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Dayenne de Souza Bassut Pereira

Jeniffer de Souza Melo


Márcia Rachel Reis Dias Farias
Patrícia Gonçalves Duarte
Paula Myrrha Ferreira
Sarah Beatriz Nogueira Rocha

TURMA GH1

POLÍTICAS PÚBLICAS

ADE 048 - POLÍTICAS PÚBLICAS, MOVIMENTOS SOCIAIS E CIDADANIA

Terceiro trabalho escrito apresentado à disciplina


Políticas pú blicas, Movimentos Sociais e Cidadania
(ADE048), do Curso de Pedagogia da Faculdade de
Educaçã o da Universidade Federal de Minas Gerais.

Orientador: Prof. Dr. Rogério Cunha de Campos

Belo Horizonte
1º/2015
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 3
1. POLITICAS PÚBLICAS: ALGUMAS DEFINIÇÕES...............................................................4
2. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E POLÍTICAS PÚBLICAS............................................6
3. LEIS DISPONÍVEIS REFERENTES AO ABORTO................................................................8
4. CIDADANIA E DIREITOS INDIVIDUAIS (Mulheres na Luta pela Diferença).......18
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................... 21
REFERÊNCIAS................................................................................................................................. 22
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INTRODUÇÃO

O trabalho que será apresentado a seguir tem como objetivo principal


apresentar alguns conceitos de Políticas Pú blicas e as principais políticas pú blicas que já
estã o em prá ticas no Brasil, assim como alguns projetos de lei ainda em votaçã o,
referentes à s prá ticas de aborto no país.
Acreditamos que o assunto é de extrema importâ ncia para pedagogos e
pedagogas em formaçã o, uma vez que é necessá ria a nossa compreensã o de que as
políticas pú blicas sã o instrumentos educativos, que visam a organizaçã o social. Elas se
dã o de maneira distinta dentro de diferentes formas de organizaçã o social e cultural das
sociedades democrá ticas.

As políticas sociais – e a educaçã o – se situam no interior de um tipo particular de


Estado. São formas de interferência do Estado, visando a manutenção das relaçõ es
sociais de determinada formaçã o social.
Portanto, assumem “feiçõ es” diferentes em diferentes sociedades e diferentes
concepçõ es de Estado. É impossível pensar Estado fora de um projeto político e de uma
teoria social para a sociedade como um todo. (HÖ FLING, 2001, p. 31-32)

Tendo isso em vista, entendemos que uma dimensã o importante das políticas
pú blicas que deve ser colocada em prá tica é aquela que se refere à s minorias, à s vozes
silenciadas em nosso país. As políticas pú blicas devem ser construídas
democraticamente e atender à s diversas demandas sociais, inclusive à quelas reclamadas
por segmentos que buscam visibilidade e o cumprimento de seus direitos. A luta das
mulheres pela legalizaçã o do aborto encaixa-se nessa dimensã o.
Entendemos as políticas pú blicas referentes ao aborto como formas do Estado
de responder à s reivindicaçõ es das mulheres em sua luta no campo da diferença, que
será melhor explicada no desenvolvimento do texto.
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1. POLITICAS PÚBLICAS: ALGUMAS DEFINIÇÕES

Com a expansã o da democracia, houve muitas mudanças com relaçã o à s


responsabilidades do Estado perante a sociedade, que durante alguns séculos suas
principais funçõ es eram a segurança pú blica e a defesa em caso de embate externo.
Atualmente, pode-se dizer que a sua principal funçã o é proporcionar o bem-estar à
mesma. Para isso, o Estado necessita desenvolver diversas açõ es e atuar em diferentes
campos, como educaçã o, saú de, segurança, meios de transporte pú blico, meio ambiente
etc. Para alcançar êxito nessas açõ es e nesses campos, o governo se utiliza das Políticas
Pú blicas.

Conforme afirma Hö fling (2011), Políticas pú blicas sã o aqui entendidas como o


“Estado em açã o” (Gobert, Muller, 1987); é o Estado implantando um projeto de
governo, através de programas, de açõ es voltadas para setores específicos da sociedade.
As Políticas Pú blicas sã o um conjunto de decisõ es, planos, metas e açõ es governamentais
(seja a nível nacional, estadual ou municipal) voltados para a resoluçã o de problemas
de interesse pú blico – que podem ser específicos, como a construçã o de uma ponte ou
gerais, como melhores condiçõ es na saú de pú blica. Através de grupos organizados a
sociedade faz seu apelo aos seus representantes - vereadores, deputados e senadores,
membros do poder legislativo, e estes mobilizam os componentes do poder executivo -
prefeitos, governadores e até mesmo o Presidente da Repú blica, para que atendam as
solicitaçõ es da populaçã o.

Estado nã o pode ser reduzido à burocracia pú blica, aos organismos estatais que
conceberiam e implementariam as políticas pú blicas. As políticas pú blicas sã o aqui
compreendidas como as de responsabilidade do Estado – quanto à implementaçã o e
manutençã o a partir de um processo de tomada de decisõ es que envolve ó rgã os pú blicos
e diferentes organismos e agentes da sociedade relacionados à política implementada.
Neste sentido, políticas pú blicas nã o podem ser reduzidas a iniciativas de políticas
estatais.
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1.1 Políticas Pú blicas e Atores Sociais

Sã o chamados de atores políticos ou atores sociais os membros dos grupos que


integram o sistema político. Em todo o procedimento das políticas pú blicas, desde o
questionamento até a execuçã o, há basicamente dois tipos de atores: os
estatais ou pú blicos – provenientes do Governo ou do Estado, aqueles que exercem
funçõ es pú blicas e mobilizam os recursos associados a estas funçõ es, ou seja, os
políticos, eleitos pela populaçã o para um determinado período, e os servidores pú blicos,
que atuam no segmento burocrá tico; e os privados – provenientes da sociedade civil,
compostos por sindicatos dos trabalhadores, empresá rios, grupos de pressã o, centros de
pesquisa, imprensa, associaçõ es da Sociedade Civil Organizada (SCO), entre outras
entidades.

