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Classificação Diagnóstica das Perturbações

de Saúde Mental e de Desenvolvimento da


Primeira Infância
(adaptação não oficial pelo Departamento de Pedopsiquiatria do CHP - Serviço 1)

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Tabela de Conteúdos

Introdução 4

Eixo I: Perturbações Clínicas 15

PERTURBAÇÕES DO NEURODESENVOLVIMENTO 16
Perturbação do Espectro do Autismo 17

Perturbação do Espectro do Autismo Atípica Precoce 21

Perturbação de Hiperatividade com Défice de Atenção 25

Perturbação de Excesso de Atividade da Criança Pequena 30

Atraso Global do Desenvolvimento 34

Perturbação do Desenvolvimento da Linguagem 36

Perturbação do Desenvolvimento da Coordenação 37

Outras Perturbações do Neurodesenvolvimento na Primeira Infância 39

PERTURBAÇÕES DO PROCESSAMENTO SENSORIAL 40


Perturbação de Hiper-reatividade (ou hiper-responsividade) Sensorial 40

Perturbação de Hipo-reatividade (ou hipo-responsividade) Sensorial 43

Outra Perturbação do Processamento Sensorial 45

PERTURBAÇÕES DE ANSIEDADE 47
Perturbação de Ansiedade de Separação 47

Perturbação de Ansiedade Social (Fobia Social) 49

Perturbação de Ansiedade Generalizada 49

Mutismo Seletivo 54

Perturbação de Inibição à Novidade 57

Outra Perturbação de Ansiedade da Primeira Infância 59

PERTURBAÇÕES DO HUMOR 60
Perturbação Depressiva da Primeira Infância 60

Perturbação de Desregulação da Raiva e Agressão da Primeira Infância 64

Outra Perturbação do Humor da Primeira Infância 71

PERTURBAÇÃO OBSESSIVO-COMPULSIVA E RELACIONADAS 72


Perturbação Obsessivo-compulsiva 72

Perturbação de Tourette 76

Perturbação de Tiques Motores ou Vocais 79

Tricotilomania 80

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Perturbação de Escoriação - “Skin Picking” 82

Outra Perturbação Obsessivo-Compulsiva e Perturbações Relacionadas 83

PERTURBAÇÕES DO SONO, ALIMENTAÇÃO E CHORO 85


Perturbações do Sono 85
Perturbação de Insónia Inicial 86

Perturbação de Despertares Noturnos 87

Perturbação de Microdespertares Noturnos 87

Perturbação de Pesadelos da Primeira Infância 88

Perturbações Alimentares da Primeira Infância 93

Perturbação de Ingestão Alimentar Excessiva 93

Perturbação de Ingestão Alimentar Reduzida 96

Perturbação de Alimentação Atípica 100

Perturbações do Choro da Primeira Infância 103

Perturbação do Choro Excessivo 103

Outras Pert. do Sono, Alimentação e Choro Excessivo da Primeira Infância 105


PERTURBAÇÕES DE PRIVAÇÃO, STRESS e TRAUMA 107


Perturbação de Stress Pós-traumático 107

Perturbação de Ajustamento 111

Perturbação de Luto Complicado da Primeira Infância 114

Perturbação Reativa de Vinculação 118

Perturbação de Envolvimento Social Desinibido 121

Outra Perturbação de Privação, Stress e Trauma da Primeira Infância 125

PERTURBAÇÕES DA RELAÇÃO 126


Perturbação Específica da Relação da Primeira Infância 127

Eixo II: Contexto Relacional 130

Eixo III: Condições e Considerações da Saúde Física 139

Eixo IV: Stressores Psicossociais 143

Eixo V: Competências de Desenvolvimento 148

Anexos 151
APÊNDICE A: Marcos de desenvolvimento e classificação de competências 152

APÊNDICE B: Grupo de trabalho da tradução e revisão geral 169

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Introdução

A DC:0-5 representa um esforço para atualizar e expandir versões anteriores da classificação das
perturbações da primeira infância: DC:0-3 (1994) e DC:0-3R (2005). O grupo de trabalho para a revisão da
classificação diagnóstica da ZERO TO THREE® dedicou mais de 3 anos a esta revisão. Atualizar o manual
foi um processo meticuloso que teve em consideração evidências empíricas emergentes e avanços em
conhecimentos teóricos e clínicos. Estão disponíveis outras classificações para as perturbações mentais e
de desenvolvimento, incluindo a DSM-5 (2013) e CID-10 (1992), no entanto, nenhuma destas alternativas é
a ideal quando se trata de classificar as perturbações da primeira infância.

Não há dúvida que a base empírica das perturbações da primeira infância está muito aquém do
que se sabe acerca das doenças em crianças mais velhas, adolescentes e adultos. Não obstante, tem
havido um aumento do número de estudos, incluindo alguns epidemiológicos e longitudinais, em crianças
da primeira infância. Ao preparar esta classificação, o grupo de trabalho baseou-se essencialmente em
conhecimentos empíricos, sendo que, como em todas as classificações, a força do background empírico
varia de perturbação para perturbação.

Adicionalmente, a experiência clínica foi usada para modelar e refinar critérios. Após questionar
20.000 clínicos, em todo o mundo, acerca da DC:0-3R, em 2013, o grupo de trabalho recebeu 890
questionários completos de profissionais de 6 continentes, com muitos comentários acerca das
perturbações e eixos. Os critérios preliminares para as perturbações foram colocados no website da ZERO
TO THREE® em maio e outubro de 2015, sendo solicitados comentários acerca destas versões de
rascunho. A experiência clínica coletiva dos membros do grupo de trabalho também contribuiu para a
elaboração das definições das perturbações da DC:0-5.

O nosso objetivo foi fornecer critérios descritivos que permitam avaliações confiáveis e válidas,
minimizando a necessidade de inferências ou atribuições sem suporte, para além do que é clinicamente
observável. Concordámos que todos os aspetos da classificação, até mesmo a abordagem multiaxial,
deveriam ser revistos antes da inclusão. Dada a importância do contexto no desenvolvimento das crianças
durante a primeira infância, todos os eixos da DC:0-3 e DC:0-3R se mantiveram, apesar de terem sido
extensamente revistos e atualizados. O Eixo I define as perturbações mas cada um dos eixos tem uma
contribuição para a formulação clínica.

Sumário das mudanças da DC:0-3 para a DC:0-5


As revisões da literatura, novos dados, informação obtida através dos profissionais, assim como as
discussões do grupo de trabalho, tornaram claro que a revisão da DC:0-3R seria extensa. Muitas das
diferenças que distinguem a DC:0-5 da DC:0-3R especificam e esclarecem critérios para as categorias
diagnósticas já designadas no Eixo I. Vários diagnósticos novos foram adicionados ao Eixo I, enquanto
outros, que existiam na DC:0-3R, foram excluídos. Algumas mudanças na DC:0-5 incluem os seguintes:

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- A nova edição inclui perturbações que ocorrem em crianças até aos 5 anos de idade; o novo título (DC:
0-5) reflete esta mudança.

- O grupo de trabalho fez um esforço para ser mais compreensivo na definição das perturbações, em vez
de referenciar os clínicos para outras classificações nosológicas, caso as perturbações não estivessem
incluídas nesta classificação. Assim, outras perturbações bem conhecidas em crianças mais novas,
como a Perturbação do Espectro do Autismo e a Perturbação de Hiperatividade com Défice de Atenção,
foram incluídas.

- No Eixo I, as perturbações foram agrupadas em secções que juntam perturbações similares.

- Cada perturbação inclui um algoritmo de diagnóstico para clarificar os critérios a serem usados, com o
objetivo de maximizar a confiabilidade inter observadores.

- Foram incluídos critérios de limitação de idade e duração de doença, quando apropriados.

- Quase todas as perturbações incluem um texto que descreve o que se sabe acerca da apresentação
clínica, curso e aspetos correlacionados.

- Num esforço por discernir as verdadeiras perturbações de comportamento transitórias ou diferenças


individuais, cada perturbação inclui o sofrimento e compromisso funcional, como critérios.

- Foi adicionada uma nova secção de Perturbações do Processamento Sensorial que inclui Perturbação
da Hiper-reatividade Sensorial, Perturbação da Hipo-reatividade Sensorial e Outras Perturbações do
Processamento Sensorial.

- As Perturbações do Comportamento Alimentar passaram a designar-se por Perturbações Alimentares


da Primeira Infância, de forma a focar a atenção na contribuição da criança para uma atividade que é
necessariamente interativa e que ocorre universalmente no contexto de uma relação. O número de
perturbações definidas nesta categoria foi consideravelmente reduzido e agrupado em categorias mais
amplas, Perturbação de Ingestão Alimentar Excessiva, Perturbação de Ingestão Alimentar Reduzida, e
Perturbação de Alimentação Atípica.

- A ligação com as perturbações da DSM-5 e CID-10 correspondentes, são incluídas no texto para cada
perturbação do Eixo I da DC:0-5.

- Foi realizada uma extensa revisão do Eixo II (Contexto Relacional). Este eixo inclui agora duas partes:
uma Classificação do Nível de Adaptação da Relação com o cuidador principal e uma Classificação do
Nível de Adaptação ao Ambiente de Cuidados - isto é, a rede relacional familiar principal (incluindo
coparentalidade) na qual a criança se está a desenvolver.

- O Eixo III foi alargado para incluir exemplos ilustrativos de condições médicas que podem ser detetadas.

- O Eixo IV manteve a lista de Stressores Psicossociais e Ambientais mas foram adicionadas categorias e
alguns stressores específicos.

- O Eixo V foi extensamente revisto de forma a focar-se nas competências de desenvolvimento que
integram os domínios emocional, social-relacional, linguagem e comunicação social, cognitivo e
motricidade e desenvolvimento físico. Foi incluída uma tabela de “Marcos de Desenvolvimento e
Classificação de Competências” no Apêndice A, para ajudar os profissionais.

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História da Classificação Diagnóstica ZERO TO THREE®

A DC:0-3, publicada em 1994 pela ZERO TO THREE®, foi criada para responder à necessidade de

uma abordagem sistemática e baseada no desenvolvimento, para a classificação da saúde mental e das
dificuldades de desenvolvimento, nos primeiros 4 anos de idade (ou seja, do nascimento até aos 3 anos de
idade). O design e constituição da DC:0-3 representou o primeiro esforço realizado por um grupo de
clínicos expertos, para recomendar um esquema útil que complementaria, mas não substituiria, outros
sistemas de classificação diagnóstica para crianças mais velhas e adultos, como o Manual Diagnóstico e
Estatística de Perturbações Mentais (4ª edição; DSM-IV; APA, 1994) e a CID-10 (OMS, 1992). Os autores da
DC:0-3 procuraram ter em conta os novos conhecimentos sobre (1) fatores que contribuem para padrões
adaptativos e mal-adaptativos de desenvolvimento e (2) o significado de diferenças individuais na infância
(ZERO TO THREE®, 2005). O seu objetivo foi desenvolver critérios de classificação que poderiam melhorar
a comunicação entre profissionais, formulação clínica e investigação. A revisão, DC:0-3R, publicada em
2005, foi criada mais de uma década depois do sistema de classificação diagnóstica original. Esse novo
manual forneceu uma revisão que atualizou os critérios de classificação, incluindo novos conhecimentos da
experiência clínica, e permitiu clarificar áreas de ambiguidade. A atual revisão da DC:0-3R, a DC:0-5,
contempla novos achados pertinentes ao diagnóstico em crianças da primeira infância, atualiza os critérios
de classificação, introduz novas perturbações, alarga o intervalo de idade, que antes era desde o
nascimento até aos 3 anos de idade e passa a ser do nascimento até aos 5 anos de idade, faz uma revisão
dos eixos, e aborda preocupações não resolvidas desta área, desde a publicação da DC:0-3R, em 2005.

As origens da DC:0-3

Nota: esta secção foi reproduzida, na íntegra, a partir da DC:0-3R (ZERO TO THREE®, 2005)

A DC:0-3 foi produto de um grupo de trabalho multidisciplinar que surgiu em 1987 pela ZERO TO
THREE®: Centro Nacional para Bebés, Crianças Pequenas e Famílias, uma organização que representa a
liderança interdisciplinar no campo do desenvolvimento e saúde mental infantil. O grupo de trabalho incluiu
clínicos e investigadores de centros de saúde mental infantil da América do Norte e Europa. Os membros
analisaram sistematicamente case reports dos centros participantes, identificando padrões recorrentes de
problemas de comportamento e descreveram categorias das perturbações. O processo era aberto e as
opiniões surgiram de uma grande variedade de áreas.

Através do consenso de especialistas surgiu um conjunto de categorias diagnósticas inicial. Os


membros do grupo de trabalho reconheceram que, dadas as limitações de conhecimento na área da saúde
mental em crianças, as categorias diagnósticas no novo sistema de classificação só poderiam ser
descritivas, isto é, representativas de padrões de sintomas significativos. Por vezes as descrições
categóricas incluem eventos associados (p.e. entre um evento traumático e um grupo de sintomas) ou
características de desenvolvimento (p.e.entre padrões sensoriais ou motores e um grupo de sintomas que
surgem num estadio precoce de desenvolvimento específico). O resultado foi um esquema baseado em 5
eixos:

- Eixo I: Diagnóstico Principal

- Eixo II: Classificação de Perturbação da Relação

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- Eixo III: Perturbações ou Condições Médicas ou de Desenvolvimento

- Eixo IV: Stressores Psicossociais

- Eixo V: Nível de Desenvolvimento Emocional Funcional

Tendo terminado isto, o grupo de trabalho reconheceu que este novo guia para a classificação diagnóstica
de perturbações mentais, nesta faixa etária, seria provisório. O texto da introdução da DC:0-3 é
informativo.

Em qualquer empreendimento científico, mas particularmente num novo campo, existe uma tensão
saudável entre o desejo de analisar descobertas de estudos sistemáticos, mesmo antes de oferecer
conceptualizações iniciais, e a necessidade de disseminar conceptualizações preliminares, que possam
servir de base para a colheita de dados sistemáticos, o que pode levar a aplicações com base mais
empírica … O desenvolvimento da DC:0-3 representou um primeiro passo muito importante: a
apresentação de expertos, a categorização de perturbações de desenvolvimento e de saúde mental em
idades precoces… É um guia inicial para clínicos e investigadores, para facilitar o diagnóstico e
planeamento clínico, assim como a comunicação e futuros estudos científicos.

As origens da DC:0-3R
Em 2002, foi proposta uma revisão da DC:0-3 e, em 2003, a ZERO TO THREE® selecionou e
definiu um grupo de trabalho para a revisão. O grupo foi encarregue de elaborar a versão de revisão da DC:
0-3, fornecendo as necessárias especificações e esclarecimentos acerca dos critérios, de forma a permitir
fiabilidade entre clínicos, seguindo a evolução baseada na evidência. Durante 2 anos, o grupo teve em
conta literatura clínica e outros sistemas de diagnóstico, desenvolvendo e disseminando dois inquéritos
aos utilizadores da DC0-3, em todo o mundo, para recolher comentários de expertos de todas as áreas. O
grupo de trabalho comunicava todas as semanas (por videoconferência e em pessoa) para aprimorar o
texto e critérios diagnósticos.

A DC:0-3R, publicada em 2005, baseou-se em pesquisa empírica e prática clínica, em todo o


mundo, desde a publicação de 1994, tornando-se mais extenso em profundidade e critérios diagnósticos.
A DC:0-3R forneceu suporte aos clínicos no diagnóstico e tratamento dos problemas de de saúde mental
nos primeiros anos de vida. Por outro lado, também encorajou os leitores a consultar a DSM-IV-TR e a
CID-10, que descrevem algumas perturbações mentais que são habitualmente diagnosticadas primeiro, em
idades precoces.

A DC:0-3 apresentava uma árvore de decisão que implicava que a criança só tivesse um único
diagnóstico. Na DC:0-3R, a árvore de decisão manteve-se no que diz respeito ao “diagnóstico principal”,
mas enfatizou-se que era possível ter mais do que um diagnóstico. A inclusão de comorbilidades foi,
portanto, uma mudança significativa.

A DC:0-3R manteve o sistema de classificação multiaxial que tinha sido tão importante na
formulação clínica. Os nomes dos eixos da DC:0-3R são quase os mesmos que os da DC:0-3, com
pequenas mudanças no texto, como recomendado pelos utilizadores:

- Eixo I: Perturbações clínicas

- Eixo II: Classificação da Relação

- Eixo III: Perturbações ou Condições Médicas ou de Desenvolvimento

- Eixo IV: Stressores Psicossociais

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- Eixo V: Funcionamento Social e Emocional

A DC:0-3R forneceu uma linguagem comum que permitiu aos profissionais de várias áreas -
clínicos, investigadores, corpos docentes e responsáveis políticos - comunicar entre si com precisão e
eficácia.

A utilidade da DC:0-3R e a necessidade de revisão

Os clínicos que lidam com a saúde mental na primeira infância consideraram a DC:0-3R uma
classificação útil. Foi bem recebida pelos clínicos de todo o mundo sendo traduzida em diversas línguas
incluindo alemão, francês, italiano, japonês, coreano, polaco e romeno.

Apesar da utilização disseminada, os membros do grupo de trabalho, autores da DC:0-3R estavam


cientes de que precisaria ser atualizada. Apesar de representar o melhor que se fazia na altura, os autores
perceberam que no futuro, a experiência recolhida com a DC:0-3R, assim como os estudos adicionais,
precisariam de uma nova edição. Houve várias razões chave para a revisão e atualização do DC:0-3R.
Primeiro, em 2016, já tinha passado mais de uma década desde a publicação da DC:0-3R e foram
entretanto publicados vários estudos acerca da psicopatologia na primeira infância. Segundo, a decisão de
rever e atualizar o DC:0-3R coincidiu com a publicação da DSM-5. Apesar da DSM-5 ter feito um esforço
intencional para ser mais sensível ao desenvolvimento, não recolheu suficientemente a variedade de
perturbações que surgem caracteristicamente na primeira infância. Por último, existiam um conjunto de
questões não resolvidas neste campo, desde a publicação da DC:0-3R, que poderiam ser aclaradas, com
o benefício de uma década de experiência clínica a usar a classificação.

Em 2013, a ZERO TO THREE® nomeou o grupo de trabalho para redigir uma versão revista e
atualizada da DC:0-3R em 3 anos. O grupo de trabalho estudou literatura clínica e outros sistemas de
classificação diagnóstica, desenvolveu e disseminou, pelos utilizadores de todo o mundo, um questionário
acerca da DC:0-3R, publicou critérios para debate público e recolheu esboços para a linguagem e
feedback de expertos de renome do mundo inteiro, que representam uma variedade de áreas profissionais.
O grupo de trabalho comunicava duas vezes por semana, por videoconferência, e diversas vezes por ano,
em pessoa, para desenvolver critérios diagnósticos e aprimorar o texto. O DC:0-5 é resultado de 3 anos de
esforços. Os detalhes do processo de revisão apresentam-se no Apêndice B.

Avaliação, diagnóstico e formulação


Nota: esta secção foi reproduzida, na íntegra, a partir da DC:0-3R (ZERO TO THREE®, 2005)

A avaliação é resultado da compilação de informação de registos, história obtida através dos


cuidadores e observações informais e estruturadas do comportamento. O diagnóstico é a identificação e
classificação das perturbações específicas da primeira infância. A formulação é a forma como a
apresentação clínica é percebida na criança, no contexto das suas relações, biologia, rede social e nível de

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desenvolvimento. A formulação pode guiar o plano de tratamento destacando os fatores protetores e de
risco, identificando os fatores modificáveis e priorizando os fatores clínicos passíveis de tratamento.

Para os clínicos, o processo é um contínuo. Não se faz um diagnóstico com base numa única
observação de sintomas, mas sim recolhendo informação ao longo do tempo, para entender os múltiplos
aspetos da apresentação dos problemas, bem como as variações e desenvolvimento que se revelam em
diferentes ocasiões e contextos. Os Eixos II-V são úteis na caracterização do contexto dos sintomas e
perturbações do Eixo I.

Avaliamos indivíduos mas classificamos perturbações. O objetivo principal da classificação das


doenças é que os profissionais, incluindo clínicos, investigadores e decisores políticos, possam comunicar
claramente acerca de síndromes descritivos. Ter uma classificação standartizada e partilhada permite aos
clínicos ligar as suas observações a um crescente conhecimento acerca da etiologia, patogénese, curso de
doença e expectativas sobre o tratamento. Usar uma linguagem comum, de um sistema de classificação
diagnóstica, facilita a ligação dos indivíduos aos serviços existentes e, portanto, pode ajudar a mobilizar os
sistemas de cuidados de saúde mental apropriados.

O DC:0-5 reflete pesquisas que demonstraram que a comorbilidade em crianças na primeira


infância, não só é possível, como é bastante comum. Além disso, tal como as crianças mais velhas e
adolescentes, crianças na primeira infância, com duas ou mais perturbações, têm maior probabilidade de
ter elevado compromisso do seu funcionamento, comparado com os que têm apenas uma perturbação.

Na discussão da formulação em crianças da primeira infância, os autores do DC:0-3 fazem duas


observações chave:

- A avaliação e classificação diagnóstica são guiadas pela noção de que todas as crianças têm o seu
próprio ritmo de desenvolvimento e mostram diferenças individuais nos seus padrões motor, sensorial,
cognitivo, de linguagem, afetivo e interativo.

- Todas as crianças na primeira infância participam nas relações, sendo as mais significativas, as
estabelecidas com a família. As famílias, por sua vez, participam nas relações com a comunidade e
cultura.

Qualquer intervenção ou programa de tratamento deve basear-se numa compreensão tão completa
quanto possível, da criança e das relações da criança. Pressionados pelo tempo, os clínicos podem focar a
atenção num número limitado de variáveis, dando pouca atenção a outras influências no desenvolvimento.
Os clínicos podem ainda evitar avaliar áreas de funcionamento da criança onde os constructos ou a
investigação não estão totalmente desenvolvidos, ou onde existem lacunas da sua própria formação.
Apesar de ser compreensível, qualquer clínico ou equipa clínica responsável por fazer uma avaliação clínica
e planificar uma intervenção apropriada, deve ter em conta todas as áreas relevantes do funcionamento da
criança. O clínico é obrigado a cumprir o estado da arte para cada área de funcionamento e avaliar os
pontos fortes e fracos da criança e sua família.

O clínico ou a equipa precisam de um determinado número de sessões para perceber como é que
a criança se está a desenvolver em cada área de funcionamento. Pode ser apropriado fazer um conjunto de
questões aos pais ou cuidadores, acerca de cada área, para recolha de alguma informação, mas não para
uma avaliação completa. Uma avaliação compreensiva requere, geralmente, um mínimo de 3-5 sessões de
45 ou mais minutos cada. Uma avaliação completa envolve tipicamente os seguintes:

- Entrevista aos pais acerca do desenvolvimento e história médica da criança;

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- Observar diretamente o funcionamento da família (dinâmica familiar e parental, relação cuidador-criança
e padrões de interação;

- Obter informação, através de observação direta e relatórios, acerca das características individuais da
criança, linguagem, cognição, reciprocidade social e expressão afetiva e comportamental; e

- Avaliar a reatividade e processamento sensorial, o tónus e as capacidades de planeamento motor.

Além de ter em conta as perturbações clínicas, os achados de uma avaliação clínica abrangente devem
levar a noções preliminares sobre o seguinte:

- A natureza dos pontos fortes e fracos da criança, incluindo o nível geral de capacidade global de
adaptação e funcionamento nas principais áreas de desenvolvimento (emocional, social-relacional,
linguagem e comunicação social, cognitivo e motricidade e desenvolvimento físico) em comparação
com os padrões de desenvolvimento esperados para a idade e cultura;

- A relativa contribuição para as competências e dificuldades das diferentes áreas avaliadas (p.e. relações
familiares, padrões de interação, stress e padrões constitucionais ou de maturação); e

- Um tratamento compreensivo ou plano de intervenção preventiva de acordo com o primeiro e segundo


pontos acima descritos.

A DC:0-5 mantém o sistema de classificação multiaxial que tem sido tão útil na formulação clínica.
O uso do sistema multiaxial para a formulação clínica foca a atenção do clínico nos factores que podem
estar a contribuir para as dificuldades da criança, nas forças adaptavas e outras áreas de funcionamento
nas quais seja preciso realizar uma intervenção. Dois dos nomes dos eixos da DC:0-5 são semelhantes aos
da DC:0-3R, no entanto, os nomes atribuídos aos restantes três eixos foram revistos e atualizados. Todos
os eixos foram reformulados substancialmente:

- Eixo I: Perturbações Clínicas

- Eixo II: Contexto Relacional

- Eixo III: Condições e Considerações da Saúde Física

- Eixo IV: Stressores Psicossociais

- Eixo V: Competências de Desenvolvimento

Considerações Culturais no Diagnóstico de Crianças na Primeira Infância

O comportamento e a expressão das emoções, nas crianças pequenas, são modelados, desde o
momento do nascimento, pelos valores culturais familiares e práticas, que são geralmente realizadas
inconscientemente, mas que têm um grande poder na definição do que é certo e errado, no crescimento
de uma criança. Estas práticas e valores estão presentes em todos os aspetos do cuidado da criança,
desde decisões concretas, como onde e com quem dorme o bebé e quando começar o treino de bacio,
até às expectativas do adulto acerca do que a criança pode ou não dizer e fazer, em diferentes situações.
Por estas razões, ao diagnosticar uma criança pequena que está a passar por problemas de saúde mental
deve ter-se em conta o contexto cultural e as condições socio-económicas dos pais, nacionalidade,

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estatuto de imigração, identidade racial e étnica, orientação sexual, religião e práticas espirituais e outras
fontes de diversidade.

A precisão e utilidade do processo de diagnóstico são significativamente melhoradas quando os


clínicos descobrem as perceções dos pais e explicações causais para os problemas de saúde mental da
criança, e quando os clínicos se informam acerca da possível influência cultural que pode modelar a visão
dos pais. É particularmente importante quando a família e o clínico são de diferentes backgrounds culturais
e podem não estar familiarizados com as atitudes e crenças predominantes na educação da criança, mas
também é necessário evitar suposições acerca de crenças partilhadas, quando os clínicos têm o mesmo
background. Dado o crescimento da diversidade cultural da maioria das sociedades, aprender um pouco
acerca de valores e práticas específicos da família da criança, é agora um componente central da melhor
prática clínica. Neste sentido, a sensibilidade cultural deve ser considerada como um elemento a integrar
na sensibilidade e competência clínica.

Aprender a incorporar as considerações culturais no processo diagnóstico é um esforço a longo


prazo, pois os grupos culturais são frequentemente caracterizados por heterogeneidade interna e as
famílias estão a tornar-se multiculturais. Por exemplo, pessoas da mesma raça podem diferir na etnia,
religião, status socio-económico, nível educacional e muitos outros fatores, e os membros da família
podem ter diferentes características demográficas. Para além disso, frequentemente, os indivíduos vêem-
se a si próprios como tendo várias identidades simultaneamente, devido aos diferentes prismas dos grupos
aos quais pertencem. Considerações culturais devem honrar a natureza dinâmica das culturas, assim como
as complexas adaptações dos indivíduos da família, aos múltiplos contextos nos quais se movimentam.

Na avaliação da criança é útil ter em mente que as atitudes e práticas clínicas convencionais, no
campo da saúde mental, em crianças da primeira infância, são modeladas por pressupostos que podem
não ser partilhados pela família. Uma visão clínica do que é normativo ou saudável pode entrar em conflito
com a visão da família do que é certo ou errado - por exemplo, em termos da curiosidade acerca do corpo
e aparecimento de exploração sexual, ou a forma da criança expressar a raiva com os pais ou outros
adultos. Como conciliar premissas de saúde mental com valores culturais divergentes dos pais representa
um desafio contínuo para clínicos que trabalham com diversas famílias. Algumas práticas parentais na
educação dos filhos podem ser mal interpretadas pelo clínico como indicando psicopatologia severa
quando estas práticas não são entendidas no contexto socio-económico da família ou circunstâncias
históricas. Por outro lado, há o perigo de que o esforço para ser mais sensível às questões culturais possa
involuntariamente resultar num “relativismo cultural” que deixe passar alguns danos causados à criança por
práticas socialmente reprováveis como punições severas, que podem ter raízes históricas na opressão de
um grupo cultural por outro, mas podem perpetuar um padrão de vitimização de pai para o filho.

O esquema da tabela 1 apresenta uma abordagem para incorporar perspectivas culturais na avaliação da
saúde mental de crianças na primeira infância. Representa uma adaptação do texto sobre crianças
pequenas da DSM-5 (perfil para a formulação cultural) e tem como objetivo ajudar os clínicos a refletir
acerca das diferentes facetas da identidade cultural e a sua possível influência na apresentação clínica, na
criança da primeira infância.

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Tabela 1. Formulação cultural para uso em crianças pequenas
1. Identidade cultural do indivíduo
Identidade cultural da criança e cuidadores
Anote a referência étnica ou cultural dos pais da criança e, se for relevante, outros cuidadores.
Grupos de referência cultural, para além da raça, etnia, nacionalidade e aculturação, pode ainda incluir o
género, identidade de género, orientação sexual, religião, status socioeconómico.

Anote como os cuidadores pretendem educar a criança no que diz respeito ao seu grupo cultural
de referência e, em particular, se há ou não potenciais questões de multiculturalidade para a criança. Em
imigrantes e minorias étnicas, anote o grau de envolvimento com ambas culturas, a de origem e a de
destino, e se se antecipam ou não quaisquer questões geracionais em relação ao envolvimento da criança
na cultura de origem e na cultura anfitriã. Observe as habilidades linguísticas dos cuidadores, o uso e a
preferência pela língua-mãe (incluindo se são poliglotas) e qual a língua que pretendem ensinar à criança.

2. Concetualizações culturais de sofrimento


Explicações culturais do problema apresentado pela criança
Tenha em conta quem foi o primeiro a detetar o problema (p.e. pais, outros parentes, cuidador da
creche, médico) e, se referido por outra pessoa, a extensão do problema na ótica dos pais. Avalie se existe
um conflito entre a perceção do problema pelos pais e pela família alargada, dentro do contexto de normas
e tradições culturais. Identifique quais os possíveis sinais de sofrimento da criança observados pelos pais/
cuidadores (p.e. como é que os pais/cuidadores perceberam que havia um problema); o significado e a
perceção da gravidade do sofrimento das crianças em relação às expectativas dos pais para o
comportamento e/ou desenvolvimento comparado com crianças pequenas da sua comunidade ou grupo
cultural; se há alguma categoria diagnóstica local para descrever o problema que apresenta a criança; a
perceção dos pais/cuidadores acerca da causa ou modelos exploratórios para o problema da criança; e as
crenças dos pais/cuidadores acerca do tratamento do problema (incluindo: experiências prévias com
formas de tratamento dominadas ou não dominadas pela cultura; crenças atuais e preferências por formas
ocidentais e não ocidentais de tratamento; e crenças acerca de quem deve estar envolvido no tratamento).

3. Stressores psicossociais e características culturais de vulnerabilidade e resiliência


Fatores culturais relacionados com o ambiente psicossocial e de cuidados da criança
A. Espaço e ambiente de vida do bebé. Anote o espaço físico onde vive a criança, incluindo fatores da
comunidade (p.e. grupo étnico/racial, urbanidade, crime, e coesão) e fatores de casa (p.e. pessoas que
vivem em sua casa, as suas relações umas com as outras e com a criança, e a presença de família
alargada e/ou outros), preparativos para dormir, e interpretações culturais relevantes de stressores e
suporte social pelos pais/cuidadores (p.e. papel da religião, comunidade e rede familiar).

B. Rede de cuidados do bebé. Anote os cuidadores significativos na vida da criança, incluindo o papel e
grau de envolvimento dos cuidadores principais (p.e. mãe, pai) e dos secundários (p.e. avós, irmãos,
prestadores de cuidados da comunidade, outros). Anote alterações significativas na rede de cuidados
(p.e. presença de vários cuidadores e frequência da mobilidade entre eles, consistência e
previsibilidade versus mobilidade imprevisível, inconsistente e/ou disruptiva) e se são ou não
normativos na cultura local.

12
C. Crenças dos pais/cuidadores acerca da parentalidade e desenvolvimento da criança. Anote crenças
acerca da parentalidade e desenvolvimento infantil que não tenha descrito noutro lado, incluindo
diferentes visões ou discrepâncias entre pais/cuidadores, como: práticas cerimoniais (p.e. colocar o
nome), crenças acerca dos papéis de género, práticas disciplinares, objetivos e aspirações para a
criança, crenças acerca de crianças e desenvolvimento infantil, fontes às quais recorrem os pais/
cuidadores para obter conselhos sobre parentalidade, crenças acerca do papel dos pais/cuidadores ,
etc.

4. Características culturais na relação entre o indivíduo e o clínico


Elementos culturais da relação entre os pais/cuidadores e o clínico
Indique diferenças na cultura e status social entre os pais/cuidadores e o clínico, e quaisquer problemas
que estas diferenças possam causar no diagnóstico e tratamento. Podem incluir-se diferenças em perceber
o sofrimento da criança, dificuldades de comunicação em consequência da língua, estilos de comunicação,
ou perceber o envolvimento de outros (p.e. família alargada) no processo de diagnóstico e tratamento.
Anote de que forma os pais vêem o papel do clínico e o seu nível de conforto com a procura de ajuda.
Tenha ainda em conta de que forma experiências anteriores com clínicos e serviços de saúde, por parte
dos pais, têm impacto na relação terapêutica atual.

5. Avaliação cultural geral


Avaliação cultural geral para diagnóstico e cuidado de crianças
Resuma as implicações dos componentes da formulação cultural identificados nas secções precedentes.

Para além da DC:0-5

A abordagem descritiva da classificação que incorpora a DC:0-5 tem sido muito criticada. O facto
de se focar em comportamentos que se agrupam, sem qualquer compreensão da patofisiologia e etiologia,
é uma restrição significativa. Além disso, há evidências crescentes de que a maioria das formas de
psicopatologia existe num contínuo, o que leva a uma certa arbitrariedade na definição de pontos de corte
e no preenchimento de critérios diagnósticos para uma dada perturbação psiquiátrica. As perturbações
categóricas envolvem o agrupamento sintomas que muitas vezes não indicam a etiologia ou patogénese,
nem necessariamente qual tratamento será mais eficaz.

A DC:0-5 aparece num altura de progresso sem precedentes na neurociência, genética, imunologia
e biologia celular e molecular. Estes avanços trouxeram a promessa de identificar biomarcadores e delinear
circuitos envolvidos na patofisiologia das perturbações mentais e de desenvolvimento. Estes
desenvolvimentos são extremamente necessários para aumentar a precisão do diagnóstico e tratamento e
para desenvolver cuidados individualizados para as crianças pequenas e suas trajetórias de
desenvolvimento.

O Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA iniciou o projeto “Research Domain Criteria” (RDoC).
Este projeto classifica as perturbações mentais incorporando as suas múltiplas dimensões:

13
comportamento, padrões de pensamento, medidas neurobiológicas e genética. De facto, o projeto RDoC
mudou as suas prioridades de financiamento em favor de abordagens dimensionais.

Isto não significa que o reducionismo biológico terá influência no futuro. Há evidências abundantes
de que o ambiente e as características do contexto da criança estão indissociavelmente ligados às suas
características biológicas subjacentes. Por exemplo, investigadores demonstraram que as experiências
levam a mudanças moleculares que aumentam ou diminuem a expressão de genes. Perceber a
patofisiologia nunca será suficiente, mas provavelmente ajudará a aliviar o sofrimento e restaurar o
funcionamento.

Mesmo assim, na nossa perspectiva, estes desenvolvimentos não estarão disponíveis num futuro
intermédio. A epigenética é um ponto de pesquisa importante mas não tem aplicação clínica neste
momento. Mesmo as medidas dimensionais da psicopatologia apresentam desafios para avaliar o
preenchimento de critérios diagnósticos para uma dada perturbação psiquiátrica, o que determina se uma
condição clínica justifica intervenção em determinado momento. Em cada consulta médica, o clínico toma
uma decisão categórica sobre se a intervenção é ou não justificada.

Evidências crescentes asseguram que a evolução dos constructos diagnósticos irá continuar e que
futuras revisões do sistema de classificação diagnóstica serão resultado de pesquisas atuais e futuras. O
texto de cada perturbação, nesta classificação, destaca as evidências das quais resultaram os critérios e
identifica áreas de oportunidade para investigações futuras. De acordo com o conhecimento atual,
acreditamos que os critérios descritivos da DC:0-5 são clinicamente relevantes e mais úteis para os
clínicos, do que as abordagens alternativas.

14
Eixo I:
Perturbações Clínicas

15
PERTURBAÇÕES DO NEURODESENVOLVIMENTO

As perturbações do neurodesenvolvimento são um grupo de perturbações com uma grande


variedade de manifestações e que partilham várias características tais como o início na primeira infância ou
atraso ou anomalia nas funções. Estão fortemente relacionadas com a maturação biológica do sistema
nervoso central e têm um curso geralmente estável, que não envolve remissões ou recidivas, mais típicas
de outras perturbações mentais. A maioria das perturbações do neurodesenvolvimento são mais comuns
no sexo masculino do que no feminino. Há factores genéticos implicados na etiologia porque é comum
existir história familiar de perturbações semelhantes ou relacionadas. Até à data, a investigação sugere que
as influências genéticas são complexas - não são resultado de anomalias genéticas específicas, mas sim
de variações em múltiplos genes afetados por diferentes condições ambientais. Para além da genética,
também neurotoxinas ambientais (p.e. exposição a chumbo ), complicações médicas (p.e. prematuridade)
e fatores sociais (p.e. crescimento em instituições) têm sido implicados no aparecimento das perturbações
do neurodesenvolvimento.

A prevalência destas perturbações é cerca de 15% em países industrializados. A prevalência na


primeira infância pode ser um pouco mais baixa porque nem todas as perturbações do
neurodesenvolvimento são identificadas em idades tão precoces (p.e. perturbação específica da
linguagem). Diferentes perturbações do neurodesenvolvimento podem ocorrer em simultâneo, com uma
frequência tão elevada, que alguns investigadores sugeriram que podem representar diferentes
manifestações de um único distúrbio. Não obstante, neste momento há suficientes diferenças na
apresentação clínica, fatores correlacionados e respostas à intervenção, que justificam que se considerem
várias perturbações diferentes.

Acredita-se que as perturbações do neurodesenvolvimento são tratáveis mas nem sempre


curáveis. São recomendadas intervenções precoces e intensivas para estas crianças. Apesar destas
perturbações estarem ligadas a disfunções cerebrais, há evidências de que muitas delas podem melhorar
com intervenções psicossociais. Dada a sua complexidade, é importante que diferentes áreas trabalhem
juntas na sua avaliação e intervenção.

Nesta secção são definidas as duas melhor conhecidas e estudadas perturbações do


neurodesenvolvimento, a Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) e a Perturbação de Hiperatividade
com Défice de Atenção (PHDA). São ainda definidas duas perturbações que representam manifestações
precoces e incompletas destas perturbações (p.e. incluem alguns sintomas e interferem no funcionamento).
A Perturbação do Espectro do Autismo Atípica Precoce envolve as alterações no funcionamento da PEA
mas sem a apresentação de todos os sintomas. De igual modo, a Perturbação do Excesso de Atividade da
Criança Pequena afeta crianças pequenas, que são prejudicadas por sintomas de hiperatividade mas não
preenchem necessariamente os critérios de PHDA. Cada uma destas perturbações deriva de dados
longitudinais em amostras de crianças de alto risco, muitos dos quais, eventualmente manifestam todos os
critérios de PEA e PHDA, respetivamente.

Três outras perturbações de desenvolvimento são também definidas: Atraso Global do


Desenvolvimento, Perturbação do Desenvolvimento da Linguagem e Perturbação do Desenvolvimento da

16
Coordenação. Estas três podem ocorrer sozinhas mas, mais frequentemente, ocorrem em comorbilidade
com outras perturbações do neurodesenvolvimento.

Perturbação do Espectro do Autismo

Introdução

A Perturbação do Espectro do Autismo (PEA), uma perturbação do neurodesenvolvimento, é caracterizada


por prejuízo severo da interação social e comunicação, e pela presença de comportamentos restritivos e
repetitivos. A identificação precisa e precoce da PEA é crítica, dada a elevada prevalência, custos sociais e
familiares e a reconhecida importância de uma intervenção precoce.

Algoritmo de diagnóstico

Todos os seguintes critérios devem estar presentes.

A. Cada um dos seguintes três sintomas de comunicação social deve estar presente:

1. Reatividade sócio-emocional, atenção social sustentada ou reciprocidade social, atípicas ou


limitadas, evidenciadas por pelo menos um dos seguintes:

b. Aproximação social atípica

c. Capacidade reduzida ou limitada em se envolver em jogos sociais recíprocos ou atividades


que exigem tomada de vez (p.e. “cucu”)

d. Capacidade reduzida ou limitada de iniciação de atenção conjunta para partilhar interesses ou


emoções, ou para pedir informação sobre objetos de interesse no ambiente

e. Respostas restritas ou pouco frequentes à interação social

f. Iniciação de interação social ausente, rara ou restrita

2. Défices em comportamentos não verbais de comunicação social, evidenciados por pelo menos um
dos seguintes:

a. Ausência de comportamentos verbais e não verbais ou restrição na sua integração

b. Contacto ocular atípico e afastamento do outro em contextos sociais

c. Dificuldades na compreensão ou uso de comunicação não-verbal (p.e. gestos)

d. Leque restrito de expressões faciais e comunicação não-verbal limitada

3. Dificuldades na interação com os pares, evidenciadas por pelo menos um dos seguintes:

a. Problemas em adaptar o comportamento em resposta a exigências sociais, em contextos


variados

b. Dificuldades no jogo simbólico espontâneo

c. Interesse nos pares ou em brincar com outras crianças, ausente ou limitado

B. Os sintomas do critério A não são melhor explicados por défices sensoriais (p.e. visão, audição, outro
défice sensorial major)

C. Dois dos seguintes comportamentos repetitivos e restritos têm que estar presentes:

17
1. Vocalizações ou discurso, movimentos motores ou uso de objetos e brinquedos estereotipados ou
repetitivos

2. Mantém rotinas rígidas, com excessiva resistência à mudança; exige manutenção da similaridade e
mostra angústia em resposta a mudanças ou transições; uso ritualizado de frases ou
comportamentos não verbais estereotipados, estranhos ou idiossincráticos

3. Interesses altamente circunscritos, específicos ou inusuais, que se manifestam por fixação extrema
ou atípica num item ou tópico de interesse

4. Resposta atípica ao “input” sensorial (p.e. hiper ou hipo-reativo) ou envolvimento inusual com os
aspetos sensoriais do ambiente (p.e. lamber carpetes)

D. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Idade: O diagnóstico deve ser feito com precaução em crianças com menos de 18 meses de idade.

Duração: Não há critérios de duração para a presença de sintomas.

Especificar:
1. Com ou sem Atraso Global de Desenvolvimento

2. Com ou sem atraso de linguagem

3. Associada a uma condição genética identificada ou fator ambiental

4. Associada a alterações de processamento sensorial

Nota: Crianças que apresentem uma regressão inexplicável ou aumento súbito nos comportamentos
repetitivos e restritos, devem ser alvo de avaliação médica. Crianças com menos de 30 meses que não
cumprem critérios para PEA, mas nas quais há preocupação marcada a respeito do desenvolvimento
social, devem ser avaliadas para Perturbação do Espectro do Autismo Atípica Precoce.

Características do diagnóstico

Os critérios usados para diagnosticar PEA em crianças pequenas são os mesmos que os usados
no diagnóstico de crianças mais velhas, adolescentes e adultos. No entanto, as manifestações
comportamentais específicas dos sintomas de comunicação social são diferentes porque as crianças
pequenas têm competências de comunicação social e de relações interpessoais mais limitadas. Por
exemplo, não é expectável que crianças, na primeira infância, questionem outras crianças ou adultos sobre
as suas experiências ou sejam capazes de refletir acerca das suas próprias experiências emocionais.

18
Características associadas que apoiam o diagnóstico

Muitas das crianças pequenas que acabam por receber um diagnóstico de PEA chegam aos
clínicos porque os pais estão preocupados com o atraso de linguagem e comunicação. De facto, muitas
crianças com PEA têm atrasos de linguagem expressiva e recetiva significativos à data do diagnóstico. O
Atraso Global de Desenvolvimento também é comum. Vários fatores de risco adicionais aumentam a
probabilidade de um diagnóstico de PEA. O mais chamativo é quando a criança é o irmão mais novo de
uma criança previamente diagnosticada com PEA, onde o risco de aparecimento de PEA é
aproximadamente 19%, com risco mais elevado para rapazes e crianças com mais de um irmão com PEA.
Adicionalmente, há evidências de que crianças prematuras tenham maior risco de desenvolver PEA.

Características do desenvolvimento

Existe uma grande variação individual nas trajetórias de desenvolvimento das crianças com PEA.
Tanto os comportamentos repetitivos e restritos, como os de comunicação social, podem aparecer no
primeiro ano de vida. A idade de início varia entre os 12 e os 36 meses de idade. Observam-se diferenças
marcadas no surgimento de um espectro de défices sociais e de comunicação. Muitas crianças evidenciam
perdas marcadas ou regressão nas competências de comunicação social e linguagem, enquanto outros
mostram um padrão de início gradual, que pode ser marcado pela falha na aquisição de competências
sociais apropriadas à idade, ou por se desligarem das interações sociais. A maioria dos pais relata
preocupações de desenvolvimento entre os 18 e os 24 meses de idade. No entanto, crianças pequenas
sem atrasos de desenvolvimento tendem a ser diagnosticadas mais tardiamente, na pré-escola ou mais
tarde ainda, quando a exigência de interações sociais aumenta. Muitas crianças com PEA e atraso global
ou de linguagem, mostram marcados ganhos na linguagem e desenvolvimento cognitivo ao longo da
primeira infância.

