Você está na página 1de 8

LEMOS

ARTIGO DEACM
REVISÃO

UMA VISÃO PSICOPEDAGÓGICA DO


BULLYING ESCOLAR

Anna Carolina Mendonça Lemos

RESUMO – O bullying escolar é uma forma de agressão velada dentro


da instituição educacional, que acarreta danos, freqüentemente irreversíveis,
na vida global dos envolvidos, de modo a destruir-lhes a saúde, psicológica
e física. Além de conseqüências como rebaixamento da auto-estima, depressão
e marginalização, pode estimular desejos (e atitudes) de suicídio e
assassinato. Portanto, merece intervenção de áreas profissionais distintas,
preferencialmente em uma atuação em equipe, na qual também participam a
família e a escola. A Psicopegagogia, institucional e clínica, pela sua parcela
de participação, objetiva resgatar o desejo de aprender perdido da vítima,
do agressor e dos espectadores do fenômeno. Portanto, o presente estudo
visou desenvolver uma ligação entre o bullying e a teoria psicopedagógica,
a fim de possibilitar o desenvolvimento de uma intercessão entre ambos,
capaz de auxiliar profissionais, pais, interessados e envolvidos.

UNITERMOS: Aprendizagem. Transtornos de aprendizagem. Agressão.


Comportamento. Saúde do adolescente.

Anna Carolina Mendonça Lemos - Psicopedagoga Correspondência


associada da Associação Brasileira de Psicopedagogia Anna Carolina Mendonça Lemos
– Seção Brasília, assessora da Promotoria de Justiça de SGAS 915 – Bloco A – sala 309 – Ed. Office Center
Defesa da Educação do Ministério Público do Distrito Asa Sul – Brasília – DF – 70390-150
Federal e Territórios, psicopedagoga do APRENDIZ – Tel.: (61) 3346-3698 – (61) 3348-9009
Espaço Psicopedagógico Clínico e Institucional – e E-mail: annaclemos@terra.com.br
membro acadêmico da Associação da Refundação
Psicanalítica Internacional – ARPI.