Os políticos sã o escolhidos pela sociedade com base em suas concepçõ es e


propostas durante o período eleitoral e, quando eleitos, buscam executá -las. Os
servidores pú blicos, componentes da burocracia, controlam recursos e informaçã o e
operam no processo de efetivaçã o das políticas pú blicas definidas. A princípio, a
burocracia é neutra, mas por muitas vezes este princípio é corrompido por interesses
pessoais, o que implica na cooperaçã o ou impedimento das açõ es governamentais. Além
disso, os burocratas também possuem projetos políticos, sejam eles pessoais ou
organizacionais; por isso é comum ver disputas nã o somente entre políticos e
burocratas, mas também entre burocratas de diversos setores governamentais.
Os atores privados sã o aqueles que nã o possuem vínculo direto com a
administraçã o do Estado. Dentre os principais grupos, encontram-se:
 Trabalhadores - atuam em sindicatos, geralmente ligados a partidos e ONGs;
 Empresá rios - grupo que exerce uma enorme capacidade de influir nas políticas
pú blicas, pois afetam a economia do país. Podem se manifestar como atores
coletivos ou isolados;
 Grupos de interesse e Grupos de pressã o - grupos de interesse sã o pessoas que
compartilham o mesmo desejo e trabalham para conquistar seus objetivos. Já os
grupos de pressã o, sã o formados por pessoas que possuem o objetivo de
influenciar determinada decisã o de cará ter pú blico;
 Organizaçõ es de Pesquisa – Podem ser formadas por universidades ou
organizaçõ es especializadas em pesquisas relacionadas à s políticas pú blicas. Com
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essas pesquisas, eles propõ em soluçõ es prá ticas para problemas sociais e assim,
podem influenciar no processo de políticas pú blicas.

2. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E POLÍTICAS PÚBLICAS

Sabemos que a violência contra mulheres e meninas vem ocorrendo a muitos


anos em nossa sociedade seja nacional ou internacionalmente. Caracterizada por
estupro, agressã o e morte, a violência é mais recorrente em países em que há o
predomínio do machismo, do que nos países onde as questõ es de gênero sã o igualitá rias.
Nã o tendo muito a ver com as condiçõ es financeiras e sociais, a violência está muitas
vezes presente nas famílias; por pais, companheiros, maridos, irmã os, sogros, e por ex-
companheiros, sendo que nas classes populares e classes médias é mais freqü ente.

No Brasil, antes do período Republicano, era comum mulheres serem


assassinadas sob o pretexto de adultério, que era uma das justificativas do có digo
criminal de 1830 que dava o direito aos homens de matar suas esposas, ressalva-se
apenas o adultério dos homens que nã o era considerado crime. Já em 1916 o adultério
passou a ser considerado crime para ambos.

Do século XIX até depois da Primeira Guerra Mundial quando a urbanizaçã o e a


indú stria ganharam força, as mulheres evoluíram em seu sentido de independência,
passando a trabalhar fora de casa, estudar, lutar por suas conquistas, deixando entã o sua
dependência econô mica e social de lado, reconhecendo seu papel de direito na
sociedade. Através das influências internacionais, a discussã o sobre o sentido do
casamento trouxe para as mulheres a açã o de revidar e denunciar as situaçõ es de
violência realizadas contra elas, já que seus companheiros cometiam atos infiéis.

Entre essas revidaçõ es, a brutalidade e assassinato de seus maridos era algo
apontado. O que era recebido na sociedade como crise na família e no casamento,
responsabilizados pelo trabalho e independência das mulheres. Na década de 1920 e 30,
a açã o das mulheres e promotores no sentido de investigar os assassinatos de homens
para com elas concluiu que é gravíssima esta situaçã o.
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2.1 Quem ama não mata

Na década de 1970 um movimento ganhou força na luta em defesa da vida. Com


o assassinato de uma mulher, por um homem; seu companheiro. Apó s o rompimento de
um relacionando muito difícil, a mulher expulsa o homem de casa, ele por sua vez, figura
sua saída, e volta para matar a vítima a tiros.

No tribunal o réu alega que a companheira desfez dele, abriu mã o de seu amor, e
por amor ele a matou. Já a mulher alegava que o homem era possessivo, ciumento e
agressivo. No tribunal o jurista apresenta formas de se defender um assassino, somando
elementos suficientes que provem a idoneidade do réu. Apresentando argumentos
favorá veis ao réu, os advogados foram em busca de qualidades do mesmo, e fatores que
justificariam o crime cometido, como a suposta culpa da vítima, que nã o zelava pelo
companheiro e pela família.

A promotoria julgando o réu, e os advogados tentando provar o contrá rio; que o


réu tinha motivos suficientes para matar a mulher. Através de sentimentos, emoçã o,
rejeiçã o, paixã o o defensor faz de tudo para inocentar o réu, deixando de lado os
conhecimentos sobre direitos humanos das mulheres. Ao longo das décadas de 60 e 70,
mulheres feministas juntaram-se a militantes que eram contra a ditadura militar,
intelectuais, sindicalistas e trabalhadoras, sob uma visã o de igualdade e democracia,
foram à luta, por melhores condiçõ es de vida, de igualdade de direitos entre homens e
mulheres.

