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AGRUPAMENTO DE ESCOLAS ALEXANDRE

HERCULANO
COD. 153000
DGEstE/DSRN
Ano Letivo 2021/ 2022

A Queda Dum Anjo


Camilo Castelo Branco

A Queda dum Anjo é o título de um romance satírico de Camilo Castelo Branco, escrito
em 1866.
Nele o autor descreve a corrupção de Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda,
morgado da Agra de Freimas, um fidalgo minhoto camiliano e o anjo do título, quando se
desloca da província para Lisboa.
Uma das mais célebres obras literárias escritas por Camilo Castelo Branco, descreve
de maneira caricatural a vida social e política portuguesa e traz, ainda, um aspecto risível ao
tratar, também, do desvirtuamento do Portugal antigo.
É uma parábola humorística na qual o protagonista, Calisto, um fidalgo austero e
conservador, encarna de maneira satírica o povo português. Ao ser eleito deputado, Calisto vai
para Lisboa, onde se deixa corromper pelo luxo e pelo prazer que imperam na capital. Torna-se
amante de uma prima distante, Ifigénia, nascida no Brasil, uma relação reprovada pela
sociedade puritana portuguesa. Outra atitude que provoca os princípios portugueses é a
transição do personagem da posição política miguelista (e de oposição) para a do partido
liberal, no governo. Ironicamente, a esposa de Calisto, Teodora, uma aldeã prosaica, imita-o na
devassidão e é igualmente corrompida. Ao ser ignorada por Calisto, sucumbe ao prazer da
modernidade juntamente com um primo interesseiro com quem passa a ter um relacionamento.

RESUMO DA OBRA:
Calisto Elói, era morgado de Agra de Freimas, vivia em Caçarelhos em perfeita
harmonia com a sua esposa, D. Teodora de Figueiroa. O seu conhecimento dos clássicos, aos
quais dedicou toda a vida, enche-o de uma sabedoria moralista e conservadora que o faz ser
eleito deputado pelo círculo de Miranda. Entretanto muda-se para Lisboa. O idiolecto florido do
deputado ibório Meireles, cujas tendências plagiárias Calisto não tarda a denunciar. O seu
estatuto incorrupto e, contudo, anacrónico é simbolizado pelo traje, cujo feitio copiara daquelas
do seu casamento, molde imutável de todo o seu vestuário desde então. Mas a experiência da
sociedade lisboeta, cheia de mulheres atraentes, que lêem Balzac, não deixa o herói imune. A
contaminação da personagem e os indícios da queda expressam-se exteriormente através da
primeira visita a um alfaiate lisboeta, impulsionada pela intenção de impressionar uma jovem
menina casadoira cuja irmã, ele mesmo acabara de resgatar de uma ligação adúltera. Esse é o
primeiro passo na transfiguração de anjo em «esbelta figura de homem». A sua própria mulher
não o reconhecerá. Esta transfiguração exterior traduz a sua moral, consumada na defesa de
princípios liberais em discursos tão ocos como aqueles que no início condenara e na ligação
adúltera que mantém com uma viúva brasileira, D. Efigénia Ponce de Leão, de quem terá dois
filhos. Por sua vez, D. Teodora, último reduto aparente do Portugal antigo, deliciosamente
expresso nas suas cartas ao marido não correspondidas, acaba por relacionar-se com seu
primo, adoptando também ela as novas modas com que contactara numa viagem iniciática a
Lisboa, que foi a última tentativa falhada de reaver o marido.

Agrupamento de Escolas Alexandre Herculano - Av. Camilo 4300-096 - Porto


Telef. 225371838 - Tlm. 938368852 - Fax 225365502
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Análise de «A Queda dum Anjo»


Camilo Castelo Branco

A sátira reside na descrição de personagens


corruptos de maneira cômica. A princípio, percebe-se a
defesa de uma tese, porém, o autor afrouxa essa ideia à
medida que a história vai se configurando. É uma obra que
destoa do aspecto ultra-romântico de Camilo Castelo Branco,
mas não deixa de pertencer a essa escola literária.

