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Deslocamento de abomaso à esquerda

em bovino: relato de caso


Luiz Donizete Campeiro Junior
Antonielly Carreiro de Oliveira
João Luiz Barbosa
Jerônimo Vieira Dantas Filho
Paulo Henrique Gilio Gasparotto
Flávio Roberto Chaves da Silva

RESUMO
O trabalho objetivou relatar um caso um caso de deslocamento de abomaso à esquerda
em bovino. O deslocamento de abomaso é uma patologia multifatorial, que afeta principalmente
bovinos de alta produção leiteira, podendo ocorrer por uma dieta associada a um manejo errático
ou até mesmo pelo desencadeamento do parto, ou seja, fatores que estão ligados ao acúmulo de gás
e/ou hipomotilidade abomasal. Essa enfermidade pode gerar diversos prejuízos econômicos aos
produtores, devido à queda na produção leite e gastos com o tratamento, diante disso, é importante
revisar a importância do deslocamento de abomaso à esquerda e relatar o caso clínico de um bovino
com essa patologia. Para se chegar a um diagnóstico conclusivo, deve-se conhecer a fundo os sinais
clínicos, além dos métodos de diagnóstico para confirmação, tendo como técnica preconizada a
auscultação com percussão do 9º ao 12º espaço intercostal, onde pode ser auscultado um tilintar
metálico, quando ainda houver dúvidas, realiza-se a laparotomia exploratória, confirmando ou não
a suspeita. Tendo o diagnóstico conclusivo desta patologia, é realizado o tratamento, que pode ser
terapêutico, intervenção física por rolamento ou intervenção cirúrgica.
Palavras-chave: Laparotomia. Produção leiteira. Tilintar metálico.

Displacement of abomaso to the left in bovine: case of report

ABSTRACT
This study aimed to report a case of a case of left abomasum displacement in cattle. The
displacement of abomasum is a multifactorial pathology which affects cattle of high milk production
and may occur due to a diet associated with erratic management or even by the birthing mechanism,
that is, factors that are linked directly to the accumulation of gas or abomasal hypomotility. This
illness can generate different kinds of economic losses to the producers due to a fall in milk
production and expenses with treatments. In that case, the objective with this job is to review the
importance of the displacement of abomasum to the left and report the clinic case of a bovine with this
pathology.To reach a conclusive diagnosis, the clinical signs should be thoroughly known, beyond
the methods of diagnosis to confirmation, having as characteristic technique, the auscultation, with

Luiz Donizete Campeiro Junior – Doutorando em biotecnologia animal pela Universidade Estadual de São Paulo.
Antonielly Carreiro de Oliveira – Graduanda do curso de medicina veterinária no Centro Universitário São Lucas.
João Luiz Barbosa – Graduando do curso de medicina veterinária no Centro Universitário São Lucas.
Jerônimo Vieira Dantas Filho – Doutorando em Ciência Animal pela Universidade Federal do Acre.
Paulo Henrique Gilio Gasparotto – Doutorando em Ciência Animal pela Universidade Federal do Acre.
Flávio Roberto Chaves da Silva – Doutor em Ciências Veterinárias e Docente na Universidade Federal do Acre.

Veterinária em Foco Veterinária


Canoas em Foco,
v.17 v.17,n.2
n.2, jan./jun. 2020
p.27-35 jan./jun. 2020 27
percussion from the ninth to the twelfth intercostal space where it can be auscultated a metallic
tinkling. When there are still doubts, is performed an exploratory laparotomy, then having the
confirmation. When having the conclusive diagnosis of this pathology is performed the treatment,
being therapeutic, physical intervention by rolling or chirurgical intervention.
Keywords: Laparotomy. Metallic tinkling. Milk production.