Pelo Brasil a luta só aumentava, com a ajuda de voluntá rios, os maus tratos e
violência contra a mulher em todos os sentidos foram sendo enfrentados. Em 1983 foi
criado o Conselho Estadual de Condiçã o Feminina em SP, em 85 a primeira delegacia de
Defesa da Mulher que era dirigida muitas vezes por mulheres que foram criadas em uma
cultura machista, daí a necessidade de uma formaçã o destes profissionais de forma
consciente.

2.2 Os Direitos Humanos e Homicídio de Mulheres


Em 1995 iniciou-se uma pesquisa para verificar como os crimes contra a mulher
eram tratados pela mídia, pelas delegacias de polícia de SP e nos processos judiciais. Foi
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notado que a mídia tem um papel contraditó rio ao apresentar o crime de morte da
mulher seguido de uma justificativa, ou seja, matar a companheira é um crime, mas
havia motivos. Geralmente ocorre também a dramatizaçã o que é constituída por uma
reconstruçã o do crime, para figurar a cena do ocorrido.

Mulheres jovens, solteiras, adultério, depressã o pó s-parto, vingança à traiçã o,


dificuldades financeiras, abandono, drogas; violência urbana. Sã o alguns dos fatores
citados como causadores das mortes, tanto de mulheres como de homens. Das pesquisas
relacionadas aos Boletins de ocorrência notaram-se o grande descaso na revelaçã o do
sexo das vítimas, apesar disso, concluiu-se que mais mulheres do que homens morriam
por crimes cometidos na maioria das vezes por homens, companheiros, maridos, ex-
companheiros, pais. As formas eram das mais diversas; tiros, faca, á cido, fogo, madeira,
com as pró prias mã os, entre outras formas. Já dos casos levados ao Tribunal pelo menos
50% foram arquivados por falta de identificaçã o dos criminosos, 24% estã o suspensos
pelo réu estar foragido, dos demais três foram absolvidos e dois tinham provas
insuficientes, apenas 14% foram condenados. A morosidade da justiça é um grande fator
de insucesso nos julgamentos e condenaçõ es, fazendo com que os réus fiquem impunes.

3. LEIS DISPONÍVEIS REFERENTES AO ABORTO

As normas legais que sã o referências para o debate sobre o aborto no Brasil na


atualidade, foram formuladas nos anos de 1940, durante o período ditatorial do Estado
Novo. Nesta época a divulgaçã o e a prá tica do aborto eram punidas por diferentes
instrumentos legais, sendo o principal deles o Có digo Penal, que ainda hoje considera o
aborto um crime (ROCHA e ANDALAFT NETO, 2003).
Nesse Có digo, no capítulo intitulado "Dos Crimes contra a Vida", estã o previstos como
crime o aborto:

provocado pela gestante ou com seu consentimento.

Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.


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O art. 124 tipifica o crime de auto-aborto (quando a pró pria gestante pratica a conduta)
e o aborto consentido. (quando a gestante consente validamente para que terceiro
pratique a conduta).

Importante: Em consonâ ncia com o princípio da culpabilidade e da


individualizaçã o da pena, previstos na CF/88, o terceiro que pratica o aborto com o
consentimento da gestante responde nos termos do art. 126 CP, uma vez que, a pena,
prevista para esta conduta (1 a 4 anos) é diferente da pena prevista para a gestante (1
a 3 anos).

O sujeito passivo, ou seja, a vítima é o feto, em qualquer fase de


desenvolvimento intrauterino. E o sujeito passivo secundá rio é o Estado que tem o dever
de proteger o direito à vida. 

Pode ser utilizado qualquer meio capaz de interromper a gravidez, seja


mecâ nico, orgâ nico, tó xico etc.

Importante: deve ser provado o estado fisioló gico de gravidez através de


perícia para provar que o aborto existiu. Também é importante ressaltar que nã o se
admite o aborto culposo.

A competência para julgar os crimes dolosos contra a vida é do Tribunal do


Jú ri.

Aborto provocado por terceiro

Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos.

O art. 125 tipifica o crime de aborto provocado por terceiro sem o


consentimento da gestante.

O sujeito passivo, ou seja, a vítima é o feto, em qualquer fase de


desenvolvimento intrauterino. E o sujeito passivo secundário é o Estado que tem o dever de
proteger o direito à vida. 

Esse crime se classifica como crime material, ou seja, aquele que tem resultado
naturalístico (com modificação do mundo exterior). A consumação ocorre com a morte do
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feto, seja dentro do ventre, seja pela sua expulsão pré-matura. Admite-se a tentativa,
quando a morte não ocorre por circunstâncias alheias à vontade do agente.

A competência para julgar os crimes dolosos contra a vida é do Tribunal do Júri.

Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Parágrafo único - Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é


maior de 14 (quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o
consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.

O art. 126 tipifica o crime de aborto provocado por terceiro com o


consentimento da gestante.  A gestante responde pelo tipo previsto no art. 124 e o terceiro
por este tipo penal.

 No parágrafo único o legislador define os parâmetros de validade do


consentimento da gestante, deixando claro que menores de 14 anos não têm capacidade
para consentir no aborto, bem como gestante alienada ou débil mental. Também não será
válida qualquer forma de consentimento viciado. Dessa forma, aplica-se a norma prevista no
artigo 125, do CPB, nessas hipóteses.

