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Karina Joelma Bacciotti

Direitos Humanos e Novas Tecnologias da Informação


e Comunicação: O Acesso à Internet como
Direito Humano

MESTRADO EM DIREITO

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP


São Paulo
2014
Karina Joelma Bacciotti

Direitos Humanos e Novas Tecnologias da Informação


e Comunicação: O Acesso à Internet como
Direito Humano

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para a obtenção do título de Mestre
em Direito, sob orientação do Prof. Livre-docente
Wagner Balera.

São Paulo
2014
Banca Examinadora
AGRADECIMENTOS

Ainda que se trate de uma obra individual, uma Dissertação de Mestrado


não é um trabalho solitário. Meus agradecimentos, portanto, a todos que me acompanharam
nesta instigante tarefa de analisar o direito de acesso à Internet e contribuíram, direta ou
indiretamente, para a elaboração deste trabalho.

Ao Professor Wagner Balera, orientador dedicado e paciente, diuturno


incentivador desta pesquisa, notável cultor dos Direitos Humanos.

Ao Professor Willis Santiago Guerra Filho, cujo conhecimento e


compromisso com a reflexão filosófica do Direito foram estímulo e exemplo.

Aos Professores Carolina Alves de Souza Lima e Eduardo Dias de Souza


Ferreira, pelos ensinamentos ministrados em classe e valiosas contribuições no exame de
qualificação.

À Professora Roberta Alves Barbosa, pela amizade e encorajamento nos


estudos dos Direitos Humanos.

Aos meus pais, pela compreensão da ausência em momentos difíceis.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –


Brasil, pelo auxílio na realização deste trabalho.
“Pois o respeito à dignidade humana implica o reconhecimento de todos os homens ou de
todas as nações como entidades, como construtores de mundos ou co-autores de um mundo
comum. Nenhuma ideologia que vise à explicação de todos os eventos históricos do passado e
o planejamento de todos os eventos futuros pode suportar a imprevisibilidade que advém do
fato de que os homens são criativos, de que podem produzir algo novo que ninguém jamais
previu”.

Hannah Arendt
RESUMO

Diante das inúmeras inovações tecnológicas do século XX que atuam diretamente sobre a
informação e comunicação, a Internet, em especial, tem influído diretamente sobre o homem e
a sociedade, de modo que o acesso à Rede se tornou uma necessidade de nossa época e vem
declarado pela ONU como direito humano. Assim, a presente pesquisa objetiva examinar a
natureza jurídica do acesso à Internet e investigar se é possível considerá-lo um novo direito
humano relacionado às tecnologias informativas. Na construção do trabalho – resultado de
análise bibliográfica, normativa e jurisprudencial – foram abordados aspectos essenciais aos
Direitos humanos, à Internet, à relevância da Rede para os Direitos Humanos, seguidos de
considerações finais sobre o acesso. Como resultado, conclui-se que a Internet não se resume
na definição técnica de rede de transmissão de dados, nem pode ser vista apenas como meio
de comunicação, pois se tornou um verdadeiro locus onde todos os homens devem ter a
possibilidade de ingressar e participar da vida comunitária. Portanto, o direito de acesso à
Internet vai além do mero acesso à infraestrutura necessária para a conexão, traz incorporado
o acesso a todo conteúdo e à capacitação ou alfabetização digital. Trata-se, enfim, de um
direito humano, exigência ideal de que cada homem e todos os homens possam ser
reconhecidos como pessoa neste novo espaço social.

Palavras-chave: Direitos Humanos; Internet; Direito de Acesso à Internet.


ABSTRACT

Considering the many technological innovations of the Twentieth Century that act directly on
information and communication, the Internet in particular has directly influenced man and
society, so that the access to the Net has become a necessity of our time and was declared by
the UN as a human right. Thus, this research aims to examine the legal nature of Internet
access and investigate whether is possible consider it as a new human right related to
information technologies. While developing this study – result of bibliographic, normative
and jurisprudential analysis – essential aspects were addressed human rights, Internet’s
relevance for Human Rights, followed by concluding remarks on access. As a result, it is
concluded that the Internet is not just the technical definition of a data transmission network,
nor it is only a communication means, it has become a true locus where all men should have
the possibility to live and participate in community life. Therefore, the right to Internet access
goes beyond the mere access to the necessary infrastructure to get connected, has incorporated
access to all content and training or digital literacy. We are dealing with a Human Right, an
ideal requirement that every individual and all mankind can be recognized as a person in this
new social space.

Key words: Human Rights, Internet, Right to Internet Access.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10

PARTE I - PRESSUPOSTOS ESSENCIAIS DOS DIREITOS HUMANOS ...................15

CAPÍTULO 1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS E HISTÓRICOS DOS

DIREITOS HUMANOS ................................................................................................................. 15


1.1. PESSOA HUMANA: FUNDAMENTO PRIMEIRO DOS DIREITOS HUMANOS ................................15
1.1.1. Escorço filosófico sobre o conceito de pessoa a fundamentar os Direitos Humanos .
............................................................................................................................................16

1.2. PERSPECTIVA CRONOLÓGICA DA AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS. ..........................30


1.2.1 A primeira fase dos Direitos Humanos - o individualismo....................................33
1.2.2 A segunda fase dos Direitos Humanos - a questão social contraposta ao
individualismo....................................................................................................................36
1.2.3 A terceira fase dos Direitos Humanos - a fraternidade. .........................................39

CAPÍTULO 2 DIREITOS HUMANOS - IDEAL BALIZADOR DA NORMATIZAÇÃO.............................43


2.1. DIREITOS HUMANOS- NORMAS IDEAIS INERENTES À PESSOA HUMANA...............................43
2.2. A PREVALÊNCIA DIREITOS HUMANOS..................................................................................47
2.3. DIREITOS FUNDAMENTAIS - ENFOQUE RELACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS E SUA

POSITIVAÇÃO .............................................................................................................................51

2.4. O RECONHECIMENTO DE NOVOS DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO ESTATAL. ..................55

2.5. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - CRITÉRIO IDENTIFICADOR DE NOVOS DIREITOS

HUMANOS E FUNDAMENTAIS .....................................................................................................58

2.6. CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS. ......................................................................63

PARTE II - NOVAS TECNOLOGIAS INFORMATIVAS E DIREITOS HUMANOS: O


ACESSO A INTERNET COMO UM DIREITO ESSENCIAL .......................................70

CAPÍTULO 3. INTERNET COMO MEIO DE CONCRETIZAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS E

FUNDAMENTAIS .........................................................................................................................70
3.1. ANÁLISE HISTORICA SOBRE A ORIGEM DA INTERNET: INDÍCIOS DE UMA TECNOLOGIA

TRANSFORMADORA DO HOMEM E DA SOCIEDADE .......................................................................70

3.2. INTERNET - DE SUA DEFINIÇÃO TÉCNICA A UM CONCEITO SOCIAL ......................................78


3.3. RELEVÂNCIA DA INTERNET PARA A SOCIEDADE - MEIO HABILITADOR PARA O EXERCÍCIO DE

DIREITOS HUMANOS ...................................................................................................................84

3.3.1. Democracia e Internet ...................................................................................................................85


3.3.2. A Internet e as Liberdades ............................................................................................................88
3.3.2.1. Liberdade de Comunicação e Internet .........................................................................93
3.3.2.2. Liberdade e Informação e Internet ...............................................................................96
3.3.2.3. Liberdade de Expressão e Internet.............................................................................100
3.3.3. A Internet e sua Relação como o Direito ao Desenvolvimento ..................................................103
3.3.4. Brecha o Digital - fator prejudicial ao Desenvolvimento ...........................................................111

CAPÍTULO 4 RECONHECIMENTO DO ACESSO À INTERNET COMO UM DIREITO ESSENCIAL DO

HOMEM DO SÉCULO XXI..........................................................................................................115

4.1.INTERNET COMO UM NOVO ESPAÇO DE VIVÊNCIA ............................................................. 116


4.2. O DIREITO DE ACESSO À INTERNET .................................................................................. 118
4.2.1. Acesso à infraestrutura ...............................................................................................................120
4.2.2. Acesso ao conteúdo ................................................................................................................... 122
4.2.3. Acesso à Capacitação .................................................................................................................124

4.3. RESTRIÇÕES DE ACESSO À INTERNET- VIOLAÇÕES DE DIEITOS HUMANOS .........................128


4.3.1. Restriçoes de acesso de caráter preventivo.................................................................................129
4.3.2. Restrições de acesso de caráter repressivo .................................................................................132
4.3.3. Restrições de acesso à internet - a legitimidade em questão.......................................................133

4.4. O TRATAMENTO OFERTADO AO ACESSO À INTERNET NO DIREITO COMPARADO ................137


4.5. O ACESSO NO MARCO CIVIL DA INTERNET E EM OUTRAS INICIATIVAS NORMATIVAS

BRASILEIRAS ...........................................................................................................................150

CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O DIREITO HUMANO DE ACESSO À


INTERNET ...........................................................................................................................161

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................171
INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, o avanço da tecnologia tem provocado agudas


transformações na vida do homem em sociedade. Sem menosprezar os mais importantes
marcos históricos do processo evolutivo da técnica, é possível afirmar que a imersão do
homem em um mundo digitalizado – a sociedade da informação ou comunicação – representa
uma transformação de categoria e de traços culturais que permite às pessoas se situarem e
reconhecerem neste novo locus social.

Deste modo, a situação do homem e da vida em sociedade, em face do uso


da Internet, tornou-se um novo paradigma para o Direito. A Rede Mundial trouxe consigo a
necessidade de reinterpretar as noções de privacidade, intimidade, proteção de dados pessoais,
honra, propriedade, liberdade, dentre tantos outros direitos até então relacionados apenas a
situações do mundo material.

Se a maior parte das pesquisas jurídicas relacionadas à Internet trata apenas


de aspectos penais ou civis pertinentes ao uso da tecnologia, cumpre trilhar um caminho
diverso: tomar como ponto de partida os Direitos Humanos. A Rede das Redes, antes de
representar um obstáculo ao pleno desenvolvimento da pessoa humana, deve ser interpretada
como instrumento de promoção social e individual.

Neste trabalho objetiva-se examinar a natureza jurídica do acesso à Internet


e investigar se é possível considerá-lo um novo direito humano relacionado às tecnologias
informativas, nos moldes em que foi apresentado na Declaração Conjunta sobre Liberdade de
Expressão e Internet (2011), subscrita por instituições de vanguarda como as Nações Unidas
(ONU), a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), a Organização dos
Estados Americanos (OEA) e a Comissão Africana dos Direito Humanos e dos Povos
(PCADHAP).

10  
A tarefa empreendida nesta Dissertação resume-se ao estudo de noções
elementares fundamentais à compreensão do direito humano de acesso à Internet. Embora
claro e direto, o tema pode ser considerado complexo, não apenas por serem escassas as
fontes legais, jurisprudenciais e doutrinárias, mas também, em virtude da relevância e
atualidade da matéria.

A estrutura do trabalho reflete as etapas de desenvolvimento da pesquisa


realizada no âmbito do núcleo de estudos em Direitos Humanos, da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Os fundamentos apresentados na primeira parte coincidem com o
temário de disciplinas como Direitos Humanos, Teoria Geral dos Direitos Fundamentais e
Filosofia do Direito, cursadas a partir do primeiro semestre. Por sua vez, as noções
apresentadas na segunda parte destinam-se a elucidar conceitos referentes à Internet, esta
nova tecnologia revolucionária, e a relacioná-los com os temários discutidos no início do
estudo.

Os dois capítulos que integram a primeira parte dispõem sobre os


pressupostos essenciais dos Direitos Humanos. O capitulo inicial traz considerações acerca
dos pressupostos filosóficos e históricos dos Direitos Humanos, que têm na pessoa humana o
seu fundamento primeiro. São apresentadas as principais orientações filosóficas sobre a
pessoa humana, estrutura da evolução dos Direitos Humanos na história moderna. Apresenta-
se, em síntese, como a pessoa humana – ser social por essência – era compreendida e a
repercussão desta perspectiva na construção dos Direitos Humanos.

A afirmação dos Direitos Humanos dá-se na era moderna e encontra na


liberdade, estribada no pensamento individualista, sua primeira expressão. Ganhou novos
matizes com o passar do tempo, quando fundidas a igualdade advinda da compreensão da
pessoa como um ser social e as responsabilidades da vida em sociedade.

Contudo, a ampliação do catálogo de direitos é fruto de um movimento


evolutivo pendular, que permitiu incrementar a promoção da pessoa humana mesmo após um
grave período de retrocesso das garantias fundamentais. O despontar de novos direitos esteia-
se no reconhecimento de que todos os homens contêm em si uma centelha humana que os faz
iguais, pois formam parte de uma única família, de uma única comunidade.

11  
O estudo desenvolvido no capítulo segundo busca identificar o papel dos
Direitos Humanos na formulação das normas jurídicas. Enquanto ethos do direito, os Direitos
Humanos são exigências ideais que encontram fundamento na própria natureza humana – na
dignidade inerente a toda pessoa humana – e da qual também decorrem deveres ideais
correlatos às exigências. Portanto, observa-se especial relação com o direito natural e com a
ideia de justiça, entendida no sentido indicado por São Tomas de Aquino, como uma virtude
direcionada à convivência humana, que requer de cada homem uma atitude de respeito à
dignidade da pessoa humana.

Tomados os Direitos Humanos como normas ideais, expressão atual dos


direitos naturais, possuem em si um caráter prevalente que impele o legislador a observá-lo
quando da formulação do direito positivo. Daí advém especial relação entre Direitos
Humanos e direitos fundamentais, enquanto expressão positiva dos direitos ideais ínsitos à
natureza humana, na norma jurídica mais importante de um sistema jurídico – a Constituição
Federal.

Inerentes à própria essência natural do homem, à história dos direitos


humanos e de seu correlato na ordem positiva estatal, os direitos fundamentais encontram-se
em constante transformação: a proteção da dignidade da pessoa humana, em face da dinâmica
social, requer o aprimoramento contínuo dos estatutos jurídicos. Assim, o conceito de
dignidade serve ao direito como elemento moderador dos anseios sociais, que nem sempre se
conformam com o fim do Estado, no que toca à proteção e promoção do desenvolvimento de
toda pessoa humana.

Da dignidade inerente a toda pessoa humana, deflui também um rol de


caracteres que conferem aos Direitos Humanos – e a seu correlativo no âmbito constitucional
– peculiaridades únicas, que tornam possível identificar um direito como essencial ao homem.

Concluídos os estudos preliminares, a segunda parte da pesquisa conjuga


novas tecnologias informativas e Direitos Humanos, com o objetivo de promover o
reconhecimento do direito humano de acesso à Internet. Portanto, no capítulo terceiro,
importa estudar relevantes aspectos da Rede Mundial de Computadores. Discorre-se,
inicialmente, sobre a origem da Internet, para demonstrar os indícios ideológicos que a
tornam uma tecnologia transformadora do homem e da sociedade. A definição técnica de rede

12  
de transmissão de dados é superada pelo conceito social que revela o homem, não a
tecnologia em si, como elemento essencial das conexões em rede. Ou seja, não são as
máquinas que estão conectadas, mas as pessoas que se relacionam no entorno digital por meio
da Internet.

A Internet ampliou sensivelmente as liberdades humanas de comunicação,


informação e expressão. Tornou-se, assim, um catalisador de transformações sociais capaz de
fortalecer o processo democrático, ampliar o contato entre pessoas, aproximar os cidadãos dos
órgãos estatais, aperfeiçoar a prestação de serviços públicos e facilitar o acesso a documentos
e informações contidas em bibliotecas virtuais.

É evidente o importante papel desempenhado pela Rede Mundial na


promoção direta do direito ao desenvolvimento, expressão valorativa do processo de
apropriação de direitos humanos, ao libertar o homem das situações opressoras que impedem
sua plena existência. Entretanto, inúmeras barreiras físicas, políticas, econômicas e sociais
dificultam ainda o acesso à Internet em inúmeras localidades.

No quarto e último capítulo, a Internet deixa de ser vista como simples meio
de comunicação por onde transitam dados de uma parte a outra, para se firmar como um
verdadeiro espaço de convivência. Um novel domínio público, lugar da palavra e da ação1,
onde o homem pode revelar seu valor diante dos outros e assim buscar o próprio
aprimoramento; um espaço de convivência, onde o ser humano desenvolve suas mais
rotineiras atividades.

A partir de este olhar sobre a Internet erige-se o direito ao acesso à Rede


como o direito de tomar parte neste novo locus. Porém, como se verá, o acesso não se
restringe à conexão, não representa mero direito de acesso a um serviço, mas possibilidade
concreta de participar dos acontecimentos que se desenvolvem no ciberespaço. O acesso, que
deve ser universal, compreende três dimensões: acesso à infraestrutura; acesso ao conteúdo e
acesso à capacitação. Se o acesso ao conteúdo é dimensão fundamental para estar na Rede, as
restrições parciais ou totais, preventivas ou repressivas, impostas por Estados em geral não

                                                                                                               
1
Em analogia com o pensamento de Aristótele quando discorre sobre os cidadãos - os participantes do governo,
portadores do poder da palavra e da ação. Vid. ARISTÓTELES. Política. trad. Pedro Constantin Tolens, 9ª
reimp., São Paulo: Martin Claret, 2013, p.115.

13  
democráticos, são de duvidosa legitimidade e possivelmente configuram uma real violação a
direitos.

Tratando-se de um trabalho jurídico, cumpre analisar as iniciativas


normativas que dispõem sobre este novo direito humano. Diante de iniciativas legislativas
concretas e de manifestações das principais organizações internacionais de promoção dos
Direitos Humanos, favoráveis ao reconhecimento do acesso à Internet como um direito
fundamental, resulta oportuno e necessário dedicar maior atenção ao tema. Devem ser
examinadas nesta Dissertação de Mestrado, as principais noções sobre o direito fundamental
ao acesso à Internet, que veiculadas em periódicos internacionais e consignadas em relatórios
sobre Direitos Humanos, são também taxativamente apresentadas nas legislações da Estônia,
Costa Rica, Peru e Finlândia.

Importante analisar, ainda, como o direito de acesso à Internet figura no


ordenamento jurídico brasileiro e em propostas legislativas. É sabido que a Lei nº.
12.965/2014 (Marco Civil da Internet), promulgada recentemente, menciona expressamente o
direito de toda pessoa ter acesso à Rede. Na atualidade, tramitam também duas Propostas de
Emenda à Constituição2, cujo objetivo é incluir o acesso à Internet no rol de direitos
fundamentais da Carta Maior.

Em síntese, os estudos empreendidos têm por meta analisar a natureza


jurídica do acesso à Internet e opinar sobre sua afirmação como direito humano e/ou
fundamental.

                                                                                                               
2
PEC nº. 479/2010 da Câmara dos Deputados e PEC nº. 06/2011 do Senado Federal.

14  
PARTE I – PRESSUPOSTOS ESSENCIAIS DOS DIREITOS HUMANOS.

CAPÍTULO 1 – CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS PRESSUPOSTOS


FILOSÓFICOS E HISTÓRICOS DOS DIREITOS HUMANOS.

O estudo acerca dos Direitos Humanos encontra suas bases na pessoa


humana. Assim, este capítulo procura apresentar as principais orientações filosóficas sobre a
pessoa humana, em estudo que embora não seja exaustivo, pretende contribuir para uma visão
dos Direitos Humanos ao longo da história moderna, tema que sofreu os influxos da
compreensão da pessoa no decorrer dos séculos.

1. 1. PESSOA HUMANA, O FUNDAMENTO PRIMEIRO DOS DIREITOS


HUMANOS.

Falar em Direitos Humanos é falar de direitos que decorrem diretamente da


natureza humana. A compreensão dos Direitos Humanos perpassa primeiramente pela
intelecção do homem, da pessoa humana, pois só a partir deste conhecimento da essência do
ser humano poderá existir e desenvolver-se plenamente. Sem este entendimento, o homem
usará mal sua humanidade, e consequentemente, a sociedade não funcionará, pois como
ensina Arthur Kaufmann, o direito é o resultado da própria ideia de homem3.

A pessoa é o eixo em torno do qual serão desenvolvidos os preceitos


éticos, os direitos naturais e, pois, os direitos humanos. Mas a intelecção deste conceito não é

                                                                                                               
3
Vid. KAUFMANN, Arthur. Filosofia do Direito. trad. Antonio Ulisses Cortes. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2004. pp. 290-329.

15  
extraída do sentido jurídico da palavra, de sujeito das relações jurídicas e, portanto, do sujeito
dos deveres jurídicos e dos direitos subjetivos, antes, o fundamento para que o homem seja
considerado um sujeito de direitos e deveres, está na Filosofia.

De acordo com a Filosofia, a pessoa é a expressão da essência do ser


humano, essência que não pode ser apreendida pelo estudo do ser, mas pela conjugação da
ontologia com a filosofia moral, pela participação do homem no mundo dos valores éticos,
como o ser sobre o qual pesa sempre um dever ser, uma missão moral de auto realizar-se, por
sua própria conta e responsabilidade. É do ponto de vista ético que a pessoa é definida como
ser com dignidade, ser com fins próprios que deve realizar-se por sua própria decisão4.

Ao longo da história do pensamento filosófico, o conceito de pessoa


adquire diferentes matizes. Não se pretende aqui esgotar o estudo do tema, apenas demonstrar
como ao longo do tempo o homem foi compreendido por alguns pensadores, tendo por termo
a pessoa contida na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, marco da cultura
jurídica do pós-guerra.

1. 1. 1. Escorço Filosófico sobre o Conceito de Pessoa a Fundamentar os Direitos


Humanos.

Durante longos séculos, o ser humano foi considerado um ser racional,


pensante, individual e autossuficiente. Esta primeira etapa do pensamento filosófico apresenta
apenas dimensões parciais da pessoa, posteriormente complementadas pelo estudo do homem
como ser um ser no mundo, um ser que se relaciona com o mundo, com o outro e também
com o absoluto.

Fábio Konder Comparato, ao estudar a situação do homem no mundo,


identificou na filosofia grega os primeiros estudos sobre o tema5.

                                                                                                               
4
Cfr. SICHES, Luis Recaséns. Tratado general de filosofia del derecho. 19ª ed., México: Editorial Porruá, 2008.
pp. 244-245.
5
Vid. COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 7ª edição, revista e
atualizada. São Paulo: Saraiva, 2010. pp. 20 – 21.

16  
Retrocedendo ao período do pensamento pré-socrático (séculos VII a V
A.C.), vê-se que as investigações filosóficas se centram na distinção dos elementos básicos do
universo, buscam compreender a origem de todas as coisas e as mutações sofridas pelo devir.
O ser humano não vem abordado com precisão nas cogitações metafísicas, como se vê, v.g.,
em Tales de Mileto, para quem o homem era um ser racional e consciente de seu próprio ser e
de suas potencialidades e de seu destino. Consoante o filósofo grego, a alma humana era
automotivadora, impulsionava o agir do homem6.

Ao final do período pré-socrático, os sofistas abandonaram a metafísica, em


busca de uma verdade absoluta e objetiva, concentrando esforços em uma reflexão crítica a
respeito do conhecimento humano. Adentraram, de certo modo, na análise da racionalidade
humana ao questionar a possibilidade e a certeza do conhecimento. Protágoras, partindo da
premissa de que o homem é a medida de todas as coisas, das que existem e das que não
existem, tomou-o como a medida do conhecimento, da ética, das crenças religiosas, tornando
dispensável a existência de leis divinas, alheias à consciência humana. Visão que o levou a
defender e ensinar a relatividade diante de todas as coisas, inclusive, quanto ao aspecto ético,
que para ele é subjetivo – a minha noção de ética é só minha e a tua é só tua – e tudo se torna
igualmente válido. Em Heráclito, e sua doutrina do Logos (razão), vê-se no homem a
existência de uma razão universal que lhe confere conhecimento, no entanto, essa razão é uma
dádiva divina.7 Interessante destacar que esta doutrina foi posteriormente resgatada e
aprimorada pelos estóicos e pela teologia cristã.

Neste momento inicial é possível observar que a sofistica, ao introduzir o


problema dos fundamentos do conhecimento (gnosiologia), trouxe o homem para o centro da
questão filosófica.

No período clássico grego, que congrega as contribuições de Sócrates,


Platão e Aristóteles, o homem permanece como a grande indagação filosófica.

Sócrates faz do homem o epicentro de suas investigações, quanto


conhecimento ao valor. Reagindo ao ceticismo e ao relativismo sofistas, o grande filósofo
ateniense defende que a característica primeira do ser humano é a sua capacidade cognoscível.
                                                                                                               
6
Cfr. CHAMPLIN, Russel Norman; BENTES, João Marques. Enciclopédia de bíblia, teologia e filosofia.
Editora e Distribuidora Candeia, São Paulo, SP. 1991, V. 2, p. 780; V. 6., p. 396.
7
Cfr. Ibidem, V. 2, p. 780; V. 3, p. 84; V. 5, p. 474.

17  
Dotado de uma mente universal, através do raciocínio o homem pode alcançar o
conhecimento verdadeiro e universal. Ao ser capaz de formular conceitos, consegue revelar o
que vem a ser a verdade sobre as coisas naturais e abstratas, consegue expressar o que é
sabedoria, a coragem, a justiça, as virtudes morais. Sócrates, por tratar o conhecimento como
uma virtude, percebe que a realidade humana só pode ser explicada pela razão e pelo espírito.
Essa dimensão espiritual leva-o a desenvolver uma ciência do espírito, cuja função é
disciplinar a conduta humana em direção ao “bem” – pois só aquele que age de acordo com as
regras do bem (quem age com bondade e justiça) torna-se um homem melhor. Introduz,
então, os valores como uma nova dimensão da realidade humana8.

Platão, discípulo de Sócrates, parte do princípio de que o conhecimento não


pode ser encontrado no mundo sensível (da percepção dos sentidos, das opiniões), só é
alcançado no mundo das ideias (que para ele faz parte da razão pura e equivaleria a Deus) e o
acesso a este mundo se dá por meio de um processo mental de contemplação, de educação,
que é capaz de conduzir o homem à descoberta da verdade e dos valores absolutos (bem,
bondade, beleza). Em Platão, a natureza humana decorre de sua espiritualidade, do domínio
que o ser humano exerce sobre seus sentidos, de modo que o conduza ao absoluto, ao
conhecimento de Deus, e consequentemente, ao conhecimento dos valores absolutos
(bondade, verdade e beleza), já que para ele o conhecimento não está a serviço da apreciação
das coisas, mas para que através dele o homem se torne melhor9.

Em Aristóteles, a questão humana adquire maior protagonismo. Desde sua


metafísica, ao observar que a substância é preponderante à forma – ao dizer que Sócrates é
um homem, mas é mais do que seu corpo material – impõe a existência de uma dimensão
superior que distingue os homens das demais coisas materiais. Esta dimensão superior lhe foi
dada por deus e é ela que conduz o homem em seu conhecimento, no exercício de sua
racionalidade, tornando-o capaz de discernir o que é universal, e assim descobrir a essência
das coisas. Deste modo, a principal virtude do homem é sua razão, que deve conduzi-lo
sempre à busca da verdade, que é a mais alta felicidade. Segundo o pensamento aristotélico, já
agora em um plano ético, o telos da vida humana é a virtude, e não o prazer. Virtude
alcançada por meio do disciplinamento da razão, de modo que o homem virtuoso é aquele que
evita extremos, que se pauta pela justiça. Em sua política, vemos pela primeira vez a
                                                                                                               
8
Cfr. CHAMPLIN, Russel Norman; BENTES, João Marques. Enciclopédia de bíblia, teologia e filosofia. V. 2,
p. 780; V. 6., pp. 322 - 325.
9
Cfr. Ibidem, V. 2, p. 780; V. 5, pp. 288 - 294.

18  
afirmação de que o Estado existe visando o bem do homem, de modo que a vida social
aparece como objetivo da existência humana, pois isolado o homem não é autossuficiente.
Cada ser humano, cada indivíduo, possui diferentes habilidades e cada um deve exercer as
habilidades que tem em favor da vida comunitária; do mesmo modo, cada homem deve ser
tratado pela justiça de acordo com as suas diferenças10.

Na filosofia clássica, percebe-se que o homem é considerado como um ser


de natureza racional, que se realiza em um contexto comunitário, na polis11. Desse modo,
constata-se que o homem é um elemento dentro do universo do Estado e, portanto, a noção de
pessoa relaciona-se às funções e atividades desempenhadas pelo individuo na sociedade
(prosopon) e não à sua essência de ser humano.

Os estóicos foram os responsáveis por introduzir a palavra pessoa na


filosofia. Explica Fábio Konder Comparato, o pensamento estoico introduziu a oposição entre
prosopon (função social, traduzida pelos romanos em um sentido de máscara teatral – persona
– que designa um personagem) e hypóstasis, a essência do individual de cada ser humano
(posteriormente denominada personalidade).12 O pensamento estoico organizou-se em torno
das ideias de unidade moral do ser humano e dignidade do homem, de sua filiação divina
(filho de Zeus), em razão da qual passa a ser “possuidor de direitos inatos e iguais em todas as
partes do mundo, não obstante as inúmeras diferenças individuais e grupais” 13. Alude a uma
unidade substancial do ser humano, deixando de lado a função social de cada homem na
sociedade, e serve de fundamento para o conceito atual de pessoa.

Inegável, também, a grande contribuição da tradição judaico-cristã. Assim


como os estóicos, os judeus defendiam a filiação divina do homem. Com o advento do
cristianismo, a tradição judaica é cindida, não há mais no plano espiritual um povo escolhido
para receber a benesse de ser filho de Deus e herdar sua essência; a filiação divina passa a ser
comum a todos os homens, sejam gregos ou judeus, escravos ou homens livres, homem ou

                                                                                                               
10
Cfr. CHAMPLIN, Russel Norman; BENTES, João Marques. Enciclopédia de bíblia, teologia e filosofia. V. 2,
p. 780; V1, pp. 275-278.
11
Cfr. MONDIM, Battista. Quem é Deus? Elementos de teologia filosófica. Trad. José Maria de Almeida, São
Paulo: Paulinas, 1997, p. 400.
12
Vid. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. pp. 26-28.
13
Vid. Ibidem, p. 28.

19  
mulher14. O conceito de pessoa atrela-se à filiação divina, a razão seria então uma centelha da
imagem de Deus em nós, a conferir dignidade que é comum a todos os homens.

Inequivocamente, o conceito contemporâneo de pessoa encontra no


pensamento medieval de Santo Agostinho, Boécio e São Tomás de Aquino, o seu berço.

Valle Labrada Rubio afirma que o conceito de pessoa nasce com o


cristianismo. Os primeiros autores cristãos viram-se obrigados a explicar a identidade de Deus
revelada por Jesus Cristo. Deus é Uno e Trino, três pessoas distintas e um só Deus verdadeiro.
Afirma o professor espanhol que o conceito de pessoa parte, portanto, da filosofia e da
teologia cristãs15. Do mistério de Deus, passa-se ao mistério do homem. A existência de um
Deus pessoal, que se faz homem, Jesus Cristo, não só explica a essência humana, mas que
Jesus Cristo em sua natureza humana dignifica toda pessoa humana16.

Santo Agostinho apresenta um rigoroso conceito de pessoa. Para o eminente


teólogo, o ser humano não é uma substância individual, mas a união de corpo e alma,
substância material individual e espírito divino, imagem e semelhança de Deus. O homem
segundo Santo Agostinho tem que ser considerado a partir da relação que tem com Deus.

Em minucioso estudo sobre Santo Agostinho, Joel Gracioso aponta dois


tipos de origem, gerada de ipso, quando Deus gera algo a partir de sua própria substância (o
que ocorre no interior da Trindade), e gerada ex ipso, que se refere ao ato de Deus dar o ser.
Em lapidar explicação o homem é apresentado como um grande bem, apenas atrás do Sumo
Bem que é Deus:

“(...) Assim, a origem ex ipso das criaturas as coloca entre Deus (o ser) e o nada
(não-ser). Mas, apesar disso, eles não deixam de ser e de ser um bem, pois, se tudo o

                                                                                                               
14
A filiação divina no contexto bíblico é apresentada de dois modos: i) no livro do Gênesis (1: 26-28) os homens
(incluindo toda a espécie humana) são criados à imagem e semelhança de Deus, ou como diz no livro dos Atos (
17: 28) são “geração “de Deus; e ii) nos livros de João (8: 44), Romanos (8:29), é apresentada mediante a fé, por
isso não há mais um povo escolhido, mas agora todos os que creem em Cristo são considerados filhos de Deus.
15
Na obra Por um Humanismo Cristão, Jacques Maritain afirma que a “... expressão ‘filosofia cristã’ não
designa simplesmente uma essência, mas um complexo: uma essência tomada sob certo aspecto. (...) A filosofia
cristã não é uma doutrina determinada, (...). É, ao contrário, a própria filosofia enquanto posta naquelas
condições de existência e de exercício absolutamente característicos, onde o cristianismo introduziu o sujeito
pensante, de maneira que ela veja certos objetos, estabeleça validade certas asserções, que, em outras condições,
lhe escapariam mais ou menos”. (in. MARITAIN, Jacques. Por um Humanismo Cristão. Coleção Ensaios
Filosóficos, São Paulo: Paulus, 1999, pp.85-86).
16
Vid. RUBIO, Valle Labrada. Introducción a la teoria de los derechos humanos; fundamento, história,
declaración universal de 10.XII.1948. Editorial Civitas, Madrid, España, 1998, p.34.

20  
que existe procede de Deus, único princípio e sumo bem, então tudo é um bem, não
havendo, portanto, nada que seja mau em si mesmo. (...) O bispo de Hipona entende
que Deus é o princípio de toda medida (modus), de toda forma (species) e de toda
ordem (ordo), os quais são predicados gerais, presentes em todas as criaturas,
tornando-as, assim, coisas boas. Qualquer que seja a criatura analisada, corporal ou
espiritual, Deus lhe concedeu a medida, a forma e a ordem. De acordo com o grau
desses atributos, a criatura que os possui será um grande ou um pequeno bem. Onde
encontramos essas três coisas em grau elevado temos grandes bens; onde em grau
inferior, temos pequenos bens e onde em grau zero não há bem algum17.

Battista Mondim esclarece que a intenção do bispo de Hipona18 era


encontrar um termo que pudesse se aplicar diretamente ao Pai, ao Filho, e não ao Espírito
Santo, sem correr, de uma parte, o risco de fazer deles três deuses, e de outra parte, sem
dissolver a sua individualidade. Ele mostra que os termos essência e substância não possuem
esta dupla virtude. Ao contrário, pertence ao termo grego hypóstasise e ao seu correlativo
latino persona, que não significa uma espécie, mas algo de singular e de individual.
Analogamente, este vocábulo aplica-se também ao homem: singulus quis que homo una
persona est19.

Retomando os estudos de Santo Agostinho, e firmando um diálogo com a


filosofia grega, Boécio apresenta a pessoa como a substância individual de natureza racional;
deixando de lado a exterioridade da função social, a pessoa passa a ser a própria substância do
homem, “num sentido aristotélico: ou seja, a forma (ou fôrma) que molda a matéria e que dá
ao ser de determinado ente individual as características de permanência e invariabilidade” 20.
A pessoa é um indivíduo único, diferente de tudo e de todos os demais, em razão da
consciência que tem de si próprio, da capacidade de pensar, de sentir e de relacionar-se com
outras pessoas, mas sobretudo, por sua essência espiritual – pela alma – que conduz suas
ações. Deste modo, o homem não é qualquer tipo de ser vivente: ele é uma pessoa.

São Tomás de Aquino, no século XII, revisita as lições de Boécio, e parte da


premissa de que o homem é um ser de natureza racional, porém, julga mais adequado utilizar
o termo “substância completa”, em oposição à “substância racional”. Daí dizer que a pessoa é

                                                                                                               
17
GRACIOSO, Joel. A Relação entre o problema de Deus e a questão do mal no livro VII das Confissões de
Agostinho de Hipona, 2003. Dissertação (mestrado em filosofia), Universidade de São Paulo, São Paulo, pp.57-
58.
18
Como conhecido Santo Agostinho, por haver sido ordenado bispo de Hipona, cidade argeliana, no ano de 391,
assim tendo permanecido até a sua morte, em 430,
19
Vid. MONDIM, Battista. O homem. Quem é ele? Elementos de antropologia filosófica. Trad. R. Leal Ferreira
e M. A. S. Ferrari, São Paulo: Paulinas, 1977, p. 286.
20
Vid. COMPARATO. Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. p. 32.

21  
“uma substância completa, em si mesma subsiste, com independência de outro sujeito” 21. O
homem é considerado pessoa porque tem consciência do que o leva a agir; diferentemente dos
animais, é um ser livre e autônomo. Consciência atribuída à razão, que para São Tomás é a
expressão da imagem de Deus nos homens. Ressalta o Doctor Angelicus, três tendências
fundamentais no homem, traduzidas na conservação do próprio ser; na conservação da
espécie, e na vida social e cultura22.

A contribuição relevante do pensamento tomista é que o homem enquanto


criatura divina é o mais perfeito de todos os seres, pois, em razão de sua semelhança com
Deus, caracterizada pela racionalidade, é livre e responsável por eleger seu destino. Portanto,
constitui em si um valor absoluto, é um fim em si mesmo. Diante dessa posição, o Estado
deve reconhecer a personalidade humana e colocar-se a serviço de todos os homens, não
cabendo à comunidade identificar quais homens serão considerados cidadãos, e portanto
pessoas, e quais serão tratados como coisas. As lições de São Tomás de Aquino representam
os fundamentos do cristianismo que até hoje são relembrados e aprimorados pela Filosofia23.

