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ARRUDA, Jobson José; TENGARRINHA, José Manuel. Historiografia luso-brasileira contemporanea, Bauru, SP: EDUSC, 1999. capitulo 3 A PRE-HISTORIA DA © PRODUCAO HISTORICA NO BRASIL (1838-1930) £ de certo modo consensual, entre os historia- dores brasileiros, especialmente para aqueles que se ocuparam das anitises historiogrAficas, que a funda- cdo do Instituto Histérico e Geogréfico Brastleiro, em 1838, marca.o nascimento da organizagdo sistemética da preservacao da meméria histérica no Brasil. A idéia de sua criagdo foi propagada pela Sociedade Auxilia- dora da Inddstria Nacional, oficialmente criada em 1827 por D. Jodo VI, mas somente efetivada no mes- mo ano de 1838', De certa forma, representava 0 co. roamento de um conjunto de instituigdes criadas nos anos anteriores, a comecar pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro em 1810, ¢ o Arquivo Nacional, previs- to na Constituigio de 1824, mas somente efetivado em 1838, o que torna este ano duplamente simbélico. O Arquivo Militar, criado em 1808, eo Arquivo His- t6rico do Ministério das Relages Exteriores, de 1828, so instituigées congéneres ¢ agregadoras no quadro das instituig6es preservadoras da meméria nacional. Saudada por Emile Coornaert como o verda- deiro:templo do passado, centro espiritual da nacio- 1 GUIMARAES, Manoel L.S. “Nagio ¢ civilizagéo Nos trépicos: o Instituto Histérico ¢ Geografico Bra- sileiro e 0 projeto de uma_histéria nacional”. In: Es tudos Histéricas, n” 1, Rio de Janeiro: Vértice, 988, p. 80. 33 nalidade brasileire, constituida como uma sociedade de escritores devotados a recuperagdo e preservasdo da meméria nacional, através do sistematico registro os grandes fats, das datas memoréveis e das acdes insignes dos grandes homens brasileiros’, o que sig- nifica dizer “os homens politicos”, uma vez que, re crutada a partir de relagies pessoais, mals do que pelos méritos intelectuais de seus membros, 0 Insti tuto lembrava mais uma sociedade da corte, do que ‘um corpo organizado de especialistas. Integrava 0 circulo ilustrado que militava no dmbito do poder politico, do Estado Imperial, responsével por 75% as verbas de manutengdo do Instituco que tinha como sécio distinguide 0 proprio Imperador que, durante quarenta anos, de 1849 a 1889, presidia participava das reuniGes’. Coligir, metodizar e gua dar documentos, registrar fatos ¢ nomes com a fina- Tidade dima de compor uma histéria nacional, de elaborar um discurso da histéria pétria, recriando tum pasado, por meio da solidificagao de mitos fun. dacionais', Tal procedimemto se explicita nos temas de eleigéo do Instituto: 0 Descobrimento e a Inde- pendéncia prioritamente; a Conjuraco Mineira e a ‘Abertura dos Portos, em segunda escala. Insustei- bes prenhes de uma conotacio mais popular, tals como a Conjurago dos Alfafates ou as Revoltas Re- genciais foram negligenciadas, Sobrelevem, portan- to, os temas da histérica politica, que leva a palma sobre a histérla religiose, social, militar e econémi- 2 COORNAERT, Emile pat, p. 4. 3 GUIMARAES, Manoel L. 8. op. typ. 9 4 SCRWARCZ, Lila Moritz. Os Guardies da Nowa Pisin Oficial. Go Paulo: IDBSP. 1989, p. 3. Série Hiatria das Cifneas Socisis, "9, 34 ca, como se pode depreender do quadro abalxo ex trafdo de Rollie E. Poppinio” Tpoderiatie [soe | wees | aoe ase Poltia | 47% | 4% | 10% raigon | am | 5% ox | scat ] asm | ame | aan | ss min | ox | om om | om reontmica | 7% | 7m | 2% | ow ‘A mudanga de énfase é significativa, A histéria politica e religiosa, hegemdnicas durante o Império, cedem lugar & histéria social, que ocupa o lugar da hisiéria politica, concenirando quase 50% da popula #0 no perfodo, enquanto a histéria militar ¢ econé- mica conservavam seus indices quase inalterados. Tém-se a sensagio de que a proclamacso da Republi- «a abrira as comportas para os temas socials, mantidos nas sombras durante o Impétio. Certamente, a ques- 10 social, especialmente a problemética da escravi- do, contribulu muitssimo para esse nubilamento. Li lia Schwarcz nota uma inflexdo a partir de 1880, alte rando-se o perfil patriotesco em favor de textos mais rellexivos sobre a condicio do pais, com uma énfase que resvala para o pessimismao, A iniluéncia das novas teorlas cientifcistas € evidente, especialmente do po- sitivismo, do darwinismo social, transparentes em ar- tigos de Euclydes da Cunha ou Silvio Romero, que en frentam a questo racial, discutem a mesticagem ‘como alternativa e remetem ao determinismo da na: tureza, fortemente influenciados pelo livro de Thomas 5 POPPINIO, Rolle E. “A Century of the Revista do Instituto Histrico e Geogrético Bresieiro. In: Hise. nic American Hiorical Review, 33,2, 1953. 