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RECURSOS

HUMANOS
RECURSOS HUMANOS

RESISTÊNCIA À MUDANÇA ORGANIZACIONAL


E ESTRESSE NO TRABALHO
RESISTANCE TO ORGANIZATIONAL CHANGE AND OCCUPATIONAL STRESS

Antônio Luiz Marques


Universidade Federal de Minas Gerais

Data de submissão: 27 dez. 2014. Data de aprovação:


30 jul. 2015. Sistema de avaliação: Double blind review.
Renata Simões Guimarães e Borges
Universidade Federal de Minas Gerais Universidade FUMEC / FACE. Prof. Dr. Henrique Cordeiro
Martins. Prof. Dr. Cid Gonçalves Filho. Prof. Dr. Luiz Claudio
Vieira de Oliveira

Lívia Almada
Universidade Federal de Minas Gerais

RESUMO

O objetivo deste trabalho é entender como a mudança organizacional, es-


pecificamente a implantação da Avaliação de Desempenho Individual (ADI),
pelo governo de Minas Gerais, afeta o nível de estresse dos servidores.
Portanto, neste estudo descritivo e explicativo, um survey foi desenvolvido
e questionários padronizados foram aplicados em 679 respondentes, sendo
247 da Secretaria de Estado da Saúde (SES), 248 na Secretaria de Estado da
Educação (SEE) e 184 da Secretaria de Estado do Planejamento e Gestão
(SEPLAG). A análise dos dados indica que a resistência à mudança influencia
o estresse no trabalho. Ou seja, indivíduos que apresentam níveis mais ele-
vados de aceitação à mudança tendem ter um nível mais baixo de estresse
global representado pelo desgaste físico e mental, assim como altos níveis
de resistência individual à mudança geram maiores níveis de estresse. Os
resultados oferecem implicações relevantes para a teoria e para a prática da
Gestão de Recursos Humanos.

PALAVRAS-CHAVE

Mudança Organizacional. Estresse Ocupacional. Resistência à Mudança.


Avaliação de Desempenho Individual. Gestão de Recursos Humanos.
RESISTÊNCIA À MUDANÇA ORGANIZACIONAL E ESTRESSE NO TRABALHO

ABSTRACT

The aim of this research is to understand how organizational change, specifically the
implementation of the Individual Performance Evaluation in the Minas Gerais State
government, affects the employees’ level of stress. Therefore, this descriptive and ex-
plicative study, a survey was developed and standardized questionnaires were applied
to 679 respondents, which 247 are from Secretaria de Estado da Saúde (SES), 248
from Secretaria de Estado da Educação (SEE) and 184 from Secretaria de Estado
do Planejamento e Gestão (SEPLAG). The data analysis indicates that resistance to
change influences stress at work. In other words, individuals who better accept the or-
ganizational change tends to have low levels of occupational stress, represented by the
physical and mental exhaustion and individuals who are resistant to organizational
change are more likely to have high levels of occupational stress. Results offer relevant
implications to theory and practice of Human Resource Management.

KEYWORDS

Organizational Change. Occupational Stress. Resistance to Change. Individual Perfor-


mance Evaluation. Human Resources Management.

INTRODUÇÃO pela realização de atividades operacionais e


Esta pesquisa aborda a cooperação e a pelo comportamento reativo. No entanto,
resistência dos servidores públicos do es- tem-se modificado, na medida em que os
tado de Minas Gerais em relação às mu- gestores públicos estão mais atentos à im-
danças implementadas pelo governo esta- portância dos investimentos na formação
dual nas políticas e práticas de gestão de de servidores mais competentes e capazes
recursos humanos. Especificamente, este de realizar as tarefas inerentes a cada ins-
estudo investiga o impacto que a implanta- tituição.
ção da Avaliação de Desempenho Individu- O governo de Minas Gerais, em 2003,
al (ADI) pode gerar nos níveis de estresse implantou o projeto Choque de Gestão,
no trabalho. cuja proposta inicial seria melhorar a qua-
No caso das instituições públicas, o pro- lidade dos serviços públicos e reduzir seus
cesso de mudança, apesar de constituir-se custos, a partir da reorganização do arran-
de forma mais lenta e gradativa, devido à jo institucional, da mudança de foco do pa-
necessidade de concordância de vários pel do estado e da modernização da gestão
agentes da sociedade (OSBORNE; GAE- de recursos humanos. Tendo em vista a ne-
BLER, 1994), faz-se extremamente neces- cessidade de estabelecer um novo padrão
sário frente à demanda de maior qualidade de gestão de pessoas e a importância dos
dos serviços prestados ao cidadão. A ges- servidores públicos para atingir o objetivo
tão de recursos humanos no setor público, de implantar um modelo de gestão pública
segundo Marconi (2003), sempre se pautou mais eficiente, grandes mudanças na políti-