Forma qualificada

Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas
de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para
provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são
duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

A pena do terceiro que provocou o aborto com ou sem o consentimento da


gestante, será aumentada de 1/3 se, em decorrência do aborto, a gestante sofrer lesã o
corporal de natureza grave, mesmo que tenha consentido no crime. Ainda, a pena será
duplicada se da conduta resultar a morte da gestante.

Exemplos:
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1: A gestante consentiu validamente, e morreu, o terceiro responde nas


penas do art. 126 duplicada;

2: A gestante nã o consentiu ou tinha consentimento viciado, ou era menor


de 14 anos; ou era mentalmente inimputá vel: o terceiro responde nas penas do art. 125
duplicada.

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro (Aborto humanitário)

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento


da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

O art. 128 define as hipó teses de aborto legal, ou seja, aquele que poderá ser
praticado por médico, auxiliado por sua equipe médica. Portanto, a enfermeira também
nã o será punida, visto que a norma penal é extensiva a ela neste caso.

 O aborto necessá rio, previsto no inciso I, é aquele que a gestante corre risco
de morte atual, nã o necessitando de ordem judicial, mas o médico deverá relatar o
ocorrido e enviar ao CFM.

Nã o há previsã o legal para o aborto eugênico (má -formaçã o do feto que


inviabiliza a vida extrauteriana), hipó teses de discussã o ainda no STF.

Já o aborto humanitá rio, previsto no inciso II, também nã o precisa de


autorizaçã o judicial, bastando apenas que a gestante comprove ao médico que a
gravidez é proveniente de estupro.

O consentimento será vá lido quando for prévio; se a gestante for  incapaz, o


consentimento do seu representante legal é fundamental para a prá tica da conduta.

 Admite-se por analogia “bonam partem” (em favor da gestante e do


médico) que o aborto possa ser realizado quando a gestante foi vítima de atentado
violento ao pudor (quando nã o ocorre a introduçã o do pênis na vagina, mas outros atos
capazes de gerarem a gravidez).
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 Porém, apesar disso, O PROJETO DE LEI Nº 478/2007, de autoria de Luiz


Bassuma (PT/BA e Miguel Martini PHS/MG aprovado pela Comissã o de Finanças e
Tributaçã o da Câ mara dos Deputados, pode dificultar a possibilidade de aborto em casos
de estupro. O substitutivo ao Projeto de Lei (PL) 478/2007 que estabelece o Estatuto do
Nascituro e prevê, entre outros pontos, o direito ao pagamento de pensã o alimentícia,
equivalente a um salá rio mínimo, à s crianças concebidas de violência sexual.

Os deputados do PT na comissã o chamaram a iniciativa de "bolsa estupro" e


disseram que a proposta fere a Lei de Responsabilidade Fiscal, ao nã o prever o impacto
financeiro. Eles ainda discordaram do mérito, sob argumento de que a proposta
representa diminuiçã o dos direitos das mulheres.

O Artigo 12 do projeto estabelece que é vedado ao Estado e aos particulares


causar qualquer dano ao nascituro em razã o de um ato delituoso cometido por algum
dos genitores. Também prevê que, se for identificado o genitor, ele será obrigado a pagar
pensã o alimentícia. Caso isso nã o ocorra, nem a mã e tenha condiçõ es financeiras para
sustentar a criança, caberá ao Estado o pagamento.

A proposta segue agora para aná lise da Comissã o de Constituiçã o e Justiça e


de Cidadania (CCJC).

Aborto na Legislação Trabalhista

A CLT (Consolidaçã o das Leis do Trabalho) determina que, em caso de aborto, a


mulher tem direito a duas semanas de repouso, recebendo seu salá rio normalmente
durante este período.

Da mesma forma, a mulher nã o perde o direito a férias caso tenha faltado por
motivo de aborto, pois essas faltas sã o justificadas.

Segundo ROCHA, Maria Isabel (2006) a discussã o sobre a questã o do aborto no


Brasil é feita a partir do recorte de dois momentos da histó ria política do país. O
primeiro abrange o amplo período de 1964 a 1979, passando pelos anos mais rigorosos
do regime até o começo da fase de abertura política. Quatro projetos de lei do Executivo
dessa época foram pioneiros: um deles em relaçã o à descriminalizaçã o do aborto e os
outros três acerca da ampliaçã o das possibilidades da prá tica do abortamento.
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No â mbito da sociedade civil, a discussã o sobre a questã o do aborto ainda era


restrita, nã o havendo segmentos da sociedade civil dedicados direta e/ou publicamente
a esse tema. As manifestaçõ es de integrantes da Igreja Cató lica em relaçã o ao aborto
eram mais defensivas do que propositivas. Por outro lado, a segunda onda do
movimento feminista, nascente em meados dos anos 70 no Brasil, nã o defendia ainda
propostas pú blicas em relaçã o à questã o do aborto, o que ocorreria somente a partir de
1980 (BARSTED, 1992).

O segundo momento, entre 1979 e 1985, corresponde ao período em que se


ampliou gradativamente a abertura política, culminando com o fim do Governo Militar e
o começo da transiçã o democrá tica, nã o houve nenhuma medida específica na esfera do
Executivo diretamente relacionada ao aborto. 