Em linhas gerais, na Filosofia antiga o conceito de pessoa foi empregado


para designar o ser racional como indivíduo consciente, com vistas a aplicá-lo
fundamentalmente ao homem. A pessoa era definida como uma substância indivisa da
natureza racional, ou como aquele que é um por si, ou o indivíduo de natureza racional. Ainda
de acordo com o ilustrado jurista, filósofo e sociólogo, nos primeiros tempos da Filosofia
moderna há defensores da pessoa como um ser racional reflexivo e autoconsciente; no
entanto, as definições construídas no período antigo tratam de expor a pessoa - enquanto o
próprio ser humano – como uma coisa, uma substância que se diferencia das demais, em
virtude de características especiais (indivisibilidade, racionalidade, vontade). Ainda assim,
uma coisa, um de tantos outros entes no mundo, distinto dos demais por peculiares
dimensões: seria uma substância (portanto, como as outras substâncias), mas indivisível, com
racionalidade e com vontade. É dizer, insere-se a pessoa no plano da ontologia clássica, como

                                                                                                               
21
TOMÁS DE AQUINO. Santo. Suma teológica. Madrid/Barcelona: BAC, 1957, III, q. 16, a. 12, ad 2, p. 231.
22
Cfr. RUBIO, Valle Labrada. Introducción a la teoria de los derechos humanos: fundamento, história,
declaración universal de 10.XII.1948. p.35.
23
Cfr. CHAMPLIN, Russel Norman; BENTES, João Marques. Enciclopédia de bíblia, teologia e filosofia. V. 2,
p. 780; V.1, pp. 247 – 250.

22  
um ser entre os outros seres que, embora com traços privativos que o diferenciam dos demais,
tem dimensões comuns com estes24.

A compreensão substancial do homem permitiu a escravidão, a servidão


existente e aceita na Grécia e na Roma Antiga, adentrando todo o período medieval até o
século XVIII. Porém, forçoso frisar que a partir deste primeiro olhar ontológico há o início de
uma noção de igualdade fundada na individualidade, na função exercida por cada indivíduo
na sociedade.

Mas o pensamento cristão, principalmente de São Tomas de Aquino, ao


investigar a pessoa em paralelo com o Deus criador, influenciou o pensamento filosófico do
século XX, a exemplo de Jacques Maritain.

Em Maritain o ser humano é indivíduo e pessoa. Enquanto indivíduo faz


parte de um mundo maior, do universo, tal qual qualquer outro ser (animais, plantas,
minerais) e se sujeita às leis da natureza, porém, enquanto pessoa é um ser espiritual, que não
existe apenas fisicamente, mas sobre-existe espiritualmente em conhecimento e em amor, de
tal modo que em algum sentido é um universo por si, um microcosmo no qual pode ser
compreendido todo o universo: “(...) a pessoa humana possui estas características porque, em
definitivo, o homem, esta carne e este osso transitórios que um fogo divino faz viver e agir,
existe ‘desde o útero ao sepulcro’, por obra mesma de sua alma que domina o tempo e a
morte” 25.

A religião exerceu papel fundamental na defesa da pessoa, notadamente o


catolicismo que, através da fé, na crença em Deus e nos homens, teve larga influência no
mundo ocidental. O principal documento que se tornou um marco no cristianismo
contemporâneo foi a Constituição Pastoral Gaudium et Spes, promulgada pelo Concilio
Vaticano Segundo, que tem por fundamento o homem e sua dimensão pessoal. “Trata-se, com
efeito, de salvar a pessoa do homem e de restaurar a sociedade humana. Por isso, o homem

                                                                                                               
24
Cfr. SICHES, Luis Recaséns. Tratado general de filosofia del derecho. p. 246.
25
Vid. MARITAIN, Jacques. Príncipes d’une politique humaniste. Ouvres completes, VIII, Friboug Suisse,
1989, p. 188.

23  
será o fulcro de toda a nossa exposição: o homem na sua unidade e integridade: corpo e alma,
coração e consciência, inteligência e vontade” 26.

Na Encíclica Pacem in Terris, o Papa João XXIII afirma que, em “... uma
convivência humana bem constituída e eficiente, é fundamental o princípio de que cada ser
humano é pessoa; isto é, natureza dotada de inteligência e vontade livre. Por essa razão,
possui em si mesmo direitos e deveres, que emanam direta e simultaneamente de sua própria
natureza. Trata-se, por conseguinte, de direitos e deveres universais, invioláveis, e
inalienáveis” 27.

Ainda, ressalta o Papa João Paulo II, na Encíclica Redemptor Hominis, essa
singular realidade do ser e do agir, da inteligência e da vontade, da consciência e do coração
— “porque é pessoa” —, com uma própria história da sua vida e, sobretudo, uma própria
história da sua alma28.

Feita esta breve incursão sobre a pessoa no pensamento cristão, cumpre


retroceder para atentar como, após as lições de São Tomás de Aquino, evolui a reflexão
filosófica sobre o homem/pessoa.

No Discurso do Método, Descartes rompe com os anteriores pressupostos


filosóficos, ao ressaltar haver conhecido que era uma substância cuja completa essência ou
natureza consistia em pensar. Na formulação penso, logo existo, reconhece que “para pensar,
é preciso existir” 29, erigindo a consciência ou o pensamento em causa da existência.

                                                                                                               
26
CONCÍLIO VATICANO II, Constituição pastoral sobre a igreja no mundo contemporâneo: Gaudium et
Spes. Disponível em http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-
ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html> acesso em 03 de novembro e 2012.
27
PAPA JOÃO XXIII. Carta Encíclica Pacem in Terris. Disponível em
<http://www.vatican.va/holy_father/john_xxiii/encyclicals/documents/hf_j-xiii_enc_11041963_pacem_po.html>
acesso em 30 de Julho e 2013.
28
PAPA JOÃO PAULO II, Papa. Carta Encíclica Redemptor Hominis. Disponível em
<http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_04031979_redemptor-
hominis_po.html> acesso em 28 de fevereiro de 2014. Enfaticamente proclamado pelo Papa Bento XVI, na
Encíclica Caritas in Veritate, “... que o autêntico desenvolvimento do homem diz respeito unitariamente à
totalidade da pessoa em todas as suas dimensões.” (Capítulo I, n.11). disponível em
<http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-
veritate_po.html> acesso em 27 de agosto de 2013.
29
“(...) E notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as mais
extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de a abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo,
como o primeiro princípio da Filosofia que procurava. Depois, examinando com atenção o que eu era, e vendo
que podia supor que não tinha corpo algum e que não havia qualquer mundo, ou qualquer lugar onde eu

24  
Immanuel Kant trouxe a discussão sobre o homem para o plano da moral, da
ética. Para o pensador de Königsberg, não é possível compreender o que é a pessoa se
examinamos só o seu ser; há que considerar inerente ao próprio homem uma ideia ética, já
que é um ser capaz de possuir a si mesmo e manifestar-se de acordo com sua razão. Nesse
sentido, defende que a personalidade é liberdade e independência do mecanismo de toda a
natureza, e que os seres racionais são denominados pessoas por constituírem um fim em si
mesma, melhor dizendo, algo que não deve ser empregado com um mero meio, algo que em
virtude de sua relação com a ética, contém uma vontade que a torna um ser extremamente
diverso das coisas, diverso em razão de sua posição e dignidade30.

As ideias de posição e de dignidade representam algo inteiramente novo em


comparação às demais coisas; não são apenas características especiais localizadas no plano do
ser do homem, não derivam do especial modo de ser, senão que se depreendem de uma
consideração ética, ou seja, a pessoa é definida não só por sua especial dimensão de um ser
(racional e individual), mas descobrindo nela a projeção do mundo da lei moral (liberdade).
Em razão desta lei moral projetada na pessoa, ela passa a ter um fim próprio a cumprir, e deve
cumpri-lo por determinação própria. Esta lei moral está sintetizada no imperativo que diz:
“age de tal maneira que possa usar a humanidade, tanto na sua pessoa como na pessoa de
qualquer outro, sempre e simultaneamente com fim e nunca como meio” 31.

Assim, a pessoa é aquele ser que tem fim em si mesmo, e precisamente por
isso, possui dignidade, a diferença de todos os demais seres e das coisas – que têm um fim
fora de si – que servem como meio para lograr fins alheios e, portanto, possuem um preço. A
pessoa por ser sujeito da lei moral autônoma, é o único ser que não tem um valor somente
relativo, ou seja, um preço (que é próprio de todas as coisas), mas antes um valor em si

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
existisse, mas que nem por isso podia supor que não existia; e que, ao contrário, pelo fato mesmo de eu pensar
em duvidar da verdade das outras coisas seguia-se mui evidente e mui certamente que eu existia; ao passo que,
se apenas houvesse cessado de pensar, embora tudo o mais que alguma vez imaginara fosse verdadeiro, já não
teria qualquer razão de crer que eu tivesse existido; compreendi por aí que era uma substância cuja essência ou
natureza consiste apenas no pensar, e que, para ser, não necessita de nenhum lugar, nem depende de qualquer
coisa material. De sorte que esse eu, isto é, a alma, pela qual sou o que sou, é inteiramente distinta do corpo e,
mesmo, que é mais fácil de conhecer do que ele, e, ainda que este nada fosse, ela não deixaria de ser tudo o que
é” (in. DESCARTES, René. Discurso do Método, Meditações, Objeções e Respostas, As Paixões da Alma,
Cartas. vol. XV, São Paulo: Abril Cultural, 1973, pp.54-55).
30
Cfr. KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos costumes e outros escritos. trad. Leopoldo
Holzbach, 2ª. reimp., São Paulo: Martin Claret, 2011. p. 58.
31
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos costumes e outros escritos. p. 59.

25  
mesma (dignidade), que constitui um auto-fim32. Pode-se dizer então que, para Kant, o
homem é considerado pessoa em virtude de sua eminente dignidade33.

Karl Marx considera a pessoa como resultada da socialização do homem.


De acordo com sua ideologia o homem só será emancipado ao tomar consciência de classe.
Para Marx, o homem:

“(...) por mais que seja um indivíduo particular, e justamente é a particularidade que
faz dele um indivíduo e um ser social individual efetivo — é, na mesma medida, a
totalidade, a totalidade ideal, o modo de existência subjetivo da sociedade pensada e
sentida para si, do mesmo modo que também na efetividade ele existe como intuição
e gozo efetivo do modo de existência social, quanto como uma totalidade de
exteriorização da vida humana34.

Contrapondo-se ao racionalismo idealista de Kant, o existencialismo propõe


identificar-se a pessoa humana com a sua existência, com as suas circunstâncias. Sartre,
afirma representar o existencialismo ateu, ao declarar que,

“(...) se Deus não existe, pelo menos há um ser no qual a existência precede a
essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito, e que
este ser é o homem, ou, como diz Heidegger, a realidade humana. Que significará
aqui o dizer-se que a existência precede a essência? Significa que o homem
primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O
homem, tal como o concebe o existencialista, se não é definível, é porque
primeiramente não é nada. Só depois será alguma coisa e tal como a si próprio se
fizer. Assim, não há natureza humana, visto que não há Deus para a conceber. O
homem é, não apenas como ele se concebe, mas como ele quer que seja, como ele se
concebe depois da existência, como ele se deseja após este impulso para a
existência; o homem não é mais que o que ele faz. Tal é o primeiro princípio do
existencialismo. É também a isso que se chama de subjetividade, e o que nos
censuram sob este mesmo nome. Mas que queremos dizer nós com isso, senão que o
homem tem uma dignidade maior do que uma pedra ou uma mesa? Porque o que
nós queremos dizer é que o homem primeiro existe, ou seja, que o homem, antes de
mais nada, é o que se lança a um futuro, e o que é consciente de se projetar no
futuro” 35.

                                                                                                               
32
Cfr. SICHES, Luis Recaséns. Tratado general de filosofia del derecho. pp. 246 -247.
33
“Kant define a pessoa humana como liberdade contra mecanicismo. Por esta razão, tem sido afirmado que
descoisifica o conceito de pessoa, porque a define no plano da ética, isto é, não a examina em seu ser, como
fizeram os autores anteriores, destacando de uma ou outra forma sua racionalidade, mas Kant afronta a acepção
de pessoa humana no âmbito de sua capacidade de agir. Kant, portanto, ressalta a liberdade como faculdade
específica do homem, porque o distingue dos demais seres que atuam mecanicamente, guiados por leis
necessárias e de cumprimento forçado, enquanto o homem se caracteriza por estar capacitado para eleger a regra
de suas ações” (in. RUBIO, Valle Labrada. Introducción a la teoria de los derechos humanos: fundamento,
historia, declaración univesal de 10.XII.1949. p.35).
34
MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos, Terceiro Manuscrito, Os Pensadores, vol. XXXV, São
Paulo: Abril Cultural, 1974, p.16.
35
SARTRE, Jean Paul. O Existencialismo é um Humanismo. trad. Vergílio Ferreira, Os Pensadores, vol. XLV,
São Paulo: Abril Cultural, 1973, p.12.

26  
Em Max Scheler, a pessoa humana é apresentada como um ser concreto e
essencial que traz em si mesmo a base do lado espiritual e intencional em seus atos. É dizer, o
que identifica o homem é sua espiritualidade. A dimensão espiritual do homem compreende a
sua razão, emoções, vontades e intuições, definida a pessoa como “o centro ativo no qual o
espírito aparece no interior das esferas finitas do ser, em uma diferença incisiva em relação a
todos os centros vitais funcionais que, considerados por dentro, também se chamam centros
anímicos” 36.

De acordo com Scheler, a pessoa é o homem, que não pode ser reduzido a
apenas atos racionais e volitivos; sua natureza espiritual torna-o capaz de realizar a si próprio,
de modo que cada pessoa representa uma individualidade concreta e singular, cada pessoa é
um universo, um microcosmo (como diria Jacques Maritain), com suas particularidades e
percepções. Para o filosofo alemão, o homem não pode ser um objeto em razão de sua
natureza espiritual. Destaca, ainda, cada pessoa é uma medida de valor, que não deve ser
interpretada como estimativa subjetiva, senão como uma dimensão ideal do valor, ou seja,
cada pessoa, em razão de sua realidade e de sua situação concreta, é chamada a cumprir
determinados valores relativos à sua essência e existência37.

Nicolai Hartmann38 partilha do entendimento de que só pelas relações com


o mundo que o rodeia é possível compreender o homem, pois só a ele é peculiar um plexo de
atos que transcendem as meras necessidades animais, i.e., só a pessoa humana tem seu agir
direcionado a um querer ou desejar conscientes. Para o filósofo, o agir é uma atividade
dirigida ao próximo, ao outro, é uma conduta frente a pessoas ou a coisas relacionadas a
pessoas, não determinada tão somente pela situação em que o homem se encontra, pelas leis
da natureza, ou pelos instintos; pressupõe que o agente esteja determinado por um algo a
mais, por exemplo, pelo bem ou pelo mal das pessoas a quem dirigida a ação. Ou seja, a
pessoa é um ser que age moralmente, tendo em vista valores (podendo persegui-los por meio
do agir racional ou afrontá-los ao agir somente segundo suas inclinações sensíveis). Esses
valores não se encontram fora do homem, nem lhes foram outorgados por uma divindade
como dons, mas ele extrai esses valores de si mesmo, de forma que o imperativo moral não é

                                                                                                               
36
Vid. SCHELER, Max. A posição do homem no cosmos. Trad. Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2003, p. 36.
37
Vid. SCHELER, Max. A posição do homem no cosmos. pp. 36 – 37.
38
Cfr. HARTMANN, Nicolai. Introduccíon a la filosofia. trad. José Gaos, México: UNAM, 1961, pp. 107 –
118.

27  
hipotético, não depende de nenhuma condição para que seja válido. De acordo com o
pensador alemão, os valores morais não determinam por si só o homem, a função que lhes
cabe é de iluminar a conduta humana, que é livre39 para escolher o caminho que irá seguir.

No século XX, a filosofia dos valores influi na formação da escola


personalista que tem por premissa a relação da pessoa com a sociedade. O personalismo
revela o homem como um ser sempre direcionado ao outro, desde a mais tenra infância, pois a
criança tende a reproduzir e aprender as atitudes realizadas por outra pessoa, e isto se
prolonga em todo processo formativo. Ao agir, imitando ou não o outro, a pessoa comunica-
se, e isto a faz crescer, porquanto, não existe senão para os outros, não se conhece senão pelos
outros e não se encontra se não for pelos outros40. A relação com o outro aparece como um
meio especial de desenvolvimento das possibilidades humanas e de sua personalidade.

Emmanuel Mounier, um dos maiores expoentes deste movimento, defende


que o homem é uma existência incorporada, de modo a evidenciar que entre o sujeito e o
corpo existe uma unidade, uma única experiência. Outra tese por ele defendida é a da
transcendência da pessoa em relação à natureza: o homem destaca-se da natureza por ser o
único a conhecer o universo que o circunda e o único capaz de transformar a natureza. Por
estar inserido em um espaço amplo, em que habitam outros indivíduos, a questão relacional é
imperiosa e se dá por intermédio da comunicação41. A comunicação é a própria essência da
natureza social do homem.

Segundo explica Battista Mondin, “o homem é sociável e, por isso, tende a


entrar em contato com os seus semelhantes e a formar com eles certas associações estáveis;
porém, começando a fazer parte de grupos organizados, ele torna-se um ser político, ou seja,
membro de uma polis, de uma cidade, de um estado, e, como membro de tal organismo, ele
adquire direitos e assume certos deveres”42.

                                                                                                               
39
A liberdade deve ser entendida “como autonomia da pessoa em contraposição à autonomia dos valores. Uma
força positiva que radica na pessoa, é o princípio que determina finalisticamente o homem”. Vid. DEL VALLE,
Agustín Basave F.. Filosofia do homem: fundamentos de antroposofia metafísica. Trad. Hugo Di Primo Paz, São
Paulo: Convívio, 1975, p. 152.
40
Cfr. MOUNIER. Emmanuel. O personalismo. Trad. Vinícius Eduardo Alves, São Paulo: Centauro, 2004, p.
46.
41
Cfr. Ibidem, p. 44.
42
MONDIN, Battista. O homem: quem ele é? Elementos de antropologia filosófica. p. 154.

28  
As ideias de sociabilidade do homem e do reconhecimento no outro de uma
extensão do “eu”, conduzem à criação de um sistema de justiça e de valores fundamentais
para que a “unidade da humanidade43” esteja preservada.

O sentido de humanidade una e indivisível está contido na ideia moderna de


igualdade, que encontra guarida na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948.
Segundo explica Norberto Bobbio44, é a ideia de que todos os homens devem ser tratados e
considerados iguais, com respeito às qualidades que constituem sua essência, à natureza
humana que o distingue de todos os demais seres, à sua dignidade.

Battista Mondim, após longo estudo sobre quem é o homem, define-o


pessoa, como “um indivíduo dotado de autonomia quanto ao ser, de autoconsciência, de
comunicação e de auto transcendência45”. Partindo desta sucinta explicação, que condensa o
pensamento do filósofo e teólogo italiano, a pessoa humana pode ser compreendida como um
ser que se desenvolve em um processo dinâmico, não é um ser pronto como os demais seres,
não é mera substância, mas ser em perene construção, de modo que sempre está a conquistar a
sua existência.

Como síntese desta breve digressão histórico-filosófica, a pessoa humana é


o conjunto de seus aspectos existenciais – consciência, liberdade, espiritualidade. No homem
é possível reconhecer valores que lhe conferem características exclusivas, que o distinguem
de tudo que possa existir no universo. A esse conjunto de valores que há em todos os seres
humanos convencionou-se chamar de dignidade. Assim, a pessoa é o ser humano apreciado a
partir de sua dignidade46.

Destarte, identificar o homem como pessoa é reconhecer sua eminente


dignidade, e portanto, como centro de reconhecimento e convergência de valores sociais,

                                                                                                               
43
Uma das ideias chave do personalismo é a unidade da humanidade, no espaço e no tempo. Esta ideia já havia
perscrutado o pensamento da antiguidade e ganhou mais forma com a tradição cristã, que pregava não haver
cisão entre senhor e escravo, judeus e pagãos, cidadãos e bárbaros, homem ou mulher, pois todos são criados à
imagem e semelhança de Deus e todos são chamados à salvação por intermédio de Jesus Cristo. Vid.
MOUNIER. Emmanuel. O personalismo. p. 55.
44
Vid. BOBBIO, Norberto. Igualdad y libertad. Trad. Pedro Aragon Rincón, Barcelona: Paidos e Instituto de
Ciências de la Educación de la Universidad Autônoma de Barcelona, 2000, p. 69
45
MONDIN, Battista. O homem: quem ele é? Elementos de antropologia filosófica. p. 297.
46
Cfr. GUARDIA, Andrés F. T. S.. Homem, pessoa e dignidade: da antropologia filosófica à Corte
Interamericana de Direitos Humanos. 2008. 280 f. Dissertação (mestrado em direito), Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo. pp. 156 –158.

29  
primeiro passo para admiti-lo como sujeito de direitos47. Esta constatação é fruto do processo
evolutivo de integração social do homem cidadão da antiguidade clássica para o homem
indivíduo das revoluções norte-americana e francesa do século XVIII, que pode ser resumido,
como bem faz Miguel Reale, em dois fenômenos complementares: numa lenta mas
progressiva atribuição de “poderes autônomos e iguais aos indivíduos como tais, e a
constituição de uma estrutura jurídica superior capaz de garantir essa autonomia” 48.

1. 2. PERSPECTIVA CRONOLÓGICA DA AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS


HUMANOS.

Muito embora a unidade da natureza humana e a sua dignidade tenham sido


reconhecidas desde os tempos antigos, como visto no breve escorço filosófico do conceito de
pessoa, a ideia da existência de direitos inerentes à natureza humana - direitos que por
encontrarem seu fundamento na pessoa humana são anteriores à própria constituição estatal -
aparece só na era moderna, no momento em que os valores próprios dos direitos humanos
foram inseridos na positividade. Daí o decorrente caráter histórico dos Direitos Humanos49.

Reconhecer o caráter histórico dos Direitos Humanos também implica em


aceitar que há um direito originário, um justo natural a congregar os princípios de justiça
prepositivos que serão revelados progressivamente, fazendo uso da realidade e das
circunstâncias que circundam a própria existência humana.

                                                                                                               
47
Conforme as lições de Miguel Reale, “... o Direito é uma ordenação bilateral atributiva das relações sociais,
na medida do bem comum. Isto quer dizer que, em toda relação jurídica, duas ou mais pessoas ficam ligadas
entre si por um laço que lhes atribui, de maneira proporcional ou objetiva, poderes para agir e deveres a cumprir.
O titular, ou seja, aquele a quem cabe o dever a cumprir ou o poder de exigir, ou ambos é que se denomina
sujeito de direito” (in. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 25ª. ed., 22ª. tiragem, São Paulo: Saraiva,
2001. p. 212).
48
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. p. 214.
49
Cfr. VILLEY. Michel. O direito e os direitos humanos. Trad. Maria Ermantina A. Prado Galvão. São Paulo:
WMF – Martins Fontes, 2007, p. 10; LIMA, Alceu Amoroso. Os direitos do homem e o homem sem direitos. 2ª.
edição. Editora Vozes: São Paulo, 1999. p. 23; CAMPOS, Germán J. Bidart. Teoria general de los derechos
humanos. México: UNAM, 1989, pp. 129 –133.

30  
Aceitar os Direitos Humanos como direitos históricos não quer dizer aceitar
a visão historicista dos direitos, que coloca o fundamento do direito na história, no
contingente. O fundamento dos direitos do homem não está na história, não é a história, não
está no contingente, mas no supra e extra-histórico que impregna de historicidade os direitos.
Porque é esse mesmo fundamento a prestar razão para que os direitos se situem no tempo e
assim sejam almejados, representados e concebidos positivamente na história50.

As circunstâncias jurídicas-políticas e a própria evolução cultural, que


caracterizaram o sucessivo devir dos direitos e liberdades desde a modernidade até o presente,
foram determinantes para aclarar o enfoque dos Direitos Humanos.

Se em suas primeiras manifestações, os Direitos Humanos foram


contemplados como direitos eternos, hoje não podem deixar de ser concebidos como direitos
históricos e axiológicos. Podemos observar, então, que as profundas transformações
econômicas, cientificas e tecnológicas aquecidas desde o Iluminismo e até os dias
contemporâneos, tiveram repercussões na esfera social, jurídica e política. O Estado de
Direito, que tinha como elemento constitutivo o sistema de liberdades, experimentou
importantes mudanças e adaptações institucionais, com imediata repercussão na esfera dos
direitos cívicos.

Em um cenário de revoluções, involuções e evoluções, a comunidade


internacional vivenciou a consolidação dos direitos da pessoa humana. Forçoso lembrar que o
processo de consolidação dos Direitos Humanos é um eterno devir; por esta razão, há na
doutrina posições no sentido de que os Direitos Humanos não se restringem às três gerações
apoiadas na tríade francesa: direitos de liberdade, direitos de igualdade e direitos de
fraternidade ou solidariedade. Há quem defenda a existência de uma quarta geração (direitos á
democracia, informação e ao pluralismo) e outros já sustentam haver uma quinta (direito à
51
paz) ; contudo, nas linhas que seguem, tratar-se-á não de gerações ou dimensões52, termos

                                                                                                               
50
Cfr. CAMPOS, Germán J. Bidart. Teoria general de los derechos humanos. p. 130.
51
O constitucionalista Paulo Bonavides defende a existência, hoje, de cinco gerações de direitos fundamentais,
sendo a quarta a correspondente ao direito à democracia, e a quinta, o direito à paz (in Curso de Direito
Constitucional. 26ª. edição, Malheiros Editora, São Paulo, 2011, pp. 570 e ss.). Ingo W. Sarlet não rechaça a
existência de novas gerações ou dimensões de direitos, ao contrário, apresenta reflexões tendentes a aceitá-las.
(in A eficácia dos direitos fundamentais. 7ª. ed. Rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007,
pp. 60 – 61). Maria Eugenia Rodriguez Palop reconhece uma quarta geração de direitos embasados nas
reivindicações de novos movimentos sociais e tendo como pano de fundo as inovações tecnológicas (in La nueva
generación de Derechos Humanos – Origen y Justificación. 2ª. ed. Colección Derechos Humanos y Filosofia del

31  
amplamente disseminados nas doutrinas nacionais e estrangeiras, mas das fases de afirmação
dos Direitos Humanos desde a modernidade até nossos dias, tendo por perspectiva o contexto
histórico e a visão ideológica que conduz, em cada momento, à afirmação e ao
reconhecimento paulatino de novos Direitos Humanos e de novas perspectivas de direitos já
assentes.

A escolha desta nova terminologia “fases” pode causar certa estranheza por
não ser comum, no entanto, é adequada a abordagem pretendida neste ponto do estudo. O
sentido contido no termo “fase” contempla o reconhecimento de diferentes aspectos que um
dado objeto apresenta com o evoluir do tempo53. Assim, no estudo empreendido busca-se
averiguar como as demandas concretas e a concepção do homem enquanto pessoa,
representativa de cada época, contribuem para o reconhecimento e afirmação de direitos a
proteger e para promover a pessoa humana em todos os aspectos de sua existência.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
Derecho, Instituto de Derechos Humanos Bartolomé de Las Casas Universidade Carlos III de Madrid, Madrid:
Dykinson, 2010, pp.32 – 33).
52
Há na doutrina uma distinção entre os termos gerações e dimensões, esta é a posição de Willis Santiago
Guerra Filho (in Teoria Processual da Constituição, 3ª. ed., São Paulo, RCS Editora, 2007, p. 78, e Processo
constitucional e direitos fundamentais, 5ª. ed. rev. e ampl., São Paulo, RCS Editora, 2007, pp. 39 – 43).
Objetivando, primeiramente uma elucidação semântica, observa-se que o termo gerações, advindo do latim
generativo remete a ideia de linhagem, genealogia, aludindo também ao espaço temporal correspondente à
duração media da vida dos seres humanos, bem como ao conjunto ordenado das funções e fases que caracterizam
o processo de surgimento e desenvolvimento de um ser organizado (Dicionário da língua portuguesa
contemporânea, v. II, editora Verbo, Lisboa, 2001, p. 1890). Já, para a filosofia o termo geração é utilizado para
exprimir o conceito aristotélico de mudança do não-ser para o ser, representando uma espécie de alteração de
qualidade (Enciclopédia de bíblia, teologia e filosofia. V. 2, p. 889). O termo dimensão, do latim dimensio evoca
a extensão mensurável de algo em qualquer sentido, proporção, importância ou valor que assume (Dicionário
da língua portuguesa contemporânea, v. I, editora Verbo, Lisboa, 2001, p. 1260). Num contexto filosófico,
dimensão pode ser entendida como plano, grau, direção no qual se possa efetuar uma investigação ou realizar
uma ação (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 2ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 277).
Assim o termo gerações, trás consigo a ideia de nascimento de novos paradigmas, sobrepondo-se aos antigos,
enquanto o termo dimensão evoca a noção de continuidade de analise e interpretação dos direitos sob ângulos
diversos tendo por fim a efetivação dos direitos humanos no âmbito estatal. Neste sentido é a posição de Willis
Santiago Guerra Filho: “[...] gerações e dimensões dos direitos fundamentais, [...] a primeira uma noção
histórico-evolutiva, diacrônica, enquanto a segunda, correlatamente, é de se ter como cumulativa, sincrônica,
estando cada dimensão em relação de mutua dependência e condicionamento recíproco umas com as outras. Daí
se pode dizer que as gerações são dos direitos fundamentais (e humanos) e as dimensões são de cada direito
fundamental” (in Teoria Processual da Constituição, p. 79).
53
Cfr. BECHARA, Evanildo (org.). Dicionário escolar da academia brasileira de letras. 3ª. ed., São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 2011; LAROUSSE CULTURAL. Dicionário da língua portuguesa.São Paulo:
Editora Nova cultural e Editora Moderna, 1992.

32  
1. 2. 1. A Primeira Fase dos Direitos Humanos – o Individualismo.

Os Direitos Humanos como categorias históricas que tão só podem ser


utilizadas em um contexto temporal determinado, começam a germinar na modernidade, com
o pensamento racionalista, onde a pessoa traduz a essência racional e de autoconhecimento. O
racionalismo do Século das Luzes inspirou a Independência Americana e a Revolução
Francesa.

Na evolução histórica dos direitos do homem, há que registrar, mesmo em


brevíssimas linhas, o declínio progressivo da servidão nos séculos XI ao XVIII, como
consequência direta da evolução geral das forças produtivas. Sem perder de vista, na Idade
Média a liberdade fez-se sentir no âmbito das ordens religiosas e dos cleros, dos
universitários, dos burgueses, dos nobres e de algumas comunidades rurais que reivindicavam
o direito à igualdade. Nos séculos XVI, XVII e XVIII, teóricos detiveram-se no exame da
liberdade de crença, pensamento e expressão, de trabalho, e de participação na vida pública,
de forma a restringir o arbítrio do poder monárquico.54

Este contexto genético confere aos Direitos Humanos perfis ideológicos


definidos. Nascem marcados pelo caráter individualista, como liberdades individuais
configuradoras da primeira fase ou geração dos direitos humanos.

O individualismo, segundo Emmanuel Mounier, é “um sistema de costumes,


de sentimentos, e de instituições que organiza o individuo partindo de atitudes de isolamento
e de defesa” 55. Esta ideologia, que permeou as estruturas sociais do século XVIII e XIX, via
o homem como um ser abstrato, sem vínculos naturais com a comunidade; era o centro da
liberdade que não possuía direção e medida, de modo que o outro era olhado com
desconfiança, como uma ameaça à concretização de sua liberdade e de sua vontade.

Luis Prieto Sanchís constata que o reconhecimento de direitos essenciais ao


homem, primeiro pelas declarações, posteriormente incorporadas pelos textos constitucionais

                                                                                                               
54
Cfr. ISRAEL, Jean-Jaques. Direito ds liberdades fundamentais. trad. Carlos Souza, São Paulo: Manole, 2005,
pp. 52 e ss.
55
MOUNIER. Emmanuel. O personalismo. p. 44.

33  
do final do século XVIII, representou a tradução da teoria dos direitos naturais ao Direito
positivo56.

O jusnaturalismo racionalista, vigente desde os primórdios do século


precedente, objetivava a preservação de certos bens ou valores morais inatos, inalienáveis e
universais, tais como a vida, a propriedade e a liberdade. Titular era o sujeito abstrato e
racional, o homem autônomo e independente, portador dos direitos naturais, que na sua
qualidade de cidadão e guiado só por seu interesse, estabelecia com outros sujeitos iguais um
contrato social que conferia às instituições uma vida artificial, e que na qualidade de
proprietário e movido assim mesmo somente pelo interesse, pactuava sucessivos negócios
jurídicos, de acordo com algumas regras formais fixas e seguras, sem ser relevante à condição
social dos que negociavam, nem quais coisas eram transacionadas. O conteúdo, aquilo que
representa o rosto obrigacional que acompanha todo direito, era muito simples: lograr a
garantia do âmbito de imunidade necessário para a preservação da própria vida, da
propriedade, e para o exercício da liberdade no meio público e privado. Nota-se, portanto, que
o Estado deveria ser tão extenso como fora imprescindível para assegurar tal imunidade
diante dos demais indivíduos, e tão limitado quanto possível para não se converter ele mesmo
em uma ameaça aos direitos. Este o ponto de partida que daria lugar a uma concepção dos
direitos do homem (e dos direitos fundamentais) e do próprio Estado que, com alguns
matizes, pode se dizer que segue sendo a concepção hodierna dos direitos e do Estado57.

De acordo, ainda, como o raciocínio de Luis Pietro Sanchís, o retorno ao jus


naturalismo matizado pelo racionalismo, pode ser resumido em dois lemas: supremacia
constitucional e artificialidade ou instrumentalidade das instituições políticas. A supremacia
constitucional encerra o sentido de que “os direitos operam ‘como se’ encarnassem decisões
superiores a quaisquer outros órgãos estatais, incluído o legislador, e, portanto, como se
emanassem de um poder constituinte ou soberano a que todas as autoridade e instituições
devem submeter-se”; advindo daí a característica de inegociabilidade e o fato da democracia
representar ‘triunfos diante da maioria’. A artificialidade das instituições resulta, na realidade,
que não possuem uma finalidade própria como o homem, existem somente para “salvaguardar
as liberdades e a segurança que necessariamente hão de acompanhá-las, pelo que, em
consequência, toda limitação da liberdade há de justificar-se racionalmente, em qualquer ideia
                                                                                                               
56
Cfr. SANCHÍS, LUIS PRIETO. La Ley, princípios, derechos. Instituto de Derechos Humanos “Bartolome De
Las Casas”: Universidad Carlos III de Madrid – Dykinson, 1998, p. 69.
57
Vid. Ibidem, p. 69.

34  
particular acerca do virtuoso ou do justo, senão precisamente na melhor preservação dos
58
direitos” .

O jus naturalismo racional, absorto pelo individualismo liberal, ganhou


corpo na proclamação do Bill of Rights do Bom Povo da Virgínia, nos Estados Unidos da
America, em 12 de junho de 1776, e treze anos depois na Declaração Francesa de Direitos do
Homem e do Cidadão, proclamada em 02 de outubro de1789 – com a afirmação de que todos
os seres humanos são livres e essencialmente iguais em dignidade e em direitos. Estes foram
os primeiros modelos históricos que, tornados públicos, constituíram o registro de nascimento
dos direitos humanos, com valores que seriam consagrados pela posteridade59.

Tais instrumentos de proclamação de direitos identificaram temporalmente


um novo modelo de Estado e de política. Surgiu, então, o Estado liberal de Direito – marcado
pela subsidiariedade do Estado, em face da liberdade e autonomia do homem emancipado.

Muito embora as Declarações Americana e Francesa sejam o registro de


origem dos direitos humanos, as revoluções que inspiraram tais declarações não tinham
objetivos análogos - os americanos pugnavam por firmar sua independência da coroa inglesa
e formar um novo povo e um novo Estado; os franceses, por sua vez, combatiam para libertar
o povo do domínio do ancien regime, e assim recomeçar a História60. A similitude destes
documentos, a erigi-los na origem dos Direitos Humanos, está no reconhecimento por ambos
que da eminente posição da pessoa humana (por sua digna natureza) derivam direitos naturais
e inalienáveis, preexistentes ao Estado, que os deve garantir.

O homem, assumindo o papel de cidadão, desenvolve com a sociedade um


vinculo artificial, de modo que homem, estaria habilitado para alcançar, enquanto pessoa, a
plena realização de seus direitos61.

                                                                                                               
58
Vid. SANCHÍS, LUIS PRIETO. La Ley, princípios, derechos. p. 69.
59
Cfr. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humnaos. p. 49; BALERA, Wagner.
Direitos humanos como modelos normativos. In Revista brasileira de direitos humanos. coord. César Barros Leal
et. Al., v. 1, Porto Alegre: Magister, 2012. p.10.
60
O efeito notável da Revolução Francesa foi a mudança radical nos fundamentos da legitimidade política – com
a queda da monarquia absolutista emerge a figura do Estado-Nação moderno. Ao afirmar todo poder pertence ao
povo e dele deriva, chama à ordem todos os homens para que ocupem o papel que lhes cabe por direito - o
indivíduo toma parte na vida pública.
61
Cfr. BALERA,Wagner. Direitos humanos como modelos normativos. p.14.

35  
Neste novo ambiente, o Estado de Direito emerge como um movimento de
limitação geral dos poderes governamentais, sem qualquer preocupação com a defesa da
maioria pobre contra as minorias abastadas. Ou seja, naquele momento a preocupação com as
questões sociais ainda não havia encontrado lugar.

Em seus estudos sobre os direitos do homem, Hannah Arendt aponta uma


contradição no discurso francês dos direitos do homem. Enquanto os direitos civis e políticos
foram reconhecidos pela Declaração como herança inalienável de todos os homens, também
foram vistos como legado especifico de nações especificas: “a mesma nação era declarada, de
uma só vez, sujeita a leis que emanariam supostamente dos Direitos do Homem, e soberana,
isto é, independente de qualquer lei universal, nada reconhecendo como superior a si própria”
62
. Isso levou a que os direitos humanos passassem a ser protegidos, aplicados e garantidos
somente sob a forma de direitos nacionais, de direitos fundamentais do homem e do cidadão
francês, vale dizer, do indivíduo como membro de um Estado-Nação.

Muito embora os Direitos Humanos estivessem mais próximos do que


entendemos hoje por direitos fundamentais, a grande contribuição da Declaração Francesa
para a história dos Direitos Humanos foi a emancipação do homem, a significar que doravante
a pessoa humana, e não mais o comando de Deus, nem os costumes da história, seria a fonte
da Lei63.

1. 2. 2. A Segunda Fase dos Direitos Humanos – a Questão Social Contraposta ao


Individualismo.

Essa fonte ideológica individualista do século XVIII – marcada pela


proteção do indivíduo contra o Estado - passou por um processo de desgaste e refutação nas
lutas sociais do século XIX, decorrentes da Revolução Industrial. O início deste processo se
dá como as criticas socialistas64 ao caráter formal das liberdades e igualdades.