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(73): 68-75

$&
BULLYING ESCOLAR

INTRODUÇÃO Em conformidade, Fernández3 afirma que


O bullying é um fenômeno de agressão para aprender é necessário que existam vínculos
velada, física, verbal ou psicológica, capaz de de aprendizagem, que supõem a articulação com
acarretar enorme prejuízo emocional, psicológico o meio, dos intercâmbios afetivos, cognitivos,
e social no indivíduo vitimizado. Portanto, por se orgânicos, simbólicos e virtuais. Tal afirmação
tratar de uma realidade também presente no infere que a aprendizagem está relacionada a um
âmbito escolar, capaz de comprometer o processo aprendente e a um ensinante – este, não somente
de aprendizagem, a psicopedagogia não poderia o professor, mas qualquer pessoa participante do
deixar de analisá-lo, bem como de preparar-se processo educacional do sujeito – e no vínculo
para atuar em situações correlacionadas. estabelecido entre eles.
Este artigo pretende desenvolver uma ligação Ademais, Fernández 3 afirma que todo o
entre o bullying e a teoria psicopedagógica, a processo de aprendizagem implica quatro dimen-
ponto de possibilitar que os profissionais sões articuladas, de modo a não ser aceito falar
preocupados com o fenômeno, além dos próprios de aprendizagem excluindo qualquer uma. São
envolvidos, pais e interessados, recebam mais elas: organismo, corpo, inteligência e desejo.
informações capazes de remetê-los a uma atitude O organismo, de acordo com Fernández3,
eficaz na prevenção, diminuição, ou quem sabe, constitui a infra-estrutura neurofisiológica de
no combate ao fenômeno bullying e seus efeitos. todas as coordenações possíveis e possibilita a
memória dos automatismos, ou seja, é um funcio-
A TEORIA PSICOPEGAGÓGICA namento já codificado, que necessita do corpo.
A psicopedagogia se ocupa do estudo do Em concordância, Weiss4 afirma que alterações
processo de aprendizagem humana, de forma nos órgãos sensoriais impedirão ou dificultarão
preventiva e terapêutica. Entretanto, ainda que o acesso aos sinais do conhecimento. No entanto,
o enfoque da psicopedagogia seja os problemas é conveniente destacar que pessoas com limita-
de aprendizagem, é necessário que se ocupe do ções orgânicas podem não apresentar problemas
processo de aprendizagem como um todo, a fim na aprendizagem, visto que, dentro de suas
de descobrir as barreiras que impedem ou possibilidades, não há déficit, ou seja, o processo
atrapalham o aprendiz de se autorizar a saber. de aprendizagem flui corretamente dentro de suas
Segundo Bossa1, a Psicopedagogia, atual- limitações.
mente, trabalha com uma concepção de aprendi- O corpo, por sua vez, é o meio por onde passa
zagem, segundo a qual participa desse a aprendizagem, do início até o seu fim, desde a
processo um equipamento biológico com mais tenra idade. É por meio da exploração do
disposições afetivas e intelectuais que corpo que o bebê começa absorver as suas
interferem na forma de relação do sujeito com primeiras aprendizagens e a formar a sua iden-
o meio, sendo que essas disposições tidade. Dessa forma, os sentimentos e os pensa-
influenciam e são influenciadas pelas condições mentos são transmitidos a partir do corpo e,
socioculturais do sujeito e do seu meio. portanto, o conhecimento é fornecido e adquirido
Os fatores biológicos (intrínsecos) têm tanta igualmente a partir dele.
importância quanto os sociais (extrínsecos), pois, A dimensão cognitiva, que engloba a inteli-
além de estarem completamente entrelaçados, gência, caracteriza-se pela construção da
são capazes de influenciar positiva ou negati- objetividade, ou seja, refere-se à estrutura lógica.
vamente o processo de aprendizagem. Portanto, De acordo com Fernández3, a inteligência tende
de acordo com Paín 2, existem dois tipos de a objetivar, a buscar generalidades, a classificar,
condições para a aprendizagem: as externas, que a ordenar, a procurar o que é semelhante, o
definem o campo do estímulo, e as internas, que comum. Para tanto, Piaget5 afirma que a cognição
definem o sujeito. utiliza os mecanismos de acomodação e de

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(73): 68-75

$'
LEMOS ACM

assimilação, os quais participam da absorção do entre os níveis? Quando um fator, externo ou