De acordo com MELO (2011) as mudanças tecidas com a implantaçã o do PAINS


se fortalecerã o com a Constituiçã o Federal de 1988 e a construçã o do SUS. A política de
saú de da mulher passa a tomar por base novos pressupostos, como a organizaçã o social
e as relaçõ es de gênero, homens e mulheres como sujeitos de suas decisõ es quanto à
vida reprodutiva e o planejamento familiar, além da responsabilidade do Estado em
prover recursos garantindo o acesso ao direito integral à saú de.

É na formulaçã o do Programa de Assistência Integral à Saú de da Mulher


(PAINS), pelo Ministério da Saú de, em 1983, que se vê algumas breves referências
acerca da questã o, encontradas no diagnó stico apresentado sobre a saú de da populaçã o
feminina no país, em que se constatava a falta de informaçõ es a respeito do tema, bem
como em seus objetivos programá ticos, na forma de "evitar o aborto provocado
mediante a prevençã o da gravidez indesejada". Embora na equipe formuladora desse
documento houvesse a participaçã o de feministas, que em outras circunstâ ncias
políticas priorizariam o assunto, sua elaboraçã o estava grandemente marcada pelo
debate sobre planejamento familiar/controle da natalidade no país.

Nesse período foram apresentadas pelo Executivo, sete propostas: cinco


voltadas diretamente para a questã o do aborto e duas nas quais o tema aparecia
vinculado a projetos de lei sobre anticoncepçã o, na mesma linha dos anteriormente
referidos. Nas propostas mais diretamente vinculadas à questã o do aborto e,
especificamente, sobre sua incriminaçã o, havia três projetos de lei: um propondo a
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descriminalizaçã o do aborto e dois propondo a ampliaçã o dos permissivos do artigo 128


desse có digo – já aparecendo em dois destes, mesmo que indiretamente, a influência do
movimento feminista no debate no Congresso Nacional.

Em 1983 houve um importante encontro de cunho nacional organizado no Rio


por um conjunto de entidades e grupos feministas, sobre saú de, sexualidade,
contracepçã o e aborto. Conforme o documento final desse encontro, o aborto era
considerado um direito e demandava informaçõ es para as mulheres e serviços pú blicos
para atendê-lo, já começava a falar sobre políticas pú blicas nessa á rea.

Entre 1985 a 1989, iniciou-se uma transformaçã o nas características do Estado


brasileiro e intensificou-se a atuaçã o da sociedade civil. Em relaçã o aos direitos das
mulheres, estes entraram na agenda política dos poderes Executivo e Legislativo e novos
direitos foram assegurados na Constituiçã o de 1988. Nesse contexto, o debate sobre
aborto começou a assumir uma nova dimensã o e, inclusive, a refletir enfrentamentos
mais acentuados entre as feministas e as entidades religiosas, sobretudo a hierarquia da
Igreja Cató lica.

Em 1985, as mulheres ampliaram sua luta para ocupar espaços políticos na


esfera do Executivo e, nesse cená rio, foi criado pelo governo federal pela lei 7.353, o
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM). Logo em seu início, esse exerceu um
importante papel mobilizador dos movimentos de mulheres, inclusive do movimento
feminista, em relaçã o à Assembleia Nacional Constituinte – durante sua preparaçã o, em
1986, e no processo constituinte, em 1987 e 1988.  Em tal processo foram também
incorporadas resoluçõ es da 1ª Conferência Nacional de Saú de e Direitos da Mulher,
chamada pelo Ministério da Saú de e realizada em 1986 (ROCHA, 1993). Nesse quadro,
destaca-se a Carta das Mulheres, documento dirigido aos constituintes, contendo
princípios e reivindicaçõ es, entre eles o direito à interrupçã o da gravidez (questã o
acordada no processo constituinte para nã o ser submetida à quela Assembleia). Nesta
carta, elaborada em defesa da saú de da mulher, no que se refere ao aborto, afirma-se
que:

 "O aborto voluntá rio deve ser considerado um problema da saú de


da mulher;
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 É preciso a imediata revogaçã o de todos os artigos do Có digo


Penal que definem o aborto como crime, considerando-se que a
Constituiçã o em vigor, em seu artigo 196, determina que a saú de é um
direito de todos e um dever do Estado;
 O aborto voluntá rio deve ser atendido pela rede pú blica de
serviços de saú de no â mbito federal, estadual e municipal;
 É urgente a elaboraçã o de um anteprojeto de lei contemplando os
seguintes princípios:
a) a mulher tem o direito de interromper a gravidez;
b) o Estado é responsá vel pela assistência integral à saú de da mulher na
rede pú blica, tendo em vista seu direito de conceber, evitar a concepçã o
e interromper a gravidez;
c) o dia 28 de setembro é o “Dia Nacional de Luta pela Descriminalizaçã o
do Aborto”.

As feministas preconizam que a proibiçã o do aborto interfere no exercício da


autonomia das mulheres e no pleno usufruto dos seus direitos humanos e reprodutivos.
É no contexto da luta por garantias de açõ es sanitá rias diferenciadas para mulheres que
vai se localizar a discussã o sobre aborto.

A Constituiçã o de 1988 abriu as portas para um conjunto de transformaçõ es a


serem realizadas a partir da atuaçã o do Executivo, do Legislativo e do Judiciá rio, e a
sociedade civil passou a ter importantes instrumentos de controle social. Parte da
discussã o que se desenvolveu, sobretudo a partir de 1993, teve como importante
referência a participaçã o do Brasil na Conferência Internacional de Populaçã o e
Desenvolvimento, realizada no Cairo, em 1994, e na Conferência Mundial sobre a
Mulher, realizada em Pequim, em 1995.  A iniciativa federal de 1998 com uma versã o
atualizada e ampliada em 2005 – teve repercussã o na ampliaçã o do nú mero de serviços
de saú de que atendem o aborto legal.