Prevalência

Antes considerada uma doença rara, a PEA está atualmente entre as mais comuns perturbações
do neurodesenvolvimento, com estimativas, nos EUA, de 1 em cada 68 crianças. Dado que os rapazes são
aproximadamente 4 vezes mais afetados que as raparigas, a prevalência estimada para rapazes é 1 em 42
e, para raparigas 1 em 189.

Curso

O diagnóstico de PEA realizado antes dos 3 anos de idade parece manter-se significativamente
estável ao longo do tempo, no entanto, a estabilidade aumenta quando o diagnóstico é feito após os 4
anos de idade.

Fatores de risco e prognóstico

Muitos fatores têm sido associados ao aumento do risco de PEA, incluindo ter um irmão mais velho
com PEA ou outro fator de risco familiar/genético; ser do sexo masculino; ter um atraso de
desenvolvimento, debilidade intelectual ou atraso de linguagem; prematuridade ou baixo peso ao
nascimento; pais de idade avançada; ter sido exposto a toxinas ambientais (p.e. exposição pré-natal ao
valproato, proximidade a uma auto-estrada). Adicionalmente, algumas condições genéticas como
19
Síndrome de X-frágil e Esclerose Tuberosa estão associados a elevado risco de PEA. Alguns estudos
demonstraram que crianças com maior nível de linguagem e melhor funcionamento cognitivo, assim como
os que têm melhores competências de atenção conjunta, apresentam melhor prognóstico.

Aspetos do diagnóstico relacionados com a cultura

São conhecidas disparidades na idade e taxas de diagnóstico nos EUA. Crianças pequenas com
PEA que cresceram em ambientes pobres, com pais não nativos em língua inglesa ou com pais
identificados como pertencentes a minorias raciais/étnicas, têm sido diagnosticados mais tarde ou
erroneamente diagnosticados apenas com debilidade intelectual. Uma vez que existem diferenças culturais
nas práticas de comunicação social e expressão emocional, os sintomas da criança devem ser avaliados
no contexto das práticas culturais familiares ou da sua comunidade.

Aspetos do diagnóstico relacionados com o género

Apesar da prevalência de PEA ter crescido dramaticamente, a taxa de rapazes afetados


comparada com raparigas, tem permanecido estável, com os rapazes a serem 3-4 vezes mais propensos a
receber um diagnóstico de PEA.

Diagnóstico diferencial

Crianças com Síndrome de Rett podem apresentar sintomas de PEA na primeira infância. Quando
uma debilidade intelectual ou um Atraso Global de Desenvolvimento é muito severo, pode ser difícil de
distinguir da PEA. É importante avaliar os sintomas de comunicação social no contexto da idade mental da
criança - particularmente quando se examinam défices sociais. Crianças com Perturbação Reativa de
Vinculação podem apresentar dificuldades na reciprocidade social e Atraso Global de Desenvolvimento,
mas mostram ausência seletiva de comportamentos de vinculação, atrasos de linguagem comparáveis a
atrasos cognitivos e não apresentam evidência de comportamentos restritivos ou repetitivos, para além de
estereotipias motoras.

Comorbilidades

Atraso Global de Desenvolvimento e atrasos de linguagem são muito comuns em crianças


pequenas com PEA. Uma avaliação formal de desenvolvimento é importante para caracterizar o
funcionamento da criança, com a ressalva de que ambos scores, linguagem e cognitivo, são menos
estáveis na primeira infância. Crianças pequenas com PEA com frequência mostram perfis cognitivos
desiguais. Além disso, não é incomum que crianças pequenas com PEA evidenciem mais competências de
linguagem expressiva do que recetiva (p.e. funcional, enunciados de duas palavras e habilidades de
contagem, com limitada compreensão de linguagem). Défices na comunicação social que afetam o
funcionamento adaptativo do dia-a-dia; discrepâncias entre o funcionamento cognitivo e adaptativo são
comuns. Para além dos movimentos motores repetitivos (p.e. caminhar na ponta dos pés, postura,
flapping), as crianças com PEA podem evidenciar atrasos/défices motores, ser desajeitadas ou terem
marcha incomum. Alguns PEA podem mostrar hiperatividade ou desatenção significativas a estímulos
sociais e não sociais, sendo apropriado considerar um diagnóstico de PHDA. Crianças mais velhas com
PEA exibem elevados níveis de ansiedade e depressão. Por fim, crianças com PEA podem apresentar
20
comportamentos desafiadores incluindo problemas alimentares e de sono, emoções negativas e
comportamentos de auto-agressividade.

DSM-5: Perturbação do Espectro do Autismo

CID-10: Autismo infantil (F84.0)

Perturbação do Espectro do Autismo Atípica Precoce

Introdução

A Perturbação do Espectro do Autismo Atípica Precoce (PEAAP) caracteriza-se por anomalias


severas na comunicação social e sintomas restritos e repetitivos, em crianças entre os 9 e os 36 meses de
idade, que não preenchem todos os critérios para PEA. O diagnóstico requere dois dos três sintomas de
comunicação social e um de quatro sintomas restritivos e repetitivos.

A inclusão da PEAAP na DC:0-5 baseou-se nos conhecimentos atuais da progressão de sintomas


da PEA, que surgiram a partir de estudos em irmãos de crianças com PEA. Um padrão consistente de
achados revelou uma ampla janela de risco para o preenchimento de todos os critérios de PEA, marcados
pela variabilidade na idade de início do diagnóstico de PEA, relativamente estável, que ocorre entre os 12 e
os 36 meses, assim como padrões de regressão lenta na janela de risco, para muitas crianças que passam
a preencher todos os critérios para PEA.

O diagnóstico de PEAAP identifica crianças com sintomas de PEA sérios, persistentes e que
causam transtorno, mas que não preenchem todos os critérios de PEA. A PEAAP aplica-se apenas a
crianças entre os 9 e os 36 meses de idade, cujo funcionamento se encontra prejudicado pela
sintomatologia, mas que não têm um número suficiente de sintomas para preencher todos os critérios de
diagnóstico para PEA, do DSM-5. Este diagnóstico não se aplica a crianças cujo comportamento seja
melhor explicado por uma perturbação/atraso/distúrbio de linguagem ou intelectual, ou outra
psicopatologia. Acredita-se que crianças pequenas com PEAAP estão em alto risco de desenvolver PEA e
devem ser monitorizadas para o desenvolvimento de novos sintomas.

Algoritmo de diagnóstico

Pelo menos dois critérios de comunicação social e um critério de comportamento restritivo e repetitivo,
devem estar presentes, assim como o critério de afetar o funcionamento.

A. Dois dos seguintes sintomas de comunicação social devem estar presentes:

1. Reatividade sócio-emocional, atenção social sustentada ou reciprocidade social, atípica ou limitada,


evidenciada por pelo menos um dos seguintes:

a. Aproximação social atípica

b. Capacidade reduzida ou limitada em se envolver em jogos sociais recíprocos ou atividades


que exigem tomada de vez (p.e. “cucu”)

21
c. Capacidade reduzida ou limitada de iniciação de atenção conjunta para partilhar interesses ou
emoções, ou para pedir informação sobre objetos de interesse no ambiente

d. Respostas restritas ou pouco frequentes à interação social

e. Iniciação de interação social ausente, rara ou restrita

2. Défices em comportamentos não verbais de comunicação social, evidenciados por pelo menos um
dos seguintes:

a. Ausência de comportamentos verbais e não verbais ou restrição na sua integração

b. Contacto ocular atípico e afastamento do outro em contextos sociais

c. Dificuldades na compreensão ou uso de comunicação não-verbal (p.e. gestos)

d. Leque restrito de expressões faciais e comunicação não-verbal limitada

3. Dificuldades na interação com os pares, evidenciadas por pelo menos um dos seguintes:

a. Problemas em adaptar o comportamento em resposta a exigências sociais em contextos


variados

b. Dificuldades no jogo simbólico espontâneo

c. Interesse nos pares ou em brincar com outras crianças, ausente ou limitado

B. Os sintomas do critério A não são melhor explicados por défices sensoriais (p.e. visão, audição, outro
défice sensorial major). A criança não preenche critérios para PEA.

C. Um dos seguintes comportamentos repetitivos e restritos têm que estar presentes:

1. Vocalizações ou discurso, movimentos motores ou uso de objetos e brinquedos estereotipados ou


repetitivos

2. Mantém rotinas rígidas, com excessiva resistência à mudança; exige manutenção da similaridade e
mostra angústia em resposta a mudanças ou transições; uso ritualizado de frases ou
comportamentos não verbais estereotipados, estranhos ou idiossincráticos

3. Interesses altamente circunscritos, específicos ou inusuais, que se manifestam por fixação extrema
ou atípica num item ou tópico de interesse

4. Resposta atípica ao “input” sensorial (p.e. sobre ou sub-reativo) ou envolvimento inusual com os
aspetos sensoriais do ambiente (p.e. lamber carpetes)

D. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Idade: O diagnóstico só pode ser feito entre os 9 e os 36 meses de idade. Crianças em idade pré-escolar
que preenchem critérios para PEAAP devem ser avaliados para Perturbação de Comunicação Social
(Pragmática) do DSM-5

Duração: Não há critérios de duração para a presença de sintomas.

22
Especificar:
1. Com ou sem atraso global de desenvolvimento

2. Com ou sem atraso de linguagem

3. Associada a uma condição genética identificada ou factor ambiental

4. Associada a alterações de processamento sensorial

Nota: Crianças que apresentem uma regressão inexplicável ou aumento súbito nos comportamentos
repetitivos e restritos, devem ser alvo de avaliação médica.

Características do diagnóstico

Os critérios usados para diagnosticar PEAAP em crianças pequenas são os mesmos que os
usados no diagnóstico de PEA em crianças mais velhas, adolescentes e adultos. No entanto, as
manifestações comportamentais específicas dos sintomas de comunicação social são diferentes, porque
as crianças pequenas têm competências de comunicação social e de relações interpessoais, mais
limitadas. Por exemplo, não é expectável que crianças, na primeira infância, questionem outras crianças ou
adultos sobre as suas experiências, ou sejam capazes de refletir acerca das suas próprias experiências
emocionais.

Características associadas que apoiam o diagnóstico

Tal como para a PEA, muitas das crianças pequenas que acabam por receber um diagnóstico de
PEAAP vêm à consulta porque os pais estão preocupados com o atraso de linguagem e comunicação.
Assumindo que algumas crianças diagnosticadas com PEAAP estão a mostrar sintomas precoces de PEA
como parte da progressão da PEA, e dado que muitas crianças com PEA têm atrasos de linguagem
expressiva e recetiva significativos, assim como Atraso Global de Desenvolvimento, na altura do
diagnóstico, é importante avaliar o funcionamento cognitivo, expressivo e recetivo da criança.

Características do desenvolvimento

Apesar de não haver dados disponíveis para a PEAAP, com base nos achados acerca da
progressão da PEA, parece existir variabilidade individual nas trajetórias de desenvolvimento de crianças
com PEAAP. Tanto os comportamentos repetitivos e restritos, como os de comunicação social, podem
aparecer no primeiro ano de vida. A idade de início varia, apesar de alguns sintomas poderem estar
presentes no primeiro ano de vida. Observam-se diferenças marcadas no surgimento do espectro de
défices sociais e de comunicação. Muitas crianças evidenciam perdas marcadas ou regressão nas
competências de comunicação social e linguagem, enquanto outros mostram padrão de início gradual, que
pode ser marcado pela falha na aquisição de competências sociais apropriadas à idade, ou por se
desligarem das interações sociais. Crianças que preencham critérios para PEAAP devem ser monitorizados
para o aparecimento de sintomas adicionais porque têm elevado risco de desenvolver PEA.

23
Prevalência

A prevalência é desconhecida mas a prevalência parece ter aumentado nos últimos anos.

Curso

O curso da PEAAP é desconhecido. Crianças com 12 meses que manifestem múltiplos sintomas
de comunicação social e restritivos/repetitivos têm risco aumentado de desenvolvimento de PEA, mas o
curso da PEAAP não está bem definido.

Fatores de risco e prognóstico

É provável que os mesmos fatores de risco que estão associados a PEA - incluindo ter um irmão
mais velho com PEA ou outro fator de risco familiar/genético; ser do sexo masculino; ter um atraso de
desenvolvimento, debilidade intelectual ou atraso de linguagem; prematuridade ou baixo peso ao
nascimento; pais de idade avançada; ter sido exposto a toxinas ambientais (p.e. exposição pré-natal ao
valproato, proximidade a uma auto-estrada) - estão associadas ao aparecimento de PEAAP. Existem
evidências de que crianças que desenvolvem todos os sintomas de PEA antes dos 2 anos de idade e os
que desenvolvem sintomas após os 2 anos de idade, são indistinguíveis aos 3 anos de idade, em termos
de gravidade dos sintomas. Há ainda evidências de que tratar crianças com sintomas de PEA
independentemente de preencherem ou não todos os critérios, pode minimizar défices de comunicação
social.

Aspetos do diagnóstico relacionados com a cultura

Existem diferenças culturais nas práticas de comunicação social e expressão emocional. Assim
sendo, os sintomas da criança devem ser avaliados no contexto das práticas culturais familiares ou da sua
comunidade.

Aspetos do diagnóstico relacionados com o género

Não há dados que permitam inferir diferenças de género para PEAAP, no entanto, há evidência de
que os rapazes têm tendência a mostrar risco mais elevado em questionários e screenings observacionais,,
mesmo antes da idade à qual as crianças tipicamente recebem um diagnóstico de PEA.

Diagnóstico diferencial

Crianças com Síndrome de Rett podem apresentar sintomas de PEA na primeira infância. Quando
uma debilidade intelectual ou um Atraso Global de Desenvolvimento é muito severo, pode ser difícil de
distinguir de PEAAP e da PEA. É importante avaliar os sintomas de comunicação social no contexto da
idade mental da criança - particularmente quando se examinam défices sociais. Crianças com Perturbação
Reativa de Vinculação podem apresentar dificuldades na reciprocidade social e Atraso Global de
Desenvolvimento, mas mostram ausência seletiva de comportamentos de vinculação, atrasos de
linguagem comparáveis a atrasos cognitivos e não apresentam evidências de comportamentos restritivos
ou repetitivos, para além de estereotipias motoras.

24
Comorbilidades

Não há dados de comorbilidade para PEAAP, no entanto, sintomas de PEA estão aumentados em
crianças com Atraso Global de Desenvolvimento e atrasos de linguagem. Uma avaliação formal de
desenvolvimento é importante para caracterizar o funcionamento da criança, com a ressalva de que ambos
scores, linguagem e cognitivo, são menos estáveis na primeira infância.

DSM-5: Outra Perturbação Específica do Neurodesenvolvimento

CID-10: Perturbação Pervasiva do Desenvolvimento, sem especificação (F84.9)

Perturbação de Hiperatividade com Défice de Atenção

Introdução

A Perturbação de Hiperatividade com Défice de Atenção (PHDA) é uma perturbação de níveis


inapropriados de desatenção ou hiperatividade-impulsividade, para o desenvolvimento, que interferem com
o funcionamento da criança pequena e sua família. Apesar das crianças pequenas terem níveis mais
elevados de desatenção, hiperatividade e impulsividade, do que as crianças mais velhas, algumas crianças
pequenas apresentam padrões extremos, mesmo em idades muito precoces, permitindo a identificação de
dificuldades específicas nestas áreas.

Os sintomas de PHDA estão entre as razões mais comuns para referenciação aos profissionais de
saúde mental, na primeira infância. Considerando os potenciais diagnósticos diferenciais, que incluem um
desenvolvimento normal, assim como outros diagnósticos de saúde mental, é necessária uma aplicação
rigorosa do diagnóstico. Crianças pequenas com sintomas em apenas um contexto ou restritos a uma
relação, assim como os que apresentam menos sintomas do que os requeridos, não devem receber um
diagnóstico de PHDA. Por outro lado, crianças pequenas que preenchem os critérios devem ser
diagnosticadas de forma a assegurar o acesso a suporte e tratamento adequados e facilitar a comunicação
efetiva entre os prestadores de cuidados.

Algoritmo de diagnóstico

Todos os seguintes critérios devem estar presentes.

A. Pelo menos seis sintomas da categoria de desatenção ou pelo menos seis sintomas da categoria de
hiperatividade-impulsividade devem estar presentes.

1. Categoria de desatenção:

b. Habitualmente não é cuidadoso e está desatento aos detalhes durante o jogo, atividades da vida
diária ou atividades estruturadas (p.e. comete erros ou tem acidentes desproporcionados em
relação ao que seria expectável para o seu nível de desenvolvimento)

c. Habitualmente tem dificuldades em manter o foco nas atividades ou jogo

25
d. Frequentemente não responde a pedidos/exigências verbais, especialmente se envolvido numa
atividade preferencial (p.e. o cuidador tem que chamar o nome da criança múltiplas vezes até
que ela pareça notar)

e. Frequentemente descarrila quando tenta seguir instruções múltiplas e acaba por não completar a
atividade

f. Frequentemente tem dificuldade em cumprir tarefas sequenciais apropriadas à idade (p.e. vestir-
se, cumprir com rotinas em casa ou no infantário)

g. Frequentemente recusa ou evita atividades que requeiram atenção prolongada (p.e. ler um livro
com o cuidador, ou fazer um puzzle)

h. Perde coisas que usa regularmente (p.e. animal de peluche preferido, sapatos, mochila)

i. Frequentemente distrai-se com sons ou imagens (p.e. sons de outra divisão ou objetos ou
atividades fora da janela)

j. Frequentemente parece esquecer-se do que está a fazer em atividades ou rotinas comuns

2. Categoria de hiperatividade-impulsividade

a. Frequentemente contorce-se ou mexe-se quando seria suposto estar estar quieto, mesmo por
curtos períodos de tempo

b. Habitualmente levanta-se da cadeira durante atividades em que deveria estar sentado (p.e. bons
dias, refeições, culto)

c. Frequentemente trepa a mobília ou outros objetos inapropriados

d. Habituamente parece fazer mais barulho do que outras crianças pequenas e tem dificuldade em
brincar em silêncio

e. Frequentemente manifesta atividade motora excessiva e energia não-dirigida (como se fosse


“conduzido por um motor”)

f. Habitualmente fala demasiado

g. Frequentemente tem dificuldade em ceder a vez durante as conversas ou interrompe a conversa


dos outros (p.e. fala por cima dos outros)

h. Frequentemente tem dificuldade em ceder a vez nas atividades e em aguardar para ter as suas
necessidades satisfeitas

i. Frequentemente intrusivo no jogo ou outras atividades (p.e. retira brinquedos às outras crianças,
interrompe um jogo estabelecido)

B. Os sintomas do critério A têm que ser excessivos quando comparados com as normas culturais e de
desenvolvimento expectáveis.

C. Os sintomas têm que estar presentes em pelo menos dois contextos de vida da criança (p.e. dois
espaços físicos diferentes - casa e fora de casa) ou em dois relacionamentos diferentes (cuidador,
professor, clínico).

D. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Causam sofrimento à família

3. Interferem com os relacionamentos da criança

26
4. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de
desenvolvimento

5. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

6. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Idade: A criança deve ter pelo menos 36 meses de idade.

Duração: Os sintomas devem estar presentes por pelo menos 6 meses.

Características do diagnóstico

O excesso de actividade e impulsividade, associados a desatenção, são as características


nucleares desta perturbação. Estes padrões de comportamento são mais pervasivos e mais extremos que
os típicos, para os pares da mesma idade, e estão presentes em, pelo menos, dois contextos diferentes.
Uma característica necessária para o diagnóstico de PHDA é a presença de compromisso funcional, que
tipicamente inclui dificuldades na relação com os cuidadores, pares e professores. Outras consequências
documentadas incluem lesões físicas, comportamento de risco, comportamento disruptivo nas aulas e
dificuldades com os pares.

Características associadas que apoiam o diagnóstico

Crianças pequenas com PHDA, em idade pré-escolar, têm maior risco de ter atrasos de
desenvolvimento incluindo compromisso intelectual ligeiro, défices de desenvolvimento, competências pré-
académicas pobres, problemas de coordenação motora e dificuldades na interação social. Os pré-
escolares com PHDA também apresentam défices das funções executivas e podem ter necessidade de
serviços de educação especial em taxas superiores às crianças com um desenvolvimento típico.

As suspensões e expulsões escolares não são incomuns em crianças pequenas com esta
perturbação e podem levar a dificuldades financeiras dos pais, assim como consequências psicológicas na
criança. Adicionalmente, algumas das mais prevalecentes dificuldades ligadas à PHDA são problemas de
aprendizagem e fracasso académico.

Nem todas as crianças pequenas com PHDA têm uma história familiar de problemas de atenção ou
hiperatividade-impulsividade. No entanto, a presença de história familiar de PHDA é uma característica
importante para as crianças pequenas que preenchem os critérios para PHDA.

Características do desenvolvimento

A hiperatividade e impulsividade são constructos estáveis ao longo do tempo, com início na


primeira infância. Comparado com crianças na idade escolar, os pré-escolares são mais propensos a
apresentar sintomas da categoria de hiperatividade-impulsividade, com cerca de um quarto das crianças a
preencher critérios para este padrão, comparado com muito poucos aos 12 anos de idade. A estabilidade
do diagnóstico baseado no domínio de sintomas (isto é, desatenção ou hiperatividade-impulsividade) é, no
entanto, limitada, sendo comum que as crianças pequenas alternem entre sintomas de ambos domínios,
com a idade. Para crianças pequenas com menos de 24 meses de idade, a Perturbação de Excesso de
Atividade na Criança Pequena, deve ser considerada.

27
Prevalência

Em crianças pequenas dos 2-6 anos de idade, a maioria dos estudos apresenta taxas de
prevalência no intervalo de 2-6%, no entanto, foram descritas, em algumas amostras, taxas de 0,4% a
8,8%.

Curso

A validade preditiva de hiperatividade e impulsividade, aos 18 meses, que prevê um diagnóstico de


PHDA aos 36 meses, é modesta, apesar de estatisticamente significativa. As categorias de hiperatividade,
impulsividade e desatenção são inconsistentes ao longo do tempo, no entanto, a PHDA, em crianças
pequenas, é relativamente persistente ao longo do tempo. A estabilidade dos sinais de PHDA aumenta à
medida que as crianças se tornam mais velhas, pelo que, a estabilidade em pré-escolares é maior do que
em crianças da primeira infância, mas menor do que na idade escolar. Crianças pequenas com PHDA
estão em risco muito mais elevado de problemas de aprendizagem e académicos, na idade escolar.
Sintomas de PHDA em crianças pequenas são preditivos de depressão em adultos jovens, assim como
perturbações da conduta.

Fatores de risco e prognóstico

Fatores ambientais e genéticos, incluindo abuso e negligência, têm sido ligados ao aumento de
PHDA na infância precoce. Por exemplo, crianças pequenas que cresceram em ambientes adversos, como
instituições ou orfanatos, têm aproximadamente quatro vezes mais risco de PHDA na infância precoce,
comparado com pré-escolares que vivem com as suas famílias. A hereditariedade da hiperatividade em
crianças pequenas é aproximadamente 70%, semelhante a taxas de crianças mais velhas. A investigação
de genes específicos relacionados com a PHDA realizou-se primeiramente em crianças mais velhas,
focando-se em genes relacionados com a atividade dopaminérgica ou metabolismo de outras
catecolaminas. Tal como em outras perturbações, o mais provável é que a PHDA em crianças se
desenvolva no contexto de interações complexas entre fatores genéticos e ambientais. Síndromes
específicos de neurodesenvolvimento, incluindo o Síndrome de X-Frágil e Perturbação do Espectro do
Autismo, estão associados a elevadas taxas de PHDA.

Fatores pré e pós-natais não herdados, estão também associados a sinais de PHDA pré-escolar. A
exposição pré-natal a substâncias de abuso por parte da mãe, incluindo álcool, está associada a sinais de
PHDA em idade pré-escolar. Os achados relativos à exposição pré-natal ao tabaco são contraditórios, com
a maioria, mas não todos os estudos, a indicarem uma associação com a PHDA pré-escolar. Fatores
perinatais, incluindo baixo peso ao nascer e prematuridade, também são preditivos de hiperatividade e
impulsividade precoces. Exposição pós-natal ao chumbo e perturbações do sistema nervoso central, como
convulsões, também estão associados a taxas aumentadas de PHDA. Fatores familiares, incluindo pais
jovens, depressão parental e ter uma família isolada, também aumentam o risco de PHDA em idade pré-
escolar.

28
Características de diagnóstico relacionadas com a cultura

Os sintomas de PHDA na infância precoce parecem aparecer de forma semelhante em todas as


culturas. A modesta variabilidade nas taxas de diagnóstico sugere que as expectativas culturais acerca dos
comportamentos apropriados ao desenvolvimento podem afetar o significado de compromisso funcional,
que é necessário para o diagnóstico.

Características de diagnóstico relacionadas com o género

Alguns estudos, em crianças pequenas, indicam que os rapazes têm maior prevalência que as
raparigas, apesar da magnitude desta diferença ser um pouco menor que em crianças mais velhas.

Diagnóstico diferencial

Para todas as crianças pequenas, o clínico deve considerar o diagnóstico diferencial de


“desenvolvimento normativo”, Perturbação da Relação, Perturbação de Stress Pós Traumático, ou outras
perturbações do Eixo I, antes de fazer um diagnóstico de PHDA. O desenvolvimento normativo pode incluir
um elevado nível de sintomas mas geralmente não tem um impacto substancial. As dificuldades em
corresponder às expectativas de desenvolvimento, como pretender que a criança se sente sozinha à
secretária para fazer os “trabalhos de casa”, por um longo período de tempo, não constitui compromisso
funcional. As perturbações da relação podem estar presentes com sintomas específicos da relação ou
perceções distorcidas acerca da apresentação do bebé/criança pequena. A Perturbação de Stress Pós
Traumático (PSPT) pode causar sintomas de hipervigilância e sofrimento, que se apresentam como
comportamento desorganizado, mas os sinais de PSPT devem estar associados a exposição ou
lembranças de um potencial evento traumático. Perturbações do Sono que causam privação do sono,
incluindo apneia do sono, podem apresentar-se com padrões de comportamento similares à PHDA. Muitas
outras perturbações, incluindo perturbações de ansiedade e humor, podem causar desregulação
comportamental, mas a PHDA não inclui um padrão pervasivo de humor ou ansiedade. A toxicidade pelo
chumbo deve ser considerada como um fator etiológico em crianças pequenas com sinais de PHDA.
Crises de ausência podem apresentar-se com sinais sugestivos de desatenção mas podem distinguir-se
porque durante as crises de ausência as crianças não respondem a interpelações verbais.

Comorbilidades

A PHDA ocorre, frequentemente, em simultâneo com outras perturbações psiquiátricas, numa larga
maioria, em crianças de idade pré-escolar. Os padrões específicos de comorbilidade variam na literatura,
mas destacam-se a Perturbação de Oposição e Desafio, perturbações internalizantes, especificamente
Perturbação de Ansiedade de Separação, Perturbação Depressiva Major ou Perturbação de Ansiedade
Generalizada.

DSM-5: Perturbação de Hiperatividade com Défice de Atenção

CID-10: Perturbação de Atividade e Atenção (F90.1)

29
Perturbação de Excesso de Atividade da Criança Pequena

Introdução

A Perturbação de Excesso de Atividade da Criança Pequena (PACP) descreve um síndrome de


desenvolvimento inapropriado de hiperatividade e impulsividade pervasivas, persistentes e extremas, em
crianças pequenas. Apesar do desenvolvimento típico de crianças pequenas se apresentar com elevados
níveis de atividade motora e menor controlo de impulsos, do que crianças mais velhas, uma pequena
proporção de crianças pequenas apresenta-se com níveis ainda mais elevados de atividade, que são
sustentados e preditivos de elevados níveis de atividade ao longo da idade escolar. A hiperatividade
isolada não constitui um síndrome clínico. Crianças pequenas com PACP devem apresentar elevada
atividade e experienciar compromisso funcional como exclusão de atividades, problemas no
relacionamento com os outros ou preocupações acerca de comportamento seguro.

Algoritmo de diagnóstico

Todos os seguintes critérios devem estar presentes.

A. A criança apresenta pelo menos seis sintomas, dos seguintes, que são excessivos, quando
comparados com o expectável para a norma cultural e de desenvolvimento:

1. Frequentemente contorce-se ou mexe-se quando seria suposto estar estar quieto, mesmo que por
curtos períodos de tempo

2. Habitualmente levanta-se da cadeira durante atividades em que deveria estar sentado (p.e. bons
dias, refeições, cadeira do carro)
3. Frequentemente trepa a mobília ou outros objetos inapropriados

4. Habitualmente parece fazer mais barulho do que outras crianças pequenas e tem dificuldade em
brincar em silêncio

5. Frequentemente manifesta atividade motora excessiva e energia não-dirigida (como se fosse


“conduzido por um motor”)

6. Habitualmente fala demasiado

7. Frequentemente tem dificuldade em ceder a vez durante as conversas ou interrompe a conversa dos
outros

8. Frequentemente tem dificuldade em ceder a vez nas atividades e em aguardar para ter as suas
necessidades satisfeitas

9. Frequentemente é intrusivo no jogo ou outras actividades (retira brinquedos às outras crianças,


interrompe um jogo estabelecido)

B. Os sintomas do critério A têm que ser excessivos quando comparados com as normas culturais e de
desenvolvimento expectáveis.

C. Os sintomas têm que estar presentes em pelo menos dois contextos de vida da criança (p.e. dois
espaços físicos diferentes - casa e fora de casa) ou em dois relacionamentos diferentes (cuidador,
professor, clínico).

D. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

30
1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Idade: A criança deve ter mais de 24 meses e menos de 36 meses

Duração: Os sintomas devem estar presentes por pelo menos 6 meses

Características do diagnóstico

A perturbação deriva da identificação consistente de hiperatividade e impulsvividade com


compromisso funcional, em crianças pequenas. Estes comportamentos têm uma trajetória de
neurodesenvolvimento bem estabelecida, que pode começar na primeira infância. A identificação é
particularmente importante em crianças cujas intervenções focadas na família podem ser eficazes na
redução dos sintomas e podem influenciar positivamente a trajetória de desenvolvimento.

A janela de desenvolvimento para esta perturbação é pequena, de forma intencional, com um limite
inferior de 24 meses de idade, que é a idade mais baixa a que estes sintomas foram estudados como
diagnostico categórico, e um limite superior de 36 meses de idade, após o qual deve ser considerado o
diagnóstico de PHDA.

O nível de atividade é um dos comportamentos mais facilmente observáveis de um conjunto de


experiências internas da criança pequena, não sendo necessário estabelecer a etiologia. Como em todas
as perturbações, uma avaliação cuidadosa que forneça uma formulação completa colocará esse
constructo clínico no contexto individual da criança pequena. Uma característica importante de
desenvolvimento, na infância precoce, é a dependência do cuidador para a segurança e para apoiar a
criança no que diz respeito às suas capacidades de auto-regulação. A PACP não é um diagnóstico focado
no papel dos pais no processo de desenvolvimento. O diagnóstico não se aplica quando o cuidador
percebe um aumento da atividade da criança limitado ao contexto parental e que não é apoiado por uma
avaliação completa envolvendo observações e informação de outras fontes.

O diagnóstico não deve ser considerado em crianças pequenas com alterações do nível de
atividade episódicas, reativas ou em contextos específicos. Neste caso, deve ser considerado um
diagnóstico diferencial, sendo provável que estejam presentes outras comorbilidades.

Características associadas que apoiam o diagnóstico

Crianças pequenas com sinais de PACP podem sofrer ferimentos como lacerações que requerem
pontos ou magoar-se na cabeça como resultado de quedas, o que se relaciona com a impulsividade e o
aumento da atividade. Os cuidadores principais podem ter dificuldades em encontrar outros adultos, como
amas, família alargada ou creches, que estejam dispostos a ficar com a criança a seu cuidado. Dados
recentes sugerem que a hiperatividade precoce está associada a sono de curta duração, um padrão que se

31
vê com frequência na prática clínica, apesar de não estar estabelecido um nexo de causalidade.
Adicionalmente, a agressão física também está frequentemente associada a excesso de atividade infantil.

Características do desenvolvimento

Os dados disponíveis acerca da trajetória da hiperatividade e impulsividade, em crianças


pequenas, sugerem que o nível de atividade parece manter-se estável ao longo do curto período em que a
PEACP se pode diagnosticar e ao longo do período da pré-escola. O critério A deve ser considerado no
contexto das expectativas culturais e de desenvolvimento. Se uma criança apresenta um desenvolvimento
inferior ao expectável para a sua idade cronológica e não se espera que já domine algumas das atividades
descritas no critério A, este critério não deve ser usado para suportar o diagnóstico.

O critério A1 e A2 não devem aplicar-se por períodos prolongados, mas sim por períodos de tempo
curtos, com outras pessoas, como ver um livro, explorar um novo brinquedo ou cantar uma canção com
um grupo. Para o critério A3, a frequência do comportamento é importante para distinguir uma exploração
do ambiente típica de um excesso de comportamento de escalar objetos. Crianças pequenas com PACP
têm tendência a escalar qualquer objeto, incluindo mobiliário e estruturas altas ou potencialmente
perigosas. O critério A4 distingue o volume da criança, de forma explícita, das outras crianças e este pode
ser identificado em jogos de grupo ou em solitário.

Prevalência

Os dados acerca das taxas de diagnóstico categórico de PACP são limitados, no entanto, dados
epidemiológicos da Europa e América do Norte demonstram que 7-16% das crianças pequenas mostram
uma trajetória de desenvolvimento estável, elevados níveis de hiperatividade e impulsividade, não contando
com os critérios de compromisso funcional e múltiplos contextos. Com base em dados existentes, em
crianças mais velhas, o compromisso funcional parece estar presente em menos de metade das crianças
com hiperatividade e impulsividade, no entanto, dada a especificidade do contexto e as diferentes
expectativas para as crianças pequenas, é provável que sejam até menos, aqueles que cumprem os
critérios para a perturbação.

Curso

Dados epidemiológicos demonstram elevada estabilidade nos níveis de atividade durante o


desenvolvimento, ao longo da primeira infância, e estabilidade modesta, ao longo da idade escolar. Em
estudos em que não se examinou o compromisso funcional, um pequeno grupo de crianças mostrou níveis
elevados a extremos de hiperatividade e impulsividade ao longo do tempo, com a maioria delas a reduzir
os sintomas à medida que passa da infância precoce à idade escolar. Os outcomes do diagnóstico
categórico ainda não estão bem estabelecidos, mas é expectável que a PACP mostre uma continuidade
substancial com a PHDA, no período da primeira infância.

Fatores de risco e prognóstico

O excesso de atividade persistente na primeira infância está associado a um conjunto de fatores


biológicos, ambientais e da relação. Fatores biológicos perinatais incluindo parto pré-termo e baixo peso
ao nascimento, estão associados a um risco duas vezes aumentado de excesso de atividade persistente e

32
extrema. Fatores familiares, incluindo pai/mãe solteiro ao nascimento, baixa idade materna, insegurança
alimentar, depressão materna ou história parental de comportamentos antissociais, têm demonstrado ser
fatores preditivos estáveis de comportamentos de hiperatividade em crianças pequenas. Em crianças
pequenas para as quais a PACP é preditiva de PHDA mais tardiamente, os fatores de risco pré-escolares,
incluindo fatores genéticos, padrões de hereditariedade e adversidade nos cuidados, também podem
conferir risco na primeira infância.

Características de diagnóstico relacionadas com a cultura

As expectativas culturais são muito importantes na definição dos comportamentos expectáveis e


compromisso funcional. Apesar de cada cultura ter os seus próprios costumes, normas culturais e
expectativas em relação aos comportamentos das crianças, por definição, estes são alcançáveis pela
maioria das crianças dessa cultura. Deste modo, o constructo do excesso de atividade extremo e
problemático é aquele que pode ser aplicado a uma pequena minoria de crianças pequenas, que não
preenchem essa norma. Por outro lado, se um comportamento descrito no critério A não foi pensado para
determinado contexto cultural, a presença desse critério não deve ser usada para suportar o diagnóstico.

Como as expectativas culturais mudam, é importante monitorizar o número de crianças pequenas


identificadas com excesso de atividade, para assegurar que as expectativas continuam a ser alcançáveis.
Estudos na Europa e América do Norte demonstraram que, as crianças mais novas da turma têm um risco
substancialmente maior de ser diagnosticadas com PHDA, sugerindo que o que pode ser culturalmente
errado, nessa altura, pode não estar de acordo com as capacidades de desenvolvimento. Assim sendo, é
particularmente importante evitar que isto aconteça na primeira infância e que o diagnóstico de PACP seja
apenas aplicado quando existe compromisso funcional, de acordo com as expectativas de
desenvolvimento para a idade, mesmo se as normas culturais promoverem expectativas de
desenvolvimento inapropriadas.

Características de diagnóstico relacionadas com o género

Em estudos epidemiológicos, os rapazes entram no grupo de elevada hiperatividade e


impulsividade, duas vezes mais do que as raparigas. De novo, as normas culturais devem ser consideradas
e deve prestar-se atenção ao facto de a gravidade dos sintomas em meninas e meninos poder resultar em
diferentes níveis de comprometimento.

Diagnóstico diferencial

Os diagnósticos diferenciais para PACP são vários e incluem o desenvolvimento normativo,


perturbação específica da relação, problemas de ansiedade ou depressão, perturbações relacionadas com
trauma, atraso de desenvolvimento e questões médicas ou sensoriais. O desenvolvimento típico deve ser
considerado com qualquer queixa principal de hiperatividade pois, a primeira infância, inclui um elevado
nível de atividade que pode causar alguns desafios aos pais nas atividades da vida diária (p.e. ir às
compras), mas não causa um verdadeiro compromisso funcional na criança ou na família.

As perturbações da relação podem apresentar-se com excesso de atividade específica da relação.


Também as perturbações de humor e ansiedade podem apresentar-se com desregulação do
comportamento da criança. A desregulação precoce relacionada com stressores pode apresentar-se com
33
hiperatividade mas é geralmente episódica ou restrita a um contexto específico. Crianças pequenas com
atrasos de desenvolvimento geralmente demonstram níveis de atividade consistentes com o seu nível de
desenvolvimento, que podem ser mais ativas do que o expectável, para a sua idade cronológica. A PACP
deve distinguir-se da hiper-reatividade sensorial pelo contexto que, neste último caso, apenas ocorre
quando há exposição a estímulos sensoriais. A privação do sono pode apresentar-se com alterações do
comportamento mas, geralmente, também com alteração dos padrões do sono. Algumas condições
médicas podem cursar com desregulação emocional, no entanto, associada a evidência de dor,
perturbações do crescimento ou outros sintomas físicos. A exceção a esta regra é a exposição ao chumbo,
que pode ser silenciosa ou apresentar-se com hiperatividade, devendo ser considerada em todas as
crianças com excesso de atividade. Alguns medicamentos como esteróides, difenidramina e até albuterol
absorvidos sistemicamente, podem estar associados com hiperatividade em crianças pequenas, como
parte do diagnóstico diferencial.

Comorbilidades

Muitas das perturbações descritas previamente nos diagnósticos diferenciais podem também
ocorrer em comorbilidade com a hiperatividade. Problemas do sono e desregulação do comportamento,
tais como os que se verificam na Perturbação de Desregulação da Raiva e Agressão da Primeira Infância,
estão bem documentados. Devido à associação com a adversidade, as perturbações relacionadas com
trauma, como a PSPT, podem também surgir em comorbilidade com a PACP, quando a criança pequena
apresenta hiperatividade, assim como sinais de PSPT.

DSM-5: Perturbação de Hiperatividade com Défice de Atenção, apresentação predominantemente


hiperativa-impulsiva

CID-10: Perturbação da Actividade e Atenção (F90.1)

Atraso Global do Desenvolvimento

Introdução

O Atraso Global do Desenvolvimento (AGD) é diagnosticado quando crianças pequenas têm um


funcionamento significativamente abaixo da média em todos os domínios do desenvolvimento, incluindo
raciocínio verbal e não verbal, resolução de problemas, desenvolvimento da linguagem, desenvolvimento
social, competências de motricidade fina e grossa e comportamentos adaptativos. O AGD é diagnosticado,
em vez de debilidade intelectual, na primeira infância, para refletir a grande plasticidade do
desenvolvimento precoce e a possibilidade de crescimento cognitivo e adaptativo.

A criança mostra um padrão consistente de atraso em todos os domínios de desenvolvimento, nas


medidas standartizadas do desenvolvimento. Tipicamente, estas crianças apresentam scores que são
1.5-2 ou mais desvios padrão abaixo da média, para a sua idade e grupo cultural.

34
A etiologia do AGD varia desde negligência social a uma condição genética (p.e. Síndrome de X-
frágil, Síndrome de Down). Quando o AGD ocorre no contexto de uma condição genética, é importante
determinar se existe um fenótipo específico associado, que influencie o curso do desenvolvimento
cognitivo porque algumas condições p.e. Síndrome de Rett, podem estar associadas a declínio do
funcionamento cognitivo.

Apesar dos testes standartizados na primeira infância e período pré-escolar serem menos estáveis
do que os testes de QI standartizados para crianças pequenas dos 3-5 anos, crianças mais velhas,
adolescentes e adultos, muitas crianças pequenas com AGD irão continuar a preencher critérios para
debilidade intelectual.

Muitas vezes, os pais apercebem-se do AGD dos filhos pequenos quando eles não atingem
marcos de desenvolvimento motores (p.e. sentar, andar sem apoio) ou não falam. Quando qualquer
domínio de desenvolvimento está atrasado, é importante prosseguir com uma avaliação formal de todos os
domínios. Quando os scores dos testes de desenvolvimento suportam um diagnóstico de AGD, é
importante administrar um teste de funcionamento adaptativo para determinar se o desempenho do bebé/
criança pequena está de acordo com o seu desempenho diário, no que diz respeito às competências
adequadas à sua idade.

As crianças com AGD geralmente apresentam pontos fortes e fracos relativos, em todos os
domínios de desenvolvimento, que podem ser úteis para determinar a intervenção. No entanto, crianças
pequenas com AGD mostram atrasos marcados em todos os domínios de desenvolvimento, em contraste
com crianças com atrasos específicos de aprendizagem ou perturbações de linguagem. O AGD está
associado a uma ampla gama de perturbações mentais.

Algoritmo de diagnóstico

Todos os seguintes critérios devem estar presentes.

A. Défices no funcionamento cognitivo, capacidade verbal e não-verbal de resolução de problemas,


planeamento, pensamento simbólico, competências motoras, juízo social e aprendizagem, incluindo
competências pré-académicas no período pré-escolar, confirmados por avaliação de desenvolvimento
ou cognitiva standartizada, com um instrumento de referência à norma. Estes défices são
documentados por um atraso que é dois desvios padrão abaixo da média (score inferior a 75).

B. Défices no funcionamento adaptativo que se referem à performance de competências de comunicação,


sociais e de vida diária, apropriadas à idade, e requeridas para o funcionamento adaptativo
independente do dia-a-dia. Sem suporte, os défices adaptativos limitam a participação ou o
envolvimento da criança em uma ou mais das actividades da vida diária expectáveis para a sua idade,
como as rotinas de casa (p.e. auto-cuidado) brincar com membros da família e outras crianças (p.e.
creche) e experiências da comunidade (p.e. parque infantil). Estes défices estão documentados por um
funcionamento que é dois desvios padrão abaixo da média em pelo menos duas áreas de
funcionamento adaptativo.

Idade: O bebé/criança pequena deve ter pelo menos 6 meses de idade.

DSM-5: Atraso Global de Desenvolvimento

35
CID-10: Outras perturbações do Desenvolvimento Psicológico, Atraso global do desenvolvimento (F88)

Perturbação do Desenvolvimento da Linguagem

Introdução

A Perturbação do Desenvolvimento da Linguagem é diagnosticada quando a criança apresenta um


atraso significativo na comunicação expressiva ou recetiva, que não são devidos a dificuldades sensoriais
(p.e. défice auditivo), condições médicas/neurológicas (p.e. lesões cerebrais traumáticas ou afasia
epiléptica adquirida), ou perturbações do neurodesenvolvimento (p.e. PEA ou AGD). As competências de
linguagem e comunicação devem estar seletivamente comprometidas na Perturbação do Desenvolvimento
da Linguagem, mesmo se estiverem presentes outros atrasos (p.e. atrasos motores ou cognitivos). Com
frequência, a etiologia é desconhecida, apesar das crianças pequenas com perturbações da linguagem
poderem ter história familiar positiva para este tipo de perturbação.

O alcance das potenciais limitações de linguagem em crianças com esta perturbação é grande,
variando desde os que exibem primariamente problemas de articulação, até os que exibem atrasos
profundos na compreensão da linguagem falada. Apesar dos problemas de linguagem expressiva poderem
ser identificados na ausência de anomalias da linguagem recetiva, o contrário raramente acontece.