conhecimento ao longo do processo de amadu- interno, possui força suficiente para lhe ser
recimento das ações mentais da criança em busca causador.
de uma organização lógica dos objetos e do Fernández afirma que fatores externos à
mundo. Uma aprendizagem “normal” refere-se estrutura familiar e individual do sujeito, ou seja,
a um equilíbrio entre os movimentos assimilativos provenientes da ordem educativa, ocasionam o
e acomodativos. denominado problema de aprendizagem reativo,
Segundo Fernández3, o conteúdo de um enquanto que os internos são considerados
conhecimento provém de um ensino (sistemático inibição ou, ainda, sintoma.
ou assistemático), mas a possibilidade de proces- Vorcaro6, em conformidade, afirma que a causa
sar este conteúdo depende da presença, no dos problemas de aprendizagem passa a ser
sujeito, de uma estrutura cognitiva, adequada ao analisada a partir de três modelos: 1) a causa-
nível de compreensão requerido e de um vínculo lidade orgânica, a qual remete a problemas bioló-
que possibilite representar esse conhecimento. gicos, genéticos e físicos; 2) a causalidade a partir
A dimensão simbólica, por fim, engloba o de determinação dada pela escola fracassada, ou
desejo e refere-se à construção da subjetividade, seja, é decorrente da conduta da escola; e, 3) a
ou seja, da apropriação e representação do objeto. causalidade determinada pela posição da criança
De acordo com Fernández3, é o nível simbólico no discurso dos pais, isto é, oriunda das questões
que organiza a vida afetiva e a vida das signifi- parentais, que demonstram que a série de
cações. A linguagem, o gesto e os afetos agem significantes inconscientes relacionada ao ato de
como significados ou significantes, com os quais aprender inibiu a aprendizagem.
o sujeito pode dizer como se sente ao mundo. A escola e a família, portanto, são efetivamente
Portanto, expressa nossos sonhos, nossos erros, contribuintes e definidores do desenrolar saudá-
nossas lembranças, nossas falhas, nossos mitos. vel ou do fracasso da aprendizagem. Como educa-
Trata-se, por conseguinte, das significações dadas dores, possuem imensa relevância no estímulo a
aos representantes psíquicos existentes no incons- um processo de aprendizagem fluido e sua
ciente, caracterizando a importância do meio conduta, sua postura, seu exemplo, sua maneira
externo à formação psíquica do sujeito. de lidar com o sujeito, com o objeto de conheci-
Dessa forma, segundo Fernández3, a apren- mento e com a forma de circulação do saber são
dizagem é um processo que se significa familiar- fundamentais para desenvolver no sujeito uma
mente, ainda que se aproprie individualmente, motivação para o saber. Em contrapartida, no caso
intervindo o organismo, o corpo, a inteligência de uma má condução, são capazes, igualmente,
e o desejo do aprendente e também do ensinante. de desenvolver bloqueios e de impedir que a
Assim, no aprender, interagem a elaboração aprendizagem se processe corretamente.
objetivante (inteligência) e subjetivante (desejo). Segundo Paín2, os problemas de aprendi-
O sintoma instala-se sobre uma modalidade e zagem são perturbações produzidas durante a
essa modalidade tem uma construção pessoal a aquisição e não nos mecanismos de conservação
partir dos quatro níveis (organismo, corpo, e disponibilidade, embora estes aspectos mereçam
inteligência e desejo). consideração. Assim, com exceção das rupturas
Assim, para aprender é necessária a articu- muito precisas, a significação do problema de
lação entre os quatro níveis. Então, quando uma aprendizagem não deve procurar-se no conteúdo
dificuldade de aprendizagem se instaura? Ou do material sobre o qual se opera, mas, preferen-
seja, quando o processo de aprendizagem passa cialmente, sobre a operação como tal.
a apresentar falhas, problemas, limitações, inibi- Portanto, assim como a aprendizagem parti-
ções ou bloqueios? Quando ocorre desarmonia cipa de um processo, a não-aprendizagem
entre os níveis. E quando ocorre uma desarmonia também. O não-aprender é oriundo de um

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(73): 68-75

%
BULLYING ESCOLAR

processo desenvolvido no âmbito no qual o sujeito fantasias relacionadas ao ato de aprender; 2) a


