prevalecem. Quase ninguém conhece suas obras especulativas,

lógicas; às obras dedicadas à história natural, rendeu-se modernamente certa justiça,

mas não às concepções filosóficas. Por exemplo, é opinião quase universal que as
filosofias aristotélica e platônica são completamente opostas, como o realismo ao

idealismo; o aristotelismo seria realismo em sua forma mais trivial. Platão teria situado

como princípio o ideal, de modo que a ideia interna se alimentaria de si mesma em sua

criação; segundo Aristóteles, ao contrário, a alma seria uma tábula rasa, recebendo do

exterior, de maneira passiva, todas as suas determinações; a filosofia aristotélica seria

portanto empirismo e lockismo da pior espécie etc. Veremos como isso pouco

corresponde à verdade. De fato, Aristóteles superou Platão em profundidade

especulativa, já que conheceu a mais radical das especulações, o idealismo, e a ele se

ateve, não obstante a parte importantíssima que dedicou ao empirismo. Sobretudo

entre os franceses, contudo, ainda se nutrem opiniões absolutamente errôneas sobre

Aristóteles. A insistência da tradição em lhe atribuir cegamente certas afirmações, sem

se preocupar em verificar se estão mesmo em seus livros, pode ser provada pelo fato de

que, nos antigos tratados de estética, as três unidades do drama — unidade de ação, de

tempo e de lugar — são celebradas como les règles d’Aristote, la saine doctrine. Mas

Aristóteles, ao contrário (Poet. cap. 8 e 5), fala apenas da unidade de ação e,

incidentalmente, também da unidade de tempo, sem fazer qualquer menção à terceira,

a unidade de lugar. [p. 276]

Finalmente, eis a afirmação mais forte de Hegel a favor de Aristóteles: “Se

[...] a filosofia fosse levada a sério, não haveria nada mais digno que

ministrar um curso sobre Aristóteles, o mais digno de ser estudado entre os

antigos filósofos” (p. 293).

Naturalmente, a interpretação de Hegel é muito apriorística, visto que ele

lê Aristóteles em função de suas próprias categorias; contudo, resta sempre

o aspecto positivo do que foi dito.

O outro grande acontecimento já mencionado foi a edição da obra

completa de Aristóteles, por Bekker: Aristoteles Opera, editit Academia Regia

Borussica. Os primeiros dois volumes têm o texto crítico de todas as obras e

foram publicados em 1831; o volume iii, publicado também em 1831,

contém várias traduções latinas; o iv, de 1836, traz extratos dos comentários

gregos; o v, publicado em 1880, traz os Fragmentos e o Index aristotelicus. Os

comentários foram organizados por Brandis (e alguns suplementos editados

por Usener foram inseridos no volume v), os Fragmentos foram recolhidos

por V. Rose, e o Index foi preparado por H. Bonitz (cf. organização de

Bekker reeditada por O. Gigon, Berlim, 1960 ss). Entre 1853 e 1860, Brandis

apresentou uma exposição acuradíssima do pensamento aristotélico,

apoiada em sólidas bases filológicas, dedicando ao tema pelo menos três dos

seis volumes de sua célebre obra Handbuch der Geschichte der griechisch-

römischen Philosophie. Além do Index, que continua a ser um instrumento

indispensável de trabalho, Bonitz fez um excelente comentário (além de

uma nova edição crítica da Metafísica) em latim (Aristotelis “Metaphysica”,


recognovit et enarravit H. Bonitz, 2 v., Bonn, 1848 ss), de caráter histórico-

filológico. Com sua edição dos fragmentos (refeita mais tarde, em 1886,

para a Bibliotheca Teubneriana) e com o volume anterior, Aristoteles

pseudepigraphus (Leipzig, 1863), Rose lançou as bases para o renascimento

dos estudos sobre o Aristóteles exotérico (paradoxalmente, ele não

considerava autênticos todos os fragmentos dos exotéricos).

F. A. Trendelenburg formou-se como filólogo na escola de Bekker e de

Brandis (enquanto em filosofia se deixava arrastar pela problemática

hegeliana). Além de um pequeno livro que é uma joia de perfeição e clareza,

no qual apresenta e comenta sistematicamente os textos fundamentais da

lógica (Elementa logicae aristoteleae, Berlim, 1836, com várias reedições),

Trendelenburg escreveu a primeira grande História da doutrina das

categorias, centrada principalmente em Aristóteles, além de fazer a edição

crítica com um comentário em latim a respeito de Sobre a alma (Geschichte

der Katogorienlehre, Berlim, 1846, reeditado várias vezes, e Aristotelis “De

anima”, libri tres, 1933; edito altera emendata at auct, Berlim, 1877). O

volume sobre as categorias, que interpretava a gênese das categorias do

ponto de vista gramatical, deu origem a uma série de discussões de alto nível

que mergulhou a fundo na problemática relacionada à doutrina aristotélica

das categorias (o próprio Bonitz participou dessas discussões). Na escola de

Trendelenburg formou-se, por sua vez, F. Brentano, que, com seu Von der

mannigfachen Bedeutung des Seiden nach Aristoteles (de 1862), interpretou a

ontologia aristotélica de maneira bastante original, reconstruindo a “tábua”

de significados do ser segundo o Estagirita, mostrando a conexão entre os

vários significados e a relação analógica que liga todos eles à substância.

Como iremos ver a seguir, Brentano exerceu influência sobre Heidegger, de

quem parte toda uma corrente de intérpretes de Aristóteles ainda hoje em

atividade.

Todos esses livros, durante muito tempo, foram pontos de referência

autorizados e ainda são obras de leitura indispensável.

Entre as obras do século xix que tiveram um peso notá-vel no âmbito dos

estudos aristotélicos podemos recordar: F. Biese, Die Philosophie des

Aristoteles, 2 v., Berlim, 1835-1842; F. Ravaisson, Essai sur la “Metaphysique”

d’Aristote, 2 v., Paris, 1837-1846, que entende a ontologia aristotélica numa

chave espirtualista-neoplatônica; Th. Waitz, que fez uma nova edição

crítica, com excelente comentário em língua latina do Organon (Aristoteles,

“Organon”, 2 v., Leipzig, 1844; Aalen, 1965, ed. anast.); A. Schwegler, que
fez uma edição com tradução e comentário analítico da Metafísica: Die

“Metaphysik” des Aristoteles. Grundtext, Übersetzung und Commentar, 4 v.,

Tübingen, 1847 ss (Frankfurt, 1960, reed.), em que é possível perceber

influências hegelianas; Prantl, Geschichte der Logik im Abdenlande, v. i,

Leipzig, 1855 (Graz, 1955, reed.), que também demonstra influências

hegelianas.

O trabalho que teve maior influência sobre a cultura filosófica foi o

volume ii de Philosophie der Griechen, de E. Zeller (1878), cuja tradução

italiana está em curso (a última parte do volume já foi publicada em

Florença, pela Nuova Italia, em 1966, com atualização de A. Plebe), em que

a inspiração hegeliana se faz sentir, embora de maneira atenuada. Zeller vê

Aristóteles como aquele que tentou conciliar conceito puro e empiria sem o

conseguir, em virtude da impossibilidade de conciliação entre universal e

individual. Como, para Zeller, o indivíduo, segundo Aristóteles, era a

verdadeira substância, em última instância, esta seria incognoscível;

somente o universal era verdadeiramente cognoscível. Quase toda a

manualística irá repetir em larga medida a interpretação de Zeller.

Muito inferior foi o volume sobre Aristóteles de Gomperz, no âmbito de

seus Griechische Denker, entre os séculos xix e xx (tradução italiana,

Florença, 1962), visto que, na tentativa de reagir contra a interpretação

espiritualista e idealista, deu à leitura de Aristóteles uma perspectiva

positivista tão pesada que chegou a deformar de maneira evidente a imagem

do Estagirita.

Meier apresentou uma interpretação que corrigia em sentido realista a

leitura idealista de Prantl, com Die Syllogistik des Aristoteles, 3 v., Tübingen,

1896-1900 (reed. anast. Hildesheim, 1969-1970). Entre os italianos, G.

Calogero (I fondamenti della logica aristotelica, Florença, 1927) tentou seguir

um meio--termo entre Prantl e Meier (ele vê na lógica aristotélica uma cisão

entre momento noético e momento dianoético).

Entre os séculos xix e xx, a bibliografia a respeito de Aristóteles tornou-se

muito abundante, e as posições dos autores foram se tornando cada vez

mais diluídas e plurívocas, de modo que só seria possível traçar um quadro


10
de conjunto com uma série de observações que não cabe aqui desenvolver.

Com uma considerável esquematização, é possível, contudo, distinguir as

seguintes orientações, entre as quais a literatura dos séculos xix e xx parece

evoluir:
1) Uma orientação idealístico-espiritualista, que teve início, como vimos,

com Hegel e mostrou-se muito fecunda sobretudo naqueles autores que

dele tomaram apenas alguns pontos de partida, redimensionando-os em

função dos instrumentos filológicos que a edição Bekker colocou à

disposição de 1831 em diante.

2) Uma orientação positivista, cujo representante típico é Gomperz. Se não

as doutrinas do positivismo oitocentista, com certeza a mentalidade

positivista inspira também alguns intérpretes do século xx (como Solmsen,

por exemplo).

3) Uma orientação heideggeriana. Brentano, como dissemos, influenciou

Heidegger (O ser e o tempo começa com um resumo das conclusões do livro

de Brentano sobre o ser aristotélico), que, aliás, não hesitou em afirmar:

“Deixem de lado a leitura de Nietzsche e durante dez a catorze anos

estudem primeiro Aristóteles.” Seguem essa orientação K. Schilling Wollny,

W. Bröcker, E. Tugendhat, L. Lugarini, parcialmente, P. Aubenque e outros.

4) A orientação neoescolástica. (Em Louvain foi criada toda uma coleção

de estudos de Aristóteles que deu origem a obras de ilustres aristotélicos

como A. Mansion, E. Nuyens e G. Colle; o Pontifical Institute of Medioeval

Studies, de Toronto, produziu uma das mais belas monografias sobre a

metafísica aristotélica, assinada por J. Owens; na Itália, criou-se uma nova

coleção para apresentar todas as obras filosóficas de Aristóteles com ricos

comentários.) É importante dizer que, ao contrário do que muitos pensam,

e de maneira simplista, os neoescolásticos não estão interessados em

tomistizar Aristóteles, mas antes em compreendê-lo nos limites da

economia de seu pensamento para entender melhor as novidades de Santo

Tomás, enquanto os neoclássicos estão em geral interessados em trazer à

tona a originalidade e a validade de certa impostação especulativa dos

problemas que se encontra justamente em Aristóteles.

5) A orientação histórico-filológica. Pelo menos nas intenções, pretendia

manter-se filosoficamente neutra. Contudo, isso só acontece muito

raramente, sobretudo nos trabalhos de maior fôlego. Em todo caso, merece

destaque o fato de que dessa orientação filológica nasceu a interpretação

chamada de genética, inaugurada em 1923 por Werner Jaeger, da qual

falaremos a seguir (Jaeger foi discípulo do grande Wilamowitz).

6) Por fim, no caso da interpretação da lógica, difundiu-se uma tendência

a entender o Organon com base nos cânones da moderna lógica formal, ou

logística (cf. em particular Lukasiewicz e seus seguidores, e, na Itália, em


particular M. Mignucci). Cabe mencionar enfim uma tendência forte,

sobretudo nos países de língua inglesa, de estudar a Retórica e, de uma

maneira geral, Aristóteles do ponto de vista da linguística moderna.

A inovação do método genético e a redescoberta do jovem Aristóteles

Como a interpretação genética introduziu na leitura de Aristóteles um

método não somente novo, mas revolucionário, e deu origem a um

verdadeiro Aristóteles-Renascimento, pelo menos no círculo dos eruditos,

devemos ilustrar brevemente suas características e indicar seus êxitos.

Em 1923, Werner Jaeger publicou o volume Aristoteles, Grundlegung einer

Geschichte seiner Entwicklung (tradução italiana de Guido Calogero,

Florença, 1935, várias vezes reeditada). Jaeger já era conhecido como

estudioso de Aristóteles desde a publicação, em 1912, de Studien zur

Entstehungsgeschichte der Metaphysik des Aristoteles, no qual, porém, ainda

adotava os cânones interpretativos da filologia alemã do século xix. No

Aristoteles, porém, ele elaborou a nova hipótese da evolução espiritual do

filósofo que estava destinada a fazer grande sucesso. Não seria exagero

afirmar, como alguns já fizeram, que toda a bibliografia sobre Aristóteles

posterior a 1923 de alguma forma é uma tomada de posição a favor ou

contra as conclusões desse livro. Jaeger tenta reconstruir a história espiritual

do Estagirita desde o período da Academia até os últimos anos. Aristóteles

teria passado de uma fase platônica para um interesse cada vez mais

acentuado na experiência e no mundo empírico, atenuando

progressivamente seu interesse pelo transcendental e pela metafísica. No

período acadêmico, Aristóteles teria aderido fielmente ao platonismo. Nos

anos imediatamente posteriores à morte de Platão, teria começado, já em

Assos, a criticar a filosofia platônica, concebendo a metafísica como

doutrina do suprassensível. Em seguida Aristóteles teria voltado seu

interesse para as substâncias e para as enteléquias imanentes, até chegar à

concepção da metafísica como fenomenologia dos diversos significados do

ser. No fim de sua vida, teria se interessado quase exclusivamente nas

ciências empíricas. Todos os ramos da filosofia aristotélica exibiriam as

marcas dessa parábola evolutiva que parte do platonismo e se encerra no

empirismo. Porém, o que mais interessa é o fato de que essa evolução teria

introduzido uma disparidade não apenas en-tre as obras juvenis e as da

maturidade, mas no interior de todas as obras de escola. A bem dizer, e essa

é a tese mais destrutiva de Jaeger, as obras de escola, iniciadas já no período


de Assos, seriam formadas por sucessivas estratificações, cada qual

expressando uma fase diversa da evolução espiritual do Estagirita, de modo

que, entre as várias partes, não haveria nenhuma unidade literária, nem

sequer homogeneidade especulativa, portanto, nenhuma unidade filosófica.