35 Buckle, History of Civilization in England, muito acatado nos metos intelectuais da época? ‘A marcante concentracéo em histérla do Brasil Colénis € outra prova insofismével da naturcza da Produgio do Instituto. Nos 100 primeiros anos de sua cxisténcia, cerca de 60% dos titulos publicedos rete #am'se 20 periodo colonial. Perde apenas para 0s Do- cumentos HistSrieos da Biblioteca Nacional, que consa~ grou 100 de seus 108 primelzos volumes ao mesmo periodo. f sobre esse periodo que versa, substanc mente, o grande clissico produzido segundo os pard- metros do Instituto, a Histéria Geral do Brasil de Fran. cisco Adolfo de Varnhagen, cujo siltimo volume, pu- blicado em 1857, se interrompe em 1822. Se de certa forma o Instituto havia deslocado a producgo histérl- a do seu attelamento & historiogratia portuguesa em iiregéo a francesa, de quem a elite brasileira havia herdado 0 gosto pela historia, a obra de Vernhagem cra fruro da iniiuéncia da escola histérica alemd, das contribuigSes do naturalista Karl von Mertius © dos estudos hist6ricos de Heinrich Handelmann, Sem des- prezar os ensinamentos de Gulzot, a obra, é tributéria e Alexandre Herculano que exumou as fontes me- dievais portuguesas com o suporte de uma eritica in= ferna e externa severa dos documentos’. A obra de Varnhagem € considerada um mo- mento de erudigao. Bla se deve certamemte & sva ativi- dade de diplomata que ihe facultou compulsar ¢ coplar documentos brasieiros no exterior, eriando uma linha- gem de historiadores diplomatas como José Maria da Silva Paranhos ou Joaquim Nabuco seus continuadores YARCZ, Lia Mori. op cit, p. 30/31 128, 6s 7 MARTINIERE, Guy, op. 36 que culmina no engenhreiro de minas Joo Pandlé Ca- lgeras que, em trés volumes, analisou a politica exte- ror do Império, encontrando tempo ainda para a est dara legislagio sobre as minas e produair um utiisimo estudo sobre a politica monetétia no Brasil ‘Um passo decisive havia sido dado na constru Glo da histGria do Brasil. A pré-historia dessa trajets: ta historiogréfica havia-se cumprido. Esse grupo de historisdores eruditosiausodidatas, gestado nas ma- nas do Tostituto, construlu a ossatura basica em cor no da qual se daria continuidade & construcdo da his t6ria brasileira, pots demonstrar a existéncia do ira sil exigia 9 construgio de uma especttica formacao hist6rica. Comegaram do nada e tinham praticamen. te tudo a fazer, iniciando pela constitulgao dos arqui vos, suportes palpiveis da existéncla de ume nova nagdo, seguindo-se a demarcacio precisa que separa va 0s dois continentes historiogréficos, o portugués € co brasileiro. A modelagem nos referencials histéricos dda Franga ¢ da Inglaterre trouxeram uma nova iden: ificagéo, representando a superagio da idéla de inte- riotidade frente a Portugal, sem conseguls, entretan- to, a mesma superagio diance dos novos fcones his- totlogréficos. O encerramento dessa fase €0 inico de um nove perfodo néo se faz de modo abrupto. Ao mesmo tempo que se esgota o antigo modelo, uma nova linkage, gradativamente, quase insensivelmente, se pe. Antes ‘mesmo da abertura do que poderiames consi¢erar um novo paradigma nos anos 30, a obra de Capistrano de 'S CALOGERAS, Jodo Ponds, A Folica Exerior do Impérie, 3 vols. Rio de Janeiro, 1927-1928, sendo 0 tercelro volume publicado emSio Paulo, em 1933, Utllisimo € 0 seu estudo A Poitica Monedria do fre sil, Sho Paule: Cla. Bé. Nacional, 1960, (1" ed, 1910), 37 Abreu, morto en 1927, jé ensaiava crticas a esta pro: dugdo ‘istérica, mesmo que a ela rendesse homena- gens na forma da publicegio da 4* edigéo de Varnha- gem, (iniciativa de Rodolfo Garcia, prefaciador da mo- Bumental obra de Afonso Taunay, Histria Geral das Bandeiras Paulista)" A revisdo empreendida por Capis- trano se inicia com a publicagio de Caminkos Antigose 0 Povoamento do Brasil ¢ Capitulos de Histria Colonie buscam a expliciiagdo da originalidade da hist Brasil enquanto nagio, daf a énfase na diversidade re- sional, a civilizgio do couro, do agicar, do ouro, acompanhada de uma multidéo de atores até entio praticamente ausentes ou a quem se dera apenas 0 pa- pel de figurante andnimo, reforgando a idéia da nagéo ‘construida a partir de seu interior, do sertio, A inverséo realizada por Capistrano atinge o limite ao comegar sua bhstéria do Brasil, no com a chegada de Cabral, que so- mente aparece no tercelro capitulo, mas com um qua -9 humano ¢ ambiental que antecede @ chegada dos primelres vigiantes europeus. Um Brasll mais real, mais diverse, comega a surgir de suas paginas, na qual a ex periéncia de ter vivido a superagio da escravido e de propria Repiblica, permite-lie uma visdo mais aguca- da e critica que nao poupa D. Pedro, distingue as migra- Bes e as mudangas advindas da primeira fase da indus. tializacio. © Brasil, gradativamente, deixaria de ser ‘apenas uma histéria nacional, para se transformar em cultura, civilizagio. Rompendo os paradigmas erigitos por Varnha- {gem em sua Histria Geral do Brasil, alicergada nos pres- supostes da histéria diplomstica ¢ administrative, que inca, a consolidagio do pro- representa, er sltim in 9 TAUNAY, Afonso d'E, Hiséna Geral das Banderas Pauisas, 11 vols. Sé0 Paulo, 1924-1950. 