está envolvido, com participação de outras pes- restauração do vínculo que o sujeito estabelece
soas, outros desejos, outros significantes, embora com o objeto de conhecimento; 3) a reconstrução
a um possível fato específico lhe seja atribuída a da auto-imagem do sujeito enquanto aprendente,
“culpa”. Nota-se, entretanto, que, muitas vezes, e; 4) a reparação do vínculo do sujeito com o
o fator gerador da dificuldade de aprendizagem ensinante.
tem menos valor do que o processo dele Segundo Chamat8, uma das características
decorrente. mais marcantes da proposta oferecida é a busca
A psicopedagogia visa, justamente, desen- e valorização das possibilidades do ser que
volver um trabalho com a criança, a família e a aprende, viabilizando o caminho para a auto-
escola, sensibilizando-os sobre a importância de estima que se constitui a chave-mestra do desen-
sua conduta. Institucionalmente, o trabalho psico- volvimento do pensamento a partir da interna-
pedagógico contribui para a prevenção ou dimi- lização da crença em si mesmo e consolidação de
nuição de dificuldades de aprendizagem, objeti- um objeto permanente. Isso lhe possibilitará a
vando favorecer um ambiente educacional libertação da afetividade, formação de vínculos
saudável que não estimule bloqueio ou limitação e, conseqüentemente, da motivação para a busca
da aprendizagem, por meio da aplicação de do saber.
métodos preventivos com os alunos, a equipe de Em suma, a psicopedagogia visa possibilitar
profissionais e a família. Ademais, visa detectar que as quatro dimensões (orgânica, corporal,
os problemas já instalados e, caso necessário, cognitiva e simbólica), quando desarmônicas,
propor mudanças na estrutura geral da escola, sejam novamente intercambiáveis, a ponto de
na conduta de profissionais específicos e/ou possibilitar que o processo de aprendizagem
encaminhar o discente a um clínico. deslanche com a fluidez necessária. Ademais,
Clinicamente, a psicopedagogia contribui para cabe-lhe detectar a causa de tal desarmonia, ou
o tratamento das dificuldades instauradas. Bossa1 seja, quais questões ocasionam o distanciamento
considera, ainda, que o trabalho clínico na Psico- do aprendente com o saber (orgânicas, escolares,
pedagogia tem função preventiva na medida em familiares).
que, ao tratar determinados problemas, pode  
prevenir o aparecimento de outros. O BULLYING ESCOLAR
O psicopedagogo, ao receber um sujeito com Embora sempre presente em todas as escolas,
queixa de dificuldade de aprendizagem, seja o bullying passou a ser estudado cientificamente
encaminhado pela escola, por outro profissional, somente nas últimas décadas, tamanha a
pelos pais ou por iniciativa do próprio aprendente, preocupação dos profissionais ao perceber a
inicia um processo diagnóstico para investigação capacidade da agressão de gerar traumas, muitas
da causa do problema. vezes, irreversíveis nos envolvidos.
A partir do resultado do diagnóstico podem A violência velada, caracterizada pela
ser adotadas algumas das seguintes medidas: constância e repetição de agressões – física,
início do atendimento psicopedagógico, enca- verbal ou psicológica – a uma criança ou adoles-
minhamento a especialistas diversos (seja por não cente, passou a ser denominada bullying.
ser atuação de psicopedagogo, seja para trabalho Segundo Fante 9, por definição universal,
multidisciplinar), intervenção na escola e bullying é um conjunto de atitudes agressivas,
intervenção na família. intencionais e repetitivas, que ocorrem sem
O atendimento psicopedagógico, por sua vez, motivação evidente, adotado por um ou mais
no caso de o diagnóstico apontar a sua neces- alunos contra outro(s), causando dor, angústia e
sidade, está respaldado, de acordo com Amaral7, sofrimento. Insultos, intimidações, apelidos
nos seguintes pilares: 1) a re-significação das cruéis, gozações que magoam profundamente,