Este conhecido romance satírico camiliano tem


interesse por variados motivos: dá-nos um quadro dos
costumes político-sociais da época, oferece-nos no retrato
satírico do protagonista um símbolo do Portugal velho que
perde antigas virtudes ao modernizar-se um pouco à pressa
e possui em alto grau vigor e vernaculidade de linguagem.

a) Acção.
Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda,
morgado de Agra de Freimas, é um típico fidalgo transmontano que se esqueceu de
acompanhar o progresso. Casado por interesse com a morgada de Travanca, D. Teodora
Barbuda de Figueiroa, nunca soube o que era amor; veste à moda antiga; estuda só autores
clássicos anteriores a D. Francisco Manuel de Melo, ficando impermeável às doutrinas
iluministas; e até pensou ressuscitar a legislação dos forais velhos para governar a Câmara de
Miranda, no único dia em que ocupou a presidência.
Numas eleições é escolhido para representar a sua terra no Parlamento, onde pensa
lutar pela redução ou até extinção dos impostos. Antes de partir para a Capital, estuda noite e
dia os seus velhos alfarrábios e exercita-se na arte de dizer, qual outro Demóstenes, nas
margens fragosas do Douro.
Calisto, ainda na sua terra, lera várias descrições de Lisboa, todas anteriores ao
terramoto. Não sabia que a cidade tinha mudado muito. Uma vez na Capital, guiando-se pelos
desactualizados «in folio», vai à procura de chafarizes monumentais que os livros descreviam
em ruas há muito enterradas. Sujeitou-se a ouvir dizer a meia voz: «este homem parece que
tem uma cavalgadura magra no corpo...».
No Parlamento, Calisto tornou-se logo notado por falar com rude franqueza, numa
linguagem terra a terra. Atacou os juramentos hipócritas, os subsídios concedidos ao teatro, a
mania do luxo, etc. A isto chama Camilo «virtuosas parvoiçadas». Os deputados riam.
Teve que se haver com um membro das Cortes, o Dr. Libório Meireles. Este orador
liberal usava um estilo barroco, campanudo, melífluo, oco. Calisto dizia não o entender e, em
determinada ocasião, ao criticar certa expressão do deputado portuense, desabafou: se o
termo -fosse parlamentar, eu diria farelório!
Camilo, que põe na boca do Dr. Meireles alguns excertos da obra do Dr. Aires de
Gouveia A Reforma das Prisões, satiriza com verve a oratória parlamentar do tempo.
O morgado de Freimas, dentro e fora das Cortes, é um abencerragem da moralidade:
continua a vestir ridiculamente, mostra-se um fiel realista, critica a leitura de romances
franceses, não fuma e continua fiel ao seu rapé. Converte até a adúltera Catarina, filha do seu
anfitrião, o comendador Sarmento.

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Mas, um dia, olhou para a irmã desta, Adelaide. O coração de Calisto descobriu que
nunca tinha amado. E ei-lo, do dia para a noite, todo romântico. Começa por mudar de roupas,
vai fazendo uns versinhos, corteja a rapariga.
Adelaide repudiou o amor do homem casado, que pouco antes pregara um sermão a
uma adúltera. Mas aconteceu vir visitar o desconsolado Calisto a jovem viúva do general Ponce
de Leão: brasileira, loira, com trinta anos e a mendigar uma pensão. O morgado, para começar,
descobriu parentescos afastados entre os Barbudas e os Ponce de Leão e vá de chamar-lhe
«prima». Depois montou-lhe casa.
A transformação que se operou no deputado foi espantosa: deixou crescer o bigode e
cavanhaque, vestia pelo último figurino, esqueceu a esposa Teodora, gastou dinheiro a rodos,
passou-se para a oposição, separou-se definitivamente da mulher, o demónio.
Camilo, depois de satírizar os fidalgos que pararam o relógio da cultura nos fins do
século XVII, verbera com acrimónia a oratória parlamentar do tempo, a hipocrisia dos políticos
e fidalgos, a perversão dos meios citadinos, a caça às condecorações e comendas, etc.

b) Personagens.

