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DEUS Te Ge EOE ae ee ea ees Da ee ee ees Ce ee ere eee Cece ere eer ee ee tt a ene Ce ee ete eee Ce ee ee eae a insigados a nos aventurar por esse caminho, nunca plano, nem acabado, mas, ao contro, SU eer ont ee ee ee ee ee ers See eee eee ae eee eee Ce ee eee eis eee Ce oe eee ee eee es Se ecg ee ey ene ty CO ce eee eC een tery eee ue ee ea EN claraluz | i Revisio Técnica lu Coordenaco Editorial z Editor Claaluz =“. s Isadora Gregolin 6 Diagramagao = Maira Valencise Q Ww © Elaboragio de Capa Deze Dez Maltimeios Y,) & Impressio ¢ Acabamento Grifca Viena Ficha Catalogriffica elaborada pela Biblioteca do ICMC/USP oi ria ben excuse aan oars | nunca acabar / Freda Indursky, Maria Cristina Leandro Ferreira (orgs.). Sao Carlos : Claraluz, 2007. 304 p21 om. ISBN 978-85-88638-30-3 1 Anélise do discurso ~ Brasil. I. Indursky, Freda, org. I, Ferreira, Maria Cristina Leandro, org. II. Titulo. Editora Claraluz Rua Rafael de Abreu Sampaio Vidal, 1217 ‘Sti Carlos SP 13560-390 Fone/Fax (16) 33748332 wonweditoraclaraluz.com.br Impresso no Brasil 2007 SUMARIO Apresentacao Introduea0 - © quadro atual da Anilise de Di 1B PARTEL A Anitise be Discurso (Franca BRASIL): PERCURSOS, SINGULARIDADES, REINVENCOES A.estranha meméria da Anilise do Discurso Jean-Jacques Courtine. 25 Anilise do diseurso (de Michel Pécheux) vs Anilise do inconsciente Miche! Plon. 33 ‘As mudangas discursivas no francés atual:pontos de vista da andlise de eda sociolingtistica Frangoise Gadet, iii sl A Anilise de Discurso em suas diferentes traligdes intelectuais: 0 Brasil Eni Orlandi. si 75 PARTE Micit PECHEUX # 4 ANALISE DO DiscuRSO (BRastt): MOLTIPLOS OULARES, NOVAS LETTURAS Ideologia- um conceito fundante na/da Anilise do Discurso - consideragbes a partir do texto, Observagdes para uma toria geral das ideologias de Thomas Herbert Marcia Dreseh. anni 91 ‘A semantica eo corte saussuriano: lingua, linguagem, discurso José Horta Nunes — 99 © “principio da dupla diferenga” nas préticas de leitura ea andlise automatica 1p diseurso: divisdes no e do trabalho intelectual Rosingela Morello... os 2 Este texto foi publicado em portugués com o titulo de Sé hé causa daquilo que falha ou o inverno politico francés: inicio de uma retifiagdo, como anexo da tradugdo brasileira do livro Les vérités de La Palice, publicado pela Ed, da UNICAMP sob o titulo Semintica e discurso; uma critica & afirmago do Sbvio desencadeou trés diferentes textos assinados por Claudia Castellanos Pfeiffer, Fernando Hartmann e Olimpia Maluf, que se encontram publicados neste mesmo livro, 3 Este texto todos os demais que estiverem sinalizados por um * foram reunidos «em iinico livro editado pela Ed. da UNICAMP, sob o titulo de Por uma andlise automética da andlise do Discurso 4 Este texto é igualmente diseutido por Michel Plon, no segundo capitulo, x ste texto encontra-se publicado no livro Gestos de leitua: da histéria no discurso INTRODUCAO. © quadro atual da anilise de discurso no Brasil Um breve preambulo Maria Cristina Leandro Ferreira 0 discurso foi sempre para Michel Pécheux 0 objeto de uma busea infinita que, sem cessar, como lembra Denise Maldidier, “Ihe escapa”. E no discurso, precisamente, que se concentram, se intrineam e se confundem, como um verdadeiro n6, as questdes relativas a lingua, a histéria e ao sujeito. E é também onde se cruzam as reflexdes de Pécheux sobre a historia das ciéncias, sobre a histéria dos homens, sua paixio pelas méquinas, entre outras tantas. O discurso constitui-se, assim, no verdadeiro ponto de partida de uma “aventura tebrica E todos nés que nos interessamos pelas questies discursivas que, por alguma razo, somos tocados por elas, somos instigados a nos aventurar por esse caminho, nunca plano, nem acabado, mas, ao contririo, sempre tortuoso e deslizante, um verdadeiro “processo sem inicio ne (parafiaseando Althusser, mais uma vez)? Michel