Eis o que Jaeger escreve, por exemplo, a propósito da Metafísica:

Não é legítimo considerar como unidade os trechos recolhidos no Corpus

methaphysicum e colocar na base de seu conteúdo confrontado uma categoria comum,

obtida pela média de elementos totalmente heterogêneos. [...]. Efetivamente ilícito é

partir do pressuposto de sua homogeneidade filosófica para esconder os problemas que

coloca a cada passagem, inclusive do ponto de vista do conteúdo. Há que rechaçar

qualquer tentativa de reconstruir com os trechos que sobreviveram uma unidade

literária póstuma, por meio da transposição ou da exclusão de livros. Mas não menos

recusável é a admissão precipitada de sua unidade filosófica, em detrimento das

características de cada documento de uma atividade de pensamento que lutou com os

mesmos problemas durante décadas, e que representa um momento fecundo, um grau

do desenvolvimento em vista de uma nova formulação. [Trad. cit., p. 226]

As conclusões de Jaeger, de início recebidas por muitos com entusiasmo,

logo revelaram sua precariedade quando avaliadas em função do próprio

método genético. H. von Arnim mostrou a possibilidade de inverter

exatamente o sentido da linha evolutiva traçada por Jaeger. As hipóteses de

Von Arnim foram amplamente aproveitadas por Paul Gohlke e Max

Wundt, que reconstruíram uma curva da evolução de Aristóteles que vai do

empirismo à recuperação do platonismo. Oggioni tentou combinar as duas

possibilidades, mostrando um Aristóteles que, ao mesmo tempo que

avançava para o empirismo, continuava a recair no platonismo. I. Düring,

por outro lado, tentou demonstrar que Aristóteles nunca havia sido

platônico no sentido apontado por Jaeger, mas sempre soube assumir

posições próprias. Enfim, outros demonstraram que os elementos

platônicos e aristotélicos se equilibram sempre, desde os escritos juvenis.

Alguns estudiosos tentaram em seguida aplicar o método genético ao estudo

de um só conceito ou de uma só doutrina ao longo de todo o corpus, como

fez Nuyens em relação à doutrina da alma, com resultados que

contrastavam com os de Jaeger. Por fim, Zürcher pensou que poderia

demonstrar, pelo método genético, que somente 20% do Corpus

aristotelicum são autênticos; 80% seriam de fato obra de Teofrasto;

Aristóteles teria permanecido sempre platônico, e Teofrasto, ao contrário,

teria passado do platonismo ao empirismo. (O leitor encontrará análises

realizadas pelas várias teses e pelos vários intérpretes nos seguintes


trabalhos: Berti, La filos. del primo Arist., p. 9-122; Reale, Il concetto di filos.

prima, p. 327-373 e passim; Plebe, atualização de Zeller, La filos. dei Greci,

passim).

Hoje, o método genético chegou às próprias Colunas de Hércules. Os

últimos seguidores não se entendem mais, nem entre si, pois, como já

dissemos, com o método genético foi possível demonstrar tudo e o

contrário de tudo. Ele só conseguiria se sustentar se as obras de escola ou as

partes de que são constituídas fossem efetivamente datáveis, ou seja, se

algum testemunho externo sobre a época em que foram redigidas tivesse

chegado a nós. Na verdade, por meio da análise de seu conteúdo,

constituído de aulas que eram sucessivamente remanejadas, é

estruturalmente impossível remontar à data em que foram escritas. Além

disso, os escritos aristotélicos, mesmo desprovidos de unidade literária,

como realmente são, só podem ser lidos unitariamente pela razão

fundamental de que, como nunca saíram das mãos de Aristóteles e como

foram sucessivamente elaborados, assumiram aquela fisionomia precisa que

seu autor pretendia que tivessem. Em suma, como Aristóteles não repudiou

as obras ou partes delas, ele permanece “unitariamente” responsável por

elas. Os esotéricos não podem ser tratados como se fossem meros

apontamentos.

Os êxitos positivos mais notáveis alcançados pelo método inaugurado por

Jaeger são os seguintes: a) a redescoberta do Aristóteles dos escritos juvenis

(exotéricos); aplicando os cânones jaegerianos a seu Aristotele perduto e la

formazione filosofica de Epicuro (1936), E. Bignone conseguiu reinterpretar a

filosofia helenística numa nova perspectiva (sobre os resultados gerais dessa

descoberta, ver Berti, La filos. del primo Arist., passim); b) a demonstração

de que, histórica e teoricamente, Aristóteles só pode ser entendido em suas

relações dialéticas com o platonismo; c) um aprofundamento e uma

avaliação crítica verdadeiramente capilares das obras mais significativas de

Aristóteles, que trouxeram à tona muitos e importantes elementos novos,

úteis para uma compreensão cada vez mais adequada de seus textos; d) um

sentido mais vivo da historicidade do pensamento do Estagirita,

considerado no passado de maneira demasiado abstrata e anti-histórica.

Como alternativa ao Aristóteles “genético”, foi proposto e ainda se

propõe, por um lado, um Aristóteles problemático, expresso

paradigmaticamente por Aubenque, próximo da corrente dos

heideggerianos; por outro lado, há o Aristóteles dos neoclássicos, que


tentam libertá-lo das marcas escolásticas sem dilacerá-lo com o método

genético nem condená--lo ao xeque-mate, como fazem, por sua vez, os

intérpretes heideggerianos, os problematicistas.

Em todo caso, hoje não parece mais possível entrincheirar-se atrás do

filologismo dos epígonos do método genético; só será possível devolver aos

textos de Aristóteles um sentido plausível se, e à proporção que, voltarmos a

acreditar no discurso filosófico.

NOTAS
1. Para uma exposição mais aprofundada do que é dito neste parágrafo e no seguinte remetemos a

Reale, I problemi del pensiero antico, ii. Le scuole ellenistico-romane, p. 59-90, 502-513, em que se

encontra também a bibliografia essencial.

2. A lista completa dos comentaristas gregos que chegaram aos nossos dias e estão publicados pela

Academia de Berlim em edição exemplar pode ser encontrada na “Bibliografia comentada”, § vii, 1.

3. Sobre esses comentaristas neoplatônicos, ainda é bastante útil a última parte da obra de Zeller,

traduzida para o italiano: G. Martano (org.), Zeller e Mondolfo, La filosofia dei Greci, parte iii, v. iv,

Florença, 1961.

4. Cf. “Bibliografia comentada”, § ii, 3.

5. No que concerne às traduções latinas medievais de Aristóteles, utilizamos todas as preciosas

indicações de E. Franceschini, “Ricerche e studi su Aristotele nel Medioevo latino”, em vários

autores, Aristotele nella critica e negli studi contemporanei, Milão, 1956, p. 144-166. Fundamental a

respeito disso é o Aristoteles latinus (cf. “Bibliografia comentada”, § v, 1), excepcional monumento

de erudição. No que concerne à releitura medieval de Aristóteles, remetemos às mais autorizadas

histórias da filosofia medieval (Ueberweg-Gayer, De Wulf, Gilson e Vasoli, onde se encontra

também ampla bibliografia).

6. L. Minio-Paluello, “Jacobus Veneticus Grecus, Canonist and Translator of Aristotle”, Traditio, viii,

1952, p. 265-304.

7. Franceschini, op. cit., p. 160.

8. Para aprofundar esse aspecto, remetemos às mais qualificadas histórias da filosofia moderna e aos

estudos sobre o humanismo e o Renascimento. O volume iii da Grundiss, de Ueberweg, ainda é

utilíssimo pelas preciosas indicações. No que diz respeito à chamada “segunda escolástica”, em geral

negligenciada, remetemos a F. Copleston, Storia della filosofia, v. iii: Da Occam a Suarez, Brescia,

1966 (ed. orig. 1953; 1960), p. 421 ss.

9. Há uma boa tradução italiana da obra, organizada por E. Codignola e E. Sanna, Florença, 1930 ss,

ainda acessível, de onde tiramos as citações.

10. Para um quadro detalhado, remetemos a E. Berti, capítulo “Aristotele” em Questioni di

storiografia filosofica, que será publicada pela La Scuola, Brescia (gentilmente, o autor nos deu

acesso às provas); o recorte da bibliografia de Berti representa o complemento exato para esse

capítulo. Por falta de espaço, indicaremos apenas alguns dos nomes mais significativos entre os

estudiosos de Aristóteles, sem, no entanto, dar todas as indicações sobre suas obras, que poderão ser

encontradas na “Bibliografia comentada”. Os trabalhos indicados nessa bibliografia, § i, 2, serão

complementos úteis para tudo o que foi dito aqui.


BIBLIOGRAFIA COMENTADA

I. COMPILAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS E RESENHAS CRÍTICAS

Quase toda a bibliografia aristotélica, até 1896, encontra-se em M. Schwab, Bibliographie d’Aristote,

Paris, Librairie H. Welter, 1896. A obra é manuscrita e tem cerca de 3.750 indicações (é preciosa

sobretudo pelas indicações pontuais de edições, traduções e comentários de Aristóteles).

Para a bibliografia sobre o período entre o século xix e o século xx, ver:

Ueberweg-Praechter. Die Philosophie des Altertums. Basileia, 1926, p. 101-122.

Para a bibliografia posterior a 1926, ver:

Gómez-Nogales, S. Horizonte de la Metafísica aristotélica. Estudios Onienses, série ii, v. 2. Madri,

1955, p. 247-398.

Philippe, M. D. Aristoteles (Bibliographische Einführungen in das Studium der Philosophie). Berna, I.

M. Bochenski, 1948.

Totok, W. Handbuch der Geschichte der Philosophie. Frankfurt, 1964.

Também são muito úteis:

Aristotle. British Museum, Catalogue of Printed Books. Londres, 1884.

Aristoteles. Berlim, Preussischen Staatsbibliothek, Sondrebruk aus dem Gesamtkatalog der

Preussischen Bibliotheken, 1934.

Catalogue général des livres imprimés de la Bibliothèque Nationale. Auteurs, iv: Aristote. Paris, 1901.

Para atualização bibliográfica, devem ser consultados:

L’année philologique de Marouzeau e o Répertoire bibliographique de la philosophie da Société

Philosophique de Louvain, publicado com a Revue philosophique de Louvain.

Para um status quaestionis concernente à moderna literatura aristotélica, devem ser consultados:

Berti, E. La filosofia del primo Aristotele. Pádua, 1962, p. 9-122.

———. Aristotele. In: V. Mathieu, Brescia (org.). Questioni di storiografia filosofica (cujas provas pude

consultar por gentil concessão do autor).

Gohlke, P. “Jahresbericht über die Fortschritte der classischen Altertumswissenschaft”. Überblick über

die Literatur zu Aristoteles bis 1925, ccxvi, 1927, p. 65-100; ccxx, 1929, p. 265-328.

Long, H. S. “Classical World”. A Bibliographical Survey of Recent Work of Aristotle, li, 1958, p. 47-51;

57-60; 67-76; 96-98; 117-119; 160-162; 167-168; 193-194; 204-209.

Moraux, P. “L’évolution d’Aristote”. In: Vários autores. Aristote e Saint Thomas d’Aquin. Louvain,

1957, p. 9-41.
Wilpert, P. “Zeitschrift für philosophische Forschung”. Die lage der Aristotles Forschung, i, 1946, p.

123-140.

Para as bibliografias concernentes às obras singulares ou às partes singulares da filosofia de

Aristóteles, ver o § viii, início de cada subparágrafo.

II. AS OBRAS DE ARISTÓTELES

Lista das obras esotéricas e exotéricas


Os títulos das obras do Corpus aristotelicum serão listados na ordem em que foram publicados na

edição de Bekker, inclusive as obras espúrias; indicaremos na coluna da esquerda o título grego, e na

da direita os títulos em latim (em geral empregados nas citações) e em português.

