Você está na página 1de 7

ROUCO OU LOUCO:

UMA QUESTÃO DE INTERPRETAÇÃO


"À medida que partimos de microssituações e desen-
-1
volvemos para macrossituações, verificamos que a
aparente irracionalidade do comportamento numa
pequena escala assume certa forma de inteligibili
dade quando vista num contexto.
(Ronald Laing)

Agora você irá se divertir um pouco, lendo uma história


em quadrinhos com os personagens criados pelo Maurício de
Souza. Acompanharei a sua leitura e irei fazendo certas indi
cações e comentários, para que você possa entender melhor
algumas das propostas da antipsiquiatria. Vamos lá:

CEBOLINHA mL

ROUCO OU LOUCOT
OLA!
o QuET?)

M.

CBB3/12 Ma:2UCAE

35
OUEECEBOLAT
OL NAO!& QUE Eu
A
A POLUIÇAO NRA
sONORA? UE7 Oque aconteceu nesta parte inicial da historinha? Cebo0
o QUE 7 linha comunicou um fato ao Cascão: ele estava "louco".
Cascão, por sua vez, esqueceu-se de que seu amigo
troca
sempre o R pelo L, e interpretou a mensagem como signiti
cando um "desarranjo mental" do Cebolinha.
Note que no
quadrinho n." 7, já partindo de sua interpretação da loucura
do Cebolinha, ele constata que outro está dizendo
meio sem sentido.
o
coisas
Continuemos com os quadrinhos.

SAMIGOS
MEU MELHOR PoBREZINHO! E AGORAT COMOE QuE EUVou\ PENSANOO BEM, ISSo E
R MAS NA S ARRANAR OTRO AMIGO COMO UMA FALTA DE CÓNSIDE-
OH ELE? DEPOISDE TANTO TEMPO RACAO COMIGO!ELE PODIA
NAO! FIRMANDO NOSSA AMIZADE, E
ELE DA UMA MANCADA
AO MENOS ME AVISAR AN
DOSS/
N S DE
TES! ASSIM EU PODIA IR
DESSAS ARRANJANDO OUTRO
SNAN#
HOSPICIO:
AMIGO MELHOR!

CAScÃO, Eu NOSSA!ELE TA L QUE E


DOCESBALASE NAO ESOuocO MESMOTA FALANDO MONICA 1SS
L
d EUEME
E oCE NÃO SABIA?
OCEBOUNHA TA,
REVSTAS!T oUcO FALANDO SOZINHO?, NA TURMA!
LOU OT DOILDO, DOOO!

sosECADo BOBAGEM! EMBI-


RUTOLU
DE VEZ
QUANDO
VOCE VAH

PUXA. CEBOLINHA! DESCULPE, NAO SUPORTO


MAS_AGORA EU LEMBREL FICAR VENDOESSA) E
QUE TENHO UM COMPROMISSO/ TCHAU! DESSRAÇA COM QUEOCE
SEACHAA PRA VoCË
ELE / vER cOMO
URGENTE! MEU AMIGO! CEBOLINHA ESTIVBSSE YocEBOLNAA
MESMO! , LOUC MESMOE UM LOUco
LEGAL!
ESTAVA LOUCO7

C B)
56

37
MAMOS.YER
ROINHAV
CASEAC
COISA FEA A S A A. UAI! E UM
ELESTA
LEGAL
(AoSTART APOS KNDO/UM DOCE OR.QUE ELE YEu NÃO .
ESTAOLHANDO OisS UE
BESOURO
VIVO!
E
MIGO DA CONFEI- SAPAOT
LOUCO OU NAO A DA
NA
LINA!
am map

ESAL!
DocES
INA?
DA STO AGORAA
VER O
VEREMOS
LHELA,
ESTA ELE!