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(73): 68-75

%
LEMOS ACM

acusações injustas, atuação de grupos que Fante9 afirma que essas mobilizações psíqui-
hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de cas de medo, constrangimento, angústia e raiva
outros alunos levando-os às exclusões, além de reprimida poderão aprisionar sua mente a cons-
danos físicos, morais e materiais, são algumas truções inconscientes de cadeias de pensamentos,
das manifestações do comportamento bullying. que resultarão em dinâmicas psíquicas destru-
Portanto, o fenômeno bullying envolve o(s) tivas de si mesma e da sociedade como, por
agressor(es), a(s) vítima(s) e espectador(es). exemplo, a instalação do desejo de matar, por
O agressor costuma estar em situação de vingança, o maior número possível de pessoas,
poder, autoridade e admiração, atingindo a vítima seguido de suicídio. O trágico é que as vítimas
com constantes emissões de ameaças, intimi- desse fenômeno são feridas na área mais preciosa,
dações, apelidos maldosos, gozações, humi- íntima e inviolável do ser – a sua alma.
lhações, ofensas, intrigas, xingamentos, agres- Entretanto, mesmo que as seqüelas não atin-
sões físicas, discriminação, constrangimentos, jam fatalidades irreversíveis, podem acarretar um
insultos, perseguições, chantagens, dentre outros. prejuízo incalculável, em diversos âmbitos, à víti-
Segundo Fante9, tal comportamento é decorrente ma, aos agressores e às testemunhas, caso não
de carência afetiva, ausência de limites e maus- recebam o atendimento necessário.
tratos e explosões emocionais violentas prove- Segundo Costantini10, nesses comportamentos,
nientes dos pais, caracterizando uma ausência às vezes considerados irrelevantes, pesa de
de modelos educativos humanistas éticos. maneira decisiva a ausência de intervenção por
Ademais, podem desenvolver uma tendência ao parte dos adultos. A escola, portanto, enquanto
uso de drogas e ampliação do fenômeno bullying instituição educadora, não pode ser omissa ao
em casa e no trabalho. fenômeno bullying e deve ser compromissada em
Os espectadores, ou testemunhas, por razões ater-se ao fato, buscar atualizar-se e agir de forma
diversas, assistem à violência, porém nada fazem, eficiente no combate ao mesmo.
mesmo que sejam desfavoráveis ao fato. Para Todos os profissionais do âmbito escolar devem
Fante9, podem se sentir inseguros e incomodados estar engajados no processo, comprometidos com
com a situação e, portanto, também tendem a ter a elaboração e desenvolvimento de debates,
o processo de aprendizagem comprometido. palestras, campanhas, trabalhos específicos,
A vítima, por sua vez, ainda segundo Fante9, parceria com a família e com demais profissionais,
tende a ter um perfil típico, que engloba “timidez, dentre outros, para que, futuramente, possam se
ansiedade, insegurança, falta de habilidades para orgulhar do ambiente sadio e pacífico que
se impor, medo de denunciar seus agressores, estimularam, em decorrência do desenvolvimento
baixa auto-estima, o que a torna vulnerável e de uma vinculação entre cognição e afeto dentro
passiva à ação do agressor. Muitas vezes, possui do ambiente escolar.
alguma característica física ou comportamental Em contrapartida, em condição de parceria, a
marcante, como obesidade, baixa estatura, sardas, família, de todos os envolvidos, não deve deixar
não gostar de praticar esportes, dentre outras, o que a situação seja resolvida somente pela escola,
que a destaca e a faz diferente dos demais, devendo contribuir com uma participação ativa.
despertando a atenção do agressor. A influência familiar é definidora no desenvol-
Em decorrência do bullying, a vítima pode vimento da estrutura psicológica da criança e,
desenvolver ou estimular pensamentos suicidas, portanto, os pais devem se comprometer a ofere-
isolamento, ansiedade, ira, indignação, rebaixa- cer-lhe, desde o seu nascimento, uma formação
mento ainda maior da auto-estima, depressão, digna, respeitosa e saudável.
medo, traumas, angústia, vergonha, desejo de Todo o esforço dispensado não será em vão,
vingança, problemas psicossomáticos, margina- visto que, de acordo com Beaudoin & Taylor11,
lização, muito sofrimento e aversão à escola. o bullying e o desrespeito tendem a desaparecer