Kathgorivai Categoriae

Categorias

Peri; eJrmhneiva~ De interpretatione

Sobre a intepretação

∆Analutika; provtera Analytica priora

Primeiros analíticos

∆Analutika; u{stera Analytica posteriora

Segundos analíticos

Topikav Topica

Tópicos

Peri; sojistikw~n ejlevgcwn De sophisticis elenchis

Refutações sofísticas

Fusikh; ajkrovasi~ Physica

Física

De caelo

Sobre o céu

De generatione et corruptione

Sobre a geração e a corrupção

Metewrologikav Meteorologica

Meteorológicos

Peri; kovsuou pro;~ ∆Alevxandron De mundo


Sobre o mundo

De anima

Sobre a alma

De sensu et sensibili

Sobre o sentido e as sensações

Peri; mnhvmh~ kai; ajnamnhvsew~ De memoria et reminiscentia

Sobre a memória e a reminiscência


Peri; u{pnou kai; ejgrhgovrsew~ De somno

Sobre o sonho

Peri; ejnupnivwn De somniis

Sobre os sonhos

De divinatione per somnum

Sobre a predição pelos sonhos

Peri; makrobiovthto~ kai; De longitudine et brevitate vitae

bracubiovthto~ Sobre a longevidade e a brevidade

da vida

Peri; neovthto~ kai; ghvrw~ De juventute et senectute

Sobre a juventudo e a senectude

De vita et de morte

Sobre a vida e a morte

De respiratione

Sobre a respiração

Peri; pneuvmato~ De spiritu

Sobre o espírito

Historia animalium

História dos animais

Peri; zw/vwn morivwn De partibus animalium

Sobre as partes dos animais

Peri; zw/vwn kinhvsew~ De motu animalium

Sobre o movimento dos animais

Peri; poreiva~ zw/vwn De incessu animalium

Sobre a progressão dos animais

Peri; zw/vwn genevsew~ De generatione animalium

Sobre a geração dos animais

Peri; crwmavtwn De coloribus

Sobre as cores

De audibilibus

Sobre o que se ouve

Fusiognwmonikav Physiognomonica

Fisiognômica

De plantis

Sobre as plantas

Peri; Jaumasivwn ajkousmavtwn De mirabilibus auscultationibus

Sobre as auscultações miraculosas

Mhcanikav Mechanica

Mecânica
Problhvmata Problemata

Problemas

De lineis insecabilibus

Sobre as linhas indivisíveis

Ventorum situs

Lugares dos ventos

Peri; Xenojavnou~, De Xenophane, Zenone, Gorgia

peri; Zhvnwno~, peri; Gorgivou [o título exato, no entanto, é

Xenoph., Melisso, Gorgia]

Sobre Xenófones, Melisso e Górgias

Ta; meta; ta; juoikav Metaphysica

Metafísica

∆HJika; Nikomavceia Ethica Nichomachea

Ética a Nicômaco

∆HJika; Megavla Magna moralia

Moral Magna

∆HJika; Eujdhveia Ethica Eudemea

Ética a Eudêmio

De virtutibus et vitiis

Sobre a virtude e os vícios

Politikav Politica

Política

Oijkonomikav Oeconomica

Economia

Tevknh rJhtorikhv Rhetorica

Retórica

ÔRhtorikh; pro;~ ∆Alevxandron Rhetorica ad Alexandrum

Retórica a Alexandre

Peri; poihtikhv~ Poetica

Poética

Fragmenta Fragmenta

Fragmentos

∆AJhnaivwn politeiva Atheniensium respublica

Constituição ateniense

Eis os títulos das obras que tiveram alguns fragmentos recuperados segundo a edição do Ross, com as

respectivas traduções em italiano e em português:

Diálogos

Grillo o della retorica

Grilo ou Sobre a retórica


Sumpovsion Simposio

Simpósio

Sofista

Sofista

Eudemo o dell’anima

Eudemo ou Sobre a alma

Nhvrinqo~ Nerinto

Nerinto

Erwtikov~ Erotico

Erótico

Protreptikov~ Protreptico (esortazione alla filosofia)

Protréptico (exortação à filosofia)

Peri; plouvtou Della richezza

Sobre a riqueza

Sulla preghiera

Sobre a prece

Peri; eujgeneia~ Sulla nobiltà di nascita

Sobre a nobreza de nascimento

Sul piacere

Sobre o prazer

Peri; paideiva~ Sull’educazione

Sobre a educação

Peri; basileiva~ Sulla monarchia

Sobre a monarchia

∆Alevxandro~, h] uJpe;r ajpoivkwn Alessandro o delle colonie


Alexandre ou Sobre as colônias

Politikov~ Politico

Política

Sui poeti

Sobre os poetas

Peri; jilosojiva~ Sulla filosofia

Sobre a filosofia

Peri; dikaiosuvnh~ Sulla giustizia

Sobre a justiça

Obras lógicas

Peri; problhmavtwn Sui problemi

Sobre os problemas

Diairevsei~ Divisioni
Divisões

ÔÁpomnhvmata ejpiceirhmatikav Tracce per argomentazioni


Esboços para argumentações

Kathgorivai Categorie

Categorias

Peri; ejnantiwn Sui contrari

Sobre os contrários

Obras filosóficas

Sul Bene

Sobre o bem

Sulle Idee

Sobre as Ideias

Sui Pitagorici

Sobre os pitagóricos

Sulla filosofia di Archita

Sobre a filosofia de Arquitas

Peri; Dhuokrivtou Su Democrito


Sobre Demócrito

Códices

Catálogos das obras de Aristóteles

Algumas listas de títulos das obras de Aristóteles chegaram até nós por intermédio de:

1) Diógenes Laércio. Vite dei filosofi, v, 21 ss.

2) Um autor anônimo da chamada Vita menagiana (do nome de seu editor), que recorre a Hesíquio

de Mileto como fonte.

3) Ptolomeu, que recorre a Andrônico como fonte.

Essas listas foram publicadas por V. Rose, respectivamente, no volume da Aristotelis opera da

Academia de Berlim, 1870, p. 1.463 ss. Cf. também Rose, Aristoteles pseudepigraphus, Leipzig, 1863, p.

11 ss; Arist. Fragmenta, 3ª ed., 1886, p. 3 ss, p. 1466 ss (cf. também Rose, Aristoteles pseudepigraphus,

p. 18 ss e Fragmenta, 2ª ed. cit., p. 9 ss); p. 1.469 ss (cf. também Rose, Fragmenta, 3ª ed. cit., p. 19 ss).

Sobre o argumento, ver:

Moraux, P. Les listes anciennes des ouvrages d’Aristote. Louvain, 1951 (onde o leitor encontrará status

quaestonis, nova e aprofundada conjectura e riquíssima bibliografia).

Antigas biogra as
As principais biografias de Aristóteles que chegaram até nós são:
1) Vida de Aristóteles, de Diógenes Laércio.

2) Duas vidas gregas (Vita marciana e Vita vulgata).

3) Uma vida latina.

4) Duas vidas siríacas.

5) Quatro vidas árabes, de An-Nadim, Al-Mubashir, Al-Qifti, Usaibia.

Essas vidas foram editadas e comentadas recentemente, com grande competência e precisão:

Düring, I. Aristotle in the Ancient Biographical Tradition. Gotemburgo, 1957 (reúne todo o material

biográfico antigo, elabora uma nova edição crítica e um comentário histórico-filológico).

.E A
Edições gerais

A primeira edição impressa das obras de Aristóteles é a chamada “aldina” (do impressor Aldo

Manuzio): Aristotelis Opera. Graece..., Veneza, 1495-1498, 6 v.

À aldina seguiram-se as três edições de Basileia. A primeira, organizada por Erasmo de Roterdã, foi

publicada em 1531 (Aristotelis Opera Omnia, Basileia, 1531), a segunda, em 1539 (Basileensis secuda,

uma reprodução da precedente), e a terceira, em 1550 (Basileensis tertia ou isingriniana, do impressor

Isingrim), com correções das precedentes.

Em 1551-1553, foi publicada a segunda edição aldina em 6 v. (chamada camotiana em razão das

correções feitas por J. B. Camotius).

Em 1584-1587, foi publicada a célebre edição de Sylburg, em 5 v. e 11 to-mos (Aristotelis Opera quae

extant, Francfort, 1584-1587), que aprimora as anteriores.

Em 1590 foi publicada em Lyon uma nova edição organizada por Causbonus (Aristotelis Opera nova

editio..., 2 v.), reeditada em 1596.

Uma edição posterior foi organizada por Pacius, que fez uma revisão da precedente (Opera omnia

Graece et Latine..., Gênova, 1596 e Lugduni 1597).

Recordemos ainda: Opera, nova editio, Graece et Latine..., 2 v., Genevae 1602 (e 1606-1607). E

posteriormente: Tou Stageiritou ta Sozomena, Latinae interpretationes adiectae qua graeco contextui

melius respondent..., 2 v., Aureliae Allobrogum, 1606-1609.

Entre as edições seiscentistas, devem ser mencionadas ainda a de Du Val, Opera omnia quae extant,

Graece et Latine..., 2 v., Parisiorum, 1619, reeditada em 1629 e ainda em 1639 e 1654 (ampliada para 4

v.).

No século xviii, Th. Buhle deu início a uma nova edição das obras de Aristóteles, mas não conseguiu

terminá-la: Opera omnia Graece..., v. i-iv, Biponti, 1791-1793, v. v. Argentorati, 1799.

Entre as edições do século xix, destaca-se a de Bekker, que mencionamos anteriormente e cuja

descrição iremos fazer a seguir. Por zelo de completude, mencionamos também as outras:

Aristotelis Opera ad optimorum librorum fidem accurate edita, Tauchnitz, Lipsae, 1831-1832, em 16 v.

(edição esteriotípica com correções), reeditada em 1867-1873.

Aristotelis Opera quae extant, uno volumine comprehensa [...] eiditi C. H. Weisse, Tauchnitz, Lipsiae,

1843.

A edição destinada a suplantar todas as outras e a se tornar referência para a citações foi a da

Academia de Berlim, 1831-1870, ainda indispensável, embora superada em vários detalhes:


Reiner, G. Aristotelis Opera editit Academia regia Borussica, Berolini, 1831-1870. i-ii: Aristotelis Graece,

texto crítico organizado por I. Bekker (impresso em duas colunas: a da esquerda, indicada com a e a

da direita, com b); iii: Aristoteles Latine compreende traduções latinas renascentistas de vá-rios

autores; o volume foi publicado também em 1931; iv: Scholia in Aristotelem, com passagens

extraídas de comentaristas gregos, organizadas por A. C. Brandis (a edição dos comentários gregos

que a Academia de Ber-lim publicou sucessivamente, cuja lista daremos adiante, tornou esse volume

praticamente inútil); v: Aristotelis Fragmenta, reunidos por V. Rose; suplementos aos Scholia in

Aristotelem organizados por Usener, e Index aristotelicus, organizado por H. Bonitz. (Esse Index é

uma obra de altíssi-mo nível, ainda hoje não superada, enquanto a coletânea de fragmentos não é

mais utilizável; cf. adiante a indicação das mais recentes edições dos fragmentos.)

Uma reedição (corrigida) dessa edição monumental foi organizada por O. Gigon, Berlim, 1960-1961.

Digna de menção especial, porque melhora, em certos aspectos, o trabalho de Bekker, é a edição

publicada por F. Didot, não tão apreciada quanto mereceria e, por infortúnio, não utilizável

objetivamente, pois não reproduz a paginação de Bekker, hoje obrigatória nas citações: Aristotelis

Opera omnia graece et latine, cum indice nominum et rerum absolutissimo. A. F. Didot, v. i-iv, Parisiis,

1848-1869, v. v (Index), 1874.

Muitas das obras do Corpus aristotelicum estão disponíveis também nas seguintes conhecidas

coleções de clássicos gregos e latinos:

• Biblioteca Teubneriana;

• Collection des Universités de France;

• Oxford Classical Texts;

• The Loeb Classical Library.

Serão fornecidas a seguir, paulatinamente, indicações sobre muitas obras aristotélicas publicadas

nessas coleções.

Edições de obras específicas

Limitamo-nos aqui às obras de interesse estritamente filosófico, nas quais se baseou nossa exposição,

e seguindo sua ordem. Para um quadro geral, remetemos a:

Bonetti, A. “Le edizioni del texto greco do Aristotele das 1831 ai nostri giorni”. In: Vários autores.

Aristotele nella critica e negli studi contemporanei. Milão, 1956, p. 166-201.

Fragmentos
Plezia, M. Aristotelis epistularum fragmenta cum testamento. Varsóvia, 1961.

Rose, V. Aristotelis pseudepigraphus. Leipzig, 1863.

———. Aristotelis quae ferebantur librorum fragmenta. 3ª ed. Leipzig, 1867 (publicado em 1870, com

o Index arist., de Bonitz, no v. v de Bekker).

———. Aristotelis quae ferebantur librorum fragmenta. 3ª ed. Leipizig, 1886 (Bibliotheca

Teubneriana).

Ross, W. D. Aristotelis fragmenta selecta. Oxford, 1955.

Walzer, R. Aristotelis dialogorum fragmenta. Florença, 1934.

Metafísica
Bonitz, H. Aristotelis “Metaphysica”, 2 v. Seleção e comentários de B. H. Bonn 1848-1849 (o segundo

volume foi reproduzido em edição anastásica, Hildesheim, 1960).

Christ, W. Aristotelis “Metaphysica”. Seleção de C. W. Leipzig, 1886 (reimpressão corrigida, 1895,

reeditada várias vezes).


Schwegler, A. Die “Metaphysik” des Aristoteles, Grundtext, Uebersetzung und Commentar, 4 v. Texto

explicativo. Tübingen, 1847-1848 (Frankfurt, 1960, reprod. anast.).

As três edições oitocentistas ainda são úteis. No século xx foram publicadas as duas melhores:

Jaeger, W. Aristotelis “Metaphysica”. Seleção e breve comentário crítico de W. Jaeger. Oxonii, 1957 (o

autor remete-se em grande parte a Ross, acrescentando algumas conjecturas bastante perspicazes).

Ross, W. D. Aristotle’s “Metaphysics”, 2 v. Texto revisto com introdução e comentários. Oxford, 1924,

1958, 1953 (excelente).