INTRODUÇÃO
O Brasil possui o quinto maior rebanho leiteiro do mundo, perdendo apenas para
Índia, Estados Unidos, China e Paquistão. Nos últimos 30 anos a produção leiteira
mundial aumentou em 50%, atingindo 769 milhões de toneladas no ano de 2013 (FAO,
2016). Nas últimas décadas, a bovinocultura leiteira tem sofrido grandes mudanças com
intuito de maximização da produção, essa busca para maior produção, gera animais com
maior profundidade corporal e capacidade digestiva, tornando assim as vacas leiteiras
mais suscetíveis a doenças metabólicas e digestivas, como deslocamento de abomaso
(WITTEK; CONSTABLE, 2007; PATELLI et al., 2013).
Segundo Patelli et al. (2013), o deslocamento de abomaso proporciona diversas
perdas econômicas no ramo leiteiro, sendo ocasionadas devido ao custo com tratamento,
redução da produção leiteira, aumento dos descartes involuntários e mortes. O deslocamento
de abomaso à esquerda é uma patologia multifatorial que acomete principalmente bovinos
leiteiros de alta produção no período pós-parto, cerca de 90% ocorre em até seis semanas
desse tempo (PATELLI et al., 2013).
Há diversos fatores que provocam essa patologia, sendo os mais conhecidos a
acidose ruminal subclínica e hipocalcemia, tais fatores contribuem para atonia abomasal
que é um dos grandes precursores do deslocamento (PATELLI et al. (2013). Segundo
Câmara et al. (2010), as mudanças genéticas e de manejo com intuito de gerar maior
produção leiteira também foram condições para ocorrência das doenças metabólicas
que levam ao deslocamento. Além disso, em diversos casos, pode ocorrer patologias
concomitantes como metrite, mastite e retenção de anexos fetais.
Foram relatadas quatro formas de deslocamento de abomaso, sendo elas
deslocamento de abomaso à esquerda, deslocamento de abomaso à direita com ou sem
torção, dilatação do abomaso e deslocamento anterior do abomaso, sendo está ainda
pouco conhecida (PATELLI et al., 2013). Para o tratamento de deslocamento de abomaso
à esquerda, pode ser utilizado o tratamento terapêutico, físico, além do cirúrgico, sendo
este último o mais eficiente (ANDREWS, 2008; CAMARA et al., 2011)
O deslocamento ocorre principalmente nas raças clássicas de produção leiteira
como, Holandesa, Jersey, Pardo Suíça, Ayshires, Guernsey, sendo rara em vacas Fleckvie
alemãs e raças de corte (PATELLI et al., 2013). Para tanto, o trabalho objetivou relatar
um caso um caso de deslocamento de abomaso à esquerda em bovino, ressaltando a
importância do deslocamento de abomaso à esquerda e relatar o caso clínico de um
bovino com essa patologia.

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RELATO DO CASO
Foi atendida uma vaca da raça Jersey no setor de clínica de bovinos e pequenos
ruminantes, da Universidade de São Paulo, localizada em São Paulo-SP. Segundo o tutor,
após o parto a vaca reduziu a ingestão alimentar e cinco dias antes de ser encaminhada
ao hospital veterinário, o animal cessou totalmente a ingestão da dieta e apresentava
diarreia sanguinolenta.
Durante a anamnese, o proprietário informou que não havia modificado a dieta, na
qual era composta por: ração e pastagem durante o dia, no período noturno o animal era
fechado em uma baia, onde se ofertava capim elefante triturado. Outra informação descrita
foi que o animal reduziu a produção leiteira de 15 para 2 litros (L) e demonstrava-se
apático. Além disso, o proprietário relatou que a vaca havia parido há 15 dias, apresentando
um parto distócico com o bezerro em apresentação posterior e um colaborador auxiliou
no parto. Como o animal começou a apresentar os sinais acima descritos, dois dias após
o parto, o proprietário suspeitou de retenção placentária e administrou, por conta própria,
ocitocina (Placentina®), não sabendo informar o volume, apenas que tinha a intenção de
induzir a expulsão da placenta, porém não obteve êxito.
Ainda de acordo com o proprietário, diante do estado clínico do animal, foi chamado
um médico veterinário autônomo para examinar a vaca e o seguinte tratamento foi
instituído: administração de Soro com cálcio, Oxitrat®, Bovifort®, Mercepton®, Izoot
B12®, D500®, Potenfort® e Catosal B12®, não sabendo informar a dose, apenas que o
diagnóstico se tratava de tristeza parasitária bovina e hipocalcemia. Sem observar evolução
positiva do quadro, optou em levá-la ao hospital veterinário da USP.
Ainda durante o exame físico geral, foi observado o escore de condição corporal
do animal (ECC) 2.75 (avaliação de 1 a 5, segundo Machado et al., 2008) e peso de 385
kg. A frequência cardíaca de 104 bpm no momento da chegada, foi devido ao estresse
causado pelo transporte, uma vez que, se normalizou algumas horas depois. O turgor
quatro demonstrou desidratação, além de se apresentar alerta o animal defecou, urinou
e apresentou interesse pelo alimento ofertado, porém não ingeriu.
Através das informações obtidas na anamnese e resultados do exame físico geral,
foi possível direcionar o exame físico específico para o sistema digestório, uma vez que, a
suspeita principal foi DA. Portanto através dos exames físicos específicos auscultou-se um
timbre metálico em região ventral do 10º espaço intercostal esquerdo, sinal característico
de deslocamento de abomaso à esquerda, além de pouco conteúdo ruminal e hiporexia.
Na palpação retal apresentou fezes escassas, enegrecidas com presença de muco e útero
lateralizado à esquerda sem alteração de tamanho.
Para confirmação da suspeita clínica, realizaram-se alguns exames físicos
diferenciais de outras patologias, como a prova do bastão e pinçamento de cernelha, onde
ambos deram negativos.Após os exames físicos, optou-se por realizar alguns exames
complementares, sendo o primeiro abdonocentese/Teste Liptak para análise do líquido
peritoneal, porém obteve-se insucesso na coleta. Realizou-se também a prova do sangue
oculto nas fezes, tendo resultado positivo.

