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Arbitrária ou legítima?
O que dizem juristas
sobre decisão de
Alexandre de Moraes
contra empresários
bolsonaristas
Mariana Schreiber - @marischreiber
Da BBC News Brasil em Brasília

24 agosto 2022

REUTERS

O ministro do STF Alexandre de Moraes aceitou um


pedido da PF para realizar uma operação contra
empresários bolsonaristas

Em meio à permanente tensão entre o Palácio do


Planalto e o Poder Judiciário, o ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de
Moraes voltou a adotar medidas duras contra
apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), ao
autorizar uma ação da Polícia Federal contra
empresários que teriam manifestado apoio a um
eventual golpe de Estado caso o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva vença a eleição presidencial de
outubro.

A medida gerou revolta no meio bolsonarista, com


acusações de autoritarismo contra Moraes. Houve
também questionamentos de juristas que não
apoiam o presidente mas viram possíveis excessos e
ilegalidades na decisão que autorizou a apreensão
de celulares e o bloqueio de contas bancárias e de
perfis dos empresários nas redes sociais na terça-
feira (23/08).

Juristas ouvidos pela BBC News Brasil se dividiram


sobre possíveis ilegalidades na ação autorizada
pelo ministro. Eles ressaltaram, porém, que isso só
será esclarecido quando a decisão se tornar
pública. Como ela continua em sigilo, não foi
divulgada a fundamentação apresentada por
Moraes para autorizar a ação da PF.

Por enquanto, tudo que se sabe é que os oito


empresários alvos da ação policial — Luciano Hang,
Afrânio Barreira Filho, José Isaac Peres, Ivan
Wrobel, André Tissot, Marco Aurélio Raimundo,
Meyer Nigri e José Koury — teriam trocado
mensagens em um grupo de WhatsApp
manifestando apoio a um possível golpe de Estado,
conversas que foram reveladas em reportagem do
portal Metrópoles.

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Para o professor de direito da USP, Rafael Mafei, se


não existirem outros elementos que fundamentem
a decisão além dessa troca de mensagens, houve
ilegalidade na autorização de Moraes.

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"Para você tomar medidas investigatórias que


sejam invasivas, precisa ter indícios bastante fortes
da existência de um crime e do envolvimento das
pessoas impactadas com esse crime. Aquelas
mensagens não revelam nenhum crime", afirma.

Mafei ressalta que as mensagens divulgadas até o


momento não indicam ações concretas de
preparação para um golpe. Na sua avaliação, as leis
brasileiras não permitem uma devassa na vida das
pessoas com base em meras conjecturas de
possíveis crimes.

"O fato de a pessoa dizer


num grupo de WhatsApp
fechado que tem saudade Podcast
da ditadura ou que achava
que, se fosse para dar o
golpe, já tinha que ter sido
dado logo no começo do
governo, isso não
configura crime. A não ser
que haja prova que essas
pessoas estejam
efetivamente agindo e se BBC Lê
movimentando para
A equipe da BBC
viabilizar um golpe de
News Brasil lê para
Estado nessas eleições. Aí
você algumas de suas
sim, a gente estaria diante melhores reportagens
de uma situação grave,
Episódios
que exigiria uma ação
antecipada e dura como
essa", reforça.

Já a advogada criminalista Dora Cavalcanti,


conselheira do Instituto de Defesa do Direito de
Defesa (IDDD), considera "impossível qualificar a
decisão (contra os oito empresários) como um
abuso ou como um excesso por antecipação, sem
conhecer os fundamentos e, inclusive, os termos
em que a medida pode ter sido requerida (pela
Polícia Federal), ou para qual finalidade".

À BBC News Brasil, ela ponderou que outras


medidas menos invasivas poderiam ter sido
adotadas primeiro.

"Acho que nesse momento do país, faltando 40 dias


para a eleição, em que se tenta construir, vamos
dizer, um ambiente de respeito às eleições, à
democracia e ao funcionamento das instituições, a
gravidade das considerações que chegaram a
público é indiscutível", disse.

"Mas, como advogada de defesa, sabemos sempre


que qualquer medida de exceção deve ser tomada e
determinada só quando as demais não funcionam.
Então, rotineiramente, uma hipótese de
depoimentos (dos suspeitos), uma hipótese de
(requisição para) apresentação de documentos são
justificáveis", argumenta.

REUTERS

O procurador-geral da República, Augusto Aras, disse


que não foi comunicado sobre a operação

O ex-procurador-geral da República Claudio


Fonteles, por sua vez, apoiou a decisão do ministro
Alexandre de Moraes. Na sua avaliação, a liberdade
de expressão garantida na Constituição não
protege declarações que atentem contra o Estado
Democrático de Direito, havendo indícios
suficientes para iniciar uma investigação contra os
empresários.

"Você não precisa esperar que haja um dano, ou


seja, um efetivo fato concreto a pôr em perigo o
Estado Democrático de Direito para que você
investigue. Para que se abra um quadro
investigatório, basta ter indícios", argumenta.

"No momento, você tem pessoas falando


claramente que não vão aceitar a vitória do
candidato de oposição e claramente dizendo que é
o caso de se dar um golpe no país. É um abuso
eloquente da liberdade de manifestar o
pensamento", disse ainda.