38 jeto realizado pelo THGB, Capistrano de Abreu mobiliza a geografia, a etnografla, a historia econémica e social de ‘modo a delinear o grande quadro do passado histérico do Brasil, um quadro extremamente original por cen: rar-se na vide cotidiana dos homens comuns nas com piidades interioranas, nos ceminios. nas [ronteiras. N3o por acaso, o resultado é uma histéria sofrida, o espelho real de seus protagonistas, que se waduziram numa perspectiva pessimista do devir hist6rico, cujas inflvén: tas se estenderam de Paulo Prado a Caio Prado Jinlor" Suas conclusdes lasiteavam-se na pesquisa incessante de documentos inéditos, que traduziu, publicou, bus- cando incansavelmente a Identificagdo de seus autores, gerando estimulos multiplicedores no aff de preservar as fontes documeniais, por todos os melos posto a sua Aisposigio". Por tudo isto, Femando Novais coloca C2- pistrano de Abreu em hugar de honra no parti dos his- toriadores brasleiros, pols clareou 0 caminho para 0 nascimento da moderna historiogratie brasiletra, nos anos 30, 20 estabelecer um arco entre a produséo do IHGB ea geragdo lIderada por Sérgio Buarque de Holan- dae Caio Prado Jinior, ultrapassando os limites da mers narrativa em favor de uma histSria compreensiva”. 10 SCHWARTZ, Stuart, “A House Bullt on Sand: Ca pistrano de Abreu and The History of Brasil", In IABREU, Jodo Capistrano de. Chapters of Brel’ Colo nial History 1500-1800, New York/Oxford: Oxiord University Press, 1997 11 ARAWO, Ricardo Benvaquen ée. “Ronda Notur ‘na. Narrative, crftica e Yerdade em Capistrano de Abreu". In: Estudos Histren, n° 1, Rio de Janet: Vérice, 1988, p33 2 NOVAIS, Fernando, “Prefico”. In: ABREU, Joo Capistrano de, Chapters of Bran’ Colonia Hisry. op fit, p XIV. 39 A geragao que se encastelava em torno de Ca- pistrano de Abreu, e€ que figura no ro] de membros da associagdo fundada em sua homenagem, em 1927, retine nomes como os de Paulo Prado, Afranio Peixoto, Rodolfo Garcia, Pandid Caldgeras, Afonso de E. Taunay, Roquete Pinto, Tobias Monteiro, Eugé- nio de Castro, Theodoro Sampaio. Agrupamento in- signe de historiadores, etndgrafos, etnélogos, lin- guistas, ligados as novas InstituigGes surgidas na vi- ragem do século, a exemplo do Instituto Histérico de S40 Paulo, da Academia Brasileira de Letras e do Museu Paulista, administrado por Taunay de 1918 a 1946", Eram homens que exerciam elevadas fungdes politicas e administrativas, viviam de suas atividades financeiras ou dos rendimentos de suas propriedades rurais. Eram em sua quase totalidade erudidos e autodidatas, mas foram os reais fundadores da histo- riografia brasileira. fee 13 Cf. SCHWARCZ, Lilia Moritz, “O Nascimento dos Museus Brasileiros (1870-1910)". In: Historia das Cigncias Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Edigses Vér- tice, 1989, p. 72-111. 14 MARTINIERE, Guy, op. cit., p. 132. 40 A geragdo que se encastelaya em torno de Ca- pisirano de Abreu, e que figura.no rol de membros da_assoclagio fundada .em, sua’ hhomenagem,'em 1927, revine somes como os de Paulo Prado, Afranio Peixoto, Rodolfo Garcia,; Pandid-Caldgeras, Afonso de E. Taunay, Roquete Pinto, Toblas Monteiro, Eugé- nio de Castro, Theodoro Sampaio. Agrupamento in; signe de historiadores,: etndgratos,, etnélogos,. lin; ‘gulstas, ligados ds novas InstituigBes surgidas na viz agem do século, a exemplo do Instituto,Slistérieg de Slo Paulo, da Academia Brasileira de Letras ¢ do ‘Museu Paulista, administrado por Taunay de 1918 a 1946”, Eram homens que exerciam elevadas fungoes politieas ¢ administrativas, viviam de:suas atividades financeiras ou dos rendimentos de suas propriedades rrurais' Bram em sua quase totalldade crudidos ie ‘autodidatas, mas foram os reais fundadores da histo- ‘logealta brasileira. 13 Ch, SCHWARCZ, lla Moritz. 70, Nascimento dos Museus Brasleleog (1870-1910}*. "In: Hisria das Ciencias Soca no Bra, Rlo de Janeio; Haigdes Vér tee, 1989, pe TRAN. 14 MARTINIBRE, Guy, op. p. 1321, a4 capitulo 4 O NASCIMENTO DA MODERNA PRODUCAO HISTORICA NO BRASIL (1930-1970) 1922 € a segunda data emblemiética na trajet6- ria da produgdo da histéria no Brasil. Simbotiza a se- mana de arte moderna, a primeira revolta dos tenen- tes e a fundagdo do Partido Comunista no Brasil. In- dependentemente de seu significado histérico espe~ cilico, o impacto de seu acontecimento nio se faria esperar, desencadeando uma nova missdo para os in- telectuais brasileiros, que superavam a ctapa da construgdo da nagio e da afirmagio da indepen cia ou mesmo de sua diversidade regional, passando a assumir a bandeira da luta pela cultura e pela civi- lizagao’, Encerrada a fase dos historiadores eruditos/ autodidatas, era a vez dos profissionals do saber es- pecilico, pesquisadores e professores formados nos quadros universitérios. Convivem ainda, nesse pe- odo, pensadores do velho estilo, mas extremamen= te inventivos, alguns geniais mesmo, a0 lado da prl- ieira geracio dos formadores das primelras grandes universidades brasiieiras, a Universidade de S80 Pa lo, ctiada em 1934 a Universidade do Distrito Fed: ral ein 1935, transformada em Universidade do Bra sil, entre 1937 e 1939, Perlis de brasileiros, retratos do Brasil, come- saram a ser debuxados no final do século XIX. Das VPECAUT, Daniel, op ct. p17. 