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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO
DIREITO PENAL, MEDICINA FORENSE E CRIMINOLOGIA

Disciplina: Introdução ao pensamento Jurídico-Penal (DPM0114) Docente: Alamiro V. S.


Netto

I. Resumo: ANITUA, Gabriel Ignacio. Histórias dos pensamentos criminológicos. Rio de


Janeiro: Revan, 2008. Trechos selecionados

A criminologia surge no século XIX; nessa época, era fortemente marcada pelo
cientificismo e organicismo e refletia sobre o sistema punitivo a partir de uma perspectiva
afastada da questão essencialmente política. Essa adoção da “ciência” em uma perspectiva
positivista (usando a ciência como roupagem para a absoluta neutralidade) passou a focar
apenas no indivíduo com comportamento delinquente; ou seja, o objeto de estudos não é o
Estado, sociedade, leis e seus impactos, mas sim a pessoa que apresentou um comportamento
destoante da conduta social.

Com isso, a criminologia positivista colocava o infrator da norma como alguém (ou
algo) diferente do restante dos seres humanos. Nesse sentido, tudo o que é diferente (inclusive
o “delinqüente” e/ou alguém de outra etnia) é inferior. Esse pensamento teve êxito, e se
engana quem pensa que estava restrito somente à comunidade científica ou das elites, ele
esteve presente em várias publicações, inclusive nas populares. Assim, “os delitos e as penas”
são substituídos pelo “homem delinquente” em nome do pensamento jurídico
pretensiosamente científico.

Historicamente, a criminologia flertou com o imperialismo e racismo. Ela se


concentrava nas causas antropológicas individuais do delito, ocultando os problemas
políticos, econômicos e sociais que giram em torno dos delitos (embora isso não tenha
acontecido com todos os positivistas).

Talvez esta deva ser a principal crítica em relação ao positivismo criminológica que
pode ser estabelecida: a falta de consideração dos problemas políticos, econômicos e sociais
que giram em torno da questão criminal. Entretanto, pode-se se desprender duas
consequências paradoxais herdadas desse pensamento; a primeira diz respeito à diminuição da
utilização da prisão durante o apogeu de sua prática (embora os autores reconheçam que esse
fato não é isolado e possui correspondência com o momento econômico e lutas políticas e
sociais ocorridas durante o período), a segunda diz respeito à positivação desta ideia
encontrada nas práticas de segregação em larga escala –como a segregação racial e o
cientificismo presente dentro dos campos de concentração nazista-

 O positivismo bioantropológico de Lombroso, o positivismo idealista de Garófalo e o


positivismo penal-sociológico de Ferri

O pensamento de Cesare Lombroso está mais próximo aos fenômenos psicológicos do que
ao pensamento sociológico do século XIX, uma característica da escola positivista
criminológica italiana. Considerado o pai da criminologia, fundando a disciplina a partir
publicação de seu livro O homem delinquente de 1876, ele acreditava que a delinquência era
da natureza do indivíduo e psicossomaticamente reconhecível (assim como a loucura), assim
como defendia que o delinquente era “um passo atrás” na evolução apresentada nas teorias de
Darwin; o comportamento desse indivíduo seria anormal na sociedade, mas comum para
macacos e homens pré-históricos e essa pré-disposição ao crime poderia ser reconhecido a
partir dos traços físicos (geralmente traços comuns de pessoas não brancas, já que o autor usa
termos como “traços negróides e/ou mongóis”). Ou seja, o homem delinquente é primitivo e
já nasceu delinquente.

Inspirado por frenólogos (frenologia é uma pseudociência que alega que a forma e
protuberâncias do crânio são indicativas das faculdades e aptidões mentais de uma pessoa),
passou a estudar o deliquente (não o delito) utilizando áreas do conhecimento como anotomia,
psiquiatria e fisiologia como apoio, afirmando que as características dos deliquentes, assim
como as dos “loucos” e as do “insano”, eram naturais.

Sua teoria foi apresentada –assim como o positivismo- como o “novo estágio” da
sociedade em oposição ao que havia sido estabelecido anteriormente; nesse sentido, ela
polemizou com a Igreja e juristas, uma vez que rompe com a ideia de livre-arbítrio (defendida
pela Escola Clássica) ao associá-la a um artigo de fé colocando em seu “lugar” os estudos
clínicos acerca do indivíduo deliquente, que nasceu dessa maneira.