LOUCO

AGENTESE DACHOLPARECE EACHO, QUEE,


SENDO BesERVADO:
U
P
TEMUMA
RANg,MEU (RAERE EEao) PERDI

ENTAO
(cONFETTARIA!
veA!)
-

7
5 C
38

39
TOME!
pUROE
TOME UM L O S S NAO CHEGO
VIOLENTDI MAS
DEL
PERTO
E! ACUELA SERA QLE ELE VIu
ARVORE ME GENTE1
MA

TOEA!
E E LA! \
E
NAO
TER VOu
A
CORAGEM
DE OLHAR!

SAO OME
oOM A ODINHEIK ODE CASCAO
CMIPRAR
DOCE: STOU
OUVINOO
P56ST!3
PAESOS!
EU UE
NAO SAIO
DAQUI!O
CEBOLINHA
((
LOUCO PODE
ME VER!

TAMBEM HUM GUE


COcERANAS
OSAS
ELE ESTA
DAcUITOC
MEDO DELE SE ESFREGANDO
NA ARVORE

HI

O que aconteceu agora? Monica e Cascão


constatar a loucura do Cebolinha e,
pretendiam
para tanto, puseram-se
a observá-lo. Os dois
procuraram não interagir com o "louco"
mantendo-se escondidos. Eles se colocaram na
observadores "neutros", condiço
de
que apenas observam, de longe, e
tiram as suas conclusões.
, Agindo assim, tudo aquilo que o Cebolinha fazia não
tinha o menor
significado para eles, já que de sua posiço
não podiam perceber os reais motivos que levavam "

o louco"
40
41
a se comportar daquela torma. Ou seja: o comportamento do
indivíduo, quando retirado de seu contexto, perde a signifi- eMAG vocte esTAD CHO Gu voce EStio
COM REUL' OanM
TLEMENDoO! 6STAO coM
cação e passa a ter o significado que os observadores lhe BLIO
imputam. Se a interpretação inicial já era na direço da "lou
cura" do Cebolinha, os dados observados apenas confirmaram
tal interpretaç o.
Vamos continuar de onde paramos: Cebolinha, coçando
as suas costas na árvore, ouve ruidos atrás dela.

Voc UE
A GENTE SAIR
cORENCO
AGU SE NAO
ONTECER
NAD
MESMO UAAAO004S
S0cORRO}

oce o
RAXENDO iT
JE
EI!ESPERE OM

POR MIM! P FICARAM


LOUCOS?,

(
E Eou LOvco DEsDE
AN
BADKINHO voceS AMANHA ESTOu c !
ESTAO ovcos
TAMAEM?
Voc notou que, a partir da constataçào da "loucura" do
Cebolinha, os comportamentos do Cascão
e da Mônica também
se alteraram frente ele? Ambos passaram a temer o "louco",
a
já que, estando ele ensandecido, poderia ser capaz de coisas
imprevisíveis e mesmo violentas. E sempre assimn: pautamos
o nosso comportamento em
função de quem acreditamos seja
o nosso interlocutor.
Sigamos:
42
43
}UL, MAS TEM MA AA
ALGUMAS NOTE VAI
NUVENS!
ESTRELAS, ESTEAS
SVAI_TER
S
VINDOA VEM TAMOS MONIG ASO DE UM
TER WAR!, MAS Que
pAPO TAMBEM! LHOSAS
ATRAS!

PORAUE AGORA Encurralados, apavorados e não conseguindo ouvir o que


NTRADS NUM dizia o Cebolinha, Cascão e Mônica passam a lhe responder
( BECO SeM SAIDA!
coisas também sem nexo. Ou seja: por não compreenderem o
outro, ajudam a aumentar o clima desconexo da situação, na
esperança de que é este o tipo de "papo que u m louco gosS
taria de ouvir.
Mas, yeja o que acontece com a chegada da mâe do
Cebolinha:
CEOLINHA, TAVA vOCË ESQUECEU AS
PROCLRANDO
VOCE!
PASTILHAS PRA SUA
ROLGUIDAO E VOCE
TM GUE TOMAR, PRA
AVT NA HORA
,
MA NAO CONTINUAR ROU
O DEESE JEITO!
ESCUE