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Durante o atendimento, realizou-se também, como exame complementar dois
hemogramas, sendo o primeiro parcial e o segundo completo, no qual coletou-se 10 mL
sangue da veia jugular do animal (QUADRO 1 e TABELA 1).

Quadro 1 – Dados obtidos através do hemograma parcial realizado no momento da chegada


do animal 24/07/2018.

Data Hematócrito Proteínas plasmáticas totais (PPT) Fibrinogênio


24/jul 48% 6,8 g/dl 800 mg/dl

%: porcentagem, g/dl: grama por decilitro, mg/dl: miligrama por decilitro.


Fonte: o autor.

Tabela 1 – Hemograma completo realizado durante a fluidoterapia intensiva 24/07/2018.

Eritrograma Resultados     Referências


Hemácias 7,1 X10 /uL6
  5,0 - 10,0
Hemoglobina 13,9 g/dL     8,0 - 15,0
Hematócrito 36 %     24 – 46
VCM 51       40 – 60
HCM 17       11 – 17
CHCM 35       30 – 36
Leucograma     Absoluto    

Leucócitos totais     4.000 /uL 4.000 - 12.000


Neutrófilos totais 56 % 1.680 /uL 0
Metamielócitos   % /uL
Bastonetes   % /uL 0 – 100
Segmentados 56 % 1.680 /uL 600 - 4.000
Linfócitos 34 % 1.020 /uL 2.500 - 7.500
Linfócitos atípicos 0 % /uL 0
Monócitos 6 % 180 /uL 0 – 900
Eosinófilos 4 % 120 /uL 0 - 2.400

Observações:
Plaquetas: Normais em quantidade e morfologia
VCM: Volume corpuscular médio, HCM: Hemoglobina corpuscular média, CHCM: Concentração de hemoglo-
bina corpuscular média, g/dl: Grama por decilitro, uL: Microlitro.
Fonte: o autor.

Devido à desidratação observada através do turgor cutâneo e hematócrito no


hemograma parcial, o animal foi hidratado durante o dia, recebendo 24,5 L de ringer
com lactato, além das PPT estarem também diminuídas, devido a anorexia. Ademais no
hemograma completo não se obteve alteração.
Devido os sinais clínicos apresentados pelo animal, suspeitou-se também de úlcera
abomasal, por ser fator secundário de DAE, devido principalmente a diarreia sanguinolenta