A atual Constituiçã o, claramente, assegura "o pró prio direito à vida", reiterando,
no bojo do artigo 5º que fala que:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,


garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
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inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à


propriedade, nos termos seguintes...”

Na IV Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada em 1999, propõ e-se


"o alargamento dos permissivos para a prá tica do aborto legal, em conformidade com os
compromissos assumidos pelo Estado brasileiro, no marco da plataforma de açã o de
Pequim".

A I Conferência Nacional de Políticas para Mulheres, organizada pela Secretaria


Especial respectiva e pelo CNDM, em 2004 tem em sua pauta a "Revisã o da legislaçã o
que trata da interrupçã o voluntá ria da gravidez". Essa decisã o implicava a criaçã o de
uma Comissã o Tripartite, formada por representantes do Executivo, do Legislativo e da
sociedade civil, para discutir, elaborar e encaminhar uma proposta de revisã o dessa
legislaçã o ao Congresso Nacional. E assim ocorreu: o anteprojeto, apresentado em fins
de 2005, criava uma lei autorizando o aborto até 12 semanas de gestaçã o e ampliando as
situaçõ es, em relaçã o à legislaçã o em vigor, em que o aborto seria permitido.

Logo apó s a Constituinte, foram apresentados seis projetos de lei, sendo a


maioria com o objetivo de ampliar os permissivos legais ou mesmo descriminalizar o
aborto. Nas duas legislaturas seguintes, entre os anos 90, mais 23 propostas foram
apresentadas, que de algum modo, era favorá vel à permissã o da prá tica do aborto.
Salienta-se que nenhuma proposta substantiva em relaçã o à discussã o do tema foi
aprovada.

No episó dio sobre a proposta de descriminalizaçã o e legalizaçã o do aborto


apresentada em 2005, vê-se diferentes visõ es de mundo, de relaçõ es de gênero, de
sexualidade e de reproduçã o, tanto do movimento feminista, quanto da Igreja cató lica.
Ambos os atores têm angariado apoio e constituído parcerias. Em se tratando do
movimento feminista, com outros segmentos do movimento de mulheres e com a
Federaçã o Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia; no que se refere à
Igreja Cató lica, com outras religiõ es, sobretudo aquelas de denominaçã o evangélica.

Na XIII Conferência Nacional de Saú de, realizada em 2007, o ministro da saú de


José Gomes Temporã o defendeu a descriminalizaçã o do aborto mas proposta foi
rejeitada. A Ministra Nilcéia Freire apresentou proposta semelhante à Comissã o de
17

Seguridade Social e Família da Câ mara como substitutiva da PL 1135/91, em 2005,


defendendo o aborto livre até 12 semanas de gestaçã o e revogando os artigos 124, 126,
127 e 128 do có digo penal, mas também nã o obteve êxito.

Segundo MARTINS (2003), do ponto de vista bioló gico, todos nó s temos, desde a
concepçã o, todas as características que ostentaremos até a morte e, no plano jurídico, a
vida é protegida desde a concepçã o pela Carta Magna brasileira. Por tais motivos,
qualquer lei ordiná ria que venha legislar sobre o aborto pretendendo torná -lo
admissível no Brasil, será manifestamente inconstitucional, podendo ser objeto de açã o
de controle concentrado de constitucionalidade junto à Suprema Corte, passível de ser
proposta por quaisquer das entidades legitimadas no art. 103 da lei maior brasileira –
controle este, entretanto, segundo a jurisprudência do Pretó rio Excelso, impossível de
ser exercido sobre o artigo 128 do Có digo Penal de 1940, pois sendo lei anterior à
Constituiçã o de 1988 e incompatível com ela, encontra-se, nesse aspecto, revogado.

A Articulaçã o de Mulheres Brasileiras – AMB – mobiliza-se para conter o avanço


de processos criminais contra mulheres que sã o denunciadas pela realizaçã o de abortos.
Entre julho e agosto de 2008, foi organizada a Frente Nacional contra a Criminalizaçã o
de Mulheres e pela Legalizaçã o do Aborto. A frente reuniu-se em Assembleia em
dezembro de 2009 e mantem-se atenta a pressõ es dos segmentos contrá rios e
retrocessos da Legislaçã o na América Latina.

A discussã o sobre o aborto leva a tensionamentos nos diversos espaços em que


é travada, até mesmo a discussã o sobre o Aborto Legal porque no Brasil o aborto é
tipificado como crime e permitido apenas para salvar a vida da gestante ou em caso de
gravidez resultante de estupro.

Segundo MELO (2011) propor a discussã o do aborto como parte de uma agenda
mais ampla de saú de reprodutiva, contribui, na perspectiva feminista para orientar o
debate para além da criminalizaçã o: de caso de polícia, para uma questã o de saú de
pú blica. Ainda segundo MELO (2011), o exercício do controle social (sociedade civil) e o
monitoramento das açõ es (Movimento, Governo) sã o chaves para superaçã o da
distâ ncia entre o direito e o acesso aos direitos assegurados.
18

4. CIDADANIA E DIREITOS INDIVIDUAIS (Mulheres na Luta pela


Diferença)

A polêmica sobre o aborto pode revelar os limites entre a açã o do Estado e o


respeito dos direitos individuais, assim como o alcance do controle da sociedade sobre a
sexualidade e o corpo das mulheres, e sobre reproduçã o, e ainda os parâ metros culturais
que mutilam a democracia porque limitam a cidadania das mulheres.

