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A POLÍTICA DE INOVAÇÃO NO BRASIL E

SEUS IMPACTOS SOBRE AS ESTRATÉGIAS


ARTIGO DE DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO
EMPRESARIAL
MAURÍCIO MENDONÇA

RESUMO tendências que se afirmaram durante uma década:


O artigo trata das dificuldades enfrentadas pelas a recuperação da capacidade de investimento do
empresas brasileiras para inovar. A argumentação governo federal em C&T e a participação crescente
se baseia na perspectiva do empresário que deseja da inovação empresarial no contexto da produção
inovar e desenvolver novos produtos e processos, de conhecimento e desenvolvimento tecnológico
mas que tem dificuldade de acesso a crédito, in- do País.
centivos ou apoio de diversas modalidades para Ao longo deste período, o Brasil alterou profun-
realizar tal objetivo. Discute, também, a essência damente seus instrumentos de fomento à inovação
da política pública brasileira de inovação: a oferta e o interesse do setor empresarial se ampliou, tanto
de serviços tecnológicos sem uma conexão com a sob a forma de participação mais efetiva nos diver-
demanda empresarial e as necessidades do em- sos espaços de representação, quanto no campo
presariado. da formulação de propostas e na demanda concre-
ta por recursos e participação em programas pú-
blicos.
INTRODUÇÃO Este artigo procura, de forma abreviada, apre-
A aprovação da Lei 11.540/07 que regulamenta sentar os principais traços constitutivos desse
o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico processo e discutir alguns avanços que ainda são
e Tecnológico – FNDCT encerrou um capítulo da necessários para consolidar e ampliar a participa-
história recente da política científica e tecnológica ção do setor empresarial no processo de desenvol-
brasileira. Seu início foi marcado pelas alterações vimento socioeconômico brasileiro, com base em
iniciadas com a criação do Fundo Setorial do Pe- uma indústria inovadora.
tróleo – CT-Petro, em 1997, que preconizava duas

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A política de inovação no Brasil e seus impactos sobre as estratégias de desenvolvimento tecnológico empresarial

A EVOLUÇÃO RECENTE DA POLÍTICA DE tais e programas de desenvolvimento tecnológico


INOVAÇÃO apoiados por agências de fomento, tais como a Fi-
O Brasil é um país de tradição na adoção de nep e o BNDES.
medidas de apoio ao desenvolvimento científico e Ao setor privado formado por empresas multi-
tecnológico. Desde a época do Império, logo após nacionais coube o papel de provedor de tecnologia,
a chegada da Família Real ao país, foram criadas em particular na produção de bens intermediários,
instituições públicas de pesquisa nas áreas de bo- bens duráveis e bens de capital. Setores importan-
tânica, agronomia, medicina e engenharia. O ensi- tes para a dinâmica de incorporação tecnológica na
no superior também foi logo instituído, com facul- indústria, tais como eletrônica, informática, auto-
dades de direito, medicina, escolas de engenharia mação industrial, automobilística, entre outros, não
e outras. foram estimulados a produzir tecnologias no País,
No século passado, o País manteve-se atuali- exceto em casos específicos. Ao contrário, muitas
zado com a criação do CNPq e da Capes, nos anos vezes as empresas multinacionais visavam aten-
50, e mais tarde nos anos 70, com a criação da FI- der à demanda local com produtos com menor grau
NEP. Foram instituídas universidades federais em de sofisticação e, até mesmo, defasados tecnologi-
praticamente todos os Estados, além de institutos camente em relação aos mercados dos países de
de pesquisa estaduais e federais, bem como cen- origem.
tro de pesquisas e desenvolvimento de empresas Da mesma forma, a empresa nacional – muitas
estatais, tais como Petrobras, Eletrobrás, Telebrás, vezes estimulada a fornecer para cadeias produti-
Nuclebrás, Embraer, CSN, Usiminas, CVRD, entre vas internacionais – não contava com estímulo fis-
outras. cal ou creditício para produzir bens e serviços tec-
Em particular nos anos 70, no auge da políti- nologicamente avançados, nem mesmo constituir
ca industrial de desenvolvimento nacional, mesmo uma base de P&D local, com ou sem a parceria de
com os incentivos à importação de tecnologia de universidades e centros de pesquisa. Pode-se até
processos e produtos, o País manteve uma preo- afirmar que, em muitos casos, os grandes proje-
cupação com o desenvolvimento tecnológico em tos do setor público alijavam a participação de em-
setores de ponta como eletrônica, energia nuclear presas nacionais, pela excessiva verticalização de
e biotecnologia aplicada à agricultura. suas atividades de pesquisa ou pela ausência de
Contudo, a política brasileira de ciência e tec- uso do poder de compra estatal.
nologia sempre foi baseada no conceito de que Em resumo, o desenvolvimento tecnológico em-
a oferta de bens e serviços tecnológicos – recur- presarial foi excluído, de certa forma, das políticas
sos humanos qualificados, laboratórios científicos públicas de desenvolvimento econômico, ao contrá-
atualizados, serviços tecnológicos prestados por rio da intenção expressa nos planos brasileiros de
instituições públicas de pesquisa e a própria reali- desenvolvimento científico e tecnológico dos anos
zação de pesquisas científicas – seriam uma força 70. Mais especificamente, a ação governamental
determinante na consecução do objetivo maior de visou ampliar a oferta de conhecimento científico e
estimular o desenvolvimento econômico e, em par- tecnológico – via expansão do sistema universitário
ticular, o progresso técnico da economia. e de pesquisa público – em contraposição a uma
Em muitos casos, a participação determinante criação de incentivos às empresas.
do Estado na economia, em especial em setores Nos anos 90, diversos analistas começaram a
sensíveis do ponto de vista tecnológico – telecomu- ressaltar os resultados destas políticas, que justifi-
nicações, energia nuclear, petróleo, siderurgia, pe- cavam o fraco desempenho da indústria brasileira
troquímica – permitiu a adoção de uma estratégia no comércio exterior – elevada participação das
semi-autônoma de desenvolvimento tecnológico, commodities de origem em recursos naturais e a
por meio da criação de centros de pesquisa esta- baixa participação de produtos manufatureiros de

