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SÉCULO XX - CEM ANOS DE GENOCÍDIO

Desde os primórdios das civilizações que a brutalidade, as atrocidades e os extermínios


de etnias faziam parte da formação dos impérios. Os grandes impérios surgiram da
dominação e conquista de vários povos e reinos menores. A crueldade do povo
dominante sobre o dominado não tinha limites e era visto como parte do mecanismo da
conquista. Na antiguidade costumava-se escravizar os povos dominados. A colonização
dos novos continentes foi feita em cima do extermínio de vários povos e culturas. Assim
assistiu-se aos extermínios dos índios do Brasil e da América do Norte, das civilizações
andinas, de quase toda a população dos aborígines da Oceania. O flagelo dessas culturas
era visto como um mal necessário para o desenvolvimento intelectual e religioso das
novas terras conquistadas.
Com a evolução da ética nas civilizações modernas, os conceitos morais foram revistos
e a moral dominante dos estados reinventada. Certos costumes morais de dominação de
estado e poder passaram a ser vistos como vergonhosos e como crimes contra a
humanidade.
 

O Conceito de Genocídio

 
Até a Segunda Guerra Mundial, que impulsionou o fim do colonialismo dos

continentes, a barbárie sobre um povo


tido como inferior ou gentio era justificada e aceita moralmente. Diante das atrocidades
da Alemanha nazista e as suas conseqüências indeléveis sobre o mundo contemporâneo,
surgiu finalmente o conceito do genocídio. O termo genocídio, do grego genos, raça e
do latim caedere, matar que nos dicionários é descrito por “destruição metódica de um
grupo étnico, pela exterminação dos seus indivíduos”. Foi criado por Raphael Lemkin,
um judeu polaco especialista em Direito Internacional. Na década de 1930 Lemki
alertou o mundo para as intenções de Hitler, mas foi ridicularizado. Refugiou-se nos
Estados Unidos em 1941, sem conseguir apoio da comunidade internacional que
protegesse os judeus perseguidos na Europa. Em 1944, já o século XX ia longo em
perseguições e extermínios, Lemkin criou a palavra genocídio.
A palavra serviu para enquadrar a terminologia adotada pelas Nações Unidas na
Convenção sobre o Genocídio, de 9 de dezembro de 1948. Desde então os crimes de
genocídio foram tipificados e as punições para eles foram previstas. A convenção da
ONU explicitou o genocídio: são atos de genocídio todos os que sejam cometidos com a
intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou
religioso.
Mesmo depois do genocídio ter sido tipificado como crime, a violência contra os que
são ou pensam de modo diferente não deixou de existir. O Século XX mal expirou e
deixou como herança o estigma de ter sido o século dos genocídios, onde a evolução
tecnológica e ideológica do estado moderno possibilitaram o requinte e o
aprimoramento das técnicas de extermínio de povos vistos como diferentes e
ameaçadores aos interesses do estado. Acadêmicos como Zigniew Brzezinski estimam
que 187 milhões de pessoas foram mortas ou abandonadas à morte no Século XX, do
total 16 a 17 milhões de pessoas foram vítimas de atos de intolerância ideológica,
étnica, racial ou religiosa.

As Grandes Chacinas*

Entre os cientistas políticos atuais há um grande debate entre o que deve ser considerado
genocídio. Segue as principais atrocidades do Século XX que são consenso de que
caracterizaram um genocídio:

Hereros, 1904

Os hereros, povo banto da África Sudoeste (hoje Namíbia), revoltaram-se contra a


colonização alemã. Os hereros viviam basicamente da pecuária. Passo a passo, o
orgulhoso povo de pastores perdeu seus campos para os colonizadores alemães. Essa
ocupação desencadeia uma revolta em janeiro de 1904. A repressão das tropas alemãs
expulsou os hereros para o deserto de Omaheke, onde são condenados a morrer à fome e
sede depois do exército liderado por von Trohta ter envenenado as fontes. A
perseguição aos hereros foi condenada por grandes protestos na Alemanha, mas nunca
cessou. Em 1911 apenas restavam 15 mil vivos, sendo na sua maioria mulheres e
crianças. A existência dos hereros como entidade cultural extinguiu-se.