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ca de gestão de recursos humanos foram des (ADLER; MCLAUGHLIN; ROGERS et


realizadas com o objetivo de ressaltar os al., 2006). Braga, Pereira e Marques (2008)
princípios meritocráticos e focar nos re- analisaram os fatores de tensão no traba-
sultados. lho e o nível de estresse ocupacional em
Três mudanças na política de gestão de decorrência de mudanças estratégicas. Os
recursos humanos foram implementadas autores constataram que a maioria dos
com grande impacto na vida dos servido- gestores pesquisados apresentava quadro
res: implantação da Avaliação de Desem- de estresse variando de leve a moderado, e
penho Individual (ADI), reestruturação das um percentual significativo apresentava es-
carreiras; e realinhamento de competên- tresse intenso como resultado direto das
cias. A partir de então, a avaliação de de- mudanças realizadas. Dahl (2011) aponta
sempenho individual, ancorada no perfil de que a probabilidade de o indivíduo receber
competências, passou a ser um requisito medicação relacionada ao estresse é maior
para movimentação na carreira (VILHENA, se trabalhar em organizações que estão
2006). Os resultados das avaliações tanto passando por mudanças.
dos gestores quanto dos não gestores são Portanto, é importante compreender as
utilizados para tomadas de decisões e ati- implicações que a mudança organizacional
tudes em relação aos servidores, passando exerce na vida do trabalhador. O foco des-
desde o cálculo do adicional de desempe- te trabalho é identificar como as possíveis
nho, promoções na carreira e até a perda reações de resistência ou cooperação do
do cargo. Dessa forma, a ADI, como fer- servidor frente à implantação da avaliação
ramenta de controle de gestão de recur- de desempenho individual influenciam os
sos humanos, pode trazer benefícios e, ou, níveis de estresse ocupacional.
consequências negativas para a vida pro-
fissional do servidor. Assim, as ameaças as- REFERENCIAL TEÓRICO
sociadas à avaliação parecem reais para os A palavra stress, do inglês, deu origem
servidores, o que faz com que a resistência ao termo estresse, em português. Segundo
à implantação de instrumentos dessa natu- Cooper, Sloan e Williams (1988), a palavra
reza seja praticamente inevitável. estresse vem do latim stringere e signifi-
Pesquisas recentes têm indicado que ca “espremer”. No século XVIII, a palavra
a mudança, especialmente a resistência à estresse passou a ser empregada para ex-
mudança, pode ter um forte impacto no pressar pressão ou forte esforço do corpo
nível de estresse ocupacional. A pesquisa humano. No século XX, o termo ganhou a
de Wang et al. (2004) revelou que a de- conotação científica dos dias atuais (SELYE,
pressão, uma das principais manifestações 1974; ROSSI, 1991).
do estresse, aumentou o absenteísmo e Segundo Selye (1974), o estresse é uma
reduziu o foco e a produtividade dos em- resposta inespecífica do corpo às exigên-
pregados nas empresas pesquisadas. O cias a que está sendo submetido. O estres-
estresse e a saúde mental do trabalhador se se manifesta de duas formas: o diestresse,
têm um relevante impacto na produtivi- ou estresse de derrota, é a forma como
dade, aumentando consideravelmente os é conhecido negativamente; o euestresse é
custos globais das empresas e das socieda- considerado o estresse positivo. O eues-

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tresse é o estresse da realização, do triunfo sintomas observados nas fases de alarme


e do contentamento. Assim, o euestresse é e resistência. Na segunda situação, com o
considerado o “estresse da vitória”. Simi- prolongamento das fontes de pressão, a ca-
larmente, o diestresse representa uma rea- pacidade de resistência do organismo fica
ção do corpo a um estímulo externo. No minada, culminando com o que se deno-
entanto, o diestresse se manifesta muitas ve- mina fase de exaustão, na qual o organismo
zes na forma de patologias que surgem em não consegue vencer os agentes estresso-
consequência da exposição do indivíduo ao res devido ao desequilíbrio entre os níveis
estímulo negativo prolongado. de pressão (estressores), advindos do meio
A literatura sobre estresse oferece di- e da estrutura psíquica do sujeito.
ferentes abordagens e explicações para Na abordagem sociológica, considera-se
o fenômeno. A vertente psicossomática que há uma dependência entre a visão de
considera que situações emocionais fortes mundo do indivíduo e a sua realidade so-
desencadeiam o processo de estresse nos cial. Para a compreensão do estresse, é fun-
indivíduos, gerando doenças, que poderão damental entender tanto o indivíduo quan-
ser de cunho biológico ou puramente psi- to os valores sociais e as suas transforma-
cológico (KAPLAN; SADOCK, 1993). Es- ções (LEVI, 2005). Albretch (1990), à luz
ses estudos não são baseados unicamente das grandes transformações da sociedade,
no estado emocional como fonte para ex- definiu o séc. XX como a era da ansiedade.
plicar a somatização, mas em fatos concre- A ansiedade tem origem na necessidade de
tos acontecidos na vida dos indivíduos que o individuo adaptar-se permanentemente
impactam na sua saúde. e rapidamente às novas condições de na-
A abordagem bioquímica contempla tureza física, psicológica ou cultural, para
uma visão das manifestações do estresse minimizar o medo das incertezas em rela-
no seu aspecto fisiológico. Conforme ar- ção ao futuro. Para a complexidade atual da
gumenta Guyton (1976), o estresse ocorre civilização, a rapidez das mudanças e a per-
no organismo através do sistema nervo- da de valores tradicionais criam conflitos e
so, mais precisamente o sistema nervoso ansiedade para a sociedade, que precisam
autônomo (SNA), que, juntamente com o ser compreendidos como um fenômeno
sistema endócrino, são responsáveis pela coletivo (KAPLAN; SADOCK, 1993).
maioria das funções de controle do orga- A abordagem interacionista é ancora-
nismo. As mudanças fisiológicas do orga- da na psicologia experimental. Ela se fun-
nismo, produzidas por ambos os sistemas, damenta na compreensão da relação que
têm função de prepará-lo para situações o indivíduo estabelece com o meio, os
de luta ou fuga, comportamento caracte- mecanismos de interação e os eventos à
rístico da primeira fase do estresse, deno- sua volta. Baseada nos estudos de Lazarus
minado por Selye (1974) de fase de alarme. (1974), essa concepção assume que a rea-
A fase seguinte é a de resistência. A fase de ção de um indivíduo ao estresse depende
resistência pode terminar de duas formas. de como ele percebe, de forma conscien-
Na primeira situação, a fonte de pressão te ou não, o significado de uma ameaça ou
é eliminada e o organismo retoma a con- desafio advindo do ambiente. Assim, uma
dição de homeostase, desaparecendo os determinada ameaça pode ser considerada