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alta intensidade tecnológica –, o irrisório número toriais, a criação do Centro de Gestão e Estudos
de patentes depositadas no escritório americano Estratégicos (CGEE), a possibilidade de equalizar
(USPTO) e o baixo nível de investimento privado e subsidiar as empresas, a Lei de Inovação, o ca-
em P&D. Na medida em que, a economia global pítulo III da Lei do Bem, a Lei do FNDCT, a refor-
caminhou para uma sociedade baseada na infor- mulação do INPI, o aumento dos investimentos no
mação e conhecimento, na qual a informática e a Inmetro, a reformulação e atualização dos quadros
eletrônica, ao lado da biotecnologia e dos novos técnicos da Finep, a criação das linhas de crédito
materiais, se tornavam a base da inovação tecno- do BNDES, a ampliação e criação de programas
lógica, o Brasil apresentou fragilidades no seu sis- de capital de risco no BNDES e na Finep, entre ou-
tema de inovação, que se revelou precocemente tros.
envelhecido e funcionando mal. Estas alterações legais e institucionais possibili-
A política de oferta sujeita a necessidade de taram que o conjunto de instrumentos de incentivo
crescentes recursos públicos passou a ser alvo de existentes no País se aproximasse daqueles que
cortes nos orçamentos, levando a uma rápida dete- encontramos à disposição das empresas nos paí-
rioração da infra-estrutura de pesquisa, professores ses desenvolvidos. Ou seja, as opções existentes
e pesquisadores desestimulados e desatualizados no menu de incentivos aqui são semelhantes às
e baixa interação entre as instituições de pesquisa disponíveis nos concorrentes do Brasil.
e empresas.
Por outro lado, a crise fiscal nos anos 80 induziu
um processo de privatização de empresas estatais OS IMPACTOS DA POLÍTICA DE INOVA-
que levaram a uma desarticulação dos seus cen- ÇÃO SOBRE O SETOR EMPRESARIAL
tros de pesquisa e dos institutos de pesquisa pú- A introdução dos mecanismos de financiamen-
blicos criados ou estimulados pela política de C&T to e de incentivo à P&D e à inovação empresarial
federal. Esse processo resultou em forte retroces- no final dos anos 90 não foi concluída até 2007.
so no desenvolvimento tecnológico local e afetou Alguns instrumentos, na verdade, só começaram a
também algumas empresas privadas nacionais operar em 2006 e não é possível ainda fazer uma
que desenvolviam tecnologia para as empresas avaliação plena de seus impactos no setor empre-
estatais. sarial.
Esse quadro começou a ser revertido no início As alterações introduzidas no modelo de finan-
dos anos 90, com a adoção da Lei de Incentivos ciamento das atividades de P&D&I diversificaram
Fiscais (Lei 8.661/93) e a nova Lei de Informática. as modalidades de apoio às instituições de pes-
Contudo, a política pública de C&T continuou for- quisa e empresas, e promoveram uma distribui-
temente assentada nos financiamentos, agora de- ção mais equânime entre as esferas acadêmica e
crescentes, do PADCT, da Finep, do CNPq e da empresarial. Os principais instrumentos adotados
Capes. A mudança mais profunda só ocorreu na foram: concessão direta de recursos financeiros,
segunda metade da década, quando a política pú- tais como crédito, capital de risco, subvenção eco-
blica de C&T incorporou a dimensão da inovação nômica, auxílios financeiros e bolsas de pesquisa
tecnológica empresarial. Esse processo, explici- e estudo, bem como os incentivos fiscais, que não
tado na realização da II Conferência Nacional de envolvem diretamente recursos financeiros.
Ciência, Tecnologia e Inovação, em 2001, implicou Um importante instrumento foi a possibilida-
em uma revisão substantiva dos instrumentos de de de se realizar financiamentos com cláusula de
fomento ao desenvolvimento tecnológico nos anos equalização de taxas de juros, o que reduziu os en-
seguintes. cargos para níveis inferiores à taxa básica de juros
Entre os principais avanços registrados nos úl- de longo prazo, a TJLP, por meio da Lei n. 10.332
timos anos destacam-se: a criação dos fundos se- de 2001. Este financiamento, embora praticamente