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apresentada pelo animal. As úlceras ocorrem devido lesões na mucosa gástrica, que permite
a difusão de íons de hidrogênio do lúmen para dentro dos tecidos da mucosa, fazendo
com que haja difusão da pepsina, acarretando em mais lesões Radostits (2016). A partir
disso optou-se em aplicar algumas medicações, sendo: ceftiofur 2,2 mg/kg uma vez ao
dia, flunixina meglumina 2,2 mg/kg duas vezes ao dia e ranitidina 2 mg/kg duas vezes
ao dia, visando além disso, a utilização dos mesmo como pós operatório.
O animal ficou em observação por um período de 24 horas, para avaliação de seu
quadro clínico, sendo que após a fluidoterapia demonstrou pequena melhora no quadro
de desidratação. Sendo assim, optou-se em realizar uma laparotomia exploratória para
confirmação do diagnóstico de DAE, tendo assim resultado positivo, optando então pela
realização da abomasopexia de flanco esquerdo.
Como a vaca não estava se alimentando corretamente há dias, não houve necessidade
deixá-la em jejum. O procedimento foi realizado com o animal em estação, contido em
um tronco de contenção. O flanco esquerdo foi lavado com água e sabão, seguido de
uma ampla tricotomia e antissepsia com álcool, iodo e álcool, em movimentos circulares,
repetindo duas vezes esse mesmo procedimento, foi realizado também na região ventral
em linha média, entre o processo xifóide e umbigo.
Em seguida com o profissional paramentado, foi realizado um bloqueio anestésico
paravertebral entre 12º-13º torácica e 2º-3º lombar, utilizando 25 mL de Cloridrato de
Lidocaína em cada ponto, além de um bloqueio em L invertido na fossa paralombar
esquerda, injetando 100 ml do anestésico. Aplicou-se também, como analgésico de ação
central tramadol na dose de 1,8 mg/kg por via intravenosa.
Colocou-se então, o pano de campo para iniciar o transoperatório da forma
mais asséptica possível. Logo após, foi realizada uma incisão na fossa paralombar
esquerda com cerca de 20 cm, ultrapassando pele, tecido subcutâneo, músculo oblíquo
abdominal externo, oblíquo abdominal interno, transverso do abdômen e peritônio
(figura 1), podendo assim confirmar o diagnóstico de DAE, devido o posicionamento
anatômico errático do abomaso, no lado esquerdo da cavidade e aumento devido à
grande presença de gás.
Ao encontrar a curvatura maior do abomaso, efetuou-se uma sutura de ponto
simples contínuo por cerca de 10 cm, para fixação do mesmo na região ventral, essa
sutura foi realizada com fio duplo agulhado nylon n° 0,60 mm, deixando cerca de um
metro de fio agulhado em cada extremidade. Em seguida o abomaso foi aspirado para
retirada do ar ali presente, essa punção foi realizada com cateter 16G, seguido de uma
agulha 40 x 12 acoplada a um aspirador sugador, que retirou ar e o líquido de dentro
do abomaso.

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Figura 1 – Abomaso deslocado tracionado para o exterior da cavidade obtendo melhor visualização
e realização dos pontos de ancoragem para realizar o reposicionamento.

Fonte: o autor.

Com as agulhas protegidas com os dedos para evitar perfuração de outros órgãos,
foram direcionadas a região medial ventral cerca de 15 cm abaixo do processo xifóide
lateralizado a direita, com ajuda de um auxiliar, o local foi encontrado com facilidade,
pois o mesmo aplicou pressão na região de fixação, para as agulhas saírem ao meio
externo, o auxiliar realizou tração nas extremidades das agulhas para ultrapassar toda
musculatura e pele, o cirurgião realizou o reposicionamento anatômico do abomaso
antes da fixação completa,assim as agulhas passaram por um brinco no meio externo
para reduzir a tensão, finalizando a fixação realizou-se um nó de cirurgião e cinco nós
quadrados (FIGURA 2).

Figura 2 – Fixação em brinco do abomaso em região ventral.

Fonte: o autor.

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Para o fechamento da cavidade, suturou-se o peritônio juntamente com o músculo
transverso do abdômen, músculo oblíquo abdominal interno e externo, suturados
separadamente, todos utilizando vicryl nº 0,60 mm pontos simples continuo, para
aproximar o subcutâneo foi realizado o ponto cushing com vicryl n° 0,60 mm e para
fechamento da pele nylon N° 0,60 mm em ponto simples separado.
Após o fechamento da cavidade, realizou-se a limpeza da ferida cirúrgica, com
água oxigenada volume 10, seguida de iodo 2% e pomada de Unguento, e nos cinco
dias seguintes, realizou-se curativo diário com solução fisiológica e Unguento. Como
medicação sistêmica deu-se continuidade por cinco dias de ceftiofur 2,2 mg/kg/IM uma
vez ao dia e ranitidina 2 mg/kg/IV duas vezes ao dia, além de flunixina Meglumina 2,2
mg/kg/IV duas vezes ao dia.
Após o termino do tratamento, o animal apresentou grande melhora, voltando a se
alimentar logo após a primeira oferta de forragem, recebendo então, alta cinco dias após a
cirurgia, devido a grande melhora do quadro clínico. Indicou-se ainda, que o proprietário
passasse unguento na ferida cirúrgica, até o dia da retirada dos pontos, sendo recomendado
15 dias após o procedimento cirúrgico.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A etiologia exata do deslocamento de abomaso ainda é muito discutida, sendo
que alguns autores, como Ogilvie (2000) afirma que a causa principal é a ingestão
excessiva de alimentos concentrados, que acarreta em uma alta produção de ácidos graxos
voláteis e gases que se acumulam no abomaso deslocando-o para esquerda, ademais, a
hipomotilidade abomasal pode vir acompanhada por outras patologias.
Andrews (2008) corrobora com Olgivie (2000), destacando ainda que tal patologia
não tenha uma causa exata, mas sim, que há diversos fatores que podem desencadear está
disfunção, como: mecanismo de parição e o parto distócico, já que tal enfermidade ocorre
principalmente nas primeiras semanas pós-parto. Concordando assim, com os achados
encontrados no relato apresentado. A justificativa para o acontecimento do DAE foi o
mecanismo de parição, juntamente com o parto distócico, pois essa enfermidade ocorreu
logo após o pós-parto.
Haskel (2008), afirma também que tal patologia pode ocorrer devido uma
hipocalcemia ou até mesmo ser predisposta a partir de fatores genéticos. Confirmando
assim que o DAE é uma enfermidade decorrente de diversos fatores. Durante a anamnese
do animal atendido no hospital veterinário, foi possível constatar diversos sinais
evidenciados na literatura, como os descritos por Andrews (2008), Radostits (2016)
e Panelli (2014), sendo, apatia, diarreia sanguinolenta, histórico de parto distócico e
anorexia, tendo como conseqüência redução de peso e hipogalactia.
Radostits (2016) e Motta et al. (2014), afirmam que durante o exame físico geral,
o animal pode apresentar movimentos ruminais inaudíveis ou fracos, rúmen dificilmente
palpável, desidratação e os parâmetros fisiológicos (frequência cardíaca, respiratória e

