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MODALIDADES DE ENSINO E APRENDIZAGEM

Ensino e Aprendizagem não se dissociam. Só se pode pensar em ensinar e


aprender relacionando um ao outro.

Segundo Fernández(13), cada um de nós se relaciona com o outro como


ensinante, consigo mesmo como aprendente e com o conhecimento como um
terceiro de maneira própria. O modo singular como uma pessoa relaciona-se
com o conhecimento pode haver algo que se repete e algo que muda, ao longo
da vida. A modalidade de aprendizagem significa o molde ou esquema de
operar que é utilizado pelo sujeito nas diferentes situações de aprendizagem.
De acordo com Fernández(13) “A modalidade de aprendizagem é um molde
relacional, armado entre a mãe como ensinante e o filho como aprendente, que
continua construindo-se nas posteriores relações entre personagens
aprendentes e ensinantes ao longo de toda a vida”.

A modalidade de aprendizagem de um sujeito se constrói através do modo


como os ensinantes reconheceram e desejaram a criança como sujeito
aprendente e a significação que o grupo familiar deu ao conhecer. Portanto,
percebemos a importância da relação primeira do sujeito com sua mãe e sua
família na formação de sua modalidade de aprendizagem. As possibilidades de
se construir uma ou outra modalidade de aprendizagem estão intimamente
ligadas com o tipo de investimento do outro como ensinante.

O outro ensinante vai influenciar na formação da modalidade de aprendizagem


do aprendente, mas não vai determiná-la de forma permanente. A modalidade
de aprendizagem opera como uma matriz que está em permanente
reconstrução, onde novas aprendizagens a todo tempo são incluídas e
transformam a matriz com o uso. Um dos indicadores de “problema de
aprendizagem” é a modalidade que se congela, se enrijece, perde a
capacidade de transformação. De qualquer forma, a figura do ensinante é
fundamental. Não se pode pensar em aprendizagem sem ensinante. Ensinar e
aprender estão entrelaçados, um está relacionado ao outro. O ensinante
entrega algo, mas o aprendente necessita inventá-lo de novo, para apropriar-se
daquilo.

Ensinantes são os pais, os irmãos, os tios, os avós e demais integrantes da


família, como também os professores, as professoras e os amigos na escola.
Os objetos e máquinas podem chegar a ter função de ensinante, mas a pessoa
ensinante, com todas as suas características próprias, é prioritária porque
segundo Fernandez(13) mais importante do que o conteúdo ensinado é o
molde relacional que vai se imprimindo na subjetividade do aprendente. Os
primeiros ensinantes – sobretudo a família - podem favorecer, perturbar ou
destruir a produção de espaços de autoria de pensamento nas crianças.

Segundo Fernández(13), para que uma criança possa apropriar-se do poder de


autoria de pensamento, é preciso que um ensinante a invista da possibilidade
de ser aprendente e dê autorização de um lugar de sujeito pensante. A criança
não anda porque é destinada a andar, ou porque é de sua natureza andar, mas
porque um adulto deseja que ela ande. O ensinante precisa crer e querer que o
aprendente aprenda. Precisa saber neutralizar a importância da sua figura e
não depender do aprendente (de seu êxito) para sentir-se satisfeito, ou seja,
um bom ensinante - parafraseando Winnicott, um “ensinante suficientemente
bom” - deve construir uma postura de aprendente. Para ser bom ensinante é
necessário ser um bom aprendente.

A modalidade de ensino, embora se constitua desde o início da vida, é, de


algum modo, uma construção a partir da própria modalidade de aprendizagem.
A partir da modalidade de aprendizagem, em cada pessoa vai construindo-se
uma modalidade de ensino, uma maneira de mostrar o que conhece e um
modo de considerar o outro como aprendente. Uma modalidade de ensino
saudável corresponde-se com uma modalidade de aprendizagem saudável.

Na clínica psicopedagógica, de acordo com Fernandez(13), comprova-se que


uma modalidade de ensino nos pais nem sempre corresponde com uma
modalidade de aprendizagem igual ou correlativa nos filhos. Não é possível
indicar relações que impliquem um efeito determinado na modalidade de
aprendizagem, como se a modalidade de ensino fosse causa.