Recordemos ainda, por zelo de completude:

García Yerba, V. “Metafísica” de Aristótele. Edição trilíngue. Madri, 1970.

Tredennick, H. Aristotle, The “Metaphysics”. Tradução em inglês. Londres/Nova York, 1933-1935

(inferior às duas anteriores; Loeb Classical Library).

Física
Carteron, H. Aristote, “Physique”, 2 v. Texto estabelecido e traduzido por H. Carteron. Paris, 1926-

1931 (Collection des Universités de France).

Prantl, C. Aristoteles’ Acht Bücher “Physik”. Tradução alemã. Leipzig, 1854 (do mesmo autor, ver

também a edição organizada para a Bibliotheca Teubneriana, Leipzig, 1879).

Ross, W. D. Aristotle’s “Physics”. Texto revisado, introdução e comentários. Oxford, 1936 (o texto

crítico foi editado em 1950; Oxford Classical Texts).

Wicksteed, Ph. H. e Cornford, F. M. “Aristotle”. The “Physics”. Tradução em inglês. Londres/Nova

York, 1929-1934 (Loeb Classical Library).

De caelo
Allan, D. J. Aristotelis “De caelo”. Oxford, 1936 (edição corrigida, 1955; Oxford Classical Texts).

Guthrie, W. K. C. Aristotle, “On the Heavens”. Tradução em inglês. Londres, 1939 (Loeb Classical

Library).

Longo, O. Aristotele, “De caelo”. Tradução, introdução, texto crítico e notas. Florença, 1962.

Moraux, P. Aristote, “Du ciel”. Texto estabelecido e traduzido. Paris, 1965 (Collection des Universités

de France).

Prantl, C. Vier Bücher das “Himmelgebaüde” und zwei Bücher Entstehen und Vergehen, Grieschich und

Deutsch. Leipzig, 1858 (cf. do mesmo autor o texto crítico das duas obras publicado na Bibliotheca

Teubneriana, Leipzig, 1881).

De generatione et corruptione
Joachim, H. H. Aristotle on Coming-to-be and Passin-away. Texto revisado com introdução e

comentários. Oxford, 1922.

Mugler, C. Aristote, “De la génération et de la corruption”. Texto estabelecido e traduzido. Paris, 1966

(Collection des Universités de France).

De anima
Biehl, G. Aristotelis, “De anima” libris três. Edição revista. Leipzig, 1896 (Bibliotheca Teubneriana).

Hett, W. S. Aristotle, “On the Soul”. Tradução em inglês. Londres, 1936 (Loeb Classical Library).

Hicks, R. D. Aristotle, “De anima”. Tradução, introdução e notas. Cambridge, 1907.

Jannone, A. e Barbot, E. Aristote, “De l’âme”. Texto estabelecido por A. Jannone, tradução e notas de

E. Barbotin. Paris, 1966 (Collection des Universités de France).

Roder, G. Aristote, “Traité de l’âme” traduit e annoté, 2 v. Paris, 1900.


Ross, W. D. Aristotle, “De anima”. Introdução e comentários. Oxford, 1961 (o texto crítico de Ross

também pode ser encontrado, sem introdução e comentários, em Oxford Classical Texts).

Trendelenburg, F. A. Aristoelis, “De anima” libri três. Berlim, 1877 (Graz, 1957, reed. anast., com

excelente comentário em latim).

Éticas
Ainda não há uma edição totalmente satisfatória das três Éticas, mas há bons comentários anexos às

traduções mencionadas a seguir. Teremos, portanto, de recorrer às edições do fim do século xix:

Armstrong, G. C. Aristotle “Magna Moralia”. Tradução em inglês. Londres, 1935 (publicado no

segundo volume da Metafisica organizado por Tredennick, op. cit.; Loeb Clasical Library).

Burnet, J. The “Ethics” of Aristotle. Londres, 1900.

Bywater, I. Aristotelis “Ethica Nicomachea”. Oxford, 1894 (reeditada várias vezes; Oxford Classical

Texts).

Fritzscche, A. T. H. Aristotelis “Ethica Eudemia”. Regensburg, 1851.

Grant, A. The “Ethics” of Aristotle, 2 v. Ilustrado; ensaio e notas. Londres, 1857, 1884 .

Rackham, H. Aristotle, The “Nicomachean Ethics”. Tradução em inglês. Londres/Nova York, 1926,

1934 (The Loeb Classical Library).

———. Aristotle... The “Eudemian Ethics”. Tradução em inglês. Londres, 1935 (Loeb Classical

Library).

Ramsauer, G. Aristotelis “Ethica Nicomachea”. Leipzig, 1878.

Susemihl, Fr. Aristotelis “Ethicha Nicomachea”. Leipzig, 1882 (3ª ed. organizada por O. Apelt, 1812).

———. Aristotelis quae feruntur “Magna Moralia”. Leipzig, 1883.

———. [Aristotelis “Ethica Eudemia”] Eudemi Rhodii Ethica. Leipzig, 1884.

Voilquin, J. Aristote, “Ethique de Nicomaque”. Texto, tradução e notas. Paris, 1940.

Política
Aubonnet, J. Aristote, “Politique”. Texto estabelecido e traduzido. Paris, 1960 ss (até hoje foram

publicados os dois primeiros volumes, até o livro v;* Collection des Universités de France).

Immisch, O. Aristotelis “Politica”. Leipzig, 1929 (Bibliotheca Teubneriana).

Newman, W. L. The “Politics” of Aristotle, 4 v. Dois ensaios e introdução. Oxford, 1887-1922.

Rackham, H. Aristotle, “Politics”. Tradução em inglês. Londres, 1932 (The Loeb Classical Library).

Ross, W. D. Aristotelis “Política”. Oxford, 1957 (Oxford Classical Texts).

Susemihl, Fr. Aristotelis “Política”. 3ª ed. Leipzig, 1882 (Bibliotheca Teubne-riana).

Poética
Bywater, I. On the Art of Poetry. Introdução crítica e comentários. Oxford, 1909.

Gudeman, A. Aristoteles, “Perì Poietikês”, mit Einleitung. Texto, notas críticas, comentário exegético,

anexo crítico e índice onomástico, de temas e locais. Berlim/Leipzig, 1934.

Herdy, J. Aristote, “Poétique”. Texto estabelecido e tradução. Paris, 1932 (Collection des Universités

de France).

Kassel, R. Aristotelis “De arte poética”. Oxford, 1965 (Oxford Classical Texts).

Rostagni, A. Aristotele, “Poética”. Introdução e comentários. Turim, 1927 (1945).

Organon
Waitz, Th. Aristotelis “Organon, 2 v. Leipzig, 1844-1846 (reed. anast., 1962; trata-se de trabalho

excelente, de consulta indispensável ainda hoje, sobretudo pelo comentário).

As melhores edições críticas dos tratados singulares do Organon encontram-se na coleção “Oxford

Classical Texts”:
Minio-Paluello, L. Aristotelis “Categoriae” et “Liber de interpretatione”. Oxford, 1949.

Ross, W. D. Aristotelis “Topica” et “Sophistici Elenchi”. Oxford, 1958 (ed. revista, 1970).

Ross, W. D. e Minio-Paluello, L. Aristotelis “Analytica priora et posteriora”. Oxford, 1964.

Deve-se destacar também a excelente edição com comentários dos Analíticos de Ross: Aristotle’s “Prior

and Posterior Analytics”. Texto revisto, introdução e comentário. Oxford, 1949.

Menos válida, embora útil, é a edição com tradução inglesa do Organon, publicada na Loeb Classical

Library: o volume i, contendo Categoriae, De interpretatione, Analytica priora, foi organizado por H.

P. Cooke e H. Tredennick e publicado em 1938; o volume ii, com os Analytica posteriora e os Topica,

foi organizado por H. Tredennick e E. S. Forster e publicado em 1960; os De sophisticis elenchis foram

organizados por Forster (com De generat. et corr. e o De mundo) e publicados em 1955.

.T
Infelizmente, ainda não há uma tradução da obra completa de Aristóteles. Uma tradução sistemática,

com introduções críticas, comentário analítico e bibliografias foi organizada pelo Centro di Studi

Filosofici di Galarate, pela editora Loffredo, de Nápoles. Já foram publicados até agora:

Reale, G. (org.). La Metafísica, 2 v. Nápoles, 1968.

Mignucci, M. (org.). Gli Analitici primi. Nápoles, 1970.

Sairão em breve:

Mignucci, M. (org.). Gli Analitici secondi. (O autor já antecipou a tradução da obra em tiragem

limitadíssima, publicada por Azzoguidi, Bolonha, 1970.)

Reale, G. (org.). Trattato sul cosmo per Alessandro [1974].

Zadro. A. (org.). I Topici [1974].*

A maior parte das traduções dos tratados aristotélicos em língua italiana foi publicada pela editora

Laterza: Opere, organização de Gabriele Giannnatoni, 4 v., Roma/Bari, 1973 (lançadas também em

brochura). As traduções foram organizadas por: Giorgio Colli (Organon), Antonio Russo (Fisica,

Della generazione e della corruzione, Metafisica), Oddone Longo (Del cielo), Renato Laurenti

(Dell’anima, Piccoli trattati di storia naturale, Politica, Trattato sull’economia, Costituzione degli

Ateniesi), Mario Vegetti (Parti degli animali), Armando Plebe (Etica Nichomachea, Grande etica, Etica

Eudemia, Retorica), Manara Valgumigli (Poetica) e Gabriele Giannantoni (Frammenti).

Além dessas, encontram-se em outras editoras:

De caelo. Organização, tradução, introdução e notas de O. Longo. Florença: Sansoni, 1962.

De motu animalium. Tradução, texto e comentários de L. Torraca. Nápoles, 1958.

Dell’anima. Organização, tradução, introdução e comentários de R. Laurenti. Nápoles/Florença, 1970.

Física. Organização de G. Laurenza. Nápoles, 1967.

Generazione e corruzione. Organização de P. Cristofolini. Turim: Boringhieri, 1963.

La politica, La costituzione di Atene. Organização de A. Viano. Turim: Utet, 1966.

Poética. Organização de F. Albeggiani. Florença: La Nuova Italia, 1934 (reeditado várias vezes).

Le categorie. Organização, tradução, introdução e comentários de D. Pesce. Pádua: Liviana Editrice,

1966.

Opere biologiche. Organização de M. Vegetti e D. Lanza. Turim: Utet, 1972 (contém: Ricerche sugli

animale, Le parti degli animali, La locomozione degli animali, La percezione e i percepibili, La memoria
e il richiamo alla memoria, Il sonno e a la veglia, I sogni, La premonizione nel sonno, La lunghezza e la

brevità della vita, La respirazione, Il moto degli animali).

Das obras juvenis, temos as duas traduções:

Esortazione alla filosofia (Protreptico). Organização de E. Berti. Pádua: Radar, 1967.

Della filosofia. Tradução, introdução, texto e comentário exegético de M. Untersteiner. Roma:

Edizioni di Storia e Letteratura, 1963.

.T
Traduções latinas
No que diz respeito às traduções latinas de Aristóteles, destacamos:

Aristoteles Latinus, 2 v. Codices descripsit G. Lacombe, in societatem operis adsumptis A.

Birkenmayer, M. Dulong, Aet. Franceschini: Pars prior, Romae, 1939, p. 1763; Pars Posterior,

Cantabridgiae, 1955, p. 764-1.388. Eis a descrição que um dos autores faz da obra, que é um

verdadeiro monumento de erudição e de precisão: “Os dois volumes oferecem uma descrição

completa de 2.012 códices, inclusive os poucos fragmentos; reúnem a bibliografia essencial dos

estudos sobre o Aristóteles latino até 1953; traçam uma breve história da fortuna medieval do

Estagirita (e de seus comentaristas gregos e árabes) apresentando os resultados das descobertas feitas

durante as pesquisas sobre a tradição manuscrita; e oferece, finalmente, amplos exemplos (incipit ed

explicit) de todas as versões. O segundo volume, ademais, tem suplementos e índices riquíssimos e

exatos, frutos da doutrina e do esforço inteligente e brilhante de Lorenzo Minio-Paluello” (cf. E.

Franceschini, em trabalho citado a seguir, p. 145).

Para um breve e claro status questionis, ver:

Franceschini, E. “Ricerche e studi su Aristotele nel Medioevo latino”. In: Vários autores. Aristoteles

nella critica e negli studi contemporanei. Milão: Vita e Pensiero, 1957, p. 144-166.

No que diz respeito, por outro lado, às traduções das obras de Aristóteles feitas por eruditos do

Renascimento, ver:

Aristoteles latine interpretibus variis, v. iii. Edição da Academia Prussiana das obras de Aristóteles, op.

cit. (1831).

Garin, E. “Le traduzioni umanistiche di Aristotele nel secolo xv”. Atti dell’Academia Fiorentina di

Scienze Morali. Florença: La Colombaria, 1950.

Traduções em inglês
Em língua inglesa, há uma boa tradução de todo o Corpus aristotelicum:

Ross, D. (org.). The Works of Aristotle. Oxford, Clarendon Press, 1908 ss (chamada comumente de

The Oxford Translation of Aristotle). Eis aqui, portan-to, a descrição da obra e de seus respectivos

organizadores: i. Logic, 1928: Categorie, De interpretatione (E. M. Edghill), Analytica priora (A. J.