4i Intclativas de grandes eseritores, do porte de Eucti- des da Cunha, emergem os delineamentos do ho- mem do serio Oliveira Viana, Alcanjara Machado e, sobretudo, Paulo Prado, reforgama.os tragos ‘do perfil em formagio’, Reirato do Brasil ~ Ensaio Sobre 4 Tristeza Brasileira, paga tibuto a Capistrano de ‘Abreu, com quem Paulo da Silva Prado comesava a organizar a sérle de publicagdes que melhor permi- tissem conhecer o Brasil. A procura incessamte de uma identidade, leva-o a0 entrecruzamento dos ‘grupos Etnicos, ‘brancos, negros -e indios, tendo como resultante o que considera os males principais. 0s brasileiros: @ cobica desmevida pela riqueza: a sensualidade abrasadora ¢ luxuriante. Forgas motr 2es da tristeza infinda. No esbogo deste cardter, nao se distancia de Mério de Andrade na composicao de Macunaia ¢ abre caminho para a geracdo de 30, Gilberto Freyre, Sérglo Buarque de Holanda € Caio Prado Jnior’, trindade que responde por um sut- to renovador, originando obras de grande densida- 2 CUNHA, Fuclides da, Os Serde: edigo crc Panes | ¢2 "0 Women’, Walnice Nogucira Galv3o {0}, Ris de Jancno: Secretaria do Estado da Cults- ‘e-Eultora Brasilense, 1985, p. 141-178 3 VIANNA, Olivera. “O tipo braseroe seus elemen: {os ormadores. In: MADEIRA, Marcos lini apresen- ado, Evie nds, Campinss: litora da UNICAME, 1991, p. 156% MACHADO, alctara, Vide e Morte do IRendcitante,Inuroducio. de Sérgio Milt, Si0 Paulo: ‘Martins Fontes 1943: PRADO, Paul. “A Tisera™. feat do Bras Ein Sobre a Tia Basra So Pau lox Duprt-Mayenga, 1928, p. 107-551. Otava ediio ‘nga por Caries Augaso Cal, So Paulo; Compa thin das ets, 1997. 4 NOVAIS, mando, “Rates da ister", Joma de Re- Senay Fld a Pas, 1 de aio de 1997. n° 26. pe 42 de interpretativa que representam, até hoje, leitue ras indispenséveis para quem quiser' perceber 0 Brasil e Casa Grande & Senzala, publicado em'1933, era ‘0 resultado de alguns esbogos interpretativos elabo- rados hd pelo menos 10 anos antes. Abordagem re- novadora em todos of sentidos, apolava-se numa mescla heterogénea de referéncias intelectuals, com visivel ancoragem na sociologia ¢ na antropologia de ‘Inspiragio norte-americana que trazia para a com- preensio do Brasil um caldo de leituras até entdo Inusitados entre nds, Faz uma andllse verticalizada a sociedade patriarcal brasileira, vendo-a por den ‘ro, na sua intlnidade ds casa do trabalho, da vida cotidiana, das relagbes sociais, racials e sexuais, 0 ‘mundo criado pela interaséo de portugueses, negros {ndios. Suas fontes so as mais variadas, revelado- ras de novos objetos e propiciadoras de novas abor- dagens extremamente sensiveis ¢ licidas, que aca bain por revelar uma estrutura raclonal do mundo aristocratizante getado pela economia agucareira e da qual © autor nko esconde uma ceria nostalgia. Desqualificado pelas andlises apressadas sobre sua obra e trajet6ria pessoal realizadas nos anos 70, sua proficua contribuicdo tein merecido revisitagoes sis- temiticas por parte dos estudiosos dentro e fora da academia que, descartadas as indisposigBes relacio- nnadas com sua trajetdria politica, 0 repde no lugar de 5 Com a apresemtagio de ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento e NOVAIS, Fermando, a Revista da USP revisit os ts autor Brasil ~ Anos 30. In: Revista da USP, n° 38, junjuvago, 1998. Na parte final dl “Bibiogralia os Incerpretes do Brasil”, por Régerio Faustino, 43 destaque ¢ de consirutor de um dos mais vives retra- tos da brasilidade’, “ No mesmo ano de 1933, foi publicado, outro liveo fundamental para a “leltura Brasil", Na contra~ mao da corrente culturalista abracada por Gilberto Freyre, surgia Evolugdo Politica do Brasil, de Caio Pra~ do Jtinior, assentado na perspectiva do materialismo dialético, instalava um paradigma de andlise que muita influéncia teria nos trabalhos ulteriores de~ senvolvidos dentro e fora da academia, O método marxista ndo era wsado como rétulo em seu texto: entranhava a andlise, por todos os sentidos, seminal. Nao transformava a teoria numa camisa de forga Buscava 0 alojamento dos conceitos na pesquisa € a sua transformacao pelo teste duro do confronto do- Cumental, Caio buscava as classes revolucionérias mmescladas nas estruturas econdmicas ¢ sociais deslo- cadas pela Historia. Sem deixar de ser umm militante comunista, homem dindmico e ativo, Caio Prado es- creveu ainda Formagde do Brasil Contemporaneo, em 1942, um cléssico da produgao histérica no Brasil. A trilogia se completaria em 1959, quando foi publi- ado Histria Keondmica do Brasil, de densidade infe- 6 0 retrato mais acabado do brasileiro encontra-se fm EREVRE, Gilberto, “0 Brasileiro e o Europeu’, Int Sobrados e Mucambos: Decad@ncia do Patiarcado Rural no Brasil, p. 237-301, dicho ilustrada. S80 Paulo: Compania Eitora Nacional, 1936 (Cole (fo Brasillana, 64). A visio negativa de Gilberto Freyre surge erm MOTA, Carlos Guilherme, A Ideo- legia da Cultura Brasileira. Sio Paulo: Atica, 1977. Para uma visio renovada: ARAUJO, Ricardo Ben- zaquen, Guerra € Pa, Casa Grande e Senzala¢ a Obra de cilberto Preyre nas Anos 30. Rio de Janeiro: Esito- 19 34, 1994, rior 