Entretanto, a modalidade de aprendizagem de um sujeito não é resultado


apenas de um bom funcionamento orgânico, mas ela constitui-se a partir de
uma série de fatores, entre os quais desempenha um papel muito importante a
modalidade de ensino familiar. Por exemplo: encontramos pais com
modalidades de ensino patogênicas que podem conviver com filhos com
modalidades de aprendizagem saudáveis, porém, determinadas modalidades
patogênicas na aprendizagem correspondem-se com modalidades patogênicas
de ensino nos pais, ou seja, constata-se na clínica psicopedagógica a seguinte
situação: quando uma criança mostra um determinado modo de patologizar sua
modalidade de aprendizagem, inevitavelmente vemos em seus pais e/ou
também em seus professores uma modalidade de ensino patologizada que a
motivou.

Segundo Fernandez(5), a modalidade de aprendizagem da criança está


entrelaçada com uma modalidade de aprendizagem familiar, a qual, por sua
vez, está entrelaçada com as modalidades de ensino não só das famílias de
origem, mas também com as modalidades de ensino do meio social.

“Existe uma relação entre determinados modos de apresentar-se o problema


de aprendizagem nas crianças e determinadas posturas dos pais frente ao
conhecimento” (5). O que aparece como um suposto problema de
aprendizagem, na maioria das vezes, corresponde a um fracasso do sistema
ensinante.

A postura dos pais frente ao conhecimento pode “ofender” a autoria de


pensamento da criança de maneiras diferentes. Os pais podem ter atitudes
consideradas patogênicas e ter modalidades ensinantes saudáveis, pois o que
define a construção de uma modalidade de aprendizagem e/ou ensino
patogênicas é a falta de flexibilidade, a rigidez, ou seja, um mesmo modo de
relação com o conhecimento e com o outro em todas, ou pelo menos, em
muitas situações.

Segundo Pain (1986), as modalidades de aprendizagem do indivíduo, por


sua vez, dependem das modalidades de inteligência. O estudo dessas
modalidades vem da análise realizada por Piaget acerca do movimento de
acomodação e do movimento de assimilação que o sujeito realiza, para adquirir
as primeiras aprendizagens assistemáticas, e que caminharão com ele até
chegar às aprendizagens sistemáticas, cujos aspectos positivos e negativos
dependerão da maneira como as relações vinculares permeiam esse processo.
Pain considera que os referidos movimentos piagetianos, quando perpassados
por vínculos negativos, desenvolvem uma hiper e/ou hipoacomodação, ou uma
hiper e/ou hipoassimilação, que construirão, no sujeito, modalidades de
inteligência patógena.

MODALIDADE DE APRENDIZAGEM/MODALIDADE DE ENSINAGEM .

O espaço de relação das famílias é onde se constrói as modalidades de


aprendizagem. Numa família, que não autoriza a diferença e o pensamento,
encontramos a diferença significada como deficiência, a escolha culpabilizada
como ataque ao outro e a circulação de conhecimento fragmentada, com pouca
mobilidade.

Nas famílias saudáveis se encontra a possibilidade e o entusiasmo na


confrontação de idéias.

Observa-se que a modalidade de aprendizagem do sujeito na infância


está construída nas bases de numa modalidade de aprendizagem
familiar.Então pode-se interrogar como cada família lida com o não conhecido:
ocultam? Escondem? Escondem-se? Valorizam o segredo? Comunicam-se
com o conhecido? Valorizam as perguntas? Dão espaço para o pensar?

MODALIDADES DE ENSINAR – AS FRATURAS

Para aprender é preciso que os ensinantes saibam simultaneamente


mostrar e guardar o conhecimento, pois só assim o aprendente vai entrar em
contato com o desejo de aprender, escolhendo e selecionando os
conhecimentos, que ele pode articular com o seu saber.