Pécheux, como se sabe, dé inicio & Anilise do Dis Franga, como seu principal articulador, em fins da década de 60, época que coincide com o auge do estruturalismo, como paradigma de formatago «do mundo, das idgias e das coisas para toda uma geragao da intelectualidade francesa. No centro desse novo paradigma, situa-se 0 estruturalismo Tingiiistico 1 servir como norte ¢ inspiragio. Afinal, istica em seu papel de cigncia-piloto das ciéncias humanas tinha condigdes de fornecer aos aficcionados da nova corrente as ferramentas essenciais para anilise da ngua, enquanto estrutura formal, submetida ao rigor do método e aos ditames da ciéncia, tio valorizada na época ‘Ao longo do percurso triunfal dos estruturalistas, que marcou de forma indelével os anos 50 e 60, houve sempre uma constante: a deliberada exclusao do sujeito. Esse foi o prego a pagar pelos defensores do paradigma estrutural para a ruptura com a fenomenologia, o psicologismo ou a hermengutica. Importava normalizar 0 sujeito, j4 que era visto como 0 elemento suscetivel de perturbar a anélise do abjeto cientifieo, que deveria corresponder a uma lingua objetivada, padronizada. Esse era 0 panorama 4 existente na Franga até 1967, época em que o estruturalismo viveu seu apogeu, ainda que jé desse mostras de certas fissuras intemas. O movimento de maio de 68 e as novas interrogagdes que surgiram de sibito no mbito das cigncias humanas foram decisivos para subverter 0 paradigma entiio reinante, trazendo como conseqiiéncia o sujeito para 0 centro do novo cenirio, permitindo-Ihe, como afirma Frangois Dosse, em sua Historia do Estruturalismo (1993, p.65), “reaparecer pela janela , aps ter sido expulso pela porta” Do ponto de vista politico, a Andlise do Discurso (AD) nasce, assim, na perspectiva de uma intervengao, de uma ago transformadora, que visa combatero excessivo formalismo linguistico entao vigente, visto como uma nova facgao de tipo burgués. Ao lado dessa tendéncia revolucionatis a AD busca desautomatizar a relagio com a linguagem, donde sua relagao critica com a lingtistica. A rigor, o que @ AD faz de mais corrosivo é abrit tum campo de questées no interior da propria lingdistica, operando um mnsivel deslocamento de terreno na drea, sobretudo nos conceitos de ngua, historicidade e sujeito, deixados & margem pelas correntes em voga na época. ‘A Anilise de Discurso que tem como marco inaugural 0 ano de 1969, vom a publicagio de Michel Pécheux intitulada Andlise Automatica do Discurso(AAD), bem como o langamento da importante revista Langages, ‘organizada por Jean Dubois, vai busca desse sujeito, até entdo descartado. E vai encontri-lo, em parte, na psicandlise, apresentado como um sujeito descentrado, afetado pela ferida narcisica, distante do sujeito consciente, que se pensa livre e dono de si. A outra parte desse sujeito desejante, sujeito do inconsciente, a AD vai encontrar no materialismo histérico, na ideologia althusseriana, sujeito assujeitado, materialmente constituido pela linguagem e devidamente interpelado pela ideologia. A esse respeito, afirma Paul Henry 0 sujeito € sempre e, a0 mesmo tempo, sujeito da ideologia e sujito {do desejo inconseiente e isso tem a ver com 0 fato de nossos corpos serem atravessados pela linguagem antes de qualquer cogitagao (HENRY, 1992, p.188) ( sujeito do discurso vai, entdo, colocar-se estratégicae perigosamente entre o sujeito da ideologia (pela nogao de assujeitamento) ¢ 0 sujeito da psicanilise (pela nogio de inconsciente), ambos constituidos e revestidos materialmente pela linguagem. Como se vé, a Anilise do Discurso ao construir a categoria tedrica do sujeito 0 faz, desde o inicio, pautando-se por uma singularidade que a torna muito peculiar. O sujeito do discurso nio é apenas 0 sujeito ideolégico marxista-althusseriano, nem apenas 0 sujeito do inconsciente freudo-lacaniano; tampouco, é apropriado afirmar que esse sujeito seja uma mera adigdo entre