                                                                                                               
62
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. trad. Roberto Raposo, São Paulo: Companhia das Letras, 2009,
p. 262.
63
Cfr. Ibidem, p. 324.
64
O pensamento socialista, cujo maior expoente é Karl Marx, procurou substituir o idealismo vigente no
pensamento filosófico até então, por um realismo materialista – pois já não é mais a consciência dos homens que

36  
Conforme demonstram os documentos normativos da época, as liberdades
seriam iguais para todos, não obstante, na realidade, para a maioria das pessoas não fosse
possível exercê-las devido à falta de meios. De modo que os direitos reconhecidos e vigentes
eram negados pela própria organização social.

Com a ascensão da economia capitalista, impulsionada pelos vapores da


Revolução Industrial, os burgueses liberais amparados pelo Direito subjugavam seus
trabalhadores, que em razão da concorrência pelo emprego se viam obrigados a aceitar as
condições inumanas e degradantes que lhes eram impostas. Pela lei, patrões e operários eram
considerados contratantes iguais em direitos, com total liberdade para estipular as condições
de trabalho e a respectiva contraprestação. A isonomia formal quedava inútil e as
desigualdades sociais cresciam na mesma velocidade em que as máquinas trabalhavam.

Contrapondo-se ao capitalismo liberal, o movimento socialista, aspirando


uma igualdade material entre todos os homens, teceu duras criticas à ideologia individualista.
Os socialistas perceberam que os flagelos sociais não eram catástrofes naturais, nem efeitos
necessários da organização racional das atividades econômicas, mas resíduos inaproveitáveis
do sistema capitalista que atribui aos bens de capital um valor muito superior ao das
pessoas65.

Na nova sociedade do século XIX, secularizada e emancipada pelos ideais


liberais e individuais, os homens não tinham mais certeza daqueles direitos sociais e humanos
que, até então, independiam de uma garantia da ordem política, ou legal, mas existiam pelo
sistema de valores sociais, espirituais e religiosos66.

Com o homem em crise, os movimentos reivindicativos de inspiração


socialista evidenciaram a necessidade de completar o catálogo dos direitos e liberdades
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
determina sua existência, mas a existência social que passa a determinar sua consciência. De acordo como seu
raciocínio, as forças produtivas e as relações de produção constituiriam a infraestrutura da sociedade, a partir
delas se explicariam as ideias jurídicas, políticas, filosóficas, religiosas, as criações artísticas pelas quais a
sociedade tomaria consciência (distorcida) de si mesma. Vid. VERGUEZ, André; HUISMAN, Denis. História
dos filósofos ilustrada pelos textos. Trad. Lélia de Almeida Gonzáles, 7ª. ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1988, pp. 307- 309.
65
Marx revelou a imoralidade oculta nas trocas do capitalismo. Sob o conteúdo patente de uma troca inofensiva
de coisas – em que o operário dá sua força de trabalho em troca do pagamento de salário pelo patrão – a
realidade é dissimulada para esconder a exploração do homem pelo homem. O operário foi desumanizado,
passou a valer a sua força de trabalho, foi resumido a uma máquina que deve ser alimentada minimamente para
continuar a desempenhar sua função produtiva.
66
Cfr. ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. p. 324.

37  
caracterizados por um “não fazer” estatal, com novos direitos econômicos e sociais marcados
por uma necessária obrigação de “fazer” imposta ao Estado.

A paulatina consagração jurídica e política desses direitos dar-se-ia com a


substituição do Estado liberal de Direito pelo Estado social de Direito (também denominado
Estado Providência).

A distinção, não necessariamente de oposição, apresentada entre ambas as


fases de consolidação de direitos, torna-se evidente quando se considera que enquanto os
primeiros Direitos Humanos são considerados direitos de defesa das liberdades individuais,
com exigência de autolimitação, não ingerência das autoridades públicas na esfera privada,
tutelados por sua mera atuação passiva e de monitoramento, em termos de polícia
administrativa, os segundos correspondem aos direitos econômicos e sociais, traduzidos em
direitos de participação que requerem uma política ativa dos poderes públicos, encaminhada a
garantir seu exercício através da concessão de benefícios e serviços públicos.

Os direitos reconhecidos e afirmados nesta fase trazem consigo as


“liberdades sociais” (direito de sindicalização, de greve, de salário, de férias, dentre outros da
seara trabalhista), além dos sempre lembrados direitos de prestação positiva do Estado.
Saliente-se, ainda, que a utilização da expressão “social” se justifica, pois esta fase de
afirmação de direitos pode ser considerada como uma densificação do princípio da justiça
social, em face das reivindicações das classes menos favorecidas, como meio de atenuar as
desigualdades67.

                                                                                                               
67
Cfr. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. pp. 57 – 58.

38  
1. 2. 3. A Terceira Fase dos Direitos Humanos – a Fraternidade.

A partir da segunda metade do século XX, dá-se inicio à construção da


terceira fase de afirmação de Direitos Humanos, como reação à concepção transpersonalista68,
vislumbrada através dos movimentos totalitários69 do início do século70, que resultou em um
período de retrocesso – parafraseando Hannah Arendt e Bertolt Brecht, a humanidade
ingressou em tempos sombrios.

A crise do homem sai da esfera individual que permeou as fases anteriores e


passa para a relacional, o problema humano está centrado na vida comunitária. O homem vê a
sua individualidade sitiada e os redutos de proteção diminuídos ou insuficientes, diante das
novas circunstâncias de sua existência no mundo.

Na primeira metade do século XX, em oposição a esta filosofia-política


transpersonal, surgem vozes ainda tímidas em defesa do humanismo, e de um humanismo
conciliado com as premissas do pensamento cristão primitivo, que tem por fundamento a
eminente posição do homem no mundo. É neste contexto de resgate que Jacques Maritain
propõe seu humanismo integral71 e que Emmanuel Mounier desenvolve a sua filosofia

                                                                                                               
68
O transpersonalismo é um antihumanismo, de acordo com esta concepção o homem não é considerado um ser
dotado de dignidade, não é considerado uma pessoa, ao contrário, é visto como um meio, um instrumento a ser
utilizado. Neste sentido é a lição de Luis Recaséns Siches: “En las concepciones transpersonalistas, el hombre no
es considerado como ser moral con dignidad, como persona que tiene una singular misión a cumplir por propia
cuenta; por el contrario, es utilizado tan sólo como mero material para la realización de finalidades que
trascienden su propia existencia moral, como pura cosa que se maneja como instrumento para fines ajenos a su
vida; por tanto, se le valúa no como un sujeto que es sustrato de la tarea moral, sino únicamente como mercancía
que tiene un precio, en la medida en que resulta aprovechada para una obra transhumana (ajena a la
individualidad) que encarna en el Estado.” Vid. SICHES, Luis Recaséns. Tratado general de filosofia del
derecho. p. 502.
69
Conforme a lição de Luis Recaséns Siches, o totalitarismo, caracteriza-se por: i) negar a o sentido e o valor
moral do individuo, proclamando que o homem não tem valor senão e na medida em que serve de instrumento a
um grupo, o homem é destituído de personalidade moral, de dignidade; ii) o Estado assume um caráter divino, o
único deus, exigindo do povo uma atitude religiosa de veneração e submissão absoluta; iii) professam um
nacionalismo exacerbado; iv) é belicista a ponto de afirmar que o homem nasce para a guerra e que esta é sua
suprema missão, concebendo a vida sob a perspectiva militar, a convivência comunitária é regida como um
regimento e o país como quartel militar permanente; v) consideram o líder como um ser sobrenatural, como um
ser sagrado e infalível; vi) o poder é a suprema finalidade, assim aspiram seu aumento ilimitado. Cfr. SICHES,
Luis Recaséns. Tratado general de filosofia del derecho. pp. 505 – 506.
70
Nota-se neste período, o pensamento socialista que originariamente continha uma preocupação humanista foi
distorcido a tal ponto que o poder coercitivo do Estado-providência exacerba os limites desenhados pelo
jusnatural e implementa um novo tipo de Estado, nem liberal nem social, um Estado totalitário, cujas maiores
expressões foram o nacional socialismo (nazismo), o fascismo, o comunismo soviético (por mais que este tenha
tentado dissimular sua orientação com discursos sobre liberdade e igualdade). Cfr. SICHES, Luis Recaséns.
Tratado general de filosofia del derecho. pp. 502 – 511.
71
Jacques Maritain propõe um humanismo baseado no ideário cristão. De acordo com sua obra, importa ao
homem uma mudança, um nascer de novo, como um processo de conversão do homem burguês individualista

39  
personalista, com influência no processo de conscientização (agora em proporção mundial)
sobre os Direitos Humanos, em especial a partir de 1945.

Em 1919, finda a Primeira Guerra Mundial, pelo Tratado de Versalhes cria-se


a Liga das Nações e institui-se a OIT (Organização Internacional do Trabalho) com o fim de
harmonizar as legislações trabalhistas e melhorar as condições de trabalho em âmbito global.
Entretanto, o ressentimento que permeou o texto do Tratado não trouxe uma promoção efetiva
dos Direitos Humanos, que só veio a ocorrer após a Segunda Guerra Mundial, com a criação
da Organização das Nações Unidas, em 1945, e o anúncio da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, em 1948 – quando a reivindicação do homem é para que o outro e o
Estado não afrontem os valores conquistados e reconhecidos ao longo do tempo, para que a
vida em sociedade e as relações estatais sejam pautadas por um sentimento de fraternidade.

A Declaração de Direitos Humanos de 1948 consolidou o consenso quanto à


existência de direitos universais e inatos à condição humana72. Da leitura de seus trinta artigos
percebe-se a consagração de três objetivos fundamentais: i) a certeza dos direitos, exigindo
que haja uma prévia e clara fixação de direitos e deveres para que as pessoas possam gozar de
seus direitos e sofrer imposições sem excessos; ii) a segurança dos direitos, determinando
uma série de normas tendentes a garantir que em qualquer circunstância os direitos essenciais
à condição humana sejam respeitados; iii) a possibilidade dos direitos, exigindo que se
busque resguardar todas as pessoas com os meios necessários ao gozo dos direitos, de modo
que não permaneçam apenas formalmente salvaguardadas73.

Além destas considerações, imperioso ressaltar que neste ponto da história da


humanidade os direitos da pessoa assumiram novas perspectivas. Não bastava apenas tratar as

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
para um ser voltado à sua essência espiritual. A transformação importa que sejam respeitadas as exigências
essenciais da natureza humana, a sua dignidade (sua semelhança com Deus), “e este primado dos valores
transcendentes que permitem justamente e escorvam um renovamento, de outro lado, que se compreenda que tal
modificação não é obra do homem sozinho, mas de Deus em primeiro lugar e do homem com ele”. Vid.
MARITAIN, Jacques. Humanismo integral: uma visão nova da ordem cristã. Trad. Afrânio Coutinho,
Biblioteca do Espírito moderno, série 1ª., vol. 5, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941. p. 91.
72
Em esforço para conferir eficácia ao texto da Declaração, já que se trata de documento meramente
recomendatório, a ONU elaborou diversos documentos que estabelecem de modo mais preciso e concreto regras
para a proteção e promoção de direitos. Os mais importantes documentos, após a Declaração de 1948, são os
Pactos de Direitos humanos de 1966 – Pactos de Direitos Civis e Políticos e Pacto de Direitos Econômicos
Sociais e Culturais. Também cabe lembrar que, paralelamente ao sistema global instituído pelas Nações Unidas
em 1945, foram formados sistemas regionais de proteção de direitos humanos: sistema europeu, sistema
interamericano e sistema africano, a fim de facilitar o monitoramento da observância dos direitos.
73
Cfr. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 20ª ed. atual., São Paulo: Saraiva,
1998, p. 212

40  
liberdades dos direitos civis e políticos, nem as questões sociais trazidas ao conhecimento
pelos textos constitucionais do inicio do século, mas ao homem se incorporam questões
relacionadas à convivência social, à aceitação do outro como pessoa, embora a existência de
diferenças culturais, étnicas, religiosas; também adensam o catálogo, direitos relativos ao
consumo, ao meio ambiente, aos avanços biotecnológicos, à qualidade de vida, à
comunicação.

Direitos que possuem em sua essência as características do personalismo, ao


professarem a proteção do gênero humano, a unidade da humanidade, a possibilidade de que o
homem, enquanto pessoa, tenha a liberdade de desenvolver-se e de existir no mundo. Esta
concepção da época atual transcende o âmbito individual e aloca-se no plano da fraternidade,
melhor dizendo, no reconhecimento de que todos os homens são partes essenciais da
humanidade e merecem ter reconhecidos e resguardados seus direitos essenciais,
independentemente dos limites geopolíticos.

Observa-se que os Direitos Humanos surgem e vão se conformando como


respostas aos problemas e necessidades que o homem e a humanidade têm enfrentado em
cada época, alguns deles reconhecidos já no inicio desta fase, com o fim da Segunda Guerra
Mundial (como é o caso do direito à paz), outros somente em décadas posteriores, como o
direito ao meio ambiente, o direito ao desenvolvimento, e nos dias atuais, os direitos conexos
às novas tecnologias desenvolvidas pelo homem, com especial atenção àquelas de informação
e comunicação.

O jurista espanhol Antonio Enrique Pérez Luño identifica estas fases de


afirmação dos Direitos Humanos como uma resposta ao fenômeno da contaminação (ou
poluição) das liberdades, que caracteriza os processos de erosão e degradação a afligir os
direitos e liberdades fundamentais, em face do uso das novas tecnologias74.

Este processo de contaminação das liberdades pelas tecnologias mostra-se


perene, pois a condição humana não é composta apenas pela natureza física, mas como ensina

                                                                                                               
74
Vid. PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. La tercera geración de derechos humanos. Navarra, Editorial
Aranzadi, 2006. p. 28.

41  
Hannah Arendt, agrega-se ao homem toda artificialidade desenvolvida por seu trabalho, pois
tudo aquilo com que tem contato passa a fazer parte da condição de sua existência75.

Sem minimizar outros marcos históricos do processo evolutivo da técnica


(como o fogo, a roda, a imprensa, a máquina a vapor), as mudanças hoje vivenciadas,
decorrentes das tecnologias da informação e comunicação, trouxeram uma nova dimensão à
existência humana, e de relações entre os homens e entre eles e o contexto cultural que
vivenciam. A imersão do homem no mundo digitalizado da Internet, conhecido também como
ciberespaço, sociedade da informação, ou sociedade do conhecimento, acrescentou uma nova
dimensão relacional, um novo ambiente sem barreiras espaço-temporais, um novo espaço
para exercer seus direitos e para desenvolver-se, espelhando o prenúncio de Darci Ribeiro,
para quem, a partir da revolução termonuclear76, estaríamos marchando cada dia mais rápido
para um novo processo civilizatório de âmbito mundial77.

Antes de adentra nas perquirições acerca dos efeitos transformadores da


Internet, convém prosseguir os estudos sobre os Direitos Humanos e seu papel balizador da
normatização.

                                                                                                               
75
Vid. ARENDT, Hannah. A condição humana. trad. Roberto Raposo, 10ª. ed., 5ª. reimp., Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2005, pp. 15 – 17.
76
A designação Revolução Termonuclear foi usada pelo antropólogo Darcy Ribeiro para referir-se à onda
emergente de inovações técnicas, sociais e culturais causadas pela implementação de tecnologias cientificas de
base termonuclear e eletrônicas desenvolvidas deste o inicio do século XX. Trata-se de uma verdadeira
revolução, pois estes avanços resultaram no surgimento de novas formações sócio culturais. Vid. RIBEIRO.
Darcy. O processo civilizatório: estudos de antropologia da civilização: etapas da evolução sociocultural. São
Paulo: Companhia das Letras e Publifolha, 2000, p. 161.
77
Cfr. Ibidem. p. 163.

42  
CAPÍTULO 2 – DIREITOS HUMANOS – IDEAL BALIZADOR DA
NORMATIZAÇÃO.

Como já observado, os Direitos Humanos, reflexo da própria natureza


humana social, foram ao longo da História incorporando novos matizes, e à liberdade fundada
no individualismo do século XVIII, somou-se a igualdade advinda da compreensão da pessoa
como um ser social e das responsabilidades de se viver em sociedade. Porém, após período de
retrocesso, deu-se novo passo em prol da pessoa humana, admitido que todos os homens
fazem parte de uma única família, cada um contendo em si uma centelha humana que a todos
faz iguais; adensado, assim, o rol de direitos já reconhecidos com novas perspectivas fraternas
que propiciam o despontar de novéis direitos.

Há, pois, que prosseguir neste estudo, buscando perquirir o papel dos
Direitos Humanos na formulação das normas jurídicas, seu caráter prevalente, sua especial
relação com os direitos fundamentais e suas características comuns, que acabam por permitir
o reconhecimento de novos Direitos Humanos, inclusive no contexto estatal, erigida a
Dignidade da pessoa humana em critério identificador.

2. 1. DIREITOS HUMANOS – NORMAS IDEAIS INERENTES À PESSOA


HUMANA.

Pela digressão histórica apresentada, observa-se que os Direitos Humanos


surgem como redescoberta dos direitos naturais, por esta razão a literatura apresenta-os como
direitos inerentes ao homem, em razão de sua condição humana, ou como o conjunto de
direitos que devem pertencer à humanidade, ou ainda, como o conjunto de direitos
indispensáveis ao aperfeiçoamento da pessoa humana.

43  
Antonio Enrique Pérez-Luño observa que estes tipos de definição não
conduzem a bom termo, não permitem aceder ao seu real significado78. Assim, propõe
definição que, a seu ver, propiciaria melhor compreensão do sentido: os Direitos Humanos
seriam “um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico,
concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humana, as quais devem
ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e
internacional” 79.

Muito embora assente o uso da expressão Direitos Humanos, o termo


“direito” aqui empregado não espelha a ideia jurídica positivista do direito como lei.
Luis Recaséns Siches coloca os Direitos Humanos como ideais, como explicita:

(...) Obviamente quando se fala dos ‘direitos do homem’, com este vocábulo
‘direitos’ não se pensa o mesmo que quando alguém se refere aos direitos que tem
um comprador segundo o determinado no Código Civil vigente, ou aos direitos
políticos do cidadão de acordo com a Constituição de um certo país. Pelo contrário,
pensa-se em outra coisa e, sobretudo, em um plano diferente do Direito positivo.
Pensa-se em uma exigência ideal, a qual é formulada verbalmente dizendo ‘todos os
homens têm o direito – por exemplo – à liberdade de consciência’, o qual não
expressa um direito subjetivo no sentido técnico destes vocábulos, isto é, com a
possibilidade de fazê-lo valer mediante o auxilio dos órgãos jurisdicionais e
executivos do Estado. Expressa que o Direito positivo, toda ordem jurídica positiva,
por exigência ideal, por imperativo ético, deve estabelecer e garantir em suas
normas a liberdade de consciência. Não se fala de um direito subjetivo dentro de
uma ordem jurídica constituída, senão de um direito ideal no campo do Direito que
se deve estabelecer, isto é, in re de iure condendo80. (trad. nossa)

                                                                                                               
78
De acordo como Antonio Enrique Pérez-Luño estas definições poderiam ser assim classificadas:
a)Tautológicas, que não aportam nenhum elemento novo que permita a caracterização de tais direitos, tomando,
por exemplo, a afirmação de que os direitos do homem são aqueles que lhe correspondem pelo fato de ser
homem; b) Formais, são definições que não especificam o conteúdo destes direitos, limitando-se a alguma
indicação sobre o estatuto desejado ou proposto, como é o caso: os direitos do homem são aqueles que
pertencem ou devem pertencer a todos os homens, e dos quais nenhum homem pode ser privado; c)
Teleológicas, seriam as definições que apelam a certos valores últimos que se tornam suscetíveis de variadas
interpretações, a exemplo: os direitos do homem são aqueles imprescindíveis para o aperfeiçoamento da pessoa
humana, para o progresso social, para o desenvolvimento da civilização. Vid. PÉREZ-LUÑO, Antonio Enrique.
Derechos humanos, estado de derecho y constituición. 9ª. ed., Madrid: Tecnos, 2005. p. 27.
79
Ibidem, 2005. p. 50.
80
“Obviamente, cuando se habla de los ‘derechos del hombre’, con este vocablo ‘derechos’ no se piensa lo
mismo que cuando uno se refiere a los derechos que tiene el comprador según lo determinado en el Código civil
vigente, o a los derechos políticos del ciudadano de acuerdo con la Constitución de un cierto país. Por el
contrario, se piensa en otra cosa, y, sobre todo, en un plano diferente del Derecho positivo. Se piensa en una
exigencia ideal, la cual es formulada verbalmente diciendo ‘todos los hombres tienen el derecho - por ejemplo -
e a la libertad de conciencia’, lo cual no expresa un derecho subjetivo en el sentido técnico de estos vocablos, es
decir, con posibilidad de hacerle valer mediante el auxilio de los órganos jurisdiccionales y ejecutivos del
Estado. Expresa que el Derecho positivo, todo orden jurídico positivo, por exigencia ideal, por imperativo ético,
debe establecer y garantizar en sus normas la libertad de conciencia. No se habla de un derecho subjetivo dentro
de un orden jurídico constituido, sino de un derecho ideal en el campo del Derecho que se debe establecer, esto
es, in re de iure condendo”. In SICHES, Luis Recaséns. Tratado general de filosofia del derecho. p. 552.

44  
Os Direitos Humanos, enquanto exigências ideais, estão intimamente
ligados à ética, sendo assim, estes “direitos” encontram origem e fundamento não no jurídico,
mas em algo prévio na pessoa humana. Esta visão conduz a uma semelhança entre os Direitos
Humanos e os direitos morais – ambos antepõem à positividade uma estrutura ética fundada
no homem, na pessoa humana e no ideal de justiça.

Interessante notar que esta visão dos Direitos Humanos está entrelaçada à
noção de direito natural, pois ambos encontram seu fundamento na pessoa humana. Os
jusnaturalistas sempre defenderam que os homens não podem ser tratados ao arbítrio do
poder, nem que seus direitos sejam apenas resultado e um consenso, senão que os direitos do
homem se originam da dignidade da pessoa humana, característica que nenhum outro ser
possui81.

Neste campo, observa Jacques Maritain que em virtude da natureza humana,


há uma ordem ou uma disposição que a razão humana pode descobrir, e segundo a qual, o
homem deve pautar sua vontade e seu agir. Esta disposição é a lei não escrita, ou em termos
técnicos, o direito natural, que visa assegurar a própria natureza humana82.

Porém, como a natureza humana pode ser normativa? A resposta encontra


amparo nas teses aristotélicas e tomistas do direito natural. São Tomás de Aquino, seguindo
as lições de Aristóteles, assinala que “o bem é o primeiro que se alcança pela apreensão da
razão prática, ordenada à ação” 83. Em seus estudos sobre os princípios gerais da moral, que
está fundada na razão, o bem aparece como algo desejável por todos os homens, por se
apresentar na consciência racional, no intelecto humano, como verdadeiro, e assim desejável.

Como interpretado por Javier Saldaña Serrano, a natureza humana


decorrente de nosso raciocínio, é onde se encontram as inclinações naturais que atuam como

                                                                                                               
81
Cfr. SERRANO, Javier Saldaña. Derecho natural. tradición, falácia naturalista e derechos humanos.
México: UNAM, 2012. p. 88.
82
Cfr. MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural. trad. Afrânio Coutinho, pref. Alceu Amoroso
Lima, 3ª. ed., Rio de Janeiro: José Olimpio Editora, 1967, p. 58.
83
TOMÁS DE AQUINO, Santo. Suma Teológica. II, q, 94, a.2.c.

45  
referência ou conteúdo do que é justo por natureza, ou melhor dizendo, o que é conforme a
natureza racional do homem, portanto, é ali onde os direitos se fazem presentes84.

A influência de São Tomás de Aquino é sentida no discurso de Jacques


Maritain, quando diz que “há em virtude da natureza humana, uma ordem ou uma disposição
que a razão humana pode descobrir, e segundo a qual a vontade humana deve agir a fim de se
por de acordo com os fins necessários do ser humano. A lei não escrita, ou o direito natural,
não é outra coisa” 85.

Os Direitos Humanos, assim como os direitos naturais, são expressões que


remetem à ideia do direito como justo, como o bem que é devido ao homem por justiça. É no
sentido tratado por São Tomás que “o direito é o que é devido a outrem, segundo uma
86
igualdade” . Contudo, não deve aqui ser feita uma leitura rasa, a justiça não deve ser
entendida como técnica útil de igualdade. Justiça é, de acordo como o pensamento tomista,
uma virtude87 da convivência humana, que requer de cada homem e de todos os homens uma
atitude de respeito à dignidade da pessoa humana. A justiça apresenta-se como um valor
imanente à pessoa, porém esta intersubjetividade não deve ser interpretada como subjetivismo
(do que eu julgo ser justo), trata-se de uma ideia de caráter universal, portanto, objetiva,
válida de modo geral para todos os homens, já que requer o respeito das pretensões dos
outros. Este reconhecimento implica em aceitar o valor88 absoluto da pessoa humana89.

                                                                                                               
84
Cfr. SERRANO, Javier Saldaña. Derecho natural. tradición, falácia naturalista e derechos humanos. p. 121-
122.
85
MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural. p. 58.
86
SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica, II, q. 80, c.
87
Virtude seria, de acordo com Aristóteles, um hábito racional que torna o homem bom e permite-lhe cumprir
bem suas tarefas. Vid. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. II, 6, 1106a, 25, p. 47. São Tomás de Aquino quando
faz alusão à palavra virtude, retoma a ideia aristotélica, pois diz que a virtude é um hábito da alma.
88
Os valores, explicita Theodor Lessing, são determinações antecipadamente válidas e essenciais para qualquer
agir humano, de forma que, como pensou Kant, então seriam leis incondicionalmente válidas, que servem de
norma a qualquer princípio material, ou qualquer etapa de nossa vida. Contudo, esta lei que teria um caráter
puramente formal (por não estar relacionada às contingências das necessidades materiais de cada momento da
existência) e ideal, seria válida para todas as leis praticadas, devendo provocar um impulso motivador, conduzir
a vontade e a valoração feita pelos homens, os fins e os propósitos humanos e ao determiná-lo, deve obrigar (
Vid. LESSING, Theodor. Estudo acerca de la axiomática del valor. Trad. Luis Villoro, cuaderno 3, México:
UNAM, 1959, p. 5 – 6). Como ensina Johannes Hessen, o valor está intimamente relacionado ao sujeito, não
como ser valorante, mas como ser valioso. Neste sentido, afirma: Os valores acham-se referidos ao sujeito
humano, isto é, àquilo que há de comum em todos os homens. Referem-se àquela mais profunda camada do ser
que se acha presente em todo os indivíduos humanos e constitui o fundamento objectivo do seu ‘serem homens’”
(Vid. HESSEN, Johannes. Filosofia dos valores, pref. e trad. L. Cabral de Moncada, Coimbra: Almedina, 2001.
p. 51).
89
Cfr. DABIN, Jean. La philosophie de l’ordre juridique positif: specialement dans les rapports de droit privé.
Paris: Librairie Du Recueil Sirey, 1929, p. 320.

46  
Entretanto, a natureza humana não se restringe a trazer ao conhecimento a
existência de Diretos Humanos, nela subjazem também os correlatos deveres. De modo que o
homem, enquanto inserido em uma comunidade, pois só ali realiza sua existência, possui o
direito de existir e a sociedade tem o dever correlato de criar meios e condições para que o
homem exista plenamente.

Esta lei escrita foi conhecida pelo homem pouco a pouco, caminhando junto
com o progresso da consciência moral, com o desenvolvimento do homem e de sua
racionalidade, de sua comunicabilidade e de sua transcendência. O conhecimento que hoje se
tem dessa lei natural inerente ao homem ainda é imperfeito, e sempre o será até o fim da
humanidade, pois o homem, enquanto ser transcendente, não nasce pronto, constrói-se. Assim
é que o homem do século XXI, não é o mesmo homem do século XVIII, as necessidades, os
problemas e as relações assumiram novas proporções.

2. 2. A PREVALÊNCIA DOS DIREITOS HUMANOS

Compartilhando o pensamento de Wagner Balera, os Direitos Humanos são


os Direitos que dirigem os Direitos, o ideário de maior abrangência em que condensa valores
com vistas ao futuro da humanidade e a dignificação máxima da pessoa90.

É possível constatar que os Direitos Humanos se apresentam como a


expressão recente da lei natural, porquanto, trazem consigo a obrigatoriedade de que toda lei
observe os direitos fundamentais da pessoa humana.

Seguindo esta lógica, o direito positivo só tem força de lei e se impõe à


consciência, em virtude das regras ético-morais dos Direitos humanos; seriam, assim,
extensões da lei natural do homem, e consequentemente, extensões da própria pessoa humana.

                                                                                                               
90
Vid. BALERA, Wagner. Direitos humanos como modelo normativo. p.10.

47  
Esta idéia advinda do direito natural encontra sua primeira expressão em
Aristóteles. Reconhecido pelo filósofo, na obra Ética a Nicômaco, que a justiça política é
complexa, fundindo-se nela duas perspectivas – a natural e a legal.

(...) A justiça política é em parte natural e em parte legal. A parte natural é aquela
que tem a mesma força em todos os lugares e não existe por pensarem os homens
deste ou daquele modo. A legal é o que de início pode ser determinado
indiferentemente, mas deixa de sê-lo depois que foi estabelecido (por exemplo, que
o resgate de um prisioneiro seja uma mina, ou deve ser sacrificado um bode e não
duas ovelhas), e também todas as leis promulgadas para casos particulares (como
mandava oferecer sacrifícios em honra de Brásidas), e as prescrições de decretos.

Algumas pessoas pensam que toda justiça é desta espécie, porque as coisas que
existem por natureza são imutáveis e em toda parte tem a mesma força (como o fogo
que arde aqui e na Pérsia), ao passo que essas pessoas observam alterações nas
coisas reconhecidas como justas. Isto porém, não é verdadeiro de modo absoluto
mas apenas em certo sentido; para os deuses talvez não seja verdadeiro de modo
algum, mas para nós existe algo que é justo mesmo por natureza, embora seja
mutável. De qualquer modo, existe uma justiça por natureza e outra por
convenção91.

Muito embora o pensamento positivista conduza à interpretação de que


estaria ali configurada a existência de duas classes ou tipos de direitos distintos e
independentes, como ordens normativas heterogêneas, não é este o conteúdo da lição
aristotélica. O pensamento jusnaturalista de Aristóteles aponta para uma unidade de sistema
jurídico, ao ser o direito composto por normas naturais e normas positivas. Este dado aclara,
desde já, a existência de uma necessária vinculação entre o direito natural e o direito positivo,
entre o elemento natural e o positivo do direito92.

De acordo com a teoria positivista, a existência de direitos estava sempre


condicionada à exigibilidade, ao cumprimento do direito por intermédio da coação pelo
Estado, que pressupõe haver uma norma que declare a existência de dado direito. O discurso
positivista aponta uma incongruência ao confundir o direito subjetivo propriamente dito (que
seria o bem da vida concernente a alguém), com a chamada pretensão (com o modo judicial
ou extrajudicial previsto no ordenamento para garantir o respeito de dado direito subjetivo) 93.

Os Direitos Humanos, enquanto direitos que precedem e vão além da


normatividade positivada, funcionam como um sistema de valores a orientar o

                                                                                                               
91
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. V, c.7, 1133b, 20.
92
Cfr. SALDAÑA SERRANO, Javier. Derecho natural, tradición, falácia naturalista y derechos humanos. p.
67.
93
Cfr. COMPARATO. Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. p. 73.

48  
reconhecimento, a garantia e a interpretação de direitos subjetivos no âmbito do direito
positivo.

Esta prepositividade dos Direitos Humanos já era vislumbrada nos


primeiros documentos declaratórios de direitos do homem. A Declaração do Bom Povo da
Virginia, de 1776, foi a primeira a reconhecer em seu texto que todos os homens estão
dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis; em sequência, a Declaração de
Independência dos Estados Unidos, do mesmo ano, fez questão de frisar a anterioridade que
anos depois se viu recordada na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789.

Tal ascendência de direitos inerentes e inalienáveis à pessoa humana sobre


as normas positivas, aparece também como critério de legitimidade a ser aplicado a analise
dos sistemas jurídicos.

O direito entendido como um sistema jurídico é composto por normas de


diversas espécies e classes. Tais normas devem guardar entre si uma relação de coesão para
que o sistema seja válido e efetivo. Contudo, validade e efetividade não conferem
legitimidade ao sistema. A questão da legitimidade refere-se aos fundamentos do sistema, ou
melhor, às justificativas do discurso normativo positivado. Os Direitos Humanos, por sua
posição supra positiva, por serem entendidos como pautas ético-políticas representativas de
um sistema de valores prévios e de vocação universal, seriam então os fundamentos a conferir
legitimidade a todo e qualquer sistema jurídico.

O caráter prevalente dos Direitos Humanos foi expressamente reconhecido


pelo Constituinte de 1988, como um princípio fundamental de nossa República, previsto no
artigo 4º., inciso II94. Contudo, na década de 1970, Pontes de Miranda, em seus Comentários à
Constituição de 1967 (alterada pela Emenda Constitucional nº. I, de 1969), demonstrou a
existência de direitos “supra-estatais” que “não existem conforme os cria ou regula a lei;
95
existem a despeito das leis que os pretendam modificar ou conceituar” . É certo que o

                                                                                                               
94
“Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
(...) II - prevalência dos direitos humanos”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988.
95
Vid. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967- com a Emenda n.
1, de 1969. Tomo IV, 2ª. ed., rev., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970, p. 625.

49  
saudoso jurista não se referia aos Direitos Humanos, mas aos direito das gentes96. De modo
algum, pretende-se confundir aqui os conceitos de Direitos Humanos e direitos das gentes,
mas apenas se recorre ao texto do doutrinador alagoano como forma de demonstrar que antes
mesmo do texto constitucional de 1988, o constitucionalismo brasileiro já previa a existência
de normas suprapositivas a nortear a construção e interpretação do ordenamento jurídico.

Entende-se, pois, que a positivação dos Direitos Humanos, o


reconhecimento pela ordem jurídica, trata-se de um meio legislativo de conferir efetividade
aos Direitos Humanos, de não retroceder a situações atentatórias à dignidade humana.

Neste mesmo sentido tem se posicionado o Supremo Tribunal Federal,


como bem se depreende das manifestações jurisprudenciais ora colacionadas:

(...) No Estado de Direito Democrático, devem ser intransigentemente respeitados os


princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos. (...) A ausência de
prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de
hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados
conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem (HC 82.424, Rel.
p/ o ac. Min. Presidente Maurício Corrêa julgamento em 17-9-2003, Plenário, DJ de
19-3-2004) 97.

(...) A comunidade internacional, em 28-7-1951, imbuída do propósito de consolidar


e de valorizar o processo de afirmação histórica dos direitos fundamentais da pessoa
humana, celebrou, no âmbito do Direito das Gentes, um pacto de alta significação
ético-jurídica, destinado a conferir proteção real e efetiva àqueles que,
arbitrariamente perseguidos por razões de gênero, de orientação sexual e de ordem
étnica, cultural, confessional ou ideológica, buscam, no Estado de refúgio, acesso ao
amparo que lhes é negado, de modo abusivo e excludente, em seu Estado de origem.
Na verdade, a celebração da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados – a que
o Brasil aderiu em 1952 – resultou da necessidade de reafirmar o princípio de que
todas as pessoas, sem qualquer distinção, devem gozar dos direitos básicos
reconhecidos na Carta das Nações Unidas e proclamados na Declaração Universal
dos Direitos da Pessoa Humana. Esse estatuto internacional representou um notável
esforço dos Povos e das Nações na busca solidária de soluções consensuais
destinadas a superar antagonismos históricos e a neutralizar realidades opressivas
que negavam, muitas vezes, ao refugiado – vítima de preconceitos, da
discriminação, do arbítrio e da intolerância – o acesso a uma prerrogativa básica,
consistente no reconhecimento, em seu favor, do direito a ter direitos (Ext 783-QO-
QO, Rel. p/ o ac. Min. Ellen Gracie, voto do Min. Celso de Mello, julgamento em
28-11-2001, Plenário, DJ de 14-11-2003) 98.

                                                                                                               
96
De acordo com a definição de Emer de Vattel, “o direito das gentes é ciência do direito que tem lugar entre
Nações ou Estados, assim como das obrigações correspondentes a esse direito”. c.f. VATTEL, Emer. O direito
das gentes. pref. e trad. Vicente Marotta Rangel, Brasília: Editora Universidade de Brasília – UNB, 2004, p. 1.
97
STF. A constituição e o Supremo. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp>
acesso em 02 de outubro de 2013.
98
STF. A constituição e o Supremo. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp>
acesso em 02 de outubro de 2013

50  
2. 3. DIREITOS FUNDAMENTAIS – ENFOQUE RELACIONAL DOS DIREITOS
HUMANOS E SUA POSITIVAÇÃO.

Consoante ensinamento doutrinário, a temática dos direitos fundamentais


pressupõe os elementos do Estado, do indivíduo, e do texto normativo regulador da relação
entre Estado e indivíduo. Tripé em que o Estado moderno se apresenta como condição básica
para justificar a existência de direitos fundamentais; relacionado com análises político-
filosóficas do século XVII, como oposição à estratificação e desagregação medieval do poder
político, e o Indivíduo como titular de direitos que pode fazer valer perante o Estado e a
sociedade. Função reguladora destes dois elementos sendo exercida pela Constituição, no
sentido formal, a declarar e assegurar determinados direitos fundamentais, com validade no
território nacional e posição hierárquica superior em relação às demais normas.
Condicionantes que se apresentaram reunidas tão apenas na segunda metade do século
XVIII.99

De rigor constatar que os direitos fundamentais começaram a existir em


uma perspectiva filosófica, de modo que antes de instituto no ordenamento positivo ou na
prática jurídicas das sociedades políticas, “(...) foram uma ideia no pensamento dos homens.”
100

Ainda que em razão de sua gênese histórica, a locução direitos fundamentais


evoque o fenômeno linguístico da sinonímia, em relação à expressão Direitos Humanos, as
expressões não possuem a mesma natureza normativa. Como bem distingue Canotilho101, os
Direitos Humanos têm fundamento na própria natureza humana (na dignidade da pessoa
humana), portanto, de caráter inviolável, intemporal e universal, válidos para todos os povos,
em todos os tempos (segundo uma dimensão jus naturalista-universalista); os direitos
fundamentais, por outro lado, são os Direitos Humanos objetivamente vigentes em uma

                                                                                                               
99
Cfr. DIMOULIS, Dimitri, MARTINS Leonardo: Teoria Geral dos Direitos Fundamentais São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2007, p. 24 – 26.
100
Quanto ao aspecto jurídico, sublinha o autor, de rigor considerar que os direitos fundamentais remontam ao
direito natural, “(...) a cuja evolução se liga, por isso, correntemente a sua ‘proto-história’.” Vid. ANDRADE,
José Carlos Vieira. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976: Portugal: Almedina, 3ª. ed.,
2005, p.15.
101
Cfr. CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª. ed., 5ª. reimp.,
Coimbra: Almedina, 2003. p. 393.