1º - Na modalidade de ensino, onde HÁ EXIBIÇÃO , o ensinante não se


diferencia do conhecimento que vai transmitir, não dando lugar para a
construção do conhecimento. O aprendente mostra temor para pensar ou
mostrar que pensa.
2º - Na modalidade de ensino QUE ESCONDE , o aprendente poderá
significar sua aprendizagem como uma culpa por conhecer, por ter “visto” algo
que não lhe foi autorizado.

3º - Na modalidade de ensino QUE DESMENTE , o aprendente poderá anular


sua capacidade de pensar.

Estes três modelos , onde a circulação de conhecimento se encontra


comprometida ., configuram modalidades de aprendizagem que se
transformarão, pela fratura ou pela dificuldade , no que chamaremos de
problemas de aprendizagem.

É importante que façamos a diferença entre modalidade de


aprendizagem, na qual estão envolvidos e se equilibram a inteligência , o
corpo , o organismo e o desejo , e modalidade de inteligência , que se
articula através de dois movimentos, que Piaget definiu como assimilação e
acomodação .

Outro aspecto que o psicopedagogo deverá considerar: o processo ensino-


aprendizagem é sempre um caminho de via dupla. As modalidades de
aprendizagem que interferem neste processo dizem respeito não
exclusivamente ao aprendente, mas também ao ensinante. Isso nos leva a
refletir na nossa própria modalidade de aprendizagem, uma vez que ela poderá
construir uma modalidade de ensinagem geradora de modalidades de
aprendizagem patógenas.

· MODALIDADES DE APRENDER – AS FRATURAS

Todo ato inteligente supõe uma interpretação da realidade externa ,


isto é, uma assimilação e uma acomodação para que esta realidade penetre no
organismo, transformando-o.

Sara Pain observa a diferentes constituições:

1) - hipossimilação/ hiperacomodação ;

2) - hipoacomodação / hiperacomodação.

A análise da forma como a inteligência opera permite chegar a certas


modalidades de aprendizagem – do aprendente.

Ao observar as preferências por jogos ou por atividades de repetição ,


podemos perceber as pessoas (alunos e pessoas aprendentes em geral, como
os professores) que agem mais na estrutura da hiperassimilação ou da
hiperacomodação .

HIPOASSIMILAÇÃO
- Modalidade: pobreza de contato com o objeto, esquemas de
objeto empobrecidos.
- Conseqüência: incapacidade de coordenar estes esquemas, défict
lúdico e criativo, prejuízo da função antecipatória, da imaginação e
da criação.

HIPERASSIMILAÇÃO
- Modalidade: precocidade na internalização dos esquemas
representativos, predomínio do lúdico e da fantasia, subjetivação
excessiva.

- Conseqüência: não permite antecipação de transformações,


desrealização do pensamento, resistência aos limites, dificuldade para
resignar-se.

HIPOACOMODAÇÃO
- Modalidade: não respeito ao ritmo, tempo da criança não obediência à
necessidade de repetição de uma experiência, reduzido contato com o
objeto.

- Conseqüência: déficit na representação simbólica, dificuldade na


internalização das imagens, problemas na aquisição da linguagem, falta
de estimulação, abandono.

HIPERACOMODAÇÃO
- Modalidade: superestimação da imitação, reduzido contato com a
subjetividade, falta de iniciativa, obediência cega às normas,
submissão, não dispõe de suas experiência anteriores.

- Conseqüência: superestimulação da imitação, falta de


iniciativa, obediência acrítica às normas, submissão.

A partir deste esquema sobre as modalidades de inteligência, o sujeito constrói


sua não-aprendizagem, da seguinte forma:

Hipoassimilação/Hiperacomodação
- Alunos “bonzinhos”, mas não colocam significados; imitação
estereotipada.

- Modalidade dominante na escola

Hiperassimilação/Hipoacomodação
- Problemas de aprendizagem com estrutura psicótica ou de Sintoma .