905 livros anteriores, nem por isso menos indispenséveP, : ‘A Influénda das obras de Caio Prado Jénlor atravessou pelo menos quatro décadas, entre eas in- cluindo-se a fase do regime militar inaugurado em 1964, Seus escrtos entranharam a grande malora das teses universérias escritas neste perfodo, especial: mente, as de hist6ria, mas ndo somente estas, como se pode depreender da leitura de Histria¢ Ideal. Ensaios sobre Calo Prado Jinier. Sua militancta,vistvel em seus didrios politics recentemente publcados, ndo deixam -argem a divides quanto ao seu rigor e dignidade: e, ao imenso abito que a comunidade intelectual brasi- Ieira Ihe tem. Um historiador que enige tespeito no pode ser tratado com leviandade preconceltuosa em periddicos ilustrados de curta duragiot. 7A caracietagdo mals. precisa encontra-se_ em *seniido 6a Colonizacio". In: PRADO JUNIOR, Caio, Formagdo do Brasil Conempordnes: Colenia, 6°. ed. S30 Paulo: Braslense, 1961, p. 13-26. (IP. Ealgdo 1942) # DINCAG, Maria Angela (org). MistSria¢ Ideal, En- Suis Sobre Calo Prado Jinior. S30 Paulo: Editors UNESP/Drasilense, Secretaria de Estado da Cultura, 1989, Para além dos artigos constantes desta coleta~ nea lemramos IGLESIAS, Francisco (org). Clo Pra- do dinior~ Hiséria. S30 Paul tigos de NOVAIS, Fernand toriador” in: Novos Estudos Cebrap, 2, p. 66-70, 1983: “Caio Prado hinior na Historiogralla Brasileira" In MORES, R. et al. (orgs). Ineligicla Brasleira, Sio Paulo: Brasiiense, 1986. 9 IUMATI, Paulo Teixeira (org. Dri Poles de Caio Prado inior~ 1945, $30 Paulo: Braslense, 1998. Primeira volume dos disies que cobrem 0 periodo de 1930 2 1940, de comes allamente relevente € 45 (0 ciclo renovador niciado em 1933 se completa- ria em 1936 com a publiccdo de Ras do Brasil, de Sér- io Buarque de Holanda, Nascido em So Paulo, em 1902, mesmo ano de nascimento de Fermand Braudel, Sérgio Buarque mudou-se para 0 Rio de Janeiro onde ddesenvolveu grande parte de suas allvidades inselecwuai. Sea fundamentagéo teérica de Caio Prado era 0 marxis- mo, de Gilberto Freyreo culturalismo de cunt antropo- Teaco e socioligico, Sérgio foi profundamente marcato pelo historcio alemio, pela sciologla weberiana, pela ntropologia,elnologlaefilosofla da histéra, remontan- ddo, porto, 3 tradigho culturalisia de Gilberto Freyre. ‘Os tempos eram agiados. A radieallzagio pol tica se acentuava, De um lado, a Agio Integralista de Gicita: do outro, a esquerda radical comandada pelo Partido Comunista, O resultado € o Estado Novo, re- sgime ditatoralinstalado por Getllio Vargas em 1937. 0 livro no poderia, portanto, deixar de falar de seu tempo, trz anglises sobre 0 passado e reflexes sobre as questdes presentes. Obra de Hist6ria, Sociologia, Et nologia ¢ Psicologia Social, 0 autor, escrtor refinado, de raro brilna, patsela 0 barco da erudigio tazendo 3 ‘cena protagonistas renovades, 0s negros, os indlos. 08 inde inédios, Ligereras « Impropriedades. ais ome afizmar que Calo Prado era “profundamente facia e conserave as populagbes negra infer fests ocorrem em Rani pulilcagdo d3 Comissio Na+ (jonal para as Comemoragies do V Centenério do ral. ano hr 1, der 98jan 99, p. 76, proertas fp Jota LufsFragoso. Um tratamenta adequado do feina, sua recolocagio no contexto das tendéndas i> Gnas dominantes na epoca, com as uals rompe, roe ser apreiaga em CARNEIRO, Maria Lulra Tac Wen cquestao Rack Int Hiss e Idea. op. ct P- Sivoo ‘mamelucos em sua falna cotidiana, Seu método é in- terpretativo, o estilo sul e metaférieo, na construsio de herdis andnimos, muito distante de uma postura {que te poderia acoimar de aristocratizante™, Af se et ontram algumas das pecas interpretativas mais pene- frantes sobre a naurcza mesma ds brasiidade, 30 buscar as rafts hispanicas¢ lustanas do processo co- lonizador, iferenciando a eregio de cidades mentadas pelos espanhéis (ladrilhadores) e aleatsrias pelos por- tugueses (semeadas), nun capitulo migico pele cria- tividade “O semeador ¢ 0 Iadrilhador”. Para Anténio Cindido, no preticio da edigSo de 1967, a sustentagio {erica de seu texto alicergava-se na histria social dos Franceses, numa variedade socioldgica ¢ etnoldgiea Inédita no Brasil « na sociologia da cultura dos ale mies, Seu método viala num sobrevdo de oposigdes © contrastes, que trava 0 dogmatismo e dispara 0 jogo lialético". 0 capitulo mais notivel, contud, € *0 Ho- ‘mem Cordial”, responsivel por intezmindvel pol sobre o eardter nacional brasileiro” Ase encontra, no dizer de Fernando Novals, 0 fugicio objeto que atravessa toda sua obra, 0 de nos sentirmos “desterrados dentto de nossa propria tera’, 4 busca incessante, nas prolundezas do passado colo- IOIGLESIAS, Frandco, “Sérgio Buarque de Holanda, isworadoe™ i Serio Baran de Holanda, 3 Colb- ‘io UPR Ri de Janis Imago, 1992, p= 23. 