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(73): 68-75

%
BULLYING ESCOLAR

onde haja um clima de atenção e de vínculo desconhecem o fato, igualmente não se tornam
entre as pessoas. contribuinte ao fim do sofrimento e, quando
cientes da situação, seja por ignorância ou
A PSICOPEDAGOGIA E O BULLYING displicência, freqüentemente ignoram-na, consi-
ESCOLAR derando tratar-se de comportamentos comuns à
De acordo com a teoria psicopedagógica, o idade e sem importância.
bullying é considerado um dos atuais A vítima, conseqüentemente, tende a se
causadores de problemas de aprendizagem, excluir de todos os envolvidos e a manter-se em
visto ser capaz de desarmonizar as dimensões um completo isolamento, por considerar-se
cognitiva, simbólica, orgânica e corporal. A sozinha, abandonada e incompreendida. Como,
aprendizagem, de acordo com Negrine12, neces- muitas vezes, não pode dispensar a escola,
sita de motivação como componente inerente sozinha em seu sofrimento, acaba forçando uma
ao processo, visto estar sempre presente como motivação para freqüentar aquele espaço, sem,
desencadeadora da ação. obviamente, aproveitar devidamente as ofertas
Em conformidade, Spitz13 afirma que os afetos educacionais, gerando as falhas no seu processo
determinam a relação entre percepção e cognição, de aprendizagem.
e servem para explicar comportamentos e Segundo Fante9, a superação dos traumas
acontecimentos psicológicos. Natural, então, que causados pelo fenômeno poderá ou não ocorrer,
o objeto de aprendizagem deixe de ser objeto de dependendo das características individuais de
desejo e passe a ser considerado objeto de repul- cada vítima, bem como o da sua habilidade de se
sa, acarretando, portanto, o não-aprender. relacionar consigo mesma, com o meio social e,
Evidente, então, que o processo educacional sobretudo, com a sua família.
se torne comprometido, visto que o aluno, desmo- Portanto, não sobram dúvidas de que o
tivado, passa a não mais ter interesse em freqüen- fenômeno bullying é capaz de acarretar prejuízo
tar a escola. A partir de então, passa a inventar na aprendizagem daqueles que nele estão
qualquer motivo para faltar às aulas, não se preo- envolvidos. Entretanto, como não apenas o campo
cupa em realizar as tarefas, não presta atenção do conhecimento torna-se comprometido, é
às explicações, não se socializa, enfim, não necessário que outros profissionais intervenham,
desenvolve um envolvimento emocional saudável além do psicopedagogo, a fim de resgatar os
com o ambiente escolar. Em conseqüência, o demais desejos perdidos do sujeito.
aprendente tende à retenção de série, troca de
escola e, até mesmo, evasão escolar. CONCLUSÃO
O ambiente escolar, conseqüentemente, torna- O fenômeno bullying é capaz de desenvolver
se inadequado à vítima, uma vez que os colegas, sérios comprometimentos ao processo de
que deveriam estar enquadrados em um nível aprendizagem, visto que desenvolve, na insti-
de amadurecimento e de comportamento simila- tuição educacional, um ambiente nocivo não
res, passam a ser considerados como agressores somente às vítimas, mas a todos, direta ou
ou impotentes; o agressor, propriamente dito, indiretamente, envolvidos.
amedronta-lhe, de modo a fazê-la perder qual- Seus efeitos são capazes de efetivamente
quer motivação relacionada ao estudo (ou a si desarmonizar as dimensões cognitiva, corporal,
mesma), além de tender a ter o seu próprio simbólica e orgânica, acarretando um conflito
processo educacional abalado; as testemunhas entre as questões internas e externas ao sujeito.
passam a ser vistas como rivais e desinteressadas Os estragos emocionais, sociais e psicológicos
na resolução do problema, além de também graves gerados têm força suficiente para impedir
poderem estar comprometidas educacionalmente; que o sujeito tenha um envolvimento saudável e
a família e a escola, por sua vez, quando propício com o objeto de conhecimento.

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(73): 68-75

%!
LEMOS ACM

Embora seja evidentemente estudo da próprio fenômeno começou a ser estudado


psicopedagogia, o bullying deve receber também cientificamente há pouco tempo.
devida importância de todos os profissionais que Ainda há muito a ser explorado, elaborado,
atendem à criança, tais como psicopedagogo, simbolizado sobre o bullying, a começar pela
psicólogo, pedagogo, psicanalista, dentre outros, própria questão nominal, a qual, no Brasil,
todos com o objetivo de fortalecer a estrutura emo- continua sem tradução do inglês. Qual seria o
cional do sujeito e possibilitar que suas relações motivo para que não haja uma palavra ou um
inter e intrapessoais sejam bem (re)estruturadas. termo equivalente em português?
Ademais, a escola e a família, como contri- Dessa forma, concluo este artigo deixando-o
buintes do surgimento e desenvolvimento do em aberto, como demonstração explícita de que
bullying, por sua forma de atuação, também a realidade da referida violência merece receber
devem ser responsáveis pela sua prevenção e continuado estudo.
pelo seu fim, o que demanda conscientização
efetiva do seu papel no processo da estruturação AGRADECIMENTOS
do sujeito. Agradeço aos meus familiares, às Promotoras
Portanto, trata-se de um trabalho de combate de Justiça e aos colegas da Promotoria de Justiça
em equipe, em que cada um deve oferecer uma de Defesa da Educação do Ministério Público do
contribuição eficaz. Evidente que não se trata de Distrito Federal e Territórios, às psicopedagogas
algo fácil, não somente, e principalmente, por se do APRENDIZ – Espaço Psicopedagógico Clínico
tratar de seres humanos – fato que atinge a e Institucional – e aos membros da ARPI, que
individualidade, estruturas familiar, social, diretamente influenciaram e estimularam a
educacional arraigadas, etc. – mas porque o elaboração do presente estudo.