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estressora para um indivíduo e, para outro, Dessa forma, para se proteger de po-
não. Já para a psicologia social, a constru- tenciais ameaças, o trabalhador reage com
ção dos valores dos indivíduos emerge de comportamento de resistência, o que pode
uma situação concreta e socialmente cons- levar ao fracasso das mudanças propos-
truída, determinando o que as pessoas vão tas (SEIJTS; ROBERT, 2011). Lines (2005)
entender como sendo fonte de pressão. e Chreim (2006) apontam a resistência do
Assim, a cultura e a construção dos valores funcionário como uma das principais cau-
dos indivíduos são determinantes da sua sas de insucesso de programas de mudan-
saúde (LHUILIER; GROSDEVA, 1992). ça. Além de comprometer o processo de
Os estudos sobre psicopatologia do tra- mudança, a resistência do funcionário traz
balho focam nas relações entre trabalho para a organização altos custos (HAN-
e saúde mental. Dejours (1992) estudou NAN; FREEMAN, 1984; KOTTER, 1995).
o sofrimento e o prazer proporcionados Segundo Dahl (2011), muitas pesquisas so-
pelo trabalho, independentemente da do- bre os custos das mudanças têm se dedica-
ença mental que possa ser estabelecida. do a averiguar os custos para as organiza-
Seu objetivo é compreender como os indi- ções. A pesquisa de Mas (2008) revela que
víduos mantêm-se saudáveis mentalmente, insatisfação e conflito no local de trabalho
por meio de suas estratégias defensivas. Os reduzem a produtividade. Pesquisas em psi-
estudos sobre o estresse no trabalho tam- cologia aplicada também têm revelado que
bém são tangenciados pela abordagem psi- a satisfação no trabalho e a produtividade
copatológica, sendo apontados como uma do empregado são altamente dependentes
alternativa do adoecer psíquico (BILLIARD, da sua saúde mental (ADLER; MCLAU-
1996). GHLIN; ROGERS et al., 2006). Wang, Beck
e Berglund et al. (2004) constataram que
Estresse Ocupacional e Mudança a depressão, uma das principais manifesta-
Organizacional ções do estresse, aumenta o absenteísmo
O estresse ocupacional é aquele de- e reduz a produtividade dos trabalhadores.
corrente da reação do indivíduo a algum Certo grau de estresse tem sido consi-
evento que o atinge no ambiente de tra- derado necessário para manter o indivíduo
balho (FRENCH, 1983). Resulta, em geral, em alerta no local de trabalho e para atingir
de alguma ameaça, associada às excessivas nível de produtividade adequado. Entretan-
mudanças no ambiente de trabalho, que o to, quando o estresse atinge níveis muito
trabalhador não está psicologicamente pre- elevados, sintomas de insônia e depressão
parado para internalizar de forma positiva. emergem. Nesse momento, o estresse se
Mesmo que as mudanças sejam positivas e torna um sério problema para o indivíduo
os funcionários percebam que os resulta- (KARASEK; THEOREL, 1990; COOPER,
dos das mudanças podem trazer consequ- 1998). Nixon et al. (2011) realizaram uma
ências positivas para sua vida profissional, meta-análise nas principais publicações in-
o processo de mudança gera incertezas e ternacionais, para investigar como os es-
turbulências no ambiente organizacional tressores ocupacionais estão relacionados
(ELIAS, 2009; PECCEI; GIANGRECO; SE- com os sintomas físicos (estresse físico). Os
BASTIANO, 2011). autores concluíram que certos aspectos