essas partes. O que vai fazer a diferenga desse sujeito é o papel de intervencao da linguagem, na perspectiva de materialidade lingiistica e histérica que a AD the atribui, A Anélise do Discurso, sempre & bom frisar, soube dar um cariter revoluciondrio ao modo como abordou o papel da Finguagem; bem distante do aspecto meramente formal e categorizador a ela atribuido por uma visGo estruturalista mais redutora em sua origem. A linguagem pela ética discursiva ganha um trago fundacional na constituigiio do sujeito © do sentido € vai distinguir-se também da condig’o que the confere a psicandlise: fato de trabathar perigosamente na fronteira entre certas reas, no raro traz problemas de distorgdes e confusdes de toda ordem, ao provocar aproximagdes entre conceitos inconcilidveis, ja que produzidos sob enfoques epistemologicamente distintos. AAD caracteriza-se, como se vé, desde 0 seu in ‘ruptura 2 toda uma conjuntura politica e epistemoldgica e pela necessidade de articulagao a outras reas das ciéncias humanas. especialmente a Linguistica, © materialismo hist6rico e a psicandlise. Fica claro, desse modo, que a AD nao se quer, como afirma Robin (1985, p.86), “nem disciplina auténoma, nem disciplina auxiliar”. O que cla visa é tematizar 0 objeto discursivo como sendo um objeto-fronteira, que trabalha nos limites das grandes divisbes disciplinares, sendo constituido de uma materialidade lingiistica e de uma materialidade histérica, simultaneamente. A AD recorta, portanto, seu objeto tebrico (0 discurso), distinguindo-se da lingtifstica imanente, que se centra na lingua, nela e por ela mesma, e também das demais ciéncias humanas, que usam a lingua como instrumento para a explicago de textos. ‘Nem por isso, parece apropriado atribuir 4 Aniilise do Discurso uma designagdo de disciplina interdisciplinar, como alguns tedricos insistem em fazer. Fazer isso, seria cair na tentago de encaré-la como di de cariter meramente instrumental, sem especificidade prépr definitivamente ela nao é. Além do mais, essa é uma ética reducionista, que elide sua principal caracteristica de ser uma teoria critica da linguagem, ‘Orlandi(1996), aesse respeito, impute AAD a condigao de diseiplina de centremeio, uma vez que sua constituigao se dé as margens das chamadas cincias humanas, entre as quais ela opera um profundo deslocamento de io, por um vies de 16 terreno, Nesse sentido, & importante reiterar que 0s conceitos que 2 AD traz de outras areas de saber, como a psicanilise, o marxismo, a lingttistica 0 materialismo histérico, ao se integrarem ao corpo tedrico do discurso, deixam de ser aquelas nogdes com os sentidos estritos originais e se ajustam 4 especificidade e & ordem propria da rede discursiva © quadro teérico-epistemolégico da AD, como se viu, € complexo € .antém uma relago tensa entre as nogdes que o integram. A cadaatividade de anslise se poe em questo a natureza de certos conceitos e se redefinem seus limites. Isto no impede que a Andlise de Discurso se singularize enquanto forma de conhecimento sobre a linguagem se distinga das demais dreas por seu aparato teérico, seu método de andlise e sua praxis. Sendo assim, ela vai construir seu objeto tedrico € estabelecer seus procedimentos analiticos na interface com as demais areas vizinhas. De volta ao comeco De sua data fundacional (1969) até hoje, a Anilise de Discurso Francesa, de Michel Pécheux ¢ seus seguidores, jé completou 3 Isto é pouco para a consolidagao de qualquer area de conhecimento \eio". Como desaparecimento m natural esvaziamento do ppouco também para essa “disciplina de entre de seu principal pensador, em 1983, houve grupo de pesquisa, liderado por ele, a tal ponto que, hoje, na Fra se ouve mais falar em Pécheux. Seu nome, suas obras, sua inquietante reflexdo foram deixados de lado, até mesmo por aqueles que se dizem analistas de discurso’ na Franga. A morte do pai foi consumada. Apesar disso, ainda