51  
ordem jurídica concreta, portanto, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaço-
temporalmente.

Antonio Enrique Pérez Luño, na análise da relação entre Direitos Humanos


e direitos fundamentais, aponta o diferente grau de concreção positiva das duas categorias.
Afirma o ilustre autor que nos usos linguísticos jurídicos, políticos e até mesmo comuns de
nosso tempo, o termo Direitos Humanos aparece como um conceito de contornos mais amplos
e imprecisos que a noção dos direitos fundamentais. Os Direitos Humanos geralmente são
entendidos como um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico,
materializam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humanas e devem ser
reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos no âmbito nacional e internacional.
No entanto, com a noção de direitos fundamentais tende-se a aludir àqueles Direitos Humanos
garantidos pelo ordenamento jurídico positivo, na maior parte dos casos em sua normativa
constitucional, e que geralmente gozam de uma tutela reforçada102.

Gregório Robles reconhece os Direitos Humanos como postulados éticos,


como valores ou critérios morais, de modo que a palavra “direito” contida na expressão
“Direitos Humanos” não possui a mesma acepção de direito subjetivo prescrito dentro de um
ordenamento jurídico positivo. O “direito” qualificado com o termo humano convida a que
toda ordem jurídica positiva, por uma exigência ideal, por um imperativo ético, estabeleça e
garanta em seu corpo normativo a liberdade do homem de ser homem e desenvolver-se.
Como síntese, os Direitos Humanos seriam “critérios morais de especial relevância para
convivência humana”, já os direitos fundamentais seriam os Direitos Humanos positivados
nas normas de caráter mais elevado em um sistema jurídico, de modo que adquiram maior
proteção que os direitos subjetivos comuns.103

Gregório Peces-Barba Martínez reconhece haver uma proximidade entre os


termos Direitos Humanos e direitos fundamentais, considerando ser o primeiro uma dimensão
ética, enquanto o segundo compreende em seu conteúdo, tanto os pressupostos éticos, como
os componentes jurídicos. Assim, para o jurista espanhol, os direitos fundamentais traduzem

                                                                                                               
102
Cfr. PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Los derechos fundamentales. 9ª. ed., Madrid: Tecnos, 2007, p.42;
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: parte VI, direitos fundamentais, 3ª. ed. rev. e atual.,
Coimbra: Coimbra Editora, 2000. p. 52 – 54; CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direitos constitucional e
teoria da constituição. p. 393; BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 560.
103
Vid. ROBLES, Gregório. Os direitos fundamentais e a ética na sociedade atual. trad. Roberto Barbosa Alves,
Barueri: Editora Manole, 2005. p. 6 – 7.

52  
tanto uma moralidade básica, como uma juridicidade básica, pois neles está expressa a
relevância moral de uma ideia comprometida com a dignidade da pessoa humana e seus
objetivos de autonomia moral, e também a relevância jurídica que converte os pressupostos
éticos em normas materialmente fundamentais do ordenamento jurídico, de modo que o
homem possa desenvolver em sociedade toda a sua potencialidade104.

Tal entendimento encontra amparo no parágrafo de encerramento do


Preâmbulo da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948. Tópico em que a
Assembléia Geral das Nações Unidas deixa expressamente consignado o caráter ético dos
Direitos Humanos, ao reconhecer a Declaração Universal “como o ideal comum a ser atingido
por todos os povos e todas as nações”, e que deve ser concretizado pela adoção de medidas
progressivas de caráter nacional e internacional que assegurem o seu reconhecimento e a sua
efetiva e universal observância.

A assimilação dos Direitos Humanos pela ordem jurídica de um Estado


exige que assuma uma forma de organização política capaz de promover a concretização
destes ideais éticos, uma forma democrática de governo.

Em breve e singela explicação, a democracia, enquanto forma de governo,


consiste em uma organização jurídico-política constitucional (no sentido de um documento
que constitui o Estado) baseada no reconhecimento e respeito da dignidade, da liberdade e dos
direitos do homem e de todos os homens105.

Pelo nexo existente entre os Direitos Humanos e a democracia, os direitos


fundamentais podem ser incluídos entre os elementos estruturais da Constituição de um país.
De acordo com Pablo Lucas Murillo, os direitos fundamentais são o núcleo do ordenamento
constitucional e de todo sistema jurídico, e mais, os Estados só existem para realizar estes
direitos essenciais ao homem106.

Dúplice, portanto, a função dos direitos fundamentais: subjetiva, ao atuarem


como garantias das liberdades individuais, sociais e coletivas, e objetiva, quando assumirem

                                                                                                               
104
Vid. MARTINÉZ, Gregório Peces-Barba. Curso de derechos fundamentales: teoría general. 1ª. reimp.
Madrid: Universidad Carlos III de Madrid y Boletín Oficial del Estado, 1999, p. 37.
105
C.f. CAMPOS, Germán J. Bidart. Teoria general de los derechos humanos. p. 62.
106
VId. MURILLO, Pablo Lucas. El derecho a la autodeterminación informativa, Madrid: Tecnos, 1990, p. 17.

53  
uma função institucional a partir da qual se deve alcançar a realização dos fins e valores
constitucionais proclamados.107

A compreensão de que o conteúdo dos direitos fundamentais é constitutivo


das estruturas elementares da sociedade e do Estado, conduz ao que se denominou
fundamentalidade material108.

É sob esse enfoque da fundamentalidade material que Gregório Peces-Barba


Martinéz, para evitar o reducionismo conceitual, compreende os direitos fundamentais em três
perspectivas: moral, sistemática e da realidade social109.

De acordo com a perspectiva moral, os direitos fundamentais são uma


pretensão moral legítima que tem por escopo possibilitar à pessoa sua autonomia e
independência. Tal pretensão encontra fundamento nas ideias de liberdade e igualdade,
refinadas pelos conceitos de solidariedade e segurança jurídica formuladas pelo pensamento
racional da era moderna e aprimoradas continuamente pela filosofia moral e política,
influenciada pelas correntes ideológicas liberal, democrática e socialista.110

Segundo a perspectiva sistemática, fala-se em Direito dos direitos


fundamentais, ou seja, na existência de um subsistema dentro do sistema jurídico.
Compreendê-lo desta forma implica admitir que as pretensões morais mencionadas sejam
tecnicamente incorporadas a uma norma, de modo que possam obrigar os correlativos
destinatários das obrigações jurídicas, sendo também garantidas e protegidas judicialmente.
Ademais, ao adentrarem no corpo normativo, deverão atribuir um direito subjetivo, de
liberdade, ou um poder, ou uma imunidade, a titulares concretos.111

Mas sob a ótica da realidade social, os direitos fundamentais são a


expressão da realidade social, e por esta razão, de existência condicionada por fatores
extrajurídicos de caráter social, econômico, cultural, que podem favorecer, dificultar ou até
impedir sua efetividade. A exemplo dos progressos tecnológicos da comunicação, em

                                                                                                               
107
Cfr. PÉREZ-LUÑO, Antonio Enrique. Los derechos fundamentales, p. 25.
108
Cfr. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: Tomo IV, direitos fundamentais. p. 10;
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. p. 379.
109
Vid. MARTINÉZ, Gregório Peces-Barba. Curso de derechos fundamentales: teoría general. p. 109.
110
Vid. Ibidem, p. 109.
111
Vid. Ibidem, p. 109-110.

54  
determinado momento da cultura científica condicionam a ideia de liberdade informativa,
bem como a própria liberdade de comunicação.112

Somente a ideia de fundamentalidade material dos Direitos Humanos se


sobrepondo à constituição do Estado, fornece suporte para a abertura e o reconhecimento ao
homem de novos direitos fundamentais que estejam fora do catálogo constitucional, bem
como o reconhecimento de novéis direitos.

2. 4. A ABERTURA PARA O RECONHECIMENTO DE NOVOS DIREITOS


HUMANOS NO CONTEXTO ESTATAL.

A história dos Direitos Humanos e de seu correlato na ordem positiva estatal


– os direitos fundamentais – demonstra uma constante transformação, em busca de um
estatuto que melhor resguarde a dignidade humana, em face da dinâmica social.

Este processo de alteração foi sintetizado por José Carlos Vieira de Andrade
em três ideias-força: acumulação, variedade e abertura.

(...) A ideia de acumulação vale na medida em que em cada momento histórico se


formulam novos direitos, típicos do seu tempo, mas que se vem somar aos direitos
antigos. Como vimos os direitos típicos de cada geração subsistem a par dos da
geração seguinte e até se acrescentam sob novos aspectos.

A ideia de variedade, que é potencializada pelo processo de acumulação, afirma-se


não só porque os direitos fundamentais não são estruturalmente uniformes, mas
também por causa da sua complexidade funcional, desdobrada em diversas
dimensões normativas.

A ideia de abertura, resulta de, por um lado, nenhum catálogo constitucional


pretender esgotar o conjunto ou determinar o conteúdo dos direitos fundamentais,
aceitando-se a existência de direitos não escritos ou de faculdades implícitas, e, por
outro, de se esperarem gerações sucessivas de novos direitos ou de novas dimensões

                                                                                                               
112
Vid. MARTINÉZ, Gregório Peces-Barba. Curso de derechos fundamentales: teoría general, p. 112.

55  
de direitos antigos, conforme as ameaças e as necessidades de proteção dos bens
pessoais nas circunstâncias de cada época113.

A abertura dos direitos fundamentais decorre do fato de o sistema ser


alimentado pela realidade social (vista como forma razoável e sensata de favorecer a eficácia
e a atualização dos direitos) e pela moralidade.

As prescrições normativas dos direitos fundamentais, porque decorrentes da


natureza humana só poderão ser concretizadas na realidade social, que é composta por vários
aspectos: natural (incluindo as interferências humanas no meio ambiente), econômico,
cultural, histórico, e das inovações cientificas e tecnológicas.

(...) Como se vê, quase sempre estamos diante de uma realidade social na qual
influem, até decisivamente, comportamentos humanos, o que em algumas ocasiões
produz a elaboração racional que leva a determinadas conclusões morais que, por
sua vez, podem influir nos direitos fundamentais pela qual a realidade está presente
de modo indireto na moralidade.114

Como exemplo de influência da realidade social - que para este trabalho é


de capital importância - os progressos científicos e técnicos, principalmente relacionados à
informática e à criação da Internet (que possibilitou o entrecruzamento de bases de dados),
têm afetado direitos como a intimidade. Entretanto, trouxeram um novo espaço social, onde a
pessoa pode comunicar-se e expressar sua opinião, informar-se, ter acesso à educação,
realizar negócios, relacionar-se diretamente com o Estado (como é o caso da entrega da
declaração de imposto de renda; regularizações; consulta de dados públicos; processo
eletrônico judicial e administrativo), ter lazer e estabelecer relacionamentos por intermédio de
redes sociais. Fato que reclama o reconhecimento de um novo direito fundamental, o direito
de ter acesso ao ciberespaço.

A moralidade que alimenta o sistema de direitos fundamentais, denominada


por Gregório Peces-Barba Martinéz de moralidade procedimental, corresponde ao alicerce

                                                                                                               
113
ANDRADE, José Carlos Vieira. Os direitos fundamentais no século XXI, In: ROYO, Javier Pérez et al..
Derecho constitucional para el siglo XXI – actas del VIII congresso iberoamericano de derecho constitucional.
t. 1, Navarra: Editorial Aranzadi, 2006. p. 1052.
114
“Como se ve, casi siempre estamos ante una realidad social en la que influyen, incluso decisivamente,
comportamientos humanos, lo que en ocasiones produce elaboraciones racionales, que llevan a determinadas
concluiones morales que a su vez pueden influir en los derechos fundamentales con lo que la realidad social está
presente por la vía indirecta de la moralidad”. In MARTINÉZ, Gregório Peces-Barba. Curso de derechos
fundamentales: teoría general, pp. 386 – 387.

56  
ético-moral que o constituinte reconhece como critério legitimador e justificador das normas
de direitos fundamentais115.

Essa moralidade procedimental seria o que Vieira Andrade entende por


manutenção da coerência espiritual com o texto constitucional116, ou de acordo com Jorge
Miranda, “manifestação simétrica do princípio do caráter restritivo das restrições de direitos,
liberdades e garantias, do princípio da liberdade, contraposto ao princípio da competência (...)
117
.”.

A abertura dos direitos fundamentais não se restringe apenas a direitos e


garantias de liberdade. Seguindo uma interpretação sistemática do catálogo constitucional,
principalmente dos artigos 1º. e 3º., o Brasil é um Estado Social de Direitos, e deste modo
toda gama de direitos (compreendidos os econômicos, sociais e culturais) e garantias de
liberdade, podem ser ampliados para além do já previsto no texto constitucional.

Neste mesmo sentido, Jorge Miranda, analisando o contexto português, diz:

(...) porque vivemos, não em Estado liberal, mas sim em Estado social de Direito, os
direitos econômicos, sociais e culturais (ou os que neles se compreendam) podem e
devem ser dilatados ou acrescentados para além dos que se encontrem declarados
em certo momento histórico - precisamente à medida que a solidariedade, a
promoção das pessoas, a consciência da necessidade de correção de desigualdades
(com se queira) vão crescendo e penetrando na vida jurídica. E porque esses direitos
(ou grande parte deles) emergem como instrumentais em relação aos direitos,
liberdades e garantias, não há então que temer pela liberdade: desde que não se
perca, em nenhum caso, o ponto firme apresentado pelos direitos, liberdades e
garantias assegurados pela Constituição, quanto mais solidariedade mais segurança,
e quanto mais condições de liberdade mais adesão de liberdade.118

O §2º., do art. 5º., da Constituição de 1988, reconhece que a enumeração


(mesmo que a rigor não seja exemplificativa) é aberta, porém estabelece que os novos direitos
e garantias devem guardar coerência com o regime e os princípios adotados.

Sendo assim, o reconhecimento de novos direitos do homem no contexto do


Estado brasileiro apoia-se no princípio da proteção da dignidade da pessoa humana contra

                                                                                                               
115
Vid. MARTINÉZ, Gregório Peces-Barba. Curso de derechos fundamentales: teoría general, p.411 – 412.
116
Vid. ANDRADE, José Carlos Vieira. Os direitos fundamentais no século XXI, p. 1052.
117
Vid. MIRANDA, Jorge. Curso de direito constitucional: Tomo IV, direitos fundamentais, p. 164 – 165.
118
Ibidem, p. 166.

57  
toda e qualquer situação que a coloque em risco, na concepção de que a pessoa é o
fundamento e o fim do Estado e da sociedade.

2. 5. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – CRITÉRIO IDENTIFICADOR DE


NOVOS DIREITOS HUMANOS.

A relação normativa entre direitos do homem positivados e dignidade da


pessoa humana surge com a adoção do Estado social de Direito, mas ganha relevância com as
Constituições e os documentos internacionais do pós Segunda Guerra Mundial, como resposta
aos regimes totalitários desumanizadores, a exemplo do Preâmbulo da Constituição Francesa
de 1946, do Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e do artigo
primeiro da Constituição Alemã de 1949119.

A Constituição alemã (também conhecida como Lei Fundamental de Bohn)


tornou-se referência normativa no âmbito da dignidade da pessoa humana, por considerá-la
um direito fundamental maior. Como bem descreve Pietro Alvarez, o texto do art. 1º., da Lei
Fundamental, e seu sentido lógico, convidam a considerar a dignidade da pessoa humana
como principio orientador dos direitos fundamentais, ou sua fonte, declarado no nº. 1, que “a
dignidade do homem é intangível” (ou sagrada, ou inviolável); no nº. 2, que “conforme a ele
(ou em consequência), o povo alemão reconhece invioláveis e inalienáveis os direitos do
homem...”, e no nº. 3, que “os seguintes direitos fundamentais vinculam o legislador, o poder
executivo e o tribunais como direitos de vigência imediata”. Apontando o discurso normativo
para uma distinção entre a dignidade e os direitos especificados nos artigos que compõem o
título dos direitos fundamentais120.  

                                                                                                               
119
Cfr. GONZÁLES PÉREZ, Jesús. La dignidad de La persona. Madrid: Civitas, 1986. p. 19; MIRANDA,
Jorge. Diginidade da pessoa humana e a unidade valorativa dos direitos fundamentais. In: Tratado luso-
brasileiro da dignidade humana. Coordenação Miranda, Jorge; Silva, Marco Antonio Marques da. São Paulo:
Quartier Latin, 2009. p. 168.
120
Vid. PIETRO ALVAREZ, Tomás. La dignidad de la persona: núcleo de la moralidad y el orden públicos,
limite al ejercício de libertades públicas, Navarra:Thompson Civitas, 2005. p. 6.

58  
Interessante notar que a Lei Fundamental alemã não coloca a dignidade e os
direitos fundamentais em um mesmo plano, sendo superior, a dignidade abre a possibilidade
de acrescer outros novos direitos que nela encontrem fundamento.

O Brasil adotou a dignidade da pessoa humana como referência


constitucional unificadora dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, ao prevê-la
com um dos princípios e fundamentos da República, no art. 1º., inciso III, da Constituição
Federal de 1988. Assim, de modo direto e claro, os direitos de liberdade, os direitos
econômicos, sociais e culturais, as garantias pessoais, e outros direitos que encontram sua
fonte moral e ética na dignidade da pessoa humana, pois como afirma Jorge Miranda, “para
além da unidade de sistema o que conta é a unidade da pessoa” 121.

O conceito de dignidade da pessoa serve ao direito como elemento


moderador dos anseios sociais, que muitas vezes podem se apresentar conflitantes com o fim
do Estado – a proteção e promoção do desenvolvimento de toda pessoa humana.

Contudo, estamos diante de um conceito jurídico indeterminado, que


comporta ampla interpretação.

Para compreender seu alcance, Jorge Miranda sintetiza as seguintes


diretrizes básicas:

a) A dignidade da pessoa humana reporta-se a todas e cada uma das pessoas e é a


dignidade da pessoa individual e concreta;

b) A dignidade da pessoa humana refere-se à pessoa desde a concepção, e não só


desde o nascimento;

c) A dignidade é da pessoa enquanto homem e enquanto mulher;

d) Cada pessoa vive em relação comunitária, o que implica o reconhecimento por


cada pessoa da igual dignidade das demais pessoas;

e) Cada pessoa vive em relação comunitária, mas a dignidade que possui é dela
mesma, e não da situação em si;

f) A dignidade determina respeito pela liberdade da pessoa, mas não pressupõe


capacidade (psicologia) de autodeterminação;
                                                                                                               
121
Vid. MIRANDA, Jorge. Dignidade da pessoa humana e a unidade valorativa dos direitos fundamentais, p.
169.

59  
g) A dignidade da pessoa permanece independente dos seus comportamentos
sociais;

h) A dignidade de pessoa exige condições adequadas de vida material;

i) O primado da pessoa é o do ser, não o do ter; a liberdade prevalece sobre a


propriedade;

j) Só a dignidade justifica a procura da qualidade de vida;

k) A dignidade da pessoa é um preço em relação à vontade popular;

l) A proteção da dignidade das pessoas está para além da cidadania portuguesa e


postula uma visão universalista da atribuição dos direitos.122

Em suma, a dignidade não é uma propriedade do ser humano, senão o


resultado do ato constitutivo de ser pessoa humana, que não existe somente de um modo
físico, antes há nele uma existência mais elevada que o faz supra existir além do passado e do
presente123.

De rigor atentar, o art. 1º., da Declaração Universal dos Direitos Humanos,


ao dispor que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos, dotados de
razão e consciência, devendo agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade,
apresenta concepção de pessoa reconhecida pelo consenso internacional e também pelo
Estado brasileiro.

A concepção de pessoa formulada na Declaração, que se consubstancia no


fato do ser humano possuir razão e consciência, encontra amparo na filosofia de Kant, que
rompe com o humanismo do século XVII.

O humanismo124 vigente no século XVII pode ser representado pela visão


hobbesiana do homem. Para o filosofo inglês, o homem é um ser naturalmente fraco, movido
por desejos egoístas e incapaz de um agir verdadeiramente altruísta, a impossibilitar uma vida
comunitária pacífica; deste modo, compreende a sociedade com uma espécie de guerra de
todos contra todos. O homem natural, nesta leitura, é um ser destituído de capacidade de auto-

                                                                                                               
122
MIRANDA, Jorge. Dignidade da pessoa humana e a unidade valorativa dos direitos fundamentais, p. 170.
123
Cfr. GONZÁLES PÉREZ, Jesús. La dignidad de La persona, p. 7; PIETRO ALVAREZ, Tomás. La dignidad
de la persona: núcleo de la moralidad y el orden públicos, limite al ejercício de libertades públicas, p. 8.
124
Humanismo é o movimento filosófico que toma o homem por seu fundamento, como medida das coisas e em
nosso caso, do direito. Cfr. verbete HUMANISMO, ABBAGNANO, Nicola, Dicionário de Filosofia. p. 602.

60  
governo social, sendo necessária a construção de um homem artificial maior em estatura e
força; surge daí o Estado, este ser artificial capacitado a controlar a natureza maligna do
homem, e que através do poder de legislar é o único habilitado a editar regras para a
manutenção da ordem pública125.

Pela ótica hobbesiana o homem é um ser destituído de autonomia, é mais


um objeto que um fim.

O humanismo racional kantiano, característico do século XVIII, apresenta o


homem como um ser autônomo, livre e digno de respeito, já que sua natureza racional
(elemento que o distingue de outros seres) lhe confere dignidade, a impedir seja tratado como
meio para o uso arbitrário da vontade – antes, é um fim em si mesmo. Esta ideia pode bem ser
observada pela afirmação:

(...) supondo que haja alguma coisa cuja existência em si mesma tenha um valor
absoluto e que, como fim em si mesma, possa ser o fundamento de determinadas
leis, nessa coisa, e somente nela, é que estará o fundamento de um possível
imperativo categórico, quer dizer, uma lei prática.

(...) o homem – e, de uma maneira geral, todo o ser racional – existe com fim em si
mesmo, e não apenas como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Em
todas as suas ações, pelo contrário, tanto nas direcionadas a ele mesmo como nas
que o são a outros seres racionais, deve ser ele sempre considerado simultaneamente
como fim126.

Como já observado pelas considerações históricas a respeito dos Direitos


Humanos, através do discurso kantiano podemos notar o retorno ao jusnaturalismo cristão,
que tem sua maior expressão em São Tomás de Aquino: o homem, criado à imagem e
semelhança de Deus, possui uma centelha divina – razão, inteligência e liberdade.

Seguindo as lições do filosofo de Königsberg, as ações humanas são


direcionadas de acordo com as necessidades e inclinações de cada ser humano, no entanto, a
socialidade do homem (o fato de que as pessoas se relacionam em um ambiente comunitário),

                                                                                                               
125
Esta é a visão humanista de Hobbes, ao defender que o Estado monárquico é a melhor forma de governo. Vid.
HOBBES, Thomas, Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Trad. João Paulo
Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva, 1ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1974. p. 9; GOYAR-FABRE.
Simone. Os princípios filosóficos do direito político moderno. Trad. Irene A. Paternot, 1ª. ed., 2ª. tiragem, São
Paulo: Martins Fontes. 2002. p. 96.
126
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. p. 58.

61  
faz com que ele viva em um “estado jurídico”, ou seja, sob condições únicas que permitem a
cada um participar de seu direito127.

Neste sentido, Kant formula o seguinte imperativo de moralidade: “age de


tal maneira que possa usar a humanidade, tanto na sua pessoa como na pessoa de qualquer
outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca como meio128” e conclui que “o ser
racional, não deve jamais ser posto como simples meio, mas como condição suprema
restritiva do uso dos meios, isto é, sempre ao mesmo tempo como fim” 129.

Transpondo a afirmação kantiana que qualifica a pessoa como um fim em si


mesma, em termos jurídicos significa considerar que a pessoa, em todo caso, é sempre sujeito
de direitos130.

E a partir do reconhecimento da pessoa enquanto sujeito de direitos, Kant


afirma que o homem pode se considerar, ao mesmo tempo que se submete às leis, um
legislador universal, já que deve agir de modo que a sua máxima sirva como lei universal131.

É nessa ideia do homem como legislador universal que encontramos amparo


para reconhecer a dignidade como critério identificador da unidade do sistema de direitos
fundamentais.

                                                                                                               
127
Vid. KANT, Immanuel. Doutrina do direito. trad. Edson Bini, 4ª. ed. rev. atual, coleção fundamentos do
direito, São Paulo: Ícone. 2013, p.146.
128
KANT. Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos, p. 59.
129
Ibidem. p. 68.
130
Cfr. PIETRO ALVAREZ, Tomás. La dignidad de la persona: núcleo de la moralidad y el orden públicos,
limite al ejercício de libertades públicas, p. 8.
131
Vid. KANT. Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. p. 68.

62  
2. 6. CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS.

Os Direitos Humanos, assim como seu correlativo no âmbito constitucional


– os direitos fundamentais132 –, possuem um rol de caracteres advindos da sua própria
essência, da dignidade da pessoa humana, que lhes confere peculiaridade única e os faz
reconhecidos como tais.

Os direitos fundamentais, diferentemente dos Direitos Humanos, possuem


dois aspectos: formal e material, cada qual com características próprias, extrínsecas e
intrínsecas133.

As características extrínsecas estão relacionadas ao que a doutrina denomina


fundamentalidade formal do direito134 e podem ser resumidas em dois aspectos: i) nominativo:
em que se consideram direitos fundamentais somente aqueles que foram inscritos
especificamente no texto constitucional sob esse rótulo; ii) garantístico: por este aspecto, são
fundamentais aqueles direitos a que a Constituição concedeu um grau mais elevado de

                                                                                                               
132
O Supremo Tribunal Federal afirmou que qualificar um direito como fundamental não importa atribuir-lhe
importância meramente retórica: “(...) Com efeito, as normas definidoras de direitos fundamentais não são
simples recomendações aos Poderes do Estado, destituídas de qualquer eficácia” (RE 631631/SC, julgado em 23
de janeiro de 2014, publicado em 6 de fevereiro de 2014, relatora Ministra Cármen Lúcia).
133
No exame do tema, Ingo Wolfgang Sarlet alude à característica da fundamentalidade, intrínseca à noção de
direitos fundamentais, que, consoante a lição de Robert Alexy, recepcionada na doutrina de Gomes Canotilho,
alude a uma especial dignidade e proteção dos direitos em um sentido formal e material: “A fundamentalidade
formal” – leciona o professor brasileiro - “encontra-se ligada ao direito constitucional positivo e resulta dos
seguintes aspectos, devidamente adaptados ao nosso direito constitucional pátrio: a) como parte integrante da
Constituição escrita, os direitos fundamentais situam-se no ápice de todo o ordenamento jurídico, de tal sorte que
– neste sentido – se cuida de direitos de natureza supralegal; b) na qualidade de normas constitucionais,
encontram-se submetidos aos limites formais (procedimento agravado) e materiais (cláusulas pétreas) da reforma
constitucional (art.60 da CF), cuidando-se, portanto (pelo menos num certo sentido) e como leciona João dos
Passos Martins Neto, de direitos pétreos, muito embora se possa controverter a respeito dos limites da proteção
outorgada pelo Constituinte (...); c) por derradeiro, cuida-se de normas diretamente aplicáveis e que vinculam de
forma imediata as entidades públicas e privadas (art.5º., § 1º., da CF). A fundamentalidade material, por sua vez,
decorre da circunstância de serem os direitos fundamentais elemento constitutivo da Constituição material,
contendo decisões fundamentais sobre a estrutura básica do Estado e da sociedade. Inobstante não
necessariamente ligada à fundamentalidade formal, é por intermédio do direito constitucional positivo (art.5º., §
2º., da CF) que a noção de fundamentalidade material permite a abertura da Constituição a outros direitos
fundamentais não constantes de seu texto e, portanto, apenas materialmente fundamentais, assim como a direitos
fundamentais situados fora do catálogo, mas integrantes da Constituição formal, ainda que possa controverter-se
a respeito da extensão do regime da fundamentalidade formal a estes direitos apenas materialmente fundamentais
(...)”. In SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, pp. 86 – 87.
134
O aspecto formal dos direitos fundamentais está associado à constitucionalização do direito. Vid.
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 379.

63  
segurança, classificados como imutáveis ou alteráveis por processos legislativos mais
dificultosos (a exemplo da Emenda Constitucional).

Ao âmbito desta dissertação, que investiga a existência de um novo direito


humano – e fundamental – de acesso à Internet, é de interesse o aspecto material dos direitos
fundamentais, das características intrínsecas que lhes imprimem uma peculiaridade
unificadora e permitem, por sua presença, identificar um direito como essencial ao homem.
As características materiais aludem à historicidade, progressividade,
universalidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, imprescritibilidade, limitabilidade e
concorrência dos direitos.

Historicidade e Progressividade:

Os direitos do homem são reconhecidos, modificados, ou criados no


caminhar da humanidade a fim de adequarem a dignidade humana a uma nova realidade, pois
como já visto, o homem é um ser em perene construção.

No entanto, o caráter histórico dos direitos do homem está em intima


relação com a progressividade, já que, ao ser reconhecido como um direito inerente à própria
dignidade da pessoa, não poderá ser revogado ou derrogado135, mas deverá ser resguardado,
de modo a atender sempre as contingências do homem no seu tempo. Portanto, cada direito
reconhecido pode e deve ser revisitado, reinterpretado de modo progressivo, ampliados seu
âmbito e garantias.136

A característica da progressividade é a que dá suporte ao reconhecimento de


novos direitos essenciais ao homem, ainda não positivados pelo legislador estatal, mas já
declarados em documentos internacionais.

                                                                                                               
135
Sob pena de violação ao princípio da proibição do retrocesso.
136
No STRF, em voto proferido no julgamento do Habeas Corpus 104410/RS, em 6 de março de 2012, o relator
Ministro Gilmar Mendes, com supedâneo na doutrina alemã, afirmou que os “(...) direitos fundamentais não
podem ser considerados apenas como proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um
postulado de proteção (Schutzgebote). Utilizando-se da expressão de Canaris, pode-se dizer que os direitos
fundamentais expressam não apenas uma proibição de excesso (Übermassverbote), como também podem ser
traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela (Unbermassberbote).

64  
O caráter histórico e progressivo dos direitos do homem encontra-se
explicitado no §2º., do art. 5º. da Constituição Federal de 1988, e também foi reconhecido
pelo Supremo Tribunal Federal137 em acórdãos que tratam da prisão do depositário infiel.

Universalidade:

Esta característica está relacionada à titularidade dos direitos que pertencem


a toda pessoa humana – inerentes à sua própria natureza –, independente da nacionalidade,
raça, sexo, religião, ideologia, condição social.

Tal atributo denota que os direitos do homem têm por pressuposto a


dignidade da pessoa humana, anterior e superior ao Estado.

Universalidade que pode ser facilmente visualizada em vários documentos,


v.g.:

a. No Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos de


1948, o primeiro considerando afirma que “o reconhecimento da dignidade inerente a
todos os membros da família humana e seus direitos iguais e inalienáveis é o
fundamento da liberdade, da justiça, e da paz no mundo”, e ao longo do articulado, a
universalidade é caracterizada pelo uso das expressões “todo homem” e “ninguém”;

b. Nos Preâmbulos dos Pactos Internacionais de 1966: i) dos direitos


civis e políticos, ii) dos direitos econômicos sociais e culturais;

c. Na Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 – Pacto de


São José da Costa Rica - a universalidade está presente logo no terceiro parágrafo do
Preâmbulo, quando reconhecido “que os direitos essenciais da pessoa humana não
derivam do fato de ser ela nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter

                                                                                                               
137
STF, Recurso Extraordinário nº. 466.343, relator Ministro Cezar Peluso, voto proferido pelo Ministro Gilmar
Mendes, julgamento em 3.12.2008, Plenário, DJE de 05 de junho de 2009; Habeas Corpus nº. 98.893-MC,
relator Ministro Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 09 de junho de 2009, DJE de 15 de junho
de 2009; Recurso Extraordinário nº. 349.703, relator p/ac. Ministro Gilmar Mendes, julgamento em 03 de
dezembro de 2008, Plenário, DJE de 05 de junho de 2009.

65  
como fundamento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma
proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da
que oferece o direito interno dos Estados americanos”; e também nos artigos 3º. a 25;

d. A Declaração e Programa de Ação de Viena, de 1993, formulada na


Conferência Mundial sobre direitos Humanos, afirma explicitamente a universalidade
dos direitos humanos nos Parágrafos 1 e 3;

e. Na Constituição Federal do Brasil, de 1988, pela interpretação


sistemática dos artigos 1º., III; 4º., II, e 5º., caput.

Inalienabilidade e Irrenunciabilidade:

Os direitos fundamentais são direitos inegociáveis138, com conteúdo que,


distintamente dos direitos patrimoniais, não é econômico ou patrimonial, mas concernente à
proteção da dignidade inerente a toda pessoa humana.

Com efeito, os direitos ínsitos à condição humana não são passíveis de


renúncia, pois todas as pessoas possuem, em razão de sua natureza, de sua dignidade, um
mínimo de direitos que merece ter assegurados. Renunciá-los equivaleria a negar a própria
natureza do homem, sua condição, levando a compreendê-lo como res, mero objeto a ser
utilizado ou descartado, a exemplo do que se vivenciou nos regimes totalitários no início do
século XX.

Entretanto, como adverte José Afonso da Silva, alguns desses direitos


admitem o não exercício por parte de seu titular.139

                                                                                                               
138
No julgamento do Recurso Extraordinário 631631/SC, em 23 de janeiro de 2014, o Supremo Tribunal Federal
enfatizou que qualificar um direito como fundamental não importa atribuir-lhe importância meramente retórica.
Certo que as normas definidoras de direitos fundamentais não são simples recomendações aos Poderes do
Estado, destituídas de qualquer eficácia. (publicado em 06 de fevereiro de 2014, relatora Ministra Cármen
Lúcia).
139
Vid. SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 32ª. ed., rev. e atual., São Paulo:
Malheiros, 2009, p. 181.

66  
Imprescritibilidade:

Os direitos fundamentais não se extinguem pela vontade, nem em


decorrência do decurso do tempo, ou em razão de negligência, ou não exercício por seu
titular. Estamos diante de direitos cujo exercício deriva da própria previsão ou
reconhecimento pelo ordenamento jurídico. São direitos de perene exigibilidade por serem
personalíssimos (no sentido de que pertencem à essência da pessoa humana – à dignidade),
e ainda que nem todos tenham uma conotação pessoal individual (v.g., direitos difusos), não
dizem respeito a direitos patrimoniais140.

Limitabilidade:

Os direitos fundamentais, por mais que inerentes à natureza humana, não


são absolutos, mas limitáveis141. Importa dizer que tais direitos, nem sempre, na análise de
situações concretas serão aplicados em toda sua extensão e alcance, quando configurada
colisão de direitos142, ou melhor, de posições subjetivas amparadas igualmente pela ordem
normativa (seja nacional ou internacional).

Como explica Edilsom Pereira de Farias, os direitos essenciais ao homem


são direitos heterogêneos, e seu conteúdo muitas vezes é aberto e variável, somente
revelando-se na análise de casos concretos e nas relações de direitos entre si ou nas relações
com outros valores inscritos no texto constitucional (referindo-se a posições jurídicas

                                                                                                               
140
Cfr. SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. p. 185.
141
A temática traz a lume o debate entre teoria interna e teoria externa do direito que, consoante Felipe de Paula,
“(...) antes de ser questão específica da dogmática dos direitos fundamentais é querela basilar do direito como
um todo”. In PAULA, Felipe. A (DE)Limitação dos Direitos Fundamentais, Porto Alegre, Livraria do Advogado
Editora, 2010, p. 49.
142
O fenômeno da colisão de direitos alude ao fato de que duas normas, caso aplicadas isoladamente, levariam a
resultados inconciliáveis entre si, ou como diz Robert Alexy “(...) dois juízos concretos de dever-ser jurídico
contraditórios”. Robert Alexy, analisando a estrutura das normas de direitos fundamentais no contexto alemão,
identifica a existência de normas principiológicas,“(...) normas que ordenam que algo seja realizado na maior
medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. (...) Princípios são, por conseguinte,
mandamentos de otimização que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de
que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das
possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras
colidentes.” Deste modo, diante de um caso de colisão, um dos princípios terá precedência sobre o outro, em
razão de determinadas condições. Não se trata de análise de validade, pois aqui ambos serão válidos, mas de
sopesamento de interesses. Vid. ALEXY. Robert. Teoria dos direitos fundamentais. trad. Virgilio Afonso da
Silva, 2ª. ed., 2ª. tir., São Paulo: Malheiros, 2012, pp. 90-94.

67  
subjetivas fundamentais prima facie). Daí resulta frequente embate, colisão de direitos que
pode ocorrer: i) quando o exercício de um direito humano colide com o exercício de outro
direito humano; ii) ou ainda quando o exercício de um direito fundamental do homem colide
com a necessidade de preservar um bem coletivo ou público que tenha recebido proteção
especial por parte do texto constitucional143.

Ao lado da limitabilidade destaca-se a característica da concorrência de tais


direitos.

Concorrência:

A característica concorrencial destes direitos denota que são cumuláveis


pelos indivíduos que, na prática de uma única conduta podem encontrar amparo em uma ou
mais normas que tratem de direitos do homem.

