O trabalho psicopedagógico está sempre voltado ao processo de
aprendizagem, busca na psicologia, pedagogia, psicanálise, psicolinguística e na neurologia, contribuições necessárias para a compreensão dos processos de aprendizagem e subsídios para intervir nas dificuldades de aprendizagem. A psicopedagogia trabalha preventivamente através de estudos que ofereçam condições para uma melhor aprendizagem; também trabalha de forma terapêutica, curativa e remediativa, visando o desaparecimento dos sintomas através de um trabalho interventivo que oferece para o sujeito, possibilidades de se aprender em melhores condições. Ao psicopedagogo cabe conduzir o processo de aprendizagem utilizando a afetividade como facilitador desse processo, levando em consideração os aspectos cognitivos, sociais e afetivos do aprendente, considerando-o único como ser que aprende, mas integrado e articulado aos aspectos que o compõe como ser humano: meio-ambiente, família, escola, sociedade. Tão importante para a manutenção da vida e assunto primordial da psicopedagogia, a aprendizagem é uma operação contínua na qual novas informações são incorporadas à estrutura cognitiva do sujeito, se relacionando a um aspecto primário dessa estrutura. A aquisição de um novo conteúdo, pode modificar outro já existente, possibilitando-lhe outros significados. A aprendizagem ocorre nas interações que estabelecemos com o outro e com o mundo, sendo uma ação social natural, espontânea ou planejada, que resulta de uma complexa atividade mental onde estão envolvidos os processos de percepção, motricidade, emoção, pensamento, memória, mediação e conhecimentos prévios. O ato de aprender ocorre na articulação construtiva de quatro níveis de estruturação: orgânico, corporal, intelectual e simbólico; em geral, a aprendizagem ocorre em uma relação vincular entre um ensinante e um aprendente.
O aprender transcorre no seio de um vínculo humano cuja
matriz toma forma nos primeiros vínculos mãe-pai-filho-irmão, pois a prematuridade humana impõe a outro semelhante adulto para que a criança, aprendendo e crescendo, possa viver. (FERNANDEZ, 1990, pg 48.) Pensando na premissa de que aprendemos a partir do outro e que esse primeiro “outro” é a família, faz-se necessário refletir em como a dinâmica familiar influencia no aprender e pode ser uma importante causa das dificuldades de aprendizagem na criança. Essas dificuldades manifestam-se por meio de sintomas no aprender, mas, para quem lida com um sujeito que apresenta estes sintomas, pode ser difícil compreender que por trás das dificuldades, estão situações que, em sua quase totalidade, não são causadas pelo sujeito.
A origem do problema de aprendizagem não se encontra na
estrutura individual. O sintoma se ancora em uma rede particular de vínculos familiares, que se entrecruzam com uma também particular estrutura individual. (FERNANDEZ, 1990, pg. 30.)
Somos seres singulares que desenvolvemos uma forma única de nos
relacionarmos com a aprendizagem, mas, de acordo com Fernandez (2003), ao analisar a forma como as pessoas lidam com o conhecimento, existem características em comum e características diversas que se repetem e mudam ao longo da vida. A autora chama de “modalidade de aprendizagem”, essa forma, que ela descreve como molde ou esquema de operar, e é utilizado nas diferentes situações de aprendizagem. É a forma particular que cada pessoa tem de se relacionar com o conhecimento, consigo mesmo enquanto aprendente e com o ensinante. Assim como o grupo familiar na posição de primeiro ensinante pode influenciar na aprendizagem ou no sintoma do aprender na criança, é com a família que a modalidade de aprendizagem se constrói; “a modalidade de aprendizagem do sujeito na infância está entrelaçada com a modalidade de aprendizagem familiar”. (FERNANDEZ, 1990, pg. 108). A inteligência, o corpo, o desejo e o organismo, articulados em um determinado equilíbrio, intervêm no processo de aprendizagem, mas a estrutura intelectual, tende a um equilíbrio que possibilite estruturar e sistematizar a realidade através de dois movimentos definidos por Piaget como: Assimilação e Acomodação. São dois processos cognitivos que tendem a uma equilibração. Na assimilação, o sujeito consegue incorporar novos conceitos a esquemas já existentes; na acomodação, ocorre a modificação ou criação de um esquema ou estrutura, em função das particularidades de um conteúdo a ser assimilado. Uma aprendizagem típica supõe uma modalidade de aprendizagem com equilíbrio entre os movimentos de assimilação e acomodação; a modalidade opera como uma matriz em permanente reconstrução na qual novas aprendizagens a