As características associadas são variadas. Anomalias na linguagem expressiva podem ser


acompanhadas por problemas de comportamento, especialmente agressões e explosões de raiva. Estes
problemas podem melhorar assim que a criança aprende a comunicar as suas necessidades mais
diretamente. Por outro lado, algumas crianças pequenas podem adaptar-se aos seus atrasos de linguagem
tornando-se mais tímidas e retraídas. Anomalias sérias na linguagem recetiva são mais difíceis de tratar
que os atrasos puramente expressivos e estão associados a dificuldades de linguagem, aprendizagem e
adaptação social, a longo prazo. Anomalias sociais são frequentemente acompanhadas por sérios défices
de linguagem pelo que, a distinção entre uma Perturbação do Desenvolvimento da Linguagem primária e
uma Perturbação do Espectro do Autismo, pode ser um desafio.

Quando mais tardiamente forem diagnosticadas, pior será o prognóstico, sugerindo que é urgente
iniciar uma avaliação cuidada e intervenção precoce. A avaliação da audição está sempre indicada em
crianças pequenas com atrasos de linguagem não explicados. O discurso, linguagem e comunicação
devem ser entendidos de acordo com o contexto cultural e de linguagem. Normas standartizadas para um
grupo não podem assumir-se como relevantes para um grupo diferente. Deve prestar-se atenção especial
às crianças que crescem em ambientes bilingues porque as normas monolíngues podem não se aplicar.
Um diagnóstico de Perturbação do Desenvolvimento da Linguagem faz-se com base na história,
observação e performance em testes standartizados para a capacidade de linguagem.

Algoritmo de diagnóstico

Todos os seguintes critérios devem estar presentes.

36
A. Dificuldades consistentes ou atraso na aquisição e uso da linguagem e comunicação, comparados com
a norma para a idade, e que são caracterizadas por um ou mais dos seguintes:

1. Atraso na produção de gestos, vocalizações, palavras ou frases que estão significativamente abaixo
das normas de desenvolvimento. Para as crianças pequenas que usam palavras, pode incluir
problemas no uso das regras gramaticais e morfológicas da linguagem, tais como produzir novas
combinações de palavras, acrescentar marcadores de tempos verbais e uso de plurais.

2. Atraso na compreensão de gestos, vocalizações, palavras ou frases que estão significativamente


abaixo das normas de desenvolvimento.

3. Dificuldade ou atraso em usar a linguagem para fazer saber as suas necessidades, relatar
experiências ou manter um diálogo (p.e. discurso comprometido).

B. Os défices descritos no critério A não se devem a:

1. Audição ou outro défice sensorial, disfunção motora ou outra condição médica ou neurológica.

2. Outra perturbação do neurodesenvolvimento.

3. Trauma grave.

C. Défices na produção e compreensão da linguagem comprometem a performance de competências de


comunicação apropriadas à idade. Sem suporte, os défices adaptativos limitam a participação e o
envolvimento da criança em uma ou mais das atividades expectáveis para a idade. Estes défices estão
documentados por um funcionamento que é dois desvios padrão abaixo da média.

Idade: O bebé/criança pequena deve ter pelo menos 24 meses de idade.

Duração: Os sintomas devem estar presentes por 3 meses.

DSM-5: Perturbação da Linguagem

CID-10: Perturbação do Desenvolvimento da Fala e Linguagem, não especificada (F80.9)

Perturbação do Desenvolvimento da Coordenação

Introdução

A Perturbação do Desenvolvimento da Coordenação (PDC) é diagnosticada quando o bebé/criança


pequena exibe uma incapacidade persistente em se manter no nível de desenvolvimento expectável para a
sua idade, no que diz respeito à coordenação motora grossa e fina, que não é devida a alterações
sensoriais ou condições neurológicas, nem a um Atraso Global do Desenvolvimento. As dificuldades de
coordenação motora estão afetadas relativamente à motricidade, cognição e linguagem. Por esta razão, as
crianças pequenas com esta perturbação podem, ou não, demonstrar atrasos em marcos de
desenvolvimento motores. Também podem apresentar capacidades reduzidas em movimentos de
coordenação suaves ou outras áreas motoras, como subir ou descer escadas, ou usar tesouras. A lentidão
e outros constrangimentos em atividades motoras que requerem coordenação também são característicos
da perturbação.

37
O diagnóstico é realizado apenas se as dificuldades de coordenação causam impacto funcional na
criança pequena e na família, interferem com a participação nas atividades ou rotinas diárias que requerem
coordenação motora (p.e. jogos físicos com pares, vestir, usar utensílios de escrita no pré-escolar).

O início da perturbação é insidioso. Um aparecimento súbito com uma progressão típica nas
competências de coordenação motora deve levar à consideração de outras perturbações. Um diagnóstico
de PDC não deve ser realizado em crianças com menos de 24 meses de idade para assegurar que as
crianças pequenas têm uma oportunidade adequada para praticar o caminhar e outras competências de
motricidade fine e grossa.

A perturbação é mais comum no sexo masculino do que no feminino. Os fatores de risco incluem
exposição pré-natal a álcool e parto pré-termo. Algumas crianças pequenas com PDC podem tornar-se
sensíveis depois de terem a perceção dos seus défices, tornando-se socialmente retraídas.

Tal como em outras perturbações do desenvolvimento, está indicada a referenciação precoce para
avaliação e intervenção. Com frequência, as perturbações do neurodesenvolvimento ocorrem em
comorbilidade, pelo que a avaliação de PDC devem considerar a possibilidade de outras destas e vice-
versa.

Algoritmo de diagnóstico

Todos os seguintes critérios devem estar presentes.

A. A coordenação das competências motoras está marcadamente abaixo do esperado tendo em conta a
idade mental da criança e experiência com aquisição de competências. A criança pequena exibe pelo
menos dois dos sintomas seguintes:

1. Um padrão desajeitado a nível da motricidade ampla e fina.

2. Dificuldades claramente demonstráveis na coordenação motora, com um objectivo, em vários


contextos (p.e. atravessar o quarto para ir buscar um brinquedo, subir para uma cadeira).

3. Problemas com a coordenação que afetam quer a velocidade, quer a precisão, em atividades que
requerem competências motoras sequenciais (p.e. procurar e apanhar uma bola, andar de triciclo,
subir escadas, usar lápis).

B. Os défices nas competências motoras não são melhor explicados por AGD, défices sensoriais (p.e.
visuais) ou doença neurológica que afete a coordenação motora (p.e. paralisia cerebral ou TCE).

C. Os sintomas da perturbação ou os ajustes do cuidador em resposta aos sintomas, afetam


significativamente o funcionamento da criança e da família, em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Idade: O diagnóstico não deve ser feito em crianças com menos de 24 meses de idade.

38
Especificar:
1. Com ou sem isolamento social

2. Com ou sem aplanamento do afeto

DSM-5: Perturbação do Desenvolvimento da Coordenação

CID-10: Perturbação Específica do Desenvolvimento da Função Motora (Perturbação do Desenvolvimento


da Coordenação) (F82)

Outra Perturbação do Neurodesenvolvimento da Primeira Infância

Algoritmo de diagnóstico

Todos os seguintes critérios devem estar presentes.

A. A criança pequena apresenta um ou mais sintomas persistentes de uma perturbação do


neurodesenvolvimento, mas não preenche os critérios para nenhuma perturbação desta secção.

B. Os sintomas não se encontram incluídos em outra perturbação para a qual a criança preencha todos os
critérios.

C. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família, em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Especificar:
1. A perturbação que melhor explica os sintomas da criança

2. Porque é que a criança não cumpre inteiramente os critérios para essa perturbação

DSM-5: Perturbação Inespecífica do Neurodesenvolvimento

CID-10: Perturbação Inespecífica do Desenvolvimento Psicológico (F89)

39
PERTURBAÇÕES DO PROCESSAMENTO SENSORIAL

As Perturbações do Processamento Sensorial são diagnosticadas quando a criança pequena


demonstra comportamentos que refletem alterações na regulação dos inputs sensoriais. Os
comportamentos causam sofrimento ou prejudicam o funcionamento da criança nas atividades diárias.
Afeta crianças ao longo da primeira infância e infância, havendo evidência de que as dificuldades se
mantêm estáveis nos primeiros anos de vida.

Existem evidências empíricas consideráveis de que algumas crianças experienciam respostas a


estímulos sensoriais clinicamente significativas e debilitantes, que são independentes de outras condições
psicopatológicas ou de neurodesenvolvimento. Estas respostas podem ser caracterizadas por hiper-
reatividade (p.e. aumento da magnitude da resposta, latência de resposta rápida e habituação ou
recuperação de resposta a estímulos sensoriais mais lentas), hipo-reatividade (p.e. diminuição da
magnitude da resposta ou latência mais lenta para responder a estímulos sensoriais) ou resposta atípica a
estímulos, que pode ser caracterizada por exploração sensorial extensa de um estímulo que tipicamente
não se percebe (p.e. lamber paredes ou maçanetas das portas). As anomalias sensoriais devem ocorrer em
mais de um contexto (p.e. casa, creche) e devem envolver mais do que um domínio sensorial (p.e. táctil,
visual, auditivo, vestibular, olfativo, paladar, sensação da posição dos ligamentos ou pressão nos músculos
- sensação propriocetiva e as sensações de órgãos internos - interoceção).

Perturbação de Hiper-reatividade sensorial

Introdução

A característica central da Perturbação de Hiper-reatividade sensorial é um padrão persistente de


respostas prolongadas, intensas e exageradas a estímulos sensoriais que são mais severos, frequentes ou
duradouros que os típicos, observados em indivíduos de idades similares e mesmo nível de
desenvolvimento. A Hiper-reatividade sensorial ocorre em mais de um contexto (p.e. casa, creche/pré-
escola, outros locais da comunidade) e pode envolver um ou mais domínios sensoriais (p.e. táctil, visual,
auditivo, vestibular, olfativo, paladar, sensação da posição dos ligamentos ou pressão nos músculos -
sensação propriocetiva e as sensações de órgãos internos - interoceção). Apesar de existirem diferenças
individuais na sensibilidade sensorial, define-se uma perturbação quando há evidência de que a hiper-
reatividade sensorial causa sofrimento significativo ou afeta significativamente a criança ou a sua família.
Os sintomas de hiper-reatividade sensorial observados não são melhor explicados por outra perturbação
mental (p.e. PHDA, Perturbação de Ansiedade Generalizada, PEA) mas pode ocorrer em simultâneo com
outras perturbações mentais.

Algoritmo de diagnóstico

Todos os seguintes critérios devem estar presentes.

40
A. A criança apresenta um padrão persistente e invasivo de hiper-reatividade sensorial que inclui reações
intensas e negativas a um ou mais tipos de estímulos sensoriais da rotina (incluindo táctil, visual,
auditivo, vestibular, olfativo, paladar, propriocetivo ou interocetivo), em mais do que um contexto (p.e.
casa, ama, jardim de infância) e com diferentes cuidadores (se a criança tem mais do que um cuidador).
A intensidade ou a duração da reatividade é desproporcional à intensidade do estímulo. Tem que estar
presente o critério 1 ou 2:

1. A criança mostra uma intensa resposta emocional ou comportamental quando é exposta ao


estímulo que provoca a sensação. A intensidade e duração da resposta é desproporcional à
intensidade do estímulo.

2. A criança tenta evitar o contacto com o estímulo sensorial que é aversivo para si.

B. A criança não preenche critérios para uma PEA . Os sintomas não são melhor explicados pela PHDA.

C. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Idade: A criança deve ter pelo menos 6 meses de idade

Duração: O padrão de hiper-reatividade sensorial deve estar presente por pelo menos 3 meses.

Especificar:
- Táctil: pessoas; objetos;

- Auditivo: um tipo específico de ruído ou nível de decibéis (altura) de todos os ruídos (p.e. um estímulo
específico de todos os dias como liquidificadora, autoclismo ou aspirador).

- Olfativo

- Vestibular: movimento no espaço

- Paladar p.e. alimentos picantes, moles, suaves, crocantes — distinguir de “táctil”

- Visual p.e. luzes brilhantes, cores em movimento

- Propriocetivo: não consegue medir corretamente a força (p.e. empurrar com força sem maldade,
carregar no lápis com força, apagar com força linhas no papel)

- Interocetivo: sensações de órgãos internos do corpo (p.e. dores de estômago frequentes)

Características do diagnóstico

O critério central da Perturbação de Hiper-reatividade Sensorial é a existência de um padrão


consistente e persistente de resposta exagerada, intensa e prolongada, aos estímulos sensoriais, que é
mais grave, frequente e duradoura do que é tipicamente observável em crianças da mesma idade e nível de
41
desenvolvimento. Ocorre em mais do que um contexto (p.e. casa creche/pré-escola, outros espaços da
comunidade) e pode envolver um ou mais domínios sensoriais.

Características associadas que apoiam o diagnóstico

Estudos de neuroimagem indicam que, quando comparadas com crianças com desenvolvimento
típico, crianças com Perturbação de Hiper-reatividade Sensorial apresentam dificuldade no processamento
de estímulos multimodais, tais como a combinação de estímulos auditivos e visuais. Outro estudo em curso
sugere disfunção na substância branca, na parte posterior do cérebro. Há ainda evidência de que a hiper-
reatividade sensorial apresenta moderada estabilidade durante a primeira infância e é hereditária, sendo
que, gémeos idênticos têm mais manifestações similares de hiper-reatividade do que gémeos fraternos.

Características do desenvolvimento

Crianças pequenas podem manifestar sintomas de hiper-reatividade - p.e. chorar excessivamente,


ter dificuldade em acalmar depois de exposição a sons altos, mostrar um padrão consistente de sofrimento
em resposta ao toque ou movimento suave/balanço ou outras experiências sensoriais. À medida que as
crianças crescem, podem desenvolver padrões de evitamento ou oposição, quando convidadas a
participar em atividades que envolvam exposição às sensações que despertam respostas adversas.

Prevalência

É desconhecida mas estudos epidemiológicos baseados em questionários parentais acerca dos


sintomas, sugerem uma prevalência entre 5% e 16,5%, associada a impacto familiar.

Curso

É desconhecido, no entanto, há estabilidade moderada dos sintomas entre 1 e 8 anos de idade e,


em média, todas as crianças evidenciam aumento dos comportamentos de hiper-reatividade entre o 1 e 3
anos de idade.

Fatores de risco e prognóstico

Crianças pré-termo ou pequenas para a idade gestacional parecem ter risco mais elevado para a
Perturbação de Hiper-reatividade Sensorial. Também as condições ambientais - incluindo falta de
movimento/estímulos tácteis na primeira infância (p.e. devidos a crescer numa instituição), exposição a
drogas ou stress pré-natais, violência - parecem aumentar o risco. Crianças com Atraso Global deu
Desenvolvimento ou Debilidade Intelectual têm também risco aumentado. Finalmente, os sintomas de
Perturbação de Hiper-reatividade Sensorial parecem ser hereditários.

Características de diagnóstico relacionadas com a cultura

Os sintomas devem ser avaliados no contexto cultural da família e de acordo com as suas crenças
e práticas culturais.

Características de diagnóstico relacionadas com o género

Não existem diferenças de género.

42
Diagnóstico diferencial

Dado que a reatividade sensorial atípica faz agora parte dos critérios de PEA, não é possível
diagnosticar ambos simultaneamente (PEA e Perturbação de Hiper-reatividade Sensorial). Pode ser difícil
distinguir algumas repostas ansiosas de respostas sensoriais (p.e. medo do aspirador). Quando a criança
pequena só fica incomodada com o som de um objeto, é improvável que a causa seja sensorial. É muito
importante observar um padrão de hiper-reatividade sensorial que aconteça em vários contextos e
estímulos que partilhem um componente sensorial.

Comorbilidades

A maioria das crianças com Perturbação de Hiper-reatividade Sensorial não tem comorbilidades
com outros diagnósticos psiquiátricos. Estas crianças podem manifestar problemas na alimentação, sono e
na auto-regulação. Na pré-escola existe elevado risco de problemas emocionais e comportamentais. Na
idade escolar têm maior probabilidade de dificuldades de aprendizagem. Parece existir um risco muito
elevado de perturbações de ansiedade e, os pais de crianças com Perturbação Obsessivo-compulsiva,
costumam reportar elevadas taxas de hiper-reatividade sensorial.

DSM-5: Outras Perturbações Específicas do Neurodesenvolvimento 



CID-10: Outras Perturbações do Desenvolvimento Psicológico (F88)

Perturbação de Hipo-reatividade sensorial

Introdução

A característica central da Perturbação de Hipo-reatividade Sensorial é um padrão persistente de


respostas mínimas, neutras, extremamente breves ou ausentes, a estímulos sensoriais que não são
consistentes com as expectativas para o nível de desenvolvimento. A hipo-reatividade sensorial ocorre em
mais de um contexto (p.e. casa, creche/pré-escola, outros locais da comunidade) e pode envolver um ou
mais domínios sensoriais (p.e. táctil, visual, auditivo, vestibular, olfativo, paladar, sensação da posição dos
ligamentos ou pressão nos músculos - sensação propriocetiva e as sensações de órgãos internos -
interoceção). Uma vez que existem diferenças individuais nas respostas sensoriais, os comportamentos de
hipo-reatividade definem-se como perturbação quando há evidência clara de que a hipo-reatividade
sensorial causa sofrimento significativo ou afeta significativamente a criança ou a sua família. Os sintomas
de hipo-reatividade sensorial observados não são melhor explicados por outra perturbação mental (p.e.
PHDA com padrão de défice de atenção, Depressão, PEA) mas podem ocorrer em simultâneo com outras
perturbações mentais, exceto a PEA.

Algoritmo de diagnóstico

Todos os seguintes critérios devem estar presentes.

43
A. A criança apresenta um padrão persistente e invasivo de hipo-reatividade sensorial que inclui reações
neutras ou passividade a um ou mais tipos de estímulo sensorial da rotina (incluindo táctil, visual,
auditivo, vestibular, olfativo, paladar), em mais do que um contexto (p.e. casa, ama, jardim de infância) e
com diferentes cuidadores (se a criança tiver mais do que um cuidador). A intensidade mínima da
reatividade ou o tempo que demora a iniciar resposta é desproporcional à intensidade do estímulo. Tem
que estar presente o critério 1 ou 2:

1. A criança mostra resposta emocional ou comportamental baixa/neutra quando é exposta ao estímulo


que é suposto provocar uma resposta moderada ou forte. A intensidade mínima da reatividade, o longo
tempo de latência para responder e a breve duração da resposta são desproporcionais à intensidade do
estímulo.

2. A criança é previsivelmente pouco reativa/indiferente aos estímulos sensoriais da rotina, que se


espera que provoquem uma resposta forte, positiva ou negativa (mesmo quando a ausência de resposta
pode estar associada a uma lesão).

B. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Idade: A criança deve ter pelo menos 6 meses de idade.

Duração: O padrão da hipo-reatividade está presente durante pelo menos 3 meses.

Especificar:
- Táctil: pessoas; objetos;

- Auditivo: um tipo específico de ruído ou nível de decibéis (altura) de todos os ruídos

- Olfativo

- Vestibular: movimento no espaço

- Paladar — distinguir de “táctil”

- Visual p.e. luzes brilhantes, cores em movimento

- Propriocetivo: sensação do corpo baseada no input dos músculos

- Interocetivo: sensações de órgãos internos do corpo

Características do diagnóstico

O critério central é a existência de um padrão consistente e persistente de baixa/mínima resposta


ao estímulo sensorial, que é menos intenso, frequente e duradouro do que é tipicamente observável em
crianças da mesma idade e nível de desenvolvimento. Ocorre em mais do que um contexto e pode

44
envolver um ou mais domínios sensoriais. Por exemplo, a criança pode não ter dor quando sangra após
uma queda ou pode não perceber que a televisão foi ligada a um volume muito alto.

Características associadas que apoiam o diagnóstico

Não existem características associadas que suportem o diagnóstico. Não são conhecidas
diferenças no desenvolvimento durante a primeira infância, mas a capacidade da criança para
compreender e comunicar sobre a baixa resposta aumenta na idade pré-escolar.

Prevalência

A prevalência é desconhecida mas acredita-se que é uma condição rara.

Curso

O curso é desconhecido.

Fatores de risco e prognóstico

Não há evidências claras a respeito dos fatores de risco e prognóstico. Verificam-se dificuldades
no diagnóstico baseadas nas diferenças culturais. Uma vez que existem variações culturais no
reconhecimento de sintomas somáticos nas várias culturas, os sintomas sensoriais do bebé/criança
pequena devem ser avaliados no contexto da sua família e crenças/práticas culturais.

Diagnóstico diferencial

Uma vez que a resposta sensorial atípica é um critério de PEA, a presença de PEA exclui um
diagnóstico de Perturbação de Hipo-reatividade Sensorial. Pode ser difícil distinguir da PHDA do tipo
desatento (p.e. ausência de resposta quando a TV está ligada com o som muito alto). Se outros sintomas
de PHDA puderem explicar os sintomas de hipo-reatividade, deve atribuir-se esse diagnóstico (PHDA). A
Perturbação de Hipo-reatividade Sensorial requer uma evidência clara de reatividade limitada
especificamente a inputs sensoriais. Estas crianças devem também ser avaliadas para condições médicas
quando são insensíveis à dor.

Comorbilidades

Não existem dados disponíveis.

DSM-5: Outras Perturbações Específicas do Neurodesenvolvimento

CID-10: Outras Perturbações do Desenvolvimento Psicológico (F88)

Outra Perturbação do Processamento Sensorial

Algoritmo de diagnóstico

Todos os seguintes critérios devem estar presentes.

45
A. A criança apresenta um padrão persistente e invasivo de resposta atípica aos estímulos sensoriais, não
preenchendo critérios para a Perturbação de Hiper-reatividade Sensorial ou Perturbação de Hipo-
reatividade Sensorial.

B. Os sintomas que a criança apresenta são especificamente associados à estimulação sensorial, e a


criança não preenche critérios para PEA ou PHDA.

C. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Idade: A criança pequena deve ter pelo menos 6 meses de idade.

Duração: O padrão de hiper ou hipo-reatividade sensorial deve estar presente por pelo menos 3 meses.

Especificar:
- Táctil: pessoas; objetos;

- Auditivo: um tipo específico de ruído ou nível de decibéis (altura) de todos os ruídos

- Olfativo

- Vestibular: movimento no espaço

- Paladar — distinguir de “táctil”

- Visual p.e. luzes brilhantes, cores em movimento

- Propriocetivo: sensação do corpo baseada no input dos músculos

- Interocetivo: sensações de órgãos internos do corpo

DSM-5: Outras Perturbações Específicas do Neurodesenvolvimento

CID-10: Outras Perturbações do Desenvolvimento Psicológico (F88)

46
PERTURBAÇÕES DE ANSIEDADE

Até há pouco tempo, o sofrimento associado à ansiedade nas crianças pequenas era considerado
um fase normativa do desenvolvimento ou um estilo de temperamento que aumentava o risco de
perturbações de ansiedade, depressão e outras perturbações mentais, um dia mais tarde. Atualmente ficou
claro que a ansiedade e sintomas associados, na primeira infância, pode atingir limites clinicamente
significativos, causando sofrimento nas crianças e suas famílias, e aumentando o risco para ansiedade e
depressão, na infância ou idade adulta. Além disso, as Perturbações de Ansiedade na criança pequena, tal
como na criança mais velha e adulto, apresentam-se como perturbações específicas que incluem
Perturbação de Ansiedade de Separação, Fobia Social, Perturbação de Ansiedade Generalizada e Fobias
Específicas.

Identificar a ansiedade clinicamente significativa em crianças da primeira infância pode ser muito
difícil. Crianças mais velhas e adultos verbalizam melhor as suas emoções e experiências internas incluindo
medo, ansiedade e preocupação. Assim, avaliar a ansiedade na primeira infância depende de descrições
do estado emocional da criança que (1) são baseadas nos comportamentos e sofrimento demonstrado
pela criança (2) são primariamente baseadas na descrição do adulto (p.e. pais, educador) ou avaliações
observacionais em casa/escola ou creche. Crianças a partir dos 3 anos de idade podem verbalizar a
ansiedade e medos, e representar estas experiências internas no jogo.

Os sintomas de apresentação das perturbações específicas da ansiedade na primeira infância são


semelhantes aos sintomas em idades mais velhas, no entanto, a manifestação destes difere claramente
consoante a idade. As Perturbações de Ansiedade devem distinguir-se da ansiedade e medos
característicos do desenvolvimento típico. Vários critérios gerais devem ser preenchidos para se considerar
a ansiedade/medos das crianças pequenas como sintoma de uma Perturbação de Ansiedade: os sintomas
devem (1) causar sofrimento na criança ou levar ao evitamento de determinadas atividades ou contextos;
(2) acontecer durante duas ou mais atividades da vida diária, ou em duas ou mais relações; (3) ser
inconsoláveis, pelo menos na maior parte do tempo; (4) persistir por pelo menos 2 semanas (para algumas
perturbações a duração deve ser mais que 2 semanas); (5) causar impacto no funcionamento da família ou
criança; (6) causar impacto no desenvolvimento expectável para a criança.

Uma vez que a maior parte da investigação acerca da Perturbação de Ansiedade de Separação,
Perturbação de Ansiedade Social e Perturbação de Ansiedade Generalizada é realizada em conjunto, o
texto para estas três perturbações é apresentado em conjunto, sendo realçadas as diferenças entre elas.
De seguida apresentam-se os critérios e descrição para o Mutismo Selectivo, Perturbação de Inibição à
Novidade e Outra Perturbação de Ansiedade da Primeira Infância.

Perturbação de Ansiedade de Separação

Algoritmo de diagnóstico

Todos os seguintes critérios devem estar presentes.

47
A. A criança apresenta sinais de ansiedade excessivos e inapropriados ao nível de desenvolvimento, em
relação à separação de casa ou pessoas a quem esteja vinculado. Pelo menos durante algum tempo, a
criança não consegue regular a ansiedade, mesmo com ajuda externa. A ansiedade é manifestada por,
pelo menos três dos seguintes sete sintomas:

1. Sofrimento excessivo e recorrente quando acontece ou antecipa a separação de casa/figuras


vinculação.

2. Preocupação excessiva e persistente de que algum evento (p.e. perder-se ou ser raptado) possa
levar à separação de uma figura vinculação major. Crianças pré-verbais ou com pouca linguagem
têm capacidade limitada de expressar preocupações.

3. Relutância ou resistência persistente em ir para o jardim de infância, escola ou outros locais fora de
casa, pelo medo da separação. Pode manifestar-se por: (a) medo ou ansiedade em sair de casa
para a escola; (b) medo ou ansiedade antecipatória relacionada com ir para a escola; (c) resistir ou
recusar ir para escola pelo medo da separação; (d) chorar, agarrar-se aos cuidadores, esconder-se,
fazer birra ou outros esforços para evitar a separação. Crianças mais pequenas podem manifestar a
ansiedade/medo com choro inconsolável e agarrar-se forte.

4. Medo ou relutância persistentes ou excessivos em estar sozinho ou sem as figuras de vinculação


major em casa, ou sem outros adultos significativos em outros contextos.

5. Relutância persistente ou recusa em ir dormir sem a presença de uma figura de vinculação major
por, pelo menos, 1 mês.

6. Pesadelos repetidos envolvendo o tema da separação. Crianças pré-verbais ou com pouca


linguagem podem ter pesadelos sem conteúdo reconhecível.

7. Sintomas físicos ou fisiológicos quando a separação das figuras de vinculação major acontece ou é
antecipada.

B. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança.

2. Interferem com os relacionamentos da criança.

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento.

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias.

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento.

Duração: O medo, ansiedade ou evitamento são persistentes, com duração de pelo menos 1 mês.

DSM-5: Perturbação de Ansiedade de Separação

CID-10: Perturbação de Ansiedade de Separação da Infância (F93.0)

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Perturbação de Ansiedade Social (Fobia Social)

Algoritmo de diagnóstico

Todos os seguintes critérios devem estar presentes. Os critérios podem estar presentes se a
criança demonstrou estes comportamentos no passado e atualmente evita a exposição ou esta é limitada
intencionalmente pelos cuidadores.

A. A criança apresenta medo marcado e persistente de uma ou mais situações sociais ou de desempenho,
que envolvam exposição a pessoas não familiares, ou possível escrutínio por adultos ou pares. O medo
ou ansiedade são desproporcionais à ameaça colocada pela situação social.

B. A exposição à situação social temida quase invariavelmente provoca ansiedade na criança, que pode
expressá-la por pânico, choro, birras, “freezing”, encolher-se, agarrar-se aos cuidadores ou não
conseguir falar em situações sociais com pessoas não familiares.

C. A criança evita a situação social ou de desempenho temida, ou enfrenta-a com ansiedade extrema ou
sofrimento.

D. O medo não é melhor explicado por outras perturbações incluindo PEA, Perturbação de Ansiedade de
Separação ou outras perturbações de ansiedade.

E. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança.

2. Interferem com os relacionamentos da criança.

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento.

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias.

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento.

Idade: A criança deve ter, pelo menos, 24 meses de idade.

Duração: Os sintomas devem estar presentes por 2 meses ou mais.

DSM-5: Perturbação de Ansiedade Social (Fobia Social)

CID-10: Perturbação de Ansiedade Social da Infância (F93.2)

Perturbação de Ansiedade Generalizada

Algoritmo de diagnóstico

Todos os seguintes critérios devem estar presentes.

A. A criança sente ansiedade ou preocupação marcados e persistentes, quase todos os dias. As


preocupações podem incluir ansiedade acerca de eventos futuros, adequação de comportamentos
passados e preocupações acerca de competências em uma ou mais áreas.

49
B. A criança não é capaz de regular a ansiedade ou preocupação (p.e. a criança pode perguntar
repetidamente aos pais para garantir)

C. A ansiedade e preocupação ocorrem em duas ou mais atividades ou contextos, ou em duas ou mais


relações.

D. A ansiedade ou preocupação estão associadas a um ou mais dos seguintes seis sintomas:

1. Agitação

2. Fadiga

3. Desatenção intermitente

4. Irritabilidade (p.e. facilmente frustrado)

5. Tensão muscular e dificuldade em relaxar

6. Perturbação do sono (p.e. dificuldade em adormecer ou manter o sono; sono inquieto, pouco
reparador; ou ser acordado por pesadelos)

E. A ansiedade ou preocupação é generalizada e não se limita às preocupações da POC (p.e. medo da


contaminação), PSPT (p.e. ansiedade acerca de pessoas ou lugares após trauma), Perturbação de
Ansiedade de Separação (p.e. ansiedade por separação de um cuidador), ou Perturbação de Ansiedade
Social (p.e. preocupação com interações sociais).

F. A perturbação não se deve ao efeito fisiológico direto de uma substância (p.e. medicação para asma ou
esteróides).

G. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Idade: O diagnóstico deve ser feito com precaução em crianças com menos de 36 meses de idade.

Duração: Os sintomas devem estar presentes por pelo menos 2 meses.

Características de diagnóstico

A barreira mais significativa para a identificação e tratamento da criança pequena, com ansiedade
que causa sofrimento, é a crença generalizada dos cuidadores de que a criança vai conseguir lidar com a
ansiedade e comportamentos associados, e superar os sintomas sozinha. A identificação destas
perturbações requere que os cuidadores reconheçam o estado emocional interno da criança.

A Perturbação de Ansiedade de Separação, Perturbação de Ansiedade Generalizada e Fobia Social


apresentam constelações de sintomas que são relativamente semelhantes aos encontrados em crianças
mais velhas e adultos. O sofrimento associado à ansiedade, que é comum a estas três perturbações, pode
manifestar-se em crianças pequenas por choro inconsolável, agarrar-se aos adultos, esconder-se, birras

50
reativas e através de outros comportamentos que refletem a tentativa da criança evitar as ameaças
percebidas.

As ameaças percebidas diferem consoante a perturbação de ansiedade. Para a Perturbação de


Ansiedade de Separação, o que é entendido como ameaça é a antecipação ou separação imediata da
criança, do seu cuidador principal. Situações e pessoas não familiares são entendidos como ameaça na
Fobia Social. A maioria dos sintomas destas duas perturbações descrevem comportamentos que podem
ser observados. A marca característica da Perturbação de Ansiedade Generalizada é a preocupação - um
estado de ansiedade que não é provocado pela perceção de uma ameaça imediata mas está ligada a
preocupações do passado e ansiedade antecipatória acerca do futuro. A preocupação, um estado de
ansiedade interno, pode ser difícil de identificar em crianças pequenas, particularmente naquelas que estão
a desenvolver as suas capacidades de expressar emoções e pensamentos verbalmente.

Para ser considerado clinicamente significativo, cada sintoma deve ter todas as seguintes
características: a ansiedade deve ser intensa (sofrimento excessivo), incontrolável, inapropriada para o
desenvolvimento e persistente (manter-se por mais de 1 mês). Se estiverem preenchidos os sintomas para
uma perturbação específica da ansiedade, o funcionamento da criança e família deve estar afetado.

A tentativa de evitar determinadas situações/triggers causadoras de ansiedade é uma resposta de


indivíduos, de qualquer idade. Esta estratégia para alívio da ansiedade leva, com frequência, a sintomas
mal-adaptativos que afectam o funcionamento e desenvolvimento. Em crianças pequenas com ansiedade,
os pais podem facilitar este evitamento. Por exemplo, não é incomum que os pais de crianças com
Perturbação de Ansiedade de Separação desenvolvam rotinas que permitam evitar a separação para que
estas não experienciem sintomas de separação. A criança pode não frequentar o jardim de infância, pode
dormir na cama dos pais e pode nunca ficar ao cuidado de outras pessoas, que não os pais. Nestes casos,
o clínico tem que avaliar como a criança responderia perante a separação.

Características associadas que apoiam o diagnóstico

Manifestações somáticas de ansiedade (p.e. aumento do batimento cardíaco, piscar os olhos,


sudorese, vertigens e tensão muscular) são comuns nas perturbações de ansiedade, tal como as dores de
barriga e cefaleias. Perceber a ligação entre as emoções, as respostas corporais e a expressão
correspondentes é fundamental na avaliação dos sintomas e escolha da intervenção na criança. Birras e
outras alterações comportamentais também são comuns. É essencial que estes comportamentos sejam
avaliados de acordo com a capacidade de autorregulação da criança e do seu funcionamento global, assim
como ter a perceção de que as birras são uma das formas mais comuns de manifestação de sofrimento
emocional das crianças.

Características do desenvolvimento

Perceber a diferença entre a ansiedade apropriada ao desenvolvimento e a ansiedade excessiva


pode ser um desafio para os clínicos e investigadores. Por exemplo, a ansiedade ao estranho e a
ansiedade de separação são típicas do desenvolvimento infantil e refletem a evolução da resposta
adaptativa da criança a adultos não familiares e a estar sozinha. Os medos normativos e a ansiedade
atingem um pico aos 3 anos de idade. Para a maioria das crianças, estas ansiedades e medos são
transitórios e não têm impacto significativo no desenvolvimento da criança. Perceber que as capacidades
51
emocionais e sociais da criança pequena se estão a desenvolver ao mesmo tempo que as capacidades
físicas, cognitivas e verbais, é fundamental para a identificação de perturbações de ansiedade atípicas e
com impacto funcional.

Por exemplo, o sofrimento em resposta à separação do cuidador principal (ansiedade de


separação) é um estadio de desenvolvimento que habitualmente emerge aos 8 meses e subsiste até aos 24
meses de idade . O pico para a maioria das crianças é aos 10-18 meses de idade. A ansiedade de
separação neste estadio é um reflexo da vinculação da criança ao seu cuidador principal e a perceção
cognitiva de que as pessoas e os objetos existem, mesmo quando não estão presentes. A perceção do
tempo emerge mais tarde pelo que a criança não compreende quando ou se, os pais irão regressar. Por
esta razão, os estudos acerca da Perturbação de Ansiedade de Separação começam a partir dos 2 anos
de idade ou mais tarde.

Na avaliação das perturbações de ansiedade na criança pequena, o clínico deve também ter em
conta o temperamento da criança. Crianças inibidas mostram características que têm sido associadas a
aumento do risco para perturbações de ansiedade, depressão ou outras perturbações mentais numa fase
mais tardia. No entanto, estas características de temperamento nem sempre estão associadas a outros
sintomas de ansiedade, nem são preditivas de impacto no funcionamento, apesar destas crianças
poderem preencher critérios para uma perturbação de ansiedade. Os estudos sugerem que a Perturbação
de Ansiedade de Social pode ser identificada com fiabilidade em crianças com mais de 2 anos de idade.
Existe sobreposição entre os sintomas de Perturbação de Ansiedade Social e a inibição comportamental.
Um diagnóstico de Perturbação de Ansiedade Social requere o preenchimento de critérios estabelecidos,
de forma a distinguir entre uma apresentação típica e atípica (p.e. gravidade, persistência) devendo existir
impacto funcional.

Dada a dificuldade na identificação do estado interno de preocupação, em crianças com


capacidade verbal limitada, a Perturbação de Ansiedade Generalizada não está muito bem estudada ou
identificada em crianças com menos de 3 anos de idade. A investigação em crianças mais velhas e pré-
escolares sugere que esta perturbação pode estar mais estreitamente relacionada com depressão, que
pode surgir tão cedo como aos 2 anos de idade.

Prevalência

Os sintomas e perturbações de ansiedade, na primeira infância, representam um problema de


saúde mental major, com uma prevalência que varia entre 9 e 20%. As taxas para cada tipo de perturbação
de ansiedade variam entre aproximadamente 2-10% sem diferença significativa entre a Fobia Social,
Perturbação de Ansiedade de Separação e Perturbação de Ansiedade Generalizada. Estas taxas são
consistentes com as encontradas nas perturbações de ansiedade em crianças mais velhas e na idade
adulta.

Curso

A persistência e curso das perturbações de ansiedade na primeira infância são similares a idades
mais tardias. Estas perturbações numa idade tão precoce aumentam o risco para perturbações de
ansiedade, assim como para depressão e Perturbação do Comportamento Disruptivo em idade escolar e

52
na adolescência. Há ainda um aumento da probabilidade de existir impacto no funcionamento, sobretudo
no domínio social, à medida que a criança vai crescendo.

Fatores de risco e prognóstico

A maioria dos estudos acerca da ansiedade na primeira infância agrega todas as perturbações no
conjunto, em vez de especificar cada uma. Os fatores de risco associados incluem fatores pré-natais (p.e.
fumar durante a gravidez), história familiar (p.e. história familiar de ansiedade ou depressão), fatores
parentais (p.e. depressão materna), características da criança pequena (p.e. inibição comportamental,
timidez), estilos parentais (p.e. sobreproteção parental, parentalidade coerciva), estrutura familiar (p.e.
aumento do número de irmãos, monoparentalidade), fatores ambientais (p.e. exposição à violência,
particularmente violência doméstica), experiências adversas de vida (p.e. doença médica com necessidade
de procedimentos invasivos e hospitalizações) e fatores demográficos (p.e. adversidades económicas).

Características de diagnóstico relacionadas com a cultura

Não se verificam diferenças culturais no quadro clínico específico de Perturbação de Ansiedade de


Separação, Perturbação de Ansiedade Social ou Perturbação de Ansiedade Generalizada, no entanto, as
diferentes expectativas e práticas culturais podem afetar a avaliação dos sintomas quer sejam típicos, quer
atípicos. Em culturas em que não estabelecer contacto ocular é uma forma de mostrar respeito, as
crianças podem parecer tímidas, mesmo quando não são. A prática comum de partilha da cama com os
pais não deve ser imediatamente identificada como um sintoma de ansiedade de separação, uma vez que,
em muitas culturas e subculturas, é uma prática comum.

Características de diagnóstico relacionadas com o género

Alguns estudos sugerem que as raparigas têm taxas mais elevadas de perturbações de ansiedade,
particularmente Perturbação de Ansiedade de Separação, no entanto, outros estudos não encontraram
diferenças entre géneros.

Diagnóstico diferencial

Uma vez que, nas crianças pequenas, os sintomas de perturbação de ansiedade se sobrepõem
aos de outras perturbações (p.e. irritabilidade na Perturbação de Ansiedade Generalizada e Depressão) e
características associadas (p.e. birras), é essencial fazer uma avaliação cuidada e considerar diagnósticos
diferenciais. Outras perturbações mentais como Depressão ou PSPT devem ser consideradas (e podem ser
comórbidas). O delírium, mais comum na neonatologia ou cuidados intensivos, também deve ser
descartado. Outras condições médicas devem ser consideradas incluindo, enxaquecas, crises epiléticas,
perturbações do SNC, perturbações respiratórias e perturbações do sono. A ansiedade induzida por
fármacos (p.e. medicação para asma, corticóides ou antivíricos) também deve descartar-se, assim como a
intoxicação por drogas (p.e. ingestão não intencional de analgésicos com cafeína).

Comorbilidades

O Padrão de comorbilidade para as perturbações de ansiedade em crianças pequenas é um pouco


diferente do padrão em crianças mais velhas. Mais de dois terços das crianças pequenas com perturbação
53
de ansiedade preenchem os critérios para uma única perturbação de ansiedade, enquanto as perturbações
de ansiedade “puras” parecem ser menos comuns em crianças mais velhas. Alguns estudos têm mostrado
que quando as perturbações de ansiedade são consideradas como um único grupo, a Depressão e
Perturbação de Comportamento Disruptivo, têm maior probabilidade de ocorrer concomitantemente. Um
estudo populacional de comorbilidade associado a perturbações de ansiedade específicas encontrou
padrões diferentes: (a) Perturbação de Ansiedade Generalizada está significativamente associada a
Perturbação de Ansiedade de Separação, Perturbação de Ansiedade Social, Depressão e Perturbação de
Comportamento Disruptivo; (b) Perturbação de Ansiedade de Separação está significativamente associada
a Perturbação de Ansiedade Generalizada sozinha; (c) Perturbação de Ansiedade Social está associada a
Perturbação de Ansiedade Generalizada e PHDA.

Crianças pequenas com perturbações de ansiedade têm também maior probabilidade de ter
hipersensibilidade a estímulos sensoriais (p.e. ruído, olfato, paladar) e para ter seletividade alimentar “picky
eaters”. Podem ainda estar associadas a condições médicas como pele atópica, eczema, asma e dor
abdominal funcional. As taxas de perturbações de ansiedade são elevadas (>40%) em crianças pequenas
com PEA e doenças genéticas, incluindo Síndrome de DiGeorge.

DSM-5: Perturbação de Ansiedade Generalizada

CID-10: Perturbação de Ansiedade Generalizada (F41.1)

Mutismo Seletivo

Introdução

Crianças pequenas com mutismo seletivo não falam em determinadas situações mas falam
normalmente em outras. O sintoma central é uma ausência da fala mas não uma incapacidade de o fazer.
O Mutismo Seletivo surge na primeira infância, é persistente e altamente prejudicial. Também está muito
relacionado com temperamento inibido e sintomas de Perturbação de Ansiedade Social. Apesar de não ser
tão comum como as outras perturbações de ansiedade major, causa muito sofrimento, sendo
frequentemente, severa. O Mutismo Seletivo não tratado persiste e causa disfunção significativa no
desenvolvimento social e emocional da criança pequena.

Algoritmo de diagnóstico

Todos os critérios devem ser cumpridos.

A. Insucesso consistente em falar em situações sociais específicas em que há expectativa de falar (p.e. na
pré-escola), apesar de manter a capacidade de falar noutras situações.

B. A relutância em falar não é explicada pela ausência de familiaridade com a língua falada, nem por
perturbação de linguagem expressiva.

C. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

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1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Duração: os sintomas devem estar presentes por pelo menos 1 mês.

Características do diagnóstico
As crianças pequenas com Mutismo Seletivo são capazes de falar e perceber linguagem verbal.

Podem raramente falar ou estar silenciosas num contexto (p.e. escola) e falarem noutros (p.e. casa). O
mutismo deve estar presente por, pelo menos, 1 mês e causar sofrimento na criança e sua família.

Características associadas que apoiam o diagnóstico


Antigamente, o Mutismo Seletivo era considerado um comportamento opositivo eletivo e não uma
perturbação grave de ansiedade. Os sintomas associados refletem a gravidade e impacto da ansiedade:
evitamento social, sofrimento social e medo de falar com estranhos. Podem ainda verificar-se outras
características de sofrimento como expressão facial aplanada com pouco sorriso, ausência de contacto
ocular, timidez extrema, birras, dificuldades na mudança, dificuldades de sono, humor deprimido ou irritável.
Sintomas físicos como dor abdominal, dor de cabeça e náuseas, também são comuns, assim como
sensibilidade sensorial.

Características de desenvolvimento
As características de temperamento com comportamento inibido têm maior intensidade no Mutismo
Seletivo, do que em crianças com outras perturbações emocionais. Quanto maior a intensidade de
comportamento inibido, menos palavras são ditas.

Prevalência
É uma perturbação pouco comum, com prevalência estimada entre 0.03% a 0.08%.

Curso
A idade média de aparecimento é entre os 3 e 4 anos de idade, apesar do diagnóstico ser feito
frequentemente, na idade escolar. A duração média é de cerca de 8 anos. A linguagem verbal mantém-se
menor que em crianças sem antecedentes de Mutismo Seletivo. Mesmo quando a perturbação é
ultrapassada, é frequente permanecer timidez e ansiedade social até à adolescência e idade adulta, assim
como problemas de comunicação, outras doenças mentais e menor funcionamento social e académico.

55
Fatores de risco e prognóstico
Crianças pequenas com Mutismo Seletivo têm maior probabilidade de ter familiares com
Perturbação de Ansiedade Social e de Mutismo Seletivo. A inibição comportamental é também um fator de
risco, assim como o estatuto de imigrante. Os fatores preditivos de manutenção de sintomas incluem o
estatuto de imigrante, gravidade da inibição comportamental, grau de gravidade e duração do Mutismo
Seletivo e idades mais tardias aquando do diagnóstico.

Características de diagnóstico relacionadas com a cultura


Não foram identificadas diferenças culturais, raciais ou étnicas. Um estudo encontrou uma
associação com viver com famílias bilingues ou multilíngues.