1 SOUZA, Antinio Cinddo de Mello, PretSio da Ivimeiea eso de Rater do Brau. Rio de Janet: stor José yap, 1983 12 HOLANDA, Séepo Huargue, 0 homer condi”. In: Rites do Bras. edo revista pelo autor. Rio de laneir Livrata Jose Olympic Edina, 1956, p. 197 200 47 nial, do “nosso modo de ser", nfo na perspectva dile- tante da descoberta sein compromisso, mas,no senti- mento engajado de quem perscruta os delineamentos {do futuro. Hsia éa senda perseguida por Antonio Cin- ido, que em estudo recente aponta para o irago de Rai es do Brasil, um liveo que parece ter sido escrito pen= Sanu no presente, que nio somiente esclareca a bist6- fla do Brasil, mas antecipava o devir imedieto, numa ialétca permanente com 2 histéria latino-americana tin geral, Colocando no centro de sua andlise “0s fgu- antes mudos que erielem © panorama da historia", ‘Sérgio Buarque elevava as massas urbana 3 categoria de ator principal, numa renovada concepeio democré- tico-popular, pols contrastava fortemeate com as visdes de Oliveira Viana e Gilberto Freyre, que acredtavam na Imissio das ets, avaliando de forma positva a heran- G2 portuguese, Esta renovada perspectiva fez da obra thna catalizacio sensivel das linhas de forga da socieda~ de brasileira, na qual o individualisimo sobreleva 0 fa- vor nas relagGes pessoals¢ descamba num incesto per- Imanente entre 0 pblico e o privado: “uma coisa € cer- tw Raizes do Brasil oka dca das explicagbes do Brasil da- {quele tempo composta em [unglo do presente 'A par dos sutodidatas cruditos, ensaistas, uma nova vertente interpretailva do Brasil comesava a se estar nas Universidades recentemente criadas. Um 13 NOWAIS, Fernando. *Prelicio™, In: HOLANDA, Sérgio Boarque. Camis ¢ Frome, 3° ed, Esp lie Siglo Buarque de Holanda, $30 Paulo: Compa fla das Letras, 1994, p 7. 14 CANDIDO, Anténio Iendaeo Bre $0 Paulo: Fandagao Perseu Abranio, 1998. CiagBes cxtaidas de CANDIDO, Auténio, ‘Seip Buaraue de Holanda", Cademo Mais, Foha dese Pale, 28 de janelo de 1998, p. 5. ). Steg Buargue de Ho amplo campo da produgio cienttica e intelectual se ddescortinava, inaugurando a fase dos historiedores de >prolistio, incorporando os soci6logos, antropéiogos, ‘eindlogos, gedgrafos e economistas. Abre-se uma nova clapa para a influéneia da culiura francesa no Brasil. As misedes culturas francesas tinham bafejado ‘© Brasil nos primelros anos de sua tajetéria como na- «fo Independente, no século XIX. Era a retomada des sa experigncia por meio de uma Grande Miso. Em Sio Paulo, a partir de 1934, renova-se 0 corpo docen- te com a primeira geraglo de professores estrangeiros, preponderantemente franceses na érea de ciéncias hhumanas e vavios alemes nas exalas. Historiadores Emile Coomaert, Jean Gagé, Emile Léonard, Charles Morazé c, sabretulo, Feroand Braudel, ral zaram a experiéncia da imerdisciplinaridade com seus vizinhos Roger Basti, Paul Arbousse-Bastde, Etien- ne Borne, Paul Hugon, Pierre Delfontaines, Pierre Monbeig e, sobretudo, Claude Levi-Strauss, numa convivéncia fatima renovadora que no unham znem na Franca", Era uma pléiade de jovens professo- res e pesquisadores, contratados por Teodoro Ramos fem Paris, que marcante Jnflugncia teriam em suas reas respectivas de conhecimento. Por causa da si tuasdo politica mais atribulada do Rio de Janeiro nes se periodo, a missio contratada por Alrdnio Peixoto {ue inclufa, por exemplo, Emile Brehier (Flosolia), Gaston Leduc (LingUistica}, Pierre Deffontaines (Geo TS “Lhisoreengute du temps de Vspace™ Mem- fa soe os proessoresIrancese,elaborada por José Ruleito de Ara Filho, Avis Simo e Eduardo dO ‘ira Fran, USF, 17 e segs. Ver também, MASSL Femanda “Frances e Norieamercaos as Clgndas Sova Bases (1930-1900): His da Gncioe Seca no Ar, vl I, op. cit, ps ALO-46 49 srafia), Robert Gartic (Literatura), Henri Tronchon (Literatura Comparada e Histérl) € o consagrado His toriador Henri Hauser, 2 quem serviu como assistente Sérgio Buarque de Holanda, teve éxito menor, Lucien Febvre j4 havia prenunciado que @ ‘América Latina era um campo privilegiado para os estudos histéricos no ndmero Inaugural da revista “Annals, em 1928. © vaticinio se cumpre com a chte- gaa da missio francesa. Os balansos realizados por Emile Coornaert em $0 Paulo e Henri Hauser no Rio de Janeiro so estimulantes ¢ alentadores, mes- tno quando avaliam a qualidade da produgio realiza~ da até entao nos prédromos do Instituto, apontando restrigbes quanto a excessiva repeticio, a exagerada loqigneia, a parciménia da critica ¢ a escassez ¢0~ cumiental exortando a comunidade dos profissionais do saber a adentrarem a era da reflexao, subordinan- do-se 8 severidade do método critico™. Os resultados nnSo se fizeram esperar. Em Sio Paulo, no Deparla- Iento de Hist6ria da USP, onde Fernand Braudel sis- tematizou suas pesquisas que resultarlam no eldssico 0 Mediterréneo, ainda numa linhagem atrclada a Ca pistrano de Abreu e Allredo Taunay, Alfredo Ellis Jr. Gefenden sua tese de doutoramento entitulada Cap lulose Histéria Social de Sdo Paulo, em 1939. a pti meta tese defendida na area de humanidades da Fa culdade de Filosofia”. 16 HAUSER, Henn, op. cp. 96. 