Nã o há dú vida de que a demanda de livre acesso ao aborto constitui uma zona


conflituosa nas relaçõ es entre estado e condiçã o feminina porque questiona a pró pria
ideia de cidadania. Se o Estado lida com seres humanos genéricos, indivíduos neutros,
cidadã os assexuados, todos eles portadores descorporificados de direitos, e nã o com
"indivíduos humanos femininos" e "indivíduos humanos masculinos", de que maneira
chegar ao reconhecimento das mulheres de carne e osso como plenamente cidadã s? Em
outras palavras, se o acesso livre ao aborto for visto como um direito especificamente
originado pelo corpo que tem sexo feminino, o corpo reprodutor, ele parece ameaçar a
ordem jurídica e, consequentemente, a pró pria ordem social. De outra parte, se ele for
visto como o direito individual de cada mulher de decidir o encaminhamento de sua
vida, levanta-se a seguinte indagaçã o: será possível falar em direito individual quando se
trata da reproduçã o humana que envolve, direta ou indiretamente, uma mulher e um
homem, e também a sociedade? Algo pró prio, exclusivo, das mulheres? Possibilidade do
indivíduo feminino decidir e optar sobre a reproduçã o da sociedade e, portanto sobre a
sua permanência?

A cidadania é acima de tudo, uma instituiçã o em desenvolvimento permanente,


devendo seu aprofundamento distinguir os direitos oferecidos pelo Estado aos cidadã os
da pró pria concepçã o que tais cidadã os possuem de cidadania.

Porém, o modelo "clá ssico" de cidadania social, embora desejá vel, pode nã o ser
exatamente aquele que vem sendo gestado pelos movimentos sociais no Brasil, tendo
em vista, entre outros aspectos, o padrã o de carência e de desigualdade experimentado
pela populaçã o brasileira. A cidadania "regulada", na concepçã o de Santos (1979), nã o é,
portanto, apenas concepçã o e prá tica do aparelho estatal, mas também maneira de
percepçã o da clientela do mesmo.
19

A noçã o de cidadania pressupõ e conteú dos os mais diversificados,


já que as possibilidades de criaçã o de novas identidades e de novos
conteú dos sã o contínuas e os caminhos da assunçã o de direitos
podem variar em funçã o de diferentes razõ es e experiências,
resultando em vias mais conservadoras ou progressistas de açã o
reivindicativa, dependendo do caso. (SANTOS, 1979).

Vê-se, portanto, que a superaçã o da cidadania regulada — em outras palavras, a


instauraçã o da cidadania "plena" — é, acima de tudo, um processo histó rico de
conquista, no qual importa especial atençã o à s maneiras como a sociedade se organiza,
se mobiliza e representa a noçã o de cidadania. Na sociedade brasileira contemporâ nea
apresentam-se desarticulaçõ es e contradiçõ es nã o resolvidas a respeito das formas
como sã o direcionadas as demandas sociais, a oferta de políticas e serviços pelo Estado e
a percepçã o dos usuá rios quanto a estas políticas e serviços. O entendimento de tais
contradiçõ es remete a discussã o diretamente à noçã o de cidadania, seja aquela
realmente existente, seja aquela retida no territó rio das utopias da sociedade. Além do
mais, tal entendimento desarticula o paradoxo representado pelas políticas pú blicas, ao
mesmo tempo compensadoras e reprodutoras da desigualdade, incentivadoras e
controladoras da açã o política da sociedade.

O discurso polêmico sobre o aborto na sociedade brasileira contemporâ nea


indica que esta sociedade, que se manifesta através da opiniã o pú blica ou de pareceres
de suas instituiçõ es, tende a escolher soluçõ es pragmá ticas e que situaçõ es de crise
tendem a ser resolvidas sem envolver a responsabilizaçã o de indivíduos políticos
plenos. A instituiçã o da Justiça, a mais apropriada para instituir e respeitar os limites da
cidadania desfaz literalmente a possibilidade de individuaçã o política tanto das
mulheres como de outras minorias políticas. No plano individual, destacam-se anseios
de igualdade de direitos como de liberdade na direçã o de suas vidas e, ao mesmo tempo,
as dificuldades em conceber sua plena responsabilizaçã o social. Sã o dificuldades
culturais inerentes a uma sociedade hierarquizada na qual a responsabilidade nã o se
completa nunca porque há uma tendência permanente à descaracterizaçã o do cidadã o
que compõ e as minorias. Nesse sentido, "fazer valer" um direito individual, ter acesso a
possiblidade de expresso do íntimo, é o caminho da responsabilizaçã o e do consequente
20

empoderamento1 das mulheres sem o qual nã o farã o jus a uma cidadania de corpo
inteiro cuja prá tica venha, por sua vez, a transformar a atual ordem de gênero.

É importante salientar, que a exclusã o das mulheres, no tocante à cidadania, foi


construída histó rica e socialmente, residindo aí o grande desafio de toda a sociedade e,
principalmente, das mulheres, para superar esta realidade.

Os estudos feministas têm sua grande relevâ ncia, devido ao seu cará ter político,
os quais destacam o papel das mulheres na luta pela efetivaçã o de sua cidadania.