Características de diagnóstico relacionadas com o género


Os estudos demonstraram que o Mutismo Seletivo é mais comum no sexo feminino que no
masculino.

Diagnóstico diferencial
É fundamental averiguar se o mutismo, nas crianças pequenas, não pode ser melhor explicado por
outras causas ou perturbações. A ausência de compreensão da linguagem ou falta de competências de
linguagem devem ser descartadas. Uma perturbação de comunicação primária (p.e. Perturbação de
Comunicação Social - Pragmática) pode ser a causa do mutismo. Deve considerar-se diagnóstico
diferencial com PEA pois, em ambas perturbações, podem existir mutismo e inibição social, embora no
Mutismo Seletivo não se verifiquem os comportamentos repetitivos e défices sociais que caracterizam a
PEA. O mutismo que surge subitamente, aptos um evento traumático, deve ser identificado como “mutismo
pós-traumático” e não como Mutismo Seletivo.

Comorbilidades
A perturbação comórbida mais comum é a Perturbação de Ansiedade Social, com 90-100% das
crianças a preencher os critérios. O Mutismo Seletivo também está associado a outras perturbações de
ansiedade, entre outras como Depressão e POC. Apesar de poderem existir alterações do comportamento
significativas, a Perturbação de Comportamento Disruptivo é relativamente incomum. Cerca de 40% das
crianças têm problemas de linguagem e no discurso (p.e. gaguejar, dificuldades na pronúncia e articulação,
lábio leporino) e, além disso, um estudo descreve que cerca de 70% das crianças também preenche
critérios para atrasos de desenvolvimento.

DSM-5: Mutismo Seletivo


CID-10: Mutismo Seletivo (F94.0)

56
Perturbação de Inibição à Novidade

Introdução

Em contraste com os temperamentos de “aquecimento lento” ou com comportamento inibido, que


são descritos como variantes da normalidade, a Perturbação de Inibição à Novidade define-se como
inibição comportamental extrema com impacto no funcionamento da criança. As crianças com esta
perturbação são frequentemente enviadas aos cuidados de saúde primários e de saúde mental,
apresentando um risco aumentado de perturbações de ansiedade, como Perturbação de Ansiedade
Generalizada ou Perturbação de Ansiedade Social, mais tardiamente. As crianças demonstram dificuldades
pervasivas em situações, brincadeiras, atividades e pessoas novas, que causam sofrimento, e interferem
com a participação em atividades e rotinas expectáveis para o nível de desenvolvimento da criança.

Algoritmo de diagnóstico
Todos os seguintes critérios devem estar presentes.
A. A criança exibe sintomas de medo na presença de objetos (p.e. brinquedos), pessoas e situações não
familiares/novos. A criança quase sempre faz o seguinte:
1. “Congela” ou contém-se (p.e. pára de vocalizar, evita o contacto ocular) e tenta distanciar-se do
objeto/pessoa/experiência nova, escondendo-se ou procurando o cuidador.
2. Mostra afeto negativo marcado, persistente e pervasivo.
B. O comportamento inibido não é melhor explicado por um sintoma relacionado com trauma ou stress,
como na PSPT ou na Perturbação de Adaptação, e não é uma reação fóbica a um estímulo específico.
C. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Idade: A criança deve ter, pelo menos, 24 meses de idade.

Duração: Os sintomas da perturbação devem estar presentes por, pelo menos, 1 mês.

Características do diagnóstico

A principal consequência da Perturbação de Inibição à Novidade é que a criança exibe sintomas de


medo, quando confrontada com novas pessoas ou situações, que não são melhor explicadas por um
evento traumático ou assustador. Este medo e inibição são extremos e estão associados a compromisso
funcional na criança e sua família. A principal consequência funcional da perturbação é a restrição no

57
comportamento exploratório da criança, na aprendizagem através de novas experiências e a resistência
aos esforços de encorajamento da exploração.

Características do desenvolvimento

A inibição comportamental tem sido descrita no segundo ano de vida, mas alguns precursores
deste tipo de comportamento podem detetar-se nos primeiros meses de vida, apesar de ser improvável
que os critérios para a perturbação sejam preenchidos antes dos 18 meses de idade. Depois dos 24 meses
de idade, a perturbação não é diagnosticada, porque as crianças que permanecem sintomáticas
apresentam sintomas de outras perturbações de ansiedade (p.e. Perturbação de Ansiedade Generalizada,
Perturbação de Ansiedade Social).

Prevalência

A inibição comportamental deteta-se em 15% das crianças mas, apesar de não haver dados
formais acerca da prevalência da Perturbação da Inibição à Novidade, esta representa uma pequena
percentagem destes comportamentos de inibição.

Curso

A inibição do comportamento em crianças parece anteceder alguma cautela social em idades mais
velhas. Há poucos dados acerca do curso desta perturbação mas acredita-se que é precursora de outras
perturbações de ansiedade que se manifestam mais claramente a partir dos 2-3 anos de idade.

Fatores de risco e prognóstico

Filhos de pessoas com perturbações de ansiedade têm risco aumentado para esta perturbação.
Manifestações precoces de receio/medo são preditivas de outros sintomas de ansiedade que emergem
mais tardiamente. Pais com tendência a proteger os filhos de novas experiências, também aumentam o
risco de que estes apresentem sintomas de ansiedade em idades mais velhas. Algumas crianças inibidas
continuam a ter a tendência de se protegerem de novos estímulos, podem tornar-se menos assertivas e ser
alvo de rejeição pelos pares, catalisando a construção de auto-perceções negativas. Comparados com os
pares, as crianças com inibição comportamental experienciam maior rejeição social, interpretação ambígua
de situações sociais como rejeição particular, maior tendência a evitar stressores sociais e maior
probabilidade de responderem à rejeição social com atribuições internas de fracasso.

Características de diagnóstico relacionadas com a cultura

Não há dados específicos relacionados com diferenças culturais, apesar de ser importante
considerar as normas culturais de comportamento em ambiente familiar e não familiar.

Características de diagnóstico relacionadas com o género

Não há dados específicos acerca de diferenças entre os géneros.

58
Diagnóstico diferencial

A primeira consideração a fazer é se a inibição comportamental é suficientemente extrema para


justificar um diagnóstico de Perturbação de Inibição à Novidade, de acordo com o impacto funcional
causado. As crianças podem exibir respostas fóbicas a objetos, pessoas ou situações específicas mas
esta perturbação distingue-se pela pervasividade de situações em que o receio se manifesta. A PSPT e
Perturbação de Ajustamento podem incluir reações de medo e freezing, mas ocorrem na sequência de
exposição a trauma ou stressores significativos.

Comorbilidades

Tende a ocorrer em comorbilidade com perturbações de ansiedade mas, nesta faixa etária, estas
são difíceis de diagnosticar. Não se conhecem outras comorbilidades.

DSM-5: Outras Perturbações de Ansiedade Específicas

CID-10: Outras Perturbações de Ansiedade Específicas (F41.8)

Outras Perturbações de Ansiedade da Primeira Infância

Algoritmo de diagnóstico

Todos os seguintes critérios devem estar presentes.

A. A criança apresenta um ou mais sintomas persistentes de perturbação de ansiedade mas não


preenche todos os critérios para a perturbação.

B. Os sintomas não são melhor entendidos no contexto de outra perturbação para a qual a criança
preencha todos os critérios.

C. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Especificar:
1. A perturbação que melhor explica os sintomas da criança.

2. Porque é que a criança não preenche todos os critérios.

DSM-5: Outra Perturbação Específica de Ansiedade

CID-10: Outra Perturbação Específica de Ansiedade (F41.8)

59
PERTURBAÇÕES DO HUMOR

Desenvolver capacidades para regular as emoções, especialmente as negativas, é uma tarefa


primordial nos primeiros anos de vida, para todos os bebés/crianças pequenas. Na primeira infância, a
regulação das emoções é um processo diádico, em que os cuidadores principais desempenham um papel
primordial ajudando a criança a regular-se e a gerir sentimentos negativos. As diferenças individuais na
predisposição das crianças pequenas a certos estados de humor têm sido demonstradas, mas o papel
central da relação com o cuidador principal é, inicialmente, proporcionar conforto perante o sofrimento do
bebé. Através de experiências repetidas de ser consolado/confortado, o bebé aprende que o sofrimento
pode ser manifestado ao cuidador e aliviado, e gradualmente, ao longo dos primeiros anos de vida, as
crianças pequenas aprendem a gerir este sofrimento de forma mais independente, à medida que as suas
competências cognitivas e de linguagem se desenvolvem.

Há claras evidências de que as emoções negativas estão mais estritamente ligadas a


psicopatologia do que as emoções positivas. Além disso, a expressão física de emoções intensas está
ligada à redução de competências na relação com os outros. Dois grandes estados de humor negativos, a
depressão e a irritabilidade, estão presentes na experiência de todos os indivíduos, incluindo nas crianças
pequenas. Quando a depressão e a irritabilidade não são apenas estados emocionais transitórios, mas
severos, mal regulados e prolongados, podem refletir perturbações do humor.

Quando a tristeza e a irritabilidade predominam em crianças pequenas, especialmente quando


acompanhadas de sintomas vegetativos (p.e. insónia, redução de apetite, redução do nível de atividade), a
Perturbação Depressiva da Primeira Infância deve ser considerada. No entanto, quando a irritabilidade é
crónica e associada a explosões de raiva, a Perturbação de Desregulação da Raiva e Agressão da Primeira
Infância, deve ser considerada. Esta última representa uma perturbação profunda da regulação emocional
e comportamental. Tem existido muita controvérsia em relação a qual a melhor forma de concetualizar a
cronicidade das explosões de raiva quer em crianças pequenas, quer nas mais velhas. A Perturbação de
Oposição e Desafio, a Perturbação Disruptiva do Comportamento, a Perturbação Bipolar e, mais
recentemente, a Perturbação Disruptiva da Desregulação do Humor têm sido usadas para descrever esses
padrões de desregulação, em crianças mais velhas. A Perturbação de Desregulação da Raiva e Agressão
da Primeira Infância é uma tentativa de captar as características principais desses padrões, em crianças
pequenas.

Perturbação Depressiva da Primeira Infância

Introdução

A literatura científica recente acerca das perturbações de humor da primeira infância mostra que as
crianças pequenas, com 3 ou mais anos de idade, experienciam uma perturbação depressiva que é muito

60
semelhante às perturbações depressivas que se apresentam em idades mais tardias da infância e na idade
adulta.

As alterações aos critérios do DSM-5 e CID-10, sensíveis ao desenvolvimento, para as


perturbações depressivas, incluem modificação dos critérios de duração (“quase todos os dias durante
pelo menos duas semanas") e linguagem descritiva, que refletem a forma como as crianças pequenas
manifestam os sintomas emocionais. Embora os síndromes depressivos em crianças pequenas tenham
sido descritos na literatura desde 1930, particularmente em resposta à privação emocional e à separação
do cuidador principal, têm vindo a surgir critérios baseados em investigação de síndromes depressivas em
crianças.

Algoritmo de diagnóstico

Todos os seguintes critérios devem estar presentes.

A. Humor deprimido ou irritabilidade em atividades, quase todos os dias, durante pelo menos duas
semanas, como indicado por discurso direto da criança (p.e. “Estou triste”) ou observações feitas por
outros (p.e. a criança parece triste ou chorosa, aplanamento afetivo ou birras frequentes).

B. Anedonia - que se refere ao prazer ou interesse marcadamente diminuído em todas as atividades, ou na


maioria delas, como iniciar brincadeira e interação com os cuidadores - nas atividades, quase todos os
dias durante pelo menos duas semanas, como indicado por discurso direto da criança ou observações
feitas por outros. Em crianças pequenas, a anedonia pode-se apresentar com diminuição do
compromisso, resposta e reciprocidade.

C. Dois ou mais dos seguintes devem estar presentes:

1. Alterações significativas no apetite ou défices no crescimento, ao longo da curva de crescimento


expectável.

2. Insónia (i.e. dificuldade em adormecer ou manter o sono) ou hipersónia, quase todos os dias,
durante pelo menos duas semanas.

3. Agitação ou lentificação psicomotora em atividades, observadas por outras pessoas, quase todos
os dias, durante pelo menos duas semanas.

4. Cansaço ou perda de energia que pode apresentar-se como interesse diminuído em todas as
atividades, na maioria dos dias, durante pelo menos duas semanas.

5. Sentimentos de inutilidade, culpa ou autocrítica no discurso ou em brincadeiras, ao longo das


atividades, quase todos os dias, durante pelo menos duas semanas.

6. Diminuição da capacidade de concentração, persistência e de fazer escolhas ao longo das


atividades, quase todos os dias, durante pelo menos duas semanas.

7. Preocupação com temas de morte ou suicídio, ou tentativas de auto-mutilação, demonstradas


através do discurso, no jogo ou comportamento.

D. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

61
4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Idade: O diagnóstico deve ser feito com precaução em crianças com menos de 24 meses de idade.

Duração: Os sintomas devem estar presentes quase todos os dias durante pelo menos duas semanas.

Características do diagnóstico

A depressão em crianças pequenas, especialmente com menos de 3 anos, caracteriza-se por


comportamentos observáveis, em vez da expressão direta do sofrimento interno, pela criança. São
característicos, o humor deprimido e a irritabilidade (não transitórios), acompanhados por sintomas
vegetativos ou preocupações com temas de auto-mutilação ou morte.

Características associadas que apoiam o diagnóstico

Tanto o critério de duração, para cada sintoma, como as alterações de humor e comportamento,
devem estar presentes no diagnóstico de Perturbação Depressiva da Primeira Infância. As crianças
pequenas podem não ser capazes de expressar o seu sofrimento emocional verbalmente. O humor
deprimido pode apresentar-se como uma expressão facial triste e lágrimas persistentes, intensas e
pervasivas, em vários contextos e relacionamentos. A irritabilidade pode estar presente sob a forma de
birras clinicamente significativas, de elevada frequência e pervasivas, ao longo de vários contextos e
relacionamentos, e incluem agressividade (p.e. morder, pontapear, bater). Crianças pequenas com
depressão apresentam mais comportamentos de auto-agressividade, como morder-se ou bater-se.

A anedonia está presente em mais de 50% das crianças pequenas com depressão e está
associada a maior gravidade dos sintomas, história familiar de depressão e atraso psicomotor, sugerindo
que a depressão anedónica em crianças pequenas é semelhante à depressão melancólica em crianças
mais velhas e adultos. Expressões de culpa, inutilidade e ideação suicida devem ser avaliadas de acordo
com a compreensão do desenvolvimento cognitivo da criança. Estes sintomas podem estar presentes no
jogo da criança pequena. As perturbações do sono, apetite, energia e atividade motora, podem ser mais
fáceis de identificar.

Embora comece a existir literatura que descreve as relações neuroanatómica e neurofisiológica da


depressão em crianças pequenas (que são semelhantes às de outras idades), nenhuma análise laboratorial
produziu resultados com sensibilidade e especificidade suficientes, para ser usada como ferramenta
diagnóstica para esta perturbação.

Características do desenvolvimento

Em meados do século 20, estudos em bebés/ crianças pequenas, que cresceram em instituições,
levaram a descrições da "depressão anaclítica", que se acreditava ser causada pela separação prolongada
dos bebés, das suas mães. Esses bebés apresentavam uma expressão facial triste, apatia, alterações e
atraso psicomotor, atrasos de desenvolvimento e incapacidade de resposta aos cuidadores. Em crianças
dos 3-5 anos de idade, os sintomas depressivos são semelhantes aos encontrados em crianças mais
velhas e adultos, com anedonia, disforia, irritabilidade e insónia, como principais características.

62
Prevalência

As taxas de prevalência de depressão em crianças pequenas de 3-5 anos variam de menos de


0,5% a 2%.

Curso

A depressão em crianças pequenas mostra o mesmo padrão de recidiva e persistência que a


depressão em crianças mais velhas e adultos. As crianças pequenas com depressão são muito mais
propensas a ter depressão mais tardiamente, do que crianças jovens sem depressão ou com outra
perturbação de saúde mental. Os fatores preditivos mais fortes para a depressão na idade escolar são
história afetiva familiar positiva e depressão na primeira infância. A ansiedade em crianças de 3-5 anos
também pode relacionar-se com depressão na idade escolar.

Fatores de risco e prognóstico

As características de temperamento da criança pequena associadas à Depressão da Primeira


Infância incluem uma elevada emocionalidade negativa, baixa emocionalidade positiva e inibição
comportamental. Crianças com pais e avós deprimidos estão em maior risco de desenvolver um síndrome
depressivo de início precoce. Sintomas ansiosos e/ou depressivos maternos são fatores de risco para a
depressão de início precoce. Os eventos de vida stressantes precoces, associados a história familiar de
perturbação do humor, aumentam o risco de um início de doença pré-escolar. Crianças pequenas com
doenças crónicas, múltiplas condições adversas de saúde e dor, também estão associadas ao aumento do
risco de depressão infantil.

Características de diagnóstico relacionadas com a cultura

Estudos epidemiológicos nos EUA e outros países identificaram taxas relativamente consistentes
de depressão com início precoce, em crianças pequenas. Não se verificaram diferenças relacionadas com
a cultura.

Características de diagnóstico associadas ao género

A percentagem é a mesma para ambos sexos. Há alguma evidência de que a raiva é uma
característica mais proeminente em meninos, dos 3 a 5 anos, com depressão e que a tristeza é mais
frequente em meninas pequenas com depressão.

Diagnóstico diferencial

A investigação tem demonstrado a existência de humor deprimido em relações específicas e


manifestação de depressão por alterações de comportamento, em crianças pequenas. É importante, em
crianças pequenas com mais de 24 meses de idade, determinar se os sintomas se manifestam em vários
contextos. Se assim não for, deve considerar-se a Perturbação Específica da Relação da Primeira Infância.
Quando o humor deprimido ou irritável se apresenta em crianças pequenas que sofreram privações
psicossociais/ambientais significativas, a Perturbação Reativa da Vinculação deve ser considerada. Esta
última distingue-se pela ausência seletiva de comportamentos de vinculação e ausência de sintomas
63
vegetativos. Se a irritabilidade for o sintoma principal na alteração do humor, a Perturbação de
Desregulação da Raiva e Agressão da Primeira Infância deve ser considerada. Os sintomas que ajudam a
diferenciar as crianças pequenas com depressão e birras, de crianças pequenas com Perturbação de
Desregulação da Raiva e Agressão da Primeira Infância incluem problemas de sono, culpa, fadiga,
alterações de peso, anedonia e diminuição do funcionamento cognitivo. Doenças orgânicas, como
alterações metabólicas ou lesões ocupantes de espaço, devem ser descartadas. A Perturbação de
Adaptação com características depressivas deve ser considerada se o início estiver ligado a um evento ou
circunstância stressante. Um episódio depressivo major que ocorre em resposta a um stressor psicossocial
distingue-se da Perturbação de Adaptação com humor deprimido, pelo facto de que nesta última, não
estão cumpridos todos os critérios para um episódio depressivo major.

Os períodos de tristeza são aspetos inerentes à vida de uma criança pequena e não devem ser
diagnosticados como episódios depressivos, a menos que sejam cumpridos os critérios de gravidade,
duração e compromisso funcional.

Comorbilidades

A maioria das crianças pequenas entre 3-5 anos com depressão, tem uma ou mais perturbações
comórbidas, estando entre as mais comuns, as Perturbações de Ansiedade e Perturbação de
Hiperatividade com Défice de Atenção. Crianças pequenas com Perturbação Reativa da Vinculação
também podem ter Perturbação Depressiva da Primeira Infância. A comorbilidade disruptiva é muito
comum em crianças pequenas com depressão de início precoce.

A depressão costuma ser concomitante com Perturbações de Ansiedade, incluindo fobias e tiques.
Crianças pequenas com depressão e ansiedade, em comorbilidade, podem ver o seu funcionamento mais
afetado do que aquelas que só apresentam depressão.

DSM-5: Perturbação Depressiva Major

CID-10: Episódio Depressivo (F32)

Perturbação de Desregulação da Raiva e Agressão da Primeira Infância

Introdução

Uma pequena parte das crianças pequenas enfrenta dificuldades para desenvolver a capacidade
de regular as emoções e o comportamento, na primeira infância, resultando em compromisso funcional,
estigma e exclusão de atividades adequadas à idade. Essas crianças exibem explosões de raiva intensas,
graves e frequentes, associadas a uma persistente irritabilidade ou afeto negativo. A desregulação
simultânea de emoções e comportamentos tem sido observada e estudada extensivamente em crianças
pequenas dos 3-5 anos de idade, e diferencialmente concetualizada como Perturbação de Oposição e
Desafio, Perturbações de Humor/Ansiedade, Perturbação Disruptiva de Comportamento ou Irritabilidade.

64
A Perturbação da Desregulação da Raiva e Agressão da Primeira Infância (PDRA) surgiu a partir de
investigação acerca da desregulação emocional e comportamental na primeira infância, bem como na área
da Perturbação Disruptiva da Desregulação do Humor, em crianças mais velhas e adultos. Um componente
central da PDRA é o foco na irritabilidade e desregulação da raiva como expressões de desregulação
emocional, que levam a comportamentos desregulados, incluindo explosões de raiva. Este componente da
PDRA é um poderoso preditor de outcomes adversos, incluindo compromisso funcional e diagnósticos
clínicos, em crianças mais velhas.

Historicamente, as classificações de doenças dividiram os sintomas das crianças pequenas em


perturbações emocionais ou comportamentais. Por exemplo, a Perturbação de Oposição e Desafio,
incluída nas classificações do DSM e CID, enfatiza os comportamentos de oposição da criança, incluindo
acessos de fúria, desobediência (falta de cumprimento de regras) e oposição, mas não a desregulação
emocional simultânea. A CID-10 define uma "Perturbação Mista da Conduta e das Emoções" (F92) que
abrange a comorbilidade ampla entre comportamento agressivo e desafiador e sintomas de depressão,
ansiedade ou outro tipo de sofrimento emocional; no entanto, esta perturbação não aborda
especificamente a irritabilidade que normalmente acompanha os comportamentos da Perturbação de
Oposição e Desafio. A Perturbação de Oposição e Desafio na primeira infância e os ataques de fúria
severos em crianças pequenas, têm demonstrado ser fatores preditivos de ansiedade e perturbações de
humor, em crianças da idade escolar e adolescentes, mais do que de Perturbação Disruptiva de
Comportamento. Estes achados sugerem que a desregulação emocional, e não apenas o comportamento
desregulado, é uma característica fundamental da definição atual da Perturbação de Oposição e Desafio.
Compreender o processo como uma perturbação central de desregulação emocional (i.e. desregulação
emocional da raiva e afeto irritável), conforme definido na PDRA, tem implicações significativas no
tratamento e outras intervenções, destacando a importância de tratar a componente emocional, além dos
comportamentos agressivos e disruptivos.

Os critérios para PDRA são derivados de estudos epidemiológicos de grandes coortes de crianças
pequenas através de avaliação rigorosa dessas populações, representativas de crianças pequenas, usando
relatos de cuidadores e avaliações observacionais. A distribuição completa dos sintomas, em cada
domínio, é descrita nos critérios. Os pontos de corte de frequência e duração são empiricamente
estabelecidos para identificar, não mais de 15% das crianças pequenas, com a maioria dos critérios a
identificar menos que 10%, de forma a reduzir a possibilidade de que crianças com desenvolvimento
normativo, com capacidades adequadas à idade para a regulação emocional e o comportamento, sejam
diagnosticadas com uma perturbação; e para aumentar as hipóteses de identificar crianças pequenas com
compromisso funcional. Os sintomas também devem ser pervasivos, ocorrendo em mais de uma relação e
contexto, e devem estar presentes por, pelo menos, três meses. Esses especificadores permitem ao clínico
descartar apresentações transitórias, específicas do contexto ou específicas da relação, de irritabilidade,
raiva e comportamento disruptivo.

Algoritmo de diagnóstico

Todos os seguintes critérios devem estar presentes.

65
A. A criança pequena demonstra um padrão pervasivo e persistente de desregulação do humor e
desregulação comportamental, como evidenciado em pelo menos três sintomas, de qualquer uma das
quatro categorias:

1. Desregulação substancial de raiva e temperamento demonstrada por:

b. Tem dificuldade em se acalmar quando irritado, quase todos os dias.

c. Enfurece-se facilmente e é irritável, quase todos os dias.

d. Mostra explosões de raiva intensa ou extrema ou reações de raiva, quase todos os dias.

e. É agressivo verbalmente ou fisicamente em relação a si mesmo ou para com os outros, em


resposta à frustração ou estabelecimento de limites.

2. Incumprimento e quebra de regras demonstrada através de:

a. Discute com os adultos quase todos os dias.

b. Desafia ativamente os adultos quase todos os dias.

c. Não segue as indicações habituais que as crianças pequenas têm a capacidade de cumprir,
mesmo com pedidos repetidos, quase todos os dias.

d. Quebra as regras quando um adulto o está a observar, diariamente.

e. Tira coisas a outras pessoas ou de lojas quando não é permitido.

3. A agressão reativa (i.e, agressão substancial quando a criança está irritada, chateada ou assustada/
sob ameaça) demonstrada por:

a. Bater, morder, dar pontapés ou atirar coisas aos cuidadores, mais de uma vez por semana.

b. Bater, morder, dar pontapés, ou atirar coisas a crianças pequenas, que não sejam irmãos, pelo
menos uma vez por semana. (Nota: Para crianças pequenas com interação limitada com outras
crianças pequenas, este comportamento ocorre com maior frequência).

c. Destrói coisas de propósito, pelo menos uma vez por semana.

4. Agressão proativa demonstrada por:

a. Frequentemente (pelo menos uma vez por semana) é coerciva e controla a brincadeira com os
pares (p.e. excluindo os pares do jogo).

b. Frequentemente (pelo menos uma vez por semana) diz ou faz coisas que ferem os sentimentos
de outras pessoas. (Nota: Considerar apenas se a criança pequena demonstrar que
compreende).

c. Intimida física ou verbalmente os outros.


d. Inicia lutas físicas.

e. Usa ou ameaça usar objetos para magoar outros.


B. Os sintomas devem estar presentes em mais de um contexto ou em mais de uma relação.

C. Os sintomas não são melhor explicados por outra perturbação do Eixo I.

D. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Causam sofrimento à família

3. Interferem com os relacionamentos da criança

4. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

66
5. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

6. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Idade: A criança deve ter pelo menos 24 meses de idade.

Duração: Os sintomas devem estar presentes por pelo menos 3 meses.

Especificar:
1. Presença de comportamentos e emoções pró-sociais limitados, demonstrados por pelo menos dois
dos seguintes:

- Os padrões estão presentes por pelo menos 3 meses

- Ausência de remorsos ou culpa observáveis

- Ausência de empatia observável pelos outros

- Ausência de preocupação observável sobre o desempenho/atuação

2. Tipo de agressão: nenhuma, predominantemente reativa, predominantemente pró-ativa ou combinado


de pró-ativa/reativa.

Características do diagnóstico

Na PDRA, a criança pequena apresenta problemas de humor e comportamento pervasivos e com


impacto no funcionamento. A PDRA incorpora quatro categorias de sintomas: raiva, oposição, agressão
reativa e agressão pró-ativa. A concetualização desta perturbação deriva de abordagens dimensionais,
tanto em coortes da comunidade, como em cortes clínicos, que caracterizam a desregulação emocional e
comportamental, clínicamente significativa, em crianças pequenas. Estes padrões não são
comportamentos desafiadores transitórios, devem estar presentes por um período mínimo de 3 meses, em
mais de um contexto e em mais de um relacionamento.

Características associadas que apoiam o diagnóstico

A linguagem, a auto-expressão, a auto-eficácia, o funcionamento executivo e a atividade motora


vão-se desenvolvendo rapidamente nas crianças pequenas. O desenvolvimento nestes domínios pode
afetar o desenvolvimento da regulação da raiva e da regulação comportamental. Por exemplo, crianças
pequenas com atraso da linguagem podem experienciar maior frustração e demonstrar mais sinais de
PDRA, do que crianças pequenas com desenvolvimento da linguagem mais avançado.

Características do desenvolvimento

As birras e o comportamento agressivo são mais frequentes em crianças pequenas dos 3-5 anos
de idade, quando comparadas com outros períodos ao longo da vida. Em muitas clínicas de ambulatório
de primeira infância, estes problemas e a hiperatividade são os motivos de referenciação mais comuns.
Assim, o desafio mais importante na identificação de crianças com PDRA é distinguir entre o
desenvolvimento típico e sintomas emocionais e comportamentais desorganizados.

Embora a desregulação comportamental, observada na PDRA, se possa desenvolver em crianças


pequenas, com menos de 24 meses, não pode ser diagnosticada antes desta idade, devido à necessidade
67
de desenvolvimento de determinadas capacidades. As consequências da fraca modulação da raiva e
agressão têm tendência a aumentar, à medida que as crianças pequenas vão crescendo.

Prevalência

Dado que se trata de uma nova entidade nosológica, a prevalência da PDRA não está estabelecida.
No entanto, uma vez que as crianças pequenas devem apresentar múltiplos critérios para preencher os
critérios de diagnóstico, a expectativa é que a prevalência de PDRA seja significativamente inferior a 10%.
Nos estudos onde se aplicaram os critérios de Perturbação Disruptiva de Desregulação do Humor, 3%-8%
das crianças entre os 3-5 anos de idade, preencheram todos os critérios. Nos estudos dirigidos à
Perturbação de Oposição e Desafio, 4%-9% das crianças entre 2-5 anos de idade preencheram os
critérios de diagnóstico para esta perturbação. Uma estável e elevada trajetória de agressão, dos 17 aos 42
meses, pode ser ainda mais prevalente.

Curso

Não existem estudos longitudinais da PDRA como uma única entidade, mas tem sido analisada a
trajetória das categorias de sintomas. Crianças pequenas com altos níveis de desregulação de raiva e
temperamento, até aos 3 anos de idade, têm quase o dobro do risco de Depressão até aos 6 anos de
idade, quando comparadas com crianças pequenas sem estes sintomas; além disso, estas crianças
apresentam elevado risco para padrões ansiosos e depressivos, assim como impacto funcional, aos 9 anos
de idade. Entre as crianças pequenas que apresentam elevados níveis de padrões de oposição, na primeira
infância, aproximadamente metade vão manter níveis elevados de oposição; além disso, como grupo,
estão em maior risco de desenvolver padrões de psicopatologia internalizantes e externalizantes, na idade
escolar. Os padrões de agressão também tendem a ser estáveis. Vários estudos longitudinais indicaram
que crianças pequenas com altos níveis de agressão, na primeira infância, tendem a apresentar níveis
elevados de agressão na idade escolar e até mesmo na adolescência. A agressão proativa e os problemas
de comportamento relacionados, estão associados à Perturbação da Conduta, PHDA e desafio, na idade
escolar. Em crianças mais velhas, a agressão proativa é preditiva de comportamentos em que há quebra de
regras recorrente e, eventualmente, dificuldades legais. Tem-se detetado que o curso de emoções pró-
sociais limitadas, ou traços de frieza e insensibilidade, tem início na primeira infância mostrando, pelo
menos, estabilidade moderada, ao longo do tempo.

Fatores de risco e prognóstico

Os fatores de risco para os sinais de PDRA têm sido estudados extensivamente, começando no
período pré-natal. Uma base de investigação crescente descreve um conjunto, cada vez mais complexo,
de interações entre os genes e o ambiente, no desenvolvimento da desregulação da raiva e do
comportamento. Nas crianças mais velhas e nos adultos, a irritabilidade é moderadamente hereditária,
sendo que, na primeira infância, a irritabilidade também parece seguir este padrão. Os genes que modulam
a atividade da monoamina oxidase e da serotonina têm demonstrado ter um papel importante nos
problemas de regulação da raiva. Existe literatura em desenvolvimento que demonstra interações entre a
genética, os cuidados ambientais e o timing de exposições específicas, que influenciam a regulação do
temperamento e a regulação comportamental.

68
A qualidade do ambiente pré-natal – particularmente no que diz respeito à saúde mental dos pais,
cuidados pré-natais e exposição a stressores e toxinas - é preditivo do risco de PDRA. A parentalidade
precoce, combinada com outros fatores como a história parental de comportamentos antissociais, tem
sido identificada como um fator de risco. No ambiente pós-natal, a exposição à parentalidade coerciva,
falta de calor afetivo e a baixa coesão familiar, são fatores de risco para a PDRA. No extremo, maus tratos
infantis são também um importante fator de risco. Parece haver um efeito aditivo entre o estatuto
socioeconómico da família com outros fatores de risco familiares. Em particular, a psicopatologia dos pais
e a regulação da raiva estão associadas a uma maior desregulação infantil, em famílias com baixos
recursos económicos.

Os fatores da criança pequena, relacionados com os sinais de PDRA, incluem temperamento com
afetos negativos e dificuldades de controlo.

Os fatores de bom prognóstico incluem relações de vinculação segura e sensibilidade parental. As


abordagens parentais – incluindo o reforço positivo, a sensibilidade e o calor emocional - podem reduzir o
risco de desregulação comportamental e de baixos padrões de comportamento pró-social ou traços
emocionais de insensibilidade. Os tratamentos que promovem interações parentais positivas podem
reduzir substancialmente os sintomas de PDRA. De destacar que, o tratamento que promova interações
parentais positivas, pode reduzir os sintomas de PDRA significativamente.

Características de diagnóstico relacionadas com a cultura

A interpretação e aceitação das capacidades das crianças para a regulação emocional e


comportamental ocorrem dentro dos valores de uma determinada cultura. Os valores relativos da
autonomia, independência e complacência influenciam as expectativas parentais e sociais em relação à
auto-regulação das crianças pequenas. Estudos rigorosos em crianças mais velhas com desregulação
comportamental sugerem uma consistência importante na prevalência de perturbações em diversas
culturas que usam a nosologia do DSM-IV-TR. Isto sugere que, usando abordagens estruturais, as
perturbações de regulação de temperamento e comportamento podem ser consistentes entre culturas,
embora a distinção entre o típico e o atípico possa der definida de acordo com uma cultura específica.

Características de diagnóstico associadas ao género

A maioria dos estudos acerca da desregulação emocional e comportamental, em crianças


pequenas, não mostra diferenças na perturbação, entre os géneros. Contudo, no segundo ano de vida, os
meninos mostram mais comportamentos agressivos e menos comportamentos emocionais pró-sociais, do
que as meninas. Em conjunto, estas descobertas sugerem que o compromisso funcional associado a estes
padrões pode ser diferente nos meninos e meninas, provavelmente devido à aceitação cultural de
determinado padrão.

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial da PDRA é amplo. Primeiro, o desenvolvimento típico pode apresentar


sinais de PDRA, especialmente quando as famílias estão sob stress ou a experienciar sintomas de
psicopatologia ou doença orgânica. Os padrões específicos da relação devem também ser diferenciados
de PDRA, pois apresentam-se em determinadas relações e contextos. Quando a criança pequena se
69
apresenta com sinais de desregulação do temperamento, deve considerar-se a Perturbação Depressiva
Major, com atenção aos sinais vegetativos desta perturbação e a anedonia, que acompanham os sintomas
de humor. A irritabilidade é também um possível sintoma central da Perturbação de Ansiedade
Generalizada, que deve ser descartada. A Perturbação de Stress Pós-Traumático ou reação a stressores
recorrentes também deve ser considerada, pois a regulação da criança pequena é sensível ao seu
contexto. Uma história social completa (e contínua) e observações da relação pai-filho são necessárias
para avaliar o ambiente de prestação de cuidados em relação a maus-tratos ou condições subótimas, que
podem contribuir para a PDRA. Sono insuficiente - devido a uma perturbação do sono, apneia obstrutiva
do sono, ou um ambiente de sono barulhento, inconsistente ou inseguro - pode apresentar sintomas que
se parecem com os da PDRA. A psicopatologia parental ou outros fatores contextuais não eliminam a
necessidade de diagnosticar a desregulação de uma criança pequena mas, como em todos as
perturbações, fornecem o contexto e podem influenciar o desenvolvimento de um guia de tratamento.

Uma série de processos de desenvolvimento devem ser considerados. Primeiro, crianças


pequenas com um desenvolvimento limitado de linguagem podem apresentar sinais de PDRA porque têm
estratégias de comunicação alternativas limitadas, ou porque não compreendem a linguagem dos outros.
Crianças pequenas com Perturbação do Espectro do Autismo também podem apresentar sinais de PDRA,
especialmente quando as rotinas são interrompidas, na dificuldade em compreender a experiência de outra
pessoa ou a presença de uma linguagem limitada. É importante considerar um défice auditivo,
especialmente quando as crianças pequenas não seguem instruções, de forma recorrente. Crianças
pequenas com Perturbação de Hiper-reatividade Sensorial podem mostrar padrões de desregulação
relacionados com exposições sensoriais.

Vários medicamentos prescritos pelos pediatras podem contribuir para a desregulação. A lista é
extensa, mas alguns exemplos são descritos de seguida. Esteróides orais e ocasionalmente inalados,
podem causar desregulação emocional, comportamental e do sono. Agonistas beta-adrenérgicos inalados,
como o albuterol, também podem provocar períodos de desregulação que, geralmente, não são
sustentados. Anti-histamínicos de primeira geração podem causar padrões similares.

Comorbilidades

A maior parte das perturbações consideradas no diagnóstico diferencial podem ocorrer em


comorbilidade com a PDRA. Por exemplo, uma criança pequena pode ter comorbilidade com a PHDA, os
desta última não se sobrepõem diretamente aos critérios de PDRA. Da mesma forma, a PSPT e a PDRA
podem ocorrer de forma concomitante, mas apenas se os sinais da PDRA não representarem os sinais de
recidiva da PSPT. A comorbilidade não deve ser considerada quando todos os sintomas descritos na
PDRA são também descritos noutra perturbação. Por exemplo, uma criança pequena não deve ser
diagnosticada com PDRA se os únicos sintomas da PDRA forem da categoria A, o que poderia ser
explicado pela Perturbação Depressiva da Primeira Infância.

DSM-5: Perturbação Disruptiva da Desregulação do Humor

CID-10: Outras Perturbações de Humor Persistentes (F34.8)

70
Outra Perturbação do Humor da Primeira Infância

Algoritmo de diagnóstico

Todos os seguintes critérios devem estar presentes.

A. A criança pequena tem um ou mais sintomas persistentes de uma perturbação do humor, mas não
reúne a totalidade dos critérios para a Perturbação Depressiva da Primeira Infância ou Perturbação da
Desregulação da Raiva e Agressão da Primeira Infância.

B. Os sintomas não estão englobados noutra perturbação para a qual a criança pequena reúne a
totalidade dos critérios.

C. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Especificar:
1. A perturbação que melhor explica os sintomas da criança pequena

2. Porque razão a criança pequena não preenche a totalidade dos critérios

DSM-5: Perturbação Depressiva Não Especificada

CID-10: Perturbação do Humor Não Especificada (F39)

71
PERTURBAÇÃO OBSESSIVO-COMPULSIVA E PERTURBAÇÕES RELACIONADAS

Esta secção engloba a Perturbação Obsessivo-Compulsiva (POC), a Perturbação de Tourette, a


Perturbação de Tiques Motores ou Vocais, Tricotilomania, Perturbação Escoriação Compulsiva e Outras
Perturbações Obsessivo-Compulsivas e Relacionadas. Cada uma destas perturbações está melhor
estudada e é mais prevalente em crianças mais velhas e adultos, mas há evidências claras de que podem
apresentar-se na primeira infância (ou infância) e estar associadas a sofrimento e compromisso funcional. O
quadro clínico deste grupo de perturbações é possivelmente mais transversal e parecido nas crianças mais
velhas, que em outros grupos de perturbações. Pelo menos algumas destas perturbações estão
geneticamente relacionadas e também tendem a juntar-se a perturbações de ansiedade, em alguns
indivíduos.

Em crianças pequenas, o maior desafio quando se considera este grupo de diagnósticos é


distinguir entre as diferenças individuais normativas e o comportamento sintomático lesivo. Por exemplo,
rituais e preocupações típicos devem ser diferenciados das obsessões e compulsões com compromisso
funcional. Muitas crianças pequenas alinham brinquedos, insistem em ouvir a mesma história
repetidamente e vêem o mesmo filme vezes sem conta, no entanto, este não é o tipo de preocupações e
rituais que definem a Perturbação Obsessivo-Compulsiva. A Perturbação de Tourette e a Perturbação de
Tiques Motores ou Vocais são primariamente distinguidas de perturbações de tiques transitórias porque
requerem uma duração de 12 meses. A Tricotilomania e Perturbação de Escoriação são facilmente
identificadas se se observar arrancamento de cabelo ou pele, mas a alopécia ou lesões da pele, por si só,
são evidências insuficientes destas perturbações porque podem resultar de outras causas.

Perturbação Obsessivo-Compulsiva

Introdução

A Perturbação Obsessivo-Compulsiva (POC) é uma perturbação severa, com grande impacto e


geralmente crónica, caracterizada por pensamentos e comportamentos incontroláveis e repetitivos, que
causam sofrimento clinicamente significativo ou compromisso funcional. Apesar das crianças pequenas,
com início da POC na primeira infância, terem perfis e gravidade sintomática semelhantes ao verificados
em idades mais tardias, a POC em crianças mais pequenas não constitui um pródromo ou uma versão
mais leve da perturbação em idades mais avançadas. Contudo, é importante avaliar potenciais
comportamentos obsessivos e compulsivos de acordo com o contexto de desenvolvimento. Por exemplo,
é apropriado, no desenvolvimento das crianças pequenas, exibir comportamentos com rituais e insistir no
mesmo, como uma rotina de dormir fixa, e gostar de repetições, como ler um livro várias vezes. Os
comportamentos obsessivo-compulsivos clinicamente significativos distinguem-se de rituais e
comportamentos repetitivos adequados a determinadas fases do desenvolvimento pela sua gravidade,
sofrimento e impacto causado no funcionamento familiar e desenvolvimento da criança. Estudos em
72
crianças mais velhas encontraram um intervalo de 2 anos ou mais entre o início da POC e o seu
diagnóstico e tratamento. Uma vez que o tratamento da POC pode afetar o curso da doença, a
identificação precoce é crucial.

Algoritmo de diagnóstico

Todos os seguintes critérios devem estar presentes.

A. Presença de obsessões, compulsões ou ambos:

1. Obsessões evidenciadas por:

a. Preocupação persistente e incontrolável, com pensamentos ou imagens, que se manifestam por


verbalizações recorrentes.

2. Compulsões definidas por:

a. Comportamentos repetitivos (p.e. brincar estabelecendo uma ordem particular, lavar as mãos,
ordenar, verificar, contar, repetir palavras silenciosamente) que a criança parece realizar, ou insiste
para que um dos pais realize, de acordo com regras rígidas.

b. A criança resiste vigorosamente ou fica marcadamente ansiosa ou angustiada em resposta a


tentativas de interferir com o seu comportamento.

B. As obsessões ou compulsões ocorrem quase diariamente e ocupam um tempo considerável da criança


ou seus pais (p.e. mais do que uma hora por dia).

C. As obsessões ou compulsões não são atribuídas a outra perturbação mental (p.e. Tricotilomania,
Perturbação Alimentar Atípica, PEA), perturbação médica (p.e. Tumor cerebral, doença auto-imune) ou
uso de substâncias.

D. As obsessões ou compulsões não estão relacionadas com experiências traumáticas.

E. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

6. Resultam em incapacidade de seguir a trajetória de desenvolvimento apropriada à idade.

Idade: A criança deve ter pelo menos 36 meses de idade.

Duração: Os sintomas devem estar presentes por pelo menos 3 meses.

Especificar: Se estão presentes tiques

Nota: O aparecimento súbito de sintomas de POC, apresentação severa, curso episódico com remissão
entre episódios e antecedentes de infeção por streptococcus ou outros agentes infeciosos, impõe uma
avaliação neurológica e imunológica.

73
Características do diagnóstico

Crianças pequenas com POC apresentam tipicamente duas ou mais obsessões que incluem medo
de contaminação, obsessões agressivas/catastróficas, religiosas ou somáticas. As obsessões podem
apresentar-se como pensamentos intrusivos que a criança expressa através de questões repetitivas. Por
definição, as obsessões causam sofrimento.

Uma vasta maioria das crianças com POC apresenta ainda múltiplas compulsões. Entre as mais
comuns estão a lavagem, verificação, repetição, rituais envolvendo outras pessoas, ordem, compulsões
tic-like, contagem, bater e esfregar. As compulsões estão habitualmente ligadas a pensamentos obsessivos
e são atos realizados com o objetivo de reduzir stress e ansiedade.

As crianças pequenas podem dizer que precisam de completar as compulsões até sentirem “que
está tudo bem”, para aliviar o stress. Em outros casos, a compulsão é realizada para afastar danos
imaginados. Com frequência, as crianças não têm capacidades verbais para expressar os seus estados
internos ou para descrever o porquê de realizarem determinadas compulsões.

Se for realizado um diagnóstico de POC, o clínico especifica se estão presentes tiques. Crianças
pequenas com POC e um histórico de tiques parecem apresentar um início de POC mais precoce,
comparadas com as que apresentam a doença sem tiques associados.

Características associadas que apoiam o diagnóstico

Crianças pequenas com POC têm, com frequência, dificuldades sociais, pois os seus
comportamentos podem parecer bizarros e interferir na interação com os outros. A frustração devido à
incapacidade da criança parar os seus comportamentos pode levar a discórdias com adultos e com outras
crianças. Os adultos podem negligenciar ou não prestar atenção e as crianças podem tentar esconder os
comportamentos, o que leva a um intervalo de tempo significativo entre o início, o diagnóstico e o
tratamento da doença.