hoje se ouve falar muito o nome de Pécheux. Onde? Aqui entre nds, na América Latina, mas sobretudo no Brasil. Para aqueles que ji tiveram a oportunidade de percorrer os intrincados caminhos da and do discurso esti bem presente a marca que essa experiéncia deixa no modo de pensar as questBes relacionadas a linguagem, ao sujeito, ao ‘mundo. £ difiel ficar imune a esse caminhat Aqui no Brasil o grande tributo que se deve prestar pela consolidagio ¢ difusto da drea é a Eni Orlandi, que em seu trabalho como professora orientadora, pesquisadora e autora fez da anélise do discurso um lugar de referéncia consagrado no quadro académico institucional, As razdes que fizeram surgir a Andlise de Discurso na Franga, no final da década de 60, silo diferentes das razBes que a fizeram proliferar entre nés, no final da década de 70. Na Franga 0 quadro da conjuntura politica da época contrapunba a Andlise do Discurso 4 tendéncia dominante nas ciéneias sociais —0 conteudismo , a anise de conteiido — como também & entrada ‘com forga da corrente formalista-logicista, grapas ao prestigio, entre outros, de lingdistas como Chomsky. No Brasil, desde o inicio, 0 embate se deu com a Lingdistica, sendo a Andlise do Discurso acusada de no dar importincia a lingua, fixando-se exclusivamente no politico. Por essa trilha, surgem os epitetos de ‘anélise do discurso radical ou ortodoxa atribuidos & Andlise do Discurso concebida por Michel Pécheux. De inicio esse linha demarcatéria entre a Anilise do Discurso € Linguistica serviu como referéncia para distinguir a ‘andlise de discurso ” da ‘andlise de discurso americana’. Na primeira, se dava um nento teérico mais complexo, caracterizando a ruptura ¢ a crise coma lingtistica; na segunda, estava-se frente a uma ampliago do escopo, passando da frase ao texto, sem entrar em conflito te6rico com a diseiplina vizinha. Independente dessa relago com a Linglistica ser mais ou menos contfituosa, ficou cada vez mais claro, no decurso da teoria entre nds, que a Anilise do Discurso, nilo pretende ser uma “Lingiifstica Discursiva” abrigada, portanto, no mesmo guarda-chuva teérico. Ha pontos de conta, sim, hd compatibilidade em certos lugares, mas hi, sobretudo, diferengas. Talvez.seja 0 caso de aqui fazermos também uso da expresso “estranha familiaridade” para descrevermos a tensdo existente nesses limites. Tentando uma definigio porta ressaltar, dé fato, que a Andlise de Discurso nfo trabatha com a lingua da Lingtfstica, a lingua da transparéncia, da autonomia, da imanéncia, A lingua do analista de discurso é outra. E a lingua da ordem material, da opacidade, da possibilidade do equivoco como fato estruturante, da marca da historicidade inscrita na lingua. E a lingua da indefinicdo do direito e avesso, do dentro e fora, da presenca e auséncia, Por esses tragos que stio préprios da lingua e também dos principais conceitos da andlise do discurso, € que serve tao bem a figuragao da fita de moebius, como representacio topolégica do que se passa nos meandros da teoria do discurso, Surgida no campo da filosofia e das ciéncias humanas, a Anilise de Discurso trouxe sempre bem marcado o trago da ruptura, que tem a ver com sua entrada no quadro epistemolégico das « com a forma de intervengao politica que representou sua erieg0. Com 0 corte saussuriano de lingua/fala para lingua/discurso houve uma mudanga definitiva de terreno da lingua e de seu estatuto no viés discursivo. Assim se dew a ruptura com a linguistica, como ja havia se dado com as ¢ sociais, consideradas, entdo, ciéncias positivistas que tratavam a lingua e ‘5 sujeito enquanto nogdes estiveis, homogéneas, centradas. Pécheux, pelo que se sabe, foi um atento leitor de Saussure e disso dé comprovagao suficiente sua obra. “Uma leitura informads, inteli pessoal, que faz realmente operar as nodes saussurianas”, como testemunham seus colegas de entéio (GADET; HAK,1990.p.41). E bem conhecido dos