Jenkinson), Analytica posteriora (G. R. Mure), Topica, De sophisticis elenchis (W. A. Pickard-

Cambridge); ii. Philosophy of Nature, 1930: Physica (R. P. Hardie e R. K. Gaye), De Caelo (J. L.

Stocks), De generatione et corruptione (H. H. Joachim); iii. The Soul, 1913: Meteorologica (E. W.

Webster), De mundo (E. S. Forster), De anima (J. A. Smith), Parva naturalia (J. I. Beare e G. R. T.

Ross), De Spiritu (J. F. Dobson); iv. History of Animals, 1910: Historia animalium (sir D’Arcy W.

Thompson); v. Parts of animals, 1912: De partibus animalium (W. Ogle), De motu animalium, De
incessu animalium (A. S. L. Farquharson), De generatione animalium (A. Platt); vi. Minor Biological

Works, 1913: De coloribus, De audibilibus, De Melisso, Xenophane, Gorgia (T. Loveday e E. S.

Forster), De mirabilibus auscultationibus (L. D. Dowdall), De lineis insecabilibus (H. H. Joachim); vii.

Problems, 1927 (E. S. Forster); viii. Metaphysics (D. Ross); ix. Ethics, 1925: Ethica Nicomachea (D.

Ross), Magna Moralia (St. G. Stock), Ethica Eudemia (J. Solomon); x. Politics and economics, 1921:

Politica (B. Jowett), Oeconomica (E. S. Forster), Atheniensium Respublica (F. G. Kenyon); xi. Rethoric

and Poetics: Rhetorica (W. Rhys Roberts), De Rethorica ad Alexandrum (E. S. Forster), De poetica (I.

Bywater); xii. Select Fragments, 1952 (D. Ross).

Essa tradução se impôs como referência no plano internacional e ainda não foi superada, embora

hoje já evidencie sua data em muitos aspectos.

Traduções inglesas se encontram também na edição bilíngue da Loeb Classical Library, da qual já

demos as devidas indicações no parágrafo concernente à edição do texto.

Traduções em francês
A tradução francesa Barthélemy Saint-Hlaire, do século xix, hoje é inutilizável. Excelentes traduções

foram feitas recentemente por J. Trocot, Aristote, traduction nouvelle et notes (Paris, Vrin, 1934 ss). A

obra compreende:

Organon, Métaphysique (nova edição totalmente reintegrada, com comentário); De la génération et de

la corruption; De l’âme; Traité du ciel suivi du Traité pseudo-aristotélicien de l’Esprit; Les

météorologiques; Histoire des animaux (2 v.); Les economiques; Éthique à Nicomaque.

Traduções em língua francesa podem ser encontradas também nas edições bilíngues das várias obras

de Aristóteles publicadas pela Collection des Universités de France, cujas indicações já demos à

medida que apareciam no parágrafo relativo às edições dos textos. Deve-se destacar, particularmente,

a recente versão com amplíssimo comentário da Ética a Nicômaco:

Gauthier, R. A. (org.). L’éthique à Nicomaque, 4 v. Louvain: Jolif, 1970.

Traduções em alemão
Uma tradução de todas as obras aristotélicas foi iniciada e orientada a bom termo por Paul Gohlke:

Aristoteles, Die Lehrschriften, herausgegeben, übertragen und in ihrer Entstehung erläutert (Paderborn,

F. Schöning, 1945 ss). Eis o plano da obra: i. Aristototele und sein Werk; ii. Lógica: Kategorien und

Hermeneutik; Erste Analytic; Zweite Analytic; Topik; iii. Retórica e poética: Rethorik; Poetik und

Fragmente der Homererklärung; Rhetorik an Alexander; iv. Física: Physikalische Verlesung; Ueber den

Himmel; Ueber Werden und Vergehen; Meterologie; An König Alexander über die Welt; Kleine Schriften

zur Physik und Metaphysik; v. Metaphysik; vi. Alma: Ueber die Seele; Kleine Schriften zur Seelenkunde;

vii. Ética e política: Grosse Ethik; Schrift über Tugenden und Laster; Eudemische Ethik; Nikomachische

Ethik; Politik; Verfassungsgeschichte der Athener; Ueber Haushaltung in Familie und Staat; viii.

Natureza: Tierkunde; Ueber die Glieder der Geschöpfe; Ueber die Zeugung der Geschöpfe; Kleine

Schriften zur Naturgeschichte; ix. Problemas.

Esse importante empreendimento de Gohlke não foi em geral bem recebido, mas, na verdade, o juízo

desfavorável em grande parte pode ser atribuído à posição fortemente negativa de Jaeger em relação

aos estudos de Gohlke, que, aplicando o método genético, derrubavam as conclusões jaegerianas. É

preciso dizer que o valor da tradução de Gohlke é desigual, contudo, apesar disso, ela apresenta

momentos felizes e intuições brilhantes que devem ser levadas em conta.

Um grande plano de traduções da obra completa de Aristóteles, com organização de vários

especialistas, foi programado pela Wissenschaftliche Buchgesellschaft de Darmstadt, em colaboração


com a Akademie Verlag de Berlim:

Deutsche Aristoteles Gesamtausgabe. Aristoteles, Werke in deutscher Übersetzung, 20 v. A obra foi

iniciada sob a direção de E. Grumach e, depois de sua morte, de H. Flashar. Eis o plano da obra,

com os organizadores de cada volume (os volumes já publicados estão precedidos por asterisco):

i. 1. Kategorien (Konrad Gaiser, Tübingen); 2. Perì hermenéias (E. Baer, Munique; R. Tessmer,

Munique).

ii. Topik, Sophistische Widerlegungen (M. Soreth, Köln).

iii. Analytica i/ii (J. Mau, Göttingen).

iv. Rhetorik (N. N.).

v. Poetik (R. Kassel, Berlim).

*vi. Nikomachische Ethik, übers. u. komment. von Franza Dirlmeier, durchges. Aufl. 1969.

*vii. Eudemische Ethik, übers. von Franz Dirlmeier, durchges. Aufl. 1969.

*viii. Magna Moralia, übers. von Franz Dirlmeier, durchges. Aufl. 1966.

ix. Politik (O. Gigon, Berna).

x. 1. Staat der Athener (B. Lotze, Jena); 2. Ökonomik (H. Braunert, Kiel).

*xi. Physikvorlesung, übers. von Hans Wagner, 1967.

xii. 1 e 2. Meterologie. Ueber die Welt, übers. von Hans Atrohm, 1970; 3. Ueber den Himmel (P.

Moraux, Berlim); 4. Ueber Entstehen und Vergehen (E. G. Schimidt, Jena).

*xiii. Ueber die Seele, übers. von Willy Theiler, durchges. Aufl. 1969.

xiv. Parva Naturalia (J. Wiesner, Berlim).

xv. Metaphysik (G. Patzig, Göttingen).

xvi. Zoologische Schriften i: Tiergeschichte (K. Bartels, Zurique).

xvii. Zoologische Schriften ii. 1. Ueber die Teile der Tiere (I. Düring, Gotemburgo); 2. Die kleineren

zoologischen Schriften (J. Kollesch, Berlim).

*xviii. Opuscula. 1. Ueber die Tugend, übers. von Ernst A. Schmidt, 1965; 2. Mirabilia, übers. von

Helmut Flashar; 3. De audibilibus, übers. von Ulrich Klein, 1972; 4. De plantis (H. J. Drossaart

Lulofs, Amsterdã); 5. De colori-bus (M. Schramm, Tübingen); 6. Physiognomica (M. Schramm,

Tübingen); 7. De lineis insecabilibus (M. Schramm, Tübingen); 8. Mechanica (M. Schramm,

Tübingen); 9. Xenophanes, Melissos, Gorgias (H. J. Newiger, Konstanz).

*xix. Problemata Physica, übers. von Helmut Flashar, 1962.

xx. Fragmente (O. Gigon, Berna).

A julgar pelos volumes já publicados, a edição irá superar a tradução inglesa de Oxford, sobretudo

por trazer ricos comentários (e, portanto, justificações da tradução), introduções e bibliografias (hoje,

uma tradução de Aristóteles sem notas é quase ilegível).


Insuperado, pois talvez só possa ser vencido com o auxílio de calculadoras eletrônicas, é o já citado

Index Aristotelicus de Bonitz, no volume v da edição das obras de Aristóteles da Academia de Berlim.

O Index foi reproduzido recentemente, em separado e em edição anastásica:

Bonitz, H. Index Aristotelicum. Darmstadt: Wissenscheftlicre Buchgesellschaft, 1955.

Também têm utilidade o Index rerum et nominum (p. 1-903) e o Index naturalis historiae (p. 905-

924), no último volume da edição anteriormente citada de F. Didot.

Podem-se consultar ainda:

Aristotelis opera omni. Index nominum et rerum absolutissimus, v. quintum continens indicem

nominum et rerum. Parisiis, 1874.

Kiernan, T. Aristotle Dictionary. Nova York, 1961.


Organ, T. W. An Index to Aristotle. Princeton, 1948.

Também são úteis para consulta os índices das edições críticas das obras singulares.

.C ,
Comentários gregos, alexadrinos e bizantinos
Os comentários gregos foram publicados numa edição monumental organizada pela Academia de

Berlim:

Commentaria in Aristotelem graeca, edita consilio et auctoritate Academiae Litterarum Regiae Borussicae

(G. Reimeri, Berolini, 1882-1909). Eis o catálogo completo:

i. Alexander, in Metaphysica, M. Hayduck, 1891.

ii. 1. Alexander, in Priora Analytica, M. Wallies, 1983; 2. Alexandre, in Topica, M. Wallies, 1891; 3.

Alexander (Mich. Ephs.), in Soph. elenchos, M. Wallies, 1898.

iii. 1. Alexander, in De Sensu, P. Wendland, 1901; 2. Alexander, in Meteor. libros, M. Hayduck, 1899.

iv. 1. Porphyrius, Isagoge, in Categorias, A. Busse, 1887; 2. Dexippus, in Categorias, A. Busse, 1888; 3.

Ammonius, in Prophyrii Isagogen, A. Busse, 1891; 4. Ammonius, in Categorias, A. Busse, 1895; 5.

Ammonius, in De interpretatione, A. Busse, 1897; 6. Ammonius, in Abalytica Priora, M. Wallies,

1899.

v. Themistius: 1. In Analytica Posteriora, M. Wallies, 1900; 2. In Physica, H. Schenkl, 1900; 3. De

Anima, R. Heinze, 1889; 4. De Caelo hebr. et latine, S. Landauer, 1902; 5. Metaph. l. L paraphrasis

hebr. et latine, S. Landauer, 1903; 6. (Sophon.), in Parv. Nat., P. Wendland, 1903.

vi. 1. Siryanus, in Metaphysica, G. Kroll, 1902; 2. Asclepius, in Metaphysica, M. Hayduck, 1888.

vii. Simplicius, in De Caelo, I. L. Heiberg, 1893.

viii. Simplicius, in Categorias, K. Kalbfleische, 1907.

ix. Simplicius, in Physica i-iv, H. Diels, 1882.

x. Simplicius, in Physica v-viii, H. Diels, 1895.

xi. Simplicius, in De anima, M. Hayduck, 1882.

xii. Olympiodori: 1. Prolegomena in Categorias, A. Busse, 1902; 2. In Meteora, G. Stüve, 1900.

xiii. Joannes Philoponus (Olim Ammon.): 1. In Categorias, A. Busse, 1898; 2. In Anal. Priora, M.

Wallies, 1905; 3. In Anal. Posteriora, c. anon. in l. ii, M. Wallies, 1909.

xiv. Joannes Philoponus: 1. In Meteor. l. i, M. Hayduck, 1901; 2. De Generatione et corr., H. Vitelli,

1897; 3. (Mich. Ephes.) De Gen. anim., M. Hayduck, 1903.

xv. Joannes Philoponus, De Anima, M. Hayduck, 1897.

xvi. Joannes Philoponus, in Phys. i-iii, H. Vitelli, 1887.

xvii. Joannes Philoponus, in Phys. iv-vii, H. Vitelli, 1888.

xviii. 1. Elias, in Prophyr. Isag. et Aristot. Categ., A. Busse, 1900; 2. David, Prolegomena in Porphyr.

Isag., A. Busse, 1904; 3. Stephanus, in De Interpretatione, M. Hayduck, 1885.

xix. 1. Aspasius, in Ethica, G. Heylbut, 1889; 2. Heliodorus, in Ethica, G. Heylbut, 1889.

xx. Eustratius, Michael, Anônimo, in Ethica, G. Heylbut, 1892.

xxi. 1. Eustratius, in Anal. Post. ii, M. Hayduck, 1907; 2. Anônimo e Stephanus, in Rethoricam, H.

Rabe, 1896.

xxii. Michael Ephesius: 1. In Parva Naturalia, P. Wemdland, 1903; 2. In De part. anim., De anim.

mot., De anim. incessu., M. Hayduck, 1904; 3. In Eth. v, M. Hayduck, 1901.

xxiii. 1. Sophonias, in De Anima, M. Hayduck, 1883; 2. Anônimo, in Paraphrasis in Cat., M.

Hayduck, 1883; 3. [Themistius], in Priora Anal. i, M. Wallies, 1884; 4. Anônimo, in Paraphrasis in

Sophisticos elencos, M. Hayduck, 1884.

Para as traduções latinas de inúmeros desses comentários, ver:


Schwab, Bibliographie d’Aristote, passim.