Características do desenvolvimento

Apesar dos comportamentos POC-like serem comuns em crianças pequenas, com um pico aos 3
anos de idade, geralmente não afetam o funcionamento e não são disfuncionais. Comportamentos
potencialmente normativos tornam-se problemáticos quando as obsessões/compulsões são tão rígidas,
pervasivas e stressantes, que causam efeitos adversos no desenvolvimento da criança.

Prevalência

Estimativas da prevalência de POC (adultos, crianças mais velhas e crianças pequenas) oscila entre
1% a 3%. A prevalência do seu aparecimento, na primeira infância, é desconhecida, no entanto, em
crianças mais velhas, parece rondar os 0,25%.

Curso

O aparecimento, na primeira infância, pode ser gradual (geralmente mais cedo) ou abrupto. Os
tipos e padrões de doença podem mudar ao longo do tempo. O curso varia, apesar da persistência do
diagnóstico ou sintomas parciais, ser comum. Algumas crianças parecem apresentar um curso crónico,
74
outras em crescendo e decrescendo, e algumas têm apresentações episódicas com recuperação entre
cada episódio.

Fatores de risco e prognóstico

História familiar de POC, Perturbação de Tiques ou outras Perturbações de Ansiedade, são fatores
de risco para um aparecimento de POC, na primeira infância. Eventos de vida stressantes parecem
aumentar o risco de POC em adultos e crianças mais velhas, mas não em crianças pequenas.

Pouco se sabe acerca dos fatores de prognóstico. Evidências preliminares sugerem que meninas,
comorbilidade com Perturbação de Oposição e Desafio crianças com sintomas severos, têm risco
aumentado de persistência dos sintomas na idade adulta. Por outro lado, quando há comorbilidade com
Perturbação de Tiques tem maior probabilidade de remissão na infância mais tardia ou idade adulta.

Características de diagnóstico relacionadas com a cultura

Não existem características de diagnóstico relacionadas com a cultura.

Características de diagnóstico relacionadas com o género

Não existem evidências consistentes de que haja diferenças de género, na primeira infância. Os
estudos mais recentes indicaram que não existem diferenças significativas na prevalência, apresentação,
ou curso da POC, com início na primeira infância, entre rapazes e raparigas. Também não parece existir
nenhuma associação entre o género e os tipos de patologias comórbidas com POC.

Diagnóstico diferencial

A primeira importante distinção a fazer é se os comportamentos POC-like são rituais ou repetições


apropriados ao desenvolvimento, para a criança se acalmar, não induzindo ansiedade ou sofrimento. O
diagnóstico diferencial inclui exclusão de perturbações como Depressão ou Perturbações Alimentares, que
podem apresentar pensamentos obsessivos, e perturbações como Autismo ou Atrasos de
Desenvolvimento, que podem apresentar estereotipias.

Um início abrupto ou agravamento de sintomas de POC, antes ou durante uma infeção por
streptococcus ou outro agente infecioso, apresentação severa e curso episódico com remissão entre
episódios, podem ser indicadores de uma perturbação neuropsiquiátrica autoimune pediátrica, com
infeção streptocócica, síndrome neuropsiquiátrico de início agudo ou encefalite autoimune. Deve realizar-se
um estudo médico com vários especialistas pediátricos em neurologia, reumatologia, neuropsiquiatria e
imunologia.

Comorbilidades

Mais de 60% das crianças com POC na primeira infância têm uma ou mais perturbações
psiquiátricas ou de desenvolvimento, comórbidas. As comorbilidades mais comuns, por ordem de
prevalência são: PHDA, Perturbação de Tiques, Perturbação de Ansiedade Generalizada, Perturbação de
Oposição e Desafio, Fobia Específica, Perturbação de Ansiedade de Separação, Perturbação de Ansiedade
Social e Depressão.

75
O início da POC em idades mais precoces tem sido associado a taxas mais elevadas de
comorbilidade com PHDA e outras Perturbações de Ansiedade não POC, assim como tiques.

DSM-5: Perturbação Obsessivo-Compulsiva

CID-10: Perturbação Obsessivo-Compulsiva (F42.1)

Perturbação de Tourette

Introdução

A Perturbação de Tourette é uma perturbação de tiques que requer a presença de tiques motores e
vocais. Um tique é um movimento motor ou produção vocal involuntário, repetido, rápido e não rítmico,
que ocorre subitamente e não parece satisfazer nenhum propósito funcional. À medida que a criança vai
crescendo, pode aprender a suprimir os tiques por períodos de tempo variáveis. Os tiques podem ser
simples, quando envolvem um movimento ou som (p.e. pigarrear, piscar de olhos), ou pode envolver
movimentos e sons mais complexos (p.e. repetição de sons, encolher de ombros seguido de girar de
cabeça).

Algoritmo de diagnóstico

Todos os seguintes critérios devem estar presentes.

A. A criança apresenta, pelo menos, um tique motor simples ou complexo e pelo menos, um tique vocal
que cresce e decresce, em intensidade.

B. Os tiques não se devem a outra condição médica.

C. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Idade: O diagnóstico deve ser feito com precaução em crianças com menos de 18 meses de idade.

Duração: Os sintomas devem estar presentes por pelo menos 12 meses.

Nota: Se existir um início abrupto, considerar associação com infeção streptocócica.

76
Características do diagnóstico

A Perturbação de Tourette requer a presença de vocalizações ou movimentos não rítmicos,


involuntários, repetidos e rápidos, que ocorrem subitamente e não satisfazem nenhum propósito funcional.
Uma criança pequena pode ter diferentes tiques ao longo do tempo, mas estes tendem a ocorrer de forma
semelhante, com características e timing específicos. Alguns tiques são mais comuns que outros, por
exemplo, piscar de olhos, encolher de ombros, pigarrear… Crianças pequenas podem não se aperceber de
que estão a emitir tiques.

Os tiques podem ser movimentos ou sons, simples e breves, ou complexos e de longa duração. Os
tiques complexos podem envolver conjuntos de movimentos em série e parecerem ter um propósito, como
a repetição de uma palavra ou gesto obscenos (i.e. coprolália e copropraxia), podem consistir em imitar
movimentos (i.e. ecopraxia), repetir palavras (i.e. ecolália) ou sons (palilália).

Os tiques tendem a aumentar e diminuir, podendo existir horas, dias ou semanas em que não se
manifestam. A persistência é estabelecida ao longo de um período de 12 meses, contando com alguns
períodos em que não se manifestam.

Características que apoiam o diagnóstico

Crianças pequenas com Perturbação de Tourette têm, frequentemente, um familiar com uma
Perturbação de Tiques ou POC. Os pais podem não se aperceber dos tiques até se tornarem mais
pronunciados ou complexos.

Características de desenvolvimento

Os tiques tendem a apresentar características semelhantes (temporais e outras), ao longo do


tempo, mas podem ser menos pronunciados em crianças pequenas. Crianças mais pequenas têm mais
tendência a apresentar tiques simples, que tendem a emergir antes dos complexos. À medida que as
crianças vão crescendo, começam a aperceber-se de quando estão a emitir tiques e aprendem a suprimi-
los por longos períodos de tempo. Geralmente, os tiques emergem entre os 4 e os 6 anos de idade mas
podem ser observados a partir dos 2 anos de idade.

Prevalência

Os tiques são comuns na infância, aparecendo em aproximadamente 15% das crianças em idade
escolar mas, na maioria das vezes, são transitórios. A prevalência estimada de Perturbação de Tourette
encontra-se entre 3 a 8 crianças em 1000, em idade escolar. A prevalência, no primeiro ano de vida, é
desconhecida mas é provável que seja menor.

Curso

Os tiques podem emergir no segundo ano de vida mas são mais habitualmente reconhecidos como
tiques quando as crianças têm 4 a 6 anos de idade. Em algumas crianças, os tiques tendem a piorar com a
idade. Os tiques tendem a emergir de forma rosto-caudal, com os tiques faciais a surgirem primeiro que os
das extremidades.

Os tiques crescem e decrescem em gravidade e os grupos de músculos específicos envolvidos em


tiques motores e vocais, mudam com o tempo. À medida que vão crescendo, as crianças podem ter
77
sintomas premonitórios, sensações somáticas de tensão ou necessidade de realizar um movimento, antes
de exprimir o tique.

Os indivíduos podem ter necessidade de realizar o tique de determinada maneira, repetindo-o até à
sensação de alívio associada a tê-lo feito “bem”.

Fatores de risco e prognóstico

Os tiques tendem a ser exacerbados por stress e fadiga, pelo que as crianças podem exibir mais
tiques durante períodos de transição (p.e. mudança de creche, mudança de residência). Existem evidências
fortes de uma contribuição genética para esta perturbação. Para além disso, complicações obstétricas,
baixo peso ao nascimento, mãe fumadora na gravidez e idade parental avançada, estão associadas a
tiques de maior gravidade. Crianças pequenas com Atraso Global do Desenvolvimento e Debilidade
Intelectual têm risco aumentado para perturbações de tiques.

Características de diagnóstico relacionadas com a cultura

Uma vez que há variações culturais nos comportamentos e sons que são considerados violações
das normas de cada cultura, os comportamentos de tiques da criança pequena devem ser avaliados no
contexto das suas práticas familiares e culturais.

Características de diagnóstico relacionadas com o género

A Perturbação de Tourette é mais comum em rapazes do que em raparigas, numa proporção de


entre 2:1 e 4:1.

Diagnóstico diferencial

Tal como os tiques, as estereotipias motoras são involuntárias, repetitivas e sem propósito, mas
rítmicas, enquanto os tiques são considerados não rítmicos. As estereotipias motoras mais comuns
incluem bater asas com as mãos “flapping”, andar em pontas de pés, estalar os dedos ou posturas
corporais estranhas. Pode ser difícil diferenciar os tiques de comportamentos obsessivo-compulsivos,
particularmente na primeira infância, quando as crianças têm dificuldades em exprimir as suas experiências
emocionais internas. Comportamentos como puxar o cabelo, escoriação compulsiva e roer as unhas,
parecem ter objetivos mais dirigidos do que os tiques.

Comorbilidades

Muitas crianças com Perturbação de Tourette apresentam concomitantemente problemas de


atenção e inibição ou PHDA. Os sintomas obsessivo-compulsivos ou POC são muito mais prevalentes em
crianças com Perturbação de Tourette e podem partilhar uma etiologia comum. Crianças com Tourette
também podem ter dificuldades nas funções executivas e tarefas que requerem integração oculo-motora.

DSM-5: Perturbação de Tourette (Perturbações do Neurodesenvolvimento)

CID-10: Perturbação de Tiques Vocais e Motores Múltiplos Combinados (de la Tourette) (F95.2)

78
Perturbação de Tiques Motores e Vocais

Introdução

A Perturbação de Tiques Motores e Vocais é caracterizada pela presença persistente de tiques


motores ou vocais, mas não de ambos em simultâneo. Os tiques tendem a aparecer e desaparecer, mas
devem estar presentes por, pelo menos, 12 meses. Um tique é um movimento motor ou produção vocal
involuntário, repetido, rápido e não rítmico, que ocorre subitamente e não parece satisfazer nenhum
propósito funcional. À medida que a criança vai crescendo, pode aprender a suprimir os tiques por
períodos de tempo variáveis. Os tiques podem ser simples, quando envolvem um movimento ou som (p.e.
pigarrear, piscar de olhos), ou podem envolver movimentos e sons mais complexos (p.e. repetição de sons
i.e. palilália, encolher de ombros seguido de girar de cabeça).

Algoritmo de diagnóstico

Todos os critérios seguinte devem estar presentes.

A. Tiques únicos ou múltiplos, simples ou complexos (motores ou vocais), presentes por, pelo menos, 12
meses.

B. Os tiques podem aumentar ou diminuir ao longo de dias ou semanas, mas estão presentes, pelo menos
de forma intermitente, por 12 meses, desde o tique inicialmente observado.

C. Os tiques não podem ser explicados por exposição a medicação ou outra condição médica.

D. A criança não preenche os critérios para S. Tourette (que requer a presença de tiques vocal e motores
em simultâneo).

E. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Idade: A criança deve ter pelo menos 36 meses de idade.

Duração: Os sintomas devem estar presentes por pelo menos 12 meses.

Especificar:
1. Apenas com tiques motores

2. Apenas com tiques vocais

DSM-5: Perturbação de Tiques Vocais ou Motores Persistente (Perturbações do neurodesenvolvimento)

CID-10: Perturbação Crónica de Tiques Vocais e Motores (F95.1)

79
Tricotilomania

Introdução

Apesar da Tricotilomania ter um longo histórico, há poucos estudos publicados acerca do


arrancamento de cabelo, na primeira infância. Por vezes é considerada auto-limitada, um hábito benigno,
no entanto, alguns estudos têm demonstrado que a persistência do “arrancar de cabelos”, nas crianças
pequenas, pode necessitar de atenção médica.

Algoritmo de diagnóstico

Todos os critérios seguintes devem estar presentes.

A. A criança arranca de forma recorrente o cabelo/pêlo, resultando em áreas sem pêlo no escalpe,
sobrancelhas ou pestanas.

B. A perda de cabelo não se deve a condição médica/dermatológica.

C. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Características do diagnóstico

Na tricotilomania da infância, o escalpe parece ser o local mais comum onde se arranca cabelo,
observando-se zonas de alopécia, sendo que, mais raramente, as crianças também podem arrancar as
sobrancelhas e pestanas. Investigação recente começou a identificar de forma consistente, dois tipos
distintos de arrancamento de cabelo: “automático” e “focado”. No arrancamento automático, a criança não
parece ser consciente de que está a arrancar o cabelo. Por outro lado, as crianças que apresentam
arrancamento focado, parecem estar conscientes do seu comportamento, sendo detetado um trigger de
frustração. Encontrar cabelo nas fezes da criança é um sinal de que, não só o arranca, como também o
engole (tricofagia).

Características associadas que apoiam o diagnóstico

O arrancar de cabelo começa quando a criança tem menos de 3 anos de idade, começando
frequentemente como um gesto automático que a criança faz em alturas específicas, como enquanto
chucham no dedo, bebem o biberão, vêem TV, ou ao adormecer. Algumas crianças com menos de 12
meses também o fazem enquanto mamam. Relações familiares tensas ou ansiosas têm sido observadas
em alguns casos.

80
Características do desenvolvimento

Comparações entre crianças da idade pré-escolar e escolar com tricotilomania revelaram


semelhanças e diferenças. A gravidade dos sintomas, prazer durante o arrancamento e prevalência de
género são semelhantes nos dois grupos. Por outro lado, crianças em idade pré-escolar demonstram
menos sofrimento e comorbilidades, arrancam pêlo em menos áreas do corpo e é menos provável que
estejam conscientes do acto ou sintam tensão antes do arrancamento. Parece que o “arrancamento
focado” aumenta significativamente com a idade, enquanto o “arrancamento automático” se mantém
consistente.

Prevalência

A tricotilomania não está bem estudada na infância pelo que a sua prevalência é desconhecida.

Curso

Não há estudos de follow-up em crianças com tricotilomania. Entre as crianças mais velhas, os
estudos sugerem que há um aumento do risco para depressão e sintomas ansiosos com a tricotilomania.
Um arrancamento mais focado pode estar associado a um pior prognóstico a longo prazo.

Fatores de risco e prognóstico

A disfunção familiar, especialmente expressão emocional pobre, tem sido relacionada com a
tricotilomania em crianças, no entanto, não está claro o significado desta associação. Também pode existir
história familiar de tricotilomania, POC ou Perturbações de Ansiedade.

Características do diagnóstico relacionadas com a cultura

Não existem dados publicados.

Características do diagnóstico relacionadas com o género

Não existem dados associados ao género no entanto, meninas em idade escolar tendem a
apresentar maior sofrimento e disfuncionalidade associada a arrancamento do cabelo, mesmo quando a
frequência e a gravidade do quadro, não difere dos rapazes.

Diagnóstico diferencial

Condições dermatológicas, como a Alopecia Areata, que envolve perda de cabelo espontânea
como resultado de um processo auto-imune que ataca os folículos, devem ser descartadas. Arrancar o
cabelo pode ser, ocasionalmente, uma forma de estereotipia. Para ser considerado tricotilomania, o
arrancamento deve resultar em perda de cabelo.

Comorbilidades

A tricotilomania pode ocorrer em conjunto com perturbações de ansiedade e depressão.

DSM-5: Tricotilomania

CID-10: Tricotilomania (F63.3)

81
Perturbação de Escoriação da Primeira Infância - “Skin-Picking”

Introdução

Apesar do arrancamento de pele não ser incomum na primeira infância, a escoriação da pele até ao
ponto da criança causar ferimentos que se mantêm por longos períodos de tempo, é incomum e
preocupante. A característica principal da Perturbação de Escoriação é o arrancamento de pele que resulta
em escoriações duradouras.

Algoritmo de diagnóstico

Todos os critérios seguintes devem estar presentes.

A. A criança pequena arranca a sua pele, crostas ou anomalias minor da pele, resultando em escoriações
de longa duração (p.e. ferimentos, lesões, lacerações).

B. O arrancamento da pele não está sob controlo da criança.

C. O facto da escoriação não curar, não se deve a uma condição médica.

D. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Características do diagnóstico

A característica central da Perturbação de Escoriação é o arrancamento persistente da sua própria


pele. As crianças com esta perturbação podem arrancar crostas, anomalias minor da pele ou pele
saudável. Os locais alvo mais frequentes são a face, braços, mãos e pernas. Em alguns casos, para além
do arrancamento da pele, as crianças podem ainda auto-lesionar-se por fricção, bater ou apertar a pele.

Características associadas que apoiam o diagnóstico

As crianças podem entrar numa variedade de rituais que precedem a escoriação incluindo analisar
a pele e comer ou brincar com as crostas. Algumas crianças mais velhas ou adultos justificam o
comportamento como resposta a ansiedade, outros fazem-no de forma automática, sem pensar no que
estão a fazer.

Características do desenvolvimento

Sabe-se muito pouco acerca das características do desenvolvimento da Perturbação de


Escoriação. A maioria dos casos apresenta-se na adolescência e os casos de início precoce, com
frequência, detetam-se no dermatologista.

82
Prevalência

A prevalência em crianças pequenas não é conhecida. Em adultos, o arrancamento de pele que


resulta em escoriações de longa duração, parece estar presente em cerca de 1% da população.

Curso

Sabe-se muito pouco acerca do curso da perturbação.

Fatores de risco e prognóstico

O arrancamento de pele tende a exacerbar-se com o stress, pelo que a criança pode apresentar
este comportamento com mais frequência durante períodos de transição (p.e. mudança de creche, mudar-
se para nova residência) ou outros stressores familiares. Crianças com familiares diagnosticados com POC
têm risco elevado de desenvolvimento de Perturbação de Escoriação.

Características de diagnóstico relacionadas com a cultura

Não existem variações culturais no arrancamento de pele.

Características de diagnóstico relacionadas com o género

A Perturbação de Escoriação é mais comum em raparigas do que em rapazes.

Diagnóstico diferencial

A perturbação deve ser diferenciada de mordeduras de insectos que podem, raramente, ser um
sinal de negligência.

Comorbilidades

As crianças com Perturbação de Escoriação têm elevado risco para Perturbações de Ansiedade,
POC, Tricotilomania e outros comportamentos repetitivos focados no corpo (p.e. roer as unhas).

DSM-5: Perturbação de Escoriação

CID-10: Dermatite Factícia, Escoriação Neurótica (L98.1)

Outra Perturbação Obsessivo-Compulsiva e Perturbações Relacionadas

Algoritmo de diagnóstico

Todos os critérios seguintes devem estar presentes.

A. A criança tem um ou mais sintomas persistentes de POC ou perturbação relacionada, mas não
preenche todos os critérios para outra perturbação desta secção.

B. Os sintomas não são melhor explicados por outra perturbação para a qual a criança preencha todos os
critérios.

83
C. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Especificar:
1. A perturbação que melhor explica os sintomas da criança.

2. Porque razão a criança não preenche todos os critérios.

DSM-5: Perturbação Obsessivo-Compulsiva e Perturbações Relacionadas

CID-10: Perturbação Obsessivo-Compulsiva Não Especificada (F42.9)

84
PERTURBAÇÕES DO SONO, ALIMENTAÇÃO E CHORO

As Perturbações do sono, alimentação e choro excessivo definem distúrbios nas atividades


fisiológicas básicas necessárias para um desenvolvimento saudável e até mesmo de sobrevivência. Dormir,
comer e chorar são comportamentos universais, cujos desequilíbrios podem resultar em muitas outras
perturbações. As perturbações descritas nesta secção tentam definir alterações primárias, em vez de
sintomas de outras perturbações.

Comparadas com muitas outras perturbações da primeira infância, as perturbações do sono,


alimentares ou de choro excessivo, têm maior probabilidade de acontecer no primeiro ano de vida, sendo
mais comuns nos contextos de cuidados primários. Problemas em dormir, comer e chorar são comuns em
crianças pequenas, alterações dentro do intervalo normativo, em cada um destes domínios, não são
considerados distúrbios clínicos. As perturbações desta secção, definidas por distúrbios do sono,
alimentação ou choro excessivo, devem ter impacto no funcionamento da criança, família ou ambos.

Apesar destas perturbações serem definidas em termos de comportamentos da criança e serem


consideradas perturbações que existem numa criança individual, estão intimamente ligadas à prestação de
cuidados instrumentais, devido à dependência das crianças, dos seus cuidadores, para a sobrevivência. As
diferenças na tolerância dos cuidadores ao sono, alimentação e choro estão bem documentadas, e as
crenças culturais definem parâmetros acerca de como as diferenças individuais são entendidas e de que
forma se responde a estas. O sono, alimentação e choro vão sofrendo mudanças significativas desde o
primeiro ano de vida até à idade pré-escolar. Dada as indissociáveis ligações entre os cuidadores e o sono,
alimentação e choro da criança, é importante prestar atenção à especificidade da relação, especialmente
para o sono e alimentação. A menos que exista evidência clara de que os sintomas são limitados ao
contexto específico de uma relação, uma perturbação do sono, alimentação ou do choro, deve ser
identificada.

PERTURBAÇÕES DO SONO

Introdução

Os problemas do sono estão entre as preocupações mais comuns na primeira infância. Os padrões
do sono mudam drasticamente ao longo dos primeiros 5 anos de vida e existe uma variabilidade
substancial entre as crianças. De entre os problemas mentais da primeira infância, as perturbações do
sono podem ser a influência direta mais profunda no sono de outros membros da família, frequentemente
com influência recíproca entre pais e criança. Apesar dos padrões do sono se desenvolverem no contexto
de cuidados, refletem as interações da biologia, relações com os cuidadores e ambiente físico do sono. A

85
investigação e experiencia clínica indicam que problemas de sono significativos podem desenvolver-se
tanto no contexto de relações saudáveis, como em contextos de alto risco.

Os padrões do sono evoluem substancialmente nos primeiros anos de vida, com a maioria das
crianças, com desenvolvimento típico, a ficar aptas a dormir toda a noite pelos 6 meses de idade. É
possível que os problemas de sono causem impacto e sofrimento severos na segunda metade do primeiro
ano de vida.

Muito do que sabemos acerca do sono em crianças pequenas é devido a descrições dos pais
acerca dos problemas de sono, resultando em literatura que analisa com mais frequência as características
relacionadas e o curso dos problemas do sono, que quaisquer outras perturbações específicas. Muito do
que se sabe tem também prováveis ligações culturais, pelo que o clínico deve ter cuidado quando tenta
aplicar determinadas normas acerca do sono, em culturas diferentes.

Esta secção inclui quatro perturbações: Perturbação de Insónia Inicial, Perturbação de Despertares
Noturnos, Perturbação de Microdespertares Noturnos e Perturbação de Pesadelos da Primeira Infância.
Estas perturbações são definidas empiricamente com base no conhecimento existente acerca do sono
típico e devem causar impacto, para assegurar que padrões não patológicos, não sejam considerados
doença.

Consistente com a abordagem do DC:0-5 aos problemas mentais da primeira infância, as


perturbações do sono não atribuem etiologia ao problema. No entanto, está claro que os padrões do sono
se desenvolvem no contexto familiar, são dependentes das decisões familiares acerca de onde dormir, os
contextos e rotinas do sono e as respostas familiares à sua sinalização. A evolução dos padrões do sono
nos primeiros anos representa uma interação complexa entre as expectativas culturais, condições físicas e
fatores socioeconómicos, stressores familiares e resiliência, fatores parentais, fatores intrínsecos da própria
criança e a interação entre todos estes fatores.

Perturbação de Insónia Inicial

Algoritmo de diagnóstico

Todos os critérios seguintes devem estar presentes.

A. A criança necessita mais de 30 minutos para adormecer na maioria das noites da semana.

B. O problema de sono não é melhor explicado por um sintoma de outra perturbação.

C. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

86
Idade: A criança deve ter pelo menos 6 meses de idade.

Duração: Os sintomas devem estar presentes por pelo menos 4 semanas.

DSM-5: Perturbação de Insónia

CID-10: Insónia Não Orgânica (F51.0)

Perturbação de Despertares Noturnos

Algoritmo de diagnóstico

Todos os critérios seguintes devem estar presentes.

A. Múltiplos e prolongados despertares, acompanhados por sinalização, na maioria das noites da semana.

B. Os sintomas não são melhor explicados por outras perturbações ou problemas médicos e efeitos
secundários da medicação.

C. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Idade: A criança deve ter pelo menos 8 meses de idade.

Duração: Os sintomas devem estar presentes por pelo menos 4 semanas.

DSM-5: Perturbação de Insónia

CID-10: Insónia Não Orgânica (F51.0)

Perturbação de Microdespertares do Sono - “Parcial Arousal Sleep Disorder”

Algoritmo de diagnóstico

Dos critérios seguintes, devem estar presentes o critério A ou o critério B, e ambos critérios C e D devem
estar presentes.

87
A. Terrores noturnos: Episódios frequentes e recorrentes de microdespertares sem, no entanto, atingir
um estado de completamente desperto. Os episódios estão frequentemente associados a gritos e
sinais de sofrimento incluindo palpitações, aumento da frequência respiratória e diaforese. Estes
eventos ocorrem nas primeiras horas do sono. Nos terrores noturnos, a criança pequena não responde
prontamente aos esforços para a despertar.

Ou

B. Sonambulismo: Episódios frequentes e recorrentes em que se levantam da cama e caminham pela


casa. Durante estes episódios, a criança pequena tem os olhos abertos mas capacidade de resposta
limitada.

C. A criança não tem nenhuma lembrança percetível do evento, pela manhã.

D. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Idade: A criança deve ter pelo menos 12 meses de idade.

Duração: Os sintomas devem estar presentes por pelo menos 1 mês.

DSM-5: Perturbação do Despertar do Sono sem Movimentos Oculares Rápidos - Tipo terrores noturnos

CID-10: Terrores noturnos (F51.4)

Perturbação de Pesadelos da Primeira Infância

Algoritmo de diagnóstico

Todos os critérios seguintes devem estar presentes.

A. Sonhos maus ou despertares súbitos repetidos, com sofrimento associado e que acontecem mais
frequentemente na segunda metade do período do sono. A criança pode, ou não, lembrar-se e contar o
conteúdo.

B. Os sonhos não ocorrem exclusivamente como resultado de Síndrome de Stress Pós-Traumático ou


Perturbação de Ansiedade de Separação.

C. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

88
2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Idade: A criança deve ter pelo menos 12 meses de idade.

Duração: Os sintomas devem estar presentes por pelo menos 1 mês.

DSM-5: Perturbação de Pesadelos

CID-10: Pesadelos (F51.5)

Nota: As secções seguintes aplicam-se a todas as Perturbações do Sono

Características do diagnóstico

A característica essencial de qualquer perturbação do sono em crianças pequenas é um padrão de


comportamento, de sono noturno, com início ou manutenção insuficientes, que não é culturalmente
normativo, mantido por pelo menos 1 mês e com impacto funcional.

É importante destacar o impacto associado a problemas do sono, pois existe uma ampla variedade
de padrões do sono típicos, ao longo dos primeiros 5 anos de idade, incluindo na segunda metade do
primeiro ano de vida. Uma criança que preencha critérios de frequência ou duração, para qualquer
perturbação do sono, mas não apresente critérios de impacto funcional, não apresenta uma perturbação
do sono. O impacto pode estar presente sob a forma de padrões internalizantes e externalizantes e pode
ser visível quer nas crianças, quer nos cuidadores. A privação do sono em crianças pode estar presente
com distractibilidade, irritabilidade ou uma necessidade adicional de sesta diurna. Pais com privação do
sono podem estar cansados, sentir-se no limite e apresentar experiências semelhantes de padrões de
humor negativo e impacto na cognição.

Características associadas que apoiam o diagnóstico

As perturbações do sono, em geral, e os despertares noturnos e pesadelos, em particular, estão


associados a padrões internalizantes e externalizantes, em crianças pequenas. A direção causal das
associações pode ser unidirecional ou bidirecional. A ansiedade de separação tem sido especificamente
associada a despertares noturnos, pesadelos e sonambulismo. Curiosamente, a eficiência do sono
também tem sido associada à avaliação do conhecimento emocional e coerência narrativa, em avaliações
de vinculação.

Características do desenvolvimento

Para a identificação de comportamento do sono anormal, é necessário reconhecer o processo de


desenvolvimento e a ampla variedade de padrões do sono típicos, nos primeiros 5 anos de vida. Os
89
primeiros 12 meses são um período de consolidação do sono que contém as mudanças mais dramáticas
nos padrões do sono. Ao nascimento, as crianças acordam a cada 2-3 horas por noite. Inicialmente, elas
tendem a estar mais alerta à noite e dormir mais durante o dia. Aproximadamente metade das crianças
estará apta a dormir toda a noite pelos 4 meses de idade, quando a capacidade de se auto-acalmarem
começa a desenvolver-se. Pelos 12 meses de idade, 85% das crianças dormem 8-9 horas por noite.

Apesar de haver uma enorme variabilidade entre os padrões de sono, o período de latência de
início do sono em crianças pequenas é maior que 30 minutos, numa pequena proporção de crianças. A
variabilidade no tempo de latência de início do sono pode ser influenciada por determinadas associações,
em crianças com mais de 4 meses de idade, isto é, pode depender de rotinas específicas, objetos
transicionais ou presença de pessoas para adormecer. Em crianças pequenas, o estabelecimento de
limites parentais (ausência de limites estabelecidos), pode também desempenhar um papel no atraso do
início do sono.

Em termos de despertares noturnos, de acordo com as investigações na América do Norte, cerca


de metade dos bebés dorme durante toda a noite pelas 8 semanas de vida, e cerca de 75% dorme toda a
noite pelos 12 meses de idade.

Os pesadelos e microdespertares não se desenvolvem até uma fase mais tardia da infância e
ocorrem com mais frequência na idade pré-escolar. É importante lembrar que muitas crianças pequenas
não se recordam do conteúdo dos seus sonhos. Comparado com os adultos, os pesadelos em crianças
pequenas podem ser mais comuns, sem uma exposição traumática associada, apesar de ser importante
considerar o contexto social clinicamente.

Prevalência

A prevalência da Perturbação de Insónia Inicial é um pouco difícil de avaliar devido aos critérios
usados nos estudos epidemiológicos. Aproximadamente 10%-15% das crianças pequenas tem um tempo
de latência de início do sono maior do que 30 minutos, de acordo com os relatos dos pais. Quando se
usam critérios rigorosos que incluem sofrimento, as perturbações do sono variam entre 10%-15% nos
estudos dos EUA e Europa, mas há cerca de um terço dos pais que descreve problemas de sono usando
terminologia mais geral, com prevalência mais elevadas na segunda metade do primeiro ano de vida.

Os pesadelos e microdespertares são categorizados como parassonias, sendo comuns na idade


pré-escolar. Apenas cerca de 1%-3% das crianças pequenas experiencia pesadelos frequentemente, mas
muitas crianças pequenas têm pesadelos ocasionais.

Curso

Os problemas de sono na infância não são preditivos de problemas de sono mais tardiamente, na
idade oré-escolar. Aproximadamente 30%-40% das crianças entre os 8-10 meses de idade continuam a ter
problemas de sono descritos pelos pais, na idade pré-escolar. No geral, ao contrário da maioria dos
problemas mentais da primeira infância, as crianças mostram padrões de sono muito variáveis, ao longo do
tempo. A exceção a este padrão são os Pesadelos, que mostram elevada estabilidade dos 24 aos 60
meses.

A desregulação precoce do sono tem sido associada a outcomes adversos mais tardios, incluindo
o desenvolvimento da linguagem. Os problemas de sono, nos primeiros 42 meses de idade, resultam em
90
menos horas de sono totais e têm sido associados a problemas de hiperatividade aos 6 anos de idade. De
igual forma, problemas precoces no sono são preditivos de pobres outcomes cognitivos incluindo scores
de linguagem e raciocínio espacial mais baixos. Sono insuficiente nos primeiros 3 anos de vida relaciona-se
com taxas mais elevadas de obesidade, aos 6 anos de idade. De salientar que uma duração curta do sono
aos 18 meses de idade é um forte fator preditivo de hiperatividade aos 60 meses.

Fatores de risco e prognóstico

Fatores familiares e biológicos da criança estão associados a risco aumentado de problemas do


sono. A hereditariedade de problemas do sono, incluindo os terrores noturnos, é elevada. Crianças com
problemas de sono têm maior probabilidade de ter temperamento difícil e ser difíceis de acalmar. Outros
problemas como refluxo gastroesofágico e perturbações do neurodesenvolvimento estão associados a
elevado risco de dificuldades no sono.

A investigação sugere que as crianças com mais dificuldades do sono, especialmente insónia
inicial e despertares noturnos, podem ter padrões diurnos de cortisol atípicos, particularmente níveis
matutinos elevados de cortisol. Não está estabelecido se esta associação indica um risco biológico ou
sequela de privação do sono.

Fatores familiares associados a problemas de sono na primeira infância incluem questões de saúde
mental e comportamentos ou cognições dos pais em relação ao sono. Crianças nascidas de mães com
depressão na gravidez estão em maior riso de problemas do sono, mesmo quando os sintomas da mãe
estão controlados no pós-parto. A depressão parental pós-natal, estudada primariamente em mães, e
problemas do sono parentais, têm demonstrado estar associadas a problemas de sono nas crianças
pequenas, apesar da direção desta associação ser difícil de estabelecer. Os problemas do sono estão
associados a comportamentos parentais à volta do sono, apesar desta associação ser provavelmente mais
recíproca, do que unidirecional. Crianças cujos pais estão ativamente envolvidos no processo de
adormecimento (segurando, alimentando ou balançando) têm risco mais elevado de perturbações do sono,
do que crianças que adormecem no seu berço com assistência parental mínima. Após os 5 meses de
idade, quando é improvável que os despertares noturnos sejam indicativos de fome, as crianças que são
alimentadas nos despertares também têm maior probabilidade de ter mais dificuldades no adormecer.
Utilizar o contacto físico, durante o dia, para acalmar a criança está associado a mais problemas de sono.
Cognições parentais que indicam dificuldades no estabelecimento de limites, crenças de que o bebé
precisa de resposta imediata para reduzir o sofrimento durante o sono e ansiedade de separação materna,
também são fatores preditivos de problemas de sono da criança.

Outros fatores, incluindo estatuto socioeconómico e estrutura familiar, não parecem influenciar de
forma independente o risco de problemas de sono, exceto na forma como influenciam os comportamentos
parentais relacionados com o sono.

Características de diagnóstico relacionadas com a cultura

As expectativas em relação ao sono estão culturalmente definidas, pelo que as perturbações


devem ser consideradas no contexto cultural em que ocorrem. Na maior parte do mundo, as crianças
dormem com os seus pais, partilhando a cama. A investigação indica que o co-sleeping, por si mesmo,
não está associado a problemas do sono. Poucos estudos examinaram a variabilidade de apresentação
91
das preocupações do sono, no primeiro ano de vida. Nos países asiáticos, os pais descrevem mais
problemas do sono e sono de menor duração comparado com pais de países de língua inglesa
predominante. Se estas diferenças representam questões culturais ou biológicas não está claro e é mais
importante ter em conta que a variabilidade dentro de cada grupo foi tão ampla quanto as diferenças entre
os grupos.

Características de diagnóstico relacionadas com o género

Não existem dados consistentes que sugiram diferenças de género nos problemas do sono ou
sinalização pelas crianças. Os rapazes podem ter maior risco de sono pouco reparador do que as
raparigas.

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial de problemas de sono na primeira infância é limitado. Primeiro, a


perceção de problemas de sono deve distinguir-se de padrões de sono típicos ou expectativas de
desenvolvimento inapropriadas. O contexto do sono, incluindo hora de ir para a cama, ruídos (dentro ou
fora de casa) e agenda de sono dos pais (especialmente pais que trabalham durante a noite ou regressam
a casa durante a noite), devem ser avaliados. A excessiva duração de sestas diurnas pode influenciar os
padrões de sono noturnos, resultando em atraso do início do sono ou despertar muito cedo. É importante
diferenciar padrões típicos, de perturbações que requerem intervenção e suporte, com privação do sono e
irritabilidade nas crianças e pais.

Se houver evidência de que o sono da criança é anormal, de forma consistente, num determinado
contexto (p.e. com os pais) e habitualmente normal em outros contextos (p.e. com os avós), o diagnóstico
apropriado é uma Perturbação Específica da Relação da Primeira Infância. Na ausência de evidências
claras da variabilidade entre contextos (p.e. a criança apenas dorme em sua casa), deve diagnosticar-se
uma perturbação do sono. A variabilidade entre as sestas diurnas e o sono noturno não deve ser
considerada na avaliação do sono em diferentes contextos, para este propósito (do diagnóstico).

A Perturbação de Stress Pós-Traumático deve ser considerada quando a criança apresenta


pesadelos ou sonhos maus, que acontecem de forma mais habitual em crianças expostas a um evento
traumático, do que nas não expostas.

A Perturbação de Ansiedade de Separação deve ser considerada em crianças pequenas que têm
atraso no início do sono quando adormecem sozinhas, mas não em co-sleeping.
Medicação ou outros agentes também podem interferir com o sono. Deve prestar-se particular
atenção à cafeína, esteróides e medicamentos para a tosse/resfriado. Podem verificar-se efeitos
paradoxais em crianças a tomar anti-histamínicos resultando num aumento da agitação, em vez da habitual
sedação.

Problemas respiratórios associados ao sono, como a apneia, podem também causar despertares
frequentes, apesar de necessitarem de uma intervenção diferente. Estas crianças têm também ressonar
audível e podem ter breves períodos de apneia (param de respirar) frequentemente seguidos por sons
irregulares de recuperação do fôlego ou ressonar. Quando não está claro, um estudo pediátrico do sono
pode ser útil para identificar padrões ou problemas do sono subjacentes.

92
Um diagnóstico diferencial alargado deve ser considerado no caso de início agudo dos problemas
do sono, em vez de crónico, que pode refletir um problema médico, uma resposta a um evento de vida
stressante ou mudanças no ambiente de sono.

Comorbilidades

Na Perturbação de Insónia Inicial, os despertares noturnos estão associados a distúrbios


emocionais e comportamentais, incluindo perturbações de ansiedade, perturbações de humor e PHDA.
Esta associação pode operar em ambas direções pois a privação do sono exacerba a desregulação e a
ansiedade, enquanto o comportamento disruptivo e sintomas internalizantes pode contribuir para a
desregulação do sono.

PERTURBAÇÕES DA ALIMENTAÇÃO DA PRIMEIRA INFÂNCIA

Introdução

As perturbações da alimentação em criança pequenas estão entre os distúrbios de comportamento


mais comuns que levam os pais a procurar tratamento nos cuidados de saúde primários. Cerca de
25%-40% das crianças pequenas têm, segundo descrevem os seus pais, problemas de alimentação,
principalmente comer muito lentamente, recusa alimentar, alimentação seletiva ou vómitos.

As várias perturbações alimentares são definidas descritivamente por comportamento sintomáticos


observáveis que se manifestam contextualmente e não por deduções da etiologia. Em determinados
casos, é claro que se deve ter em conta os contributos para o desenvolvimento de padrões de
comportamento, que podem ser úteis no estabelecimento do tratamento adequado, mas a evidência
existente não permite ligar padrões alimentares a etiologias específicas, na maioria dos casos. Estímulos
sensoriais aversivos, problemas de regulação e comportamentos assustadores após exposição a
procedimentos médicos traumáticos na boca ou garganta, têm sido implicados em problemas alimentares
e podem constituir características associadas importantes para o planeamento do tratamento adequado.
Para além disso, a interação com os cuidadores durante a refeição pode ser responsiva, controladora,
indulgente ou negligente. A interação da criança pode ser cooperativa, resistente (p.e. virar a cabeça à
comida), ou conflituosa (p.e. atirar com a comida). Pode ser útil anotar também estes comportamentos.
Condições médicas associadas com a perturbação alimentar devem ser tidas em conta no Eixo III.

Perturbação de Ingestão Alimentar Excessiva*


*tradução livre de “overeating” por oposição a “overfeeding” (sobrealimentação, que implica a intervenção de terceiros)

Algoritmo de diagnóstico

Todos os critérios seguintes devem estar presentes.

93
A. A criança pequena come demasiado ou tenta comer demasiado, demonstrando cada um dos
seguintes:

1. A criança procura, persistentemente, quantidades excessivas de comida durante as refeições.

2. A criança procura ou come quantidades excessivas de comida, entre as refeições, repetidamente.

B. A criança pequena está excessivamente preocupada com comida ou com a alimentação, como
manifestado por pelo menos dois dos seguintes:

1. A criança retira comida a outros ou procura nos contentores do lixo.

2. A criança enche as bochechas de comida enquanto come.

3. A criança fala repetidamente em comida (p.e. a próxima refeição) ou o tema da alimentação


predomina na sua brincadeira.

C. A criança fica angustiada se for impedida de ter os comportamentos descritos no critério A.

D. O comportamento da criança não se deve a uma condição que explique melhor estes comportamentos
(p.e. ausência de comida e fome, efeitos secundários de medicação, outras condições médicas).

E. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança

6. Interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Idade: O diagnóstico não se faz antes dos 24 meses de idade.

Duração: Os sintomas devem estar presentes por mais de 1 mês.

Especificar: se o peso da criança está acima do percentil 95, facto que se anota no Eixo III.

Características do diagnóstico

O consumo ou tentativa de consumo de comida pela criança, assim como a procura e


preocupação com comida, são sintomas pervasivos e não anomalias transitórias. Para além disso, estão
presentes em qualquer contexto relacional da criança, caso contrário, o diagnóstico é Perturbação
Específica da Relação da Primeira Infância, com manifestação de ingestão alimentar excessiva.

Características associadas que apoiam o diagnóstico

A característica clínica principal da perturbação é a preocupação com comida, à custa de outras


atividades apropriadas ao desenvolvimento. A criança pequena fica angustiada se não lhe for permitido ter
estes comportamentos e pode manifestar sintomas de ansiedade, irritabilidade e raiva, não específicos.

94
Características do desenvolvimento

A Perturbação de Ingestão Alimentar Excessiva raramente se observa antes dos 2 anos de idade
porque é necessário algum grau de autonomia, assim como competências verbais e motoras, para
procurar comida. A sobrealimentação (“overfeeding”) pode ocorrer em crianças com menos de 2 anos de
idade, especialmente durante o primeiro ano de vida. Se não existirem outros comportamentos que
indiquem procura ou preocupação por comida, os critérios para a perturbação não se cumprem.

Prevalência

Os dados de prevalência da Perturbação de Ingestão Alimentar Excessiva, nos primeiros anos de


idade, são limitados. Estudos na comunidade reportaram apetite excessivo em 10% das crianças
pequenas. A consciencialização do significado patológico da ingestão alimentar excessiva tem sido menor
do que para a Perturbação de Ingestão Alimentar Reduzida.

Curso

Não existem estudos sistemáticos acerca do curso da perturbação. A experiência clínica sugere
que os comportamentos tendem a persistir e pode ser improvável que remitam espontaneamente. A
relação entre a ingestão alimentar excessiva na primeira infância e o Binge Eating ou a Bulimia Nervosa, em
idades mais avançadas, é desconhecida.

Fatores de risco e prognóstico

Os fatores de risco para obesidade incluem predisposição genética, padrões de alimentação e


dieta numa fase precoce da vida, actividade física reduzida, uso de medicação e outras exposições. Para
além disso, o marketing, promoção e acessibilidade à comida saudável ou não saudável, podem contribuir
para a ingestão alimentar excessiva.

Uma incompatibilidade crónica na capacidade de resposta do cuidador às pistas dadas pelo bebé/
criança pequena, como por exemplo alimentá-lo quando ele não tem fome, tem demonstrado ter algum
papel no desenvolvimento de ingestão excessiva, por prejudicar a resposta da criança ao estado interno de
fome e saciedade. Os cuidadores que exercem demasiado controlo sobre o quê e qual a quantidade que
as crianças devem comer, podem também contribuir para a ingestão alimentar excessiva na infância.

Perturbações alimentares nos cuidadores, incluindo “Binge Eating”, Bulimia Nervosa e Anorexia
Nervosa, podem aumentar o risco para todos os tipos de perturbações alimentares da criança, incluindo
ingestão alimentar excessiva. Sintomas maternos de stress, depressão e ansiedade têm sido relacionados
com práticas de alimentação não responsivas (p.e. controladora, indulgente, subenvolvida). A alimentação
não responsiva, por seu lado, está relacionada com baixo peso ou excesso de peso nas crianças
pequenas. Conflitos familiares acerca da comida também são fatores que estão habitualmente associados
a perturbações alimentares em crianças pequenas.