Armênios, 1915

Os armênios são cristãos da igreja ortodoxa da Armênia, que se instalaram há três mil
anos na Anatólia, Ásia Menor, atual Turquia. Em 1913 formavam dez por cento da
população turca e tinham contra si a discriminação e o ódio racial da juventude turca.
Com a chegada desses jovens ao poder nesse ano, a questão

Armênia surge no contexto


da Primeira Guerra Mundial. Acusados de colaborar com os russos, os armênios foram
alvo de extermínio perpetrado pelo Estado Turco e por sua população. Em 1915 foram
deportados para o deserto sírio. Mais de um milhão de armênios morreram durante o
êxodo ou em execuções sumárias.

Curdistão, 1919/1999

A etnia curda, cerca de 36 milhões de pessoas, nunca teve um estado, espalha-se pelos
territórios da Turquia, Irã, Síria e Iraque, e o conflito com estes países custou milhões de
vida ao longo do século XX . O problema persiste até os nossos dias, com uma guerra
velada e feita por guerrilhas, sem a premeditação que leva um grupo a querer exterminar
o outro, o que faz com que não se prove o ato de genocídio. Os bombardeamentos com
gás venenoso feitos pelos iraquianos sob as ordens de Saddam Hussein, mostram o ato
de genocídio que os curdos vêm sofrendo. Somente na aldeia de Halabja, morreram
quase 5 mil pessoas em conseqüência do efeito das terríveis armas químicas.

Ucrânia, 1932/1933

A Ucrânia fez parte da extinta União Soviética. A coletivização dos campos decretada
por Stálin bateu de encontro à resistência dos kulaks (camponeses ucranianos). Dentro
da dialética e da concepção do estado soviético os camponeses ucranianos foram
classificados como inimigos de classe e contra-revolucionários, sendo alvo de
implacáveis perseguições. Depois de se falhar o objetivo de produção da campanha de
1932, os armazéns de cereais foram esvaziados e os vilarejos sitiados. No inverno de
1932 a fome vitimou entre cinco a sete milhões de pessoas.

Alemanha, 1933/1945

Com a ascensão do nazismo em 1933, o mundo assistiria por mais de uma

década o maior genocídio do século


XX. De início os nazistas preocuparam-se com a depuração dos 600 mil judeus alemães.
A ação dos Einsatzengruppen (esquadras móveis de assassinos das SS nazistas) e a
estratégia da “Solução Final” concebida por Reinhard Heydrich, das SS, decidida no
subúrbio de Wannsee, Berlim, em janeiro de 1942, com ou sem autorização direta de
Hitler, matou entre cinco a seis milhões de judeus. Também foram vítimas dos alemães
os ciganos e outras minorias religiosas (Testemunhas de Jeová).

Criméia e Volga, 1941

Em 1941 Hitler invade a União Soviética, forçando Stálin a entrar na guerra contra os
alemães. Com a abertura da frente leste pelo exército alemão, Stálin decreta a
deportação dos alemães do Volga e dos povos localizados em áreas estratégicas que se
tinham oposto ao reforço do regime. Cinco milhões de alemães, tártaros, tchetchenos e
inguches foram deportados para as estepes geladas da Sibéria ou para a Ásia Central.
Não se sabe ao certo quantos desses cinco milhões pereceram.

Indonésia, 1965

A partir de outubro de 1965, cerca de 250 mil a meio milhão de pessoas, na maioria
militantes do PKI (Partido Comunista da Indonésia) foram massacrados pela polícia,
pelo exército e pela turba de populares. O PKI garantira por via eleitoral a participação
na vida política do país, mas um golpe militar encerrou essa participação. Corpos
flutuavam no Rio Brantas, sem cabeça e de estômago abertos. Para garantir que se não
afundavam, eram amarrados, empalados em varas de bambu.

Nigéria (Biafra), 1967/1970

A Nigéria ficou independente da colonização britânica em 1960. É composta por várias


etnias: haussa, ioruba, ibo, fulani, entre outros. Em 1966, eclodiu uma guerra civil pelo
controle do poder central opondo os haussas aos ibos, sendo os últimos derrotados. O
poder caiu nas mãos de um general haussa. Os ibos, concentrados no leste do país não
reconheceram o governo central e proclamaram em 1967, o estado independente de
Biafra, gerando uma guerra civil que se estendeu até 1970 quando os ibos de Biafra
renderam-se e o território foi reincorporado a Nigéria. Cerca de dois milhões de
pessoas, em sua maioria ibos, morreram nessa guerra.