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do estresse ocupacional, como limitações ça organizacional é a pesquisa de Dahl


e restrições organizacionais, além de carga (2011). O estudo analisou o impacto de
de trabalho excessiva e longa, são consis- mudanças na geração de estresse negativo
tentemente relacionados com sintomas fí- e as consequências do estresse negativo
sicos (distúrbios no sono, fadiga, problemas para a geração de doenças. Participaram
gastrointestinais, falta de apetite, etc.). Em da pesquisa 92.860 empregados de 1.517
relação aos sintomas mentais, Arnetz, Lu- empresas, na Dinamarca, em processo de
cas e Arnetz (2011) realizaram um estudo mudança, e o tipo de medicamento regis-
em quatro grandes hospitais, envolvendo trado no sistema nacional de saúde para
5.316 participantes, e constataram que as esses empregados. Os resultados reve-
condições psicossociais do ambiente de laram que a probabilidade de o indivíduo
trabalho e o clima organizacional afetam o receber medicação relacionada ao estres-
nível de estresse do funcionário e os resul- se aumentava significativamente para fun-
tados organizacionais. cionários de organizações que estavam
O trabalho de Bono, Glomb e Shen et al. passando por processos de mudança, es-
(2013) reforça os achados que relacionam pecialmente aqueles que estavam subme-
experiências negativas no trabalho com o tidos a grandes mudanças em diferentes
estresse e a saúde do funcionário. Por ou- esferas da organização. Os resultados in-
tro lado, os autores constataram que ex- dicam que a mudança organizacional está
periências positivas na rotina de trabalho associada ao risco iminente de o empre-
do indivíduo, como socialização, feedback e gado desenvolver problemas de saúde.
realização de objetivos reduzem o estresse Diante desse contexto, conclui-se que a
ocupacional. Além disso, eventos positivos mudança organizacional é um potencial e
que aconteceram no período da manhã, relevante fator que pode causar o estresse
na rotina do funcionário, foram associados ocupacional. Nesse sentido, os funcioná-
com a redução de estresse no final do dia rios que colaboram e aceitam as mudanças
de trabalho. organizacionais tendem a apresentar níveis
Em suma, o grau em que os estresso- de estresse menores do que os funcioná-
res irão afetar o trabalhador irá depen- rios que resistem às mudanças no ambien-
der da sua vulnerabilidade individual e de te de trabalho (CINITE; DUXBURY; HIG-
suas ações para enfrentar o estresse. Essas GINS, 2009; MARQUES, 2011). A literatura
ações, cognitiva e comportamentalmente sugere que esses trabalhadores que acei-
planejadas, irão orientar o trabalhador, que tam e colaboram com as mudanças pro-
pode posicionar-se de forma ativa ou passi- postas não as interpretam como potenciais
va nas situações de estresse ocupacional. O ameaças. Por outro lado, os trabalhadores
indivíduo pode identificar, ainda, as deman- que tendem a resistir às mudanças no tra-
das internas e os conflitos que o estejam balho o fazem porque se sentem ameaça-
atingindo, tentando impedir que situações dos e percebem que as mudanças trarão
ameaçadoras ou consequências desagradá- consequências negativas para sua vida pro-
veis se prolonguem. fissional e, ou, pessoal (PORRAS; ROBERT-
Uma das mais recentes contribuições SON, 1992; WADDELL; SOHAL, 1998;
para a literatura sobre estresse e mudan- MARKS, 1999; HERNANDEZ; CALDAS,

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2001; MARQUES; CHAVES; DIAS, 2005; Para um efeito esperado médio (ES = 0,15),
MARQUES; BORGES; MORAIS, 2011; a probabilidade de ocorrer um erro tipo I,
SINKOVICS; ZAGELMEYER; KUSSTATS- definida em 5% (α = 0,05), e um power de
CHER, 2011). Consequentemente, esses 95% (1 - β = 0,95), calculou-se uma amos-
trabalhadores podem encarar as mudanças tra mínima de 138 respondentes para cada
como mais uma fonte de estresse no tra- secretaria pesquisada.
balho. Portanto, a principal hipótese desta Na Tabela 1, visualiza-se a distribuição da
pesquisa estabelece que os servidores que amostra por cargo ocupado em cada se-
percebem as mudanças como positivas e cretaria pesquisada.
cooperam com sua implantação tendem a Após a análise dos outliers e da exclusão
apresentar níveis de estresse significativa- dos dados ausentes, a amostra obtida foi
mente mais baixos que os servidores que de 679 respondentes no total. Os servi-
percebem as mudanças como negativas e dores participantes foram distribuídos da
resistem a elas. seguinte forma: 248 na Secretaria de Esta-
do da Educação, 184 na Secretaria de Es-
MÉTODO tado do Planejamento e Gestão, e 247 na
A presente pesquisa possui natureza Secretaria de Estado da Saúde. Com isso,
descritiva e explicativa, pois descreve os fe- a amostra em cada secretaria foi sensivel-
nômenos estudados para, em seguida, iden- mente superior ao número mínimo calcu-
tificar possíveis relações de causa e efeito lado, atendendo os critérios estatísticos de
(CRESWELL, 2013). Portanto, esta pesqui- representatividade da amostra (HAIR; AN-
sa possui uma abordagem quantitativa, cujo DERSON; TATHAM, 2007).
método utilizado para coleta de dados foi A distribuição da amostra, considerando
o survey (BABBIE, 1999). seu local de trabalho, pode ser considera-
da equitativa entre a Secretaria de Estado
População e Amostra da Educação (SEE), 38,6%; Secretaria de Es-
A população pesquisada é composta pe- tado do Planejamento (SEPLAG), 29,7%; e
los servidores alocados no poder execu- Secretaria de Estado da Saúde (SES), 31,7%.
tivo do estado de Minas Gerais, em espe-
cial os funcionários de três secretarias de Coleta de dados
estado: Secretaria de Estado da Educação A coleta dos dados foi realizada por
(SEE), Secretaria de Estado da Saúde (SES), meio de um questionário padronizado. O
e Secretaria de Planejamento e Gestão uso de questionário possui a vantagem de
(SEPLAG). Estima-se, a partir de dados não apresentar um custo baixo, uma vez que
oficiais, que 140.000 servidores trabalhem consiste em um instrumento que pode ser
para as três secretarias. Para garantir que enviado pelo correio ou, simultaneamente,
os servidores selecionados representas- entregue a um grande número de infor-
sem a população de cada órgão envolvi- mantes. Além disso, oferece a possibilidade
do na pesquisa, adotou-se o processo de de evitar potenciais vieses do entrevista-
amostragem estratificada por secretaria. dor, pois o entrevistado tem a liberdade
Utilizou-se o software GPower® versão de responder as questões sem a presen-
3.1.2 para calcular o tamanho da amostra. ça intimidadora de outra pessoa. E os in-