Características de diagnóstico associadas à cultura

Não existem dados, no entanto, assume-se que diferentes culturas tenham diferentes normas
acerca do que são padrões ótimos e saudáveis de alimentação. Por exemplo, as sociedades ocidentais

95
reforçam “valores” de magreza e “comida saudável”, enquanto nos países em desenvolvimento, onde os
recursos são escassos, coloca-se ênfase na sobrevivência.

Características do diagnóstico associadas ao género

Não há dados específicos para diferenças de género.

Diagnóstico diferencial

Condições médicas como Síndrome de Prader-Willi e hipotiroidismo, devem ser considerados,


assim como efeitos secundários de medicação.

Comorbilidades

Apesar dos dados serem limitados, pode existir em comorbilidade com Perturbação do
Processamento Sensorial e Perturbação Depressiva da Primeira Infância.

DSM-5: Perturbação de Alimentar ou da Alimentação Sem Outra Especificação.

CID-10: Hiperfagia Associada a Outros Distúrbios Psicológicos (F50.4).

Perturbação de Ingestão Alimentar Reduzida*


*tradução livre de “undereating”

Algoritmo de diagnóstico

Todos os critérios seguintes devem estar presentes.

A. A criança pequena come menos do que o esperado para a sua idade, consistentemente.

B. A criança exibe um ou mais dos seguintes comportamentos alimentares mal-adaptativos:

1. Consistente ausência de interesse por comer.

2. Evita comer, por medo.

3. Dificuldade em regular-se quando está a ser alimentada (p.e. adormece repetidamente ou fica
agitada).

4. Come apenas enquanto dorme.

5. Dificuldades na transição para alimentos sólidos.

6. Come apenas quando os cuidadores cedem a condições específicas impostas por ela (p.e. em
frente à TV, com um programa específico, com brinquedos ou com histórias).

7. É extremamente exigente e seletiva, recusa comida de determinadas cores ou texturas, ou aceita


apenas uma gama excepcionalmente restrita de alimentos.

8. Mantém a comida na boca por um período prolongado, sem engolir (“pouching”)

C. O comportamento alimentar mal-adaptativo não se deve a uma condição médica ou efeitos


secundários de medicação.

D. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

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1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança

6. Interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Idade: Não existem especificações para a idade.

Duração: Os sintomas devem estar presentes por mais de 1 mês.

Especificar:

1. Se há perda de peso

2. Se há ausência do aumento de peso expectável.

Nota: Perda de peso ou ausência do aumento de peso expectável devido à ingestão alimentar reduzida
devem ser anotados no Eixo III.

Características do diagnóstico

Os comportamentos alimentares principais que trazem a criança pequena à consulta incluem a


recusa de comida sólida, pouco apetite, alimentação seletiva e medo de se engasgar. A perda de peso ou
ausência do aumento de peso expectável é claramente possível, mas não é um critério necessário porque
algumas crianças têm padrões alimentares patológicos mas mantêm o peso. Por exemplo, algumas
crianças recusam alimentos sólidos mas bebem vários biberões por dia.

Características associadas que apoiam o diagnóstico

Prolongamento do tempo de refeição, refeições stressantes, ausência de alimentação autónoma


apropriada, alimentação noturna (após 1 ano de idade), amamentação ou alimentação com biberão
prolongados, e recusa em provar novas texturas, são características comuns.

Os comedores seletivos “picky eaters” não têm necessariamente baixo peso, apesar da situação
estar frequentemente associada a tensão e sofrimento familiares. Algumas crianças podem exibir aversão a
cheiros, texturas e sabores específicos.

Características do desenvolvimento

A ingestão alimentar reduzida pode aparecer nos primeiros meses de vida. Por vezes pode estar
relacionada com uma relação específica, neste caso o diagnóstico apropriado será Perturbação Específica
da Relação. Se a ingestão reduzida ocorrer em mais de uma relação, deve ser considerada a Perturbação
de Ingestão Alimentar Reduzida e pode estar associada a ser subalimentado. No primeiro ano de vida, a
alimentação começa por ser uma atividade da díade. Algum tempo mais tarde, ainda no primeiro ano, a
criança começa a alimentar-se por ela própria - inicialmente estes esforços são limitados, mas o comer
torna-se progressivamente mais independente durante o segundo e terceiro anos de vida. O comer
seletivamente “picky eating” pode aparecer na segunda metade do primeiro ano, especialmente na
97
transição para as comidas sólidas. Algumas crianças podem resistir ao desmame da amamentação ao
peito. De qualquer forma, o comer seletivamente pode começar em qualquer idade.

Prevalência

Segundo relatos dos pais, cerca de 25-40% das crianças têm problemas na alimentação,
principalmente vómitos, comer muito devagar e recusa alimentar. Apesar de algumas destas dificuldades
serem transitórias, alguns problemas, como a recusa em comer, encontram-se em cerca de 3%-10% das
crianças e tendem a persistir no tempo.

Curso

A investigação prospetiva disponível sugere algum grau de continuidade dos problemas


alimentares da infância para idades mais avançadas, incluindo adolescência e idade adulta. Por exemplo,
cerca de 40% das crianças que comem de forma irregular aos 5 anos de idade, ainda comem
irregularmente aos 14 anos de idade. Outras contribuições independentes incluem a capacidade da criança
regular o sono e o humor, assim como a sua relação com os cuidadores, na primeira infância. Crianças
com perturbações alimentares severas tendem a exibir mais problemas emocionais e de comportamento
subsequentes, do que os controlos, mas não necessariamente mais problemas alimentares. Muitos dos
resultados dos estudos consideram as perturbações do sono e alimentação na infância, como sintomas de
desregulação psicológica e combinam os dados em comer, dormir e outros comportamentos
desregulados. Crianças pequenas com problemas de choro, dormir ou comer têm mais problemas de
comportamento que os controlos, especialmente em famílias com múltiplos problemas. O comer seletivo
“picky eating” tende a melhorar espontaneamente com o tempo, especialmente quando os pais param de
reagir ao comportamento alimentar da criança (p.e. elogiando ou criticando). Outras crianças mantêm
alimentação seletiva na idade adulta. Faltam ainda estudos a longo prazo em crianças com Perturbação de
Ingestão Alimentar Reduzida.

Fatores de risco e prognóstico

Perturbações alimentares maternas, incluindo Bulimia Nervosa e Anorexia Nervosa, são um fatores
de risco para todos os tipos de perturbações alimentares na infância. Sintomas maternos de stress,
depressão e ansiedade têm sido relacionados com práticas de alimentação não responsivas (p.e.
controladora, indulgente, subenvolvida). A alimentação não responsiva, por seu lado, está relacionada com
baixo peso ou excesso de peso nas crianças pequenas. Conflitos familiares e tensão acerca da comida
também são fatores de risco, por si sós, de agravamento de problemas alimentares. O comer
seletivamente “Picky eating” é frequentemente observado em pais de crianças com este mesmo
comportamento.

Características de diagnóstico relacionadas com a cultura

A alimentação tem um papel importante na maioria das culturas. Hábitos alimentares aceitáveis
variam largamente entre grupos religiosos e étnicos e as perturbações alimentares têm sido
concetualizados como síndromes ligados à cultura. Neste contexto, destaca-se que a maioria das
publicações de investigação da área dizem respeito às populações da América do Norte e da Europa.

98
Características de diagnóstico relacionadas com o género

Não existem dados publicados acerca da distribuição de género da Perturbação de Ingestão


Reduzida na infância. Apesar de haver diferenças de género em perturbações alimentares mais tardias, na
infância tardia/adolescência/idade adulta (com o género feminino a ter maior probabilidade de experienciar
perturbações alimentares), não se destacam diferenças de género nas perturbações da alimentação, na
primeira infância.

Diagnóstico diferencial

Dada a confiança da criança pequena nos cuidadores, comer é um processo que funciona em
díade. O termo “alimentar” (“feeding”) reflete o papel do cuidador no processo, enquanto o termo
“comer” ("eating”) reflete o papel da criança (p.e. abrir a boca, engolir, alcançar a comida). Tem-se
descoberto que as práticas de alimentação dos pais estão fortemente associadas tanto a comportamentos
de ingestão excessiva como reduzida, na criança pequena. Como regra, a menos que haja evidência de
que os problemas alimentares estão limitados a um ou mais cuidadores principais, o diagnóstico é uma
perturbação de ingestão alimentar. Se existir evidência de que a criança tem ingestão excessiva ou
reduzida apenas com um cuidador, o diagnóstico deve ser Perturbação Específica da Relação da Primeira
Infância, com a especificação do distúrbio.

É necessário excluir razões orgânicas para a Perturbação de Ingestão Reduzida, como alergia ao
leite, anomalias estruturais que afetem a nasofaringe, laringe, traqueia e esófago, distúrbios do
neurodesenvolvimento, hipersensibilidade oral e disfunção oral-motora, doença sistémica, assim como
causas orgânicas de dor como esofagite devida a refluxo gastoesofágico.

Comorbilidades

Problemas médicos coexistentes devem ser mencionados no Eixo III porque nem sempre uma boa
gestão médica alivia os problemas de alimentação adequadamente. Por exemplo, crianças com fibrose
cística têm frequentemente um padrão alimentar lento, mastigando com dificuldade, preferindo líquidos,
recusando comer sólidos e resistirem à introdução de novos alimentos. Crianças com refluxo
gastroesofágico têm menor consumo de alimentos geradores de energia, menor capacidade de adaptação,
disponibilidade para sólidos mais baixa, maior probabilidade de recusar comida e são mais exigentes e
difíceis no momento da alimentação. A Perturbação Específica da Relação da Primeira Infância, com outras
manifestações, para além dos comportamentos alimentares problemáticos, pode ocorrer
concomitantemente com o diagnóstico de Perturbação de Ingestão Alimentar Reduzida.

DSM-5: Perturbação Alimentar ou da Alimentação Sem Outra Especificação.

CID-10: Outras Perturbações Alimentares (F50.8).

99
Perturbação Alimentar Atípica

Algoritmo de diagnóstico

Todos os critérios seguintes devem estar presentes.

A. A criança pequena exibe sintomas alimentares anormais que incluem pelo menos um dos seguintes:

1. Acumulação “Hoarding” - a criança esconde comida em locais incomuns (p.e. na cama, na gaveta
da secretária).

2. PICA - consumo habitual de substâncias não nutritivas.

3. Ruminação - um padrão de regurgitação e engolir de novo a comida.

B. O comportamento alimentar anormal da criança pequena não é melhor explicado por uma condição
médica ou efeito adverso de um fármaco.

C. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança

6. Interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Idade: Não existem especificações para a idade.

Duração: Os sintomas devem estar presentes por pelo menos 1 mês.

Especificar: qual é o padrão atípico que está presente.

Nota: Complicações médicas, como cáries ou anemia, resultantes de comportamentos alimentares


atípicos, devem ser descritos no Eixo III.

Características do diagnóstico

Os sintomas da Perturbação Alimentar Atípica são heterogéneos na apresentação. Para todos os


três tipos de sintomas, os critérios de diagnóstico estão preenchidos apenas se o comportamento
alimentar for pervasivo ao longo de todos os contextos e associado a impacto funcional.

Hoarding descreve um padrão de esconder/acumular comida em lugares incomuns, mesmo que


não seja ingerida. Deve distinguir-se de crianças que escondem comida que não gostam para não ter de a
comer. O Hoarding é mais pervasivo e não se limita à comida indesejada.

PICA descreve o consumo persistente de substâncias, que não são comida, como lixo, giz, papel,
sabão, pano, corda, terra, tinta, chiclete, argila, objetos de metal ou plástico ou fezes. Geralmente não está
associada a aversão à comida. Estes objetos não são ingeridos em substituição da comida, mas sim para
além da comida habitual.

100
Ruminação descreve a regurgitação repetida de comida que a criança ingeriu ou lhe foi
administrada. Habitualmente a criança volta a engolir a comida regurgitada mas, por vezes, a comida é
expelida após a regurgitação.

Características associadas que apoiam o diagnóstico

Hoarding: Encontrar comida em locais incomuns ajuda a fazer o diagnóstico. Algumas destas
crianças têm excesso de peso, enquanto outras têm peso a menos, dependendo do que fazem com a
comida que escondem. Tem sido associado a maus-tratos infantis, especialmente negligência.

PICA: Deficiências em ferro e zinco têm sido descritas em casos de PICA. Alguns casos são
diagnosticados após oclusão intestinal ou perfuração, infeções como toxoplasmose ou toxocaríase após
ingestão de fezes, terra do solo ou lixo, ou intoxicação por chumbo. Por vezes está associada a debilidade
intelectual, autismo e outras debilidades de desenvolvimento.

Ruminação: durante a ruminação, frequentemente, a criança arqueia as costas com a cabeça para
trás enquanto faz movimentos de sucção com a língua e parece envolver-se numa atividade de se auto-
acalmar ou auto-estimular. Entre as refeições a criança pode ficar com fome ou irritável. Perda de peso ou
não ganhar peso são comuns, até ao ponto da desnutrição, especialmente quando a regurgitação ocorre
no seguimento de cada refeição.

Características de desenvolvimento

Hoarding: segundo os nossos conhecimentos, não está descrito em crianças com menos de 2
anos de idade.

PICA: em crianças com menos de 2 anos de idade, o normal manuseamento de objetos com a
boca, próprio do desenvolvimento, pode resultar em ingestão, pelo que se deve ser cauteloso quando se
atribuiu um diagnóstico de PICA em crianças com menos de 24 meses de idade.

Ruminação: pode ser observada em todas as idades, desde a infância até à idade adulta. Em
crianças, habitualmente começa entre os 3 e os 12 meses.

Prevalência

A prevalência é desconhecida para os 3 tipos. Comer seletivamente “Picky eating” é muito mais
comum, embora os números exatos, na população geral, sejam desconhecidos.

Curso

Hoarding: não existem dados publicados acerca do curso ao longo do tempo, no entanto, a
experiência clínica sugere que frequentemente resolve em semanas ou meses, quando a criança é
colocada num ambiente de cuidados adequado.

PICA pode ocorrer em crianças com desenvolvimento normal mas o fenómeno é mais comum em
crianças pequenas com debilidade intelectual ou autismo. O curso depende do grau de gravidade e pode
prolongar-se no tempo e levar a emergências médicas.

Ruminação: pode ser auto-limitada, mas pode prolongar-se no tempo levando a desnutrição
potencialmente fatal. Alguns casos têm curso episódico, outros casos são contínuos.

101
Fatores de risco e prognóstico

PICA: os fatores de risco principais são atraso de desenvolvimento, ausência de supervisão


parental e negligência. O prognóstico está relacionado com a presença destes fatores associados a
potenciais complicações médicas da ingestão de materiais não comestíveis.

Ruminação e Hoarding: os fatores de risco ambientais incluem negligência, ausência de


estimulação e relações pai-filho gravemente disfuncionais.

Características de diagnóstico relacionadas com a cultura

PICA: em algumas culturas, a ingestão de terra do solo faz parte de rituais espirituais e a criança
pequena pode imitar o adulto, neste caso, não há garantia de que seja um diagnóstico de PICA. Não há
dados publicados acerca de questões relacionadas com a cultura que possam pertencer a outros tipos de
comportamentos alimentares atípicos.

Características de diagnóstico relacionadas com o género

Pode ocorrer tanto em raparigas como rapazes, não há dados específicos para nenhum dos
comportamentos alimentares atípicos.

Diagnóstico diferencial

Hoarding: requer exclusão de fome.

PICA: se a PICA não for severa e estiverem preenchidos critérios para PEA, Debilidade Intelectual,
Esquizofrenia de início precoce ou Síndrome de Klein-Levin, o diagnóstico não está garantido.

Ruminação: condições médicas da infância como refluxo gastroesofágico, vómitos, estenose


pilórica, hérnia do hiato e Síndrome de Sandifer, necessitam de ser excluídos (por exame médico, Raio-X e
estudo analítico).

Comorbilidades

Hoarding: pode surgir em comorbilidade com a POC.

PICA: PEA, Debilidade Intelectual e Síndrome de Kleine-Levin são diagnósticos comuns em


comorbilidade com PICA. Também pode estar associado a Tricotilomania e Perturbação de Escoriação
Compulsiva.

Ruminação: perturbações do neurodesenvolvimento e debilidade intelectual são diagnósticos


comórbidos comuns.

Hoarding
DSM-5: Perturbação Alimentar ou da Alimentação Sem Outra Especificação

CID-10: Perturbação da alimentação da Primeira Infância (F98.2)

PICA
DSM-5: PICA

CID-10: PICA do Lactente e da Criança (F98.3)

102
Ruminação
DSM-5: Perturbação de Ruminação

CID-10: Perturbação de Ruminação da Infância (F98.21)

PERTURBAÇÃO DO CHORO DA PRIMEIRA INFÂNCIA

Introdução

Chorar é um sinal inato de sofrimento, físico ou emocional, essencial para a sobrevivência,


especialmente no período pré-verbal da vida, por isso, isoladamente, chorar não é uma perturbação. Pode
tornar-se um sintoma e uma razão para referenciar aos clínicos, quando a criança continua a chorar após
as suas necessidades alimentares, de proximidade física, segurança e regulação tiverem sido satisfeitas
pelos cuidadores.

Os livros de pediatria referem-se ao choro excessivo como “cólicas infantis” e descrevem-no como
um fenómeno benigno e auto-limitado. Apesar dos clínicos encontrarem casos severos de choro excessivo
persistente com impacto funcional significativo, a investigação divide-se e as descrições de caso são
praticamente inexistentes.

Perturbação do Choro Excessivo

Algoritmo de diagnóstico

Todos os critérios seguintes devem estar presentes.

A. O bebé/criança pequena chora, pelo menos, durante 3 horas por dia, em 3 ou mais dias da semana,
por pelo menos 3 semanas (“regra dos 3”).

B. O choro não é melhor explicado por uma condição médica (p.e. intolerância à lactose, refluxo
gastroesofágico).

C. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

103
Características do diagnóstico

O choro hiperfónico/disfónico e inconsolável, e a irritabilidade por longos períodos de tempo, são


as características principais desta perturbação. A perturbação começa tipicamente nos primeiros meses de
vida e continua para além das conhecidas cólicas dos primeiros 3 meses de vida do lactente. As crises de
choro são frequentemente acompanhadas por flexão dos joelhos, extremidades hiperbólicas, abdómen
inchado e face avermelhada.

Características associadas que apoiam o diagnóstico

Tipicamente, os pais descrevem a preferência das crianças pela posição vertical, recusando a
posição horizontal, bem como a dificuldade de acalmar a criança mesmo estando nos seus braços. Finais
da tarde e noite são piores que as manhãs. A situação cria, inevitavelmente, uma sobrecarga dos pais, cuja
forma de reagir depende dos mecanismos de coping e características individuais.

Características de desenvolvimento

A perturbação está ligada ao período pré-verbal do desenvolvimento e, mais especificamente, ao


primeiro ano de vida.

Prevalência

O choro excessivo nos primeiros 3 meses de idade ronda os 16%-29%, dependendo das
definições e métodos de avaliação.

Curso

O choro excessivo, que persiste para além dos 3 meses, tem a sua própria dinâmica: normalmente
acompanha-se de dificuldades de interação pais-criança, criando-se um ciclo vicioso. As noites podem
também tornar-se problemáticas. A longo prazo, estudos de follow-up de crianças acima dos 3 anos de
idade mostram desenvolvimento motor, cognitivo e social, normativos. A nível do comportamento, os
dados são controversos, sendo que, um prognóstico desfavorável parece ser mais evidente em estudos
conduzidos em amostras clínicas.

Fatores de risco e prognóstico

Baixa auto-estima parental, ausência de competências parentais intuitivas e psicopatologia


parental, são fatores de risco para a manutenção ou agravamento do choro excessivo durante os primeiros
3 meses de idade. São ainda fatores de risco para o desenvolvimento de uma relação pais-criança
seriamente perturbada, até ao ponto de abusos físicos (p.e. "síndrome de shaken baby”).

Características de diagnóstico relacionadas com a cultura

Até onde sabemos, não existem dados acerca do choro excessivo em países não ocidentais ou
diferentes grupos étnicos. Pode assumir-se, contudo, que o choro tem diferentes significados nas várias
culturas, o que provoca diferentes padrões de reposta, consoante os pais.

104
Características de diagnóstico relacionadas com o género

Estudos extensos não confirmaram a impressão clínica comum, de que os bebés do sexo
masculino são mais predispostos a ter choro excessivo.

Diagnóstico diferencial

Temperamento difícil, Perturbação do Processamento Sensorial, Depressão e Perturbação de


Privação devem ser descartados.

Comorbilidades

Perturbação de Hiper-reatividade Sensorial, perturbações do sono e Perturbação Específica da


Relação da Primeira Infância, podem ser comorbilidades da Perturbação de Choro Excessivo.

DSM-5: N/A

CID-10: Sintomas Não Específicos Peculiares da Infância (Choro Excessivo na Infância) (R68.11)

Outras Perturbações do Sono, Alimentação e Choro Excessivo da Primeira


Infância

Algoritmo de diagnóstico

Todos os critérios seguintes devem estar presentes.

A. O bebé/criança pequena tem um ou mais sintomas de perturbações do sono, alimentação e choro,


mas não preenche todos os critérios de diagnóstico.

B. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Especificar:
1. A perturbação que melhor explica os sintomas da criança.

2. Porque razão a criança não preenche todos os critérios.

Relacionado com a alimentação


DSM-5: Perturbação da Ingestão e Alimentação Sem Outra Especificação

105
CID-10: Outras Perturbações da Alimentação (F50.8)

Relacionado com o sono:


DSM-5: Perturbação do Sono-Despertar Sem Outra Especificação

CID-10: Outras Perturbações do Sono Não Orgânicas (F51.8)

Relacionado com o choro:


DSM-5: N/A

CID-10: Sintomas Não Específicos Peculiares da Infância (Choro Excessivo na Infância) (R68.11)

106
PERTURBAÇÕES DE PRIVAÇÃO, STRESS E TRAUMA

Introdução

A maioria das perturbações deste manual são definidas de forma descritiva sem relação com a
etiologia, no entanto, as perturbações desta secção são a exceção à regra geral, porque cada uma inclui
uma etiologia específica nos critérios de diagnóstico. Essencialmente, esta secção define comportamento
sintomático que deriva de (a) presença de stressores e traumas (no caso de Perturbação de Stress Pós-
Traumático e Perturbação de Ajustamento), (b) a ausência de estimulação necessária (no caso da
Perturbação Reativa de Vinculação e Perturbação de Envolvimento Social Desinibido), e (c) a perda da
relação com um cuidador principal (no caso da Perturbação do Luto Complicado da Primeira Infância).

Muitos dos comportamentos sintomáticos destas perturbações não são específicos (p.e. agressão,
irritabilidade, redução da expressão de emoções positivas) pelo que, ligar os comportamentos a uma
etiologia de perda, trauma ou privação, é essencial para um diagnóstico apropriado. Consequentemente, é
importante avaliar as perdas, stressores e traumas, na relação com o quadro clínico. No entanto, há
evidências abundantes de que nem todas as crianças pequenas expostas a stressores, traumas ou
privação irão desenvolver estes ou quaisquer outros sintomas. Assim, em crianças pequenas que foram
sujeitas a este tipo de exposição, é importante inquirir acerca dos sintomas específicos que estão a causar
dificuldades, em vez de assumir que a exposição implica uma perturbação.

Os sintomas específicos podem variar com a idade da criança sendo difícil identificar a maioria
destas perturbações no primeiro ano de vida. Por exemplo, a Perturbação Reativa de Vinculação e a
Perturbação de Envolvimento Social Desinibido não podem ser diagnosticadas até depois da criança ter
idade suficiente para ter criado uma vinculação focada. A Perturbação de Luto Complicado da Primeira
Infância também não pode ser diagnosticada antes de se ter idade para ter desenvolvido vinculação com o
cuidador. A Perturbação de Stress Pós-Traumático é difícil de identificar no primeiro ano de vida devido às
capacidades limitadas das crianças em transmitir os sintomas. A Perturbação de Ajustamento pode ocorrer
em qualquer idade e pode considerar-se quando se vêem sintomas, no primeiro ano de vida, que não são
explicados por outras perturbações desta secção, com a noção de que a expressão dos sintomas da
Perturbação de Ajustamento é limitada a 3 meses. Se os sintomas e o impacto resultantes do trauma,
stress, privação ou perda, se estenderem por mais de 3 meses e não preencherem critérios para outra
perturbação major desta secção, é mais apropriado um diagnóstico de Outra Perturbação Privação, Stress
ou Trauma da Primeira Infância.

Perturbação de Stress Pós-Traumático

Introdução

Apesar da exposição ao trauma poder levar a várias perturbações, a Perturbação de Stress Pós-
Traumático (PSPT) descreve uma constelação de sintomas em resposta a uma exposição traumática. Em

107
crianças pequenas, a PSPT requer sempre exposição prévia a eventos ou séries de eventos assustadores/
aterradores, como a exposição a abuso físico ou sexual, violência íntima ou na comunidade, desastres
naturais, conflitos armados, acidentes com veículos motorizados, procedimentos médicos assustadores ou
dolorosos ou eventos similares. A criança pequena pode vivenciar o evento diretamente, ser testemunha
direta ou ser confrontada com o evento que aconteceu a uma pessoa significativa da sua vida. A
característica principal consiste num conjunto de sinais que aparecem após a exposição. Em algumas
crianças predomina um quadro clínico de medo de uma re-experiência, especialmente em resposta a um
evento traumático direto. Um quadro de afastamento e responsividade reduzida predomina em outras
criança pequenas, especialmente as que estão expostas a circunstâncias traumáticas crónicas.

Algoritmo de diagnóstico

Para além da exposição a trauma especificada no critério A, os sintomas seguintes devem estar
presentes: pelo menos um sintoma do grupo B, pelo menos um sintoma do grupo C ou grupo D e pelo
menos dois sintomas do grupo E. Adicionalmente, as condições descritas no critério F também devem
estar presentes.

A. A criança pequena foi exposta a uma ameaça ou dano sérios, acidente, doença, trauma médico, perda
significativa, calamidade, violência ou abuso físico/sexual em uma ou mais das seguintes formas:

1. Vivência direta do evento traumático.

2. Ouvir ou ver, pessoalmente, o evento a acontecer com outros.

3. Saber que o evento traumático aconteceu a uma pessoa significativa da vida da criança pequena.

B. A criança pequena mostra evidência de re-experienciar o evento traumático através de pelo menos um
dos seguintes:

1. Jogo ou comportamento que encena alguns aspetos do trauma.

2. Preocupação com o evento traumático transmitida por afirmações ou questões repetidas acerca de
alguns aspetos do evento.

3. Aumento da frequência, após o evento traumático, de pesadelos repetidos, cujo conteúdo pode, ou
não, estar ligado ao evento traumático.

4. Sofrimento significativo quando se lembra do evento traumático.

5. Reações fisiológicas marcadas (p.e. suar, respiração ofegante, mudança de cor) ao se lembrar do
evento traumático.

6. Episódios dissociativos, com início após o evento traumático, nos quais a criança “congela”, fica
imóvel ou com olhar fixo e não responde aos estímulos do ambiente, durante alguns segundos ou
minutos, em resposta a uma lembrança do evento traumático.

C. A criança pequena tenta, de forma persistente, evitar estímulos relacionados com o trauma através de
esforços por evitar pessoas, lugares, atividades, conversas ou situações interpessoais que são lembranças
do trauma.

D. A criança pequena experimenta uma diminuição da capacidade de resposta emocional positiva, que
aparece ou se intensifica após o trauma e se revela por, pelo menos um, dos seguintes:

1. Aumento do isolamento social .

2. Redução da expressão de emoções positivas.

3. Marcada diminuição do interesse ou participação em atividades como brincar e interações sociais.

108
4. Aumento do medo ou tristeza.

E. Após um evento traumático, a criança pequena pode exibir início ou intensificação dos sinais de alerta,
como revelado por, pelo menos dois, dos seguintes:

1. Dificuldade em ir dormir, evidenciada por fortes protestos na hora de deitar, dificuldade em


adormecer ou despertares noturnos repetidos, não relacionados com pesadelos.

2. Dificuldades de concentração.

3. Hipervigilância.

4. Resposta de sobressalto exagerada.

5. Aumento da irritabilidade, explosões de raiva ou grande espalhafato, ou birras.

F. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança.

2. Interferem com os relacionamentos da criança.

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento.

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias.

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento.

Idade: o diagnóstico deve ser feito com precaução em crianças com menos de 12 meses de idade.

Duração: Os sintomas das categorias B-E devem estar presentes durante pelo menos um mês após a
exposição do critério A.

Características do diagnóstico

Após a exposição a um ou mais traumas, as categorias de sintomas que a criança pequena


experiencia são as mesmas que em crianças mais velhas e adultos, mas as manifestações dos sintomas
são diferentes. Nas crianças pequenas, os sintomas são expressos de maneira comportamental e não
através do relato de experiências internas. Por exemplo, a re-experiência pode ser mais frequentemente
expressa através do brincar, encenações ou pesadelos, do que por pensamentos intrusivos ou sensação
de um futuro curto. O evitamento também acontece mas parece ser menos comum do que em indivíduos
mais velhos, em parte devido à falta de controlo da criança sobre a exposição a lembranças assustadoras.
Além disso, algumas crianças traumatizadas parecem estar mais preocupadas com as lembranças do
trauma, do que com evitamento (p.e. criança pequena atacada por um cão que fala repetidamente sobre
cães após o ataque). Pensamentos ou emoções negativas podem ser expressos por aumento da
irritabilidade, inibição ou aparente distanciamento emocional.

Características associadas que apoiam o diagnóstico

O trauma pode ter muitos efeitos nas crianças, para além da PSPT. Efeitos comuns incluem
aparecimento de novos medos ou início de comportamentos agressivos. O comportamento opositivo é
uma característica frequente, assim como a ansiedade de separação. Comportamentos regressivos ou
perda de competências previamente adquiridas (p.e. treino de bacio) podem ser evidentes. Algumas
109
crianças pequenas com competências de linguagem expressiva em desenvolvimento podem manter estas
competências mas mostrar regressão seletiva quando se referem à experiência traumática.

Características de desenvolvimento

A PSPT tem sido descrita em crianças com idades tão precoces como 12 meses de idade.
Crianças com menos de 12 meses têm capacidades de representação limitadas, que podem ser
necessárias para re-experienciar e expressar o ocorrido. No primeiro ano de vida, os bebés podem tornar-
se sintomáticos após exposição a um evento traumático, mas têm menor probabilidade de manifestar
todos os sintomas de PSPT, do que crianças com mais de um ano de idade.

Prevalência

A PSPT é incomum em crianças pequenas, em exemplos da comunidade. As taxas de PSPT após


exposição ao trauma variam largamente entre vários estudos mas, no geral, apenas uma minoria das
crianças expostas a traumas sérios desenvolvem o diagnóstico. É provável que a PSPT seja sub-
diagnosticada em crianças pequenas porque a taxa de exposição a stressores major e trauma são muito
mais elevadas que o número de crianças que chegam aos serviços clínicos para avaliação e tratamento.

Curso

A limitada evidência disponível sugere que não há redução significativa da sintomatologia em


crianças durante os primeiros dois anos após a exposição ao trauma. O curso a longo prazo, na segunda
infância e adolescência, é desconhecido.

Fatores de risco e prognóstico

Alguns estudos atribuem fatores de vulnerabilidade para PSPT em crianças expostas a trauma. Um
fator que tem algum suporte preliminar é que a probabilidade de desenvolver PSPT após exposição a
trauma é superior se os cuidadores forem afetados pelo mesmo trauma. Estudos de vulnerabilidade
biológica, como polimorfismos genéticos, podem ser úteis na demonstração de risco, apesar destes
estudos serem difíceis de replicar. Um fundo ansioso parece aumentar o risco para PSPT entre indivíduos
traumatizados mais velhos, o que também pode ser verdade em crianças pequenas, apesar de não haver
evidência direta.

Características de diagnóstico relacionadas com a cultura

Não há diferenças culturais no quadro clínico em crianças, apesar da procura de ajuda, risco de
desenvolvimento e gravidade poderem ser afetados por crenças culturais. Entretanto, uma barreira
significativa ao tratamento é a crença, de vários cuidadores adultos, de que nos primeiros anos de vida, a
criança não é afetada por exposição a trauma ou que eles ultrapassaram os sintomas.

Características de diagnóstico relacionadas com o género

Não se identificaram diferenças de género, nas crianças pequenas.

110
Diagnóstico diferencial

O quadro clínico inclui sintomas específicos e não específicos. Os sintomas específicos consistem
no aparecimento repentino de angústia após a exposição a trauma e, especialmente, re-experienciar o
evento traumático, de várias formas. Sintomas não específicos são os afetos negativos, incluindo
irritabilidade, medo e retraimento emocional. O início ou intensificação dos sintomas após a exposição ao
trauma é necessário para preencher os critérios de diagnóstico. A Perturbação de Ajustamento é
apropriada se a criança sofreu um trauma e apresenta sintomas por menos de 3 meses, mas não preenche
critérios para PSPT. Para crianças pequenas que estão traumatizadas, não preenchem critérios de PSPT e
os sintomas se prolongam para além dos 3 meses, o diagnóstico de Outra Perturbação de Privação, Stress
ou Trauma, é apropriado.

Comorbilidades

O padrão de comorbilidade para a PSPT em crianças pequenas é um pouco diferente do que em


crianças mais velhas, adolescentes e adultos. O comportamento opositivo e ansiedade de separação são
especialmente comuns, principalmente em amostras clínicas. Em crianças pequenas sujeitas a maus-
tratos, os atrasos cognitivos, de linguagem e motores, são comuns.

DSM-5: Perturbação de Stress Pós-Traumático em Crianças com Idade Igual ou Inferior a 6 anos.

CID-10: Perturbação de Stress Pós-Traumático. (F43.10)

Perturbação de Ajustamento

Introdução

A Perturbação de Ajustamento descreve uma condição na qual um bebé/criança pequena


desenvolve sintomas em resposta a um ou mais stressores. Os stressores podem ser agudos, crónicos ou
circunstâncias que perduram no tempo, e o quadro sintomático tem menos de 3 meses de duração. O
diagnóstico de Perturbação de Ajustamento deve ser considerado em qualquer perturbação situacional
que não é melhor explicada por outra perturbação do Eixo I, que não se deve a uma exacerbação de uma
perturbação pré-existente e que não represente reações do desenvolvimento apropriadas a mudanças do
ambiente.

Algoritmo de diagnóstico

Todos os critérios seguintes devem estar presentes.

A. Ocorreu um ou mais stressores ambientais significativos e de novo.

B. Num período de até 2 semanas após exposição ao stressor, o bebé/criança pequena exibe uma
perturbação das emoções (p.e. irritabilidade, tristeza ou ansiedade) ou comportamentos (p.e. oposição,
resistência em ir dormir, birras frequentes ou regressão do desenvolvimento).

111
C. Os distúrbios emocionais ou de comportamento do critério B representam uma mudança clara nas
emoções ou comportamento habituais e são plausivelmente relacionáveis com o stressor.

D. As respostas sintomáticas ao stressor não são:

1. Melhor explicadas por outra perturbação do Eixo I.

2. Meramente uma exacerbação de uma perturbação pré-existente.

3. Reações de desenvolvimento apropriadas a mudanças no ambiente.

E. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Idade: Não existem especificações para a idade.

Duração: Os sintomas devem estar presentes por pelo menos 2 semanas e por menos de 3 meses, se o
stressor já não estiver presente.

Características do diagnóstico

As características especiais da Perturbação de Ajustamento requerem a identificação de um


stressor ambiental e uma resposta sintomática ao stressor ou circunstância, que não preencha critérios
para outra perturbação do Eixo I. Se o comportamento sintomático do bebé/criança pequena é melhor
explicado por outra perturbação, a Perturbação de Ajustamento fica descartada. A apresentação clínica
varia largamente entre distúrbios da regulação emocional (p.e. choro frequente), a perturbações da
regulação fisiológica (p.e. recusa em dormir), manifestações comportamentais (p.e. hiperatividade) ou
algumas combinações. O requisito de que os sintomas se manifestem por, pelo menos, 2 semanas é um
esforço para distinguir a perturbação de perturbações de desenvolvimento transitórias. A perturbação
limita a capacidade da criança pequena participar em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de
desenvolvimento e sua interação com adultos e pares.

Características associadas que apoiam o diagnóstico

Não existem características associadas à Perturbação de Ajustamento na criança pequenas


porque os sintomas são variáveis e inespecíficos.

Características do desenvolvimento

Os bebés têm um repertório de comportamentos mais estreito que as crianças pequenas e a forma
como expressam os sintomas é provavelmente mais limitada. Os bebés podem exibir sintomas como
distúrbios do sono, problemas alimentares, inibição social ou choro excessivo - todos devem estar abaixo
do limiar para as perturbações do Eixo I que envolva esses comportamentos. As crianças pequenas podem
112
exibir qualquer um destes sintomas e ainda outros como hiperatividade, comportamento opositivo ou
agressão.

Prevalência

A prevalência da Perturbação de Ajustamento em bebés/crianças pequenas não é conhecida mas


acredita-se que é comum.

Curso

A Perturbação de Ajustamento é frequentemente limitada, apesar de não existirem limites definidos


em bebés/crianças pequenas. A escassez de dados longitudinais acerca da história natural da Perturbação
de Ajustamento não deixa claro como descrever o seu curso.

Fatores de risco e prognóstico

Os fatores de risco individuais parecem variar dependendo do tipo de stressor ambiental ou


circunstância. Apesar dos stressores significativos poderem ocorrer ao longo dos vários contextos
ambientais, os bebés/crianças pequenas, que vivem em ambientes de elevado risco, têm risco mais
elevado para Perturbação de Ajustamento.

Características de diagnóstico relacionadas com a cultura

As diferenças culturais na sintomatologia psiquiátrica e o significado atribuído ao comportamento e


expressão das emoções estão bem documentados em indivíduos mais velhos, mas não estão bem
estudados em bebés/crianças mais velhas. Os clínicos devem avaliar a apresentação clínica no contexto
da cultura do bebé/criança pequena para ter uma referência acerca das respostas adaptativas versus mal-
adaptativas e para determinar se a resposta é excessiva.

Características de diagnóstico relacionadas com o género

Não existem diferenças entre os rapazes e as raparigas.

Diagnóstico diferencial

A Perturbação de Ajustamento define comportamentos sintomáticos do bebé/criança pequena que


não são melhor explicados por outra perturbação do Eixo I. Os stressores são omnipresentes e a presença
de comportamento sintomático no contexto de um stressor agudo ou crónico, ou circunstâncias
ambientais mais duradouras, não implica necessariamente a presença de uma Perturbação de
Ajustamento. Se o stressor não contou para a resposta sintomática, como quando os stressores ou
traumas exacerbam perturbações pré-existentes, a Perturbação de Ajustamento não é diagnosticada. Além
disso, se o bebé/criança pequena foi exposto a trauma e desenvolve uma PSPT, descarta-se a Perturbação
de Ajustamento. Da mesma forma, se o bebé/criança pequena sofreu uma perda significativa e manifesta
Luto Complicado da Primeira Infância, também se descarta a Perturbação de Ajustamento. A Perturbação
de Ajustamento pode ser apropriada para manifestações subliminares destas perturbações, como quando
o bebé/criança pequena está traumatizado, sintomático e em sofrimento, mas não preenche todos os
critérios para PSPT.

113
Comorbilidades

A Perturbação de Ajustamento pode ser acompanhada por outra perturbação ou condição médica,
mas deve incluir sintomas que não contribuam para a perturbação comórbida. A comorbilidade da
Perturbação de Ajustamento com outra perturbação do Eixo I deve ser distinguida da exacerbação de uma
condição pré-existente. Por exemplo, uma criança pequena com PHDA pode tornar-se mais medrosa e
irritável após um acidente de automóvel. Se a criança pequena não preenche os critérios para PSPT, a
Perturbação de Ajustamento deve ser considerada.

DSM-5: Perturbação de Ajustamento

CID-10: Perturbação de Ajustamento Não especificada (F43.20)

Eixo I: Perturbações Clínicas | Perturbações de Privação, Stress e Trauma

Perturbação de Luto Complicado da Primeira Infância

Introdução

A morte ou perda permanente de uma figura de vinculação representa um stressor emocional


severo para uma criança pequena. As crianças pequenas ainda não têm desenvolvida a noção da
irreversibilidade da morte, nem a natureza involuntária da maioria das mortes, pelo que o seu esforço para
atribuir um significado à ausência dos entes queridos reflete as suas capacidades cognitivas e as
limitações do seu estadio de desenvolvimento. Nos bebés, o sofrimento emocional e as manifestações
somáticas - como os distúrbios da alimentação, sono e processos digestivos - predominam. As crianças
pequenas constroem explicações para a morte que podem envolver auto-atribuições, como serem os
culpados da morte da figura de vinculação por causa da sua raiva ou seu comportamento. A dificuldade da
criança pequena em criar uma compreensão da morte baseada na realidade, pode resultar em crenças
patológicas que têm um efeito deletério na trajetória de desenvolvimento saudável da criança. As
circunstâncias da morte e a disponibilidade de figuras de vinculação alternativas consistentes e que dêem
suporte, são fatores importantes na determinação do curso do processo de luto na criança pequena. A
maioria das crianças conseguem tolerar o seu intenso sofrimento criando uma explicação para a morte,
apropriada ao desenvolvimento. Entretanto redirecionam a sua vinculação para adultos substitutos quando,
durante o processo, são apoiados pelos cuidadores principais restantes. A categoria de Perturbação de
Luto Complicado da Primeira Infância aplica-se a bebés/crianças pequenas que mostram um impacto
funcional pervasivo após a morte, que permanece por pelo menos 30 dias e interfere com as atividades do
desenvolvimento normativo.

Algoritmo de diagnóstico

Todos os seguintes critérios devem estar presentes.

A. Após a morte ou perda permanente de uma figura de vinculação, o bebé/criança pequena exibe, pelo
menos, dois dos seguintes sintomas:

114
1. O bebé/criança pequena chora, chama ou procura, de forma persistente, a pessoa perdida.

2. Quando se depara com lembranças da perda, o bebé/criança pequena mostra qualquer um dos
seguintes:

(a) Distanciamento, incluindo aparente indiferença perante recordações do cuidador, como uma
fotografia ou menção do nome do cuidador.

(b) “Esquecimento” seletivo incluindo aparente ausência de reconhecimento de fotografias ou outras


recordações da pessoa perdida.

(c) Extrema sensibilidade a qualquer recordação da pessoa perdida incluindo stress agudo quando
um objeto que pertencia à pessoa perdida é tocado por outra pessoa ou levado por alguém.

(d) Uma forte reação emocional perante qualquer tema relacionado com a separação e a perda - por
exemplo, recusa em jogar às escondidas, desatar a chorar quando um objeto doméstico é
colocado num local diferente do habitual, intensa angústia de separação ou preocupação
persistente com o paradeiro dos outros.

3. Preocupação persistente com a possibilidade da sua morte ou morte de outros, tal como qualquer
um dos seguintes:

(a) Questões repetitivas acerca da morte (“Vou morrer?” “Vais morrer?”).

(b) Afirmações acerca do desejo de morrer (“Eu também quero morrer”) ou encenações de morte
durante o jogo.

(c) Falar repetidamente acerca da perda do cuidador, com estranhos.

B. A reação do bebé/criança pequena à perda inclui três ou mais dos seguintes:

1. Fadiga ou perda de energia

2. Afetos deprimidos ou expressão facial triste

3. Ausência de interesse em atividades apropriadas à idade

4. Comportamentos auto-lesivos ou colocar-se em perigo

5. Afirmações que denotam culpa ou auto-responsabilização pela perda (p.e. “sou mau”; “eu matei-a”)

6. Mudanças significativas no sono

7. Mudanças significativas na alimentação/ingestão alimentar

8. Perda de marcos de desenvolvimento já adquiridos

C. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Idade: Não se especifica nenhum mínimo de idade mas o diagnóstico deve ser feito com precaução em
bebés com menos de 9 meses de idade (a idade de desenvolvimento na qual a vinculação a uma figura
preferida deve estar claramente estabelecida).

115
Duração: Os sintomas devem estar presentes durante a maior parte dos dias por, pelo menos, 30 dias.

Especificar:
1. Se o bebé/criança pequena estava presente durante o evento que levou à morte.

2. Se o bebé/criança pequena foi exposto a informação acerca das circunstâncias da morte.

Características do diagnóstico

A Perturbação de Luto Complicado da Primeira Infância é diagnosticada apenas se os sintomas


descritos previamente estiverem presentes durante a maior parte dos dias por pelo menos 30 dias. O
padrão de pervasividade e persistência diferencia este diagnóstico, de padrões de luto normativos, no
bebé/criança pequena, que podem ser caracterizados por sofrimento intenso, preocupação com o
paradeiro da pessoa que morreu ou outras manifestações de luto que geralmente são circunscritas, em
duração, e não interferem significativamente com o desenvolvimento e funcionamento diário da criança. A
natureza e gravidade do luto devem exceder as normas expectáveis para o estádio de desenvolvimento e
grupo cultural da criança, e devem causar-lhe sofrimento.

Características associadas que apoiam o diagnóstico

A morte de uma figura de vinculação pode ter outros efeitos para além de luto complicado. O
bebé/criança pequena pode ficar com medo de se vincular a outros adultos por receio de que estes
também possam morrer; pode evitar atividades por medo de se magoar ou morrer; e podem mostrar
interesse reduzido em explorar, aprender e resolver problemas. O contrário também pode acontecer, com a
criança pequena a tornar-se muito solícita em relação ao bem-estar dos cuidadores por receio da
segurança destes. A ansiedade de separação é habitualmente exacerbada após a perda ou separação
permanente de uma figura de vinculação.