* VAMOS TENIR cOMMO, TuDO NAO ESCUTO (E NAOo TOME


FAZ2R COM CUE 9AMiGÃO!
LELE HEINN ROUGUIOÃO ? ENTAO.
ELEFIE
CALMO9!
TUDO BEM: CEBOLINHA FA
cOM VoCEs MA DISSS
PRA VOCE QUE LOUCO'
TEM ALGUMA NEM EU, KAR:

ROUCO? MAS ACHO


C A BADA!
MAS ESTAVA. GUE ELE
RESPONDA LOUCOI UERIA
aUALOUeR
COSA,
DIZER.

44
45
IeSO MESMO!
E EU ENTENDI CATQUELASs
ROUCO; NÉ" MAL A NO
ELE SE ESFRE
VAMOS ESQUIZOFRENIA: A "PATOLOGIA" MODELO
PERGUNTAR
GAND NA PRA ELE!.
ARVORE:
"Numa n1edida extremamente notável, a
'doenga
ou a ilogicidade do esquizofrêenico tem sua origem
na doença da lógica de outras pessoas. E assim que
a familia, a fim de preservar sua inautêntica ma
neira de viver, inventa uma doença."
(David Cooper)
TUDO EDXPLICADO DEPOS.. S E E L
PAULADAS N
SAPATO FOI o MAS PoR auE CASCAO, FOI
SESuNTE voces QUrEM UMA QUESTAO CERTO NADA
GABER SsO DE TROCAR O ACONTECIDO! Em que mundo vivemos hoje? Se você parar para analisar
EIN? ELE PELÓ ERRE
a estrutura que rege a atual organizaço mundial, notará que,
certamente, ela näo apresenta um caráter muito racional. Es-
tamos, enquanto população do planeta, divididos e manejados
pelo interesse de grupos poderosos, que dispõem de poder
suficiente para aniquilar-nos a todos. Veja estes simples da
dos: 1) as duas maiores potências- EUA e URSS-possuem
a capacidade, em armas nucleares, para destruir pelo menos
VAMOS, A PoSICÃO
ERRE.. FALE. iNGUA.. VAMOS, 100 vezes o planeta; 2) Dois terços da população mundial,
RRE.
ERRE! TENTE hoje, não consegue consumir o mínimo de alimentos neces
ERRE... FALE..ERRRRE!)
sário para uma sobrevivência normal.

VOCE AINDA Em termos lógicos, não lhe pareceria suficiente a capa-


VA NOS AGRADECcER)
POR ISSO AE cidade para destruir a Terra apenas uma vez? Por que este
acúmulo de poderio, se habitamos apenas um planeta? Istoo
não lhe parece altamente irracional? Da mesma forma, nâo
FIM lhe soa um tanto quanto "louca" a informação de que, en-
quanto toneladas de alimentos se deterioram e são jogados
A mae do Cebolinha restabelece o nexo, recompoe o con fora diariamente, dois terços do planeta estão sub-alimenta
texto que parecia totalmente desarticulado. Tudo aquilo que dos? Pois é: tomar a existência humana nesta Terracomo
para os observadores não tinha sentido, adquire uma signi-
ficação. Os comportamentos esquisitos, ilógicos, do Ceboli algo ordenado e lógico é, no fundo, desconhecer-se fatos ele
nha, ganham um sentido ao serem pensados a partir de uma mentares, como os acima citados. Afinal, será que vivemos
perspectiva diferente daquela tomada inicialmente. num mundo "louco"? O que nos autoriza a supor que deter
O elefante deixa de ser cobra. minados de nós são mais "loucos" do que os outros? Have-
No próximo capítulo você compreenderá um pouco me riam indivíduos "normais"? E o que é ser "louco" ou "nor-
Ihor estes pontos aqui levantados. mal", em meio a tudo isso?

46 47

Você também pode gostar