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TABELA 1 – Amostra representada por secretaria e cargo


Origem Cargo n. %
Auxiliar de apoio 52 7.7
Técnico operacional da saúde 47 6.9
SES Profissional de enfermagem 85 12.5
Analista de gestão e assistência à saúde 18 2.7
Médico 45 6.6
Total 247
Professor de educação básica 62 9.1
Especialista em educação básica 11 1.6
Analista de educação básica 22 3.2
Assistente técnico de educação básica 53 7.8
SEE
Assistente técnico operacional 10 1.4
Analista da educação 50 7.4
Assistente da educação 10 1.4
Auxiliar de serviços de educação básica 30 4.6
Total 248
Especialista em políticas públicas e gestão 35 5.1

Oficial de serviços operacionais 6 0.9


SEPLAG Auxiliar de serviços governamentais 9 1.3
Agente governamental 81 11.9
Gestor governamental 53 7.8
Total 184
TOTAL GERAL 679
Fonte: Dados da pesquisa

formantes poderão se sentir mais seguros de apresentação explicava os objetivos da


em função do anonimato, o que minimiza a pesquisa, a natureza voluntária da partici-
probabilidade da variância do método co- pação e garantia o anonimato das respos-
mum (MALHOTRA; KIM; PATIL, 2006). tas individuais. As questões referentes aos
Os servidores foram convidados para dados demográficos constituíram a primei-
participar da pesquisa, no auditório de cada ra parte do questionário. Na segunda par-
secretaria, em datas previamente estipula- te, foram apresentadas as questões sobre
das, de forma que o questionário ficasse estresse ocupacional e, finalmente, as ques-
disponível para preenchimento pelo me- tões sobre mudança organizacional cons-
nos durante uma semana, no horário co- tituíram a terceira parte do questionário.
mercial. Um mínimo de dois pesquisadores As variáveis de estresse foram medidas
participou da coleta de dados em cada mo- a partir do instrumento Occupational Es-
mento. Portanto, a amostra foi obtida por tresse Indicator (OSI) desenvolvido por Co-
conveniência, uma vez que a disponibilida- oper, Sloan e Williams (1988). Esse instru-
de do servidor para participar da pesquisa mento é utilizado em vários países, sendo
foi determinante (BABBIE, 1999). amplamente testado e validado (COOPER;
No início do questionário, uma carta BRAMWELL, 1992; EVERS; FRESE; COO-

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PER, 2000). O OSI consiste de seis escalas ocorre de você se sentir nervoso por
(fontes de pressão, comportamento tipo A, razões que nem sempre têm uma expli-
lócus de controle, estilos de enfrentamen- cação óbvia.
to, satisfação no trabalho e saúde) divididas • Há momentos no trabalho em que você
em 25 subescalas medidas em 167 itens. sente que a vida é dura demais para você.
A escala denominada saúde é a que foi • Na realização de seu trabalho, você tem
utilizada nesta pesquisa. Ao todo, 14 itens percebido uma redução da sua autocon-
medem a escala saúde, que é representa- fiança e se questionado quanto a sua
da por duas subescalas: sintomas mentais e própria capacidade.
sintomas físicos. • Você tem vivenciado longos períodos
O instrumento utilizado para medir o nos quais se sente triste e melancólico
comportamento do indivíduo diante de por razões que simplesmente não pode
uma mudança organizacional foi o Inventá- explicar.
rio de Medida de Resistência à Mudança, • Há momentos em que tarefas simples se
validado por Marques e Borges (2011) para avolumam e você se sente sobrecarre-
o contexto público. Tomando como base gado, a ponto de pensar que poderia ter
os estudos de Judson (1980), Baron e Gre- uma estafa física ou mental.
enberg (1989), Hernandez e Caldas (2001) • Com que frequência você tem a sensa-
e Moura (2002), os autores identificaram ção de terrível cansaço ou exaustão sem
fatores individuais e organizacionais que in- razão aparente.
fluenciam a decisão individual de cooperar • Quanto ao trabalho e à vida em geral,
ou resistir à mudança. Quatro itens com- você se descreveria como um “preocu-
põem a variável resistência individual à mu- pado”?
dança organizacional, que apresentou um
alfa de Cronbach igual a 0,93. As perguntas Estresse físico
foram adaptadas para que os participantes • Insônia
interpretassem que a mudança organiza- • Dores de cabeça
cional era, especificamente, a implantação • Sensação de exaustão
da avaliação de desempenho individual. To- • Falta de interesse sexual
das as questões, excetuando aquelas refe- • Tremedeira muscular
rentes aos dados funcionais, foram obtidas • Sensação de desânimo ao acordar de
por meio de escala do tipo Likert de seis manhã
pontos, tratadas como intervalares. Alguns • Tontura
autores, como Byrne (1995), afirmam que Decisão individual de cooperar ou resistir
os problemas potenciais advindos do uso à mudança
de variáveis ordinais como intervalares po- • Você cooperou ativamente com a im-
dem ser minimizados com o uso de cinco plantação do processo de ADI na orga-
ou mais categorias. Os itens apresentados nização por meio de sugestões espontâ-
no questionário são: neas sobre como ele poderia dar certo.
• Você divulgou espontaneamente os be-
Estresse mental nefícios trazidos pela ADI.
• Durante um dia comum de trabalho, • Você considera que, apesar de não ter