vão transformando, mas, quando ela se enrijece, temos um indicador de um problema de aprendizagem. Assim como existe a modalidade de aprendizagem dita “normal”, temos as modalidades que perturbam o aprender, são elas: Hipoassimilação: caracterizada pela pobreza de contato com o objeto, esquemas de objeto empobrecidos, o que resulta em incapacidade de coordenar os esquemas, déficit lúdico e criativo, prejuízo da função antecipatória, da imaginação e da criação. Hiperassimilação: caracterizada pela internalização precoce dos esquemas representativos, predomínio do lúdico e fantasia, subjetivação em excesso, que resulta em não permitir antecipação de transformações, desrealização do pensamento, resistência a limites e dificuldade em resignar-se. Hipoacomodação: ocorre quando não houve respeito ao ritmo e ao tempo da criança, não se respeitou a necessidade de repetição de experiências, há um reduzido contato com o objeto do conhecimento, que resulta em déficit na representação simbólica, dificuldade na internalização de imagens, problemas na aquisição da linguagem; geralmente ocorre por falta de estimulação ou abandono. Hiperacomodação: há uma superestimulação da imitação, reduzido contato com a subjetividade, falta de iniciativa, cega obediência às normas, submissão. A partir disso, o sujeito pode construir uma dificuldade ou sintoma na aprendizagem, que se estrutura da seguinte forma: Hipoassimilação/Hiperacomodação: a criança manifesta uma imitação estereotipada, não coloca significado em sua produção. Essa modalidade geralmente é a que predomina nas escolas. Hiperassimilação/Hipoacomodação: são os problemas de aprendizagem da ordem do sintoma, onde a aprendizagem se constituiu a partir de uma estrutura psicótica. Hipoassimilação/Hipoacomodação: a criança não reproduz e não fantasia; esta modalidade de aprendizagem é característica de crianças com inibição cognitiva. Pensando na modalidade de aprendizagem Hipoassimitiva/Hipoacomodativa e na forma grave como esta se manifesta na aprendizagem da criança, com o presente estudo, busco compreender como a dinâmica familiar, o desejo dos membros da família e a modalidade de aprendizagem familiar influenciam na construção dessa modalidade de aprendizagem na criança; pretendo encontrar as características relacionais comuns dos membros de famílias que contribuem para a construção da referida modalidade de aprendizagem em um de seus membros; busco conhecer melhor as consequências dessa modalidade de aprendizagem na estrutura cognitiva da criança. Meu interesse em pesquisar a influência familiar na construção da modalidade de aprendizagem Hipoassimitiva/Hipoacomodativa nasceu durante o meu estágio nas disciplinas de diagnóstico e intervenção em psicopedagogia clínica e projeto de intervenção, no curso de Especialização Lato-sensu em Psicopedagogia, onde atendi A.M., uma menina de 12 anos, analfabeta, com extremas dificuldades e defasagens na aprendizagem, problemas na linguagem oral e, de certa forma, desassistida pela família; ao longo das atividades projetivas, atividades pedagógicas, atividades de lecto-escrita e provas piagentianas, identifiquei que ela manifestava a modalidade de aprendizagem Hipoassimitiva/Hipoacomodativa e, apesar de ainda não ter sido laudada por nenhum médico, de acordo com a minha investigação e a experiência de minha orientadora de estágio, Professora Marissol Fabiano, a garota expressa considerável rebaixamento intelectual, termo esse que, de acordo com Alicia Fernandez e os pressupostos da psicanálise, é citado com outro nome: Inibição cognitiva. Considero que esta pesquisa é relevante no sentido pessoal e no sentido de que pode contribuir para um melhor entendimento de casos como o de A.M., e a partir desse entendimento, novas e efetivas estratégias possam ser traçadas na busca de uma intervenção, que nestes casos necessita ser multidisciplinar, mas que possibilite ressignificar a forma truncada como a criança se relaciona com o conhecimento e assim, resgatar o aprendente que existe nas crianças que manifestam a modalidade de aprendizagem Hipoassimitiva/Hipoacomodativa. Observo que a minha pesquisa prévia em sites acadêmicos revelou poucos trabalhos que se detém neste tema, no site Google Acadêmico, pesquisando as palavras-chave “Modalidade de aprendizagem”, encontrei cinco trabalhos, mas, apenas um é da área da psicopedagogia; no site Pepsic encontrei apenas um artigo da revista de Psicopedagogia enfatizando o assunto. Dentre os poucos trabalhos encontrados, destaca-se que, para a psicopedagogia é fundamental que o psicopedagogo conheça a fundo todas as modalidades de aprendizagem que