Outro ponto controvertido da decisão de Moraes


foi a falta de participação da Procuradoria-Geral da
República. As medidas autorizadas pelo ministro
atenderam a um pedido direto da Polícia Federal.

O procurador-geral da República, Augusto Aras,


chegou a dizer que não foi comunicado
previamente da ação, mas o gabinete de Moraes
divulgou documentos mostrando que a PGR foi
acionada para acompanhar a atuação da PF na
véspera por meio "da entrega da decisão proferida
para a Assessoria de Apoio aos Membros da
Procuradoria-Geral da República no STF".

Depois disso, a decisão "foi encaminhada ao


Gabinete da Vice-Procuradora-Geral da República
às 15h35, onde recebida às 16h40 do mesmo dia",
informou ainda o gabinete.

À BBC News Brasil, o ex-PGR Fonteles disse não ver


problema em Moraes ter determinado a ação a
partir da solicitação da PF, sem consulta prévia a
Aras, porque se trata ainda de fase investigatória,
anterior à abertura de um eventual processo, que
só poderia ser iniciado após pedido do Ministério
Público.

Na sua avaliação, a medida se justifica "dada a


inércia flagrante, para lá de notória, do procurador-
geral da República" em investigar o presidente e
seus apoiadores — algo que Aras nega.

Segundo o portal de notícias Jota, a apreensão dos


celulares dos empresários revelou troca de
mensagens de empresários com o PGR.

Ao portal, assessores de Aras reconheceram que o


PGR troca mensagens com amigos do meio
empresarial, mas reiteraram que ele não tomou
conhecimento prévio da ação da PF e, portanto,
não falou sobre isso com os investigados.

Inquéritos controversos

A decisão de Moraes foi tomada dentro do


inquérito das Milícias Digitais, que investiga uma
suposta organização criminosa que atuaria
digitalmente com a finalidade de atentar com a
democracia brasileira.

Essa investigação foi iniciada após o arquivamento


do inquérito que apurava a organização de atos
antidemocráticos. Além desses, Moraes preside o
inquérito das Fake News, que tem também como
alvo o presidente e seus aliados, investigando
ameaças e informações falsas contra o Poder
Judiciário e os ministros do STF.

A abertura dessas investigações foi alvo de


controvérsias porque elas atingem, inclusive,
pessoas sem foro privilegiado — que, a princípio,
devem ser investigadas em outras instâncias
judiciais.

PERFIL PESSOAL DE LUCIANO HANG/INSTAGRAM

Empresário Luciano Hang é um dos apoiadores mais


conhecidos do presidente Jair Bolsonaro

No entanto, o plenário do Supremo considerou o


inquérito das Fake News legal em um julgamento
em 2020. Prevaleceu o entendimento de que
ameaças e notícias falsas contra o STF e seus
ministros podem ser investigadas pela Corte. Essa
decisão acabou servindo de precedente para as
outras investigações presididas por Moraes.

Embora essas investigações sejam alvo de


controvérsia e gerem reações do Palácio do
Planalto e de apoiadores de Bolsonaro, Mafei não
considera que Moraes deva "abrandar" as
investigações. Para o professor da USP, o problema
não está na gravidade das medidas autorizadas
pelo ministro, mas se há ou não fundamentos que
justifiquem a decisão.

"Alexandre Moraes não deve se orientar para


atender à expectativa do Bolsonaro e dos militares
de que ele abrande a sua atuação. Seu horizonte de
preocupação deve ser tomar todas as medidas que
ele tiver de tomar, não importa o quanto elas
desagradem o governo e seus apoiadores, desde
que ele seja muito claro, muito técnico, muito
preciso no embasamento dessas medidas,
justamente para que ele não possa ser acusado de
estar agindo de maneira parcial e ao arrepio da lei,
em prejuízo do Bolsonaro", destaca o professor da
USP.

Possíveis crimes

Se houver elementos que indiquem de fato uma


movimentação dos empresários para evitar a posse
do presidente eleito em outubro, os juristas ouvidos
pela BBC News Brasil dizem que eles poderiam ser
enquadrados na nova Lei de Segurança Nacional.

Essa lei prevê como crime de golpe de Estado


tentar depor, por meio de violência ou grave
ameaça, o governo legitimamente constituído. A
pena de prisão prevista pode chegar a 12 anos, sem
contar o agravamento da punição por possíveis
atos violentos.

Também é considerado crime na nova lei "impedir


ou perturbar a eleição ou a aferição de seu
resultado, mediante violação indevida de
mecanismos de segurança do sistema eletrônico de
votação estabelecido pela Justiça Eleitoral". A pena
é de até seis anos de prisão e multa.

Mesmo que a ação da Polícia Federal identifique


provas desses crimes, porém, Mafei considera que
ainda assim a decisão de Moraes pode ser
considerada ilegal se não trouxer uma
fundamentação prévia que justifique as medidas
que ele autorizou.

"Porque se não está presente a hipótese legal que


autoriza a medida preventiva, essa medida está em
desacordo com a lei, independentemente do que
seja encontrado (nas buscas da PF)", ressalta.

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