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RESISTÊNCIA À MUDANÇA ORGANIZACIONAL E ESTRESSE NO TRABALHO

participado ativamente do processo de RESULTADOS


implantação da ADI, ela será boa para os Os dados demográficos dos responden-
servidores e para a organização. tes podem ser visualizados na Tabela 2. Em
• Você aceitou, sem se opor, as regras da geral, 75% da amostra é composta por mu-
ADI, como sendo boas para a organização. lheres, 55% possuem o nível de escolari-
dade alto (superior e, ou, pós-graduação)
Análise dos Dados e 76% recebem até sete salários mínimos.
A análise estatística dos dados deu-se Quanto ao tempo de trabalho na institui-
em várias etapas. Primeiramente, contem- ção, 45% dos participantes responderam
plou os dados ausentes e os valores extre- que trabalham há mais de 20 anos na mes-
mos, com o objetivo de melhor conhecer ma organização. Esse número reforça uma
os dados e, assim, trabalhá-los de forma a característica do setor público decorrente
garantir que as análises seguintes fossem da estabilidade do emprego.
mais precisas e confiáveis. Em seguida, al- A avaliação do nível de estresse ocupa-
guns pressupostos foram avaliados, como o cional dos servidores pesquisados foi re-
de normalidade e o de linearidade. Foi rea- alizada pela variável estresse físico e men-
lizada a análise de correlação e, finalmente, tal. Os resultados indicam que a escala de
a análise de regressão para testar a hipó- estresse converge para as duas dimensões
tese da pesquisa. Para analisar a consistên- medidas, estresse físico (alfa de Cronbach =
cia interna das escalas, a confiabilidade foi 0,84) e estresse mental (alfa de Cronbach =
avaliada segundo o alfa de Cronbach. Além 0,88), indicando uma boa validade interna.
disso, estatísticas descritivas foram realiza- Para analisar o estresse no trabalho
das. Para realizar a análise dos dados, foi dos servidores, primeiramente, calculou-
utilizado o pacote estatístico SPSS (Statisti- se um indicador ancorado nas médias das
cal Package do Social Sciences), versão 13.0. respostas para as duas variáveis analisadas

TABELA 2 – Dados demográficos da amostra


Dados demográficos n. %
Homens 170 25
Mulheres 509 75

Ensino fundamental 95 14
Ensino médio 210 31
Superior 170 25
Pós-graduação 204 30

Recebem até 7 salários mínimos 516 76


Recebem de 7 a 10 salários mínimos 109 16
Recebem acima de 10 salários mínimos 54 8

Até 10 anos de trabalho na organização 183 27


De 10 a 20 anos de trabalho na org. 190 28
Acima de 20 anos de trabalho na org. 306 45
Fonte: Dados da pesquisa.