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temperatura) dentro da normalidade, todos esses sinais corroboram com os encontrados
no animal descrito no relato, destacando os movimentos ruminais que, na primeira
auscultação, não foi percebido nenhum movimento durante cinco minutos.
De acordo com Andrews (2008), a auscultação com percussão do abomaso é
realizada entre 9º ao 12º espaços intercostais, sendo um exame complementar que
demonstra um sinal patognomônico desta doença. Haskel (2008) confirma a região de
auscultação, porém acrescenta que em casos de distensão abomasal extrema, o som de
tilintar pode ultrapassar a 13º costela. Esse exame foi utilizado para auxiliar o diagnóstico,
tendo como resultado um som metálico percebido na região do 10° espaço intercostal.
Foram realizados dois hemogramas como exame complementar, o primeiro
apresentou hematócrito elevado (48%), tendo como justificativa, a desidratação e estresse
do animal, no qual foi submetido à fluidoterapia e repouso. Na repetição deste exame,
obteve-se hematócrito com 36% de hemácias. As proteínas plasmáticas totais estavam
reduzidas apresentando o valor de (6,8 g/dl), em acordo com Cardoso et al., (2008) no
qual afirma que em casos de anorexia severa, as proteínas plasmáticas totais diminuem,
devido à restrição alimentar que interfere no metabolismo protéico, corroborando com
o caso descrito.
O tratamento utilizado foi a abomasopexia do flanco esquerdo, devido à menor
chance de recidiva, assim como o sugerido por Turner e Mcilwraith (2002). Haskel (2008)
aprova os métodos sugeridos por Turner e Mcilwraith (2002), destacando ainda que as
técnicas apresentam como vantagem adicional, o retorno rápido da produção leiteira,
chegando a aproximadamente 90% da produção anterior.
As medicações pré e pós-cirúrgica foram utilizadas com intenção de proporcionar
uma ampla terapia antimicrobiana, ação antiinflamatória, analgesia, e proteção gástrica,
com preconizado por Viana (2014). Foi instituída esta medicação antes da cirurgia, devido
a suspeita de úlceras gástricas em razão do quadro clínico de diarréia sanguinolenta. Após
a cirurgia, deu-se continuidade ao tratamento, evitando possíveis infecções secundárias
e inflamações, além de limpeza diária da ferida cirúrgica.
De acordo com Andrews (2008), devido o deslocamento de abomaso à esquerda
ser uma patologia com etiologia multifatorial se torna difícil a prevenção, porém Câmara
et al. (2011), cita que, como ocorre principalmente no período periparturiente, deve-se
melhorar o manejo alimentar desses animais. Radostits (2016) ainda complementa com
a idéia de discernir a alimentação de vacas prenhas de vacas secas.

CONCLUSÃO
Pode-se compreender que o deslocamento de abomaso à esquerda é uma patologia
corriqueira em bovinos leiteiros de alta produção, devendo-se conhecer os sinais clínicos,
diagnóstico e possíveis tratamentos, dando ênfase nos procedimentos cirúrgicos, devido
sua eficácia e rápida volta dos animais à produção.

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