Características do desenvolvimento

Não existem estudos sistemáticos acerca do curso do luto em bebés/crianças pequenas com
menos de 3 anos de idade e existem muito poucos estudos que envolvam crianças em idade pré-escolar.
Bebés no primeiro ano de vida podem sofrer angústia intensa por separação ou perda da figura de
vinculação, que expressam através do choro, incapacidade de se acalmarem, distúrbios do sono e
indiferença. As crianças pequenas podem desenvolver auto-atribuições acerca da causa da morte,
preocupações com a morte e morrer, preocupação acerca de terem causado a morte, pensamentos
negativos como desejar morrer para se juntarem à figura de vinculação e raiva ou vinculação ambivalente
envolvendo cuidadores substitutos.

Prevalência

Não há dados disponíveis acerca da prevalência da Perturbação de Luto Complicado da Primeira


Infância.

Curso

O curso a longo prazo não é conhecido.

116
Fatores de risco e prognóstico

A experiência clínica sugere que os bebés/crianças pequenas que, apesar da perda, têm uma
figura de vinculação alternativa viva, têm menor probabilidade de desenvolver uma perturbação, do que os
que perderam a sua única figura de vinculação conhecida. Existem indicações de que as crianças que
perdem uma figura de vinculação na primeira infância são mais propensas a reagir com depressão, um dia
mais tarde, após perda de uma pessoa amada.

Características de diagnóstico relacionadas com a cultura

Não existem estudos em que sejam que abordem as diferenças culturais na manifestação da
Perturbação do Luto Complicado da Primeira Infância em bebés/crianças pequenas. Um obstáculo
significativo a estes estudos é a crença pervasiva, entre as várias culturas, de que a criança vai esquecer a
pessoa que morreu, se esta não for mencionada e se as lembranças dela forem removidas do ambiente
diário da criança.

Características de diagnóstico relacionadas com o género

Não foram identificadas diferenças de género para esta perturbação, nos bebés/crianças
pequenas.

Diagnóstico diferencial

O quadro clínico da Perturbação de Luto Complicado da Primeira Infância inclui sintomas


específicos e não específicos. Os sintomas específicos consistem no aparecimento súbito de angústia
após a a perda, como descrito nos critérios da perturbação. Os sintomas não específicos incluem afetos
negativos como tristeza pervasiva, irritabilidade, medo e retraimento emocional. O início ou intensificação
dos sintomas, após a morte ou perda permanente, é necessário para preencher os critérios de diagnóstico.
Um diagnóstico de Perturbação de Ajustamento envolve primariamente um comportamento emocional não
específico, a um evento traumático ou stressante, mesmo sem sintomas que envolvam preocupação com
perda ou morte.

Comorbilidades

Não existem estudos que documentem comorbilidades. Algumas características de Perturbação de


Ansiedade Generalizada e Perturbação Depressiva da Primeira Infância, têm sido observadas clinicamente.

DSM-5: Perturbação Relacionada com Trauma e Fatores de Stress com Outra Especificação (Perturbação
de Luto Complicado Persistente)

CID-10: Outras Reações ao Stress Grave (F43.8)

117
Perturbação Reativa de Vinculação

Introdução

A Perturbação Reativa de Vinculação descreve uma condição em que a criança pequena não tem
uma figura de vinculação, apesar de ter capacidade de formar uma relação de vinculação. O bebé nasce
com uma forte propensão para formar vínculos com os adultos cuidadores. Geralmente é isso que
acontece, exceto em circunstâncias inusuais, em que o bebé não tem interação social suficiente com os
cuidadores. As manifestações da perturbação incluem tanto a ausência de comportamentos de vinculação,
como uma capacidade de resposta social e emocional aberrantes. A perturbação é diagnosticada por uma
história detalhada e observação dos comportamentos da criança durante a avaliação clínica. Não há testes
ou procedimentos específicos para confirmar ou suportar o diagnóstico.

Algoritmo de diagnóstico

Todos os critérios seguintes devem estar presentes.

A. Ausência de vinculação, a qualquer cuidador adulto, que se manifesta como:

1. Um padrão de retraimento emocional e comportamento inibido, com adultos cuidadores, que é


caracterizado por pelo menos dois dos seguintes:

(b) Ausência ou interesse significativamente reduzido em estabelecer contacto social com outros.

(c) Ausência ou interesse significativamente reduzido na procura de conforto, adequado ao nível de


desenvolvimento, quando a criança está em sofrimento,

(d) Ausência ou interesse significativamente reduzido nas respostas ao conforto, quando oferecido.

(e) Ausência ou interesse significativamente reduzido na reciprocidade social com cuidadores


adultos.

2. Um padrão de dificuldades de regulação emocional caracterizado por ausência ou redução de


afetos positivos e episódios de medo ou irritabilidade/raiva excessivos e inexplicados, com os
cuidadores.

B. A ausência de uma figura de vinculação resulta de falta de cuidados (negligência social e emocional) ou
mudanças repetidas nos cuidadores, que limitam aptidão do bebé/criança pequena para formar laços
de vinculação, resultando nos comportamentos anómalos descritos no critério A1.

C. Não se preenchem critérios para Perturbação do Espectro do Autismo ou Perturbação do Espectro do


Autismo Atípica Precoce.

D. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

118
Idade: A perturbação pode não ser diagnosticável em bebés com com idade de desenvolvimento inferior a
9 meses

Duração: Não existe um mínimo de duração necessário.

Características do diagnóstico

A essência desta perturbação é a ausência de vinculação, a qualquer adulto cuidador, por parte do
bebé/criança pequena que sofreu grave negligência social. A criança deve ser suficientemente crescida
para poder desenvolver uma vinculação seletiva - isto é, ter uma idade cognitiva de, pelo menos, 9 meses.
A ausência de comportamentos de vinculação como procura de conforto, suporte, nutrição e proteção,
também é evidente pela ausência de prudência em relação a estranhos e ausência de protestos perante a
separação. Além disso a criança demonstra ausência ou reduzida reciprocidade social durante as
interações, e distúrbios de regulação emocional, que incluem emoções positivas reduzidas e episódios de
medo, irritabilidade ou tristeza.

Características associadas que apoiam o diagnóstico

A perturbação limita seriamente a capacidade da criança procurar e obter conforto perante o


sofrimento e de desfrutar da interação social com pares e adultos. Uma vez que as crianças com
Perturbação Reactiva de Vinculação passaram por negligência social, também manifestam, com
frequência, outros problemas como atrasos cognitivos, motores ou de linguagem, estereotipias e atrasos
de crescimento incluindo peso, altura e perímetro cefálico.

Características do desenvolvimento

Depois da criança atingir uma idade cognitiva de 9 meses, é suposto mostrar preferências por um
número de cuidadores relativamente pequeno. A procura de comportamentos de proximidade, em crianças
mais velhas, pode incluir gatinhar ou dirigir-se a um cuidador, agarrar-se, sorrir ou chorar para obter
proximidade física, inclinar-se para estabelecer contacto e outros comportamentos similares. À medida que
as crianças crescem, muitos destes comportamentos persistem, mas o verbal também é utilizado para
promover a proximidade e expressar a necessidade de conforto. Tendo em mente as diferenças na forma
como os comportamentos de vinculação são expressos desde os 9 meses, até aos 5 anos de idade, as
manifestações essenciais da Perturbação Reactiva de Vinculação são semelhantes, ao longo deste
período.

Prevalência

A perturbação é rara. Em amostras da comunidade não é habitual detetar-se. Mesmo em amostras


de alto risco de crianças que experienciaram negligência social ou que cresceram em instituições, a
maioria não manifesta Perturbação Reactiva de Vinculação.

Curso

Os dados disponíveis são limitados e sugerem que se as condições de privação persistirem, as


crianças continuam a manifestar sinais de Perturbação Reativa de Vinculação. A perturbação é bastante
119
responsiva a ambientes de cuidados adequados e, com base em estudos com crianças colocadas em
famílias de acolhimento ou adotadas (retiradas das instituições de privação), os sinais da perturbação
diminuem em semanas após a remoção do ambiente de negligência e colocação em ambientes
adequados.

Fatores de risco e prognóstico

Apesar de que uma minoria dos bebés/crianças pequenas expostas a negligência social severa irá
desenvolver uma Perturbação Reativa de Vinculação, muito pouco se sabe acerca do porquê de algumas
crianças a manifestarem e outras não. Parece ser necessário que exista negligência nos primeiros anos de
vida, possivelmente até antes das primeiras formas de vinculação, mas os estudos são limitados neste
ponto. Nos primeiros 3 anos de vida, não parece importar em que altura a criança é removida do ambiente
negligente porque os sinais da perturbação diminuem ou desaparecem rapidamente, independentemente
da idade da criança. O que está menos claro é se, quando a perturbação já não parece estar presente, a
criança se encontra em risco de problemas subsequentes nas relações e vinculações. Dada a importância
da vinculação no desenvolvimento social e emocional, a Perturbação Reativa de Vinculação deve ser
considerada uma emergência do desenvolvimento. Assim, o desenvolvimento de todos os esforços para
colocar crianças pequenas, com sinais desta perturbação, em ambientes de cuidado adequados (ou
melhores), deve ser uma prioridade urgente.

Características de diagnóstico relacionadas com a cultura

Neste momento os dados são muito limitados, pelo que se desconhecem diferenças culturais na
prevalência, curso ou apresentação clínica.

Características de diagnóstico relacionadas com o género

Não existem diferenças relacionadas com o género.

Diagnóstico diferencial

Tanto a PEA como a PEAAP envolvem comportamentos sociais aberrantes, fraca expressão de
emoções positivas, atrasos cognitivos e de linguagem e impacto na reciprocidade social. Para além disso,
ambas perturbações podem estar associadas a atrasos de desenvolvimento e estereotipias motoras. Estas
perturbações devem ser descartadas antes de fazer um diagnóstico de Perturbação Reativa de Vinculação.

Apesar de existirem amplas semelhanças, a Perturbação Reativa de Vinculação difere destas


perturbações de neurodesenvolvimento. Em primeiro lugar, a PEA e PEAAP não devem, por norma,
envolver uma história de negligência. Em segundo lugar, os comportamentos restritivos e repetitivos,
excessiva adesão a rituais e rotinas, interesses fixos e restritos, e reações sensoriais fora do comum, não
devem estar presentes na Perturbação Reativa de Vinculação. Em terceiro lugar, apesar da Perturbação
Reativa de Vinculação poder cursar com atrasos de desenvolvimento, tanto a PEA como a PEAAP
envolvem atrasos seletivos na comunicação social (como na intenção comunicativa) e jogo de “faz de
conta”, que têm maior impacto que o seu funcionamento intelectual global. Por outro lado, as crianças com
Perturbação Reativa de Vinculação devem ter competências de comunicação social que são comparáveis
aos seu nível de funcionamento cognitivo global. Finalmente, a investigação tem demonstrado que crianças
120
com PEA frequentemente demonstram comportamentos de vinculação, enquanto as crianças com
Perturbação Reativa de Vinculação apenas o fazem raramente ou de forma inconsistente.

Crianças pequenas com debilidade intelectual podem partilhar um perfil de atraso cognitivo, de
competências motoras e marcos de desenvolvimento, com crianças com Perturbação Reativa de
Vinculação. Mesmo assim, não há razão para se esperarem comportamentos emocionais/sociais e
capacidade de resposta anormais em crianças com debilidade intelectual. A vinculação aos cuidadores
adultos deve ocorrer ao se atingirem os 7-9 meses de idade. As crianças com Perturbação Reativa de
Vinculação podem mostrar impacto seletivo nas respostas sociais e emocionais e uma ausência de
vinculações preferidas, apesar de terem atingido uma idade cognitiva de, pelo menos, 9 meses de idade.

A Depressão e a Perturbação Reativa de Vinculação, em crianças pequenas, estão ambas


associadas a reduções do afeto positivo e anedonia. No entanto, não há razão para esperar que a
depressão, por si só, leve a inibição de comportamentos de vinculação. Crianças com diagnóstico de
Perturbação Depressiva devem procurar e responder a esforços de conforto pelos cuidadores, apesar dos
dados disponíveis serem limitados.

Comorbilidades

A Perturbação Reativa de Vinculação ocorre, com frequência, em comorbilidade com atrasos


cognitivos e de linguagem (expressiva e recetiva). Atrasos motores acontecem às vezes, tal como
anomalias motoras, como estereotipias ou problemas com o balanço e coordenação. Altura, peso e
perímetro cefálico são, por vezes, reduzidos, podendo ocorrer desnutrição se a negligência física também
estiver presente. Frequentemente, os sintomas de depressão são evidentes.

DSM-5: Perturbação Reativa de Vinculação

CID-10: Perturbação Reativa de Vinculação (F94.1)

Perturbação de Envolvimento Social Desinibido

Introdução

A Perturbação de Envolvimento Social Desinibido define um padrão de comportamento social


aberrante com adultos desconhecidos, em bebés/crianças pequenas que passaram por negligência social
séria. É caracterizada por ausência ou redução do receio de se aproximar e envolver com adultos não
familiares. Nas crianças com desenvolvimento típico, a cautela com estranhos aparece perto do final do
primeiro ano de vida e continua a ser evidente, em vários graus, ao longo do segundo e terceiro ano, com
declínio gradual na idade pré-escolar. Na Perturbação de Envolvimento Social Desinibido, não existe ou
quase não existe angústia ao estranho, de facto, existe uma procura ativa de contato e interação com
adultos desconhecidos. Apesar de, historicamente, ser considerada uma perturbação de vinculação, a
Perturbação de Envolvimento Social Desinibido pode ocorrer em bebés/crianças que não têm vinculação
com ninguém ou em bebés/crianças que têm vinculações estabelecidas. Esta perturbação é diagnosticada

121
por observação e história detalhada dos comportamentos da criança durante a avaliação clínica. Não
existem testes específicos ou procedimentos indicados para confirmar ou suportar o diagnóstico.

Algoritmo de diagnóstico

Todos os critérios seguintes devem estar presentes.

A. Tendência recorrente a aproximar-se e interagir com adultos não familiares, sem se apresentarem
reticentes, como manifestado por pelo menos dois dos seguintes:

6. Vontade reiterada de ir com cuidadores adultos desconhecidos, sem hesitação.

7. Tendência repetida em envolver-se em interações físicas intrusivas (p.e. tocar, abraçar) ou verbais
(p.e. perguntar questões demasiado íntimas) que são inapropriadas à idade, com adultos estranhos.

8. Tendência repetida em deixar de estar atento à presença do adulto cuidador em contextos não
familiares monitorizado, olhando para trás ou ficando perto.

B. Desinibição social com adultos, que é distinta de impulsividade (p.e. pensar antes de agir) e que viola
as normas de desenvolvimento culturalmente aceites.

C. O bebé/criança pequena experienciou cuidados insuficientes (negligência social e emocional) ou


mudanças de cuidador repetidas, que limitam a capacidade da criança formar vínculos. Os cuidados
insuficientes parecem levar aos comportamentos anómalos descritos no critério A.

D. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Idade: A perturbação pode não ser diagnosticável em bebés com com idade de desenvolvimento inferior a
9 meses e deve ser diagnosticada com precaução antes dos 12 meses de idade.

Duração: Não existem um mínimo de duração necessário.

Especificar:
1. Se o bebé/criança pequena não tem uma vinculação completamente formada.

Características do diagnóstico

A essência desta perturbação é a ausência do receio em se aproximar ativamente e se envolver


socialmente com adultos desconhecidos, após grave negligência social, no ambiente de cuidados. A
criança deve ter idade suficiente para desenvolver angústia ao estranho, isto é, ter uma idade cognitiva de,
pelo menos, 9 meses. O envolvimento social mostrado por estas crianças é descrito como “hiperfamiliar” e
frequentemente sentido como intrusivo e indesejado. A criança exibe um padrão de violação dos limites
sociais através de toque físico excessivo e questões verbalmente intrusivas.

122
Características associadas que apoiam o diagnóstico

A perturbação pode limitar seriamente a qualidade das relações com outras pessoas importantes.
Os cuidadores podem descrever a criança como emocionalmente superficial ou como procura de atenção
constante. Existe a possibilidade de se colocarem em perigo, por não se manterem fisicamente próximas
às figuras de vinculação em ambientes estranhos, ou indo de boa vontade com adultos desconhecidos.
Uma vez que as crianças pequenas com Perturbação de Envolvimento Social Desinibido sofreram
negligência social, habitualmente também manifestam outros problemas como atrasos motores, cognitivos
e de linguagem, estereotipias e atrasos de crescimento incluindo altura, peso e perímetro cefálico.

Características do desenvolvimento

Após a criança atingir uma idade cognitiva de 9 meses, é esperado que mostre preferência por um
número relativamente pequeno de adultos cuidadores. Um comportamento que prevê o início de uma
vinculação focada é a angústia ao estranho. Após um período de elevado interesse na interação social com
qualquer pessoa, habitualmente evidente dos 2-7 meses, os bebés começam a reagir com angústia ou,
pelo menos hesitação, a adultos estranhos, aos 7-9 meses. A perturbação será mais evidente quando a
criança pequena for capaz de se aproximar livremente e ir com adultos estranhos, pelo que o diagnóstico
deve ser feito com precaução antes dos 12 meses de idade.

Prevalência

A perturbação é rara. Em exemplos comunitários não é habitualmente reportada. Mesmo em


amostras de alto risco, crianças pequenas que sofreram negligência social ou que cresceram em
instituições impessoais, a maioria não manifesta esta perturbação.

Curso

Os dados disponíveis são limitados e sugerem que, se as condições de privação persistirem, as


crianças pequenas continuam a manter sinais de Perturbação de Envolvimento Social Desinibido. A
perturbação nem sempre responde a ambientes de cuidado adequados. De facto, em crianças adotadas,
retiradas das condições sociais e emocionais de privação, o comportamento indiscriminado é uma das
anomalias mais persistentes. Existe evidência sugestiva de que, quanto mais cedo a criança for colocada
num ambiente adequado, mais provável é que os sinais da perturbação diminuam. Outras razões para a
persistência ou redução estão menos claros.

Fatores de risco e prognóstico

Apesar de apenas uma minoria dos bebés/crianças pequenas expostas a negligência social severa
desenvolver Perturbação de Envolvimento Social Desinibido, pouco se sabe acerca de porque é que alguns
desenvolvem a perturbação e outros não. Parece ser necessário que exista negligência nos primeiros anos
de vida, talvez mesmo antes da primeira forma de vinculação, mas os estudos são limitados a este nível.
No presente, não existe evidência clara de que uma privação após o segundo ano de vida leve a esta
perturbação, mas também nisto, a evidência é limitada.

123
Características de diagnóstico relacionadas com a cultura

Os dados são demasiado limitados para perceber diferenças na prevalência, curso ou


apresentação clínica.

Características de diagnóstico relacionadas com o género

Não existem diferenças relacionadas com o género.

Diagnóstico diferencial

O primeiro desafio consiste em determinar se a criança é muito sociável ou realmente


indiscriminada. Algumas crianças têm um temperamento que predispõe à aproximação e envolvimento
com outros, pelo que é importante fazer esta distinção. Em contextos mais estranhos, é expectável que a
criança esteja menos disponível para vaguear ou se aproximar de adultos desconhecidos, assim, as
demonstrações de envolvimento social desinibido são mais indicativas nestes casos, do que quando
acontecem em contexto familiar. Quanto mais intrusivos e desagradáveis forem as aproximações sociais da
criança, mais provável é que sejam sinais de Perturbação de Envolvimento Social Desinibido. Mesmo
assim, é importante determinar se os comportamentos têm impacto funcional na criança, para confirmar o
diagnóstico.

Crianças pequenas com PHDA demonstram impulsividade que se pode estender às interações
sociais. Uma avaliação cuidada deve tentar perceber se a impulsividade da criança inclui desinibição
cognitiva (p.e. problemas de controlo inibitório), comportamental (p.e. correr na rua sem olhar) ou social
(p.e. pedir para sentar no colo de um adulto desconhecido). Não é expectável uma impulsividade não
social nas crianças pequenas com Perturbação de Envolvimento Social Desinibido, no entanto, esta pode
ocorrer com a PHDA.

Criança pequenas com debilidade intelectual também podem exibir alguns aspetos de
comportamento indiscriminado, talvez por terem reduzida noção dos limites sociais. Se a Perturbação de
Envolvimento Social Desinibido estiver presente, as violações dos limites sociais devem estar fora das
proporções normais para o nível de desenvolvimento.

Comorbilidades

A Perturbação de Envolvimento Social Desinibido pode ocorrer concomitantemente com outros


problemas que resultem de privação, incluindo atrasos cognitivos e de linguagem, atrasos motores,
estereotipias, problemas com o balanço e coordenação, problemas de crescimento e PHDA. Para além
disso, sinais de problemas externalizantes, incluindo agressão, podem também estar presentes.

DSM-5: Perturbação de Envolvimento Social Desinibido

CID-10: Perturbação de Envolvimento Social Desinibido da Infância (F94.2)

124
Outra Perturbação de Privação, Stress e Trauma da Primeira Infância

Algoritmo de diagnóstico

Todos os critérios seguintes devem estar presentes.

A. O bebé/criança pequena tem um ou mais sintomas de trauma, stress ou perturbação de privação mas
não preenche todos os critérios para o diagnóstico.

B. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Especificar:
1. A perturbação que melhor explica os sintomas do bebé/criança pequena.

2. O porquê do bebé/criança pequena não preencher todos os critérios.

DSM-5: Perturbação Relacionada com Trauma e Fatores de Stress Não Especificada

CID-10: Reação a Stress Severo, não especificado (F43.9)

125
PERTURBAÇÕES DA RELAÇÃO

Introdução

Historicamente, a psiquiatria e a medicina definiram as perturbações como estando “dentro” do


indivíduo. Implícita nesta tradição está a expectativa de que o comportamento sintomático se irá expressar
em todos os contextos e relações. Apesar de haver algumas variações na intensidade da expressão dos
sintomas, a perturbação está “dentro” do indivíduo e, por isso, os sintomas são específicos dos indivíduos
e expressam-se de forma semelhante ao longo de todos os contextos e relações.

A investigação das relações entre bebés/crianças pequenas e os seus cuidadores tem


demonstrado que os comportamentos das crianças podem divergir sistematicamente, com diferentes
cuidadores. Pelo final do primeiro ano de vida, eles podem demonstrar padrões distintos e algo estáveis de
interação com diferentes cuidadores. Para além disso, os paradigmas de investigação identificaram
comportamentos “depressivos”, em crianças tão pequenas como 3 meses de idade, mas parece que estes
comportamentos depressivos são específicos da relação. Existem também numerosos estudos de caso de
comportamentos sintomáticos no contexto da relação com um cuidador, que não se generalizam a outras
relações.

A Perturbação Específica da Relação da Primeira Infância descreve sintomas comportamentais que


são limitados a um ambiente de cuidado. Não existe especificação para os comportamentos que a criança
apresenta, mas apenas que estes comportamentos são evidentes numa, mas não em outras relações e
causam impacto no funcionamento. Se estes comportamentos forem evidentes em mais do que um
contexto, a perturbação não pode ser diagnosticada. Uma vez que se trata de um novo diagnóstico, com
validação empírica direta ainda em desenvolvimento, a perturbação é definida de forma conservadora, é
considerada apenas se houver evidência de que os sintomas estão presentes em um, mas não em outros
contextos. Por exemplo, se uma criança se recusa a dormir em casa (com impacto funcional) e também
não dorme em outros contextos, à noite, é mais apropriado o diagnóstico de Perturbação de Insónia Inicial.
Se a criança se recusa a dormir na casa dos avós, onde costuma dormir várias vezes por semana, então a
recusa em dormir em casa preenche critérios para Perturbação Específica da Relação da Primeira Infância.

Existe forte evidência de que as crianças com comportamentos de vinculação desorganizada na


situação do estranho estão em risco de psicopatologia concomitante e subsequente, tal como
comportamentos desregulados e disruptivos. Apesar de tudo, a classificação de vinculação desorganizada,
que é identificada com base no comportamento da criança, num procedimento laboratorial de 20 minutos,
não é, por si só, indicativa de uma perturbação. O diagnóstico de uma perturbação da relação requere
evidência de um distúrbio emocional ou comportamental e impacto funcional. Assim, muitas crianças com
uma perturbação da relação terão vinculações desorganizadas, mas outras não. Por outro lado, crianças
com vinculação desorganizada podem ou não ter uma Perturbação da Relação.

Uma vez que o Eixo II é designado para caracterizar o contexto relacional da criança, é necessário
clarificar de que forma este eixo e a Perturbação Específica da Relação se relacionam. Em particular, a
Parte A: Relação de Adaptação entre Cuidador-Bebé/Criança do Eixo II, é mais relevante para a
Perturbação Específica da Relação da Primeira Infância do Eixo I. Em primeiro lugar, apenas as crianças

126
que preenchem critérios para a perturbação do Eixo I (sintomas com impacto funcional limitados a um
contexto relacional) recebem o diagnóstico de Perturbação Específica da Relação da Primeira Infância.
Para além disso, deve caracterizar-se o contexto relacional de todas as crianças, no Eixo II (Parte A e B),
que varia desde “exemplar” a “muito perturbado”. Se a criança recebe um diagnóstico de Perturbação
Específica da Relação da Primeira Infância, a classificação da relação com o cuidador principal deve ser,
pelo menos, nível 3 ou 4, no Eixo II. Em segundo lugar, a atribuição do diagnóstico não presume nenhuma
etiologia para o quadro sintomático, sendo que, as perturbações da relação podem surgir a partir de
problemas com o cuidador, do bebé/criança, da relação única que se estabelece entre os dois ou várias
combinações dos anteriores. Na secção do Eixo II, a Tabela 1 (Dimensões dos Cuidados) e a Tabela 2
(Contribuições da Criança para a Relação) podem ser usadas para a consideração de contributos mais
específicos, mas estas considerações não são necessárias nem estão incluídas nos critérios para uma
perturbação do Eixo I.

Perturbação Específica da Relação da Primeira Infância

Introdução

Esta perturbação define-se como a presença de sintomas que estão limitados ao contexto de uma
relação. Por exemplo, uma criança pequena que é opositiva com um educador, ou uma criança que mostra
comportamento inapropriado apenas com o cuidador principal, podem ser candidatos ao diagnóstico, se
os sintomas causarem impacto funcional. A perturbação deriva da demonstração de que embora os
distúrbios relacionais nas crianças não sejam raros, por vezes expressam-se através de comportamentos e

emoções da criança. Apesar da psicopatologia ser tradicionalmente definida como existindo “dentro” do
indivíduo, mais do que “entre” indivíduos, a investigação e a prática clínica têm demonstrado que a criança
pode ter comportamentos muito diferentes, em relações com diferentes cuidadores. No extremo, a criança
pode exibir sintomas emocionais e comportamentais no contexto de uma relação particular, mas não em
outras.

Algoritmo de diagnóstico

Todos os critérios seguintes devem estar presentes.

A. A criança apresenta uma perturbação emocional ou comportamental persistente no contexto de uma


relação particular com um cuidador. Os exemplos incluem (mas não estão limitados) aos seguintes:

1. Comportamento de oposição.

2. Agressividade.

3. Receio.

4. Comportamentos de risco para o próprio.

5. Recusa alimentar.

6. Problemas de sono.

127
7. Desempenho de papel inadequado com o cuidador (p.e. excesso de solicitação ou comportamento
controlador).

B. A sintomatologia do critério A expressa-se exclusivamente na relação com um cuidador.

C. Os sintomas da perturbação ou adaptações feitas pelo cuidador em resposta aos sintomas, afetam
significativamente o funcionamento da criança e da família em uma ou mais das seguintes formas:

1. Causam sofrimento à criança

2. Interferem com os relacionamentos da criança

3. Limitam a participação da criança em atividades ou rotinas expectáveis para o seu nível de


desenvolvimento

4. Limitam a participação da família nas atividades ou rotinas diárias

5. Limitam a capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento de novas competências da criança


ou interferem com a progressão normal do desenvolvimento

Idade: Não há restrições de idade, mas a especificidade da relação pode ser difícil de determinar nos
meses de vida mais precoces.

Duração: Os sintomas têm que estar presentes durante pelo menos 1 mês.

Especificar:
1. Os sintomas que são específicos na relação

2. O(s) cuidador(s) com quem a sintomatologia se manifesta

Características do diagnóstico

A característica essencial da Perturbação Específica da Relação da Primeira Infância é o facto das


crianças exibirem um padrão de comportamento sintomático no contexto da relação com funcional. O
diagnóstico exige evidência afirmativa da especificidade da relação. No caso de uma criança que é
sintomática com um cuidador, mas que não se sabe se é sintomática com outros cuidadores, o diagnóstico
não deve ser feito. Desta forma, uma criança que exibe recusa alimentar crónica, que tem um único
cuidador e não é alimentado por outros, deve ser diagnosticado como Perturbação de Ingestão Alimentar
Reduzida (“undereating”). No entanto, uma criança com recusa alimentar em casa, com o pai, mas que se
alimenta normalmente com o cuidador da escola, deve receber o diagnóstico de Perturbação Específica da
Relação da Primeira Infância, em vez de Perturbação de Ingestão Alimentar Reduzida.

Características associadas que apoiam o diagnóstico

As classificações do Eixo II, relativas ao cuidador descrito na Perturbação Específica da Relação


da Primeira Infância, devem ser sempre superiores a Nível 1, quando este diagnóstico é feito. A
Perturbação Específica da Relação da Primeira Infância pode coexistir com outras perturbações do Eixo I
se a sintomatologia especificada nesta for diferente da sintomatologia da outra perturbação do Eixo I.

Características do desenvolvimento

Os sintomas podem variar com a idade da criança, mas a perturbação em si não é diferente em
diferentes idades. A especificidade da relação documenta-se melhor na primeira infância do que na idade
128
pré-escolar, uma vez que as crianças em idade pré-escolar podem ter internalizado padrões relacionais e
tê-los recriado nas novas relações; assim, a perturbação pode ser mais comum na primeira infância do que
na idade pré-escolar.

Prevalência

Não dá dados sobre a prevalência desta perturbação, mas em contexto clínico, parece observar-se
com alguma regularidade.

Curso

O curso desta perturbação não está demonstrado, mas é provável que haja continuidade
heterotípica (p.e. quando uma disfunção de desenvolvimento se mantém, mas a manifestação muda com o
progresso de desenvolvimento) com outra perturbação do Eixo I, na infância mais tardia.

Fatores de risco e prognóstico

As crianças que apresentam distúrbios extremos na relação de vinculação têm risco acrescido de
desenvolver uma Perturbação Específica da Relação da Primeira Infância, no entanto, é necessário
comportamento sintomático e compromisso do funcionamento para estabelecer um diagnóstico. Uma vez
que as vinculações inseguras e, especialmente, as desorganizadas nas crianças estão associadas a risco
acrescido de psicopatologia concomitante e subsequente, é provável que a Perturbação Específica da
Relação da Primeira Infância aumente o risco de perturbações do Eixo I subsequentes.

Características de diagnóstico relacionadas com a cultura

Não estão disponíveis dados específicos relativos a diferenças culturais, embora grandes variações
culturais nos cuidados infantis sugiram que esta é uma área importante a explorar.

Características de diagnóstico relacionadas com o género

Não estão disponíveis dados específicos relativos a diferenças de género.

Diagnóstico diferencial

O comportamento sintomático desta perturbação pode parecer semelhante ao de muitas


perturbações do Eixo I. Distingue-se pela especificidade relacional dos sintomas. Tem que ser
documentado compromisso funcional para se fazer o diagnóstico, o que distingue esta perturbação dos
padrões relacionais, que estão apenas associados a risco de má adaptação subsequente.

Comorbilidade

Comorbilidade com outras perturbações do Eixo I é possível, mas sabe-se pouco sobre padrões
específicos.

DSM-5: Problemas Relacionais entre Pais e Criança

CID-10: Outros Problemas Especificados Relacionados com a Educação dos Filhos (Z62.820)

129

Eixo II:
Contexto Relacional

130
O Eixo II é usado para caracterizar o contexto da relação do ambiente de cuidados com a criança.
Dada a importância central do ambiente de cuidados para o desenvolvimento e saúde na primeira infância,
a compreensão do contexto desta relação deve ser incluída na avaliação dos bebés/crianças pequenas. O
uso deste eixo facilita esta compreensão por encorajar a caracterização sistemática de uma ou mais
relações com os cuidadores principais (Parte A) e a caracterização do ambiente de cuidados, incluindo
coparentalidade, irmãos e outras relações familiares importantes que afetam o desenvolvimento da criança
(Parte B).

Na Parte A, na Tabela 1 constam as dimensões dos cuidados, que englobam funções básicas de
cuidado na relação com o cuidador principal e a Tabela 2 apresenta as contribuições do bebé/criança
pequena para a relação com o cuidador principal. Na Parte B, a Tabela 3 apresenta várias dimensões do
ambiente de cuidados. Determinando se cada uma das áreas específicas é um “ponto forte”, “não é uma
preocupação”, ou é “preocupação”, espera-se obter um quadro geral acerca do contexto relacional, assim
como áreas que necessitem ser alvo de tratamento.

Os níveis de funcionamento adaptativo na Parte A definem a adaptação da relação cuidador-


criança e na Parte B definem qualidades do ambiente de cuidados. Isto é, cada nível engloba um intervalo
de funcionamento e não um ponto único. O nível 1 engloba as relações e ambientes de cuidados primários
que não necessitam de atenção clínica, que se presume incluir a maioria das relações, na maioria das
populações. O nível 2 é um indicador de risco que pode ou não justificar intervenção, mas os níveis 3 e 4
são indicativos de perturbações clínicas. A Perturbação Específica da Relação da Primeira Infância
corresponde a um nível 3 ou 4, classificada no Eixo II. No entanto, uma classificação de nível 3 ou 4, no
Eixo II, não implica necessariamente uma perturbação específica da relação.

A. ADAPTAÇÃO DA RELAÇÃO CUIDADOR-CRIANÇA

Esta escala deve ser usada em contexto clínico para classificar a qualidade adaptativa da relação
entre um cuidador principal e uma criança (com menos de 6 anos). Podem ser avaliadas mais relações do
que apenas a existente com um cuidador principal, devendo ser feita uma classificação separada para
cada relação avaliada. Esta classificação deve ser feita depois de um processo de avaliação, que deve
incluir, sempre que possível, observações da interação pais-criança, bem como o registo das atitudes e
atribuições dos pais relativas às crianças (instrumentos estruturados, observações naturalistas, entrevistas
não estruturadas com cuidadores ou uma combinação dos anteriores, dependendo das circunstâncias e
contexto clínico).

Tipicamente, crianças desta idade têm um pequeno número de cuidadores principais com quem
estabelecem relações de vinculação importantes. Esta escala deve classificar a dinâmica da relação que
existe entre o cuidador e a criança e não o comportamento da criança ou cuidador isoladamente.

131
Apesar de tanto o cuidador como a criança contribuirem individualmente para a qualidade
emocional da relação, a eficácia do cuidador em proporcionar os cuidados apropriados à idade é uma
influência importante na capacidade da criança confiar e se apoiar no cuidador, para que este dê resposta
às suas necessidades físicas e psicológicas. Os clínicos podem usar as dimensões dos cuidados e as
contribuições da criança, descritas nas tabelas 1 e 2, para guiar as suas observações, informar e apreciar a
relação criança-cuidador.

Avaliar a adequação dos cuidados requer prestar atenção a três características: (1) o cuidador está
disponível emocionalmente de modo consistente, (2) o cuidador reconhece e valoriza a criança como um
indivíduo único e (3) o cuidador está confortável e é competente na sua responsabilidade de criar a criança.
A disponibilidade emocional requer a monitorização da criança e leitura de pistas, assim como resposta
adequada. Ser responsável pela criança é mais do que ter disponibilidade emocional, é deixar de lado as
suas próprias necessidades para atender às necessidades da criança. Pais de “primeira viagem”, com um
recém-nascido, podem precisar de um período de tentativa e erro até conhecerem o seu bebé e se
sentirem mais confiantes e competentes, o que se vai estabelecendo, à medida que a criança vai
crescendo e vai comunicando as suas próprias necessidade mais claramente. Mesmo assim, em relações
saudáveis, os pais adaptam-se às necessidades dos bebés e não esperam que o bebé se adapte
desproporcionalmente às suas necessidades.

As interações são uma das fontes de informação mais importantes acerca das relações entre a
criança e os cuidadores, assim como a experiência subjetiva da díade. Os pais e filhos são capazes de
transmitir a sua experiência subjetiva através do comportamento verbal e não verbal.

Não se presume que a qualidade da relação entre a criança e um cuidador principal esteja
relacionada com a qualidade da relação entre a criança e outro dos cuidadores principais. Existem
evidências consideráveis de que a criança pode construir diferentes tipos de relações com diferentes
cuidadores. A única forma de determinar a qualidade da relação entre uma criança e cada cuidador
específico é avaliá-la diretamente.

As dimensões dos cuidados descritas na Tabela 1 auxiliam na avaliação da relação, mas não há
número mínimo de dimensões “preocupantes” que se traduza numa classificação específica do nível da
adaptação da relação.

Deve-se especificar e descrever as contribuições do cuidador e da criança para a relação. O nível


escolhido representa um resumo do funcionamento geral da relação. Cada um dos níveis representa um
intervalo, de elevado a baixo funcionamento, e não um ponto único. A escala é ordinal, o que significa que
cada nível se torna mais problemático do 1 ao 4, mas os níveis não são pontos equidistantes num
contínuo. As características populacionais (valores, crenças e práticas culturais) vão afetar a distribuição
dos casos pelos níveis. Em populações de baixo risco, o Nível 1 deve predominar.

132

133
Níveis de Funcionamento Adaptativo – “Dimensão dos Cuidados”

Os níveis que a seguir se descrevem indicam os intervalos de funcionamento que cada clínico
determina como sendo o que melhor se aplica à relação em questão, com base na avaliação clínica.

Nível 1, “Relações Bem Adaptadas a Suficientemente Boas”, descreve relações que não
constituem preocupação clínica. Este nível abrange um largo intervalo de relações, desde as que
funcionam adequadamente para ambos, às que são exemplares. No Nível 2, "Relações com Restrições a
Preocupantes”, está indicada monitorização cuidadosa (pelo menos) e pode ser necessária intervenção. No
Nível 3, “Relações Prejudicadas a Atribuladas", a perturbação da relação está claramente num intervalo
clínico e está indicada intervenção. Finalmente, no Nível 4, “Relações Perturbadas a Perigosas", é
necessária intervenção urgente, dada a gravidade do compromisso da relação. De seguida apresenta-se
uma explicação detalhada de cada um dos níveis:

Nível 1 - Relações Bem Adaptadas a Suficientemente Boas


As classificações da relação criança-cuidador deste nível podem ir desde adequadas a excelentes.
Pode haver altos e baixos e podem ocorrer problemas ocasionais como resposta a stressores, mas a

relação funciona adequadamente, para ambas as partes, na maior parte do tempo. A criança é
consistentemente protegida do perigo e mostra uma expectativa predominante de que o cuidador estará
seguramente disponível nas diferentes dimensões dos cuidados prestados. A relação promove as
necessidades da criança expressar livremente as suas emoções e aprender a regulá-las, de conforto e
proximidade, e de motivação e exploração. Os conflitos não são característicos e são adequadamente
reparados, quando ocorrem. Para além disso, há uma assimetria saudável na relação, o cuidador é
responsável pelo bem-estar da criança, mas a criança não é responsável pelo bem-estar do cuidador.

Nível 2 - Relações com Restrições a Preocupantes


Algumas relações mostram padrões preocupantes de interação ou experiência subjetiva. A relação

é conflituosa, insuficientemente envolvida ou inadequadamente desequilibrada (p.e. troca de papéis).


Algumas qualidades adaptativas importantes estão presentes, no entanto, existe evidência de conflito
dentro da relação ou preocupação acerca da capacidade da díade, de uma expressão saudável e de
resposta às necessidades de conforto e proteção ou suporte, e motivação para uma exploração adequada

à idade. Há algumas limitações no prazer mútuo em atividades, ou nas expressões de afeto, e problemas
na regulação emocional. As interações sociais, incluindo brincadeira conjunta, podem não ser
consistentemente coordenadas, recíprocas ou responsivas. Pode haver alguns sinais de subenvolvimento
na interação, pelo pai ou pela criança. Algumas interações podem ser caracterizadas por tentativas não
saudáveis de controlar o outro. Estes problemas ou preocupações estendem-se para além do que é
expectável na relação entre pais e filhos, podendo estar indicados serviços de suporte parental.

Nível 3 – Relações Prejudicadas a Atribuladas


Há claramente uma preocupação clínica que requer intervenção, pelo risco para a segurança da

criança, sofrimento persistente, risco de problemas subsequentes ou compromisso funcional atual grave.
134
As qualidades adaptativas podem ser observadas ocasionalmente, mas de modo muito inconsistente e, na
maioria da vezes, estão em falta. Há problemas definitivos na comunicação emocional e reciprocidade
social da díade, que comprometem a regulação emocional da criança. A expressão e resposta às
necessidades de conforto e proteção, socialização adequada à idade, bem como suporte e motivação para
brincar e explorar, estão prejudicadas. A relação está repleta de níveis inapropriados de risco para a
segurança, conflito significativo, envolvimento irregular ou insuficiente ou desequilíbrio significativo. Este
nível indica que as trajetórias sociais e emocionais da criança foram, ou estão em risco substancial de ser,
prejudicadas.

Nível 4 – Relações Perturbadas a Perigosas

Relações nas quais é inquestionável a necessidade de intervenção urgente, não estando presentes
qualidades adaptativas. A patologia da relação é grave e geralmente pervasiva, com deficiências na
capacidade da díade para proteção adequada, disponibilidade e regulação emocional, expressão e
resposta a necessidades de conforto e cuidados, bem como suporte e motivação para exploração e
aprendizagem adequadas à idade. Na maioria do tempo, a relação é pautada por conflito aberto
significativo, envolvimento gravemente insuficiente ou significativa inversão de papéis. As atribuições
parentais relativas à criança são negativas, demonstram expectativas significativamente inadequadas ao
desenvolvimento e não são permeáveis à reflexão ou crítica. Estas perturbações comprometem
gravemente o desenvolvimento, ou podem ameaçar a segurança física ou psicológica da criança.

Nota: As associações entre uma perturbação na criança, uma perturbação no cuidador e uma perturbação
na relação cuidador-criança são complexas. Uma criança pode ter uma perturbação com sintomas clínicos
e qualquer nível de adaptação de relação, no entanto, é expectável um compromisso maior da relação,
quando há um diagnóstico grave no Eixo I ou psicopatologia parental grave. Uma criança pequena pode
ter uma perturbação de ansiedade, PSPT ou PEA que estão associadas a uma relação adaptada com o
cuidador principal. Níveis de má adaptação são mais prováveis quando quando as dificuldades emocionais
da criança tornam os cuidados mais stressantes. Os comportamentos desafiadores da criança podem
contribuir e refletir a perturbação da relação. Uma vez que as crianças são especialmente sensíveis aos
ambientes de cuidado, a probabilidade de uma relação mal adaptada aumenta quando a psicopatologia
parental afeta a qualidade dos cuidados.

Um diagnóstico de Perturbação Específica da Relação da Primeira Infância no Eixo I corresponde a um


Nível 3 ou 4 de classificação no Eixo II. No entanto, uma classificação de Nível 3 ou 4 no Eixo II não implica
necessariamente uma perturbação específica da relação.

B. AMBIENTE DE CUIDADOS E ADAPTAÇÃO DA CRIANÇA PEQUENA

A estabilidade, previsibilidade e qualidade emocional da relação entre os cuidadores adultos e a


criança, são importantes preditores do funcionamento da criança. O bebé/criança pequena desenvolve
135
relações importantes, não só com o cuidador principal, como também com outros elementos da família,
que estejam presentes junto dos pais ou que podem influenciar o funcionamento da criança por exercer
influência sobre estes. As crianças são observadores perspicazes da forma como os adultos mais
próximos se relacionam uns com os outros e com outras pessoas, incluindo outras crianças da família ou
pessoas não familiares. Com frequência aprendem por imitação adotando os comportamentos que
observam. O tom afetivo e as interações entre adultos, que presenciam, influenciam a regulação
emocional, a confiança nas relações e a sua liberdade para explorar o meio.

Esta classificação avalia o nível de funcionamento do “Ambiente de Cuidados”, definido como a


rede de relações com os cuidadores da criança, independentemente do facto dos cuidadores viverem
juntos ou não. Uma vez que as crianças constroem diferentes relações com diferentes cuidadores, os
níveis a seguir descritos procuram indicar a harmonia, integração e coordenação entre as diferentes
relações com cuidadores, que influenciam o funcionamento da criança. Este nível deve refletir a relação da
criança com os diferentes cuidadores, na família mais próxima, e a coordenação dos seus objetivos,
valores e comportamentos, no cuidado da criança. Os clínicos podem usar as dimensões do ambiente de
cuidados, descritas abaixo, para guiar as suas observações e avaliar o ambiente de cuidados familiar e a
adaptação da criança a ele.

Os dados necessários para completar as classificações podem ser obtidos por observação da
família e interações coparentais, assim como pela descrição dos cuidadores, das várias dimensões
descritas abaixo. Como observado na Parte A, são utilizados métodos formais e informais, com as suas
vantagens e desvantagens associadas.