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(estresse físico e mental). Com isso, deno- contingente de 8.400 servidores com ele-
minou-se estresse global o resultado da vado desgaste físico. Nesse sentido, ações
média das respostas relativas ao desgaste que diminuam o estresse desses indivíduos
mental e ao desgaste físico. De acordo com são notadamente necessárias.
estudos anteriores, para facilitar a inter- Tomando como referência as médias do
pretação, foram definidos três níveis de in- estresse físico, mental e global, observa-
tensidade de estresse: baixo (médias entre se a maioria dos indivíduos (79,2%) com
1,00 e 2,99), moderado (médias entre 3,00 baixo nível de estresse geral. Entretanto,
e 3,99) e alto (médias entre 4,00 e 6,00). A 13,8% apresentam estresse geral mode-
Tabela 3 mostra os resultados dos níveis de rado e 4,0% apresentam estresse intenso.
estresse dos servidores. Em termos globais, 93,6% dos servidores
Como mostra a Tabela 3, os resultados apresentam perfil saudável em relação à va-
indicam que 79,2% dos pesquisados estão riável estresse no trabalho. Porém, um con-
na faixa de baixo estresse mental no tra- tingente de 5.600 servidores, ou 4,0% da
balho; 13,1% apresentam estresse mental amostra, tende a apresentar estresse em
moderado; e 6,3% apresentam estresse nível intenso, demandando ação gerencial
mental elevado. Analisando os dados de para redução desse percentual.
forma agregada, verifica-se que 93,6% dos Em síntese, a maioria dos servidores
pesquisados apresentam perfil saudável em tem um perfil saudável em relação a estres-
relação à variável analisada. Porém, consi- se ocupacional, físico e mental. Porém, 4,0%
derando a população de mais de 140.000 da amostra apresenta estresse em nível in-
servidores que a amostra desta pesquisa tenso, demandando ação gerencial para a
representa, 6,3% é um percentual elevado, redução desse percentual. Caso nenhuma
já que pode abranger 8.820 indivíduos com ação seja tomada para minimizar o desgas-
elevado nível de estresse mental. te mental e físico desses servidores, este
O desgaste físico apresenta-se pratica- fenômeno poderá provocar níveis acentua-
mente igual ao desgaste mental. Obser- dos de absenteísmo e de licença médicas e
va-se também que 79,2% dos pesquisados um elevado custo para a sociedade e para
apresentam baixo nível de estresse físico. as finanças do estado.
Outros 14,4% apresentam sintomas em Em relação à mudança organizacional, os
grau moderado e apenas 6,0% registram resultados indicam que a maioria dos res-
alto grau de desgaste físico. Novamente, pondentes apresenta uma relativa neutrali-
considerando a população de aproximada- dade em relação à implementação da avalia-
mente 140.000 servidores que esta amos- ção de desempenho (M = 3,24, D.P. = 1,19).
tra representa, 6,0% pode constituir um A variável que mede o comportamento do

TABELA 3 – Resultado dos níveis de stress ocupacional


Baixo Moderado Alto
Indicadores de stress ocupacional n. % n. % n. %
Stress mental 538 79,2 98 14,4 43 6,3
Stress físico 549 80,9 89 13,1 41 6,0
Stress global 558 82,2 94 13,8 27 4,0
Fonte: Dados da pesquisa

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indivíduo em relação à mudança varia de seja, influencia o grau de estresse do tra-


1 a 6 na escala Likert, onde 1 representa a balhador [F(1,677) = 29,16, p < 0,001]. A
resistência e 6 a cooperação. Essa medida equação de regressão é definida da seguinte
também apresentou uma boa consistência forma: estresse = 2,716 x (-0,148) aceitação
interna (Alfa de Cronbach = 0,90). e cooperação com a mudança. O resulta-
Como pressuposto para a análise de re- do da análise de regressão sugere que um
gressão, realizou-se a análise de correlação acréscimo de 0,148 na aceitação e coopera-
entre as variáveis da pesquisa. O resultado ção com a mudança pode gerar uma redu-
da correlação de Pearson sugere que o es- ção de até 1,0 nos níveis de estresse.
tresse físico apresenta uma correlação ne- O coeficiente de determinação (R2) re-
gativa com a aceitação e cooperação com a presenta a medida da proporção da vari-
mudança (r = -0,174, p < 0.001). O estresse ância da variável estresse global em tor-
mental também apresenta uma correlação no da média, que é explicada pela variável
negativa com a aceitação e cooperação aceitação e cooperação a ADI. Com isso, o
com a mudança (r = -0,194, p < 0.001). Da resultado do coeficiente de determinação
mesma forma, o estresse global se corre- sugere que 4,10% da variação no estresse
laciona negativamente com a aceitação e global é explicada pela percepção da mu-
cooperação com a mudança organizacional dança (R2 = 0,041). Esse valor pode ser con-
(r = -0,196, p < 0.001). Ou seja, na medi- siderado satisfatório, uma vez que somente
da em que o indivíduo deixa de resistir e uma variável independente foi proposta no
passa a cooperar com a mudança, aumenta modelo. Os fatores que levam o indivíduo
a probabilidade de ocorrer uma redução a apresentar altos níveis de estresse são
nos níveis de estresse. Em outras palavras, vários, ou seja, o estresse é um fenômeno
quem percebe a mudança mais positiva- complexo e explicar aproximadamente 4%
mente tende a apresentar menores níveis da sua variação somente a partir da pers-
de estresse global. Consequentemente, o pectiva da resistência à mudança organiza-
indivíduo que resiste ao processo de mu- cional é relevante.
dança tende a apresentar maiores níveis de Em síntese, os níveis elevados de es-
estresse ocupacional. tresse estão associados à visão negativa
Com base no resultado da análise de re- e as atitudes frente às mudanças organi-
gressão mostrado na Tabela 4, pode-se afir- zacionais. Isso significa que, quanto maior
mar que o nível de aceitação e cooperação a aceitação das mudanças, menor tende a
com a mudança organizacional antecede, ou ser o nível de desgaste físico e mental e
TABELA 4 – Resultado da análise de regressão

Coeficientes não padronizados Coeficientes


padronizados

Modelo B Desvio padrão Beta T Sig.