Philippe, Aristoteles, p. 19 ss.

Comentários medievais e renascentistas


Como grande parte da filosofia medieval, seja árabe, seja ocidental, é um repensar e um comentário

de Aristóteles, remetemos, para essa seção, a coletâneas de filosofia medieval.

Para os comentários medievais latinos, consultar as seguintes coletâneas:

Lohr, H. Charles. Mediaeval Latin Aristotle Commentaries, Authors. In Traditio, xxiii (1967), p. 313-

413 [a-f]; xxiv (1968), p. 149-245 [g-i]; xxvi (1970), p. 135-216 [Ja-Jo]; xxvii (1971), p. 251-351 [Jo-

Myn]; xxviii (1972), p. 281-396 [n-Ri]; xxix (1973), p. 93-197 [Ro-Wil].

Zimmermann, Albert. Verzeichnis ungedruckter Kommentars zur “Metaphysik” und “Physik” des

Aristoteles aus des Zeit etwa 1250-1350, Bd. I. Leiden-Köln, 1971.

Para os comentários renascentistas, é possível encontrar ricas indicações em:

Schwab, Bibliographie d’Aristote.

Philippe, Aristoteles, p. 22 ss.

Comentários modernos
Esses comentários normalmente aparecem com as edições do texto e suas traduções; já foram, em sua

maioria, indicados nas respectivas entradas. Daremos indicações adicionais nos estudos críticos.

.E
Estudos sobre o pensamento de Aristóteles em geral

Os estudos gerais sobre Aristóteles anteriores a 1896 já foram indicados em: Schwab, Bibliographie

d’Aristote, p. 22 ss; os posteriores, até 1925, podem ser encontrados em Ueberweg-Praechter,

Grundiss, p. 102, e as mais recentes em Totok, HandBuch, p. 219 ss, Siebek H., Aristoteles, Stuttgart,

1899, 1922 (tradução italiana, Palermo, 1911).

Alfaric, P. Aristote. Paris, 1905.

Allan, D. J. The Philosophy of Aristotle. Londres, 1952; Oxford 1970 (foi traduzido para o inglês, o

francês e recentemente também para o italiano, com organização de F. Decleva Caizzi. Milão:

Lampugnani-Nigri, 1973).

Berti, E. L’unità del sapere in Aristotele. Pádua, 1965.

Bremond, A. Le dilemme arisotélicien. Paris, 1933.

Brentano, F. Aristoteles und seine Weltanschauung. Leipzig, 1911 (Darmstadt, 1967, reed. anast.).

Bröcker, W. Aristoteles. Frankfurt, 1935, 1964.

Brun, J. Aristote et le Lycée. Paris, 1961.

Carbonara, C. La filosofia greca. Aristotele. Nápoles, 1967.

Case, T. “Aristotle”. In: Enciclopaedia Britannica. Cambridge, 1911 (ii, p. 501-522).

Cresson, A. Aristote, sa vie, son oeuvre, avec un exposé de la philosophie. Paris, 1944, 1963.

Düring, I. Aristoteles, Darstellung und Interpretation seines Denkes. Heidelberg, 1966 (trabalho

fundamental; depois da de Jaeger, talvez seja a mais significativa monografia de conjunto; cf. do

mesmo autor o verbete “Aristóteles” na Realencyclopädie der classischen Altertumswissenschaft,

Pauly-Wissova, suppl. b. xi).

Edel, A. Aristotle. Nova York, 1967.

Fuller, B. A. G. Aristotle. Nova York, 1935.

Goedeckemeyer, A. Die Gliederung der aristotelischen Philosophie. Halle, 1912.

———. Aristoteles. Munique, 1922.


Gohlke, O. Aristoteles und sein Werk. Paderborn, 1948, 1952.

Grene, M. A Portrait of Aristotle. Londres, 1963.

Hamelin, O. Le système d’Aristote. Paris, 1920, 1931.

Jaeger, W. Aristoteles Grunlegung einer Geschichte seiner Entwicklung. Berlim, 1923, 1955 (tradução

italiana organizada por G. Calogero. Florença: La Nuova Italia, 1935, várias reeds.).

Kafka, G. Aristoteles. Munique, 1922.

Lalo, G. Aristote. Paris, 1922.

Lloyd, G. E. R. Aristotle: The Growth and Structure of His Thought. Cambridge, 1968.

Meulen, J. van der. Aristoteles, der mitte in seinen Denken. Meisenheim Glan, 1951.

Moreau, J. Aristote et son école. Paris, 1962.

Mure, G. R. G. Aristotle. Londres, 1932.

Pait, C. Aristote. Paris, 1903, 1912.

Pauler, A. von. Aristóteles. Paderborn, 1933 (tradução do húngaro, Budapeste, 1922).

Philippe, M. D. Initiation à la philosophie d’Aristote. Paris, 1956.

Quiles, J. Aristóteles, vida, escritos, doctrina. Buenos Aires, 1944.

Randall, J. H. Aristotle. Nova York, 1960.

Robin, L. Aristote. Paris, 1944.

Roland Gosselin, M. D. Aristote. Paris, 1928.

Rolfes, E. Die Philosophie des Aristoteles als Naturerklärung und Weltanschauung. Liepzig, 1923.

Ross, W. D. Aristotle. Londres, 1923 (várias reeds.; tradução italiana de A. Spinelli, Bari, Laterza, 1946,

com trabalho bastante acurado). [Edição portuguesa de L. F. Bragança Teixeira. Lisboa: Dom

Quixote, 1987.]

Schilling, Wollny K. Aristoteles’ Gedanke der Philosophie. Munique, 1929.

Stiegen, A. The structure of Aristotle’s Thought. An Introduction to the Study of Aristotle’s Writings.

Oslo, 1966.

Taylor, E. A. Aristotle. Londres, 1912 (várias reeds.).

Zürcher, J. Aristoteles’ Werk und Geist. Paderborn, 1952.

Relembramos aqui, enfim, algumas coletâneas de estudos de vários autores (outras, mais específicas,

serão citadas nos respectivos parágrafos):

Autour d’Aristote. Récueil d’études de philosophie ancienne et médiévale offert à Mons. A. Mansion.

Louvain, 1955.

Aristotele nella critica e negli studi contemporanei. Milão, 1957.

Bambrough, R. (org.). New Essays on Plato and Aristotle. Londres, 1959.

Düring, I. e Owen, G. E. L. (orgs.). Aristotle and Plato in the Mid-fourth Century (Atas do i

Symposium Aristotelicum). Gotemburgo, 1960.

L’attualità della problematica aristotélica. Pádua: Antenore, 1970.

Estudos específicos

Estudos sobre o primeiro Aristóteles


Depois do Aristoteles de Jaeger, houve uma redescoberta da filosofia do jovem Aristóteles, ou seja, da

filosofia dos exotéricos, e surgiu então toda uma bibliografia sobre o assunto, na maioria bastante

especializada. O leitor poderá encontrá-la totalmente indicada e recenseada em:

Berti, E. La filosofia del primo Aristotele, passim.

Mencionaremos apenas algumas das obras mais significativas sobre o tema:


Bernays, J. Die “Dialoge” des Aristoteles in ihrem Verhältnis zu seinen übrigen Werken. Berlim, 1863

(ainda indispensável, embora superado em muitíssimos aspectos).

Bignone, E. L’Aristotele perduto e la formazione filosofica di Epicuro, 2 v. Florença, 1936, 1973 (embora

a perspectiva jaegeriana que a baseia tenha sido superada, trata-se de uma obra fundamental, que

continua válida graças à demonstração da influência que o jovem Aristóteles teve sobre a filosofia da

era helenística, em particular sobre Epicuro).

Bidez, J. Un singulier naufrage littéraire dans l’Antiquité. À la recherche des épaves de l’Aristote perdu.

Bruxelas, 1943.

Chroust, A. Aristotle’s “Protrepticus”. A Reconstruction. Indiana, Notre Dame, 1964.

Düring, I. “Problems in Aristotle’s Protrepticus”. Eranos, lii, 1954, p. 139-171.

———. “Aristotle in the Protrepticus ‘nel mezzo del cammin’”. In: Vários autores. Autour d’Aristote.

Louvain, 1955, p. 81-97.

———. Aristotle’s “Protrepticus”: An Attempt at Reconstruction. Gotemburgo, 1961 (trabalho

fundamental; desbloqueia de maneira decisiva a interpretação jaegeriana do Protréptico e oferece

uma dicção exemplar do texto).

Einarson, B. “Aristotle’s Protrepticos and the Structure of the Epinomis”. Transactions and Proceedings

of the American Philological Association, lxvii, 1936, p. 261-285.

Festugière, A. J. “Aristote: Le dialogue Sur la philosophie”. In: ———. La révélation d’Hermès

Trismégiste, v. ii, 1949, p. 249-259.

Gadamer, H. G. “Der aristotelische Protreptikos und die entwickungsgeschichtliche Betrachtung der

aristotelischen Ethik”. Hermes, lxiii, 1928, p. 138-164.

Karpp, H. “Die Schrift des Aristoteles Perì Ideôn”. Hermes, lxviii, 1933, p. 384-391.

Lazzati, G. L’Aristotele perduto e gli scrittori cristiani. Milão, 1938.

Mansion, S. “La critique de la théorie des Idées dans le Perì Ideôn d’Aristote”. Revue Philosophique de

Louvain, xlvii, 1949, p. 169-202.

Mariotti, S. “Nuove testimonianze de echi dell’Aristotele giovanile”. Atene e Roma, viii, 1940, p. 48-

60.

Monan, J. D. “La connaissance morale dans le Protreptique d’Aristote”. Revue Philosophique de

Louvain, lix, 1960, p. 185-219.

Moraux, P. À la recherche de l’Aristote perdu. Le dialogue sur la justice. Louvain, 1957.

Mühll, P. von der. “Osokrates und der Protreptikos des Aristoteles”. Philologus, xciv, 1941, p. 259-265.

Owen, G. E. L. “A proof in the Perì Ideôn”. Journal of Hellenic Studies, lxxvii, 1957, p. 103-111.

Pepin, J. “L’inteprétation di De Philosophia d’Aristote”. Revue des Etudes Grecques, lxxvii, 1964, p.

445-488.

Philipson, R. “Il Perì Ideôn di Aristotele”. Rivista di Filologia e di Istruzione Classica, lxiv, 1936, p. 113-

125.

Rabinowitz, W. G. Aristotle’s “Protrepticus” and the Sources of its Reconstruction. Berkeley/Los Angeles,

1957.

Rostagni, A. “Il dialogo aristotelico Perì Poietôn”. Rivista di Filologia Classica, liv, 1926, p. 433-470; lv,

1927, p. 155-173.

Saffrey, H. D. Le “Perì Philosophias” d’Aristote et la théorie platonicienne des idées et des nombres.

Leiden, 1955.

Schuhl, P. M. Aristote, “De la richesse”, “De la prière”, “De la noblesse”, “Du plaisir”, “De l’éducation”,

“Fragments et témoignages”. Tradução, prefácio e comentário de P. M. Schuhl. Paris, 1968.

Untersteiner, M. “Il Perì Philosophías di Aristotele”. Rivista di Filologia e di Istruzione Classica, xxxviii,

1960, p. 337-362; xxxix, 1961, p. 121-159.

———. Aristotele “Della filosofia”. Texto, introdução e comentário exegético. Roma, 1963.
Wilpert, P. “Reste verlorener Aristotelesschrfiten bei Alxander von Aphrodisia”. Hermes, lxxv, 1940,

p. 369-396.

———. “Neue Fragmente aus Perì Tagathoû”. Hermes, lxxvi, 1941, p. 225-250.

———. Zwei aristotelische “Frühschriften über die Ideenlehre”. Regensburg, 1949.

———. “Di aristotelische Schrift Ueber die Philosophie”. In: Vários autores. Autour d’Aristote.

Louvain, 1955, p. 96-116.

———. “Die Stellung der Schrift Ueber die Philosophie in der Gedankenentwicklung des Aristoteles”.

Journal of Hellenic Studies, lxxvii, 1957, p. 155-162.

Relações de Aristóteles com a doutrina platônica das Ideias e dos números-ideias


Além dos trabalhos já citados a respeito dos tratados Sobre as Ideias e Sobre o bem, também são

essenciais para orientar-se adequadamente quanto a essa problemática:

Cherniss, H. Aristotle’s Criticism of Plato and the Academy. Baltimore, 1944 (Nova York, 1962).

———. The Riddle of the Early Academy. Berkeley/Los Angeles, 1945 (Nova York, 1962; traduzido

para o alemão e prestes a ser publicado também em língua italiana) [trad. it., L. Ferrero: L’enigma

dell’Accademia ântica. Florença: La Nuova Italia, 1974].

Gaiser, K. Platons ungeschriebene Lehre. Stuttgart, 1963 (contém a primeira edição dos testemunhos

[p. 441-557], sistematicamente ordenados).

Gentile, M. La dottrina delle Idee Numeri e Aristotele. Pisa, 1930.

Kraemer, H. J. Areté bei Platon und Aristoteles. Zum Wesen und zur Geschichte der platonischen

Ontologie. Heidelberg, 1959 (Amsterdã, 1967).

Levi, A. In: G. Reale (org.). Il problema dell’essere nell’ontologia e nella gnoseologia di Platone. Pádua,

1970, p. 32 ss (obra póstuma).

Robin, L. La théorie platonicienne des Idées et des nombres d’aprés Aristote. Paris, 1908 (Hildesheim,

1963, reed. anast.).