SUMMARY
Bullying in schools: a psychopedagogical vision

School bullying is a form of hidden aggression within the educational


institution which causes damage, frequently irreversible, to the lives of those
involved; harming - possibly destroying the victim’s health, psychological,
and physical well being. As well as lowering self esteem, bringing on
depression, social isolation and interpersonal problems in later life, bullying
can, in the worst case scenarios, push its victims to commit suicide or even
murder. Treatment from various professional areas must be sought, preferably
in conjunction with family and the school. The objective of Psychopedagogy,
both institutional and clinical, is to recover the desire to learn, normally lost
by the victim as a result of bullying. The purpose of this study is to establish
how psychopedagogy can directly support victims of bullying, and create a
link between them, in order to assist the work of professionals, and be
informative to families and interested members of the public.
 
KEY WORDS: Learning. Learning disorders. Aggression. Behavior.
Adolescent health.

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(73): 68-75

%"
BULLYING ESCOLAR

REFERÊNCIAS 7. Amaral ALSN. Os quatro pilares do


1. Bossa NA. A psicopedagogia no Brasil: atendimento psicopedagógico. Rev
contribuições a partir da prática. 2ª ed. Porto Psicopedagogia 2001;19(1):66-9.
Alegre:Artmed;2000. 8. Chamat LSJ. Técnicas de diagnóstico
2. Paín S. Diagnóstico e tratamento dos proble- psicopedagógico: o diagnóstico clínico na
mas de aprendizagem. 4ª ed. Porto Alegre: abordagem interacionista. São Paulo:
Artmed;1992. Vetor;2004.
3. Fernández A. A inteligência aprisionada: 9. Fante C. Fenômeno bullying: como prevenir
abordagem psicopedagógica clínica da a violência nas escolas e educar para a paz.
criança e sua família. Porto Alegre: 2ª ed. Campinas/SP:Veru;2005.
Artmed;1991. 10. Costantini A. Bullying: como combatê-lo,
4. Weiss MLL. Psicopedagogia clínica: uma prevenir e enfrentar a violência entre os
visão diagnóstica dos problemas de jovens. São Paulo:Itália Nova;2004.
aprendizagem escolar. 9ª ed. Rio de 11. Beaudoin M, Taylor M. Bullying e
Janeiro:DP&A;2002. desrespeito: como acabar com essa cultura
5. Piaget J. O nascimento da inteligência na na escola. Porto Alegre:Artmed;2006.
criança. 4ª ed. Rio de Janeiro:LTC;1987. 12. Negrine A. Aprendizagem e desenvol-
6. Vorcaro A. Crianças na psicanálise: clínica, vimento infantil. Porto Alegre:PRODIL; 1994.
instituição, laço social. Rio de Janeiro: 13. Spitz RA. O primeiro ano de vida. 3ª ed.
Companhia de Freud;2005. São Paulo:Martins Fontes;2004.

Trabalho realizado no APRENDIZ – Espaço Artigo recebido: 05/11/2006


Psicopedagógico Clínico e Institucional, Brasília, DF. Aprovado: 12/03/2007

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(73): 68-75

%#

Você também pode gostar