Esta característica pode ser bem compreendida na lúcida explanação de


Joaquim José G. Canotilho e Vital Moreira, quando asseveram que “num mesmo titular
podem acumular-se ou cruzar-se diversos direitos. Assim, por exemplo, o direito de expressão
e informação (artigo 37º.) está ‘acumulado’ com a liberdade de imprensa (artigo 38º.), com o
direito de antena (artigo 40º.), com o direito de reunião e manifestação (artigo 45º.)” 144.

Nota-se por estas características intrínsecas que os direitos humanos estão


em perene expansão: sua progressividade, universalidade, historicidade, revelam que o
momento histórico atual postula o reconhecimento de novos direitos e uma interpretação mais
ampliada de outros, em face das tecnologias de informação e comunicação, cuja expressão de
maior relevo é a Internet.

Este novo paradigma de informação e comunicação trazido pela Internet, ao


mesmo tempo que expõe o homem a novas violações de direitos, a exemplo dos direitos à
intimidade, privacidade e proteção de dados – aspecto talvez mais estudado pelas ciências
                                                                                                               
143
Vid. FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem
versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1996, p. 93.
144
CANOTILHO, Joaquim José Gomes; MOREIRA, Vital Martins. Fundamentos da constituição. Coimbra:
Coimbra Editora, 1991, p.138.

68  
jurídicas –, também o insere em um novo espaço, ofertando-lhe novas oportunidades de
exercício dos direitos, de desenvolver-se individual e socialmente, como será visto na parte II
deste estudo.

69  
PARTE II – NOVAS TECNOLOGIAS INFORMATIVAS, DIREITOS
HUMANOS E O DIREITO DE ACESSO À INTERNET.

CAPÍTULO 3 – A INTERNET COMO MEIO DE CONCRETIZAÇÃO DE


DIREITOS HUMANOS.

O reconhecimento do acesso à Internet como direito humano pressupõe o


exame de aspectos relevantes da Rede mundial de computadores. Primeiramente, oportuna
análise histórica para demonstrar que desde a origem da Rede já eram vislumbrados indícios
de uma tecnologia transformadora do homem e da sociedade, para logo em seguida, tomando
por base definição formulada por estudiosos das ciências informáticas, obter-se conceito
social de Internet relacionado ao homem e seu modo de vida no século XXI, ponto em que a
Rede mundial de computadores se apresenta como meio habilitador do exercício dos Direitos
Humanos.

3. 1. ANÁLISE HISTÓRICA DA ORIGEM DA INTERNET – INDÍCIOS DE UMA


TECNOLOGIA TRANSFORMADORA DO HOMEM E DA SOCIEDADE.

Antes de percorrer alguns pontos relevantes e interessantes da breve história


das tecnologias da informação e comunicação, em que se destaca a Internet, é salutar
reconhecer a estreita relação existente entre determinados avanços tecnológicos, as correntes
70  
culturais e os fenômenos de mentalidade coletiva; raciocínio que Pierre Levy torna mais
inteligível ao apresentar exemplo da indústria automobilística. Segundo o sociólogo francês, o
desenvolvimento da indústria automobilística não ocorreu em razão, tão somente, das usinas
petrolíferas, ou da economia, mas antes, visou à satisfação do desejo do homem de adquirir
maior autonomia e potência individual. Certo, no entanto, que a economia e os modelos
institucionais cumpriram a função de refinar, modelar, desviar ou transformar o anseio já
existente.145

Tomando como norte a ideia da relação da tecnologia com o contexto


sociocultural, vê-se que na Internet, desde sua origem e durante o processo inicial de
aperfeiçoamento, há uma mescla única de estratégia militar, colaboração técnica e inovação
contracultural, produto do contexto histórico cultural mundial disseminado a partir do fim da
Segunda Guerra Mundial, período conhecido como Guerra Fria146.

É notável que neste ponto da história da humanidade, em que o homem


necessita melhorar sua comunicação, aprimorar os meios pelos quais pode guardar e ter
acesso à informação, nasce a proposta de criar uma rede interconectada de computadores que
deveria servir a fins militares. Com efeito, este foi o projeto militar desenvolvido pelos
Estados Unidos da América do Norte para fazer frente à investida espacial russa - Projeto
Sputnik.

Para dar andamento a este projeto de aprimoramento de tecnologias da


informação e comunicação na sociedade, o Departamento de Defesa do governo norte-
americano criou, em 1957, a Agência de Projetos e Investigações Avançadas (Advanced
Resarch Projets Agency - ARPA), com o fim de subsidiar investigações para aprimorar os
meios de comunicação em rede147.

                                                                                                               
145
Vid. LEVY, Pierre. Cibercultura. trad. Carlos Irineu da Costa, 3ª. ed., 1ª. reimp., São Paulo: Editora 34, 2011,
p. 125
146
Cfr. CASTELLS, Manuel. A galáxia internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Trad.
Maria Luiza S. de A. Borges, rev. Paulo Vaz, Rio de Janeiro: Zahar, 2003, 19 – 24; RODRIGUÉZ. José Julio
Fernández. Lo público y lo privado en internet: intimidad y libertad de expresión en la red. México: Universidad
Nacional Autônoma de México, 2004, pp. 6 – 9; ÁLVAREZ, Clara Luz, Internet y derechos fundamentales.
México: Editorial Porrúa, 2011, p. 4; CARDON, Dominique. A democracia internet: promessas e limites. trad.
Nina Vincent e Tiago Coutinho, rev. técnica Manoel Barros da Motta, Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2012, pp. 7 – 8; ERCÍLIA, Maria; GRAEFF, Antonio. A internet. 2ª. ed., São Paulo: Publifolha, 2008, p. 12.
147
Cfr. CASTELLS, Manuel. A galáxia internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. pp. 13 –
14; ÁLVAREZ, Clara Luz, Internet y derechos fundamentales. pp. 4 – 5.

71  
À época, os computadores e as redes já eram uma realidade, porém, a
dimensão de operação destes modos de troca de informações encontrava limites espaciais.
Geralmente, relacionava-se a um conceito de rede local em que os computadores eram ligados
por cabos dentro de uma área restrita, além de cada uma das redes funcionar através de
protocolos próprios (em termos menos técnicos – uma linguagem própria) que impediam
diálogo entre as redes existentes. Assim, em 1969, a ARPA deu início às articulações para
desenvolver a ARPANET, cujo desafio proposto era intercomunicar os computadores, de
modo a facilitar a transmissão de informações por meios alternativos ao modelo centralizado
das redes de telecomunicações148, preservando uma estrutura descentralizada de
armazenamento e de transmissão de dados para manter a salvo de ataques inimigos todo o
arcabouço de informações imprescindíveis, pois o acesso ao conteúdo integral de tais
informações poderia causar um colapso na estrutura governamental e militar. Portanto, desde
o início a característica da descentralização e a inexistência de hierarquia estavam presentes,
ainda que naquele momento se apresentassem para o governo norte- americano como táticas
defensivas de preservação e segurança estatal149.

Apesar de imaginada, em um primeiro momento, visando fins militares de


troca de informações, o projeto foi desenvolvido dentro do ambiente acadêmico de grandes
centros de pesquisas de renomadas Universidades norte-americanas. Conforme relatos
históricos, a primeira conexão ocorreu entre a Universidade da Califórnia (UCLA), a
Universidade de Standford Research Institute (SRI), a Universidade da Califórnia Santa
Barbara (UCSB) e a Universidade de Utah. E o primeiro servidor foi instalado na UCLA, em
30 de agosto de 1969. Muito embora o projeto fosse custeado pela ARPA, os envolvidos no
programa de pesquisa tinham liberdade de criação, e o desenvolveram com o objetivo de
transformar o mundo por intermédio da comunicação e do computador150.

                                                                                                               
148
Como explica Clara Luz Alvarez, as redes de telecomunicações apresentam um controle centralizado (a
operação de comunicação se em rede efetua-se por um caminho determinado por uma central de modo a se ter
um controle sobre o que se passa na rede) e funcionam por meio da tecnologia de comutação de circuitos, ou
seja, a comunicação é estabelecida por uma ligação, de modo que enquanto durar uma chamada, que ocorre em
tempo real, é impossível estabelecer uma comunicação concomitante. Vid. ALVAREZ, Clara Luz, Internet y
derechos fundamentales. pp. 6 – 7.
149
Cfr. RODRIGUÉZ. José Julio Fernández. Lo público y lo privado en internet: intimidad y libertad de
expresión en la red. p. 7.
150
Cfr. Ibidem, p. 7

72  
O impulso evolutivo da tecnologia informática de rede deu-se no ano de
1971, com a criação do primeiro programa de correio eletrônico151 por Ray Tomlinson. O
programa de e-mail desenvolvido originariamente para a Arpanet, além de estabelecer um
meio eficaz de transmissão de dados de uma máquina a outra, criou uma nova forma de
comunicação que, no final do ano de 1973, avançou das simples comunicações por conexões
de redes locais e regionais para conexões internacionais visando troca de investigações
acadêmicas152.

Esta fase, a inicial da jovem história da Internet, que abrange as décadas de


1960 e 1970, espelha o contexto cultural norte-americano que passava por uma revolução de
libertação dos valores morais ocidentais que pretendiam estabelecer um controle social
institucionalizado baseado numa visão belicista. O espírito do movimento conhecido como
contracultura, consubstanciava-se na afirmação de que para se mudar a sociedade era preciso
ocorrer uma transformação pessoal (mudar a si mesmo), afastando-se do mundo ocidental e
criando um novo ambiente de convívio – as comunidades. Este novo estilo de vida convidava
a uma autotransformação para constituir uma nova sociedade: sobre alicerces diferentes da
violência e da intolerância, esta sociedade seria pacífica e aberta para assimilar todas as
diferenças153.

Muito embora os pesquisadores e estudiosos da Rede não fossem ativistas


da contracultura, o espírito desta ideologia tocou o ambiente acadêmico e tecnológico. Os
conhecimentos tecnocientíficos não poderiam ser controlados pelo militares e nem pelo
mercado, mas deveriam estar à disposição de todos os indivíduos, servindo à expansão das
capacidades de ações individuais. Esta visão contracultural influiu decisivamente na
construção e no uso da Internet154.

No início dos anos 1980, o Departamento de Defesa Norte-americano


decidiu isolar a parte militar da rede (conhecida como MILNET), de modo que, em 1983, a
desvinculação da rede civil da militar, juntamente com a comercialização de novos
computadores, agora compactos e acessíveis ao mercado – o PC da IBM, em 1981, e o
Macintosh da Apple, em 1984 – representou importante passo na difusão da rede de
                                                                                                               
151
A expressão correio eletrônico é amplamente reconhecida pelo termo inglês e-mail.
152
Cfr. RODRIGUÉZ. José Julio Fernández. Lo público y lo privado en internet: intimidad y libertad de
expresión en la red. p. 7
153
Cfr. CARDON, Dominique. A democracia internet: promessas e limites. pp. 15 - 21
154
Cfr. Ibidem, pp. 17 – 19.

73  
computadores para todos os lugares. Prestou-se, ainda, a assentar as bases da generalização do
seu uso, de modo que o intuito de criar um espaço emancipado no qual seria possível
reconstruir a sociedade estivesse cada vez mais próximo de sua concretização, porquanto,
formadas nesta década as primeiras comunidades, os primeiros fóruns temáticos de discussão
que versavam sobre tecnologia155.

A designação Internet foi adotada para marcar o momento em que a Rede


deixou sua vinculação com a ARPA (ARPANET). Contudo, os programas ofertados para
comunicação ainda eram limitados, de modo que o ideal de congregar indivíduos dispersos
atrás de seus computadores por todo o mundo, veio com a criação da Word Wide Web
(WWW), ou simplesmente Web.

Segundo o idealizador da Web, Tim Berners-Lee, sua visão foi criar um


programa em que qualquer coisa pudesse estar potencialmente conectada a outra coisa
qualquer. Para ele, este olhar sobre a Web iria proporcionar uma nova liberdade e um
crescimento mais rápido, pois não seria utilizado um modelo hierarquizado de classificação,
mas sim, um modelo de conexões156 baseado na linguagem hipertextual.

Para alcançar o funcionamento da Web, Tim Bernes-Lee contou com a ajuda


do amigo e pesquisador Robert Cailliau, com quem trabalhou no Centro Europeu de
Investigação Nuclear (CERN). A ideia de criar um sistema de comunicação e informação
baseado em hipertextos foi apresentada por Bernes-Lee ao CERN, mas sem adesão; ainda
assim, Robert Cailliau, seu amigo de trabalho, entusiasmado com o projeto, passou a auxiliar
no desenvolvimento do programa inovador e revolucionário, que a princípio serviria ao uso da
rede do CERN. Todavia, observando a potencialidade do que estavam criando, ambos
decidiram que deveria ser empregado em conjunto com a Internet, o que ocorreu no final de
1990157. A partir deste marco tecnológico, vários programas de navegação foram criados para
possibilitar o tráfego pela Rede, contudo, o programa que popularizou a Web foi desenvolvido
em 1993, pelos jovens Marc Andreesen e Eric Bina, estudantes e pesquisadores do National
Center for Spercomputing Applications – NCSA. Os dois criaram o Mosaic programa, que

                                                                                                               
155
Cfr. RODRIGUÉZ. José Julio Fernández. Lo público y lo privado en internet: intimidad y libertad de
expresión en la red. p. 7
156
Vid. BERNERS-LEE, Tim, Tejiendo la red, el iventor del word wide web nos descubre su origen. trad.
Mónica Rubio Fernández, Madrid: Siglo Veinteuno de España Editores, 200p, p. 1 – 6.
157
Vid. Ibidem, p. 7 – 31.

74  
possuía versões para os tipos de computador existentes à época, e possibilitava trafegar entre
páginas diversas, algo corriqueiro nos dias atuais158.

No estudo do desenvolvimento da Internet, oportuno verificar como ocorreu


o ingresso desta nova tecnologia no contexto brasileiro.

De acordo com o relato de Maria Ercilia e Antonio Graeff, a Internet chegou


ao Brasil em 1988, e assim como em seu país de origem, os primeiros usos da Rede
ocorreram no ambiente acadêmico de pesquisas do Laboratório Nacional de Computação
Científica, no Rio de Janeiro, e na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP), e as conexões eram feitas pela BITNET, uma rede especifica de troca de e-mails
pela Internet. Entretanto, no ano seguinte a Internet verdadeiramente nasceu no Brasil, quando
a ONG IBASE (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), fundada por Herbert
de Souza, criou e colocou à disposição da sociedade, o Alternex, um serviço de troca de e-
mails e grupos de discussão conectado à Rede e fora do ambiente acadêmico159. Esta
iniciativa teve o apoio do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e
também da Rede Nacional de Pesquisa (órgão acadêmico destinado a integrar as
universidades brasileiras em rede). A partir de 1989, ano após ano, a Internet foi sendo
ampliada de modo que logo já havia algumas dezenas sítios brasileiros instalados na Rede160.

Fato curioso da história do uso da Internet no Brasil, quando ainda


incipiente, a Alternex, através do apoio da ONU e de outras organizações não governamentais
nacionais e internacionais que primam pela comunicação, tornara possível sua utilização pela
primeira vez no mundo para divulgar notícias e informações. Isto ocorrera durante a
realização da ECO-92, quando por meio da Alternex, os pesquisadores e participantes da
Conferência e organizações puderam acompanhar as negociações através do sistema de
informação eletrônica161.

A partir dos programas desenvolvidos no início dos anos noventa e do


aprimoramento dos computadores pessoais, a Internet adentrou no mundo civil, possibilitando

                                                                                                               
158
Vid. ERCILIA, Maria e GRAEFF, Antonio. A Internet. p. 20.
159
Vid. Ibidem, p. 47.
160
Vid. Ibidem, pp. 48 – 49.
161
Vid. Ibidem, p. 47.

75  
aos usuários tornarem-se produtores de tecnologia, artesãos que modelam a arquitetura da
rede, sempre aberta a transformações.

Afirmou Tim Bernes-Lee que a Web, ao possibilitar a disseminação da


Internet para o mundo, é criação mais social que técnica. Ao projetá-la, ressaltou haver
pensado no efeito social, visando auxiliar o trabalho conjunto das pessoas, sem admitir fosse
tratada como mero brinquedo tecnológico; a finalidade era ajudar a melhorar a “teia” de nossa
existência no mundo, porquanto, natural ao homem a vida gregária. Certo que, primeiro nos
agrupamos em família e depois nos associamos com outras pessoas, seja para a instituição de
uma organização ou de uma empresa. Também com a Internet, não é diferente. 162

Observa-se ao longo da história da humanidade que a tecnologia sempre


provocou processos de mudança no homem e na sociedade. Com o advento da Internet, dá-se
uma nova fase de transformação, como observado por Rose Marie Muraro, quando afirma que
“(...) os ambientes tecnológicos não são meros recipientes passivos que contêm dentro de si o
humano, mas processos ativos que remodelam os indivíduos (...)”, de modo que “é a nova
tecnologia em si que modela, controla a escala e a forma de associação e da ação humana” 163.

Assim como na Primeira Revolução Industrial, os processos tecnológicos


(como a eletricidade, o telégrafo, o telefone, dentre outros) influíram na formação das grandes
concentrações urbanas, e no desenvolvimento da economia, a Internet, o grande fenômeno do
século XX (que ainda está em franco crescimento) e que impulsionou a Segunda Revolução
Industrial – a Revolução da Informação –, com sua potente capacidade de mudança, advinda
do imenso fluxo de comunicação, acelera o processo de globalização econômica, política e
intelectual, atingindo ao mesmo tempo o indivíduo, as estruturas das nações e dos blocos de
nações164.

As novas tecnologias da informação e da comunicação estão imbuídas de


um caráter transformador e libertador, reflexo da construção de uma cultura da Internet que,
para Manuel Castells, consiste na “(...) crença tecnocrática no progresso dos seres humanos
através da tecnologia, que se alcança por intermédio das comunidades de hackers que

                                                                                                               
162
Vid. BERNERS-LEE, Tim. Tejiendo la red: o inventor del word wide web nos descubre su origen. p. 115.
163
MURARO. Rose Marie. Os avanços tecnológicos e o futuro da humanidade: querendo ser Deus. Petrópolis:
Vozes, 2009 . p. 53.
164
Cfr. Ibidem, p. 174

76  
prosperam na criatividade tecnológica livre e aberta, incrustada em redes virtuais que
pretendem reinventar a sociedade (...)” 165, enquanto que para Pierre Levy:

(...) A cibercultura é a expressão da aspiração de construção de um laço social, que


não seria fundado nem sobre links territoriais, nem sobre relações institucionais,
nem sobre as relações de poder, mas sobre a reunião em torno de centros de
interesses comuns, sobre o jogo, sobre o compartilhamento do saber, sobre a
aprendizagem cooperativa, sobre processos abertos de colaboração166.

Estas considerações conduzem à reflexão de Hannah Arendt sobre a


condição humana167. Para a filósofa, a condição humana compreende algo mais que as
condições nas quais a vida foi dada ao homem, pois, segundo sua visão, os homens são
condicionados, de modo que,

(...) Tudo o que espontaneamente adentra o mundo humano, ou para ele é trazido
pelo esforço humano, torna-se parte da condição humana. O impacto da realidade do
mundo sobre a existência humana é sentido e recebido como força condicionante. A
objetividade do mundo – o seu caráter de coisa ou objeto – e a condição humana
completam-se uma a outra; por ser uma existência condicionada, a existência
humana seria impossível sem as coisas, e estas seriam um amontoado de artigos
incoerentes, um não mundo, se esses artigos não fossem condicionantes da vida
humana168.

Portanto, observa-se a rede através de sua estrutura global interconectada,


descentralizada (uma vez que cada indivíduo contribui para o seu desenvolvimento),
instantânea (no que atine à troca de comunicações e informações entre os nós existentes na
malha da Internet) e interativa (tornou-se parte da condição do homem, ou de acordo com
Hannah Arendt, de sua vita activa).

O impacto das novas tecnologias da informação e comunicação – em


especial, da Internet – para o homem, as nações e o mundo em geral, foi abordado pelo
Pontifício Conselho Para as Comunicações Sociais no documento Ética e Internet, no ano de
2002. Logo na introdução reconhece-se que:

(...) A mudança que se dá hoje nas comunicações implica, mais que uma simples
revolução técnica, a transformação completa de tudo o que é necessário para
compreender o mundo que a envolve e para verificar e expressar a percepção do
                                                                                                               
165
CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade, p. 53.
166
LEVY, Pierre. Cibercultura. p. 17.
167
“Para evitar erros de interpretação: a condição humana não é o mesmo que a natureza humana, e a soma total
das atividades e capacidades humanas que correspondem à condição humana não constitui algo que se assemelhe
à natureza humana.” In ARENDT, Hannah. A condição humana. trad. Roberto Raposo, 10ª. ed., 5ª. reimp., Rio
de Janeiro, 2005, p. 18.
168
Ibidem, p. 17.

77  
mesmo. A apresentação constante das imagens e das ideias, assim como a sua
transmissão rápida, até mesmo de um continente para outro, têm consequências
simultaneamente positivas e negativas, no desenvolvimento psicológico, moral e
social das pessoas, na estrutura e no funcionamento da sociedade, na partilha de
uma cultura com outra, na percepção e na transmissão dos valores, nas ideias do
mundo, nas ideologias (...).169

O potencial transformador da Internet provém de suas características


intrínsecas, dentre as quais se destacam a interatividade e conectividade. A interatividade
refere-se à capacidade de resposta que permite ao usuário do sistema adotar posições ativas e
de participação por meio de realidade multidirecional baseada no hipertexto, que possibilita
saltar de uma página a outra, de um site a outro, dando-nos a sensação de navegar pela Rede.
A conectividade remete à sensação de pertencimento; estar conectado permite estar no
mundo, entrar em qualquer parte dele através do hipertexto. Este sentimento de pertencer ao
mundo quando se ingressa na Internet, intensifica os ideais de globalização e universalidade,
já que a “teia” de redes não possui um centro de comando, expande-se para além das barreiras
fronteiriças dos países, as interconexões realizadas entre os usuários não seguem sempre as
mesmas rotas. Trata-se, enfim, de meio em perene expansão, tal qual a própria essência do
homem.

3.2. INTERNET – DA DEFINIÇÃO TÉCNICA A UM CONCEITO SOCIAL.

O termo Internet pode ser definido sob enfoques semântico e técnico. Da


conjunção das definições, estudiosos das ciências humanas chegaram a construir conceitos
que reverberam nos domínios do mundo do Direito e da proteção da pessoa humana.

No contexto semântico, observa-se que o termo de origem inglesa, formado


pela aglutinação de duas expressões: inter (a significar reciprocidade) e net (que se refere à
rede), aplica-se ao universo das ciências que estudam a computação e suas aplicações.
                                                                                                               
169
VATICANO, Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais. Ética na internet. Disponível em
<http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/pccs/documents/rc_pc_pccs_doc_20020228_ethics-
internet_po.html>, Acesso em 02 de dezembro de 2012.

78  
As ciências informáticas apresentam definição de cunho técnico, em que a
Internet aparece como uma rede de transmissão de dados e de comunicação de abrangência
mundial que, por meio de linhas telefônicas, cabos de transmissão de sinal de TV, ou
frequência de rádio, une milhares de outras redes170 utilizando um protocolo comum
(TCP/IP171), de modo a permitir que um computador conectado a uma rede se comunique com
um ou vários outros equipamentos informáticos conectados a outras variadas redes172.

Ainda sob perspectiva técnica, a Agência Nacional de Telefonia


(ANATEL), na Norma nº. 004, de 1995, aprovada pela Portaria nº. 148, de 1995,
tecnicamente define a Internet como “nome genérico que designa o conjunto de redes, os
meios de transmissão e comutação, roteadores, equipamentos e protocolos necessários à
comunicação entre computadores, bem como o "software" e os dados contidos nestes
computadores” 173.

O Ministério da Ciência e Tecnologia, em parceria com a Rede Nacional de


Pesquisa (RNP), lançou em 1996, o Guia do Usuário Internet/Brasil, uma cartilha de
informações sobre a Internet destinada aos usuários da nova tecnologia que começava a se
expandir no território brasileiro. No documento, de forma didática, a Internet é definida como:

(...) um conglomerado de milhares de redes eletrônicas interconectadas, criando um


meio global de comunicação. Essas redes variam de tamanho e natureza, bem como
diferem as instituições mantenedoras e a tecnologia utilizada. O que as une é a
linguagem que usam para comunicar-se (o protocolo) e o conjunto de ferramentas
utilizadas para obter informações (correio eletrônico, FTP, telnet, WAIS, Gopher,
WWW). As informações podem ser encontradas em diferentes formatos e sistemas
operacionais, rodando em todo tipo de máquina174.

                                                                                                               
170
As redes que integram a Internet, desde um poto de vista topológico sao de tipos diversos como: LAN (local
area network), redes locais que ligam computadores que estão dentro de um mesmo espaço fisico; MAN
(metropolitan area network), redes metropolitanas que conectam diversas redes locais dentro de um determinado
periometro espacial; WAN (wide area network) redes de longa distâncai que conectam redes locais e
metropolitanas em periometro mais alargado, como um país ou até um continente. Cfr. RODRIGUÉZ. José Julio
Fernández. Lo publico u lo privado en internet: intimidad y liberdad de expression en la red. p. 1.
171
TCP/IP (transmission control protocol/Internet protocol), refere-se ao protocolo que controla as transmissões
na Internet. Faz parte da tecnologia digital que trata das telecomunicações geradas e recebidas por aparelhos .
Cfr. ERCÍLIA, Maria; GRAEFF, Antonio. Internet. p. 119.
172
Cfr. Ibidem. p. 116
173
BRASIL. Agência Nacional de Telecomunicações. Norma nº. 004/95 aprovada em 31 de Maio de 1995 pela
Portaria nº. 148. Do Ministério das Comunicações. Disponível em:<http://legislacao.anatel.gov.br/normas-do-
mc/78-portaria-148> acesso em 03 fevereiros de 2013.
174
BRASIL. Ministério da Ciência e Tecnologia. Guia do Usuário Internet/Brasil – versão 2.0. 1996. Disponível
em:<https://www.rnp.br/_arquivo/documentos/rpu0013d.pdf>, acesso em 03 de fevereiro de 2013.

79  
A mais recente definição legal vem apresentada na recente Lei nº. 12.965,
de 23 de abril de 2014, data do início da Conferência Mundial sobre a Internet, realizada no
Brasil (Net Mundial). Para os efeitos da lei, também conhecida como Marco Civil da
Internet, considera-se Internet “o sistema constituído do conjunto de protocolos lógicos,
estruturado em escala mundial para uso público e irrestrito, com a finalidade de possibilitar a
comunicação de dados entre terminais por meio de diferentes redes” 175.

Observa-se, então, que a base para a construção do conceito de Internet é a


noção de rede atrelada à informática. Entretanto, o conceito de rede não é novo para as
relações sociais. Antes das inovações tecnológicas referentes à informação e comunicação
apropriar-se da noção rede, já era algo inerente à nossa essência humana. O tema remete ao
capítulo inicial da primeira parte desta dissertação, para ressaltar que ao conceituar ‘pessoa’, o
filosofo francês Emanuel Mounier apresenta o homem como um ser social, um ser que se
relaciona com os demais indivíduos por intermédio da comunicação que, segundo o autor, é a
própria essência de sua natureza social176. O homem enquanto ser comunicante existe
necessariamente em relação ao outro; a partir desta premissa, criamos redes para organizar
nossa civilização, e desta relação comunicacional é que os homens constroem mundos,
compartilham ideias e geram inovações177. Segundo Hernani Dimantas, a humanidade vive
em rede, criando primeiramente redes familiares, depois de amizades, de negócios, todas,
porém, engendradas nos relacionamentos conversacionais das pessoas. Para ele a rede é o
principio de uma sociedade178.

Manuel Castells relembra que a noção de rede era utilizada pelo homem,
principalmente nas relações de produção. Neste sentido, a rede consistia em meio
organizacional capaz de potencializar o êxito no cumprimento de metas definidas, através da
congregação de recursos e divisão de tarefas de modo hierarquizado, havendo sempre um
comando e um controle vertical (neste sentido de rede hierárquica, por exemplo, é que foram

                                                                                                               
175
BRASIL. Lei nº. 12.965/2014. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-
2014/2014/Lei/L12965.htm>, acesso em 24 de abril de 2014.
176
Sobre a natureza social do homem vid. nesta Dissertação p. 27 – 29.
177
Neste sentido é a posição de Hernani Dimantas, quando diz que somos seres em relação, porém sua
fundamentação filosófica se encontra no pensamento de Spinosa, para quem não há individuo que não esteja em
relação com outrem. Cfr. DIMANTAS, Hernani. Linkania: uma teoria de redes. São Paulo: Editora SENAC São
Paulo, 2010, p. 20.
178
Cfr. Ibidem, p. 45.

80  
179
formados os feudos, e tempos depois o Estado) . O desenvolvimento de novas tecnologias
da computação, principalmente aquelas relacionadas à informação e comunicação, libertou a
noção de rede da estrutura rígida e piramidal de comando e assumiu sua real essência, de
malha flexível e adaptável, em razão de sua trama horizontal ser formada por vasto conjunto
de nós interconectados180.

A partir da definição técnica da Internet e do conceito de rede apresentado


pelo pensamento social, começaram a despontar conceitos que fazem da pessoa humana o
elemento essencial das conexões; não se trata mais de conectar máquinas, mas de conectar
pessoas no entorno digital.

No âmbito das ciências jurídicas, um dos autores que têm se dedicado ao


estudo do direito e da Internet é o jurista espanhol Antonio Enrique Pérez-Luño. Segundo o
doutrinador, a Internet é uma Rede de redes que conecta milhões de computadores
pertencentes a instituições acadêmicas, entes públicos, empresas privadas e um crescente
número de usuários particulares, permitindo que cada pessoa conectada possa ter acesso aos
mais importantes centros de documentação, possa realizar diversas operações financeiras e
comerciais, bem como usufruir da vasta oferta de variados tipos de entretenimento, possível a
comunicação com outros usuários da Rede sem limites numéricos e espacial181.

O douto jurista espanhol, ainda que faça referência a termos utilizados nas
definições técnicas, quando diz ser a Internet uma rede interconectada de computadores,
apresenta a pessoa como o sujeito atuante, quem realmente interage na rede. É a pessoa
humana o sujeito a quem se destina a tecnologia.

No âmbito dos estudos sociológicos, diante dos avanços tecnológicos, com


especial atenção aos destinados a informação e comunicação, a Internet de modo geral é vista
como um meio de comunicação, como compreendem Manuel Castells, Dominique Cardon e
Pierre Levy.

                                                                                                               
179
Cfr. CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. pp. 7-
8.
180
Cfr. CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. p. 8.
181
Vid. PÉREZ-LUÑO, Antonio Enrique. La tercera generación de derechos humanos. p. 91.

81  
O sociólogo Manuel Castells conceitua Internet como meio de comunicação
em rede que, pela primeira vez na história da humanidade, permitiu ao homem experimentar a
comunicação de muitos para muitos, em uma escala global, de modo que os efeitos
transformadores desse novo processo de comunicação podem ser sentidos na própria
organização social. Daí porque, admite considerar-se a Internet como instrumento
fundamental para o desenvolvimento dos países do Terceiro Mundo182.

Em seus estudos, o francês Dominique Cardon, que também visualiza a


Internet como meio de comunicação, faz uma ressalva por entender que a Rede mundial de
computadores é instrumento comunicativo que não se deixa aprisionar pelas concepções
tradicionais de mídias de massa (a exemplo da imprensa, rádio, televisão). A Internet
instaurou um novo tipo de relação entre conversação e informação, alargando sobremaneira o
espaço público por meio da participação ativa dos indivíduos, visada a reconstrução do espaço
social por eles mesmos e não por representantes, apresentando forma democrática própria183.

Para Pierre Levy, a Internet é um novo meio de comunicação complexo que


condiciona e condicionará os processos de mutação social por intermédio do crescimento das
conexões, multiplicação de sítios digitais, mudança do modo comunicativo, dos mercados,
das empresas, dos governos, dos sistemas de educação, de saúde, sempre em razão da sua
função colaborativa184.

Por sua vez, a especialista em Direito das Telecomunicações, Clara Luz


Alvarez, compreende que a Rede, mais que um instrumento de comunicação, é meio para a
difusão da informação, para o debate público e a comunicação pessoal, para o comércio e
prestação de serviços, que não leva em consideração a localização geográfica de quem a ela se
conecta, e por esta razão vem impactando e mudando a vida do ser humano, da sociedade e
dos países185.

Maria Eduarda Gonçalves, reforçando as ideias daqueles que proclamam a


Internet como um meio de comunicação sem mediador, estruturado na relação de “todos-
                                                                                                               
182
Cfr. CASTELLS, Manuel. A galáxia internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. p. 8. No
mesmo sentido, ASCENSÃO. José de Oliveira. Estudos sobre direito da internet e da sociedade da informação.
Coimbra: Almedina. 2001, pp. 84 – 85.
183
Vid. CARDON, Dominique. A democracia internet: promessas e limites. pp. 31 – 48.
184
Vid. LEVY, Pierre; LEMOS, André. O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia. 1ª. ed., 3ª.
reimp., São Paulo: Paulus, 2012, pp. 46 – 47.
185
Vid. ALVAREZ, Clara Luz. Internet y derechos fundamentales. p. 2.

82  
todos”, acrescenta que a natureza descentralizada da rede (baseada na ausência de um
proprietário), fez renascer o sonho de uma comunidade harmônica em escala planetária – uma
aldeia global186. Dá-se início à materialização do sonho contracultural, de uma comunidade
composta por pessoas em um novo lugar; pessoas que ali são denominadas internautas e que
partilham de um conjunto de valores e sentimentos de familiaridade que transcendem as
distâncias espaciais, sociais e institucionais.

O Pontifício Conselho Para as Comunicações Sociais, ao compreender a


Rede como o mais poderoso instrumento de comunicação da era recente, adverte, contudo, a
Internet deve atender ao bem comum – “ao conjunto de condições da vida social que
permitem, tanto aos grupos como a cada um dos seus membros atingir plena e facilmente a
sua própria perfeição187”.

Partindo das definições técnicas e dos conceitos apresentados, há que


considerar a Internet como um meio, um instrumento, expressões que aludem a tudo que é
usado para possibilitar o alcance de um fim, do cumprimento de um objetivo. Importa
reconhecer a Rede como caminho para concretizar os anseios do homem do século XXI:
inicialmente, de aprimoramento do processo comunicacional, seguido da facilitação do acesso
à informação, e em um contexto mais atual, da concretização do ideal declarado pelas Nações
Unidas, da construção de uma comunidade harmônica em escala planetária.

No entanto, vale adiantar, a Internet não pode apenas ser conceituada como
um meio de comunicação ou informação, apresenta-se, também, como um locus, conforme
será estudado no próximo capítulo188.

                                                                                                               
186
Vid. GONÇALVES, Maria Eduarda. Direto da informação: novos direitos e formas de regulação na
sociedade da informação. Coimbra: Almedina, 2003, pp. 138 – 139.
187
VATICANO, Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais. Ética na internet. Disponível em
<http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/pccs/documents/rc_pc_pccs_doc_20020228_ethics-
internet_po.html>, acesso em 02 de dezembro de 2012.
188
Sobre o conceito de Internet como um novo espaço, um novo lugar do homem no mundo, vid. pp. 116-119
desta Dissertação.

83  
3. 3. A RELEVÂNCIA DA INTERNET NA SOCIEDADE – MEIO HABILITADOR
DO EXERCÍCIO DE DIREITOS HUMANOS.

É inconteste que a Internet se tornou um catalisador de transformações


sociais, seja por fortalecer o processo democrático, ampliar o contato das pessoas e dos
cidadãos com os órgãos governamentais, possibilitar a prestação de serviços públicos (a
exemplo da educação e da informação pública), além do acesso a documentos e informações
contidas em bibliotecas virtuais. Possível, assim, aprimorar-se o conhecimento, ampliar-se a
colaboração e o relacionamento interpessoal, vez que o ambiente virtual elimina barreiras
espaço-temporais, do mesmo modo que rompe com os paradigmas dos meios de informações
massivos.

De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento


(PNUD)189, com a União Internacional de Telecomunicações190 (ITU) e com o Conselho da
Europa191, a Internet e as novas tecnologias da informação e comunicação portam-se como
verdadeiras ferramentas habilitadoras do desenvolvimento humano, abrindo novo caminho
para o trabalho e comércio (participação econômica), para o acesso a informações que
repercutam em uma melhor qualidade de vida (quanto a questões de nutrição, saúde e
saneamento), e em participação na vida comunitária (exercício da cidadania)192.

É fato que na vida cotidiana as pessoas cada vez mais fazem uso da Internet
em variados contextos, seja para comunicar-se com amigos e familiares, resolver assuntos
profissionais, fazer negócios, trabalhar, cumprir obrigações tributárias, assistir aulas à
distância, assistir a um documentário, ter acesso a um livro, realizar pesquisas, dentre tantas

                                                                                                               
189
Vid. PNUD. Informe 2013 – Objetivo de Desarrollo del Milênio. Disponível em <
http://www.undp.org/content/dam/undp/library/MDG/spanish/mdg-report-2 >, acesso em 08 de setembro de
2013.
190
Também conhecida por sua sigla ITU (International Telecomunication Union) é uma agência da ONU que
cuida especificamente das tecnologias da informação e comunicação, com a função de através de
Recomendações, estabelecer padrões internacionais relacionados às tecnologias de telecomunicações em geral.
A criação da ITU é anterior à própria ONU, data de 14 de maio de 1865, quando da assinatura da primeira
Convenção Internacional do Telégrafo. O Brasil integra a ITU deste de 04 de julho de 1877. Informações
disponíveis em <http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/uit/>, acesso em 03 de janeiro de 2014; e
<http://www.itu.int/es/about/Pages/default.aspx>, acesso em 03 de janeiro de 2014.
191
Vid. CONSELHO da EUROPA, Declaration of the committee of ministers on human rights and the rule of
law in the information society, CM (2005) 56 final, 13 de maio de 2005.
192
Cfr. ALVAREZ, Clara Luz. Internet y derechos fundamentales. pp. 76 – 77.