Ross, D. Plato’s Theory of Ideas. Oxford, 1953.

Stenzel, J. Studien zur Entwicklung der platonischen Dialetik von Sokrates bis Aristoteles. Breslau, 1917

(Dermstadt, 1961).

———. Zahl und Gestalt bei Platon und Aristoteles. Leipzig/Berlim, 1924 (Darmstadt, 1959).

Taylor, A. E. Plato. Londres, 1926 (trad. it., Florença, 1949, p. 777-797; encontra-se uma exposição

mais extensa da interpretação dos números-ideias de Taylor em Philosophical Studies [1963], p. 91-

150).

Wedberg, A. Plato’s Philosophy of Mathematics. Estocolmo, 1955.

Wippern, Jürgen (org.). Das Problem der ungeschriebenen Lehre Platons. Beiträge zum Verständnis der

Platonischen Prinzipienphilosophie. Darmstadt, 1972 (importante coletânea de artigos de vários

autores).

A metafísica e a problemática ontológico-teológica


Uma bibliografia quase completa poderá ser consultada pelo leitor das seguintes obras já citadas:

Schab, Bibl. d’Arist., p. 209 ss; Ueberweg-Praechter, Grundiss, p. 104 ss, 113 ss; Totok, Handbuch, p.

234 ss e 250 ss.

Excelente é a bibliografia que o leitor encontrará em J. Owens, The Doc-trine of Being in the

Aristotelian Metaphysics (Toronto, 1951 [1963], p. 425 ss); também bastante rica é a de S. Gómez-

Nogales, Horizonte de la metafísica aristotélica, p. 259 ss, 374 ss; e de Reale, Aristotele, “La Metafisica”,

v. ii, p. 449-702. Enfim, uma bibliografia comentada de cerca de uma centena de livros e artigos sobre

o assunto pode ser encontrada em Reale, Il concetto di filo-sofia prima, p. 321-376. Status quaestionis
referente às interpretações genéticas da Metafísica pode ser encontrado em Berti, La filosofia del primo

Aristotele, p. 39-75.

A bibliografia que mencionaremos a seguir está entre as mais importantes do século xx; no que diz

respeito ao século xix, cf. Reale, Aristóteles, Metafísica, v. ii, p. 462 ss.

Ambuehl, H. Das Objekt der Metaphysik bei Aristóteles. Freiburg Schweiz, 1958.

Arnim, H. von. “Zu W. Jaeger Grudlegung der Entwicklungsgeschichte des Aristoteles”. Wiener

Studien, xlvi, 1928, p. 1-48 (fundamental até hoje porque representa a primeira tomada de posição

sobre sólidas bases filológicas contra a interpretação genética jaegeriana, em particular da

Metafísica).

———. “Die Entstehung der Gotteslehre des Aristoteles”. Sitzungsberichte der Akademie der

Wissenschaften in Wien, Philos.-hist. Klasse, ccxii, 1931, 5 Abhandlung.

Arpe, C. Das tì ên Eînai bei Aristóteles. Hamburgo, 1937.

Aubenque, P. Le problème de l’être chez Aristote. Essai sur la problématique aristotélicienne. Paris 1962,

1966 (cf. a tese exposta sucintamente pelo autor em “Aristoteles und das problem der Metaphysik”,

Zeitschrift für Philosophische Froschung, xv, 1961, p. 321-333).

Badareu, D. L’individuel chez Aristote. Paris, s.d. [1936].

Boehm, R. Das Grundlegende und das Wesendliche. Zu Aristoteles’ Abhandlung “Ueber das Sein und das

Seinde” (Metaphysik Z). Den Haag, 1965.

Buchanan, E. Aristotle’s Theory of Being. Cambridge (Mass.), 1962.

Cencillo, L. Hyle. Origen, concepto y funciones de la materia en el corpus aristotelicum. Madri, 1958.

Chen, Chung Hwan. Das Chorismos-problem bei Aristoteles. Berlim, 1940.

Chevalier, J. La notion du nécéssaire chez Aristote et chez ses prédécesseurs. Paris, 1915.

Décarie, V. L’objet de la métaphysique selon Aristote. Montreal/Paris, 1961.

Deninger, J. G. “Wahres Sein” in der Philosophie des Aristoteles. Meisenheim am Glam, 1961.

Dhondt, U. “Science suprême et ontologie chez Aristote”. Revue de Philosophie de Louvain, lix, 1961,

p. 5-30.

Elders, L. Aristotle’s Theorie of the One. A Commentary on Book x of the “Metaphysics”. Assen, 1961.

Golhke, P. Die Entstehung der aristotelischen Prinzipienlehre. Tübingen, 1954.

Gómez-Nogales, S. Horizonte de la metafísica aristotélica. Madri, 1955.

Jaeger, W. Studien zur Entstehungsgeschichte der Metaphysik des Aristoteles. Berlim, 1912.

Kraemer, H. J. Der Ursprung der Geistmetaphysik. Amsterdã, 1964.

———. “Zur geschichtlichen Stellung der aristotelischen Metaphysik”. Kantstudien, lviii, 1967, p.

313-354.

Lesze, W. Hyle, Studien zum aristotelischen Materiebegruff. Berlim, 1971 (trabalho importante: o mais

completo sobre o assunto).

Lugarini, L. Aristotele e l’idea della filosofia. Florença, 1961.

Mansion, A. “Philosophie première, philosophie seconde et métaphysique chez Aristote”. Revue

Philosophique de Louvain, lvi, 1958, p. 165-221.

Marlan, Ph. From Platonism to Neoplatonism. The Hague, 1952, 1960.

Moser, S. Metaphysik einst und jetzt. Kritische Untersuchungen zu Begriff und Ansatz der Ontologie.

Berlim, 1958.

Oggioni, E. La filosofia prima di Aristotele. Milão, 1939. (Pode-se encontrar uma exposição mais clara

da tese do autor na amplíssima introdução à tradução de Eusebietti da Metafísica aristotélica. Pádua,

1950.)

Owens, J. The Doctrine of Being in the Aristotelian Methaphysics. Toronto, 1951 (ed. revista, 1963;

trabalho fundamental sob todos os pontos de vista).


Patzig, G. “Theologie und Ontologie in der Metaphysik des Aristoteles”. Kantstudien, lii, 1960-1961,

p. 185-205.

Preiswerk, A. “Das Einzelne bei Platon und Aristoteles”. Philologus, supplementband xxxii, 1939.

Reale, G. Teofrasto e la sua aporetica metafísica. Brescia, 1964 (no qual o problema das relações entre a

metafísica de Teofrasto e a metafísica aristotélica é tratado amplamente).

Reiner, K. “Die Entstehung und ursprüngliche Bedeutung des Namens Metaphysik”. Zeitschrift für

Philosophische Forschung, viii, 1954, p. 210-237.

Rijk, L. M. de. The Place of the Categories of Being in Aristotelian’s Philosophy. Assen, 1952.

Riondato, E. Storia e metafisica nel pensiero di Aristotele. Pádua, 1961.

Stallmach, J. Dynamis und Energeia. Untersuchungen am Werk des Aristoteles zur Problemgeschichte von

Möglichkeit und Wirklichkeit. Meisenheim am Glan, 1959.

Tugendhat, E. Tì katà tinós. Eine Untersuchung zur Struktur und Ursprung aristotelischer Grundbegriffe.

Freiburg, 1958.

Wagner, H. “Zum Problem des aristotelischen Metaphysikbegriff”. Philosophische Rundschau, vii,

1959, p. 129-148.

Werner, C. Aristote et l’idéalisme platonicien. Paris, 1910.

Wundt, M. Untersuchungen zur Metaphysik des Aristoteles. Stuttgart, 1953.

Estudos sobre a problemática física e cosmológica


O leitor encontrará uma bibliografia bastante rica nas seguintes obras citadas:

Schwab, Bibl. d’Aristote, p. 130 ss; Ueberweg-Praechter, Grundiss, p. 105, 1.153 ss; Totok, Handbuch,

p. 242, 252; Ross, Arist. Phys., p. viii ss; Wagner, Arist., Physilvorlesung.

Carteron, H. La notion de force dans le système d’Aristote. Paris, 1924.

Conen, P. F. Die Zeittheorie des Aristoteles. Munique, 1964.

Dehn, M. “Raum, Zeit, Zahl bei Aristoteles vom mathematischen Standpunkt aus”. Scientia, lx, 1936,

p. 21-21, 69-74.

Dubois, J. M. Le temps et l’instant selon Aristote. Paris, 1967 (toda a primeira parte da obra [p. 15-125]

descreve o status quaestione em relação à temática do tempo).

Düring, I. “Naturphilosophie bei Aristoteles und Theophrast”. In: Vários autores. Verhandlungen des

4. Symposium Aristotelicum, Heidelberg, 1969.

Edel, A. Aristotle’s Theory of the Infinite. Nova York, 1934.

Evans, M. G. The Physical Philosophy of Aristotle. Albuquerque, 1964.

Giacon, C. Il divenire in Aristotele. Pádua, 1947.

Gohlke, P. “Die Entstehungsgeschichte der naturwissenschaftlischen Schriften des Aristoteles”.

Hermes, lix, 1924, p. 274-306.

———. Moderne Logik ind Naturphilosophie bei Aristoteles. Paderborn, 1962.

Le Blond, J. M. Logique et méthode chez Aristote. Études sur la recherche des principes dans la Physique

aristotélicienne. Paris, 1939.

Mansion, A. Introduction à la physique aristotélicienne. Louvain, 1913 (2ª ed. rev. e ampl., Louvain,

1946).

———. “La physique aristotélicienne et la philosophie”. Revue Neosc., xxxix, 1936, p. 5-26.

Mondolfo, R. L’infinito nel pensiero dell’Antichitá Clássica. Florença, 1956.

Moreau, J. L’espace et le temps selon Aristote. Pádua, 1965.

Reiche, L. Das Problem des Unendlichen bei Aristoteles. Breslau, 1911.

Riezler, K. Physics and Reality. Lectures of Aristotle on modern Physics at an International Congress

of Science. New Haven: Yale Univ. Press, 1940.

Robin, L. “Sur la conception aristotelicienne de la causalité”. Archiv für Geschichte der Philosophie,

xxiii, 1910, p. 1-28, 184-210 (publicado também em Robin, La pensée hellenique des origines à
Epicure. Paris, 1942).

Ruggiu, L. Tempo, conscienza e esse nella filosofia di Aristotele. Brescia, 1968.

Runner, H. E. The Delopment of Aristotle Illustrated from the Earliest Books of the Physics. Kampen,

1951.

Schramm, M. Die Bedeutung der Bewegungslehre des Aristoteles für seine beiden Lösungen der

zenonischen Paradoxie. Frakfurt, 1962 (para a bibliografia concernente às relações entre Aristóteles e

os paradoxos zenonianos sobre o movimento, cf. Ross, Ar. Phys., p. xi ss).

Solmsen, F. Aristotle’s System of the Physical World. Ithaca: Cornell Univ. Press, 1960.

Theiler, W. Zur Geschichte der theleologischen Naturbetrachtung bis auf Aristoteles. Zurique, 1924;

Berlim, 1965.

Verdenius, W. J. e Waszink, J. H. Aristotle. On Coming-to-be and Passing-away. Some Comments.

Leiden, 1946, 1966.

Wieland, W. Die aristotelische Physik. Untersuchungen ueber die Grundlegung der Naturwissenschaft un

die sprachlischen Bedingungen der Prinzipeinforschung bei Aristoteles. Tübingen, 1962.

Woodbridge, F. J. E. Aristotle’s Vision of Nature. Nova York, 1965.

Estudos sobre a problemática psicológica e gnoseológica


Para uma bibliografia sobre as questões psicológicas, cf. Schwab, Bibl. d’Aristote, p. 179 ss; Ueberweg-

Praechter, Grundiss, p. 117; Hicks, Arist. De anima, p. ix-xviii; O. Apelt in Biehl-Apelt, Arist. De an.,

op. cit., p. ix-xiii; Totok, Handbuch, p. 142 ss; F. Nuyens, L’évolution de la psychologie d’Aristote,

Louvain, 1948, p. 319-390. Status quaestionis concernente às interpretações genéticas da psicologia

poderá ser encontrado em Berti, La filosofia del primo Aristotele, p. 88 ss.

Barbotin, E. La théorie aristotélicienne de l’intellecte d’après Théophraste. Louvain/Paris, 1954.

Bobba, R. La dottrina dell’intelletto in Aristotele e nei suoi più illustri commentatori. Turim, 1896.

Brentano, F. Die Psychologie des Aristoteles insbesondere seine Lwehre vom Noûs poeitikós. Mainz, 1867;

Darmastadt, 1967 (ainda fundamental).

Cassirer, H. Aristoteles Schrift “Von der Seele” und ihre Stellung innerhalb der aristotelischen Philosiphie.

Tübingen, 1932.

Catin, S. “L’intelligence selon Aristote”. Laval Théologique et Philosophique, iv, 1948, p. 252-288.

———. “Le nombre de sens externes d’après Aristote”. Laval Théologique et Philosophique, vii, 1951,

p. 59-67.

———. “L’object de sens externes dans la conception aristotélicienne de la sensation”. Laval

Thélogique et Philosophique, xv, 1959, p. 9-31.

Chaignet, A.-E. Essai sur la psychologie d’ Aristote. Paris, 1883.