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restrito às grandes empresas e exigente em termos não seriam postos em prática às condições de mer-
das garantias, na prática recriou a linha de financia- cado; e o “Inovação Produção”, com o objetivo de
mento da FINEP e tornou seus produtos competiti- estruturar áreas de inovação dentro das empresas
vos no mercado financeiro. e tornar rotineira a atividade inovadora incremen-
Outro destaque foi o estabelecimento de sub- tal.
venção direta aos projetos de inovação de empre- O BNDES também foi o responsável por linhas
sas (Lei da Inovação nº 10.973/2004) e a subven- de financiamento aos setores prioritários da política
ção à absorção de pesquisadores, prevista na Lei industrial, como software e farmacêutico: o “Progra-
do Bem. Esses instrumentos criaram a possibili- ma para o Desenvolvimento da Indústria Nacional
dade de a FINEP ofertar soluções diferenciadas e de Software e Serviços Correlatos” (PROSOFT) e
ampliar o volume de recursos para empresas. Cabe PROFARMA, voltado ao desenvolvimento da ca-
ressaltar que, no caso da subvenção, foram reali- deia produtiva farmacêutica. Até meados de 2007,
zados apenas dois editais (2006 e 2007) os quais foram aprovadas 137 operações do PROSOFT, no
restringiram as candidaturas às áreas de interesse valor de R$ 817 milhões, e 37 operações do PRO-
do governo. Mesmo neste caso, no caso do Edital FARMA, no valor total de R$ 730 milhões.
2006, mais de 50% das propostas contratadas se Quanto ao apoio ao desenvolvimento do capital
enquadraram no “Tema Geral”, como mostra a fi- de risco como mecanismo de suporte às empre-
gura abaixo, não exatamente associadas às áreas sas inovadoras, embora existam iniciativas desde
priorizadas pelo governo. Depreende-se que, de os anos 70, os resultados são pouco significativos.
maneira geral, o interesse público pareceu apontar Neste campo, as iniciativas do BNDES, como o
para oportunidades de produtos inovadores que os “Programa de Capitalização de Empresas de Base
agentes privados consideraram ter mercado mais Tecnológica” (CONTEC), e da Finep, com o “Pro-
restrito, uma vez que apresentaram projetos de grama Inovar”, desenvolveram metodologias volta-
subvenção para a inovação em outras áreas, con- das a construir um ambiente institucional para esti-
forme gráfico abaixo.


           
   

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Fontes: FINEP/MCT, 2007.