Além disso, em seu livro Os delitos, suas causas e seus remédios (1911), ele amplia a
gama das causas do delito –anteriormente resumidas ao atavismo (hereditariedade biológica
de características psicológicas, intelectuais, comportamentais)- dizendo que o clima, geologia,
raça, densidade da população, alcoolismo, imigração, religiosidade, acesso à educação e
condição econômica também atuavam nesse sentido.
Escreve junto a Gugliemo Ferrero o livro A mulher delinqüente afirmando que a posição
feminina na escala evolutiva é a de inferioridade, e que as mulheres possuem características
como a piedade, maternidade, frigidez, inteligência menos desenvolvida que as distancia dos
delitos. Já a mulher delinqüente não sente pena e é insensível aos demais, dizendo que nesse
sentido, essa figura se assemelha ao homem. Junto, os dois traçam um paralelo entre
prostituição e delinquência: segundo eles, a prostitição era causada por uma inevitável pré-
disposição à loucura moral, causada por processos degenerativos na ancestralidade da
prostituta. Entretanto, eles não consideravam a prostituição como um mal a sociedade, pois
ela funcionaria como uma válvula de escape da tensão sexual masculina, evitando o
cometimento de delitos.

Enrico Ferri (1856-1929) se intitulava um socialista, mas posteriormente abandonou as


ideias marxistas e passou a ser um defensor do Estado fascista de Mussolini. Ele acreditava
que o livre-arbítrio era uma ficção e defendia a tese de que a pena era necessária, pois
protegia o organismo social do estado perigoso de alguns indivíduos. Expôs, em sua obra
Princípios do Direito Criminal (1928), temas como a repulsa do conceito de livre-arbítrio,
defesa social como propósito da justiça criminal, fatores que influenciam no crime,
classificação dos criminosos em cinco classes, indenização pecuniária como sanção que
favorecesse a vítima, princípio de que o crime deveria ser estudado a partir da figura do
delinquente.

Ferri foi a pessoa que mais conseguiu divulgar a criminologia positivista. Classificou os
delinquentes em cinco tipos:

1. Nato: Apresenta uma disposição congênita para o delito, por isso não pode ser
ressocializado;

2. Louco: Possui alguma anomalia psíquica que o leva a delinquir;

3. Habitual: Adquiriu a tendência a delinquir, mas sem base orgânica;

4. Ocasional: Cede diante da possibilidade de delinquir, mas não age assim se o meio não
o favorece;

5. Passional: De maneira geral é como o ocasional, porém possui facilidade em se exaltar;

Ele dizia que as ações humanas eram produtos de seu meio físico, social e psíquico,
relacionando o crime a questões da biologia e sociologia. Possui também uma visão
antiliberal acerca do processo penal, colocando-se contra medidas como in dúbio pro reu,
julgamentos por jurados e presunção de inocência, já que para ele, essas garantias não fazem
sentido pois não determinam o determinismo individual do delinquente. Esses casos, segundo
o autor, deveriam ficar “nas mãos” de especialistas.

Substitui a ideia de “responsabilidade moral” da Escola clássica pela ideia positiva de


responsabilidade social, partindo do princípio de que o delito é um comportamento individual
concreto e “causado”, por isso a reação lógica da sociedade seria impedi-lo, quase que em
legítima defesa ou preveni-lo.

Rafaelle Garófalo (1851-1934) publicou em 1885 o livro Criminologia, marcado pela


preocupação de se encontrar o conceito de delito natural, ainda que não o fizesse a partir de
uma abordagem jurídica, mas sim a partir daquilo que ele considerava como uma visão
estritamente criminológica. Este conceito estaria ligado a existência de um delinquente
natural, cuja determinação foi pautada por racismo e eurocentrismo (são degeneradas as
sociedades com valorações diferentes da sociedade europeia).

Para ele, os dois sentimentos básicos são a piedade e a probidade. Nas sociedades em que
estes sentimentos são desenvolvidos, determina-se que é crime tudo aquilo que os viole. Os
delitos que violam a vida e a saúde atacam o sentimento de piedade e os crimes que violam a
propriedade vão contra o sentimento de probidade.

Segundo Garófalo, os delinquentes naturais não possuem tais sentimentos, por isso não é
possível ressocializá-los. Foi o autor que introduziu o conceito de periculosidade (definindo-o
como perversidade constante e ativa), tão caro ao positivismo, afirmando que a pena deveria
ser proporcional a periculosidade. Era um autor que defendia o aspecto repressivo, propondo
expulsões, pena de morte (se opunha as prisões porque acreditava que a vítima não deveria
“manter” o delinquente na prisão com o pagamento de seus impostos).

Além de tudo isso, alguns autores positivistas elaboraram o conceito de “estado perigoso
sem delito” e incluíram nele aquilo que associavam a mala vita, como prostituição,
mendicidade, jogos e toxicomania (mas na prática era tudo aquilo que não se adequava ao
modo de vida burguês) dizendo que controlá-lo era uma medida de defesa social.

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