O GLOBO ● ECONOMIA ● PÁGINA 21 - Edição: 17/10/2011 - Impresso: 16/10/2011 — 20: 13 h
Segunda-feira, 17 de outubro de 2011
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A maldição das lendas urbanas
E-mails falsos, golpes via SMS, posts fajutos em redes sociais e outros tormentos ainda proliferam na internet
Carlos Alberto Teixeira
cat@oglobo.com.br
A
internet é campo fértil para a
eternização de alarmes falsos,
mitos e lendas urbanas que,
uma vez tomado o impulso
inicial, ficam circulando indefinida-
mente. Elas passam de mão em mão
via mensagem de spam (e-mails não
solicitados), mensagens instantâneas
e, mais recentemente, por meio das
redes sociais e de mensagens de
texto em celular (SMS).
Um dos mais famosos embustes
virtuais é o caso que circula por cor-
reio eletrônico contando o caso de
uma menina que sofre de câncer. A
mensagem traz a foto de uma linda
garota e, no fim, conclama quem re-
ceber o e-mail a repassá-lo para 20 ou
30 pessoas, pois a Microsoft (ou a AOL,
dependendo da versão) estaria mo-
nitorando os repasses e doaria US$
0,30 a um fundo destinado a ajudar a
pobre criatura. Tudo mentira.
Outra categoria muito conhecida
é a dos e-mails vindos de países
como Nigéria, Gana, Togo, Libéria,
Serra Leoa e Costa do Marfim, men-
cionando uma soma astronômica
num banco local. O autor do golpe
informa que precisa transferir a tal
fortuna para um outro banco e pede
à vítima que se ofereça para receber
a grana em sua conta, recebendo
como pagamento um percentual.
Obviamente uma armadilha.
Essas e outras lendas e golpes já
circulam há quase 20 anos pela
internet, mas sempre se renovam
graças aos novatos da rede.
— Só nos 400 provedores asso-
ciados nossos, são cerca de 1.200
novos internautas se cadastrando por
dia — explica Wardner Maia, presi-
dente da Associação Brasileira de Pro-
vedores de Internet e Telecomunica-
ções (abrint.com.br), que congrega
pequenos e médios provedores. —
Considerando que no total são 2.500
provedores no país inteiro, podemos
estimar que, a cada dia, mais de 7.000
novos usuários se cadastram.
Quase qualquer neófito, ao se de-
parar com essas correntes fajutas de
solidariedade via e-mail e boatos fal-
sos, imediatamente os repassa, num
ato até bem-intencionado, mas que só
faz congestionar ainda mais as caixas
de entrada de seus destinatários.
— Sou um verdadeiro para-raios
de spam. Na verdade, até tenho
culpa por isso, pois escrevi um
livro sobre o tema e comecei a me
corresponder com os spammers
por questões acadêmicas — diz
Walter Capanema, advogado, pro-
fessor da Escola da Magistratura
do Estado do Rio de Janeiro e
secretário-geral da Comissão de
Direito e Tecnologia da Informa-
ção da OAB-RJ. — Recebo todo
tipo de spam, seja de um anúncio
de um vidente argentino, seja
aquele SMS avisando que eu ga-
nhei oito casas num sorteio.
Em seu livro, “O spam e as pragas
digitais: uma visão jurídico-tecno-
lógica” (vide <bit.ly/liv_spam>), Ca-
panema oferece soluções jurídicas e
tecnológicas para combater o mal
do spam.
— Já recebi spam de sites de
striptease via MSN, mas os mais di-
vertidos, por assim dizer, são os que
estão se proliferando via Facebook.
Normalmente, são corretores de imó-
ECONOMIA
DIGITAL & MÍDIA
GEVILACIO MOURA: “Há o perigo do marketing viral que dissemina tratamentos inócuos”
veis, que tentam te empurrar todo o
tipo de propaganda, e são presas
fáceis para conversas divertidas —
relata Capanema.
Quatrocantos.com
identifica fraudes
● Outra chatice é a dos abaixo-as-
sinados que circulam via e-mail ou
em sites próprios para isso. Em
geral, esses movimentos tentam co-
optar o maior número de partici-
pantes na crença de que poderão
mudar alguma situação ou exercer
alguma influência em uma decisão.
Pura ilusão. Abaixo-assinados on-
line não adiantam nada, segundo
especialistas. Quanto aos assuntos,
esses abaixo-assinados tratam das
questões mais estapafúrdias, muitas
absolutamente falsas.
— Tem o caso de um tal filme
chamado Corpus Christi, em que
Jesus e seus Apóstolos seriam gays
— diz Lucas Carvalho, publicitário
residente em Brasília. — Circula
pela internet um abaixo-assinado
para não deixar o filme passar. Só
que isso tem já uns três anos e a
O GLOBO
Arquivo pessoal
corrente continua circulando. E
nunca existiu esse filme.
O caso é descrito no site Qua-
trocantos.com (veja em
<bit.ly/dm_blasf>), melhor site
brasileiro especializado no ramo,
e o filme, de fato, nunca existiu.
Apenas uma peça teatral encena-
da na Broadway em 1998.