17 Um inventéro abrangente e extico da produc$e de teses na drea das humanidades fl realizado por ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento, “A Socio- fosia no Bras: Florestan Femandes © a escola pau- lista. i: Mitra das Gnas Seas no Bras, vol. 2 pect, ps 211 Rs 50 Dentro dos cinones estabelecidos pela missio francesa, sob a orientagio de Jean Gagé, balizada nos paradigmas estabelecidos por Mare Bloch e Fernand Braudel, surge em 1942 a primeira tese filha dessa li nhagem to proficua: O Comércio Varegue ¢ 0 Grae Principado de Kiey, de Euripedes Simées de Paula Nesse mesmo ano, 0 tenovado Interesse pelas ques: {es coloniais, no seu atrelamento com a expansio comercial e maritima européia, emerge na tese de Astrogildo Rodrigues de Mello, A Poltca Colonial de Espanha Através das Encomiendas e, nas duas teses de Alice Canabrava, © Comércio no Rio da Prata, 1580- 1640 € a Industria do agiear nas idhas inglesas¢ france: sas no mar das Antik, de 1946. O diSlogo com as di- retrizes estabelecidas pelos Annales € reforcada em 1943 com a tese de Eduardo d'Olivelra Franca, inti- tulada A Realeza em Portugal e as Origens do Absoluis- ‘mo, cuja finalidade Gltima era a busca do sentido da colonizagio, Sucessor de Braudel na edtedra de His- 16ria da Civilizagio Moderna ¢ Contempordnea, mas agora sob o impacto das idéias de Lucien Febvre, Poul Hazard e Johan Huizinga, defendeu, em 1951, a tese Portugal na Epoca da Restauracdo, um notével es- tudo de hist6ria das mentalidades, dos estllos de vida, especiaimente da svciabilidade da corte, no me= Ihor estilo de Nozber: Elias. Publicado somente em 1998, portanto, quase melo sSculo depois de ter sido defendide como tese de itedia em 1951, 0 texto conserva uma imorredoura atualidade, “Obra original e indispensavel a quem quer que se aventure pela histéria luso-braslleira”, sua for- ma de abordagem prenuncia a transigio da histétia cultural para a das mentalidades, que eptdo apenas se anunxiava, “um pioneirisme Inegivel, sobretudo na tentativa de deserever © homem barroca portugues", 51 slo apreciagSes de Evaldo Cabral de Mello". Mental: dades e sensibilidades ndo se esgotam em s) mesmas. ‘Antes, constituem-se em pano de fundo para que seja ‘acado 0 processo politico da Restauragdo portuguesa, vvineado em suas dimensSes ideol6gicas - na anélise do scbastianisma -, socials ¢ econémicas™. Um exercicio, Ge globalidade a parti da histéria cultural; uma inova- ‘Go frtita em tempos de determinismo econémicos: ‘que fazia juz a inteligéncia rutllante do grande histo Hador, apreensvel na [rase de abertura do prefécio de feu livro: “Tese: uma idéia e vin método a servigo da idéla, Para ns fol: a idéia de um método™ Em 1956, 0 Departamento de Histéria da USP ganhou 0 reforco de Sérgio Buarque de Holanda que, Diretor do Museu Paulista desde 1946 (onde fubstituita Afonso Taunay}, historiador consagrado por Rafzes do Brasil ¢ Monies (1944) © Caminhos & Fronteiras (1957), ingressava nos quadros da Univer dade, apresentando sua tese de citedra Viso do parat- 0 - Os Metivos Edénices no Descobrimento do Brasil. de- fendida em 1958, certamente, um dos estudos mais ‘eruditos j8 apresentados para conguista de titulo uma universidade brasileira. Na continuidade de seus esludos profundamente etnograticos, de cultura material, Visdo de Paraiso, alga voo em dl- regio ao universo do imaginério, das representacoes, dos mitos, Um estudo puro de mentalidade, no me- Te MELLO, Evaldo Cabral de. “0 Homem Rareoco Portugués” In; Jornal de Resenlas, Fela de So Pau fa, Sihado, 11 de abril de 1998. p. 5. 19 NOVAES, Femando. “Apresentagdo”. In: FRAN- GA, Eduardo D'Oliveira, Porugal na Epowa da Restan- ‘gio, Sdo Paulo: Huckec, 1997, p. 10 20 FRANCA, Eduardo D’olivelra. op. it, ps 11 52 fados Ihor estilo, que busca entender o universo mental ‘europeu que contribuiu para o encontro da América, 4 nostalgia do paraiso, a idéia de um paraiso terreal, ra qual 3 fantasia solta ¢ delirante dos espanhéis contrapunha-se a senso pratico ¢ 3 objetividade re~ sultante da idéia de experiéncla dos portugueses", Como em Reizer do Brasil, onde Sérgio procurava exorcizar as rafzes atévicas em busca do desenvolvi- mento histérico, aqui buscava-se a superacio dos resquicios magicos dando ao historiador a tarela de “afugentar do presente os deménios da histéria”, Vi sdo do Paraizo era, de certa forma, a contra-face de Ralzes do Brasil, encertando entre elas uma aparente contradigéo, apontada por Franicisco igiésias: « do es panhol mitico, mas ladrilhador versus 0 portugués pritico, porém semeador. __Goncomitantemente, refina-se oretrao do Bra- siliniciado 10s anos 30. Novos pers foram delineados nos anos 50. Perflhando os labirintos da politica, R: mundo Faoro escreveu, em 1958, Os Donos do Poder; Celso Furtado estruturou um novo quadro da nossa histéria econémica, diferente de Roberto Simonsen ou de Caio Prado Jnior, objetivando o desenvol mento econdmico do pais, no seu estudo Formagio Econmica do Brasil, de 1959; AntOnio Candido de Mel- loe Souza, neste mesmo ano, publica sua Formagdo da Literatura Brasileira, umn cléssico Inexcedivel pela den: sa relacio entre a producio liteririae a trajetdria his {ria do pais em todas as suas dimensoes. ‘Sob o comande dessa primeira geragio de profes- sores formados sob a &xide da missdo