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O Doido e a Morte

Raul Brandão
Edições Colibri
Instituto Português das Artes do Espetáculo
Delegação Regional da Cultura do Alentejo

Enquadramento histórico-cultural:
Em 1923, a "Renascença Portuguesa" edita um volume de Teatro de Raul
Brandão (1867/1930) onde, entre outros textos, constava a farsa "O Doido e a
Morte". O título, inspirado num poema de Teixeira de Pascoaes (futuro
colaborador do autor na peça "Jesus Cristo em Lisboa"), estava inicialmente
para ser "O Senhor Milhões”. Raul Brandão parte de um episódio verídico
contado por um amigo e que utiliza nas "Memórias", datado de 19 de Fevereiro
de 1911:

"Duma vez o Pad-Zé, com uma bomba na mão, disse ao Bernardino: - O


Senhor anda aqui a empatar a revolução e por isso decidi sacrificar-me,
matando-o! - E fazia o gesto. Ia atirar com a bomba, iam morrer ali ambos. O
Bernardino, aflito, bem queria discutir: - Ó Pad-Zé, tenha juízo, eu... – Mas o
outro, batendo com a bomba descarregada em cima da mesa, exclamava: -
Morremos aqui ambos". A estreia aconteceu no Teatro Politeama a 1 de Março
de 1926, numa "Récita Única" a favor dos vendedores de jornais de Lisboa,
com Alves da Cunha no papel de Senhor Milhões e Joaquim Oliveira, que
também encenou, no de Governador Civil. Essa representação foi marcada por
intrigas de bastidores, que visavam suprimir a última fala, a fim de"não ofender
a decência dos ouvidos das senhoras". Com efeito, o pano chegou a cair antes
do final, mas, por exigência do intérprete, voltou a subir para que a réplica em
causa pudesse então ser dita, conferindo, assim, mais impacto àquilo que,
puritanamente, se queria censurar! Num contexto marcado pela degradação da
vida social e política da República, "O Doido e a Morte" contrapõe à vacuidade
ridícula do Governador Civil a crítica da mediocridade e da decadência, através
do discurso lúcido e pleno de consciência trágica da Vida produzido pelo
alucinado Senhor Milhões. Como refere Luís Francisco Rebello, Raul Brandão
sentia-se atraído pelo Teatro e pelo "prestígio enorme" que, nas suas palavras,
"quatro tábuas, dois ou três farrapos de lona a cheirarem a tinta "exercem
"sobre todos os homens de imaginação".

"O Doido e a Morte", elogiado por José Régio e Miguel Torga, é, porventura, a
melhor obra de Raul Brandão e reveste-se de enorme relevo no panorama
teatral português, à época dominado pela baixa comédia, pelo drama popular,
a Opereta e a Revista e também pelos subprodutos do Teatro Francês. Daí a
denúncia dessa dramaturgia de fancaria, "com personagens recortadas em
papelão, sentimentos empalhados, versos duros como calhaus e palavras,
palavras, palavras". E o autor manifesta mesmo o seu desprezo por "um teatro
artificial e inútil: artificial porque (...) lhe falta humanidade e grandeza; inútil, (...)
porque não se apercebeu ainda que caminhamos vertiginosamente para um
mundo novo que se está a gerar no tumulto e na dor da nossa época. Um
teatro para o Povo, que ele pudesse compreender e amar, Arte (...) que
aproximasse os homens dos homens e os tornasse irmãos". "Que importa que
o drama tenha dois ou tenha mesmo um único personagem, que o ato tenha só
uma cena e dure dez minutos, contanto que nos faça bater mais rijo o coração
ou nos absorva?"

Sinopse
 O Governador Civil, Baltazar Moscoso, dramaturgo frustrado, tenta escrever
mais uma das suas peças medíocres. O contínuo Nunes avisa-o que o Senhor
Milhões o vem visitar com uma carta de recomendação do ministro. Ao ser
recebido, o Senhor Milhões liga a campainha elétrica da secretária a uma caixa
que transporta consigo, comunicando que acaba de ativar uma bomba, a qual
rebentará daí a vinte minutos. Perante o desespero do Governador Civil que se
vê abandonado por todos, inclusive a sua mulher, D. Ana, o Senhor Milhões faz
a crítica demolidora das convenções sociais e a defesa de um sentido último
para a Vida; o próprio Governador Civil admite ter sido a sua uma mentira. E,
na iminência da explosão, chegam dois enfermeiros, que vêm buscar o Senhor
Milhões, o doido. Afinal, a bomba era apenas algodão em rama e não o temido
peróxido de azoto, o que leva o Governador Civil a soltar um palavrão entre a
raiva e o alívio.

Elenco
 Quatro personagens: Senhor Milhões, o Governador Civil, Baltazar Moscoso, a
mulher deste, Ana de Baltazar Moscoso, Nunes, uma espécie de polícia-
secretário-criado que introduz as personagens. Dois figurantes, os enfermeiros
que entram na última cena.

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