Basta-me este trecho de entrevista para ilustrar a dificulda-
de inerente a uma démarche que se prope, em face do senso co-
mum conservador e chauvinista, em face da direita espontanea e
racista, louvar de um lado a diversidade e estimular as diferencas
¢, de outro, tentar mostrar que estas diferencas sao contingentes,
io transitorias, nao permanentes; sao fruto do
do da natureza; so adquiridas, nao inatas, posto que os
seres humanos so todos iguais. Este pedaco de entrevista con.
densa uma reagao tipica do homem comum de direita: as evidén-
‘cas todas da experiéncia viva e do dado sensivel comprovam q\
0s seres humanos sao “diferentes, sim... e desiguais”, “diferentes
& poristo, desiguais’ io do sensivel encaixa a consteugao
do inteligivel. Eis o realismo das direitas: “eu niio sou racista, mas
realista” (Bensaid, 1984-85: 256-60).
‘Mas no € 56 0 senso comum; também o pensamento de
reita, especialmente da Nova Direita, nao se convence da consis
téncia logica e pratica desta recente adesio de algumas esquerdas
0 valor da diferenca. “Différents, mais inégaux” € 0 titulo be
sacadoe provocador de um artigo de Alain de Benoist, um dos mais
importantes ¢ prolificos pensadores da Nouvelle Droite na Fran-
a atual. Nio o convence a adesao das esquerdas a0 “dircito 3
diferenga” porque, diz ele, n20 vai até o fim, no pode ir. “Frases
cada vez mais amplas da opinido pablica se pronunciam hoje em
favor de um ‘direito a diferenca’, N6s s6 temos com 0 que nos
congratular. Mas nao basta exprimir uma opiniao. E necessério
ainda que a isto se siga uma prdtica. Defender o direito a diferen-
a€, por exemplo, lutar contra o principio da escola tinica, contra
A contra 0 universalismo politico e filoséfieo,
contra a perda das identidades coletivas ea mistura dos povos
das culturas. Veremos, na hora do vamos ver, quem realizars este
Programa ¢ quem o deixar ao abandono” (Benoist, 1979: 94).
A enorme dificuldade de seguir até o fim a logica do postu
lado da diferenga (grupal) sem reforcar praticas discri
ficou bastante evidenciada no famigerado caso Sears, nos E:
dos Unidos da América.
isa: 0 dado empirico
A DESFORRA DA DIFERENGA: O CASO SEARS
Ef sabido que ja no fim dos anos 70 e no decorrer dos 80
difundiu-se entre as feministas de todos os paises uma discussio
vivissima e intelectual ito sofisticada, que se tornou co-
ida como o debate da *igualdade-versus-diferenga”, com um
notvel avanco (¢ até mesmo um certo arrojo) na reflexao te6ri-
cae nas bandeiras de luta t \do positivamente a diferen-
ga, Tema originariamente da direita conservadora, a diferenca
assava agora a frequentar, com foros de recuperada legitimida-
de ¢ inauditas pretensdes emancipatorias, os circulos feministas
‘mais intelectualizados e de esquerda. Processava-se com isto um.
duplo deslocamento ideol6gico: deslocamento de um campo po-
-o-doutrinario a outro, possivel de se dar porque um outeo
deslocamento estava em curso (nas hostes da propria dircita e
agora reforeado por esta ida para a esquerda}, a saber, 0 deslo-
camento dos fundamentos da diferenca, que de naturais e biold-
gicos passavam agora a ser culturais. E a
fileiras feministas. Foi quando se passou a falar de
‘ura feminina”, “cultura das mulheres”, “experién-
hecimento da diversidade cultural de gene-
* e assim por diante. Acontecia assim uma inflexcio das mais
mportantes no movimento das mulheres, produto da agio cole-
tivae cotidiana de longa data eda reflexao sempre irreq
toexigente e inovadora sobre a condicao feminina e a natuceza do
ta, a descoberta de novos terrenos de solidariedade ativa e mo:
bilizagdo, mas sobretudo 0 nascimento de novas formas de auto-
consciéncia em face da necessidade de acertar as contas com a
«especificidade nodal da condigao feminina, a maternidade (dife-
renga natural ou cultural? destino ou escolha?). “Depois dos anos
igualdade a todo custo em nome da Iuta comum contra
‘migo externo, 0 movimento assume a forma de um percurso de
‘muitos caminhos e a pr6pria reflexao sobre a condigio de
CGiladas da di