analistas de discurso deslocamento operado na passagem do conceito saussuriano de fuungdo para funcionamento das linguas, ultrapassando, assim, os limites estritos do lingiifstico e permitindo a descri¢ao da materialidade especifica da lingua. Além disso, para a concepgao discursiva de lingua, a nogao de sistema foi decisiva, a0 contribuir para desvincular a reflexio sobre a linguagem das evidéncias empiricas e afasté-la da influéncia dominadora do sujeito psicolgico, Do mesmo modo que constituem uma ruptura, as fronteiras da Anélise do Discurso nao apontam para o fechamento, abrindo sempre um espago para a alteridade, para a diferenca, para 0 novo. As andlises no t8m a pretenstio de esgotar as possibilidades de interpretagdo, da mesma forma que 0s conceitos-chave da teoria esto sempre se movimentando, reordenando, reconfigurando, a cada andlise. E isso se deve & marca da incompletude. A incompletude caracteriza e distingue todo o dispositivo teérico do discurso e abre espago para a entrada em cena da nogdo da falta, que é motor do sujeito e é lugar do impossivel da lingua, lugar onde as palavras “faltam’ e, a0 faltarem, abrem brecha para produzir equivocos. 0 fato lingtistico do equivoco nao é algo casual, fortuito, acidental, mas onstitutivo da lingua, é inerente ao sistema. Isto significa que a lingua € um sistema passivel de falhas e por essas falhas, por essas brechas, os sentidos se permitem deslizar, ficar & deriva, O que distingue e identifica a Analise do Discurso &sua forma peculiar de trabalhar com a linguagem numa relagio estreita indissocivel con ideologia. Por aqui comega a confusio, 0 mal-estar, jé que a ideologia representa para muitos uma questio anacrénica, eivada de um rango marxista ultrapassado. A insisténcia em falar num ‘sujeito interpelado pela ideologia’, sujeito assujeitado & moda althusseriana, deixa a Andlise de Discurso Francesa de Michel Pécheux numa condiglo de isolamento entre as demais andlises de discurso, A nogo de assujeitamento se presta, Por vezes, a certas confusdes. Assujeitar-se & condigao indispensdvel para ser sujeito, Ser assujeitado significa antes de tudo ser algado a condigio de sujeito, capaz. de compreender, produzir ¢ interpretar sentidos. Na teoria do discurso, abandona-se a categoria do sujeito empirico, do individuo, etrabalha-se com um sujeito dividido, com uma categoria teérica construida para dar conta de um lugar a ser preenchido por diferentes posigdes-sujeito em determinadas condigdes circunscritas pelas formagdes snte 9 discursivas, Nem a hipertofia do sujeito cheio de vontades e intengdes, nem 0 total assujeitamento e a determinacdo de mao tnica. O sujeito assim como éafetado pela formagio diseursiva onde e inscreve, também aafeta «determina em seu dizer. Oefeito-sujeto seria oresultante desse processo de assujeitamento produzido pelo sujeito em sua movimentagdo dentro de uma formagio discursiva O real do sueito seria o inconsciente, aquilo que mais de perto diz do sujeito, 0 que he € proprio, O que o move seria o desejo, a busca da compleide, a tenativa incessante de fechar os furos em nossa esirutura psiguica, Esse inconsciente é o mesmo que aparece na lingua quando nea ropeyames, ao cometermes tpsos, tos flhos ou produzirmos chistes. O inconsciente, como diz Lacan, esta constituido pela linguagem. Mas 0 sujeito da andlise do discurso no & 56 odo inconsciente;é também, como vimos, 0 da idcologia, ambos sto revestidos pela linguagem e nela se materializam. Essa é uma particularidade que assegura ao campo discursivo tratar de uma dupla determinagio do sujeito ~ de ordem da interioridade (o inconsciente) da exterioridade (a ideologia), Essa relagdo conjuntiva entze desejoe poder & que tonta to especial e complexo esse campo tesico ‘A Anilise de Discurso, o constmir eas cbjetoe dicout trabalhi-los, segundo orientagdo de Pécheux, sob uma triplice tensdo, entre (1) a historicidade, (2) a