Calisto Elói.
É um tipo de fidalgo ferozmente tradicionalista, que se moderniza e perverte ao
mergulhar na vida da cidade, que ignorava. Dotado de formação intelectual anacrónica e
desfasada da realidade, apoiada numa excessiva credulidade em alfarrábios
desactualizadissimos, é ele o «anjo» (em Trás-os-Montes e nos primeiros tempos da estadia
em Lisboa) que dá uma estrondosa «queda» na Capital. O convívio com uma bela mulher e um
curto arejamento de civilização em Paris, levaram-no a modificar de alto a baixo o modo de
trajar, os costumes sóbrios, a ideologia política e até o estilo oratório (antes de feição rude e
directa, causando ora admiração ora zombaria pela franqueza e desassombro, depois melífluo
e incolor).
Há quem diga que esta personagem é um decalque imaginoso de um Teixeira da Mota,
fidalgo de Celorico que, eleito deputado, se transformou em Lisboa num libertino de primeira
ordem.

Teodora.
Esposa de Calisto, «ignorante mais que o necessário para ter juízo» (cap. 1), é uma
prosaica fidalga rural. Após a «queda» do marido, para quem pouco mais tinha sido do que
mulher de trabalho, também ela caiu, mesmo sem abandonar a província, ligando-se
oportunamente a um primo interesseiro.

Dr. Libório Meireles. O «Doutor do Porto», com quem Calisto embirra solenemente
nas Cortes, é um espécimen deorador parlamentar balofo, palavroso, afectado, formalista.
Afirma-se que nesta personagem pretendeu Camilo ridicularizar o bispo D. António Aires de
Gouveia, lente, ministro e par do Reino.

Ifigénia. É uma atraente brasileira, viúva do brigadeiro Ponce de Leão, que se


aproxima de Calisto a pedir os seus préstimos no intuito de obter uma pensão em atenção aos
serviços prestados à Pátria pelo defunto marido. Nela descobre o faro genealógico de Calisto
uma «prima» que, num abrir e fechar de olhos, se transforma na sua «mulher fatal».

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c) O espaço e o tempo.

 O espaço físico d' A Queda dum Anjo é constituído por: uma aldeia transmontana do
termo de Miranda (Caçaremos) e por Lisboa.
Este espaço físico reveste-se de características inconfundíveis que sem dificuldade o
transformam em espaço social: Caçarelhos é a terra provinciana atrasada, impermeável ao
progresso, estrangulada por costumes quase medievais;
Lisboa é a cidade que desperta tardiamente e procura modernizar-se um pouco à
sobreposse, sofrendo uma notória e perniciosa degeneração de costumes ocasionada por um
processo civilizatório eivado de materialismo que a Regeneração favorecia.

 O tempo da narração — «hoje» (cap. 1) — coincide com o ano civil de 1864.


O tempo da história é anterior. Calisto nasceu em 1815 (cap. 1), casou por volta dos
vinte anos (cap. 1), talvez cm 1835, ocupou a presidência da Câmara de Miranda em 1840
(cap. 1), veio para as Cortes em fins de Janeiro de 1859 (cap. 4), e aí permaneceu durante um
triénio. E neste triénio que se desenrola a acção fulcral da novela.
Outras referências expressas ao tempo: «noite de Abril» (cap. 21), «fecharam as
câmaras» (cap. 25), «pleno estio» (cap. 26), «dois meses depois de fechado o parlamento»
(cap. 27), «Outubro daquele ano» (cap. 32), «abriram-se as câmaras» (cap. 33), - decorreram
alguns meses... fechado o triénio da legislatura» (cap. 36).