84  
outras possibilidades. Considerada símbolo de progresso e modernidade, o acesso amplo a
esta nova tecnologia da informação e comunicação assume importante papel no cenário
mundial e nacional. Trata-se de canal que, na atualidade, permitiu ampliar a atuação do
homem no tempo e no espaço, influindo sobremaneira nas esferas sociais, culturais e
econômicas.

Na era da Internet, as liberdades, em especial as que tratam do direito de


expressão, comunicação e informação, são fortalecidas. A própria natureza global e aberta da
Rede permite, a princípio, qualquer pessoa humana que tenha acesso faça parte do
ciberespaço.

Do mesmo modo, a Internet avivou o debate internacional e nacional a


respeito do potencial das novas tecnologias informativas na promoção da igualdade social, da
participação democrática e da emancipação individual193, com evidente repercussão no
desenvolvimento humano, social e econômico.

3. 3. 1. Democracia e Internet

Os Direitos Humanos e a democracia são indissociáveis. Para Norberto


Bobbio, democracia é a expressão do exercício da soberania de cada cidadão, de cada homem
que compõe a sociedade194. Tal compreensão da democracia, que abrange o chamamento de
todos os homens a uma expressão política – na maior parte das vezes, por meio do sufrágio
universal, decorre do reconhecimento dos Direitos Humanos, que devem ser buscados e
realizados universalmente. Sob este enfoque, a democracia nada mais é do que uma postura
política fundamentada nos Direitos Humanos, vale dizer, o processo de reconhecimento de
tais direitos conforma o desenvolvimento e a afirmação da democracia em cada época.

A democracia, na acepção clássica, traduz forma de governo em que o povo


detém o controle do poder por intermédio da articulação de vários mecanismos. O mais
conhecido, o sistema eleitoral, hoje fundado nas bases no sufrágio universal livre e igualitário,

                                                                                                               
193
Cfr. GONÇALVES, Maria Eduarda. Direito da Informação: novos direitos e formas de regulação na
sociedade da informação. Coimbra: Almedina, 2003. p. 11.
194
Cfr. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. p. 94.

85  
direto e secreto, adquiriu nos últimos tempos significado mais amplo, que indica um modo de
ser e de pensar, em razão de intrínseca relação com os Direitos Humanos. Atualmente,
inseridas no âmbito da democracia estão as noções de pluralismo e participação, além de
diversos elementos valorativos que a tornam verdadeiro princípio de convivência, a ponto de
dizer-se, em suma, que é uma cultura – a cultura democrática195. Sob tal ótica, opera-se um
salto, deixa a democracia de ser vista somente como um sistema de governo e passa a ser
entendida como um valor196 .

A Internet apresenta conexão com alguns traços essenciais do regime


democrático, por oferecer inovadora oportunidade de aprimoramento da própria democracia,
na medida em que é ao mesmo tempo, meio de comunicação, de informação, de pressão, de
dissuasão, e principalmente, de participação. Neste sentido, coloca-se como a tecnologia da
liberdade e da democracia.

As vantagens trazidas pela Rede mundial de computadores aludem à


potencialização do pluralismo e à participação da sociedade. Seus efeitos são positivos ao
mitigar a influência da indústria da informação formada em torno dos tradicionais meios de
comunicação que concentravam em poucas mãos o poder de difundir conteúdo.

Com o advento da Internet, a possibilidade de publicar e receber informação


de fontes diversas agrega a este meio um caráter democrático de cunho participativo. Seja
para fins de exercício da cidadania nas urnas (vez que os eleitores contam com informações
vindas de diversas fontes, tanto sobre o governo, como sobre os partidos políticos e suas
ideologias, como também sobre os candidatos, para que possam compreender o que se passa
em seu Estado e assim eleger a melhor opção de voto nos processos eleitorais e nas tomadas
de decisões públicas), seja para manter-se em dia com as obrigações estatais, fiscalizar as
contas públicas e aperfeiçoar o desenvolvimento pessoal e comunitário.

                                                                                                               
195
Neste sentido, o termo democracia ultrapassou o significado político do governo do povo pelo povo –
enquanto forma de governo – indicando sobretudo um modo de ser e de pensar, como observa Nicola
Abbagnano. (In Dicionário de Filosofia. p. 277). É neste sentido ampliado que o francês Dominique Cardon,
apresenta a Internet como um potencializador da implementação de uma cultura democrática que ultrapassa a
experiência entre representantes e representados, já que o processo deliberativo é ampliado, vivencia-se uma
auto-organização, implementação de coletivos transnacionais; o saber é socializado, além de contribuir para o
desenvolvimento de competências críticas, entre tantas outras situações. (In A democracia internet: promessas e
limites. p. 1).
196
Cfr. RODRÍGUEZ, José Julio Fernández. Lo público y lo privado en internet: intimidad y libertad de
expresión en la red. p. 199.

86  
Como assevera Clara Luz Alvarez, os meios eletrônicos trouxeram um novo
espaço para o exercício da democracia. Tal relação ficou conhecida também como e-
democracia, alusiva à aproximação cidadão/governo, e ainda, ao processo participativo nas
tomadas de decisões197.

Uma sociedade democrática, seja instaurada no mundo físico, ou virtual,


deve pautar-se pelo pluralismo198. A Rede fomenta a diversidade sociocultural e traz à luz as
posições e ideias minoritárias que eram encobertas pelos meios de comunicações de massa,
interessados apenas em difundir discursos dominantes. A Internet torna-se canal privilegiado
para o confronto de posturas diferentes, para o exercício da tolerância, já que o debate político
e ideológico encontra ali solo fértil para o exercício da democracia. Este ambiente virtual traz
nova dimensão à liberdade de expressão, favorecidos o pluralismo e a multiplicação das
informações.

Consoante José Julio Fernández Rodríguez, a Internet deve ser havida como
auxílio para que a complexidade da sociedade se reflita no exercício do poder político, diante
de individualismos disfuncionais. Acrescenta o autor, ainda, que a permeabilidade do poder
político se vê melhorada com a rede, ao facilitar o contato com o cidadão199.

Ao permitir novas formas de comunicação, a Internet também enriquece o


pluralismo midiático que, por sua vez, deve espelhar a diversidade ideológica; ponto em que
poder público deve prover condições para o acesso e o desenvolvimento da Internet, como

                                                                                                               
197
Neste ponto, o Marco Civil da Internet é no contexto brasileiro uma demonstração da contribuição da Internet
para chegar-se ao texto legal apresentado em 2011 - Projeto de Lei nº. 2.126/2011.
198
O Pluralismo, tomado como corrente do pensamento político moderno que se opõe à tendência de
concentração e unificação do poder, reporta à concepção que propõe como modelo uma sociedade composta por
vários grupos ou centros de poder, mesmo que sejam conflitantes entre si, aos quais é atribuída a função de
limitar, controlar, contrastar, até o ponto de eliminar um poder dominante. Não é separação de poderes de modo
vertical, nem se assemelha à teoria liberalista clássica que propõe limitar a onipotência do Estado pela
impossibilidade de atuar em determinadas esferas de atividade (religiosa, econômica e social de modo geral).
Também não pode ser confundida com a teoria democrática que vê na participação dos cidadãos - do modo mais
amplo possível - o remédio para o controle do poder. Contudo, o pluralismo é compatível com tais correntes,
pois persegue um objetivo comum, o Estado como centro único de poder. (BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI,
Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. trad. Carmem C. Varriale, Gaetano Lo Mônaco, João
Ferreira, Luís Guerreiro P. Caçais e Renzo Dini, 11ª. ed., Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, p.
928) O termo pluralismo deve aqui ser tomado em seu sentido mais ideológico que teórico - como proposta de
ação prática que vise a coexistência de vários interesses, opiniões e experiências.
199
Cfr. RODRÍGUEZ, José Julio Fernández. Lo público y lo privado en internet: intimidad y libertad de
expresión en la red. p. 201.

87  
também deve velar a fim de que o pluralismo não seja submetido ao controle dos mercados
informativos pelos setores empresariais interessados200.

De acordo com Anthony Giddens, a democracia requer a participação de


todos os membros da população. Coloca-se a participação como um direito que decorre das
liberdades civis relacionadas à liberdade de expressão, de comunicação, de informação,
acrescidas da liberdade de pertencer a grupos ou associações de natureza política201.

A participação no processo democrático deve ser efetiva, ou seja, há que


proporcionar aos indivíduos meios para que suas vozes sejam ouvidas. Porém, esta
participação ativa pode estar fora do alcance das pessoas socialmente excluídas, em virtude
da falta de informações, oportunidades e recursos necessários que lhes permitam envolver-se
no processo democrático. A Internet coloca-se como meio a propiciar participação, através do
qual todos passam a ter a possibilidade de ser ouvidos; as novas tecnologias que circundam o
ambiente da rede (como redes sociais, fóruns, blogs, dentre outros) dão voz àqueles que se
viram calados pelos meios de comunicação tradicionais (rádio, jornais e televisão).

Por todo o exposto, inafastável reconhecer que a Internet deve ser vista
como uma força de democratização que ultrapassa as barreiras nacionais e culturais, facilita a
difusão de ideias pelo mundo, e permite às pessoas que compartilham as mesmas opiniões,
crenças e ideologias, se encontrar no domínio do ciberespaço202.

3. 3. 2. A Internet e as Liberdades

A liberdade é um valor que permeia a vida humana em todos os seus


aspectos, seja moral, político, ou econômico. É o referente central a balizar os Direitos
Humanos e a ordem jurídica como um todo, cujo conteúdo, portanto, necessita vir aclarado.

Desde a Antiguidade até os dias atuais, o homem busca compreender-lhe o


sentido. O estudo da liberdade no contexto filosófico resultou na formulação, ao longo do
                                                                                                               
200
Cfr.RODRÍGUEZ, José Julio Fernández. Lo público y lo privado en internet: intimidad y libertad de
expresión en la red. p. 202.
201
Vid. GIDDENS, Anthony. O mundo na era da globalização. trad. Saul Barata, Lisboa: Presença, 2005, p. 70.
202
Cfr. Idem. Sociologia. trad. Saul Barata, Lisboa: Presença, 2005, p. 351.

88  
tempo, de três concepções que foram se sobrepondo no transcorrer da História, mas que
auxiliam na intelecção do respectivo conceito. A primeira, advinda do pensamento clássico
antigo, coloca a liberdade como uma causa em si mesma; a visão metafísica apregoa a
liberdade como autodeterminação ou autocausalidade, pois resulta na ausência de condição ou
limites203.

(...) nas coisas em que a ação depende de nós a não ação também depende; e nas
coisas em que podemos dizer não também podemos dizer sim. De tal forma que, se
realizar uma boa ação depende de nós, também dependerá de nos realizar a má
ação204.

O conceito metafísico de liberdade, autodeterminação ou autocausalidade,


evolui para a concepção de liberdade necessidade, cujas primeiras ideias foram apresentadas
pelos estóicos. Tomada como fundamento ainda uma noção de liberdade como
autodeterminação, como causa, não atribuída diretamente ao homem (indivíduo), mas ao todo
(ao Absoluto, à ordem cósmica ou divina). O adjetivo necessidade está atrelado à necessidade
que o homem tem de agir em conformidade com a ordem estabelecida por Deus205.

A concepção de liberdade como possibilidade, ou medida de possibilidade,


diferentemente das concepções anteriores, apresenta a liberdade como um problema a ser
resolvido; chegando-se a uma justa medida, a liberdade não é ilimitada. Para esta concepção,
cada homem é autor de suas escolhas, o individuo não precisa agir em conformidade com a
vontade do Absoluto, as escolhas de cada homem são limitadas em dois sentidos: pelas
possibilidades subjetivas e pelos modelos de vida disponíveis, como também pela motivação.
Concepção que lançada por Platão na Antiguidade, esteve relegada ao esquecimento por
séculos, redescoberta pelo pensamento moderno de Hobbes e Locke. Sob a perspectiva
hobbesiana, a liberdade não se dá no plano do querer (da vontade), mas na ação (de fazer ou
não fazer algo que tem vontade). Locke, abraçando tal concepção, define a liberdade como o
fato de se estar em condição de agir, ou não, segundo o que se quer ou escolhe fazer206.

Observa-se das três concepções que a liberdade está situada na esfera da


ação humana. É neste sentido que Hannah Arendt constrói sua reflexão sobre a liberdade e
constata livre não o querer do homem (que ocorre em um processo interno e volitivo), mas o

                                                                                                               
203
Cfr. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. pp. 699- 702.
204
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, III, 5, 1113b 10. p. 65.
205
Cfr. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. p. 702-703.
206
Cfr. Ibidem, p. 703-704

89  
seu agir (que se dá em um processo externo). A liberdade, para a ilustrada autora, passa a ser
compreendida como manifestação da pessoa humana, do homem no espaço público, que se dá
através da ação e da linguagem207.

Por estar no plano da ação, a concepção de liberdade como possibilidade,


finita, relativa, situada no plano real, por ser condicionada a escolha a um rol de
possibilidades, é a base para a compreensão dos próprios Direitos Humanos.

Como adverte Norberto Bobbio, a concepção de liberdade é erigida sobre as


relações entre os homens, que se emancipando do vínculo de sujeição do homem pelo
homem, apresenta dois sentidos: negativo e positivo208.

A liberdade negativa, também conhecida como liberdade como ausência de


impedimento ou constrição, compreende tanto a ausência de impedimento, quer dizer, a
possibilidade de se fazer, quanto à ausência de constrição, ou seja, a possibilidade de se deixar
de fazer algo. Porque os limites de nossas ações em sociedade estão em geral definidos por
normas (sejam sociais, consuetudinárias, legais, ou morais), a liberdade negativa consiste em
poder fazer ou não fazer tudo o que as leis (em sentido amplo) permitem ou não vedam.
Dentro desta perspectiva encontramos as liberdades civis pleiteadas nas Revoluções do
período ilustrado, expressas nas primeiras Declarações de Direitos (Americana e Francesa)209.

No sentido de liberdade positiva, entende-se a situação em que o sujeito tem


a possibilidade de orientar sua vontade a um fim, de tomar suas decisões sem ter estar
submetido à vontade de outro. Por esta razão, também é chamada de “autonomia”210. Esta
classificação formulada por Bobbio, em muito se assemelha ao sentido de liberdade proposto
por Aristóteles, já que nesta situação o homem não tem sua vontade e ação determinadas por
outra pessoa ou divindade; aqui, o ser humano está inserido em um contexto social, e
enquanto membro deste todo social, não deve obedecer à lei imposta pelo outro, mas à sua lei,

                                                                                                               
207
Vid. ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. trad. Mauro W. Barbosa de Almeida, 2ª ed., São Paulo:
Editora Perspectiva, 1988, pp. 194- 220.
208
Vid. BOBBIO. Norberto. Igualdade y libertad. pp. 97 – 98.
209
Cfr. Ibidem, pp. 98– 100.
210
Vid. Ibidem, pp. 100 - 102.

90  
àquela de cuja criação participa. É neste sentido a ideia de liberdade defendida por Rousseau
no contrato social211, e por Kant212 na construção da paz perpétua.

Por sua vez, Gregório Peces-Barba Martínez reconhece que a liberdade pode
ser analisada sob tríplice modalidade: não interferência, promocional e participação.

A liberdade não interferência, ou ainda protetora, está atrelada à


possibilidade que tem o homem de atuar e decidir livremente o próprio comportamento, sendo
sua expressão os direitos individuais e civis, como a vida, o pensamento, a consciência, a
expressão, as garantias processuais, a liberdade de reunião, de manifestação, a inviolabilidade
do domicílio e das comunicações213.

Já a liberdade promocional procura satisfazer uma série de necessidades


básicas que venham a impedir ou dificultar o exercício das liberdades do primeiro tipo. Desta
forma, estariam por fundamentar os direitos, de acordo com o tipo de necessidade: i) as
radicais importam conceder condições mínimas para que a vida humana seja viável; ii) as de
manutenção visam manter as condições que permitem o gozo da liberdade como não
interferência, segundo se deduz de uma condição humana em níveis gerais e normais; iii) a
satisfação das necessidades de melhora pretende a otimização das possibilidades de
desenvolvimento, crescimento, e progresso físico, econômico e cultural dos homens
(inserindo-se neste rol os direitos econômicos, sociais e culturais; o direito à educação; os
direitos das mulheres, das crianças e adolescentes, do consumidor ou usuário, dos
deficientes214.

Por sua vez, a liberdade de participação serve de fundamento para os


direitos políticos (de participação política e de sufrágio) e outros direitos que assumem
funções complementares, como o direito de associação política.215

                                                                                                               
211
Cfr. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social; Ensaio sobre a origem das línguas; Discurso sobre a
origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens; Discuros sobre as ciência e as artes. trad. Lourdes
Santos Machado, introd. e notas Paul Arbousse-Bastide, Lourival Gomes Machado, São Paulo : Abril
Cultural, 1978, pp. 36 – 37.
212
Cfr. KANT, Immanuel. À paz perpétua. trad. Marcos Zingano, Porto alegre : L&PM, 2011, pp. 24 – 25.
213
Cfr. MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Curso de derechos fundamentales: teoria general. pp. 221, 222 –
227.
214
Cfr. Ibidem, p. 222 – 225, 227.
215
C.f. Ibidem, p. 225, 226 – 228.

91  
Ao constatar que é condição imprescindível para o agir do homem na vida
em sociedade, a liberdade atua no âmbito da sociedade política, tanto por meio do individuo,
como por meio do poder, refletindo-se nos Direitos Humanos e nos princípios de organização
política.

Não se pode olvidar que a liberdade também possui caráter histórico,


porquanto, ampliada à medida que o homem adquire maior domínio216 sobre a natureza, sobre
si mesmo, e sobre a sociedade e suas relações em cada época. Observa-se, então, que o
conteúdo da liberdade é expansível, como o homem que no decorrer dos tempos ampliou sua
personalidade. Destarte, possível concluir que a liberdade é uma conquista constante217, que
encontra fundamento na dignidade do homem e de todos os homens, como bem deflui do
primeiro considerado da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do texto do artigo
primeiro, afirmado que todos os homens nascem livres218.

A partir desta relação de fundamentação da liberdade na dignidade, inerente


à condição de pessoa humana, a tutela jurídica do conteúdo da liberdade é ampliada,
fortalecida e estendida, à medida que a atividade humana ganha novos contornos,
demonstrando, assim, que a liberdade é um processo dinâmico e perene de superação de
obstáculos que dificultam a realização da personalidade do homem. Obstáculos estes
representados pela sociedade, pela economia, pela política, e até pela natureza e tecnologia.

No contexto dos Direitos Humanos, a liberdade assume diversos matizes;


daí se falar em liberdades que poderão se referir à pessoa quanto à vida física, de pensamento,
de expressão individual e coletiva, de ação profissional, ou ainda, de conteúdo econômico e
social, sempre analisadas sob os contornos de seu tempo.

Os avanços tecnológicos ao longo da história provocaram profundas


transformações na vida do homem, contudo, nas últimas décadas, o desenvolvimento, as
conquistas cientificas e tecnológicas - da qual a Internet é um dos grandes expoentes -,

                                                                                                               
216
O termo domínio está empregado no sentido de aquisição e ampliação do conhecimento.
217
Cfr. SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. p. 231 – 232.
218
ONU. Declaração Universal dos direitos humanos (“… considerando que o reconhecimento da dignidade
inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da
liberdade, da justiça e da paz no mundo.”; art. 1º. “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e
direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de
fraternidade”).

92  
autoriza reconhecer que estamos entrando em um novo estado de evolução humana – o
infolítico219.

A Internet implementou uma nova organização social, agora em escala


mundial, de modo que o ser infolítico, o homem de nossa era, será o ser humano global, que
não se organiza segundo o sistema de agrupamentos humanos baseados em coincidências
ideológicas ou raciais, dentro de limites territoriais. A organização social dá-se no âmbito
virtual, em que se torna possível às pessoas de qualquer ponto do planeta e de qualquer raça,
sexo, religião, nacionalidade, participar da nova sociedade, a Sociedade da Informação -
também chamada de Sociedade da Comunicação ou do Conhecimento.

Como explicita Clara Luz Alvarez, a liberdade na Internet tornou-se


manifestação decisiva das liberdades públicas, nova expressão das garantias dos cidadãos.
Tornou-se um canal idôneo da liberdade de comunicação, de expressão, e do exercício do
direito à informação, principalmente em regimes de governo que estabelecem restrições ao
uso pleno da Rede220.

3. 3. 2. 1. Liberdade de Comunicação e Internet

No contexto brasileiro, a liberdade de comunicação é reconhecida como um


direito humano que encontra amparo no artigo 5º., da Constituição Federal, e reporta-se ao
“conjunto de direitos, formas e veículos, que possibilitam a coordenação desembaraçada da
criação, expressão e difusão do pensamento e da informação221”. Como bem se depreende dos
incisos IV (liberdade de manifestação do pensamento), V (direito de resposta), IX (livre
expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação), XII (inviolabilidade
do sigilo de correspondência e comunicações telegráficas e telefônicas), e XIV (direito de

                                                                                                               
219
O termo infolítico é empregado para referir-se ao período atual da evolução humana, em que o homem
organiza sua comunidade através da comunicação, dos Meios de comunicação atrelados à cultura digital do BIT.
Meios com maiúscula, pois como explicam David Tuner e Jesus Muñoz, “(…) os Meios condicionam a
sociedade humana e os Meios determinam o relacionamento e a evolução da nossa sociedade”. (in TUNER,
David; MUÑOZ, Jesus. Para os filhos dos filhos dos nossos filhos: uma visão da sociedade internet. 2ª ed., São
Paulo: Summus Editorial, 2001, pp. 17 – ss).
220
Vid. ALVAREZ, Clara Luz. Internet y derechos fundamentales. p. 80.
221
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. p. 243.

93  
acesso à informação), todos do art. 5.º, combinado com os artigos 220 a 224 (Capítulo que
trata da Comunicação Social) da Carta de 1988.

O reconhecimento da liberdade de comunicação como direito humano


emana da própria natureza da pessoa como um ser comunicante e da necessidade de
comunicar-se, tanto em sentido individual, quanto social. Este direito dá maior ênfase ao
processo comunicacional que ao conteúdo da mensagem222. Também há que frisar, este é
notadamente um direito universal, de todos os homens, pois a comunicação sugere
transferência interativa de informações, o que requer a participação dos homens,
independentemente de sua nacionalidade, raça, sexo, religião, ideologia, condição social.

Vê-se, pois, inerente à liberdade de comunicação tem-se a noção de


manifestação do pensamento, consubstanciada em outros dois direitos de liberdade: expressão
e informação, inseridos no processo comunicacional.223.

Como salienta Jorge Miranda, a liberdade de comunicação (que para o


prestigiado doutrinador português é social) congloba as liberdades de expressão e
informação, porém delas se distingue em três pontos: i) pluralidade de destinatários, o caráter
coletivo ou de massa, sem reciprocidade; ii) aplicação do princípio da máxima difusão (em
oposição à comunicação privada ou correspondência, conexas com os direitos à intimidade e
privacidade); iii) utilização de meios adequados à difusão, dos quais hoje a Internet é um dos
mais importantes, por conter sítios das principais editoras, veículos de imprensa, televisivos e
de radiodifusão (meios de comunicação tradicionalmente reconhecidos pelas legislações)224.

Autores como Aluisio Ferreira e Jorge Miranda apresentam o direito de


comunicação como direito aplicável às instituições que cuidam dos meios de comunicação.
Tomando o objeto por esta ótica, tal direito não estaria situado no rol de Direitos Humanos,

                                                                                                               
222
O conteúdo da mensagem importa ao estudo da liberdade de informação, vid. nesta Dissertação pp. 96- 100.
223
Cfr. FERREIRA, Aluísio. Direito à informação, direito à comunicação: direitos fundamentais na
constituição brasileira. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1997. p. 175. Em semelhante sentido é a posição de
Jorge Miranda. Segundo o jurista português, trata-se de uma liberdade social (liberdade de comunicação social)
que congloba as liberdades de expressão e informação, que deve ser tomada em uma acepção institucional, visto
pressupor uma organização (em um sentido empresarial), ainda que dependa sempre de atividades de pessoas
individualmente consideradas (v.g. jornalistas, radialistas, colaboradores, leitores, ouvintes, telespectadores).
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: parte IV, direitos fundamentais. pp. 456 – 457.
224
Vid. MIRANDA, Jorge. Idem, p. 456.

94  
devido à sua natureza ambivalente, envolvendo feixes de direitos humanos, e ao mesmo
tempo, traduzindo-se em um fenômeno de poder225.

Desmond Fisher caminha em sentido contrário. A comunicação é antes de


tudo um direito e uma liberdade intrínseca do homem, e a partir dela defluem outros direitos e
liberdades aplicáveis à sociedade e às instituições226 .

Partilhando do entendimento de Desmond Fisher, defende-se aqui que o


direito de se comunicar é inerente e essencial ao homem. A liberdade de comunicação é
fundamental para o desenvolvimento do potencial humano, de modo que importa ser
reconhecida como direito humano, tal qual o direito à vida, à liberdade, o direito de professar
religião, pois seu foco é o individuo. Ou seja, este direito individual só tem razão de existir
pelo fato do homem viver em comunidade227.

Relativamente recentes, as discussões acerca do reconhecimento do direito


de se comunicar como direito humano e fundamental começaram na década de 1960, em
debates organizados pela ONU e pela UNESCO228, que se limitavam, porém, a discorrer
sobre a importância da liberdade de informação para a construção de uma sociedade mundial
melhor. Somente na década de 1970, mais precisamente no Relatório 1969/1970, da
UNESCO229, enxergou-se a importância da comunicação, melhor dizendo, de se admitir e
assegurar não apenas sistemas de comunicação, mas seu conteúdo, e principalmente, o direito
do povo de usá-los230.

Reconheceu-se que a comunicação necessariamente é processo de mão


dupla, em que os participantes têm o ensejo de um diálogo democrático e equilibrado. Assim,

                                                                                                               
225
Cfr. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: parte IV, direitos fundamentais. p. 457.
226
Cfr. FISHER, Desmond. O direito de comunicar: expressão, informação e liberdade. São Paulo: Editora
Brasiliense.1984, p. 60.
227
Cfr. Ibidem, p. 59 –60.
228
Cfr.Ibidem, p. 31 – 39.
229
Ibidem, p. 22. “A informação, em seu duplo aspecto – documentação, que é memória, e comunicação, que é
intercâmbio de toda as formas de expressão e de estímulo – é essencial para a vida espiritual e a missão da
UNESCO. Acima de tudo, o progresso real da UNESCO deve ser avaliado por aquilo que ela pode fazer para
tornar disponível para cada um e para todos um fundo de conhecimento e um sistema de comunicação que são -
ambos – universais.”
230
Curioso notar que as primeiras discussões sobre o reconhecimento destes direitos são concomitantes com os
primeiros avanços para criação de uma rede global a permitir o acesso e a troca de informações por meio da
intercomunicação de computadores.

95  
o direito de se comunicar constitui autêntica extensão do progresso em busca da liberdade e
da democracia.

A escrita, a imprensa, o telefone, o rádio e a televisão marcaram


profundamente a humanidade, facilitando a comunicação, mas o desenvolvimento da Internet
revolucionou o status comunicacional até então existente. Enquanto os meios convencionais
de comunicação operavam em fluxo de um para muitos, a Internet concede o poder
comunicacional a todos, pois o fluxo é de todos para todos. Nova tecnologia, portanto, que
veio ao encontro da necessidade humana de comunicação, de transmitir e receber
informações, de verdadeiramente estabelecer um diálogo sem intermediários.

Ainda assim, não há falar em ruptura com os antigos meios, mas em


processo de transladação de muitos destes para o dentro do ciberespaço, onde continuam a
ser exercitados, mas em diálogo com os receptores que, de modo instantâneo, opinam sobre as
informações.

3. 3. 2. 2. Liberdade de Informação e Internet

A informação, no sentido mais elementar, constitui, como salienta Maria


Eduarda Gonçalves, parte essencial da experiência humana. Nesta linha de raciocínio, todos
os organismos são sistemas de informação, de modo que a informação é base da vida. A
linguagem gestual, a comunicação verbal, a implementação da escrita, são meios de
transmissão de informações relativas à descrição de um objeto, do mundo à sua volta, ou
mesmo para tratar de sentimentos e de anseios, por exemplo; deste modo, a informação é
elemento fundamental das relações humanas e sociais; é em seu entorno que se estrutura a
vida política, científica, das organizações de modo geral231.

A liberdade de informação, aqui entendida como parte das liberdades que


conformam a liberdade de pensamento232, compreende duas dimensões fundamentais: a

                                                                                                               
231
Cfr. GONÇALVES, Maria Eduarda. Direito da informação: novos direitos e formas de regulação na
sociedade da informação. p. 17.
232
Compreende-se como liberdade de pensamento, o direito que toda pessoa humana tem de exprimir suas
convicções, seu conhecimento dirigido a outrem (seja ele alguém determinado ou não). Em semelhante sentido,

96  
liberdade que a pessoa tem de se informar e a liberdade de ser informada. Por liberdade de
informar, entende-se o direito que toda pessoa possui de manifestar seu pensamento e de
fornecer dados sobre si ou sobre algo; ao passo que a liberdade de ser informada denota um
interesse individual e coletivo, pois todos os indivíduos e toda sociedade têm o direito de estar
informados, de ter acesso às informações necessárias ao exercício consciente das liberdades
públicas233.

Tendo em mente que a informação compreende tanto a difusão de ideias –


manifestação do pensamento – quanto a procura e o acesso a informações, nota-se a
existência de uma estreita relação de identidade com a liberdade de comunicação234. Tal
relação não é de sinonímia, antes de indissociabilidade, já que os dois elementos têm por
objeto mediato a informação, diferenciando-se quanto ao objeto imediato, o conteúdo –
enquanto na informação importa fornecer e ter acesso a dados e notícias, a comunicação
implica ter e compartilhar informações235.

A liberdade de informação encontra-se expressamente prevista no inciso


XIV, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988, que dispõe “assegurado a todos o acesso à
informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”, e
indiretamente no inciso XII, do mesmo dispositivo, que trata do sigilo das correspondências e
comunicações telegráficas e telefônicas e dos dados.

No plano internacional, o direito à informação foi reconhecido em


importantes tratados, convenções e declarações assinadas e ratificadas pelo Brasil.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 prevê, no art.19,


que todo homem tem direito à liberdade de opinião e de expressão, abrangida a liberdade de,

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 34ª. ed. rev. e atual., São Paulo:
Saraiva: 2008, p. 300.
233
Cfr. SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. p. 245
234
Cfr. FERREIRA, Aluísio. Direito à informação, direito à comunicação: direitos fundamentais na
constituição brasileira. p. 167.
235
Como explica Aluísio Ferreira, “no exercício do direito de comunicação, o sujeito se comporta ativamente
enquanto titular do direito de informação – logo, das faculdades de colher e receber -, e ativa e passivamente,
enquanto no exercício da faculdade de comunicar, já que esta faculdade, que deve ser assegurada (aspecto ativo),
corresponde à satisfação de necessidades e interesses de informação, por parte de outrem, a que ele deve atender
(aspecto passivo). Desta forma, o direito à comunicação somente faz sentido na perspectiva do direito à
informação. É porque todos os seres humanos têm direito a estar informados que a cada pessoa devem ser
asseguradas as faculdades de procurar, receber e publicar informações, assim efetivando-se, por sucessivos
processos de comunicação, o livre intercâmbio de ideias e opiniões na sociedade” (Ibidem, p. 168).

97  
sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por
quaisquer meios, sem consideração de fronteiras.

A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (adotada pela


Assembleia Geral das Noções Unidas, em 31 de outubro de 2003, assinada pelo Brasil, em 09
de dezembro de 2003, e promulgada pelo Decreto nº. 5.687, de 31 de janeiro de 2006),
estabelece no art.10:

Tendo em conta a necessidade de combater a corrupção, cada Estado Parte, em


conformidade com os princípios fundamentais de sua legislação interna, adotará
medidas que sejam necessárias para aumentar a transparência em sua administração
pública, inclusive no relativo a sua organização, funcionamento e processos de adoção
de decisões, quando proceder. Essas medidas poderão incluir, entre outras coisas: a) A
instauração de procedimentos ou regulamentações que permitam ao público em geral
obter, quando proceder, informação sobre a organização, o funcionamento e os
processos de adoção de decisões de sua administração pública, com o devido respeito
à proteção da intimidade e dos documentos pessoais, sobre as decisões e atos jurídicos
que incumbam ao público; b) A simplificação dos procedimentos administrativos,
quando proceder, a fim de facilitar o acesso do público às autoridades encarregadas da
adoção de decisões; etc.) A publicação de informação, o que poderá incluir informes
periódicos sobre os riscos de corrupção na administração pública.

Previstas, ainda, no art.13, da Convenção, medidas adequadas a tais


finalidades, consistentes em “(...) fomentar a participação ativa de pessoas e grupos que não
pertençam ao setor público, como a sociedade civil, as organizações não-governamentais
(...)”, mediante a adoção de providências, dentre outras, para “(...) b) Garantir o acesso eficaz
do público à informação (...)”.

Em acréscimo, a Declaração Interamericana de Princípios de Liberdade de


Expressão, no item 4, expressa que “o acesso à informação mantida pelo Estado constitui um
direito fundamental de todo indivíduo. Os Estados têm obrigações de garantir o pleno
exercício desse direito”.

Oportuna remissão, também, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e


Políticos, que consigna no art. 19, 2., “toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse
direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer
natureza (...).”

Por congregar e disponibilizar informações pessoais, sobre gestão pública,


livros, jornais e revistas científicos, enciclopédias, informes legais e de empresas de

98  
comunicação de massa (jornais, rádio e televisão), tornou-se na atualidade o meio em que
primeiro se busca conhecimento.

Em razão da produção livre e colaborativa dos conteúdos disponibilizados


na Internet, a grande quantidade de informações, partindo das mais diversas fontes, possibilita
à pessoa usuária da Rede aprimorar sua capacidade crítica até então um tanto quanto
enrijecida pelas mídias de comunicação massiva. Como destacam André Lemos e Pierre
Levy, a Internet é o diferencial que a humanidade tem em relação ao passado, meio que
trouxe maior transparência e acesso às informações, além de possibilitar sua livre produção e
distribuição236.

É certo que tal facilidade de difusão do pensamento produz conteúdos


passíveis de afrontar princípios e direitos fundamentais para a convivência humana (a
exemplo de incitações ao racismo, noticias atentatórias à honra de uma pessoa, ou mesmo o
uso de informações pessoais que deveriam estar protegidas). Tal constatação não diminui a
relevância da Rede, apenas chama a atenção para a necessidade de uso responsável, em
conformidade com os ideais humanísticos plasmados na Declaração Universal de 1948.

O mau uso da Internet não pode ser resolvido por meio de censura total ou
parcial do acesso a este novo espaço social. Não é possível alienar o ser humano desta
realidade, sob pena de impedir seu desenvolvimento, ou na dicção de Kant, seu
esclarecimento, que representaria verdadeiro crime contra a natureza humana237.

Kant afirma que o esclarecimento é a “saída do homem de sua menoridade,


da qual o culpado é ele próprio”, enquanto vislumbra a menoridade como a “incapacidade de
fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo”238.

De acordo com o filósofo, o processo do esclarecimento significa fazer uso


publico de nossa razão em todos os assuntos. Não se trata de reproduzir discursos que nos
foram impostos, e sim de sermos livres, conscientes e responsáveis por fazer uso público de
nossa razão.
                                                                                                               
236
Vid. LEVY, Pierre; LEMOS. André. O futuro da Internet: em direção a uma ciberdemocracia planetária. 1ª.
ed., 3ª. reimp., São Paulo: Paulus, 2012. p. 63.
237
Cfr. KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: Que é “Esclarecimento”. in, Fundamentação da metafísica dos
costumes e outros escritos. p. 119
238
Ibidem, p. 115.

99  
Há que considerar a Internet como um meio construído pelo próprio homem
em razão de seu anseio de esclarecimento, onde poderá se informar, obter conteúdo,
confrontar, enfim, informações em busca da verdade, e desenvolver autonomia.

3. 3. 2. 3. Liberdade de Expressão e Internet

A liberdade de expressão, enquanto exteriorização da vida humana (seja


pela forma escrita, oral, imagens, gestual, ou até mesmo através do silêncio), alberga questões
de crenças, convicções, ideias, ideologias, opiniões, sentimentos, emoções, atos de vontade239.

Enquanto exteriorização da vida, a liberdade de expressão consiste no


direito humano de toda pessoa transmitir livremente qualquer informação e emitir
publicamente suas opiniões. Desta noção inicial é possível concluir que se refere a um direito
subjetivo, nada obstante também reflita um direito difuso, pertencente a todos os povos.
Cumpre ressalvar que a institucionalização desse direito adveio com o deflagrar dos veículos
de massa 240.

A liberdade de expressão, diferentemente das liberdades de conhecimento e


de pesquisa (entendidas como faculdades do direito de informação), porque manifestada
através de um meio de comunicação (v.g., a liberdade de imprensa, ou em conceito amplo, a
liberdade de comunicação) extrapola o conceito de informação.

A liberdade de expressão é direito fundamental reconhecido na Declaração


Americana dos Direitos e Deveres do Homem, na Convenção Americana sobre Direitos
Humanos – Pacto de São José da Costa Rica (art. 13), na Declaração Universal de Direitos
Humanos (art. XIX), na Resolução 59(I) da Assembleia Geral das Nações Unidas, na
Resolução 104, adotada pela Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), no Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos, em outros instrumentos internacionais, e na Constituição Federal do Brasil de 1988
(art. 5º., inciso IX).

                                                                                                               
239
Cfr. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: parte IV- direitos fundamentais. p. 453.
240
Cfr. FERREIRA, Aluísio. Direito à informação, direito à comunicação: direitos fundamentais na
constituição brasileira. p. 167.

100  
O art. 13, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao tratar da
liberdade de expressão, afirma que toda pessoa tem o direito de divulgar informações e ideias
de qualquer natureza, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por
qualquer meio à sua escolha.

Em outubro de 2000, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no


108º. período ordinário de Sessões, aprovou a Declaração de Princípios sobre Liberdade de
Expressão, que desde o preâmbulo entende tratar-se a liberdade de questão essencial para o
avanço do conhecimento, do entendimento entre os povos, a fim de conduzir à cooperação
entre as nações. Essencial, ainda, ao desenvolvimento da democracia representativa, mediante
a qual os cidadãos exercem seu direito de receber, procurar e divulgar informações. Dos treze
princípios declarados, os dois primeiros tratam, em termos gerais, da liberdade de expressão:

1. A liberdade de expressão, em todas as suas formas e manifestações, é um


direito fundamental e inalienável, inerente a todas as pessoas. É, ademais, um
requisito indispensável para a própria existência de uma sociedade democrática.