Bangladesh, 1971

Quando a Índia ficou independente da coroa britânica em 1947, tinha uma população de
maioria hindu, com uma minoria muçulmana. Com a independência, os territórios
indianos de maioria islâmica formaram o país independente do Paquistão, que tinha
duas áreas territoriais distintas: o Paquistão Ocidental era separado geograficamente do
Paquistão Oriental por 1.600 km de território indiano. O Paquistão Ocidental foi
composto pelas províncias de maioria muçulmana do Beluquistão, Sind, Punjab e a
Fronteira Norte Ocidental. A Bengala Oriental, também de maioria muçulmana, formou
o Paquistão Oriental, que fez a sua independência em 1971, passando a se chamar
Bangladesh. A independência não foi aceita pelo Paquistão, gerando o extermínio de
três milhões de habitantes do Bangladesh pelo exército paquistanês. A chacina causou
protesto da opinião pública mundial. Um grande concerto musical de repúdio foi
promovido por Ravi Shankar e George Harrison, o “Concerto pelo Bangladesh”.

Burundi, 1972

Uma revolta da maioria hutu a 29 de abril de 1972 provoca a morte de 2000 a 3000
pessoas da população tutsi, que controlava o poder. No dia seguinte o presidente Michel
Micombero decreta a lei marcial, que suscita uma onda de terror que culmina na morte
de 100 a 200 mil pessoas da etnia hutu. Todos os intelectuais hutus foram mortos ou
exilados em outros países.

Camboja, 1975/1979

O Camboja perdeu cerca de 150 mil pessoas vítimas dos bombardeios norte-americanos
na Guerra do Vietnã. Com a ascensão dos Khmer Vermelhos
ao poder liderados por Pol Pot, o Camboja
tornou-se um imenso campo de morte e atrocidades. Em quatro anos 1,7 milhões de
pessoas (20 por cento da população) sucumbiram à fome, às doenças e aos trabalhos
forçados. Pol Pot faz milhões de pessoas abandonar as cidades em migrações forçadas
para os campos. Seu objetivo utópico era recriar a grandiosidade do Camboja medieval
à custa do sacrifício coletivo.

Timor, 1975/1979

O Timor Leste foi colonizado pelos portugueses, com a Revolução dos Cravos em abril
de 1974, inicia-se a descolonização portuguesa da África e da Ásia. Com a saída dos
portugueses de Timor, a Indonésia, com a cumplicidade dos EUA, decide, em 1975,
invadir o território leste daquela ilha, anexando-o ao seu território. A anexação foi feita
de forma brutal, matando mais de 200 mil timorenses entre 1975 e 1979.

Antiga Iugoslávia, 1991/1999

Com o fim da guerra fria, vários foram os países que se desintegraram. A Iugoslávia de
Tito dá passagem para os países independentes da Eslovênia Croácia, Bósnia-
Herzegovina, Macedônia, Sérvia e Montenegro. A luta entre sérvios, croatas e outras
etnias religiosas deu origem às maiores atrocidades que a Europa assistiu após a
Segunda Guerra Mundial. Grupos étnicos diferentes foram mortos e expulsos na Bósnia,
na Eslavônia e na Krajina. O conflito vitimou cerca de 326 mil pessoas de 1991 a 1996.
Em 1999 o território do Kosovo, na Sérvia, cuja população é de maioria albanesa,
sofreu a perseguição dos sérvios que gerou mais um conflito na região, a guerra do
Kosovo, logo sufocado pela intervenção da comunidade internacional.

Ruanda, 1994
Os tutsis ruandeses refugiaram-se no Uganda após uma insurreição mal sucedida em
1959/62. Os seus filhos invadem o Ruanda nos anos noventa. Os

hutus são 85 por cento da


população e organizam a defesa. Os hutus possuíam desde 1992 um complexo aparelho
de extermínio. O Burundi, país vizinho do Ruanda, tem o seu primeiro presidente hutu
Malchior Ndadaye, assassinado em 1993. O Ruanda mergulhou no horror da carnificina
étnica em abril de 1994, depois que o avião que levava o presidente Juvenal
Habyarimana, da etnia hutu, foi abatido a tiros em Kigali. Em três meses mais de 700
mil tutsis foram chacinados.

China (Tibete)

O Tibete foi invadido pela China em 1949. Nos primeiros dez anos de invasão, cerca de
6000 mosteiros são destruídos e é feito um número indeterminado de mortos, obrigando
o seu líder espiritual Dalai Lama, a fugir do país. A destruição sistemática da cultura
tibetana não costuma constar dos anais do genocídio.
Também na China aconteceram os atos de fuzilamento em massa perpetrados na
seqüência da invasão japonesa dos anos trinta. O objetivo era o aniquilamento dos
chineses e coreanos, considerados inferiores pelos invasores. 300 mil pessoas foram
mortas no massacre de Naking em 1937.

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