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A Queda Dum Anjo


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Camilo Castelo Branco

Narrativa de Camilo Castelo Branco publicada em 1865. Camilo é um escritor de


quedas, ruínas econtaminações, mas para além disso, um escritor entre dois mundos. A Queda
Dum Anjo traçaalegoricamente o percurso da contaminação do Portugal antigo por modas
políticas, sociais, religiosas eculturais a partir do percurso de uma personagem. Calisto Elói,
morgado de Agra de Freimas, vive em Caçarelhos em perfeita harmonia com a sua esposa, D.
Teodora de Figueiroa. O seu conhecimento dos clássicos, aos quais dedicou toda a vida,
enche-o de uma sabedoria moralista e conservadora que o faz sereleito deputado pelo círculo
de Miranda. A sua presença em Lisboa e os seus discursos no Parlamentofazem sensação. A
moral dos costumes antigos, que defende em detrimento do luxo e dos teatros, avernaculidade
autêntica e concisa do seu discurso, o seu senso comum, têm um impacto cómico em Lisboa, o
que é tanto mais irónico quanto fazem sentido. Deste modo, retratando o Parlamento como
palco fechado e circular das disputas pessoais que os próprios discursos políticos geram, o
narrador troça daqueles que, em vez de tentarem conhecer e resolver os verdadeiros
problemas nacionais, troçam da sua personagem. Neste sentido, é exemplar o idioleto florido
do deputado Libório Meireles, cujas tendências plagiárias Calisto não tarda a denunciar. O seu
estatuto incorrupto e, contudo anacrónico é simbolizado pelo traje: «calças rematando em
polainas de madrepérola» cujo feitio copiara daquelas do seu casamento, molde imutável de
todo o seu vestuário desde então. Mas a experiência da sociedade lisboeta, cheia de mulheres
que leem Balzac e lhe dão a conhecer um romance de Camilo, cujos galicismos
condenaveementemente, não deixa o herói imune. A contaminação da personagem e os
indícios da quedaexpressam-se exteriormente através da primeira visita a um alfaiate lisboeta,
impulsionada pela intenção deimpressionar uma jovem menina casadoira cuja irmã ele mesmo
acabara de resgatar de uma ligação adúltera. Esse é o primeiro passo de um percurso que
culminará na transfiguração de anjo em «esbeltafigura de homem», «subordinado ao alvitre do
alfaiate», cheio de «meneios, posturas e jeitos» a quem «odescostume da leitura restituíra o
aprumo da espinha dorsal». A sua própria mulher não o reconhecerá. Estatransfiguração
exterior traduz a sua metamorfose moral, consumada na defesa de princípios liberais
emdiscursos tão ocos como aqueles que no início condenara e na ligação adúltera que mantém
com uma viúvabrasileira, D. Ifigénia Ponce de Leão, de quem terá dois filhos.
Por sua vez, D. Teodora, último reduto aparente do Portugal antigo, deliciosamente
expresso nas suas cartas ao marido, acaba por relacionar-se maritalmente com seu primo,
adotando também ela as novas modas com que contactara numa viagem iniciática a Lisboa,
última tentativa falhada de reaver o marido.
Camilo mistura a sátira com a tragédia da inutilidade dos ideais e do absurdo e
incoerência de todas as coisas, configurando uma paródia sorridente, mas também
desesperada dos seus próprios dramas, que costumavam assentar na noção de uma
existência resgatável pelo sacrifício. Aqui estamos perante o percurso inverso e a
surpreendente ausência de punição.

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Resumo da História

Calisto Elói, morgado da Agra de Freimas, vive em Caçarelhos com sua mulher, D.
Teodora de Figueiroa, e com os seus livros clássicos, cuja leitura é o seu entretenimento
preferido. Tendo sido eleito deputado, vai para Lisboa, disposto a lutar contra a corrupção dos
costumes. Faz furor no parlamento com os seus discursos conservadores, apoiados na sua
cultura livresca (mostrando aí o domínio da oratória), causando espantadas reacções. Defende
principalmente o bom uso da língua portuguesa e combate o luxo e os teatros.
Ao longo da narrativa, na sua defesa da moral dos bons costumes antigos, a sua figura vai
evoluindo até atingir um clímax. Logo após, inicia-se a queda. Esta consiste essencialmente na
transformação total do herói, que adquire os costumes modernos que tanto condenava. Inicia
uma relação ilícita com D. Ifigénia Ponce de Leão, com quem acaba por viver maritalmente e
de quem tem dois filhos. Por seu lado, D. Teodora, vai depois também viver com seu primo,
Lopo de Gamboa, de quem tem um filho.