Em 2006, o BNDES criou programas, com re- mular um mercado ainda incipiente. Os resultados
cursos de R$ 500 milhões: o “Inovação PDI”, com do Inovar, que realizou sete chamadas públicas
objetivo de financiar novos produtos e processos; desde 2001, registram o apoio a sete fundos em
incentivar a vocação inovadora das empresas e operação e quatro fundos em fase de captação e o
apoiar bons projetos que, por envolverem risco, comprometimento de R$ 90 milhões.

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O BNDES, com grande experiência na área de de forma a mitigar os riscos empresariais da ino-
private equity e capital de risco, registrou uma atu- vação e viabilizar projetos de alta complexidade
ação discreta ao longo dos anos noventa. O Banco tecnológica e institucional. O número de empresas
apóia 21 fundos com participação do BNDESPAR, demandantes desses recursos precisa crescer. A
sendo 12 destes de empresas emergentes e inves- qualidade dos projetos precisa melhorar. Não será
timentos de R$ 193 milhões. Mais recentemente, o possível para a Finep operar no varejo, com cente-
Banco decidiu estruturar um novo fundo de inves- nas de projetos individuais.
timento, o CRIATEC, com recursos disponíveis de Os diversos instrumentos – subvenção, equali-
R$ 80 milhões para capitalizar as empresas inova- zação, capital de risco, fundos setoriais – precisam
doras com capital semente e prover um adequado ser articulados para viabilizar a colaboração em
apoio gerencial. projetos pré-competitivos, que aumentem o grau
Em suma, pode-se afirmar que a política de de interação entre os agentes da inovação e per-
inovação evoluiu nos últimos anos, mas sua im- mitam a criação de “plataformas tecnológicas” para
plementação ainda deixa muito a desejar. Em es- a indústria.
pecial, no que se refere ao volume de recursos e Outro elemento fundamental é o estímulo mais
instrumentos de apoio à P&D empresarial, o aces- efetivo aos ambientes de inovação, em particular
so aos recursos está concentrado nas grandes os parques tecnológicos e incubadoras. Esses am-
empresas e naqueles que já praticavam de alguma bientes são essenciais para garantir um dinamismo
forma ações de desenvolvimento tecnológico. Ou tecnológico da indústria, criar uma rede de prove-
seja, essas políticas ainda não permeiam a estru- dores de soluções de alta tecnologia e criar as em-
tura industrial, em particular as empresas de menor presas vencedoras do futuro.
porte. Por fim, o regime de incentivos fiscais da Lei
do Bem precisa ser aprimorado, seja para reduzir
os riscos jurídicos da atual legislação ou seja para
SUGESTÕES DE APERFEIÇOAMENTO DA torná-la mais inclusiva. O acesso das micros e pe-
POLÍTICA DE INOVAÇÃO quenas empresas aos incentivos fiscais é vital para
A política de inovação no Brasil precisa se inten- consolidar seu uso pelas indústrias e garantir uma
sificar e ampliar seu grau de abrangência. Os ins- ampla base de empresas inovadoras, independen-
trumentos precisam ser redesenhados para incluir temente do setor e do grau de desenvolvimento
o apoio às pequenas e médias empresas, criar um tecnológico das empresas.
custo de oportunidade elevado para as atividades Em suma, pode-se concluir que a indústria bra-
de P&D das empresas e garantir um funcionamen- sileira tem a sua disposição uma série de instru-
to adequado do sistema de inovação. mentos e mecanismos de incentivo à P&D, mas
Os recursos públicos devem premiar as melho- os problemas existentes no marco regulatório, na
res práticas de pesquisa cooperativa e permitir uma institucionalidade e na sua implantação reduzem a
racionalização da infra-estrutura de pesquisa. A Lei eficácia de seu uso e os tornam muito onerosos
de Inovação, com foco na relação público-privado, para as indústrias.
procurou incentivar o uso eficiente da infra-estru-
tura laboratorial e possibilitar a criação de novas
empresas de base tecnológica a partir das univer-
sidades e centros de pesquisa públicos. Porém, as Maurício Mendonça é doutor em Economia
barreiras culturais e os riscos inerentes à atividade pela Unicamp e Université de Paris e atua como
de pesquisa são mais arraigados do que parecem gerente-executivo de Competitividade Industrial da
à primeira vista. Confederação Nacional da Indústria (CNI).
A subvenção econômica precisa ser utilizada

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