francesa, numero s08 tabalhos de pesquisa foram realizados, Em HisiGna ‘Antiga e Medieval, sob a lideranga do Professor Eutipe~ DV IGLESIAS, Francisco, op of p31 33 des Simao de Paula, Em Histérla Moderna, tbérica © do ‘Brasil Colonial, pelo Professor Eduardo D’Olivetra Fran ‘g2 Em hiistéra do Brasil, pelo Professor Sérgio Buarque Ge Holanda, Nos anos sesenta, a par da reposigio dos tmesttes rancests, renova-se a presenga portuguesa, ‘magistralmente inicada pelo insigne historiador Vitor\- ‘no Mogalides Godino, ne figura igualmente memors- ‘vel de Joaquim Barradas de Carvalho, historiadores de fina estepe que extimularam os estudos sobre a expan- sha portuguesa. Entre 1951 ¢ 1973 foram delendidas 83 teset de doutoramento no Departamento de Histrla ds USP. A cstatsticaclaborada por José Roberto do Amaral Lapa, para o periodo 193411973, aponta a seguinte con- centragio por periodo: Cina Iimpério 32,6% Repiblica 15.2% Toleniavimperio 06.5% IinpéviorRepdblica observa-se a preservagio da tendéncia inaugu- rada pelo Instituto Historica e Geogréfico Brasileiro ho séeulo XIX: a predomindnela da Hist6rla Colonial, com ligeiro deslocamento para a Histéria do tmpério. ‘As origens de nossa formagdo hist6rica continvavam ‘9 ser 9 motivasio principal de nossos estudos. A te- tatica republicana atrala parcas atengoes. Os temas Sugeridos pelos inlluentes historiadores. franceses, Plerre Vilar, Eriest Labrousse, Albert Soboul, Fer- hand Braudel, divulgados pela revista Anvales eram, hhegemdnicos, Oulras insluénclas, contudo, adentra: vam 0 campo do conhecimento, especialmente Eric 54 Hobsbawm, Christopher Hill ¢ Maurice Dob. Uma vertente tedrica de alta penctragio foi 0 marxismo, © que explica o esforco de tradugio de O Capita, real zada entre 1968 e 1974. ‘Nos anos 60, 0 didlogo com as encias socials ea economia cresceu muito no seio da corporacio de hlstoriadores profissionais, A consolidagao da Escola de Sociologia Paulista, em toro de Florestan Fer- andes, trazia para a ribalta eultural inteleetats do nivel de Fernando Henrique Cardoso, Oetévio lanni, Maria Isaura Pereira de Queir6z, Francisco Weflort € ‘outros, reforgando a relagio entte historiadores € so- idloges. A criagdo de novos cursos de histérla nas receritemente {undadas Faculdades de Assis e Mari lia, emt 1963, tiveram o condo de interiorizar a cul- tuza blsiérica até entio represada na USP. instru mento importante da divulgasgo dos trabalhos ela borados nesse periodo foi a eriagdo da Revista de Hi ‘iri, iiciaiva do professor Euripedes Simo de Pau la, seu emérito diretor por longas décadas, que teve © patrocinio de Fernand Braudel e do proprio Lucien Febyre, com quem Braudel negocicu a frmnula final dia Revista, em 1947. ‘4 obra de conjumo que melhor representa a producto histériea do perfodo & a Histéria Geral da Ci viliagao Brasler, dirighda por Sérgio Buarque de Ho- Tanda, contando com a colaboracio de Pedro Moacir de Campos. Obra desigual no seu conjunto, por ter reunido um atimero excessivo de colaboradores, fol publicada entre 1960 ¢ 1972, quando 05 dls volumes correspondentes a A epoca colonia, © 0 Brasit ‘morsirguie, em cinco volumes. Sérgio escreveu vérios ‘capitulo nos dois livros, esponsablizando-se inteira- niente pelo 5° volume do Império, que cobre o perio dg de 1868 2 1889, ponto alto da colegio. Notével, 55 Igualmente, €4 simula final da colénia, num balango criico chamado *A heranga colonial”. Os volumes Correspondentes a0 periode republican. em numero {de quateo, foram publicados entre 1975 « 1984, j6 sob 2 dltegio de Bors Fausto. 56 capitulo 5 A CONSOLIDAGAO DA MODERNA PRODUGAO HISTORIOGRAFICA NO BRASIL (1970-1998) Se 0 periodo anterior nasceu sob a égide do resgate da modernidade cultural do Brasil com a Se- mana da Arte Moderns le 1922, este periodo emer- ‘ge na opactdade cultural gestada pelo golpe malar de 1964, feuto de uma allanga entre setores milliares, ‘empresérias e teenocratas, segundo analise de René Armand Dreifuss, em seu livo 1964: conguista do Es- ‘ado. Ago Politica, Poder ¢Golpe de Eade, publicado em 1981, Seyuinda a linha de endurecimento do re a repressia abate-se sobre os intelectual, pensadores fessores universitilos. na forma de persegul ‘86s, aeagas, trlagens ideolégicas, cassagbes € apo- Sentadorias compulscriss, para ndo falar de prisdes & ‘mortes. Nesse contexio, pelo ato institucional n° 5, vrios historiadores foram afastados dle suas etivida- des, entre eles, Calo Prado Junior, Emilia Viott da Costa, Eulilla Maria Lahemayer Lobo, Guy de Hoan: 4a, Hogo Welss, Manoel Mauricio de Albuqueraite & ‘Maria Yedda Linhares, além dos exeluidos nas demais reas das humanidades, sendo o Departamento de ‘Glénclas Sociais da USP um dos mals atingidos pelo ‘expurgo, inclusive seu grande lider de pesquisa, Flo~ restaiy Fernandes ¢ a maior parte de seus discipules. Fernando Henrique Cardoso fundou o CEBRAP, para dar continuidade aos estudos que nio poderia fazer mals na Universidade. Pensadores do porte de Celso Furtado foram exilados do pais, 37

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