Tempo e Espaço

Quer um quer o outro não são muito relevantes nesta novela. O tempo é linear,
acompanhando a evolução do protagonista. O espaço resume-se apenas aos espaços em que
o herói se move: Caçarelhos e Lisboa, sem haver muitas descrições. O tempo da narração não
coincide com o tempo da história (que é linear), i.e., a narração é feita 5 anos depois da
história.
Antes da queda, o tempo da narração aproxima-se do tempo da história pois o narrador
quer salientar aspectos de Calisto. Assim, no parlamento, o tempo da narração aproxima-se do
da história, ambos lentos. No resto da narrativa, o tempo da narração é superior ao da história.
Depois da queda, o tempo da história é superior ao da narração. Os acontecimentos reflectem
o fluir do tempo, sendo por isso mais rápidos que antes.
Quanto ao espaço, antes da queda, Calisto movimenta-se em Caçarelhos e Lisboa
(seu quarto, parlamento e casa do desembargador Sarmento). Depois da queda, há uma
diversificação espacial: Lisboa (Teatro, Hotel), Sintra (hotel e casa de Ifigénia), Caçarelhos
(casa). Cada lugar é simbólico: Caçarelhos é o Portugal Velho, Lisboa, o do progresso, Sintra,
o do idílio amoroso, i.e., o espaço romântico. Por fim, no último capítulo, dá-se uma
condensação do tempo: o narrador acelera o tempo, conta o que sabe do destino das
personagens. Aqui, o tempo da história avança muito mais que o da narração.

A ironia camiliana

Permite uma grande imobilidade no interior da narrativa. O narrador participa ou afasta-


se, exagera a ironia ou torna-a subtil, hiperboliza situações tornando-as cómicas, destaca o que
lhe interessa, enfim, domina o universo ficcional. Para tal, utiliza:
 Auctorictas – Calisto Elói tem uma cultura livresca clássica e acredita piamente no que
dizem os livros, mesmo que estes tenham já quase 200 anos e estejam desfasados da
realidade (ex.: água da fonte e a contradição com a realidade de Lisboa, que resulta
num cómico constante).
 Autocrítica – por vezes Camilo ri-se dos seus próprios temas e artifícios que usa.

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 Toponímia e onomástica (nomes próprios ) - tem por vezes efeitos cómicos (Calisto Elói
de Silos e Benavides de Barbuda; Ifigénia Ponce de Leão; o próprio título A Queda de
um Anjo).

Nesta novela há vários níveis onde se processa a crítica social.


Num 1º plano, temos a crítica da vida portuguesa da época da Regeneração. É pelos olhos
de Calisto que o narrador nos mostra a miséria moral e intelectual do novo mundo político
lisboeta, em que o liberalismo produz má fé e muito oportunismo. É de salientar que no 1º
plano o narrador (depois de nos fazer identificar com Calisto e o mostrar a cometer os erros
que condenara) preocupa-se em manter a nossa simpatia pelo anjo que desceu ao chão,
tornando-nos assim cúmplices de Calisto.
Durante a transformação de Calisto, dá-se o 2º plano da crítica – a uma dada concepção
de literatura e da sua função na sociedade moderna. Nesta época, o seu público é conhecedor
dos folhetins e romances franceses. Por isso ele não tem qualquer ilusão sobre o papel da
literatura na correcção dos vícios – apenas na manutenção dum bom padrão linguístico.

Personagens

Narrador: Assume diferentes papéis. Assim, tem várias vozes: a de narr. omnisciente
(conhece o que se passou e o que se irá passar) mas participante (ora faz comentários ora se
distancia); narrador-autor, sempre que se refere a pormenores do romance, narração ou
quando se identifica com Calisto; narrador-biográfico, na medida em que Camilo, ao descrever
Calisto, se descreve a si próprio e também na leitura de clássicos, daí simpatizar com o
protagonista; a de narrador-cronista, dado que parte de dados reais para a ficção. Este jogo do
narrador tem um ponto comum: a ironia.

Calisto: é o protagonista, herói da novela. Conservador, símbolo do Portugal Velho.


Homem erudito, assíduo leitor dos clássicos (baseia todo o seu comportamento nos livros, o q
confere comicidade à novela), defensor dos valores da moral antiga, bem como do uso duma
linguagem vernácula, simples, sem estrangeirismos (como Camilo, notando-se melhor essa
semelhança nas sessões parlamentares quanto à linguagem, mas também às opções
políticas), avesso à modernização. Daí condenar os luxos excessivos, os fundos para os
teatros, a literatura moderna, nomeadamente a francesa e a aparência ridícula. Mas é também
um homem ingénuo, puro e sincero, despertando assim no leitor uma certa simpatia. Calisto vai
sendo engrandecido, para que a sua queda cause maior impacto. Por causa do amor, muda:
muda a aparência física, vira-se para o futuro, aberto à modernização, à literatura moderna,
simbolizando o Portugal Novo. Cai o anjo para a categoria de homem, deixando de se
identificar com o autor. É uma personagem modelada, em função da qual todas as outras se
movimentam e a partir dele que se desenrola a acção.