Quanto ao spam, a defesa são as
várias ferramentas antispam dispo-
níveis na rede. Quanto aos e-mails
contendo apelos, alarmes e reve-
lações bombásticas, a melhor dica
que se pode dar a um internauta,
seja novato ou veterano, é a de
jamais repassar uma dessas men-
sagens, a menos que tenha absoluta
certeza de que ela é verídica.
Isso implica uma apuração em
primeira mão, ou então, uma rápida
consulta ao Quatrocantos.com.
Desde 1999 ele vem desvendando e
desmascarando lendas urbanas,
pulhas virtuais, boatos, peças de
desinformação, teorias conspirató-
rias, mentiras, vírus falsos, cavalos
de troia, golpes e muitas outras
coisas “criaturas imortais” que até
hoje vagam pela Internet e, pelo
jeito, ainda nos atormentarão por
um longo tempo. ■
SEGUNDA-FEIRA
Garimpo Digital
AZUL MAGENTA AMARELO PRETO
21
Arquivo pessoal
WALTER
CAPANEMA: autor
de um livro que
ensina como
combater o spam
CORPO A CORPO
GEVILACIO MOURA
O perigo do marketing viral
● Gevilacio Aguiar Coelho de Mou- algum assunto que despertaria o
ra, administrador, mora em Campo interesse das pessoas e iria pro-
Formoso, na Bahia, desde 2006. curar patrocinadores com banners
Antes, morava em Recife. É o maior pagos, essas coisas. Fui até a Re-
especialista nacional no combate ceita Federal saber que tipo de
às mentiras difundidas continua- empresa deveria ser criada para
mente via internet. esse tipo de atividade. Ninguém
sabia de nada e um dos auditores
O GLOBO: Quando o senhor co- consultados chutou: “Cria uma em-
meçou a estudar as mentiras trans- presa qualquer. Se não der certo,
mitidas via e-mail em forma de fecha e cria outra”. Comentei a
apelos, golpes e boatarias? resposta dada pelo especialista da
GEVILACIO MOURA: No início da Receita com algumas pessoas e o
internet, ainda nos anos 90, caí assunto virou matéria da hoje ex-
numa dessas armadilhas. Era uma tinta revista “Internet.Br”. Todos
lista acadêmica e levei uma bronca sabem que, se é complicado criar
dos listeiros mais experientes. Meu uma empresa, encerrá-la é tarefa
crime? Passei adiante a história dos ainda mais difícil. Mais uma vez
biscoitos Neimann (receita desisti de empreendimento vincu-
fraudulenta vendida por lado à internet... para sem-
US$ 250). Morri de ver- pre. O tempo passou e co-
gonha. No começo senti mo eu já havia registrado o
realmente alguma revolta domínio Quatrocan -
por ter sido feito de bobo, tos.com, mais tarde passei
mas, depois, vi que muitas a usá-lo para documentar
outras pessoas caíram ou http://glo.bo/pulhas as pulhas virtuais.
acreditaram em coisas in-
críveis, como a distribui- ● O senhor recebe algum
ção, de graça, de automóveis Toyo- tipo de incentivo ou doação es-
ta. Hoje em dia, vejo de outra forma, pontânea para tocar o site?
mais como divertimento, a não ser GEVILACIO: As doações são as
quando encontro mensagens que mensagens que chegam. Umas são
mencionam situações que podem enviadas pelos próprios spam-
pôr em risco a saúde das pessoas. O mers/vigaristas com propostas de
uso da farinha de trigo no tra- trabalho ou querendo dividir co-
tamento de queimadura é um des- migo milhões de dólares. Nunca
ses casos. Ou a fraude do doutor somei, mas, se bobear, as pro-
Tullio Simoncini, que engana os postas já devem ter ultrapassado o
crédulos com tratamento ineficaz e bilhão de dólares. Mensagens com
perigoso. Há o perigo do marketing links para páginas clonadas de
viral, que dissemina tratamentos bancos ou de empresas de cartão
inócuos ou vende falsas esperan- de crédito, links para páginas que
ças, como o uso da graviola no instalam programas malignos, tu-
tratamento do câncer. É verdade do isso é colaboração espontânea
que existem pesquisas nesse sen- dos pilantras virtuais e são bem-
tido, mas elas não são conclusivas. vindas. Muitas outras são envia-
das pelos leitores perguntando se
● O que o motivou a criar o é verdade ou não. Há os que logo
Quatrocantos.com? destrincham tudo. Os incentivos
GEVILACIO: Logo que a internet são os eventuais elogios e as mui-
comercial chegou ao Brasil, em tas broncas contra minhas opi-
1995, eu e um amigo pensamos em niões. Há quem diga que eu não
criar uma loja virtual. Era o co- deveria expor minhas opiniões.
meço da bolha. Por alguma razão Discordo dessa postura.
— não lembro qual — a ideia não [Leia a íntegra da entrevista usan-
vingou. Ainda bem. Pensei, então, do o QR code ou o link acima]
em criar um sítio onde eu poria (Carlos Alberto Teixeira)
TERÇA-FEIRA QUARTA-FEIRA QUINTA-FEIRA SEXTA-FEIRA SÁBADO
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