interdiscursividade e (3) a sistemati da lingua. E isso ¢ 0 que melhor resumiria uma tentativa de defini, seu campo. O campo da Anilise do Discurso vai ser determinado, enl2o, predominantemente pelos “espagos discursivos das transformagdes do sentido”, escapando a qualquer norma estabelecida a priori, “de um trabalho do sentido sobre o sentido, tomados no relangar indefinido das interpretagaes” (PECHEUX,199, p51) 08, procura ‘A metéfora da rede J4 se tomou lugar comum usar a expressiio “tecido discursivo’ ou “tessitura’ para falar-se de discurso. f constante também referirem-se 0 ‘nbs, 0s fios que se cruzam, se rompem, abrem furos. Por que seré que essa preferéncia por uma metifora da rede serve tio bem a0 objeto discursive? enso que para responder a isso & preciso acionar a nogao de sistema, Uma rede, e pensemos numa rede mais simples, como a de pesca, & composta de fos, de nds e de furos. Os fios que se encontram e se sustentam nos nés so to relevantes para 0 processo de fazer sentido, como 0s furos, por onde @ falta, a falha se deixam escoar. Se nfo houvesse furos, 20 estatiamos confrontados com a completude do dizer, ndo havendo espago para novos ¢ outros sentidos se formarem. A rede, como um sistema, é um todo organizado, mas no fechado, porque tem 0s furos, © no estivel, porque os sentidos podem passar e chegar por essas brechas a cada momento, Diriamos, entio, que um discurso seria uma rede e como tal representaria 0 todo; s6 que esse todo comporta em si 0 nio-todo, esse ema abre lugar para o nio-sistémico, 0 ndo-tepresentével. Temos ai a nogtio de real da lingua, como o lugar do impossivel que se faz possivel pela lingua. © nao-sistematizado, 0 nao simbolizado, © impossivel d lingua, aquilo que falta e que resiste a ser representado. A lingua como o todo que comporta em si 0 ndo-todo. O sistema discursivo apresenta os tragos comuns atribuidos ao termo pelo estruturalismo, como organizacao, arranjo, solidariedade ¢ regularidade. E pertinente, por isso mesmo, lembrat a figura do jogo de xadrez associada & concepcao de sistema e de estrutura, onde uma pega do jogo s6 valcria integrada no conjunto das demais pegas. A nogo de valor saussuriano, como se vé, continua indispensivel e fundamental para se compreender o funcionamento desse outro sistema ~ o discursivo. Tal sistema traz, porém, algumas especificidades absolutamente singulares, que o distinguem sobremodo da acepy2u vortente © 0 situam como um novo Patamar nas pesquisas linglistcas. Tais particularidades fm a ver, sobretudo, com 0 ndo-fechamento de suas fronteiras © a nio- homogeneidade de seu territério. Sendo assim, diriamos que 0 fechamento se daria como um efeito ¢ a homogeneidade como uma ilusao. Disto decorrem implicagdes profundas para a significagao de outras nogées que circulam nesse espago discursive, como (1) a materialidade (com sua natureza no apenas lingQistica mas também hist6rica), (2) a estabilidade (que niio se encontra sempre logicamente estabilizada), (3) @ ordem (como a contrapartida histérico-semfintica densa da organizagio) © (4) 0 acontecimento (como a exterioridade que nao esti fora e que representa o lugar de ruptura com os sentidos estabelecidos). Poderiamos resumir, afirmando que o sistema discursivo oscila numa tensdo paradoxal entre a simetria ¢ 0 equivoco, 0 que faz da estrutura que Ihe é constitutiva um corpo atravessado de falhas, a exemplo da lingua. Por esse espago da nio-totalidade & que vo ocorrer as transgressies tanto a lingua, quanto ao discurso, ao sujeito e & hist6ria, Como ja vimos, as transgressées da lingua se dariam pelo equivoco, como pontos de deriva lugar do impossivel; as transgressGes do discurso se dariam pela ruptura dos sentidos sedimentados e a conseq{iente emergéncia de novos sentidos; as transgressies do sujeito se dariam pelo inconsciente e se manifestariam nna lingua, enguanto “tropegos” do sujeito; e as transgressbes da hist6ria, se