Teodora: Mulher provinciana, pouco interessante, sem graça, rude, banal, com uma
linguagem proverbial, apenas preocupada com a lida da casa e a lavoura. Sofre alterações
(apenas a aparência e parte da moral), pois entrega-se a uma relação ilícita, mas a ignorância
inicial não desaparece.

Brás Lobato: mestre-escola, com uma falsa erudição associada ao oportunismo. Homem
provinciano, faz figura na terra, mas em Lisboa torna-se cómico pela sua ignorância.

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Abade de Estevães: Estabelece a ligação entre Calisto e os outros deputados. Adopta


uma confortável posição neutra nos males sociais e políticos.

Dr. Libório: deputado com um discurso oco, cheio de floreados e sem sentido. Plagia o Dr.
Aires, não o confessando. Tem como função realçar Calisto. Simboliza o Portugal Novo, fraco,
destituído de sentido. Daí o discurso de Calisto depois da queda ser parecido com o desta
personagem.

D. Catarina Sarmento: pers. romântica. Envolvida de amores com D. Bruno Mascarenhas,


cedo se arrepende (intervenção de Calisto) e nunca confessa ao marido. Lia literatura moderna
francesa (Balzac), notando-se aqui uma insinuação do narrador quanto às más influências que
tais leituras lhe causam.

D. Adelaide: noiva de Vasco da Cunha. Reconhecida a Calisto por ter salvo o casamento
da irmã, Adelaide dedica-lhe a sua amizade e logo Calisto se enamora dela. É importante na
medida em que é a força que desencadeia em Calisto um sentimento até aí desconhecido – o
Amor

Divisão da obra em actos:

 Ato I- Cap. I-XIII - O Anjo- pureza na defesa dos costumes, ideais, na linguagem; segue os
costumes do séc. XVI.

 Ato II- Cap. XIV-XXIII - A Metamorfose- As atitudes de Calisto com Adelaide não
coincidem com o que diz. Esta atracção transforma-o no vestir, modo de falar, nos seus
hábitos, etc. Aqui prepara-se a queda: o anjo vai dar lugar a um homem igual aos outros
homens (“Qui veut faire l’anje, fait la bête” - Pascal).

 Ato III – Cap. XXIV- Conclusão - A Queda- Calisto apaixona-se por Ifigénia,
transformando-se radicalmente e dando-se a queda.
D. Teodora vai a Lisboa instigada pelo primo (que gostava dela) e espanta-se com o luxo
da casa do marido. No final, Calisto e Ifigénia partem para Paris e D. Teodora fica com o primo.
A função da narrativa camiliana é tirar uma moral. Mas Camilo conclui que desta história
não pode tirar moralidades porque a imoralidade de Calisto deixou-o feliz! Contudo, por se ter
identificado com o Calisto provinciano e satirizado o Calisto civilizado, exerce uma acção
moralizadora, pois critica os podres do Portugal Novo.

O estilo

Mais uma vez, Camilo prima pela economia da narração, sendo as poucas descrições
presentes um complemento das situações narradas (ex.: descrição de Calisto acentua as suas
características). Camilo utiliza vários níveis de língua, de acordo com as personagens e
contextos em que se inserem: nível cuidado, ligado a Calisto, no Parlamento, quando se
utilizava todos os artifícios da retórica; nível normal, ligado ao narrador, espaço e personagens
lisboetas; nível popular, discurso de Teodora, retratando a sua vulgaridade; nível familiar, nas
cartas de Calisto e Teodora. Assim, Camilo imprime o ritmo conveniente à acção. É

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trabalhando sabiamente a Língua que confere um notável dinamismo à sua novela. Utiliza
também dicotomias: Portugal Velho/Portugal Novo e anjo/homem.

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