aprisionam o saber e saiba traçar estratégias para intervir e ressignificar a aprendizagem dos sujeitos aprendentes. Para que tal estudo seja possível, os procedimentos metodológicos utilizados serão a pesquisa bibliográfica dos autores que se relacionam ao tema como referencial teórico: Alicia Fernandez, Sara Paín, Donald Winnicott. Sites acadêmicos e de saúde também têm sua contribuição ao estudo. Utilizarei também o estudo de caso de A.M., a criança que atendi durante meu estágio psicopedagógico. Anseio que, através da presente pesquisa bibliográfica e da contribuição de meu estudo de caso, este tema ainda pouco explorado em trabalhos científicos, possa encontrar possibilidades na postulação de hipóteses e interpretações que sirvam de incentivo para o desenvolvimento de novas pesquisas sobre o tema. A FAMÍLIA COMO PRIMEIRO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO DO SER HUMANO. A família é de fundamental importância para o desenvolvimento físico, mental e intelectual de uma criança; é o primeiro espaço de socialização e aprendizagem. A qualidade dos cuidados familiares sobre as crianças é vital para a formação de sua mente e personalidade. A falta desses cuidados ao bebê, pode ser determinante para o surgimento de complicações que afetam a saúde física, emocional e até a aprendizagem da criança. “Freud demonstrou que a neurose tem seu ponto de origem no relacionamento interpessoal do amadurecimento inicial, pertencente à época da lactação”. (WINNICOTT, 1983, p.15). A gênese de muitos problemas psicológicos, está no ambiente desfavorável que a família proporciona durante os primeiros meses de vida do bebê. Para melhor compreender a importância e a dinâmica dos cuidados familiares para a constituição do bebê como um ser saudável física, mental e intelectualmente, utilizarei aspectos pertencentes à teoria do relacionamento paterno-infantil (1960) de Donald Winnicott, mas, como subsídio para uma melhor compreensão da teoria, proponho explanar alguns termos desenvolvidos por Freud e utilizados por Winnicott, assim como por outros teóricos da psicanálise, e que serão citados no presente estudo. São eles: id, termo que se refere aos impulsos instintivos; ego, que é a parte do eu total que se relaciona com o ambiente; superego, denominado como o que é aceito pelo ego para uso no controle do id. A teoria do relacionamento paterno-infantil (1960) proposta por Winnicott, apresenta contribuições à psicanálise através do estudo sobre a importância relativa das influências pessoais e ambientais no desenvolvimento do indivíduo, tem como premissa, a observação de que no tratamento psicanalítico, as manifestações do vínculo paterno-infantil se projetam em uma relação transferencial do paciente para o analista e este, precisa conduzir o processo analítico respeitando o tempo e o conteúdo do paciente, de forma a não antecipar nenhuma conclusão antes da percepção do mesmo. A teoria formulada por Winnicott é útil a este estudo psicopedagógico, do ponto de vista relacional entre mãe, pai e filho, ou seja, da importância da família no desenvolvimento psíquico da criança, que também pode se relacionar à aprendizagem. A primeira infância é marcada pela dependência do bebê em relação a um outro que lhe possibilite se constituir como ser humano; essa dependência também ocorre no desenvolvimento da personalidade da criança. Pensando na premissa que o bebê é extremamente dependente de ser cuidado por outra pessoa e que em geral, essa outra pessoa é a mãe, Winnicott utiliza um termo para designar o cuidado materno que possibilita que o bebê (chamado por ele pelo termo de lactente), se desenvolva no ambiente, usando seus mecanismos mentais primitivos: maternidade suficientemente boa. “O início do surgimento do ego inclui inicialmente uma quase absoluta dependência do ego auxiliar da figura materna e da redução gradativa e cuidadosa da mesma visando à adaptação”. (WINNICOTT, 1983, p.15). O auxílio do cuidado materno possibilita ao lactente viver e se desenvolver independentemente das circunstâncias do ambiente, pois, inicialmente, tanto o conhecimento, quanto o desejo são do outro, estando o futuro do bebê, dependente da organização que está fora dele e de como ele vai conseguir integrar essa organização às estruturas mentais que detém em estado puro. (Paín, 2009). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FERNÁNDEZ, Alicia. A Inteligência Aprisionada. Porto Alegre: Artes Médicas,
1990. FERNANDEZ, A. Os idiomas do aprendente: análise das modalidades ensinantes com famílias, escolas e meios de comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2003. 224p.