2. Toda pessoa tem o direito de buscar, receber e divulgar informação e


opiniões livremente, nos termos estipulados no Artigo 13 da Convenção Americana
sobre Direitos Humanos. Todas as pessoas devem contar com igualdade de
oportunidades para receber, buscar e divulgar informação por qualquer meio de
comunicação, sem discriminação por nenhum motivo, inclusive os de raça, cor,
religião, sexo, idioma, opiniões políticas ou de qualquer outra índole, origem
nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição
social241.

Na atualidade, a Internet apresenta-se como um dos meios que mais


promovem a liberdade de expressão. Enquanto os meios de comunicação massivos (imprensa,
rádio e televisão) possuem um controle central exercido no interesse de seus proprietários
(i.e., a programação e as informações veiculadas passam por crivo regulatório prévio, seja por
imposição estatal ou conveniência, já que alguns decorrem de concessões estatais), a Internet
possibilita o acesso por qualquer pessoa, sem necessidade de autorização governamental.
Possível, assim, tenha seu próprio sítio na Rede, onde poderá postar conteúdo como notícias,
pesquisas científicas, opiniões, salvo nos regimes governamentais de viés autoritário, em que

                                                                                                               
241
CIDH. Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão. Aprovado pela Comissão Interamericana de
Direitos Humanos em seu 108º. período ordinário de Sessões, celebrado de 16 a 27 de outubro de 2000.
Disponível em <http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/s.Convencao.Libertade.de.Expressao.htm>, acesso
em 04 de novembro de 2012.

101  
se encontram limitações de conteúdo, tanto para os que buscam acesso à informação, quanto
para os que procuram colocar conteúdo na Rede242.

A Internet possibilita a quem tem acesso, expressar-se e produzir conteúdo


de maneira até então inimaginável, utilizando recursos multimídia, divulgando vídeos,
músicas, textos escritos. O internauta (a pessoa humana que utiliza a Rede), assume, quase
simultaneamente, o papel do emissor e receptor no processo comunicacional.

Os diversos formatos da esfera pública na Rede - chats, fóruns, redes


sociais, enciclopédias colaborativas, blogs - proporcionam a qualquer pessoa um espaço para
falar, para questionar, para produzir conteúdo informativo, sem que haja necessidade de
recorrer a instituições de comunicação. Exemplificando, Clara Luz Alvarez relata o caso da
Indonésia: durante o regime Suharto, o governo proibiu a publicação de três revistas de
grande influência. Para burlar a censura governamental e exercer o direito de liberdade de
expressão, alguns empregados destas revistas decidiram difundir informação através de um
site, e desta forma a população também pôde ter acesso diretamente em linha243.

Observa-se, então, que a liberdade de expressão na Internet fomenta a


diversidade sociocultural e torna possível ser ouvida a voz das minorias, porquanto, nela
todos os homens encontram um canal para se fazer conhecer; para confrontar posturas
diferentes, de modo que a Rede se torna uma plataforma para a participação democrática244.

                                                                                                               
242
Cfr. ALVAREZ, Clara Luz. Internet y derechos humanos. p. 78. Sobre restrições ao acesso à Internet vid.
neta Dissertação pp. 128 e ss.
243
Vid. Ibidem, p. 80.
244
Cfr. RODRÍGUEZ. José Julio Fernández. Lo público y lo privado en internet: intimidad y libertad de
expresión en la red. p. 202.

102  
3. 3. 3. A Internet e sua Relação com o Direito ao Desenvolvimento.

A possibilidade de integração pessoa/Internet é indispensável ao


desenvolvimento humano. Afinal, se a Internet representa hoje um imenso espaço de
convivência, onde importantes aspectos econômicos, sociais, culturais e políticos se
desenvolvem, é preciso garantir a todos pleno acesso a este entorno digital.

Cabe destacar que o direito ao desenvolvimento humano, proclamado pela


ONU em 1986, é a expressão valorativa do processo de apropriação de Direitos Humanos
que, libertando o homem das relações de opressão, permite exista de um modo pleno,
explorando todas as suas potencialidades.

A problemática do desenvolvimento sempre esteve atrelada às noções de


progresso e crescimento, trabalhada e difundida pelo pensamento econômico, ramo das
ciências sociais que apresentou os primeiros estudos sobre o tema.

De acordo com Celso Furtado, o termo desenvolvimento tem sido utilizado


na era contemporânea, sob dois sentidos: i) como evolução de um sistema social de produção,
à medida que este, mediante a acumulação e o progresso das técnicas, torna-se mais eficaz
(elevando a produtividade da força de trabalho); ii) como elevação do grau de satisfação das
necessidades humanas. Interessante notar que, segundo o autor, ambos os sentidos comportam
ambiguidades: o primeiro trata do perene descompasso entre aumento da produtividade e do
lucro e a proteção dos direitos sociais; já no segundo, a ambiguidade está no termo
necessidade – que comporta dupla perspectiva: objetiva (do essencial para a vida) e subjetiva
(o que julgo ser necessário para mim)245. A visão econômica da questão do desenvolvimento
mostra-se parcial.

Em 1948, a problemática do desenvolvimento passou a ter uma nova leitura,


a partir da Carta da Organização dos Estados Americanos. Neste documento, os Estados
Americanos organizados formularam um novel conceito – o desenvolvimento integral.

De acordo com o Capítulo VII, da Carta da OEA, o desenvolvimento


integral não comporta apenas o aspecto econômico, focado no progresso da técnica que
                                                                                                               
245
Vid. FURTADO, Celso. Introdução ao desenvolvimento: enfoque histórico estrutural. 3ª. ed. revista pelo
autor. Paz e Terra: Rio de Janeiro. 2000, pp. 21 e ss.

103  
aumenta a produtividade e, por via de consequência, satisfaria as necessidades humanas, mas
também, o aspecto social, educacional, cultural, científico e tecnológico246.

Formulado sob uma perspectiva política, este novo conceito de


desenvolvimento trazido pela OEA previa em sua primeira versão que os Estados-Membros,
inspirados nos princípios da solidariedade e cooperação, estariam comprometidos em unir
esforços para lograr o desenvolvimento integral.

No exame do texto do art. 29247, do primeiro texto da Carta, Wagner Balera


constata que “a semente lançada pelas lições de Maritain encontra seu primeiro fruto
institucional nesse conceito sobranceiro”, já que, para além dos arranjos econômicos, o
desenvolvimento apresenta-se indissociável da ideia de justiça social, de modo que todos os
aspectos da vida, da existência humana, devem ser considerados248. O que em 1948 constitui
um artigo, com a alteração do texto da Carta ao longo dos anos tornou-se um capítulo
composto por vinte e três artigos.

Com esta visão ampliada, o desenvolvimento, relacionado com o progresso


e a paz, foi alçado à posição de direito humano. Carla A. Rister observa que mesmo diante de
uma aparente vagueza e generalidade, este é um direito a ser concretizado, não mirando o
passado, mas visando o futuro, como uma ferramenta para a construção de uma realidade
social que está por vir249.

Atento à relação entre desenvolvimento e paz, o Papa Paulo VI, na Encíclica


Populorum Progressio, em 1967, conclui que o desenvolvimento é o novo nome da paz, pois
“a paz não se reduz à ausência de guerra, fruto do equilíbrio precário entre as forças.

                                                                                                               
246
Artigo 30: “Os Estados membros, inspirados nos princípios de solidariedade e cooperação interamericanas,
comprometem-se a unir seus esforços no sentido de que impere a justiça social internacional em suas relações e
de que seus povos alcancem um desenvolvimento integral, condições indispensáveis para a paz e a segurança. O
desenvolvimento integral abrange os campos econômico, social, educacional, cultural, científico e tecnológico,
nos quais devem ser atingidas as metas que cada país definir para alcançá-lo”. OEA. Carta da Organização dos
Estados Americanos, 1948.
247
Artigo 29: “Os Estados-Membros, inspirados nos princípios de solidariedade e cooperação interamericanos,
comprometem-se a unir seus esforços no sentido de que impere a justiça social internacional em suas relações e
de que seus povos alcancem um desenvolvimento integral, condições indispensáveis para a paz e a segurança. O
desenvolvimento integral abrange os campos econômico, social, educacional, cultural, e científico e tecnológico,
nos quais devem ser atingidas as metas que cada país definir para alcançá-lo”.
248
Vid. BALERA, Wagner. Direito ao desenvolvimento. Disponível em <
http://cjlp.org/direito_ao_desenvolvimento.html>, acesso em 31 de julho de2013.
249
Vid. RISTER, Carla A. Direito ao Desenvolvimento: interesses, significados e consequências. Rio de Janeiro:
Renovar, 2007, p. 8.

104  
Constrói-se dia a dia, na busca de uma ordem querida por Deus, que traz consigo uma justiça
mais perfeita entre os homens250”.

Impende ressaltar que a Encíclica Populorum Progressio se apresentou


como marco fronteiriço da Doutrina Social da Igreja, ao deixar de lado a visão de que o ponto
problemático da questão social não era mais as categorias sociais de produção (o capital e o
trabalho) e assumiu que a questão social é de escala mundial e de responsabilidade geral251.

Amartya Sen vê o desenvolvimento como um processo de superação de


problemas novos e antigos relacionados a privações, destituições e opressões da liberdade,
que acabam por limitar a pessoa, ou melhor dizendo, incapacitam o homem de efetuar
escolhas, de enxergar as oportunidades, de ser um sujeito ativo no processo de
desenvolvimento pessoal e social252.

Seguindo o pensamento do autor, este processo de desenvolvimento é na


verdade um processo de expansão das liberdades. Neste aspecto, a liberdade é o fim
primordial e o meio fundamental para alcançar o desenvolvimento. A liberdade (em especial a
substantiva), possui um papel constitutivo no enriquecimento da vida humana (v.g., as
liberdades associadas ao saber ler, realizar cálculos aritméticos, exercer a participação política
e a liberdade de expressão), mas ao mesmo tempo tem um papel instrumental, quando se
refere ao modo de como diferentes tipos de direitos e oportunidades contribuem para a
expansão da liberdade humana integral, e assim, para o desenvolvimento253.

                                                                                                               
250
PAPA PAULO VI. Encíclica Populorum Progressio. 1967. Disponível em
<http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-
veritate_po.html>, acesso em 21 de julho de 2013. Parágrafo 76 in fine.
251
“(…) Não é lícito aumentar a riqueza dos ricos e o poder dos fortes, confirmando a miséria dos pobres e
tornando maior a escravidão dos oprimidos. São necessários programas para "encorajar, estimular, coordenar,
suprir e integrar" a ação dos indivíduos e dos organismos intermediários. Pertence aos poderes públicos escolher
e, mesmo impor, os objetivos a atingir, os fins a alcançar e os meios para os conseguir e é a eles que compete
estimular todas as forças conjugadas nesta ação comum. Tenham porém cuidado de associar a esta obra as
iniciativas privadas e os organismos intermediários. Assim, evitarão o perigo de uma coletivização integral ou de
uma planificação arbitrária que, privando os homens da liberdade, poriam de parte o exercício dos direitos
fundamentais da pessoa humana”. In PAPA PAULO VI. Encíclica Populorum Progressio. 1967. Disponível
em <http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-
in-veritate_po.html>, acesso em 21 de julho de 2013. Outras Encíclicas que também se dedicam à questão do
desenvolvimento, v.g.: Solicitudo Rei Socialis, escrita em 1987 pelo Sumo Pontífice João Paulo II, e Caritas in
Veritate, de autoria do Papa João Paulo II.
252
Vid. SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das letras, 2010. pp. 8 – 10
253
Cfr. Ibidem, pp. 55 – 57.

105  
O desenvolvimento integral relaciona-se com as condições mais gerais da
existência humana, que Hannah Arendt nomeou de vita activa.

De acordo com a filósofa alemã, a vita ativa designa três atividades


humanas fundamentais: o labor, o trabalho e a ação.

(...) O labor é a atividade que corresponde ao processo biológico do corpo humano,


cujos crescimento espontâneo, metabolismo e eventual declínio têm a ver com as
necessidades vitais produzidas e introduzidas pelo labor no processo da vida. A
condição humana do labor é a própria vida.

O trabalho é atividade correspondente ao artificialismo da existência humana,


existência esta que não necessariamente contida no eterno ciclo vital da espécie, e
cuja mortalidade não é compensada por este ultimo. O trabalho produz um mundo
<<artificial>> de coisas, nitidamente diferente de qualquer ambiente natural. Dentro
de suas fronteiras habita cada vida individual, embora esse mundo se destine a
sobreviver e a transcender todas as vidas individuais. A condição humana do
trabalho é a mundanidade.

A ação, única atividade que se exerce diretamente entre os homens sem a mediação
das coisas ou da matéria, corresponde à condição humana da pluralidade, ao fado de
que homens, e não Homem, vivem na Terra e habitam o mundo. Todos os aspectos
da condição humana têm alguma relação com a política; mas esta pluralidade é
especificamente a condição – não apenas a conditio sine qua non, mas a conditio per
quam – de toda vida política.254

A Internet, enquanto produto da inteligência humana, é um instrumento que


impacta profundamente o processo de desenvolvimento humano em toda sua integralidade.
As tecnologias da informação e comunicação possibilitam: i) acelerar as mudanças em prol do
desenvolvimento, em razão da velocidade em que se dá a troca informações; ii) criar redes
humanas em âmbito estatal, regional e mundial; iii) aprimorar o intercâmbio de informações
que acaba por refletir no campo das pesquisas e acesso ao conhecimento; iv) reduzir os custos
da distribuição de material informativo; v) a interatividade que não encontra limites em
fronteiras culturais, sociais e territoriais; vi) a transparência nas informações da administração
pública quanto a processos licitatórios, destinação e utilização de verbas para políticas
públicas, por exemplo; vii) o fortalecimento da democracia255.

A Internet tornou-se ambiente propício à aprendizagem e capacitação, o que


espelha um processo de empoderamento, de autonomia pessoal. O homem por intermédio da

                                                                                                               
254
ARENDT, Hannah. A condição humana. p. 15.
255
Cfr. ALVAREZ, Clara Luz. Internet y derechos humanos. pp. 88 - 89.

106  
rede tem a liberdade de comunicar-se com o mundo, de se informar, confrontar informações e
se expressar.

A educação é talvez o mais importante fator de inclusão social e não pode


ficar alheia ao novo contexto social, econômico e tecnológico caracterizado pela informação
digitalizada. O Estado que não adequar suas políticas educacionais a esta nova realidade causa
um grande desserviço ao desenvolvimento, vez que estará promovendo a exclusão social.

Esta nova tecnologia apresenta pelo menos duas funções básicas a serviço
da educação: servir de meio para o ensino (acesso à educação) – como no caso do ensino à
distância por vídeo conferência ou por lições on-line256 – e outra como construtor de novas
habilidades, tanto no uso, como no aproveitamento das tecnologias da Rede para a vida
profissional futura do estudante257.

O Brasil criou, em 2007, o Programa Nacional de Tecnologia Educacional -


ProInfo, executado no âmbito do Ministério da Educação, que deve promover o uso
pedagógico das tecnologias de informação e comunicação nas redes públicas de educação
básica. O programa brasileiro tem por objetivo: i) promover o uso pedagógico das tecnologias
de informação e comunicação nas escolas de educação básica das redes públicas de ensino
urbanas e rurais; ii) fomentar a melhoria do processo de ensino e aprendizagem com o uso das
tecnologias de informação e comunicação; iii) promover a capacitação dos agentes
educacionais envolvidos nas ações do Programa; iv) contribuir com a inclusão digital por
meio da ampliação do acesso a computadores, da conexão à rede mundial de computadores e
de outras tecnologias digitais, beneficiando a comunidade escolar e a população próxima às
escolas; v) contribuir para a preparação dos jovens e adultos para o mercado de trabalho por
meio do uso das tecnologias de informação e comunicação; vi) fomentar a produção nacional
de conteúdos digitais educacionais258. A fim de alcançar estes objetivos, Estados e Municípios
deverão viabilizar e incentivar a capacitação de professores e outros agentes educacionais
para a utilização pedagógica das tecnologias da informação e comunicação.

                                                                                                               
256
No entanto, há cuidar para que as dinâmicas de ensino que usem estas novas tecnologias sejam aplicadas
adequadamente, sob pena de maior divisão social no que toca ao conhecimento e instrução.
257
Cfr. ALVAREZ, Clara Luz. Internet y derechos humanos. p. 90.
258
BRASIL. Programa Nacional de Tecnologia Educacional – ProInfo, Decreto nº. 6.300, de 12 de dezembro de
2007.

107  
De rigor destacar, ainda, que as tecnologias da informação e comunicação
permitem, desde que haja infraestrutura, as comunidades marginalizadas ou grupos
desfavorecidos divulguem conteúdo e disseminem sua cultura no mundo. Neste contexto, a
Internet também abre oportunidade para as pessoas pertencentes a grupos ou comunidades,
que se encontram fora de seu lugar de origem, manter contato com suas tradições.

A Rede mundial de computadores tem grande repercussão no


desenvolvimento da economia. De acordo com o documento redigido na Cúpula Mundial da
Sociedade da Informação, em 2005, a adoção das tecnologias informativas pelas empresas
desempenha papel fundamental no crescimento econômico, pois gera maior produtividade, e
consequentemente, reflete na maior oferta de emprego e renda259.

Como destaca Caio M. Silva Pereira Neto, a expansão do acesso à Internet


beneficia a economia em três níveis que se inter-relacionam; i) aumenta a complementaridade
com as inversões em outros setores; ii) reduz custos de transações econômicas como um todo;
iii) indiretamente melhora o capital humano e a produtividade. Para o ilustrado jurista, as
novas tecnologias da informação e comunicação servem de caminho para a troca de
informações, facilitando a distribuição de conhecimento na sociedade, que consequentemente

                                                                                                               
259
“12. Insistimos en que la adopción de las TIC por las empresas desempeña un papel fundamental en el
crecimiento económico. El mayor crecimiento y productividad que generan inversiones bien realizadas en las
TIC puede conducir a un aumento del comercio y a empleos más numerosos y mejores. Por este motivo, las
políticas de desarrollo empresarial y las relativas al mercado del trabajo desempeñan un papel fundamental en la
adopción de las TIC. Invitamos a los gobiernos y al sector privado a mejorar la capacidad de las pequeñas,
medianas y microempresas (PMYME), ya que ofrecen el mayor número de puestos de trabajo en la mayoría de
las economías. En colaboración con todas las partes interesadas, crearemos un marco político, jurídico y
reglamentario que propicie la actividad empresarial, en particular para las pequeñas, medianas y microempresas.
(...) 15. (...) subrayamos que las TIC son un instrumento eficaz para promover la paz, la seguridad y la
estabilidad, así como para propiciar la democracia, la cohesión social, la buena gobernanza y el estado de
derecho, en los planos regional, nacional e internacional. Se pueden utilizar las TIC para promover el
crecimiento económico y el desarrollo de las empresas. El desarrollo de infraestructuras, la creación de
capacidades humanas, la seguridad de la información y la seguridad de la red son decisivos para alcanzar esos
objetivos. Además, reconocemos la necesidad de afrontar eficazmente las dificultades y amenazas que
representa la utilización de las TIC para fines que no corresponden a los objetivos de mantener la estabilidad y
seguridad internacionales y podrían afectar negativamente a la integridad de la infraestructura dentro de los
Estados, en detrimento de su seguridad. Es necesario evitar que se abuse de las tecnologías y de los recursos de
la información para fines delictivos y terroristas, respetando siempre los derechos humanos.” In CÚPULA
MUNDIAL SOBRE A SOCIEDADE DA INFORMAÇAO. Compromisso de Tunes. Documento WSIS-
05/TUNIS/DOC/7-S de 28 de junho de 2006. Disponível em <http://www.itu.int/wsis/docs2/tunis/off/7-
es.html>, acesso em 24 de setembro de 2013.

108  
repercute na economia não por aspectos ligados à facilidade de inversão em capital ou nos
diminuídos custos de transação, mas por contribuir para melhorar as habilidades humanas260.

A Internet tem influenciado o mercado de trabalho; cada vez mais as novas


tecnologias informativas têm feito parte do ambiente laboral, seja pelos novos postos de
trabalho gerados em razão da Internet (como elaboradores de sites, programadores,
provedores de serviços), como também pelo uso das tecnologias da informação e
comunicação nas profissões tradicionais, a exemplo de jornalistas, professores e até de
profissionais ligados à área da justiça de modo geral, em razão da implementação do processo
digital.

No que atine à economia, também há que lembrar dos benefícios para a


organização e para os negócios trazidos pela Internet. Hoje, no contexto brasileiro, os
processos de compra e venda e a documentação (nota fiscal) realizam-se por via eletrônica.

As empresas encontram na Internet um novo espaço para o exercício de suas


atividades; a exemplo dos sites de grandes redes de supermercados e de lojas em geral, ou de
pequenas empresas como sebos, todos podem ter na rede um ponto para exercitar atividades
comerciais, atender clientes de seu país e abrir-se para o comércio internacional.

A necessária relação entre acesso à Internet e desenvolvimento aparece bem


evidente nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio propostos pela Organização das
Nações Unidas, em 2000, e reafirmados anos depois como um conjunto de metas de Direitos
Humanos a serem perseguidas pelos Estados. Basta notar a expressa menção que se faz na
meta 8. F, à necessidade de facilitar o acesso aos benefícios proporcionados pelas novas
tecnologias, em especial, às tecnologias da informação e das comunicações.

A questão do acesso à Internet continua a ser um dos pontos importantes


para o desenvolvimento pós 2015. Para construir nova agenda em prol do desenvolvimento de
um mundo melhor, verdadeiramente representativa dos anseios das pessoas de todas as partes
do mundo e de todos os grupos sociais, as Nações Unidas realizaram a pesquisa mundial
intitulada “meu mundo” (my World). Dentre os dezesseis itens representativos das possíveis
                                                                                                               
260
Vid. PEREIRA NETO, Caio M. Silva. Development theory and foundations of universal Access policies. In.
A Jounal of law and Police for the information society. Vol.2.2., 2006, p. 369 – 373. Disponível em
<http://moritzlaw.osu.edu/students/groups/is/files/2012/02/8-Neto.pdf>, acesso em 01 de maio de 2014.

109  
prioridades colocadas para que as pessoas escolham as seis que fariam maior diferença em
suas vidas, o décimo traz o acesso à Internet e ao telefone261.

Como consta na Resolução 66/288, aprovada pela Assembleia Geral das


Nações Unidas, em 27 de julho de 2012, denominada O Futuro que Queremos – que
recepciona o documento final da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento
Sustentável, realizada no Brasil nos dias 20 a 22 de julho do mesmo ano - as oportunidades
para que as pessoas influenciem sua vida e seu futuro, que participem da tomada de decisões e
expressem suas inquietudes, são fundamentais para o desenvolvimento sustentável262, 263. O
documento ainda frisa que o desenvolvimento sustentável exige medidas concretas e urgentes
que só serão alcançadas por meio da construção de ampla aliança entre as pessoas, os
governos, a sociedade civil e o setor privado264.

A Internet coloca-se como o meio mais eficaz para se lograr um acordo


quanto às medidas concretas a serem tomadas, das quais o melhor exemplo é a própria
pesquisa promovida pelas Nações Unidas – realizada pela Internet.

                                                                                                               
261
Vid. ONU. My World. Pesquisa global das Nações Unidas por um mundo melhor. Disponível em
<http://www.myworld2015.org/?lang=pr>, acesso em 30 de maio de 2014.
262
De acordo com o relatório produzido em 1987 pela Comissão Brundtland, documento conhecido como
“Nosso Futuro Comum”, desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que encontra as necessidades atuais
sem comprometer a habilidade das futuras gerações de atender suas próprias necessidades. O mesmo documento
afirma que o desenvolvimento sustentável requer que as sociedades atendam às necessidades humanas, tanto
pelo aumento do potencial produtivo, como pela garantia de oportunidades iguais para todos. Assim, a essência
do desenvolvimento sustentável é um processo de mudança, no qual a exploração dos recursos, o direcionamento
dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão em harmonia e
reforçam o atual e futuro potencial para satisfazer as aspirações e necessidades humanas. ONU. General
Assembly, 96ª. plenary meeting. Report of the World Commission on Environment and Development.
Doc.A/RES/42/187.
263
Há que destacar, a partir da Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável, realizada em Joanesburgo
(2010) e na RIO +20 (2012), os pilares que fundamentam do desenvolvimento sustentável são: o
desenvolvimento econômico, o desenvolvimento social e a proteção ambiental. No entanto, da leitura do
documento “O futuro que queremos”, verifica-se que o aspecto social ficou relegado a segundo plano, e a
economia e o mercado assumem a função de mola motriz do desenvolvimento, o que demonstra um retrocesso.
O secretário-geral das Nações Unidas, Ban KI-moon em reunião especial da Assembleia Geral, frisou que a
implementação de uma nova agenda para o desenvolvimento deve ser baseada nos direitos humanos e no Estado
de Direitos, pois todos têm direito a ter direitos; esta é a base sólida para equilibrar as necessidades dos homens e
do planeta, ao mesmo tempo em que se erradicam a miséria e as desigualdades socioeconômicas (v. noticia
veiculada no site ONUBR, no dia 09/06/2014 - < http://www.onu.org.br/todos-tem-direito-a-todos-os-direitos-
diz-chefe-da-onu-em-evento-de-alto-nivel-na-assembleia-geral/>).Há que aguardar o desenrolar dos fatos para
verificar quais são realmente os pilares que suportarão os novos objetivos a partir de 2015.
264
Vid. ONU. Asamblea General. 66º. periodo de sesiones. El futuro que queremos. Doc. A/RES/66/288. p. 3.

110  
O acesso à Internet tornou-se um direito básico, de que também depende o
desenvolvimento humano e, em última instância, a realização de Direitos Humanos e
liberdades fundamentais.

Não se trata de constatação inédita, mas da conclusão apresentada pelo


Relatório Especial para a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e
expressão, elaborado há pouco mais de dois anos, que bem demonstra a natureza jurídica do
direito de acesso à Internet. Neste texto, evidencia-se a preocupação do Conselho de Direitos
Humanos da Organização das Nações Unidas com as consequências da chamada brecha
digital:

(...) preocupa (...) que, ao não ter acesso à Internet, que facilita o desenvolvimento
econômico e o gozo de diversos direitos humanos, os grupos marginalizados e os
Estados em desenvolvimento sigam sobrecarregados por sua situação de
desvantagem, que perpetua a desigualdade entre Estados e dentro de um mesmo
Estado.265

3. 3. 4. Brecha Digital – Fator Prejudicial ao Desenvolvimento.

Como já afirmado, nas últimas décadas o surgimento da Internet e o


aperfeiçoamento das chamadas tecnologias informativas ampliou consideravelmente os fluxos
de informação e modificou por completo os processos comunicativos então existentes.
Rapidamente, a Internet converteu-se em um meio de comunicação dinâmico, capaz de
disseminar uma quantidade de informações sem precedentes na história contemporânea.
Como afirma Fábio Konder Comparato, “os homens nunca se viram, tal como hoje,
aproximados uns dos outros pelos instrumentos de informação e comunicação”266. Esta
aproximação trazida pela internet vai ao encontro do valor chave para o desenvolvimento – a

                                                                                                               
265
ONU. Asamblea General. Consejo de Derechos Humanos. 17o. período de sesiones. Informe del Relator
Especial sobre la promoción y protección del derecho a la libertad de opinión y de expresión, Frank La Rue.
Doc. A/HRC/17/27 (16/05/2011), p. 18.
266
Vid. COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. p. 541.

111  
solidariedade – ao remeter a ideia de interdependência, de comunhão de interesses, de
partição nos ideais e benefícios de outros267.

O desenvolvimento da Internet agregou inúmeras facilidades às atividades


cotidianas, a exemplo das comunicações pessoais via e-mail, mensagens instantâneas, vídeo
conferências; dos meios de entretenimento, como filmes, jogos, livros; da obtenção de
informações em órgãos públicos; do cumprimento de obrigações tributárias, e da realização
de negócios jurídicos, dentre outras.

O problema da brecha digital268 surge por existir inúmeras pessoas com


acesso limitado, ou que não têm acesso à Rede, enquanto outras trafegam no ciberespaço sem
nenhum entrave269. Configurando assim uma nova forma de observar a desigualdade entre os
desenvolvidos e os subdesenvolvidos (ou em desenvolvimento) e ainda uma nova espécie de
exclusão social separando mais uma vez, ricos de pobres, os que podem e os que não podem
desfrutar desta prodigiosa criação do engenho humano envolvendo as tecnologias de
informação e comunicação270.

Os fatores que resultam na exclusão ou limitação ao acesso à Internet são de


ordem técnica, econômica e social271.

Os fatores de ordem técnica são relativos a uma infraestrutura inadequada,


ou à sua falta. Incluem a indisponibilidade energética, de máquinas (computadores e
aparelhos celulares e tablets), a falta de instalações de telecomunicação e de distribuição.

Outra causa que concorre para a configuração da brecha digital é de ordem


econômico-financeira, referente à insuficiência de recursos financeiros para aquisição de bens
e serviços necessários ao acesso.

Também contribuem os fatores de ordem social-educacional referentes a


duas dimensões do problema, ao analfabetismo (impossibilidade de ler, compreender e
                                                                                                               
267
Cfr. CHAMPLIN, Russel Norman; BENTES, João Marques. Enciclopédia de bíblia, teologia e filosofia. v.6,
p. 333.
268
É corrente o uso das expressões exclusão digital, fissura digital, fosso digital, porém todas advêm da
expressão inglesa digital divide.
269
Cfr. ALVARÉZ, Clara Luz. Internet y derechos fundamentales. p. 57.
270
Cfr. Ibidem, p. 57.
271
Cfr. Ibidem, p. 61.

112  
expressar-se por meio da escrita), como também ao analfabetismo tecnológico, a falta de
instrução necessária para o uso das novas tecnologia de informação e comunicação.

A brecha digital pode ainda ser classificada em ao menos cinco tipos272.

O primeiro ressalta a diferença existente entre os países desenvolvidos e os


em desenvolvimento, no que toca ao uso da Internet e à assinatura de serviços de banda larga.

O segundo aponta para a diferença existente dentro dos próprios países,


entre a população da zona urbana e da zona rural. Este fator é notadamente de ordem técnica,
decorre da falta de infraestrutura essencial (energia elétrica, telefonia, banda larga),
geralmente não levada a determinadas regiões, em razão dos altos custos. Entretanto, esta
dificuldade ou impossibilidade de acesso encontrada nas áreas rurais, também é recorrente em
determinados pontos marginais das cidades.

O terceiro tipo de exclusão digital remete à diferença entre os gêneros e as


gerações. Este tipo de exclusão funda-se em fatores de ordem social e educacional. Em
proporções mundiais, a taxa de analfabetismo e falta de instrução é maior entre mulheres do
que entre homens, o que acaba por se refletir no uso das novas tecnologias. O mesmo ocorre
com as pessoas nascidas antes da década de 1990, que são a maioria dos analfabetos digitais.

Um quarto tipo de exclusão é gerado pelas incapacidades físicas, a


exemplos dos cegos, dos portadores de deficiências motoras. A falta de softwares e
hardwares que atendam as demandas das pessoas portadoras de necessidades especiais
impedem que ingressem neste novo ambiente social global.

Por fim, o quinto tipo de brecha digital refere-se ao impedimento ou


limitação de acesso aos conteúdos disponíveis na Rede. Este ponto trata das limitações de
acesso a conteúdos imposta pelos Estados, como é o caso da China e de alguns países do
Oriente Médio, que controlam as informações, impedindo os cidadãos de ter acesso a todo
conteúdo disponível no ciberespaço.

                                                                                                               
272
Cfr. ALVARÉZ, Clara Luz. Internet y derechos fundamentales, pp. 70 – 74.

113  
Como leciona François Perroux, “(...) o desenvolvimento pressupõe a
expansão da actividade dos homens em relação aos homens pela troca de bens ou serviços e
pela troca de informação e de símbolos”273. Deste modo, a brecha digital torna-se um fator
prejudicial e até mesmo impeditivo do desenvolvimento, tanto pessoal (v.g., a dificuldade de
acesso à informação, a novos meios de educação e aprendizagem, a novas oportunidades de
trabalho), quanto social (v.g., dificultando a participação popular no controle da gestão
pública, no desenvolvimento da economia, na prestação de obrigações tributárias).

                                                                                                               
273
Vid. PERROUX, François. Ensaio sobre a filosofia do novo desenvolvimento. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian 1987. p. 33.

114  
CAPÍTULO 4 – RECONHECIMENTO DO ACESSO À INTERNET COMO UM
DIREITO ESSENCIAL DO HOMEM.

O reconhecimento do direito humano de acesso à Internet passa por


considerar a Rede mais que um meio de comunicação, ou transmissão de dados, uma
verdadeira sociedade informativa (ou sociedade da informação/comunicação). Em face desta
compreensão do que é a Internet, vê-se que o acesso vai além da mera conexão, integra em si
três dimensões que permitem verdadeiramente o homem tomar parte nesta nova sociedade: o
acesso à infraestrutura que permite a conexão, o acesso ao conteúdo e a capacitação para o
acesso. Assim, em determinadas circunstâncias e formas, considera-se violação ao direito de
acesso, restrição parcial ou total que impeça os homens de ter acesso ao conteúdo da rede

Neste estudo sobre o direito de acesso à Internet impede analisar a disciplina


do tema no Direito Comparado, diante da notícia de que países como Estônia, Costa Rica,
Peru e Finlândia reconheceram o acesso à Rede como um direito fundamental.

De relevo, neste passo, a análise da recente Lei nº. 12.965, de 23 de abril de


2014 (Marco Civil da Internet), do Brasil, que expressamente alude ao direito de todos ao
acesso à Rede, sem olvidar o debate legislativo desencadeado por duas Propostas de Emenda
à Constituição Federal que, especificamente, pretendem incluir o acesso à Internet no rol dos
direitos fundamentais.

115  
4. 1. INTERNET COMO UM NOVO ESPAÇO DE VIVÊNCIA.

Como visto, a Internet notabilizou-se nas últimas décadas por reestruturar os


meios de comunicação existentes, mas esta é apenas uma face do intenso desenvolvimento e
evolução da Rede Mundial nos últimos anos. Já não parece possível definir a Internet apenas
como simples meio de comunicação, por onde transitam dados de uma parte a outra. Da
mesma forma, não é possível defini-la como um simples conjunto de dados armazenados e
agrupados segundo diferentes finalidades. Há que se considerar a Rede como um novo
domínio público, no sentido aristotélico274 da expressão, que se refere ao lugar da palavra e da
ação, onde o homem pode revelar seu valor em face dos outros homens e assim buscar
aprimoramento; um espaço de convivência, onde o ser humano desenvolve suas mais
rotineiras atividades. E o momento de mundialização que se vivencia hoje, clama por um
novo domínio público igualmente mundial, aberto a toda participação e à expressão dos
cidadãos do mundo275, um espaço que permita ao homem ser pessoa no mundo.

A Internet desponta na atualidade como ambiente de comunicação pessoal e


de relação social. As máquinas e tecnologias envolvidas são apenas coadjuvantes nas ações
empreendidas no entorno digital, pois a natureza transitiva do homem sempre pressupõe
dirigir sua palavra ou ação ao outro, de modo a formar através da comunicação, uma nova
sociedade mundial, habitante de estrutura espacial virtual que não enfrenta as limitações de
espaço e tempo a impedir, muitas vezes, os homens de se interconectarem.

Neste sentido, defende Patrícia Peck que a Internet é, na atualidade, uma


rede mundial de Indivíduos. “(...) Indivíduos com letra maiúscula, porque estão inseridos em
conceito mais amplo, que abrange uma individualização não só de pessoas físicas, senão

                                                                                                               
274
Em analogia a visão de Aristóteles, na obra Política, em relação as cidades e aos cidadãos - os participantes
do governo, portadores do poder da palavra e da ação. ARISTÓTELES. Política. p.115.
275
Cfr. QUÉAU, Philippe. Cibercultura e info-ética. In. MORIN, Edgar. A Religação dos saberes, os desafios do
século XXI. trad. Flávia Nascimento, 10ª ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. p. 470.

116  
também de empresas, instituições e governos”276. Vê-se na rede a formação de uma
verdadeira sociedade composta por homens e instituições.

Esta complexa sociedade informativa que ora se forma pode ser definida
como:

(...) a sociedade na qual informação e tecnologias de comunicação tornaram-se


integralmente parte da vida diária. Tornou-se uma segunda natureza para milhões
de pessoas ao redor do mundo para utilizar as máquinas de atendimento automático
dos bancos, escutar rádio, portar um telefone celular, surfar na Internet ou consultar
sua caixa de e-mails, para citar alguns exemplos277.

Não se pode descurar, com a lógica da interconexão (embutida na


infraestrutura de conexão), caracterizada pela agilidade em se ligar e desligar pessoas e
lugares, a Internet tornou-se um espaço dúbio onde as pessoas podem ser facilmente incluídas
e excluídas, tendo em conta o valor atribuído aos interesses socialmente dominantes278.
Entretanto, esta lógica não é uma criação autêntica de nossa era infolítica, apenas atribui
novas roupagens à lógica de relações sociais do mundo físico, com a agravante de excluir
mais facilmente um grande número de pessoas, tanto por não fornecer infraestrutura, como
por censurar conteúdo disponível na Rede, ou ainda por não capacitar as pessoas para o uso
da tecnologia. Observa-se, assim, que a geografia (as questões infraestruturais necessárias) da
Internet, em certa medida reproduz a geografia das cidades que são segregadoras. Porém, a
essência da Internet anda na contramão da separação ou distância social; desde sua criação, o
intuito era aproximar as pessoas por meio do intercâmbio de informações, da troca de
experiência, e é este ideal que está implícito no direito de acesso, no direito de integrar uma
sociedade virtual onde todos possam participar de sua criação.