Constante 2,716 0,095 28,600 0,000

Aceitação e cooperação a ADI -0,148 0,027 -0,203 -5,400 0,000

Nota: variável dependente Stress Global


Fonte: Dados da pesquisa

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seu estresse global. Inversamente, quanto seja, na medida em que o comportamento


mais negativa a visão do servidor sobre as resistente persiste.
mudanças, ou seja, quanto maior o nível de Assim, além de essa pesquisa ter como
resistência individual à mudança organiza- principal objetivo relacionar o comporta-
cional, maior seu desgaste físico e mental, mento resistente do indivíduo diante da
e, consequentemente, seu estresse global. mudança ao estresse ocupacional, também
oferece implicações para a prática de ges-
CONSIDERAÇÕES FINAIS tão ao apresentar dados empíricos que
A hipótese colocada para a pesquisa analisam o nível de resistência à mudança
investiga se os indivíduos que têm visão no contexto público brasileiro. Minimizan-
mais positiva das mudanças e que coope- do o comportamento resistente, a gestão
ram mais com sua implantação são aqueles pública reduz a probabilidade de o servi-
que apresentam também níveis mais baixos dor apresentar níveis elevados de estresse.
de estresse. O resultado da análise de re- No entanto, minimizar o comportamento
gressão confirmou a hipótese da pesquisa, resistente significa trabalhar as causas da
indicando que, quanto maior a resistência à resistência (melhorando a comunicação,
mudança, mais intenso é o nível de estres- envolvendo os servidores, planejando o
se dos servidores das Secretarias de Esta- processo de mudança, etc.) e de forma al-
do de Minas Gerais. Ao contrário, quanto guma impor um comportamento desejável
maior a aceitação da mudança – ou seja, pela gestão.
quanto menor a resistência – mais baixa é Sendo assim, a grande contribuição
a intensidade do estresse do servidor. social desta pesquisa é compreender em
Ademais, os achados desta pesquisa con- maior profundidade como as mudanças
firmam estudos anteriores que procuram impactam nos níveis de estresse no traba-
na mudança organizacional as causas do lho. Também, como contribuição acadêmi-
estresse ocupacional (BRAGA; PEREIRA; ca, o instrumento de pesquisa se mostrou
MARQUES, 2008; DAHL, 2011; SEIJTS; RO- consistente, embora necessite ainda ser
BERT, 2011; MARQUES, 2011). Mesmo que aplicado em amostras de diversos setores
a mudança proposta seja positiva, somente da administração pública, para confirmar
o processo de implantação gera incertezas sua capacidade de predição dos fatores
e turbulências porque altera a rotina de pesquisados.
trabalho (PECCEI; GIANGRECO; SEBAS- Esta pesquisa contribuiu ainda para a
TIANO, 2011). O indivíduo pode lidar com ampliação do arcabouço teórico e meto-
essas mudanças de formas diversas, a partir dológico relativo às funções e aos papéis
da sua realidade social (LEVI, 2005) e psi- dos gestores públicos na condução de pro-
cológica (KAPLAN; SADOCK, 1993), acio- jetos de reestruturação das instituições
nando o processo de estresse, caso resista onde atuam, ao elucidar aspectos positivos
às mudanças organizacionais. As manifesta- e negativos de suas estratégias de atuação.
ções físicas e mentais, de acordo com Selye Os resultados alcançados podem contri-
(1974), serão mais intensas, podendo até se buir, em âmbito organizacional, para a me-
tornar patologias na medida em que o pe- lhoria da gestão de instituições públicas
ríodo de estímulo negativo se prolonga, ou pesquisadas, se elas fizerem uso dos dados

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e resultados apresentados para motivar Como é sabido, nenhum método encerra


ações de melhoria de suas propostas de em si mesmo todas as potencialidades de
modernização futura. análise para todas as situações. É relevan-
Diante desses dados, cabe à gestão es- te aprofundar as pesquisas em resistên-
tadual estabelecer estratégias que possam cia à mudança, levando em conta o papel
dar maior visibilidade ao projeto de Ava- dos traços de personalidade, da análise
liação de Desempenho Individual para os de custos e benefícios das mudanças, da
servidores. Além disso, conhecer as causas comunicação, da confiança e do estilo de
de descontentamento e de resistências a atuação dos gestores para a estruturação
essa ferramenta de gestão de pessoas é es- da resistência dos empregados. Essas va-
sencial para que o governo alcance efetiva- riáveis não foram incluídas nesta pesquisa
mente os objetivos de melhorar a gestão porque a tornariam muito extensa para
de pessoas no serviço público. Esta pesqui- o período previsto para seu desenvolvi-
sa sugere, principalmente, que é importan- mento. Outras pesquisas podem tam-
te identificar as causas da resistência à im- bém procurar entender como experiên-
plantação da ADI para desenvolver e ado- cias positivas na rotina dos empregados
tar estratégias de gestão específicas. Com podem reduzir o estresse ocupacional,
isso, será possível, também, reduzir o nível como sugerido por Bono, Glomb e Shen
de estresse ocupacional, pois a percepção et al. (2013), referindo-se à administração
do indivíduo em relação à mudança influen- pública brasileira. É também imprescindí-
ciará diretamente no seu nível de estresse vel desenvolver pesquisas que tratem da
no trabalho. gestão de pessoas no setor público como
Pesquisas futuras podem introduzir no- linhas de pesquisa permanentes, tendo
vos métodos de coleta e análise de dados, em vista a complexidade de variáveis en-
além de outros métodos quantitativos. volvidas nesse processo.

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