136
Níveis de Funcionamento Adaptativo – “Ambiente de Cuidados”

Os níveis que a seguir se descrevem indicam os intervalos de funcionamento que cada clínico
determina como sendo o que melhor se aplica à relação em questão, com base na avaliação clínica.

Nível 1, “Ambientes de Cuidados Bem Adaptados a Suficientemente Bons”, descrevem ambientes


de cuidados que não constituem preocupação clínica. Este nível abrange um largo intervalo de ambientes
desde os que suportam adequadamente o desenvolvimento da criança, aos que são exemplares. No Nível
2, "Ambientes de Cuidados com Restrições a Preocupantes”, está indicada monitorização cuidadosa (pelo
menos) e pode ser necessária intervenção. No Nível 3, “Ambientes de Cuidados Prejudicados a
Atribulados", o ambiente de cuidados está claramente num intervalo clínico e está indicada intervenção.
Finalmente, no Nível 4, "Ambientes de Cuidados Perturbados a Perigosos”, é necessária intervenção
urgente, devido ao severo impacto no desenvolvimento. De seguida apresenta-se uma explicação
detalhada de cada um dos níveis:

Nível 1 - Ambientes de Cuidados Bem Adaptados a Suficientemente Bons


Neste nível, as relações podem variar entre adequadas a excelentes. Pode haver altos e baixos e
podem ocorrer problemas ocasionais como resposta a stressores, mas as relações entre os cuidadores
funcionam adequadamente ou melhor, nos seus cuidados partilhados da criança. Os cuidadores têm um
repertório sólido de estratégias de resolução de problemas, que geralmente utilizam com sucesso, e a
criança mostra tipicamente conforto e tranquilidade ao interagir com diferentes cuidadores e ao mudar de
um para o outro, consoante as exigências da situação. Na maior parte do tempo, há uma alocação
mutuamente satisfatória dos papéis dos cuidadores e flexibilidade no apoio mútuo nos cuidados à criança;
os cuidadores colaboram adequadamente uns com os outros, respondendo às necessidades da criança,

para uma boa regulação emocional, conforto e proximidade, e para motivação e exploração. Os conflitos
não são característicos da relação entre os cuidadores e as dificuldades que possam surgir à volta das
prioridades e papéis dos cuidadores, são adequadamente reparadas.

Nível 2 - Ambientes de Cuidados com Restrições a Preocupantes


Neste nível, algumas relações mostram padrões preocupantes de interação. Existem sinais de
conflito, comunicação e coordenação insuficientes entre os cuidadores. A criança experiencia sofrimento,
tensão ou incerteza sobre como negociar as interações entre os diferentes cuidadores e pode mostrar
preferências que provocam conflito entre eles. Algumas qualidades adaptativas importantes estão
presentes mas há evidência de conflito dentro da relação, ou preocupação sobre o desfasamento das
expectativas dos cuidadores, disponibilidade emocional coordenada com a criança, expressão e resposta
às necessidades de conforto e proteção, socialização adequada à idade, bem como suporte partilhado e
motivação para brincar e explorar. Estes conflitos ou preocupações coparentais ultrapassam o expectável
nas relações familiares.

137
Nível 3 – Ambientes de Cuidados Prejudicados a Atribulados

Há claramente uma preocupação clínica que requer intervenção pelo risco para a segurança da
criança, sofrimento persistente, risco de problemas subsequentes ou compromisso funcional atual grave.
Os cuidadores não conseguem providenciar cuidados coordenados ou adotar estratégias adaptavas de
resolução de problemas, no que respeita aos cuidados da criança. Ocasionalmente podem observar-se
colaboração e coordenação, mas estão ausentes na maioria das vezes. Há problemas com a
disponibilidade emocional dos cuidadores (e na regulação emocional da criança), alocação de papéis,
suporte mútuo e resposta às necessidades de conforto e proteção da criança, socialização adequada à
idade, bem como suporte partilhado e motivação para brincar e explorar. Nas relações familiares há níveis
inapropriados de risco para a segurança, conflito significativo, envolvimento irregular ou insuficiente, ou
desequilíbrio significativo. Este nível indica que as trajetórias sociais e emocionais da criança foram, ou
estão em risco substancial de ser, prejudicadas.

Nível 4 – Ambientes de Cuidados Perturbados a Perigosos

Neste nível é inquestionável a necessidade de intervenção urgente. Não só há ausência de


qualidades adaptativas, como a patologia da relação entre cuidadores é grave e geralmente pervasiva, com
deficiências significativas na provisão de proteção adequada e cuidados responsivos, de socialização
adequada à idade, bem como de suporte para exploração e aprendizagem. Na maioria do tempo, a relação
é pautada por conflito aberto significativo, envolvimento gravemente insuficiente ou significativa inversão
de papéis. Estas perturbações comprometem gravemente o desenvolvimento ou podem ameaçar a
segurança física ou psicológica da criança.

Nota: Nas relações perigosas, quando a segurança da criança é ameaçada, os clínicos devem considerar
intervenções ativas para proteger a criança, como reportar a situação aos serviços de proteção de
crianças. Deve salientar-se que, uma classificação de Nível 4 na “Adaptação da Relação Cuidador-Criança“
ou no “Ambiente de Cuidados e Adaptação da Criança Pequena”, que em ambas escalas inclui um
intervalo de relações mal-adaptativas, não implica necessariamente reportar a situação. No entanto, esta
classificação indica a necessidade imediata de suporte, de forma a proteger a criança. Por outro lado,
relações caracterizadas previamente como maus-tratos não têm necessariamente que ser classificadas
como Nível 4 com base apenas nesse historial, se se evidenciarem mais qualidades adaptativas na
avaliação.

138
Eixo III:

Condições e
Considerações da
Saúde Física

139
O Eixo III deve ser usado para descrever condições e considerações de saúde física não descritas
no Eixo I. Uma avaliação diagnostica compreensiva inclui a pesquisa de condições físicas, cognitivas e de
desenvolvimento, para além da saúde mental. Estas considerações e condições médicas são obtidas a
partir de documentos médicos, relatos familiares ou colaboração com o médico assistente. A função clínica
das condições do Eixo III é a formulação global. Uma condição no Eixo III tem uma função variável no
estado de saúde mental, aumentando o risco em alguns casos, promovendo a resiliência noutros e, por
vezes, não tendo impacto substancial.

Todos os aspetos do desenvolvimento da criança estão inter-relacionados e os domínios físico, do


neurodesenvolvimento e da saúde mental sobrepõem-se e interagem substancialmente. Por convenção, a
DC:0-5 usa o Eixo I e o II para se focar nos padrões relacionais, comportamentais e emocionais
observáveis, e o Eixo III foca-se nas condições de saúde física. Usando esta abordagem, o Eixo III inclui
vários processos ou fatores biológicos que contribuem para síndromes bem caracterizados que incluem
um ou mais diagnósticos do Eixo I, como o Síndrome Alcoólico Fetal ou Síndrome de X-frágil. À medida
que se aprofunda a compreensão das complexas interações entre fatores biológicos, ambientais e
psicológicos, reconhece-se que a distinção entre estas categorias se torna cada vez mais dúbia.

Problemas de saúde podem influenciar a saúde mental de forma direta ou indireta. Uma toxina
pode causar o problema, ou a medicação usada para o tratamento pode influenciar o funcionamento do
sistema nervoso central através de malformações congénitas ou lesões. Para além disso, experienciar
sintomas físicos como dor, prurido ou dificuldades respiratórias, pode afetar a expressão emocional, sono
e padrões de alimentação. O Eixo III inclui atenção específica à gravidez e complicações perinatais que
podem ter influência direta no desenvolvimento da criança. Indiretamente, as condições médicas podem
influenciar as experiências da criança por exposição a procedimentos médicos potencialmente traumáticos
(mesmo quando eles são lifesaving) e através das limitações nas atividades e interações normativas
devidas à agenda médica e incapacidade física ou fragilidade imunitária. Condições médicas agudas ou
crónicas podem resultar em separações do cuidador principal e exposição a um número elevado de
cuidadores de saúde e, portanto, podem influenciar o funcionamento da família por fadiga, stressores
financeiros, stress e meios relacionados. Psicologicamente, as condições de saúde influenciam
frequentemente a percepção dos pais acerca da vulnerabilidade ou resiliência, assim como a perceção da
criança de si própria, especialmente no caso de malformações congénitas visíveis ou doença médica
crónica.

Como evidência das complexas interações entre a saúde física, o ambiente de cuidados e a saúde
mental, algumas condições de saúde podem também refletir características do ambiente de cuidados,
como a exposição pré-natal ao álcool ou maus-tratos.

Um histórico de condições médicas pode influenciar a relação entre pais-criança e pode ter um
papel na saúde mental e desenvolvimento da criança, mesmo após resolução da doença. Por esta razão, o
Eixo III é considerado inclusivo de todas as condições de saúde que podem influenciar a apresentação
clínica, não apenas aquelas condições acerca das quais o clínico tem absoluta certeza.

A consciência do diagnóstico é mais importante que a precisão técnica. Os pais podem descrever
a doença médica sem especificidades técnicas no entanto, a descrição deve também ser anotada no Eixo
III (p.e. “buraco no coração”) e subsequentemente pode clarificar-se a informação a partir dos pediatras.

140
As categorias descritas nos exemplos abaixo incluem condições médicas pré-natais, condições
médicas crónicas, condições médicas agudas, procedimentos médicos, dor, indicadores físicos de
problemas no ambiente de cuidados, fármacos e marcadores do estado de saúde. Estas categorias não
são mutuamente exclusivas e a condição deve ser listada apenas uma vez no diagnóstico. Os domínios de
saúde são representativos de algumas áreas de saúde que devem ser consideradas, mas a lista não é
exaustiva e todas as áreas identificadas na avaliação clínica devem ser incluídas no Eixo III:

Exposições e condições pré-natais


- Exposição a fármacos ou substâncias que pode incluir, mas não está limitada, a exposição fetal a álcool
e outras substâncias, exposição ambiental teratogénica ou exposição pré-natal a fármacos

- Prematuridade

- Identificação de condições médicas pré-natais (p.e. Malformações congénitas ou alterações genéticas)

Condições médicas crónicas


- Alergias (p.e. eczema, otites crónicas ou alergias alimentares ou ambientais)

- Cólicas

- Anomalias congénitas (p.e. cardíacas, faciais, dos membros e outras)

- Cancros e tumores

- Endócrinas (p.e. tiróide, deficiências de hormona do crescimento ou terapia hormonal de substituição,


diabetes, hiperplasia adrenal congénita e outras causas de ambiguidade genital)

- Gastrointestinais (p.e. refluxo, obstipação, diarreia, ou restrições dietéticas médicas ou eletivas, como
dieta sem glúten)

- Problemas de crescimento (p.e. insuficiência nutricional, interrupção no crescimento, perímetro cefálico


reduzido, baixa estatura, obesidade)

- Síndromes genéticos (p.e. Síndrome de Down, Síndrome de DiGeorge, Síndrome de Turner, Síndrome de
X Frágil, Síndrome de Williams)

- Doenças hematológicas (p.e. hemofilia, anemia, anemia falciforme)

- Estado de imunização

- Condições neurológicas (p.e. convulsões, hidrocefalia, hemorragia intraventricular)

- Condições metabólicas (p.e. doenças de armazenamento, doenças mitocondriais, ou doenças do ciclo


da ureia)

- Imunológicas (p.e. doenças autoimunes [incluindo lúpus eritmatoso sistémico, artrite reumatóide juvenil e
hipertiroidismo], infeções ou inflamação do SNC, ou encefalite)

- Doenças infeciosas (p.e. VIH/SIDA, poliomielite, tuberculose, sarampo e outras)

- Respiratórias (p.e. asma, fibrose quística)

- Problemas sensoriais (p.e. défice da visão ou da audição)

- Problemas dentários (p.e. cáries ou fraturas)

Condições médicas agudas (p.e. trauma, acidentes, fraturas, apendicite ou infeções agudas)

Histórico de procedimentos (independentemente do diagnóstico final)

141
Dor crónica ou recorrente (de qualquer causa)

Lesões físicas ou exposições físicas resultantes do ambiente de cuidados (p.e. hematomas,


queimaduras ou outras lesões; lesões relacionadas com abuso sexual; ingestões acidentais de químicos ou
de medicação)

Efeitos da medicação (p.e. esteróides, albuterol, anti-histamínicos, analgésicos, anticonvulsivantes,


psicotrópicos ou suplementos de venda livre)

Marcadores do estado de saúde (identificados através dos cuidados de saúde primários e dentistas, bem
como do estado de imunização)

Nota: A Perturbação de Choro Excessivo (cólicas) deve ser codificada no Eixo I, no entanto, condições
comórbidas, como o diagnóstico de refluxo gastroesofágico, podem ser incluídas no Eixo III.

142
Eixo IV:
Stressores
Psicossociais

143
O Eixo IV fornece uma estrutura para identificar e avaliar stressores psicossociais e ambientais que
podem influenciar a apresentação, curso, tratamento e prevenção de sintomas e perturbações de saúde
mental nas crianças. A investigação indica que, para muitas crianças, frequentemente há acumulação de
stressores. A hipótese de risco cumulativo, que tem crescente apoio empírico, sugere que o número de
stressores é mais preditivo de mal-adaptações subsequentes do que quaisquer stressores específicos.

Stressores psicossociais para a criança podem incluir eventos agudos e circunstâncias que
perdurem no tempo, como pobreza e violência doméstica. Além disso, o stress pode ser direto (p.e. uma
doença que necessite de hospitalização) ou indireto (p.e. doença súbita de um dos pais). Mesmo os
eventos e transições que fazem parte de uma experiência normal da cultura da família podem ser
stressantes para a criança - p.e. nascimento de um irmão, mudanças, regresso de um dos pais ao trabalho
depois de ter estado em casa por algum tempo, entrada para a creche. Algumas crianças experienciam
estas transições como sendo stressantes enquanto outras fazem transições mais suaves e adaptam-se a
novas circunstâncias facilmente.

O ambiente de cuidados pode salvaguardar e proteger a criança de eventos e circunstâncias


stressantes, reduzindo o seu impacto. No entanto, os próprios cuidadores e as suas respostas a eventos
stressantes são negativamente afetados pelos mesmos stressores. Em última análise, o impacto de um
evento stressante ou circunstância duradoura depende largamente de três fatores:

1. A gravidade de um stressor (intensidade, duração e previsibilidade)

2. O nível de desenvolvimento da criança pequena

3. A disponibilidade e capacidade dos adultos do ambiente de cuidados para servir como amortecedor
protetor e ajudar a criança pequena a perceber e lidar com stressores

LISTA DE STRESSORES PSICOSSOCIAIS E AMBIENTAIS IDENTIFICADOS NA CRIANÇA

Esta checklist fornece ao clínico uma estrutura para (1) identificar as múltiplas fontes de stress
experienciadas pela criança e sua família (2) perceber a sua duração e gravidade.

Para captar a gravidade cumulativa dos stressores, o clínico deve identificar todas as fontes de
stress no bebé/criança pequena. Por exemplo, uma criança alvo de uma medida de acolhimento pode
estar a passar por abusos, doença psiquiátrica parental, separação e pobreza. Quanto maior o número de
stressores envolvidos, presume-se que, maior o impacto negativo na criança.

144
Checklist de Stressores Psicossociais e Ambientais
(Complete a informação para todos os stressores que se apliquem)
Idade
de
início Comentários, incluindo a
Stressores
duração e gravidade
(em
meses)
Desafios dentro da família da criança ou do grupo de suporte primário

Aculturação ou conflitos de língua

Nascimento de um irmão

Mudança do cuidador primário

Atividade criminal dentro do agregado familiar

Morte de um progenitor ou de um cuidador importante

Morte de outra pessoa importante

Morte de outro membro da família

Violência doméstica

Abuso emocional

Isolamento social da família

Ausência do pai ou da mãe

Suporte social inadequado para a família

Prisão de um membro da família

A criança foi adotada

Negligência da criança

Abuso físico da criança

Criança colocada em famílias de acolhimento

Criança institucionalizada
Reunificação da criança com um progenitor depois de separação
prolongada
Abuso sexual da criança
Doença médica de um progenitor ou cuidador (especificar aguda ou
crónica)
Doença médica de irmão ou outro membro do agregado familiar
(especificar aguda ou crónica)
Problemas de saúde mental em membro do agregado familiar

Novo adulto no agregado familiar (p.e. companheiro romântico)


Nova criança (não por nascimento) em casa (p.e. adoção, meio-irmão,
acolhimento)
Outro trauma a pessoa significativa na vida da criança

Desacordo ou conflito de progenitor ou de cuidador (não físico)

Divórcio ou separação de progenitor ou de cuidador

Problemas de saúde mental no progenitor ou no cuidador

145
Progenitor ou cuidador volta a casar
Separação de progenitor ou cuidador da criança (p.e. emprego fora,
hospitalização)
Abuso de substâncias de progenitor ou de cuidador

Saíde de criança (que não a identificada) de casa

Desacordo grave ou violência com irmão

Abuso de substâncias de membro do agregado familiar

Progenitor adolescente

Ambiente em casa imprevisível

Constelação familiar instável

Desafios no ambiente social

Discriminação ou racismo é experienciado pela família

Estatuto de imigrante

Acesso inadequado a cuidados de saúde

A criança experiencia bullying

A criança testemunha violência na comunidade

Estatuto de refugiado

Vizinhança insegura

Desafios educacionais ou nos cuidados à criança

Mudanças múltiplas de cuidador

Baixa literacia do progenitor ou cuidador


Baixa qualidade do ambiente de aprendizagem precoce ou dos cuidados
fora do domicílio (p.e. preocupações de saúde e segurança, grandes
grupos e elevados rácios crianças/funcionários, funcionários
inadequadamente treinados, falta de atenção ao desenvolvimento social
e emocional)
Desafios na habitação

Despejo ou penhora da habitação

Situação de sem-abrigo

Habitação inadequada, insegura ou sobrelotada

Mudanças múltiplas

Desafios económicos e profissionais

Condições de trabalho parentais perigosas ou stressantes

Precariedade alimentar

Endividamento significativo

Destacamento ou reintegração militar

Desemprego ou instabilidade profissional parental

Pobreza ou quase-pobreza

Saúde da criança

146
Acidente ou lesão da criança (p.e. mordedura de animal, acidente de
viação)
Hospitalização da criança

Doença médica da criança (aguda ou crónica)

Procedimentos dolorosos ou assustadores

Stressores relacionados com a gravidez

Desafios legais ou da justiça criminal

Envolvimento dos serviços de proteção de crianças

Disputa de custódia

A criança é vítima de crime

Progenitor é vítima de crime

Detenção parental

Deportação parental

Prisão parental ou regresso da prisão

Estatuto de imigrante não documentado

Outros

Rapto (especificar se por um membro da família ou não)

Desastre (p.e. incêndio, furacão, terramoto)

Doença epidémica

Outros (especificar)

Terrorismo

Guerra

Nota: “Progenitor” refere-se à(s) figura(s) parental(ais).

147
Eixo V:
Competências do
Desenvolvimento

148
O Eixo V usa um modelo integrativo para compreender as competências do desenvolvimento da
criança nos domínios emocional, social-relacional, linguagem-comunicação social, cognitivo, bem como a
motricidade e desenvolvimento físico. A informação do Eixo V pode ser usada para perceber como é que
os domínios do desenvolvimento funcionam juntos e dentro do contexto dos outros eixos, para completar
o processo de diagnóstico. O Eixo V está incluído porque a criança deve ser compreendida no contexto
das suas competências de desenvolvimento, que emergem integradas nas interações com os cuidadores
principais.

As capacidades emocionais e sociais estão presentes ao nascimento e estas competências servem


como base para todo o desenvolvimento. Compreender de que forma a criança integra as competências,
ao longo de todos os domínios, é necessário para a formulação clínica, destacando as capacidades
demonstradas pela criança nos domínios emocional, social e relacional. A criança usa as suas capacidades
anteriores para atingir níveis mais elevados de desenvolvimento. O Eixo V foi desenhado para fornecer ao
clínico uma visão mais compreensiva do perfil de desenvolvimento da criança.

Competências de desenvolvimento: estas classificações baseiam-se na observação das interações da


criança com os cuidadores e brinquedos, descrições feitas pelos pais, resultados de ferramentas de
screening do desenvolvimento, resultados padrão baseados em testes de desenvolvimento ou marcos de
desenvolvimento incluídos no Anexo A: “Marcos do Desenvolvimento e Classificação das Competências”.
Os marcos do desenvolvimento incluídos no Anexo A podem servir como guia e ajudar sustentar as
capacidades de desenvolvimento infantil, mas não são apresentados como um substituto de outras formas
de avaliação.

TABELA SUMÁRIO DE CLASSIFICAÇÃO DO DOMÍNIO DAS COMPETÊNCIAS

Com base na revisão das capacidades de desenvolvimento da criança, complete a tabela


seguinte, de modo a indicar a categoria que melhor descreve o funcionamento da criança, em
cada um dos domínios que constituem o Eixo V:

A completar para todas as crianças. Indique a classificação do domínio da competência


colocando um “X” na caixa da classificação apropriada para cada domínio do desenvolvimento.

149

Impressão geral. Forneça uma formulação do Eixo V como impressão geral com base nas classificações
supramencionadas. Indique qualquer desigualdade nas competências de desenvolvimento referindo os
pontos fortes e as preocupações relativas. Registe ainda se ocorreram alterações recentes nas
competências, em qualquer domínio do desenvolvimento.

________________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________________

150
Anexos

151
ANEXO A: MARCOS DE DESENVOLVIMENTO E CLASSIFICAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS

Quando usa a tabela fornecida neste anexo, o clínico deve começar pelas capacidades
expectáveis para a idade da criança. Se a criança não preencher as capacidades esperadas em algum
domínio, o clínico deve continuar a avaliar o desenvolvimento nas categorias mais precoces do
desenvolvimento. É importante classificar o funcionamento em cada um dos domínios (p.e emocional,
social-relacional, linguagem-comunicação social, cognitivo e desenvolvimento físico e motor) assim como
anotar inconsistências e consistências entre e ao longo dos domínios de funcionamento do
desenvolvimento. Para completar o quadro, em primeiro lugar classifica-se de que forma a criança se está
a desenvolver, em cada um dos domínios apresentados, usando a escala de classificação apresentada
abaixo. Indica-se uma classificação para cada marco de desenvolvimento incluido no domínio e depois
concluiu-se com uma classificação representativa do domínio, baseada no padrão dos marcos individuais,
para cada domínio. Para completar o Eixo V, rever o padrão de classificações ao longo dos domínios, de
forma a determinar uma classificação geral para a criança.

Nota: Esta tabela representa exemplos de marcos chave recolhidos a partir de uma variedade de fontes
estabelecidas e é uma referência representativa, mas não exaustiva, para o clínico. Pretende-se que seja
usado como uma forma de documentar observações acerca do funcionamento do desenvolvimento da
criança. Não é um substituto de uma avaliação de desenvolvimento padronizada e validada. A tabela de
marcos de desenvolvimento está organizada por domínios e idade da criança. Priorizaram-se
comportamentos que se esperariam observar dentro dos períodos de desenvolvimento especificados.

Classifique comportamentos individuais, na faixa etária ou idade mental, com os seguintes:

1 = totalmente presente

2 = emergente ou presente de forma inconsistente

3 = ausente

152
MARCOS DO DESENVOLVIMENTO E CLASSIFICAÇÕES DAS COMPETÊNCIAS

3 meses

Classificação
Domínio da
Marco do Desenvolvimento Classificação Comentário do Domínio da
Competência
Competência
Acalma-se momentaneamente (p.e. com
mão na boca)
Exibe interesse no mundo externo
quando em estado de vigília (p.e. olha
para objetos, pessoas, ou luz; localiza o
som; ajusta a respiração em resposta ao
som de vozes)
Emocional É confortado pela proximidade ao
cuidador e movimento tranquilizador
Permanece num estado calmo, focado
durante pelo menos 2 minutos
Faz transições de estado suaves (p.e.
do sono para sonolento para acordado)
Expressa satisfação ou desconforto
Sorri responsivamente (p.e. sorriso
social)
Olha para a cara do cuidador

Social-Relacional Murmura responsivamente

Localiza vozes e sons familiares

Mostra interesse nas expressões faciais


Segue sons (p.e. move a cabeça em
Linguagem e resposta ao som)

Comunicação Murmura e gorgoleja


Social Imita expressões faciais simples (p.e.
sorrir, colocar a língua de fora)
Segue pessoas e objetos com os olhos
Cognitivo Perde interesse ou protesta se a
atividade não mudar
Levanta o tronco quando em decúbito
Motricidade e ventral
Desenvolvimento Segura a cabeça sem apoio
Físico As mãos estão geralmente abertas (i.e.
não em punho)

153
6 meses

Classificação
Domínio da
Marco do Desenvolvimento Classificação Comentário do Domínio da
Competência
Competência
Responde ao afeto com sorriso,
murmúrio ou acalmando-se
Demonstra uma variedade de emoções
que inclui prazer, excitação, tristeza,
medo, angústia, nojo, raiva, alegria,
Emocional interesse e surpresa
Expressa raiva, frustração ou protesta
com choros e expressões faciais
distintas
Recupera de angústia (distress) quando
confortado pelo cuidador
Imita alguns movimentos e expressões
faciais (p.e. sorrir ou franzir o sobrolho)
Envolve-se em interações sociais
recíprocas (p.e. jogos simples
Social-Relacional sequenciais “back and fort”)
Procura o envolvimento social com
vocalizações, expressões emocionais
ou contacto físico
Olha para faces de perto

Copia sons

Linguagem e Balbucia com sons “p”, “b” e “m”

Comunicação Vocaliza excitação e desconforto (p.e.


Social risos e murmúrios)
Produz diferentes choros para indicar
fome, dor ou cansaço
Segue objetos em movimento com os
olhos de um lado para o outro
Experimenta causa e efeito (p.e. bate
com a colher na mesa)
Sorri e vocaliza em resposta à própria
imagem no espelho
Cognitivo
Reconhece pessoas e coisas familiares
a uma determinada distância
Demonstra antecipação de certas
atividades de rotina (p.e. mostra
excitação na antecipação a ser
alimentado)
Bate em objetos pendentes
Faz força nas pernas quando os pés
estão numa superfície dura
Senta-se sem apoio
Motricidade e Rola de decúbito ventral para dorsal
Desenvolvimento
Físico Segura e abana um objeto

Bate com dois objetos

Traz as mãos à linha média

Tenta alcançar objetos com uma mão

154
9 meses

Classificação
Domínio da
Marco do Desenvolvimento Classificação Comentário do Domínio da
Competência
Competência
Tem estratégias para se auto-acalmar

Emocional Demonstra preferência pelos cuidadores


Comunica intencionalmente sentimentos
aos outros
Distingue entre vozes familiares e não
familiares
Mostra alguma reação ao estranho

Protesta na separação do cuidador


Aprecia o jogo estendido aos outros,
Social-Relacional especialmente cuidadores
Envolve-se em comunicação sequencial
bidirecional usando vocalizações e
contacto ocular
Mimetiza gestos simples de outros

Segue o olhar e apontar de outros


Responde a sons fazendo sons ou
movendo o corpo
Imita sons de discurso quando solicitado
Começa a usar sons sem ser de choro
(sons de fala) para obter e manter
atenção
Linguagem e Junta vogais quando balbucia (ah, eh,
oh)
Comunicação Faz sons para mostrar alegria ou
Social desconforto
Começa a usar gestos para comunicar
desejos e necessidades (p.e. levanta os
braços para ser levantado)
Segue algumas ordens de rotina quando
acompanhadas de gestos
Mostra compreensão de palavras usadas
comummente
Leva à boca ou bate com objetos
Tenta apanhar objetos fora do seu
Cognitivo
alcance
Procura coisas que vê os outros a
esconder
Vira-se em ambas as direções (ventral
para dorsal e dorsal para ventral)
Coloca-se em posição de sentado de
forma independente
Segura-se de pé, com apoio
Motricidade e
Desenvolvimento Move-se de forma independente de um
Físico lugar para o outro p.e.gatinhando
Vira páginas de um livro

Tenta alcançar e agarrar objetos

Passa objetos de uma mão para outra

155
12 meses
Classificação
Domínio da
Marco do Desenvolvimento Classificação Comentário do Domínio da
Competência
Competência
Olha para o cuidador para obter
informação sobre novas situações e
ambientes
Olha para o cuidador para partilhar
experiências emocionais
Emocional Responde às emoções de outras
pessoas (p.e. apresenta uma face sóbria,
séria, em resposta a tristeza num dos
pais; sorri quando os pais riem)
Usa gestos para comunicar sentimentos
(p.e. bater palmas quando excitado)
Oferece objetos para iniciar uma
interação (p.e. entrega um livro ao
cuidador para ouvir uma história)
Participa em jogos interativos (p.e.
“cucu”)
Social-Relacional Olha para pessoas familiares quando
elas são nomeadas
Dá objetos para procurar ajuda (p.e.
entrega um sapato a um dos pais).
Estica o braço ou perna para ajudar a
vestir
Compreende o “não”

Responde ao próprio nome


Olha em resposta a perguntas
“onde” (p.e. “Onde está o cão?”)
Faz diferentes sons com consoantes
Linguagem e como mamamam e babababa.

Comunicação Aponta para objetos próximos


Social Imita gestos convencionais (p.e. acena
“xau”, bate palmas)
Responde a diretivas simples
acompanhadas de gestos, como “vem
cá”
Tem algumas palavras (p.e. “mama”,
“papa”, “olá”, “xau”, ou “cão”)
Observa o trajeto de algum objeto
enquanto cai
Tem objetos favoritos (p.e. brinquedos,
um cobertor)
Explora objetos e como funcionam de
Cognitivo múltiplas formas (p.e. colocando na
boca, tocando, deixando cair).
Enche e esvazia recipientes.
Brinca com dois objetos ao mesmo
tempo
Dá alguns passos sem se segurar
Motricidade e
Caminha apoiando-se na mobília
Desenvolvimento
Físico
Muda-se da posição sentado para de pé

Fica de pé sozinho

156
Pega em coisas entre o polegar e o
indicador (p.e. cereais)
Motricidade e Gatinha para a frente de barriga,
Desenvolvimento segurando-se nos braços e empurrando
Físico
com as pernas
Vira-se enquanto gatinha

Gatinha enquanto segura um objeto

157
15 meses

Classificação
Domínio da
Marco do Desenvolvimento Classificação Comentário do Domínio da
Competência
Competência
Mostra afeto com beijos (sem apertar os
lábios)
Emocional Demonstra um comportamento cauteloso
ou receoso, como agarrar ou esconder-
se atrás do cuidador
Procura e desfruta da atenção de outros,
especialmente dos cuidadores
Participa em jogo paralelo com os pares
Apresenta um livro ou brinquedo quando
Social-Relacional quer ouvir uma história ou brincar
Repete sons ou ações para obter
atenção
Gosta de olhar para livros de imagens
com o cuidador
Usa gestos simples como abanar a
cabeça para “não” ou acenar “xau”
Responde aos gestos de outros
Gosta de olhar para livros de imagens
com o cuidador
Faz sons com alteração na entoação
Linguagem e (parece-se mais com discurso)
Utiliza estratégias de comunicação
Comunicação
complexas, integra gestos, vocalizações
Social
e contacto ocular (p.e. olha para o
cuidador enquanto pega na sua mão para
o levar até um objeto desejado)
Identifica a imagem ou objeto correto,
quando é nomeado
Segue pedidos simples (p.e. “traz o
brinquedo”, “atira a bola”)
Imita gestos complexos (p.e. assinar)
Inicia atenção conjunta (p.e. aponta para
mostrar aos outros algo do seu interesse
ou para obter a atenção dos outros)
Cognitivo
Encontra facilmente objetos escondidos
Usa objetos para o seu propósito (p.e.
bebe de um copo, passa a escova no
cabelo)
Explora o ambiente físico
Motricidade e
Empurra objetos (p.e. caixas, camiões de
Desenvolvimento
brincar ou outros brinquedos)
Físico
Caminha de modo independente

158
18 meses

Classificação
Domínio da
Marco do Desenvolvimento Classificação Comentário do Domínio da
Competência
Competência
Demonstra estratégias de auto-conforto

Emocional Partilha humor com os pares ou adultos


(p.e. ri-se de e faz caras engraçadas ou
rimas sem sentido)
Gosta de entregar coisas a outros
durante o jogo
Participa em manifestações recíprocas
de afeto (p.e. abraça ou dá beijinhos com
aperto de lábios)
Afirma autonomia (p.e. “eu faço”)
Social-Relacional Reage com preocupação quando alguém
parece magoado
Afasta-se do cuidador para explorar
objetos ou o ambiente perto
Tem comportamentos desafiadores,
como olhar para o cuidador e fazer algo
“proibido”
Usa pelo menos 20 palavras ou
aproximações de palavras (p.e. bobo
para bola)
Mostra um aumento consistente de
vocabulário a cada mês
Diz “não” e abana a cabeça
Linguagem e
Consegue seguir ordens verbais de um
Comunicação passo sem gestos (p.e. senta-se quando
Social se diz “senta-te”)
Quando aponta, olha para trás para o
c u i d a d o r p a r a c o n fi r m a r a t e n ç ã o
conjunta
Combina palavras, gestos e contacto
ocular para comunicar sentimentos e
pedidos
Faz sequências de jogo com objetos de
acordo com o seu propósito (p.e.
empurrar um camião de carga de brincar
e esvaziá-lo)
Mostra interesse numa boneca ou animal
de peluche dando um abraço
Aponta para pelo menos uma parte do
corpo
Cognitivo Aponta para si quando questionado
Faz jogo de faz de conta simples (p.e.
alimentar a boneca)
Faz rabiscos com lápis de cor, marcador
e outros
Vira páginas de um livro

Reconhece-se no espelho
Motricidade e
Desenvolvimento Empilha dois blocos
Físico

159
Sobre degraus com ajuda

Empurra brinquedos enquanto caminha


Motricidade e
Ajuda a despir-se (p.e. tira o chapéu,
Desenvolvimento
meias, luvas)
Físico
Come com uma colher

Bebe de um copo

160
24 meses
Classificação
Domínio da
Marco do Desenvolvimento Classificação Comentário do Domínio da
Competência
Competência
Exibe embaraço e orgulho

Exibe vergonha e culpa


Exibe empatia (p.e. oferece conforto
Emocional quando alguém parece magoado)
Tenta exercer a sua independência com
frequência
Nomeia ou compreende palavras para
emoções básicas
Imita as ações complexas de outros,
especialmente adultos e crianças mais
velhas (p.e. pôr os pratos na mesa,
posturas, gestos)
Gosta de estar com outras crianças
pequenas
Social-Relacional Sente orgulho e prazer em feitos
independentes
Brinca predominantemente próximo de
outras crianças pequenas, mas repara e
imita o jogo de outras crianças pequenas
com maior frequência
Responde a ser corrigido ou elogiado

Gosta que lhe leiam

Nomeia ações
Sabe o nome de pessoas familiares e
muitas partes do corpo
Linguagem e Usa duas palavras juntas (p.e. “mais
bolo”; “papa, xau”)
Comunicação Repete palavras que ouve em conversas
Social
Nomeia objetos em livros de imagens
(p.e. gato, pássaro, bola ou cão)
Imita sons de animais, como “miau”, “au”,
“muuu”, “mee”
Usa alguns pronomes autorreferenciais
como “meu/minha”
Encontra coisas, mesmo quando
escondidas por baixo de duas ou três
camadas, ou quando escondidas num
local e mudadas para um segundo local
(p.e. não desiste quando o objeto
escondido não é encontrado à primeira)
Começa a ordenar formas e cores
Cognitivo Completa frases e rimas de livros,
histórias ou canções familiares
Joga jogos de faz de conta simples (p.e.
refeição de faz de conta)
Constrói torres de quatro ou mais blocos
Segue instruções de dois passos (p.e.
“pega nos teus sapatos e coloca-os no
armário”)

161
Participa no vestir (p.e. coloca os braços
nas mangas, puxa as calças para cima
ou para baixo, coloca o chapéu)
Fica de pé em bicos de pé

Chuta uma bola

Motricidade e Corre
Desenvolvimento
Físico Sobe e desce de mobília sem ajuda

Sobe e desce escadas segurando-se

Desenha linhas

Bebe usando uma palhinha

Abre armários, gavetas e caixas

162
36 meses

Classificação
Domínio da do Domínio
Marco do Desenvolvimento Classificação Comentário
Competência da
Competência
Expressa o leque completo de emoções,
incluindo orgulho, vergonha, culpa e
empatia
Expressa angústia ou raiva com as suas
palavras
Emocional Mostra orgulho em novas aprendizagens
e novas experiências
Expressa afeto aberta e verbalmente
Expressa sentimentos através do jogo faz
de conta e da representação
Mostra afeto aos pares sem ser solicitado

Partilha sem ser solicitado

Consegue esperar pela sua vez no jogo


Mostra preocupação por um par que
chora, agindo
Social-Relacional Participa em jogo associativo com os
pares (i.e. crianças participam em
atividades semelhantes sem uma
organização formal, mas com alguma
interação)
Partilha feitos com outros

Ajuda em tarefas domésticas simples

Usa claramente os sons k, g, f, t, d e n


Constrói pontes lógicas entre ideias
usando palavras como “mas” e “porque”
Faz questões usando palavras como
“porquê?” ou “como?”
Diz o primeiro nome quando lhe é
perguntado
Nomeia a maioria dos objetos familiares
para si
Compreende palavras como “dentro”,
“por cima” e “por baixo”
Linguagem e Sabe informação de autoidentificação
Comunicação (p.ex. nome, idade, sexo)
Social Identifica os pares pelo nome
Usa alguns plurais (p.e. “carros”, “cães”,
“gatos”)
Usa corretamente pronomes como “meu”,
“Eu”, “Tu”, “Deles”, “Dele/a”
Fala bem o suficiente para os ouvintes
familiares perceberem na maioria das
vezes
Mantém uma conversa usando duas ou
três frases
Usa frases com pelo menos três a quatro
palavras

163
Nomeia algumas cores corretamente
Faz jogo de faz de conta temático com
objetos, animais e pessoas
Responde a questões “porquê” simples
(p.e. Por que é que precisamos de um
casaco quando está frio?”)
Mostra consciência de limitação de
capacidades.
Compreende “maior” e “menor”
Cognitivo
Compreende o conceito de “dois”
Adota rotinas comportamentais
complexas observadas na vida diárias
dos cuidadores, irmãos ou pares
Resolve problemas simples (p.e. obtém
objeto desejado abrindo um recipiente)
Atenta a uma história durante 5 minutos
Brinca de modo independente durante 5
minutos
Manipula alguns botões, alavancas e
partes em movimento
Monta estruturas altas e baixas

Corre com fluidez

Motricidade e Copia um círculo


Desenvolvimento Constrói uma torre com mais de seis
Físico blocos
Pedala um triciclo

Apanha e chuta uma bola grande


Sobe e desce escadas, com pés
alternados

164
48 meses

Classificação
Domínio da do Domínio
Marco do Desenvolvimento Classificação Comentário
Competência da
Competência
Expressa angústia ou raiva com palavras
Transmite experiências emocionais no
Emocional jogo faz de conta
Cumpre com as regras culturais básicas
para a expressão emocional
Faz de conta que é a “mãe” ou o “pai” no
jogo (ou outros cuidadores relevantes)
Faz questões ou fala sobre os cuidadores
quando separados (i.e., mantém o outro
na mente)
Social-Relacional Participa no jogo cooperativo com outras
crianças
Tem um amigo preferido

Expressa interesses, gostos e aversões


Relata experiências da escola ou de fora
de casa
Descreve eventos ou coisas usando
quatro ou mais frases de uma vez
Identifica palavras que rimam
Reconhece e compreende as regras
básicas da gramática (p.e. plural, tempos
verbais)
Canta uma canção ou diz um poema de
Linguagem e
cor
Comunicação Conta histórias
Social
Diz o primeiro e último nome quando
questionado
Usa palavras ou adjetivos para descrever
ou falar de si próprio
Compreende, usa e responde a questões
“como” ou “quando”
Usa palavras relativas ao tempo
A fala é geralmente compreendida por
pessoas não familiares
Nomeia várias cores e alguns números

Conta até cinco


Tem uma compreensão rudimentar do
tempo
Partilha experiências passadas
Cognitivo
Lembra-se de partes de uma história
Participa em jogo faz de conta com
capacidade para construir e elaborar em
temas de jogo
Liga ações a emoções

165
Responde a questões que requerem a
compreensão da ideia “mesmo” e
“diferente”
Desenha uma pessoa com duas a quatro
partes do corpo
Compreende que as ações podem
influenciar as emoções das outras
pessoas (p.e. tenta fazer os outros rir ao
contar piadas simples)
Cognitivo
Espera pela sua vez em jogos simples

Elabora no jogo faz de conta temático


Joga jogos de tabuleiro ou de cartas com
regras simples
Descreve o que se vai passar de seguida
num livro
Fala do correto e do errado
Salta e aguenta-se num só pé até 2
segundos
Apanha uma bola grande a maioria das
Motricidade e vezes.
Desenvolvimento Copia o sinal “mais”
Físico Usa a casa de banho durante o dia com
poucos acidentes
Verte de um recipiente para outro, corta
com supervisão e tritura a própria comida

166
60 meses

Classificação
Domínio da
Marco do Desenvolvimento Classificação Comentário do Domínio da
Competência
Competência
Expressa duas ou mais emoções ao
mesmo tempo
Mostra consciência de e interesse no
Emocional
sucesso pessoal
Mostra confiança aumentada associada
a maior independência e autonomia
Quer agradar aos amigos

Imita modelos, reais ou imaginários

Valoriza as regras nas interações sociais


Social-Relacional
Participa em atividades de grupo que
requerem a assunção de papéis (p.e.
seguir o líder)
Modula ou modifica a voz corretamente
dependendo da situação ou do ouvinte
Faz todos os sons da fala. Pode dar
erros nos sons mais difíceis como ch, sh,
th, l, v e z (variável conforme a língua)
Compreende palavras que denotam uma
ordem como “primeiro”, “segundo”,
“terceiro”, “próximo” e “último”
Usa “hoje”, “ontem”, “amanhã”, “na
semana passada” e “antes” corretamente
Linguagem e Discrimina palavras que rimam e que
não rimam
Comunicação
Reconhece palavras com o mesmo som
Social
de início
Identifica sons individuais dentro das
palavras
Conta uma história simples usando
frases completas
Usa o tempo verbal futuro

Diz o nome completo e morada

Conta 10 ou mais coisas

Conta histórias com princípio, meio e fim


Desenha uma pessoa com pelo menos
seis partes do corpo
Reconhece os próprios erros e maus
comportamentos e pede desculpa
Distingue a fantasia da realidade na
maioria das vezes
Cognitivo
Nomeia quatro cores corretamente

Segue as regras em jogos simples


Sabe a função de objetos domésticos
diários (p.e. dinheiro, utensílios de
cozinha, eletrodomésticos)
Participa numa atividade de grupo
durante 15 minutos (p.e. ouvir uma
história em círculo)

167
Fica, em pé, apoiado num só pé durante
10 segundos ou mais
Copia o triângulo e outras formas
geométricas
Copia algumas letras e números
Motricidade e
Salta num só pé
Desenvolvimento
Físico Usa utensílios para comer
Usa a casa de banho de modo
independente (limpa-se, descarrega o
autoclismo e lava as mãos)
Anda de modo independente no baloiço

168
ANEXO B: GRUPO DE TRABALHO DA TRADUÇÃO E REVISÃO GERAL

DEPARTAMENTO DE PEDOPSIQUIATRIA DO CENTRO HOSPITALAR DO PORTO - SERVIÇO 1

Introdução
Maria Goretti Dias (Assistente Hospitalar Graduada Sénior de Pedopsiquiatria no CHP)

Perturbações Do Neurodesenvolvimento
Vânia Martins (Assistente Hospitalar Graduada de Pedopsiquiatria no CHP)

Perturbações do processamento Sensorial

Catarina Barbosa (Terapeuta Ocupacional)

Perturbações de Ansiedade
Fábio Monteiro (IFE de Psiquiatria do Hospital de Magalhães Lemos)

Perturbações do Humor

Camila Gesta (Psicóloga); Mara Gomes e Mariana Araújo (Psicólogas estagiárias)

Perturbação Obsessivo-Compulsiva e Relacionadas


Teresa Sá (IFE de Pedopsiquiatria no CHP)

Perturbações do Sono, Alimentação e Choro


Graça Fernandes (Assistente Hospitalar Graduada de Pedopsiquiatria no CHP); Teresa Sá (IFE de
Pedopsiquiatria no CHP)

Perturbações de Privação, Stress e Trauma


Catarina Ferreira (IFE de Pedopsiquiatria no CHUC); Teresa Sá (IFE de Pedopsiquiatria no CHP)

Perturbações da Relação
Filipa Martins Silva (IFE de Pedopsiquiatria no CHP)

Eixo II: Contexto Relacional


Filipa Martins Silva (IFE de Pedopsiquiatria no CHP)

Eixo III: Condições e Considerações da Saúde Física


Filipa Martins Silva (IFE de Pedopsiquiatria no CHP)

Eixo IV: Stressores Psicossociais


Filipa Martins Silva (IFE de Pedopsiquiatria no CHP)

Eixo V: Competências de Desenvolvimento


Filipa Martins Silva (IFE de Pedopsiquiatria no CHP)

Edição e Revisão Geral


Teresa Sá (IFE de Pedopsiquiatria no CHP) - sugestões/correções: teresasa.pedopsiquiatria@chporto.min-saude.pt

169
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