De Corte, M. “Notes exégétiques sur la théorie aristotélicienne du ‘Sensus communis’”. New

Scholasticism, vi, 1932, p. 187-214.

———. La doctrine de l’intelligence chez Aristote. Paris, 1934.

Hamelin, O. La théorie de l’intellect d’après Aristote et ses commentateurs. Paris, 1953 (introdução de E.

Barbotin).

Kurfess, H. Zur Geschichte der Erklärung der aristotelischen Lehre vom sogenannten. Noûs poietikós und

pathetikós. Tübingen, 1911.

Lefèvre, Charles. Sur l’évolution d’Aristote en psychologie. Louvain, 1972.

Mansion, E. “L’immortalité de l’âme et de l’intellect d’après Aristote”. Revue Philosophique de

Louvain, li, 1953, p. 444-472.

Moraux, P. Alexandre d’Aphrodise exégète de la noétique d’ Aristote. Liège/Paris, 1942.

Nuyens, F. L’évolution de la psychologie d’Aristote. Louvain, 1948 (trata-se do mais significativo dos

trabalhos concernentes à evolução da doutrina aristotélica da alma).


Oehler, K. Die Lehre vom noetischen und dianoetischen Denken bei Platon und Aristoteles. Munique,

1962.

Schilfgaarde, P. van. De Zielkunde van Aristoteles. Leiden, 1938.

Shute, C. W. The Psychology of Aristotles; an Analysis of the Living Being. Columbia, 1941; Nova York,

1964.

Siwek, P. La psychophysique humaine d’après Aristote. Paris, 1930.

Soleri, G. L’immortalità dell’anima in Arisotele. Turim, 1952.

Spicer, E. E. Aristotle’s Conception of the Soul. Londres, 1934.

Estudos sobre a ética aristotélica


Além dos repertórios várias vezes citados de Schwab, Ueberweg-Praetcher e Totok, encontram-se

excelentes bibliografias específicas sobre a temática moral em Aristóteles em: Aristotelis Ethica

Nicomachea, Apelt, p. xii-xxix. Para a bibliografia posterior a 1912, ver: Gauthier-Jolif, L’éthique à

Nicomaque, v. ii, 2, p. 917-940, que vai até 1958, e o suplemento relativo aos anos 1958-1968 no v. i, 1

(2ª ed., 1970), p. 315-334. Excelentes também são as bibliografias de Dirlmeier, Aris, Nik. Eth., p. 255-

264; id., Arist. Eud. Eth., p. 121-127; id., Magn. Mor., p. 113-118. Status quaestionis das interpretações

genéticas da ética pode ser encontrado em Berti, La filos. d. prim. Arist., p. 76-87; e, com maior

amplitude, em Zeller-Plebe (parte ii, v. vi da tradução italiana da obra zelleriana, especialmente na

“Nota sulla questione dello sviluppo dell’etica aristotélica”, p. 88-110). Dadas as limitações de espaço,

restringimo-nos aqui à indicação de algumas monografias, com exclusão de muitos dos trabalhos de

caráter predominantemente filológico e referentes à autenticidade e à gênese de cada um dos

trabalhos éticos, que podem ser encontrados em Dirlmeier.

Allan, D. J. “The Practical Syllogism”. In: Vários autores. Autour d’Aristote. Louvain, 1955, p. 325-

340.

Ando, T. Aristotle’s Theory of Practical Congnition. Kioto, 1958.

Arnim, H. von. Die drei aristotelischen Ethiken. Leipzig/Viena, 1924.

Aubenque, P. La prudence chez Aristote. Paris, 1963.

Bausola, A. “La teleologia aristotelica e il valore dell’attività noetica”. In: Vários autores. Aristotele

nella critica e negli studi contemporanei. Milão, 1956, p. 26-70.

Brink, K. O. Still und Form des pseudoaristotelischen Magna Moralia. Ohlau, 1933.

Donini, P. L. L’etica dei Magna Moralia. Turim, 1965.

Gauthier, R. A. La morale d’Aristote. Paris, 1958.

Gillet, M. Du fondement intellectuel de la morale d’après Aristote. Freiburg, 1905 (Paris, 1928).

———. “Les éléments psychlogiques du caractère moral d’après Aristote”. Revue des Sciences

Philosophiques et Théologiques, i, 1907, p. 217-238.

Goedeckmeyer, A. Aristoteles’ praktische Philosophie. Leipzig, 1922.

Hardie, W. F. R. Aristotle’s Ethical Theory. Oxford, 1968.

Joachim, H. H. The Nichomachean Ethics, a Commentary. Oxford, 1951 (organização de D. A. Rees).

Kalkreuter, H. Die Mesotes bei und vor Aristoteles. Tübingen, 1911.

Kapp, E. Das Verhältnis der eudemischen zur nikomachischen Ethik. Freiburg, 1912.

La Fontaine, A. Le plaisir d’après Platon et Aristote. Paris, 1902.

Léonard, J. Le bonheur chez Aristote. Bruxelas, 1948.

Lieberg, G. Die Lehre von der Lust in den Ethiken des Aristoteles. Munique, 1959.

Lottin, O. “Aristote et la connexion des vertus morales”. In: Vários autores. Autour d’ Aristote.

Louvain, 1955, p. 343-366.

Monan, J. D. Moral Knowledge and its Methodology in Aristotle. Oxford, 1968.

Oates, W. J. Aristotles and the Porblem of Value. Princeton, 1963.


Ramsauer, A. J. G. Zur Charakteristic der aristotelischen Magna Moralia. Fak-simile Neudrusk-

Ausgabe Oldembrug, 1858, mit einer Einleitung von F. Dirlmeier. Stuttgart-Bad Kannstatt, 1964.

Vários autores. Untersuchungen zur Eudemischen Ethik. Atas do v Symposium Aristotelicum. Berlim,

1971 (organizado por Von P. Maoraux e D. Harflinger).

Walzer, R. Magna Moralia und aristotelische Ethik. Berlim, 1929.

Estudos sobre a política aristotélica


Para uma bibliografia completa acerca da temática política, ver: Schwab, Bibliographie d’Aristot., p.

157 ss; Ueberweg-Praechter, Grundiss, p. 119 ss; e a bibliografia já citada de Aubonnet, na introdução

à sua edição da Política na Collection des Universités De France. Para o staus quaestionis concernente

ao problema da Política, cf. Berti, La filosofia del primo Aristotele, p. 76-87, e a nota de Plebe, “La

questione della composizione della Politica dall’Aristoteles di Jaeger ai giorni nostri”, in Zeller-Plebe,

p. 215-245.

Ashley, W. The Theory of Natural Slavery Accordig to Aristotle and St. Thomas. Notre Dame (Indiana),

1941.

Bagolini, L. “Il porblema della schiavitù nel pensiero etico-politico di Aristotele”. Scienza e Filosofia,

1942, p. 1-38.

Barker, E. The Political Thought of Plato and Aristotle. S.l., 1902 (Nova York, 1959).

Bornemann, E. “Aristotelische Urteil über Platos politische theorie”. Philologus, lxxix, 1923, p. 70-11,

113-158, 234-257.

Braun, E. Aristoteles über Bürger und Menschentugend. Viena, 1961.

Defourny, M. Aristote, étude sur la Politique. Paris, 1932.

Guebbels, B. Die Lehre des Aristoteles von den Arbeitenden Klassen. Bonn, 1927.

Hamburger, M. Morals and Law: the Grouth of Aristotle’s Legal Theory. New Haven: Yale Univ. Press,

1951.

Ivánka, E. von. Die aristotelische Politik und die Städtegründungen Alexander des Grosssen. Budapeste,

1938.

Kelsen, H. “La politique gréco-macédonienne et la politique d’Aristote”. Archives de Philosophie du

Droit et de Sociologie Juridique, iv, 1934, p. 2-79.

———. “The Philosophy of Aristotle and the Hellenistic-macedonian Policy”. International Journal

of Ehics, xlviii, 1937, p. 1-64.

Laurenti, R. Genesi e formazione della Politica di Aristotele. Pádua, 1955.

Ritter, J. Naturrecht bei Aristoteles. Zum Problem einer Erneuerung des Naturrechts. Stuttgart, 1961.

Salomon, M. Der Begriff der Gerechtigkeit bei Aristoteles. Leiden, 1937.

Sigfried, W. Der Rechtsgedanke bei Aristoteles. Zurique, 1947.

Trude, P. Der Bregriff der Gerechtigkeit in der aristotelischen Rechsts und Staatsphilosophie. Berlim,

1955.

Vários autores. La politique d’Aristote. Entretiens Fondation Hardt xi, Vandoeuvres/Genebra, 1965

(contém: R. Stark, “Der gesamtaufdau der aristotelischen Politik”; D. J. Allan, “Individual and State

in the Ethics and Politics”; P. Aubenque, “Théorie et pratique politiques chez Aristote”; P. Moraux,

“Quelques apories de la Politique e leur arrière-plan historique”; R. Weil, “Philosophie et histoire.

La vision de l’histoire chez Aristote”; H. Aalders, “Die Mischverfassung und ihre historische

Dokumentation in den Politika des Aristoteles”).

Weil, R. Aristote et l’histoire. Essai sur la Politique. Paris, 1960.

Wilamowits, Moellendorff U. Aristoteles und Athen, 2 v. Berlim, 1893.

Estudos sobre a poética e a retórica


Sobre a Poética, há uma excelente bibliografia: L. Cooper e A. Gudelman, A Bibiography of the Poetics

of Aristotle (Yale Univ. Press, New Haven, 1928, 1932); e M. T. Herrick, “A supplement to Cooper

and Gudelman’s Bibliography of the Potics of Aristotle”, American Journal of Philology, lii, 1931, p. 168-

174. Para os anos posteriores a 1932, cf. Totok, Handbuch, p. 224 ss, 259 ss; e Zeller-Plebe, op. cit., p.

298-309.

Bignani, E. “La catarsi tragica in Aristotele”. Rivista di Filosofia Neoscolastica, xviii, 1926, p. 103-124,

245-252, 335-362.

———. La poetica de Aristotele e il concetto d’arte presso gli antichi. Florença, 1932.

———. “Problemi vari sulla poetica di Aristotele”. Giornale Critico della Filosofia Italiana, 1933, p.

353-584.

Cooper, L. The Poetics of Aristotle, Its Meaning and Influence. Ithaca/Nova York, 1956, 1963.

Else, G. F. Aristotle’s Poetics: The Argument. Cambridge (Mass.), 1957.

House, A. H. Aristotle’s Poetics. A Course of Eight Lectures. Londres/Toronto, 1956 (rev. de C. Hardie).

Levi, G. A. “Intorno ad alcuni concetti della poetica aristotelica e di quella platônica”. Atene e Roma,

viii, 1927, p. 105-133.

Montmollin, D. de. La poétique d’Aristote. Neuchâtel, 1951.

Pieretti, A. I quadri socio-culturali della “Retorica” di Aristotele. Roma, 1973.

Rostagini, A. “Aristotles e l’aristotelismo nella storia dell’estetica antica”. Studi Italiani di Filologia

Clasica, ii, 1922, p. 1-147.

Russo, A. La filosofia della retorica in Aristotele. Nápoles, 1962.

Vattimo, G. Il concetto di fare in Aristotele. Cuneo, 1971.

Verdenius, W. J. “Kátharsis tôn pathemáton”. In: Vários autores. Autour d’Aristote. Louvain, 1955, p.

367-373.

Bibliogra a sobre a lógica


Para a literatura sobre a lógica, cf. Schwab, Bibliographie d’Aristote, p. 84 ss; Ueberweg-Praechter,

Grundiss, p. 112 ss; Totok, Handbuch, p. 230 ss e 249 ss. Uma riquíssima coletênea de indicações

bibligráficas pode ser encontrada em I. M. Bochenski, Formel Logik (Freiburg/Munique, 1963, p. 545

ss; Mignicci, La teoria aristotelica della scienza, p. 349 ss; Aristotele, Analitici primi, p. 727-772 e

Analitici post., p. 247-265. Para o status quaestionis concernente à evolução da lógica, cf. Berti, La

filosofia del primo Aristotele, p. 88-100.

Bekker, A. Die aristotelische Theorie der Möglichkeitschlüsse. Berlim, 1933.

Bourgery, L. Observation et expérience chez Aristote. Paris, 1955.

Calogero, G. I fondamenti della logica aristotélica. Florença, 1927, 1968.

Consbruch, M. “Epagoghé und Theorie der Induction bei Aristoteles”. Archiv für Geschichte der

Philosophie, v, 1892, p. 302-321.

Cosenza, P. Sensibilità, percezione, esperienza secondo Aristotele. Nápoles, 1968.

———. Tecniche di trasformazione nella sillogistica de Aristotele. Nápoles, 1972.

Ebbinghaus, K. Ein formales Modell der Syllogistik des Aristoteles. Götingen, 1964.

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* Respectivamente em 1986 e 1989 foram publicadas as duas partes do volu-me iii, até o livro viii. O

autor refere-se aqui aos volumes publicados até 1974, ano em que esta Introdução a Aristóteles foi

lançada. [n.t.]

*
Os dois últimos títulos foram efetivamente publicados: Trattato sul cosmo per Alessandro, com

organização, introdução e comentários de G. Reale, Nápoles, Loffredo, 1974; I Topici, com

organização, introdução e comentários de A. Zadro, Nápoles, Loffredo, 1974. [n.t.]

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