Segundo Soares (2003), a cidadania é um dos eixos de açã o e reflexã o do


movimento feminista e, ao mesmo tempo, uma das preocupaçõ es democrá ticas do fim
do século, nos níveis nacional e global. A cidadania constitui-se, ainda, em um pó lo
importante de articulaçã o da longa luta das mulheres pela igualdade, possibilitando
novos conteú dos democrá ticos, além de ser caracterizada em um eixo significativo, no
que se refere à constituiçã o de alianças entre os diversos grupos sociais, preocupados
em ampliar os limites das cidadanias restringidas, em virtude das mú ltiplas
discriminaçõ es.

É a partir do conceito de gênero, abordado pelo movimento feminista, que se


pode explicitar a contribuiçã o feminina na luta pela cidadania.

As mulheres, dependentes economicamente e que se dedicam de forma exclusiva


ou prioritá ria à família, têm seus direitos de cidadania, e sua pró pria cidadania política
restringidos, sendo necessá ria a capacidade e disponibilidade para o engajamento e
participaçã o a fim de romper com esse modelo de subordinaçã o de gênero.

Tal superaçã o pressupõ e a sua efetiva participaçã o como sujeito de sua histó ria,
que conforme Benevides (2000) aponta para a cidadania ativa, é fundamentada nos
pilares da democracia, que sã o a liberdade e a igualdade. Liberdade esta que recupera o
processo de garantia de direitos individuais e das liberdades pú blicas, e, a igualdade, no
sentido do reconhecimento da igualdade de todos os seres humanos, em relaçã o aos
direitos fundamentais para uma vida digna.

Assim sendo, a construçã o de políticas pú blicas, sob a perspectiva de gênero,


deve constituir-se em novas propostas, que vã o contra aos modelos de dominaçã o-
exploraçã o dos homens sobre as mulheres e que tais políticas possam abrir caminhos de
1
Empoderamento: Açã o coletiva desenvolvida pelos indivíduos quando participam de espaços
privilegiados de decisõ es, de consciência social dos direitos sociais. Essa consciência ultrapassa a tomada
de iniciativa individual de conhecimento e superaçã o de uma realidade em que se encontra.
21

participaçã o da mulher nos espaços pú blicos, nã o restringindo sua açã o na esfera


doméstica.
22

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A luta das mulheres no campo da diferença pelo atendimento aos seus direitos
específicos é uma luta recente, portanto ainda há muito a ser conquistado. No que diz
respeito à reivindicaçã o da legalizaçã o do aborto, algumas conquistas já podem ser
vistas, como a legalidade da realizaçã o deste em casos de estupro e de risco de vida para
a mã e; e a discussã o sobre o tema tem tomado dimensõ es cada vez maiores, o que pode
contribuir para que as mulheres ganhem cada vez mais visibilidade em termos
nacionais.

Porém, nã o devemos deixar de enfatizar que a lei do nosso país nã o permite o


aborto em inú meros outros casos. A luta pelo direito ao pró prio corpo ainda se faz
necessá ria pelas mulheres, de maneira organizada e bem pensada pelo movimento
feminista.

Até que ponto o Estado tem feito políticas pú blicas que realmente atendam aos
direitos das minorias? O que observamos é que muitas vezes esses direitos só sã o
atendidos quando os movimentos tomam proporçõ es que o pressionam a realiza-las.
Portanto, enquanto houver vozes silenciadas na luta das mulheres por seus direitos,
nada será feito para atendê-las. Enquanto isso, é necessá rio que suas vozes continuem a
gritar e ecoar por liberdade.
23

REFERÊNCIAS

I. BARSTED, Leila de Andrade Linhares - Legalização e discriminação, 10 anos de


luta feminista – 1992.

II. BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A Cidadania Ativa. Referendo,


Plebiscito e Iniciativa Popular. 3ª ed. Sã o Paulo: Editora Á tica, 1998.

III. BLAY, Eva Alterman. Violência contra a mulher e políticas públicas. Estudos
Avançados, Sã o Paulo , v. 17, n. 49, p. 87-98, Dezembro. 2003 . Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40142003000300006. Acesso em 2 de junho de 2015. (Indicaçã o do professor)

IV. FACULDADE JK ANHANGUERA EDUCACIONAL. Direito Penal II. Direito Penal.


2009. Disponível em:
<http://direitopenalanhanguera.blogspot.com.br/2009/05/aborto-artigos-124-
128-do-cpb.html>. Acesso em: 08 jun. 2015.

V. HÖ FLING. Eloisa de Mattos. Estado e políticas (públicas) sociais. Cadernos


Cedes, ano XXI, nº 55, novembro/2001

VI. MARTINS, Ives Gandra da Silva – Artigo: ABORTO, UMA QUESTÃO


CONSTITUCIONAL – 2003

VII. MELO, Delâ ine Cavalcante Santana – ABORTO LEGAL E POLÍTICAS PÚBLICAS
PARA MULHERES – Interseçõ es, Construçõ es, Limites, 2011.

VIII. ROCHA, Maria Isabel Baltar da - A discussão política sobre aborto no Brasil:
uma síntese - Revista brasileira estud. popul. vol.23 no.2 Sã o Paulo July/Dec.
2006
24

IX. SANTOS, Wanderley Guilherme dos, 1979. Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro:
Campus.

X. SOARES, Vera Lú cia Lemos. Projeto Vila-Bairro: Impacto nas Relaçõ es de Gênero.
In: Governo Local e Desigualdades de Gênero. Estudos apresentados pela
FGV-EASP, Hewllett, Fundação Ford e AGENDE. Sã o Paulo, 2002, p. 83-108.

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