Hipoassimilação/Hipoacomodação
- Não reproduz, não fantasia,

- Inibição Cognitiva .
EXEMPLIFICAÇÃO

A lâmina acima apresenta uma situação relacionada à alimentação, com


três pintainhos sentados ao redor da mesa diante de uma tigela contendo
alimento e a silhueta de um galo ou galinha ao fundo.
O tema a ser investigado com a apresentação desta prancha diz respeito
à como o paciente percebe o conhecimento, interage e se apropria dele,
ou não, e o papel do ensinante nesse processo, relacionando o alimento
da tigela com o conhecimento a ser adquirido.
Assim por exemplo é apresentado para crianças de 8 anos pedindo para
que contem uma história a partir do desenho.

1º. Uma aprendizagem normal supõe uma modalidade de aprendizagem


na qual se produza um equilíbrio entre os movimentos assimilativos e os
acomodativos.
Resposta: “Os pintinhos estavam tomando sopa. A mamãe galinha cuida
deles. Antes estavam correndo pelo parque. E como estavam cansados
e com fome foram para a mesa. Depois vai vir um amigo do maior e vão
visitar outros galinheiros.”
Ou então:
“ Os três pintinhos estavam muito tristes porque a mãe não queria dar-
lhes de comer. Antes estavam olhando TV e os pai haviam saído para
passear”.

2º. Modelo de aprendizagem hiperacomodativa/hipoassimilativa:


Resposta: “Três pintinhos. Estão comendo. Há uma tigela. Uma colher.
Uma galinha grande. Estão aí comendo. Na tigela tem comida”.

3º. Modelo de aprendizagem hiperassimilativa/hipoacomodativa:


Resposta: “ Os pintinhos estavam comendo, veio um gato grandinho e
quis espantá-los, os pintinhos ficaram bem juntinhos. Um deles sabia
voar, então se foram voando, chegaram ao país das mariposas,
juntaram-se todas as mariposas e foram com os pintinhos até o mar”.
Obs: problema ancorado sobre uma estrutura psicótica.

Ou :

“ Pintinhos (silêncio), tem os pintinhos (silêncio), não sei mais.


Obs: inibições cognitivas.

REFERÊNCIAS

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Esther Pillar Grossi e Jussara Bordia, p. 59. Ed. Vozes, Petrópolis, 1996.

FERNÁNDEZ, Alícia – A Inteligência Aprisionada, tradução de Iara


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FERNÁNDEZ, Alícia - A Mulher Escondida na Professora, Editora Artes


Médicas, Porto Alegre, 1997.

FERNÁNDEZ, Alícia A Mulher Escondida na Professora, Editora Artes


Médicas, Porto Alegre, 1994.
FERNÁNDEZ, Alícia. A Inteligência Aprisionada, Editora Artes Médicas,
2ª Edição, Porto Alegre, 1991

FERNÁNDEZ, Alicia. Os idiomas do aprendente. Porto Alegre: Artes Médicas,


2001.

FERNÁNDEZ, Alicia. O Saber em Jogo. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001.

Griz, MGS – Avaliação Psicopedagógica: Verificação de Talentos e


Potencialidades. Capítulo 5 do livro Psicopedagogia: Diversas Faces, Múltiplos
Olhares. Organizado por Maria Alice Leite Pinto. Editora Olho D’Agua, São
Paulo, 2003

Griz, MGS - Cognição e Afetividade. REVISTA PSICOPEDAGOGIA. da


Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp . Volume 19 Nº 60, Página
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Griz, MGS - O Papel da Família nos Processos de Aprendizagem. REVISTA


CONSTRUÇÃO PSICOPEDAGÓGICA do Instituto Sedes Sapientiae, São
Paulo, Ano XI, Nº 8, Página 63, 2003.

MORIN, Edgar – Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. Editora


Cortez, tradução de Catarina Eleonora F. Da Silva e Jeanne Sawaya. Título
original: Les sept savoirs nécessaire à l”éducation du futur. 2000, Brasília
Distrito Federal

PAIN, Sara. Subjetividade e Objetividade: Relações entre Desejo e


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Paulo, 1996.

PAIN, Sara. Diagnóstico e Tratamento dos Problema de Aprendizagem,


Editora Artes Médicas, 2ª Edição, Porto Alegre, 1986.

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