dariam pela contradigdo. Tais desdobramentos tedricos $6 se tornam Possiveis, no entanto, ao considerarmos uma nova concepeo de estrutura, da maneira como a andlise do discurso de linha francesa/ brasileira trabalha. Esta nova concepeao eleva e desloca a nogio de estrutura a um novo paradigma no seio das ciéncias da linguagem, De volta ao comego ‘Quando nos propusemos tragar um breve quadro atual da andlise do discurso no Brasil, sabiamos que retomariamos quest8es jé bem conhecidas € discutidas no conjunto da teoria. As surpresas e diferengas encontradas no percurso se devem mais & formulagdo e ao enquadramento que tais quest®es aqui receberam. Hoje no Brasil a Anilise do Discurso se descolou da Lingiistica e ganhou maior entrada nas éreas-fronteiras das ciéneias humanas, como a Filosofia, a Sociologia e a Psicandlise. O “perigo” dessa maior guns de seus conceitos banalizados ¢ seu aparato teérico reduzido a ‘método de anilise do discurso’. Como se fosse possivel fragmentar dispositivo te6rico e analitico como entidades independentes © autdnomas. Na realidade, o que dai vigor e consisténcia as anilises feitas pelo viés discursivo & precisamente a indissociabilidade entre a teoria ¢ a pratica. Se de inicio a Andlise do Discurso era identificada quase exclusivamente (sempre em tom de critica pela lingtifstica) & anslise de discursos politicos, hoje essa situagao se alterou com a diversidade do leque de materiais que so objeto de interesse dos analistas de discurso brasileiros. Do campo verbal ao ndo-verbal, passando pelos temas sociais (imigrago, movimento sem terra, greves) e por diferentes tipos de discurso (religioso, juridico, cientifico, cotidiano), ou por questdes estritamente te6ricas (hiperlingua, autoria, sujeito do discurso, equivocidade da lingua), a Anilise do Discurso no Brasil ou Escola Brasileira de Andlise de Discurso *, amadureceu, se consolidou ¢ garantiu seu lugar no ambito dos estudos da linguagem realizados pelas ciéncias humanas. Da matriz francesa, ficou o legado de Michel Pécheux, - “a relagio de que ganhou no Brasil desdobramentos e deslocamentos importantes ¢ decisivos para a manutengao ainda hoje desse campo teérico o que desfruta entre nés. Com este livro, que reine uma parte da reflexio produzida a partir da obra de Miche! Pécheux por analistas de discurso brasileiros, pretendemos 21 22 contribuir para consolidar ¢ divulgar a forga, a contundéncia € a surpreendente contemporaneidade do pensamento ¢ da teoria formulada por Michel Pécheux. Referén: Bibliogrdficas ALTHUSSER, L. Observagio sobre uma categoria: proces fim(s). Posigdes 1. Rio de Janeiro: Graal, 1978 10 sem sujeito nem DOSSE.F. Historia do estruturalismo, Sao Paulo: Ensaio; Campinas: Ed.da Unieamp, 1993. 2 vis. FERREIRA, M.C. L. Analise de Discurso e Psicanalise: uma estranha intimidade, Correio da APPOA. 1.131, p. 37-51, Porto Alegre, dez.2004, GADET, F; HAK, T. Pot dda Unicamp, 1990. .a anilise automética do discurso. Campinas: Ed HENRY, P. A ferramenta imperfeita, Campinas: Edda Unicamp, 1992 MALDIDIER, D. A inguietagao d Campinas: Pontes, 2003 iscurso - (re)ler Michel Pécheux: hoje. ORLANDI, E. Interpretagio: autoria, letura ¢ efeitos do trabalho simbélico, Petropolis: Vozes, 1996. __.A AD e seus entremeios: notas a sua historia no Brasil. Cadernos de Estudos Lingtistices (42). Campinas: Unicamp, p. 21-40, jan-jun, 2002, PECHEUXM. iseurso: estrutura ou acontecimento, Cafnpinas: Pontes, 1990. ROBIN, R. Hist € Lingiiistica, S20 Paulo: Cultirx, 1997 Ne 1 CF. Maldidier (2003. p.15). 2 CF artign de Althusser (1978, p.66-71) 3.CF artigo publicado no Correio da APPOA, 0.131, dez.2004, in curso € Psicanlise: ums estranka intimidade, de autoria de Mar Ferreira CF. Orlandi (2002, lado Andlise de ‘Cristina Leandro p30). Parte I A ANALISE DE Discurso (FRANCA E BRASIL): Prrcursos, Sin LARIDADES, REINVENCOES

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