Há que reconhecer que o princípio ordenador deste novo locus social é a


igualdade, que se traduz em igualdade de acesso, em poder adentrar no ciberespaço e
igualmente usufruir de seus benefícios, e participar de seu aprimoramento. Não se trata de um

                                                                                                               
276
Vid. PECK, Patrícia. Direito Digital. São Paulo: Saraiva, 2002. pp. 1 – 2. Segundo autora, a Internet elimina
definitivamente o conceito de corporação unidimensional, impessoal e massificada. Isso significa uma profunda
mudança na forma como o Direito deve encarar as relações entre os Indivíduos.
277
“(…) society in which information and communication technologies (ICTs) have become an integral part of
daily life. It has become second nature to millions of people around the world to use ATM banking machines,
listen to a radio, carry a mobile phone, surf the Internet or consult their e-mail inbox, to cite but a few
examples.” In ERDELEN, Walter. From the printing press to the World Wide Web. in UNESCO. Science in The
Information Society. Paris: UNESCO, 2003, p. 10.
278
Cfr. CASTELLS, Manuel. A galáxia internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. p. 196.

117  
desafio meramente técnico, mas antes, um desafio político prol da construção de estruturas
mais igualitárias.

Ao admitir a Rede como um novo lugar do homem no mundo, com um


ciberespaço, impõe aceitar que todos têm o direito de poder habitar este novo espaço, por sua
vontade, e participar da vida comunitária ali estabelecida.

4. 2. O DIREITO DE ACESSO À INTERNET

Reputa-se inconteste a necessidade de impor disciplina normativa à Internet


e às próprias atividades desenvolvidas na Rede. É certo que a estrutura organizacional da
Internet encontra-se amplamente regrada e que a atribuição de domínios, o respeito à
propriedade imaterial, e tantas outras questões já foram tratadas pelos legisladores em
diferentes países. É necessário, no entanto, reconhecer que a Rede há tempos deixou de ser
um simples meio de comunicação onde se concentram diferentes processos informacionais,
para transformar-se em espaço de convivência, em um novo locus para o homem.

Falar em direito de acesso à Internet, portanto, equivale a afirmar não


apenas o direito de se conectar, mas o direito de tomar parte neste novo espaço de
convivência criado pelo aprimoramento da Rede.

No entanto, necessário afirmar de maneira ainda mais categórica, a


participação do ser humano nesta dimensão informativa, neste espaço aberto à difusão do
conhecimento e à realização de atividades comunitárias. Talvez, por esta razão, há quem
considere a Rede um autêntico “meio ambiente digital”279.

                                                                                                               
279
Neste sentido, Celso Antonio Pacheco Fiorillo compreende que as redes sociais se consideram verdadeiras
cidades. Surge um novo conceito de território e espaço urbano, associado ao denominado meio ambiente digital,
cujo fundamento se encontra nos artigos 220 a 224, da Constituição Federal, combinados com os artigos 182 e
183, orientados pelo artigos 1º. e 3º., todos da Carta de 1988. Pelo raciocínio desenvolvido pelo autor, a Internet

118  
Entenda-se a Internet como um “meio ambiente” em sentido amplo, ou
como apenas um espaço onde se desenvolvem atividades rotineiras da vida humana, fato é
que as intensas inovações proporcionadas pelo seu desenvolvimento e ampliação têm
produzido efeitos diretos sobre os Direitos Humanos. Mais intensamente, sobre os Direitos da
Liberdade, como por exemplo, os direitos à informação, acesso aos bens culturais, à livre
expressão, que por si só justificam o reconhecimento do acesso à Internet como um direito280.

Entretanto, o direito de acesso à Rede não se confunde com o direito de


manifestar opiniões e se expressar na rede. Trata-se de direito mais abrangente, que abarca
não apenas a liberdade de manifestar opiniões e se expressar na Rede, mas também a
liberdade de associar-se, reunir-se pela Internet, enfim, o direito de adentrar à Rede e poder
usufruir, sem ingerências externas, das experiências proporcionadas no entorno digital.

O direito de acesso à Internet apresentado neste trabalho também não se


resume à prerrogativa de assegurar a todos mera conexão à Rede, mas o acesso e o respeito a
algumas condições basilares. Não representa mero direito de ingresso, mas direito de tomar
parte nos acontecimentos que se desenvolvem na Rede. Este posicionamento tem sido
reconhecido pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, que desde 2011
reconhece expressamente duas dimensões do direito ao acesso à Internet: o acesso ao
conteúdo e o acesso à infraestrutura física e técnica necessária para ingressar na Internet.

(...) O acesso à Internet apresenta duas dimensões: o acesso ao conteúdo em linha


sem restrições, exceção feita a alguns poucos casos previstos no direito internacional
dos direitos humanos; e a disponibilidade das necessárias infraestruturas e

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
estaria incluída mais especificamente dentro do denominado meio ambiente cultural, já que no século XXI
passamos por um novo processo civilizatório adaptado à sociedade da informação, uma nova forma de se viver
em razão da cultura de convergência, em que os meios de comunicação (telefonia fixa e móvel, rádio, TV,
cinema, etc.), em especial a Internet, moldam uma nova vida, revelando uma nova faceta do meio ambiente
cultural. In FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Fundamentos constitucionais do meio @mbiente digit@l na
sociedade da informação. Disponível em <
http://cjlp.org/materia_fundamentos_constitucionais_meio_ambiente_digital.html>, acesso em 07 de julho de
2013.
280
Assim é a posição de Frank La Rue no Informe Especial sobre a promoção do direito ã liberdade de opinião e
expressão, apresentado à Assembleia das Nações Unidas em 16 de maio de 2011. A Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, em Relatório Especial sobre a Liberdade de Expressão e Internet, aprovado em de 31 de
dezembro de 2013, apresenta o acesso à Internet com um dos princípios essenciais à liberdade de expressão na
Internet . In CIDH. Relatoria Especial para la libertad de expression. Libertad de expressión e internet.
CIDH/RELE/INF.11/13 (31/12/2013), pp. 7- 8; 16 – 25.

119  
tecnologias da informação e as comunicações, como cabos, modens, computadores e
281
programas informáticos, para acessar inicialmente a Internet.

Neste estudo, além dos fatores reconhecidos pelas Nações Unidas, urge
destacar outro elemento que também deve ser considerado parte integrante do chamado
direito de acesso. Trata-se, especificamente, do acesso à capacitação para utilizar a Internet282.
Desta forma, neste trabalho, três são as dimensões que conformam o direito de acesso à
Internet: acesso à infraestrutura; acesso ao conteúdo, e acesso à capacitação.

Importante notar que o direito de acesso implica a adoção de posições tanto


positivas, quanto negativas, muito próximas do que Robert Alexy trata como direito
fundamental completo. Segundo o jurista alemão, que tomou por exemplo o direito
fundamental ao meio ambiente, o direito fundamental completo é composto por um feixe de
posições de espécies distintas, ora incorpora um direito a que o Estado se abstenha de
determinadas intervenções, ora um direito a que o Estado proteja seu titular contra
intervenções de terceiros, lesivas ao acesso, ora um direito a que o Estado tome medidas
fáticas em beneficio do acesso283.

4. 2. 1. Acesso à Infraestrutura.

Tradicionalmente, a expressão “acesso à Internet” é utilizada para referir-se


ao acesso físico aos componentes infraestruturais, ou até à conexão. Certo é que para aceder
ao ciberespaço, tecnicamente, requer-se a disponibilidade de redes de telecomunicações, de
bandas284 e de equipamentos de hardware (cabos, computadores, modens, e outros
equipamentos similares), softwares (programas informáticos).

                                                                                                               
281
ONU. Asamblea General. Consejo de Derechos Humanos. 17o. período de sesiones. Informe del Relator
Especial sobre la promoción y protección del derecho a la libertad de opinión y de expresión, Frank La Rue.
Doc. A/HRC/17/27 (16/05/2011), p. 4.
282
Neste sentido é a Declaração de Genebra de 2003, vid. parágrafos 29 a 34. Documento disponível em
<http://www.itu.int/dms_pub/itu-s/md/03/wsis/doc/S03-WSIS-DOC-0004!!PDF-S.pdf>, acesso em 10 de maio
de 2014.
283
De acordo com Alexy, insere-se neste rol um direito a que o Estado inclua o titular o titula do direito
fundamental nos procedimentos relevantes (direito a procedimentos). Cfr. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos
fundamentais. pp. 442 – 443.
284
O termo banda, em comunicação digital alude à quantidade de informação que pode ser transferida de uma
ligação à Internet.

120  
Neste sentido, o posicionamento da Declaração de Princípios sobre a
Sociedade da Informação, firmada em Genebra, no ano de 2003. No documento
representativo da primeira Fase da Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, a
conectividade aparece como um fator habilitador indispensável na criação da Sociedade
fundada na comunicação e informação. Assim, o acesso universal, ubíquo, equitativo, e a
infraestrutura e serviços de conexão a preços acessíveis, são desafio e meta a ser perseguida
por todos os envolvidos na criação desta nova sociedade. Também integra, neste aspecto, o
acesso à energia elétrica.

Cumpre recordar que a Internet é uma rede composta pela multiplicidade de


redes que se utilizam da malha de telecomunicação (sejam de telefonia fixa ou móvel, ou de
televisão por cabo ou via satélite, ou radiofrequência). É certo que a qualidade do serviço de
telecomunicações é importante, que a disponibilidade de banda larga285 beneficia
qualitativamente o acesso à Rede, permitindo um melhor aproveitamento da Internet, e
consequentemente, aparece como fator para o aumento da produtividade, para a inovação,
para o crescimento econômico, como bem reconheceu a União Internacional de
Telecomunicações; entretanto, não pode ser a razão principal de tal direito.

A conexão, aqui entendida como acesso físico, tem se convertido em um


fator de infraestrutura pública geral, sendo necessária a adoção de políticas que facilitem a
aquisição de equipamentos (computadores ou similares e softwares) e de serviço de conexão à
rede, o que implica na estipulação de preços razoáveis, dadas as circunstâncias econômicas
do país e de determinadas regiões.

O Brasil desenvolveu um conjunto de políticas públicas visando conectar o


cidadão à Rede (políticas de inclusão digital), no que atine ao acesso à tecnologia; dentre as
principais iniciativas destacam-se: o projeto cidadão conectado – computador para todos
(Decreto nº. 5.542/2005) -, mediante a aquisição, em condições facilitadas, de computadores,
programas de computador (softwares) e de suporte e assistência técnica, necessários ao
                                                                                                               
285
A banda larga ou broadbnd refere-se a soluções de conexão que permitem a transferência rápida de grandes
quantidades de dados de um computador para a rede e vice-versa. SPYER, Juliano. Conectado: o que a internet
fez com você e o que você pode fazer com ela. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007, p. 243. A velocidade da
transmissão se mede por bits por segundo; desta forma, o conceito de banda larga é variável, pois com o
aprimoramento da tecnologia esta velocidade aumenta. Há que ter em conta, entre os países a velocidade da
banda larga é distinta, de tal forma que para considerar de banda larga uma conexão, leva-se em consideração os
serviços aos quais é possível ter acesso, v.g., descarga rápida de arquivos de Internet, qualidade de áudio de um
CD, serviços de voz e vídeos. Cfr. ALVAREZ, Clara Luz. Internet y derechos fundamentales. p.28 .

121  
funcionamento das máquinas, observadas as definições, especificações e características
técnicas mínimas estabelecidas pelo Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia; o programa
GESAC, Governo Eletrônico - Serviço de Atendimento ao Cidadão, que oferece,
gratuitamente, conexão à Internet em banda larga - por via terrestre e satélite - a telecentros,
escolas, unidades de saúde, aldeias indígenas, postos de fronteira e quilombos; o projeto
Territórios Digitais, com o objetivo de oferecer gratuitamente o acesso à informática e
Internet para populações rurais, por meio da implantação de Casas (espaços públicos para uso
da Internet em área rural), criação de telecentros, software livre, centro de recondicionamento
de computadores, Programa Nacional de Banda Larga (PNB; Decreto nº. 7.115/2010); o
Programa Cidades Digitais - incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do
Governo Federal -, que visa, através de cabeamento de fibra ótica, interligar os órgãos
públicos locais, fornecer pontos de conexão livre e gratuita em espaços públicos, ampliar o
acesso do cidadão a serviços públicos e promover o desenvolvimento dos municípios286.

4. 2. 2. Acesso ao Conteúdo

Na conformidade da Declaração de Genebra, de 2003, a possibilidade de


que todos os homens possam acessar e contribuir com informações, ideias e conhecimento, é
elemento imprescindível para uma Sociedade da Informação inclusiva, vez que o
compartilhamento e o fortalecimento do conhecimento em âmbito mundial favorecem o
desenvolvimento, desde que eliminados obstáculos que impeçam o acesso equitativo à
informação287.

O acesso à Internet sem a disponibilidade de usufruir de todo conteúdo da


Rede, de modo que se limite o aproveitamento das informações, funcionalidades e serviços
disponíveis, de acordo com Clara Luz Alvarez é algo vazio288. Este entendimento da estudiosa
mexicana aborda só uma vertente da questão do acesso ao conteúdo, que está atrelada à
utilidade e à capacidade do internauta dele aproveitar, deixando de lado o aspecto de

                                                                                                               
286
Os conteúdos de programas e projetos desenvolvidos podem ser acessados a partir do site
http://www.governoeletronico.gov.br/acoes-e-projetos/inclusao-digital.
287
Vid. Declaração de Genebra de 2003, parágrafos 24 a 25. Documento disponível em
<http://www.itu.int/dms_pub/itu-s/md/03/wsis/doc/S03-WSIS-DOC-0004!!PDF-S.pdf>, acesso em 10 de maio
de 2014.
288
Vid. ALVAREZ, Clara Luz. Internet y derechos fundamentales. pp. 154-155.

122  
limitação enquanto restrição de conteúdo, que neste caso não é um mero vazio, mas
verdadeira afronta aos Direitos Humanos e fundamentais, por impedir o exercício da
liberdade de expressão, comunicação e informação, como será visto em tópico seguinte.289.

Tomando em análise a dimensão do conteúdo a ser disponibilizado na Rede,


verifica-se que deve refletir diversidade cultural e linguística – decorrente da natureza
mundial, globalizada, interativa da Internet –, de modo que o usuário beneficie-se deste novo
ambiente em igualdade de oportunidades de produção e fruição de conteúdo. Há que dar a
toda pessoa humana a oportunidade de habitar a Internet e de fazer uso de todas as
potencialidades que oferece.

Fato é que grande parte do conteúdo disponível na Internet pode não ser
plenamente inteligível pelo usuário, em razão do idioma. Contudo, esta barreira idiomática
não implica algo intransponível, já que neste mesmo locus digital a pessoa encontra meios de
auxiliadores para a compreensão do conteúdo, a exemplo de tradutores online e cursos
gratuitos para o aprendizado de novas línguas290.

De acordo com a União Internacional de Telecomunicações291, no que atine


ao conteúdo, na agência das Nações Unidas a intervenção governamental aparece como um
importante produtor de conteúdo de interesse local (seja pela produção de notícias,
entretenimento, apoio para implementação de programas informáticos, de auxílio a pequenos
empreendedores, criação de fórum de discussão de assuntos e políticas locais) que contribui
para o desenvolvimento de dada sociedade e da Internet. Cumpre ressaltar que esta
intervenção não pode limitar o acesso apenas aos conteúdos produzidos e permitidos segundo
os interesses governamentais.

A UNESCO recomenda que seus Estados-Membros e organizações


internacionais localizem e promovam o depósito de informações e conhecimentos de domínio
público, colocando-os à disposição de todos, por meio de ambientes de aprendizagem que

                                                                                                               
289
Sobre restrições ao acesso à Internet, vid. nesta Dissertação pp.128 – 137.
290
Um exemplo de iniciativa brasileira para a aprendizagem de novos idiomas é o MyEnglishOnline
(http://www.myenglishonline.com.br/). Também encontramos outros sítios de ensino de idiomas online e
gratuitos como: http://www.aprendendofrances.com/; http://www.bonjourdefrance.com.br/aprenda-frances-
online/, www.weblinguas.com.br, http://www.espanholgratis.net/licoes.htm.
291
Vid. UNIÃO INTERNACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES. Challenges to the network internet for
development. Genebra, UIT, 1999, nota 220, p. 39.

123  
levem a uma maior participação pública292. Neste sentido, podemos destacar a iniciativa
brasileira da criação do sítio http://www.dominiopublico.gov.br/, biblioteca digital voltada ao
compartilhamento de conhecimentos de modo equânime, que coloca à disposição de todos os
usuários da Rede Mundial de Computadores, ambiente virtual a permitir a coleta, a integração
e a preservação de informações, através do acesso a obras literárias, artísticas, textos
científicos, sons, imagens e vídeos, que são parte do patrimônio cultural brasileiro e universal
e que estejam em domínio público ou tenham a divulgação devidamente autorizada.

4. 2. 3. Acesso à Capacitação.

Dimensão essencial do acesso é a capacitação que envolve um processo


educacional amplo e complexo denominado pela UNESCO de alfabetização digital.
Efetivamente, toda pessoa humana deveria ter a possibilidade de adquirir as competências e
conhecimentos necessários para compreender o funcionamento deste espaço virtual chamado
Internet, a economia do conhecimento293, para participar ativamente e aproveitar de modo

                                                                                                               
292
Vid. UNESCO. Recomendación sobre la promoción y el uso del plurilingüismo y el acesso universal al
ciberespacio, aprobada en la 32ª Conferencia General el la UNESCO, París, 2003, punto 16.
293
Como explica David Guile, o conceito de economia do conhecimento foi cunhado por Drucker em 1969, e
referia-se à aplicação do conhecimento de qualquer campo ou fonte, novo ou velho, como estímulo ao
desenvolvimento econômico. Daniel Bell, a figura mais conhecida por chamar atenção para o impacto do
conhecimento nas economias das sociedades industriais avançadas, acreditava que alguma forma de
conhecimento sempre foi fundamental para o funcionamento de qualquer sociedade, no sentido de que o
conhecimento é um universal antropológico. Para Bell, o traço distintivo das sociedades industriais avançadas
era que o conhecimento teórico constituía o "princípio axial" do desenvolvimento, pois “a mudança de uma
economia de produção para uma economia de serviços significava que: ‘quando o conhecimento se torna
envolvido de alguma forma sistemática na transformação aplicada dos recursos, então pode-se dizer que o
conhecimento, não o trabalho, é a fonte de valor.”Aos Argumentos de Bell, Manuel Castells introduz uma nova
dimensão ao afirmar que “o emprego generalizado da TIC resultou na emergência de um novo paradigma
econômico - uma economia ‘informacional’, cujas características centrais são a crescente demanda e produção
de informação. A razão para essa demanda por informação é a dupla mudança que ocorreu no princípio do
desenvolvimento econômico nas sociedades industriais avançadas. A primeira é a mudança de um modo de
produção cujo objetivo principal era maximizar a produção para gerar mais-valia para um ‘modo informacional
de desenvolvimento’ preocupado com o desenvolvimento tecnológico e a geração de dados. A segunda é uma
consequência lógica da primeira: o acúmulo constante de riqueza, por meio da transformação contínua das
próprias tecnologias existentes e das TICs, significa que o sucesso na economia global depende da geração, do
processamento e da aplicação de informações para melhorar o desempenho empresarial.” In GUILE, David. O
que distingue a economia do conhecimento? Implicações para a educação. Artigo disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-15742008000300004&script=sci_arttext>, acesso em 27 de maio
de 2014.

124  
pleno seus benefícios294, incluída, como recomenda a UNESCO, uma sensibilização para os
princípios e valores éticos295.

É indiscutível que educação básica e alfabetização são condições prévias


para o acesso ao ciberespaço296, pois o uso da linguagem em todas a suas formas, em especial
a escrita, confere ao homem o poder de se comunicar. Porém a estas deve somar-se uma
educação para a vida na nova sociedade do mundo virtual.

Um dos maiores empecilhos para o acesso à Internet é a falta de


conhecimento e habilidades para o uso dos computadores e programas informáticos,.
Daí porque, de rigor estabelecer ações que visem suprir este déficit de conhecimento, voltadas
tanto para crianças, jovens, adultos, idosos, como para iniciativas dirigidas a populações
marginalizadas (v.g., indígenas e rurais).

Atenta à exclusão provocada pelo analfabetismo digital, a União Europeia


instou os Estados-Membros ao desenvolvimento de políticas direcionadas a promover a
integração das tecnologias de informação e comunicação na educação, treinando os setores
formais e não formais da educação de crianças e adultos com a finalidade de: i) capacitá-los a
usar de modo efetivo as tecnologias informáticas e de comunicação para criar, aceder,
armazenar, recuperar e compartilhar conteúdo para atingir as necessidades e interesses
pessoais e comunitários, e promover a alfabetização todas as pessoas a fim de que adquiram
as habilidades necessárias ao uso das tecnologias de informação e comunicação; ii) fomentar
o exercício dos direitos democráticos e das responsabilidades cívicas; iii) encorajar as pessoas
a fazer escolhas informadas quando utilizam a Internet, por meio da consulta a múltiplas
referências de conteúdos vindos de distintas fontes culturais e institucionais que estejam
situadas no ciberespaço. Incluída, aqui, a compreensão de como e porque o conteúdo é

                                                                                                               
294
Neste sentido, vid. a Declaração de Genebra de 2003. Parágrafo 29.
295
UNESCO. Recomendación sobre la promoción y el uso del plurilingüismo y el acesso universal al
ciberespacio, aprobada emn la 32ª Conferencia General el la UNESCO, París, 2003, punto 19. “Los Estados
Miembros y las organizaciones internacionales deberían promover y facilitar la ‘alfabetización electrónica’, lo
que incluye actividades encaminadas a divulgar las tecnologías de la información y la comunicación e infundir
seguridad y confianza en su aplicación y utilización. El desarrollo del ‘capital humano’ de la sociedad de la
información, y en especial una enseñanza abierta, integrada e intercultural combinada con la adquisición de las
aptitudes necesarias para manejar las tecnologías de la información y la comunicación reviste una importancia
capital. La formación en esa materia no debería circunscribirse a la adquisición de competencias técnicas sino
que debería dar también cabida a una sensibilización a principios y valores éticos.”
296
Neste sentido é a afirmação do 11º parágrafo do Preâmbulo da Recomendación sobre la promoción y el uso
del plurilingüismo y el acesso universal al ciberespacio, aprobada en la 32ª Conferencia General el la UNESCO,
París, 2003.

125  
produzido, analisando criticamente as técnicas, a linguagem e as escolhas utilizadas pelos
meios de comunicação, de modo que as pessoas sejam capazes de identificar conteúdos e
serviços midiáticos ofertados sem solicitação do usuário, ou que sejam ofensivos ou
prejudiciais297.

Observa-se que este aprendizado deve ser voltado à conscientização da


pessoa de que sua vida não se resume a suprir as necessidades utilitárias, das quais ninguém
pode escapar, antes, a vida está “na plenitude de si e na qualidade poética da existência,
porque viver exige, de cada um, lucidez e compreensão ao mesmo tempo, e mais amplamente
a mobilização de todas as aptidões humanas”298.

Somadas a estas iniciativas educativas de transmissão de conhecimentos,


necessário que se ensine desde cedo a pensar, a ter consciência da liberdade e da consequente
responsabilidade, ou como propõe Edgar Morin, que se transmita uma cultura que permita
compreender nossa condição e nos ajude a viver, e favoreça, ao mesmo tempo, um modo de
pensar aberto e livre299. Induvidoso que os objetivos deste ensino proposto pelo filosofo e
educador francês convergem com a implementação de uma educação em Direitos Humanos.

Como bem expõe Maria Victória Benevides, a educação em Direitos


Humanos resulta na formação de uma cultura de respeito à dignidade humana, cujo processo
educativo deve levar em conta algumas premissas:

Em primeiro lugar, o aprendizado deve estar ligado à vivência do valor da igualdade


em dignidade e direitos para todos e deve propiciar o desenvolvimento de
sentimentos e atitudes de cooperação e solidariedade. Ao mesmo tempo, a educação
para a tolerância se impõe como um valor ativo vinculado à solidariedade e não
apenas como tolerância passiva da mera aceitação do outro, com o qual pode-se não
estar solidário. Em seguida, o aprendizado deve levar ao desenvolvimento da
capacidade de se perceber as consequências pessoais e sociais de cada escolha. Ou
seja, deve levar ao senso de responsabilidade. Esse processo educativo deve, ainda,
visar à formação do cidadão participante, crítico, responsável e comprometido com a
mudança daquelas práticas e condições da sociedade que violam ou negam os
direitos humanos. Mais ainda, deve visar à formação de personalidades autônomas,
intelectual e afetivamente, sujeitos de deveres e de direitos, capazes de julgar,

                                                                                                               
297
UNIÃO EUROPÉIA. Recommendation CM/Rec(2007) 16 of the Committee of Ministers to member state on
measures to promote the public service value of the Intetnet. Adopted by the Committe of Ministers on 7
November 2007 at the 1010th meeting of the Ministers’ Deoytues. Disponível em
<https://wcd.coe.int/ViewDoc.jsp?id=1207291>, acesso em 27 de maio de 2014.
298
Vid. MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. trad. Eloá Jacobina,
20ª ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012, p. 54
299
Vid. Ibidem. p. 11.

126  
escolher, tomar decisões, serem responsáveis e prontos para exigir que não apenas
seus direitos, mas também os direitos dos outros sejam respeitados e cumpridos300.

A Internet, apesar se ser vista por alguns com ressalva, constitui ambiente
promissor para a disseminação desta cultura, vez que a própria estrutura do ambiente digital
convida todos a vivenciar igual oportunidade de livremente se expressar, de desenvolver
atitudes de cooperação (a exemplo dos fóruns de discussão), de reunir-se, formar uma nova
sociedade mais inclusiva, em que o bem comum seja sempre representado pela existência do
outro, pela inclusão do diferente como um igual.

As iniciativas brasileiras de capacitação para o acesso à Internet vão ao


encontro da orientação da UNESCO a fim de que os Estados promovam e facilitem a
alfabetização digital. Dentre as medidas educativas para inclusão digital destacam-se: o
Programa Banda Larga nas Escolas – que objetiva conectar todas as escolas públicas urbanas
à Internet, Rede Mundial de Computadores, por meio de tecnologias que propiciem qualidade,
velocidade e serviços para incrementar o ensino público no País; o Programa Computadores
para a Inclusão, que inclui centros de recondicionamento de computadores onde os jovens são
ensinados e treinados de modo a resolver problemas técnicos e recuperar computadores
encaminhados às escolas; ProInfo Integrado, programa de formação voltado ao uso didático-
pedagógico das tecnologias da informação e comunicação no cotidiano escolar, articulado à
distribuição de equipamentos tecnológicos nas escolas e à oferta de conteúdos e recursos
multimídia e digitais, e o Programa um Computador por Aluno (PROUCA), instituído pela
Lei nº. 12.249, de 14 de junho de 2010, que objetiva promover a inclusão digital pedagógica e
o desenvolvimento dos processos de ensino e aprendizagem de alunos e professores das
escolas públicas, por meio do uso de computadores portáteis (laptops educacionais) 301.

                                                                                                               
300
BENEVIDES, Maria Victória. Educação em direitos humanos: de que se trata?. Convenit Internacional
(USP), v. 6, p. 43 – 50, 2001.
301
O conteúdo dos programas brasileiros de alfabetização digital pode ser acessado a partir do site
http://www.governoeletronico.gov.br/acoes-e-projetos/inclusao-digital.

127  
4. 3. RESTRIÇÕES DE ACESSO À INTERNET - VIOLAÇÕES DE DIREITOS
HUMANOS

Diante dos argumentos até agora apresentados é possível reconhecer a


importância da Internet como meio habilitador do exercício de Direitos Humanos, e também
como um verdadeiro e essencial direito da pessoa humana na era infolítica.

Tal reconhecimento vem ganhando força no cenário jurídico-político


internacional, através da Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão e Internet,
firmada em 01 de julho de 2011, pelos representantes das Nações Unidas para a Liberdade de
Expressão e Opinião, da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa para a
Liberdade dos Meios de Comunicação, da Organização dos Estados Americanos para a
Liberdade de Expressão, e da Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos para a
Liberdade de Expressão e Acesso à Informação. No documento, o acesso à Internet é
conceituado como um direito humano, conclamando os Estados à promoção de um acesso
universal à Internet, a fim de garantir o gozo efetivo de outros direitos, como a liberdade de
expressão, a informação, a educação, o direito de reunião e associação, e também, a
participação pública, facilitando o acesso a bens e serviços302. E no contexto brasileiro,
consoante já se viu, foi dado passo importante com a recente sanção da Lei nº. 12.965, de 24
de abril de 2014303, previsto tal acesso como direito de todos.

No entanto, sabidamente, alguns governos têm restringido a veiculação e o


acesso de conteúdos na Internet, pautados por critérios pouco ou nada defensáveis, violando o
direito humano de se estar na Rede.

Em geral, as restrições ao acesso são assumidas pelos Estados,


prioritariamente, com caráter preventivo (de modo a evitar que conteúdos sejam amplamente

                                                                                                               
302
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Declaración Conjunta sobre libertad de Expresión e
Internet. Disponível em <http://www.oas.org/es/cidh/expresion/showarticle.asp?artID=849&lID=2>, acesso em
04 de fevereiro de 2014.
303
De acordo com a Lei nº. 12.965/2014, tendo em vista que o acesso à Rede é essencial para o exercício da
cidadania (art. 7º., caput), o legislador reconhece-o como um direito de todos, e portanto, cabe ao estado
promovê-lo (art. 4º., I).

128  
disseminados) e repressivo (para impedir que o uso da Internet contrarie os interesses dos
governantes)304.

4. 3. 1. Restrições de Acesso de Caráter Preventivo

Não são raras as violações de direitos humanos decorrentes de restrições ao


acesso implementadas preventivamente pelos Estados. Nestes casos, a pretexto de assegurar
respeito à ordem interna, agentes estatais passam a impedir o livre acesso à Internet. Estas
restrições têm por principal objetivo, limitar a livre difusão de informações para,
antecipadamente, evitar que governos autoritários sejam colocados em xeque pela população.

A supressão do acesso à Internet pode ser total ou parcial. No primeiro caso,


desconecta-se completamente a Rede, para que não se consiga utilizá-la. No outro caso, a
população dispõe apenas de acesso parcial aos conteúdos e serviços difundidos na Internet,
pois censores designados pelo Estado controlam o que se pode ou não fazer online.

Ambos os casos caracterizam grave violação de direitos e não se


compatibilizam com as principais normas de Direitos Humanos. Basta observar o disposto no
art. XIX, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que garante a todos o direito de
manifestar suas próprias opiniões e buscar informações, ou o consignado nas duas primeiras
alíneas do art. 19, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos:

(...) 1. Ninguém poderá ser molestado por suas opiniões. 2. Toda pessoa tem direito à
liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e
difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de
considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou
artística, ou qualquer outro meio de sua escolha.

Neste dispositivo vislumbra-se claramente a garantia das liberdades de


opinião e de expressão, intrinsecamente relacionadas ao direito de acesso à Internet tratado
nesta Dissertação. Entretanto, o disposto aqui não poderia ser analisado sem que fossem
consideradas as observações manifestadas pelo Comitê de Direitos Humanos das Nações

                                                                                                               
304
Esta classificação, que não encontra precedentes na doutrina, é aqui proposta para facilitar a compreensão dos
diferentes meios de restrição ao acesso à Internet, segundo suas finalidades.

129  
Unidas, no Comentário Geral nº. 34, que versa especificamente sobre o art. 19, do Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos305.

Além de reconhecer que as liberdades de opinião e de expressão


representam o alicerce sobre o qual se edifica qualquer sociedade livre e democrática, o
Comentário Geral versa sobre a indissociável relação entre elas. A liberdade de expressão é
descrita, assim, como fator que se presta a modificar e desenvolver opiniões.

Interessa a esta análise, o disposto nos itens 12 e 13, do Comentário


306
Geral . O item 12, muito além de elencar formas tradicionais de disseminar ideias e
informações, amplia o conceito de modos de expressão, para abarcar também conteúdos
audiovisuais, assim como formatos eletrônicos dependentes ou não da Internet. Já o item 13,
discorre especificamente sobre a garantia da liberdade de expressão nos meios de
comunicação, que não pode ser limitada por censura ou restrição.

Ainda que não fosse possível justificar a existência do direito humano DE


acesso à Internet, a simples restrição de caráter preventivo já representaria flagrante violação
do direito humano à liberdade de expressão. Entretanto, a restrição de cunho preventivo
parece atingir diversos outros bens jurídicos estreitamente vinculados ao uso da Internet, o
que autorizaria considerar o próprio acesso como um direito humano. Pois não se pode
esquecer que neste trabalho a Internet não se define como mero meio de comunicação ou
ferramenta de pesquisa, mas autêntico espaço jurídico, onde a vida humana tem lugar. Mais
que simples res, deve ser considerada um locus.

                                                                                                               
305
O Comentário Geral no. 34, do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, está disponível em
<http://acnudh.org/pt-br/2012/01/protesto-social-qual-e-a-responsabilidade-do-estado-de-acordo-com-os-
padroes-internacionais-de-direitos-humanos/> acesso em 02 de abril de 2014.
306
“(…) 12. Paragraph 2 protects all forms of expression and the means of their dissemination. Such forms
include spoken, written and sign language and such non-verbal expression as images and objects of art. Means of
expression include books, newspapers, pamphlets, posters, banners, dress and legal submissions. They include
all forms of audio-visual as well as electronic and internet-based modes of expression.
13. “(…) A free, uncensored and unhindered press or other media is essential in any society to ensure freedom of
opinion and expression and the enjoyment of other Covenant rights. It constitutes one of the cornerstones of a
democratic society. The Covenant embraces a right whereby the media may receive information on the basis of
which it can carry out its function.306 The free communication of information and ideas about public and political
issues between citizens, candidates and elected representatives is essential. This implies a free press and other
media able to comment on public issues without censorship or restraint and to inform public opinion. 306 The
public also has a corresponding right to receive media output.” in UNITED NATIONS. Human Rights
Committee. General Comment nº. 34, Article 19: Freedoms of Opinion and Expressions. Doc. CCR/C/GC/34,
(Sept. 12, 2011), par. 12.

130  
Inúmeras violações de Direitos Humanos têm sido causadas nos últimos
anos, em decorrência de desconexões intencionais ou censura. Obviamente, não seria possível
examinar individual e pormenorizadamente as inúmeras restrições de caráter preventivo que
continuam a ser reiteradamente aplicadas em alguns países. Contudo, indispensável analisar
como restrições de caráter preventivo foram – e em muitos casos continuam a ser – aplicadas
em alguns países.

Não seria viável, nem recomendável, discorrer aqui sobre os avançados


métodos de controle que têm sido sistematicamente empregados por alguns Estados para
limitar ou impedir o acesso à Internet. Necessário, apenas, mencionar fatos que demonstrem
como a implementação de bloqueios e filtragens continua a ameaçar os Direitos Humanos em
todo o mundo.

Curioso lembrar o ocorrido com as revoluções árabes (Primavera Árabe) e


no Egito, que como resposta ao desafio da autoridade do Estado, impuseram o que Manuel
Castells chamou de a grande desconexão307. Cortou-se o acesso à Internet e à rede de telefonia
celular em todo país. Desde os primeiros dias de protesto, o governo egípcio impôs censura à
mídia, e tomou medidas para o bloqueio de sites de mídia social, o principal meio utilizado
para convocar os manifestantes e difundir notícias sobre os acontecimentos.

Fato é que o bloqueio de conteúdos e o emprego massivo de expedientes de


vigilância, acaba por aniquilar o direito de acesso em Estados totalitários e antidemocráticos.

No entanto, necessário reconhecer que a desconexão também foi objeto de


legislação em países tradicionalmente democráticos, como a França e o Reino Unido. Nestes
Estados a desconexão foi empregada para conter as violações de propriedade imaterial
realizadas nos limites da Internet. Ainda que aparentemente defensáveis, estas medidas
lesionam diretamente o direito de acesso à Internet.

                                                                                                               
307
Vid. CASTELLS. Manuel. Redes de imaginação e de esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio
de Janeiro: Zahar, 2013, p. 53 – 57.

131  
4. 3. 2. Restrições de Acesso de Caráter Repressivo

Além do controle sistemático ou pontual de conteúdos, promovido por


inúmeros governos, amplamente conhecidos em todo o mundo, preocupam também as severas
punições aplicadas em diversos países com o intuito de impedir a liberdade dos internautas a
qualquer custo. Observe-se, por exemplo, o caso da mulher que foi condenada a uma pena de
seis meses de cárcere simplesmente porque suas críticas ao tratamento recebido em um
hospital, manifestadas a alguns amigos por e-mail, haviam sido postadas no Facebook308. Ou
ainda, do fundador de um website sobre política e sociedade, que foi condenado a seiscentas
chibatadas e sete anos de prisão em razão de suas opiniões manifestadas na Internet309.

Nestes casos as violações de direito não decorrem de restrições preventivas,


mas repressivas. O internauta consegue ingressar na Internet, porém passa a se submeter a
rígido controle a posteriori. Aparentemente, inexistem travas ao uso da Rede, mas qualquer
atuação que contrarie os interesses das autoridades estatais pode ensejar severas punições ao
internauta.

Frequentemente, as restrições de caráter repressivo têm lugar na legislação


penal, com a criminalização de condutas e a cominação de severas sanções à difusão de
conteúdo considerado inadequado pelas autoridades estatais.

Atenta a esta problemática, a Organização das Nações Unidas repudiou


veementemente o emprego de expedientes desta natureza, voltados ao cerceamento da
liberdade de opinião:

(...) Todas as formas de opinião são protegidas, incluindo opiniões de natureza


política, científica, histórica, moral ou religiosa. É incompatível com o parágrafo 1
criminalizar a manifestação de uma opinião. O acosso, intimidação ou segregação de
uma pessoa, incluindo prisão, detenção, juízo ou aprisionamento em razão de

                                                                                                               
308
BBC. Indonesia woman gets suspended term for Facebook libel. News Asia-Pacific. 11/07/2011. Disponível
em <http://www.bbc.co.uk/news/world-asia-pacific-14104471>, acesso em 07 de março de 2014.
309
AMNESTY INTERNATIONAL. Document. Disponível em
<http://www.amnesty.org/en/library/asset/MDE23/001/2014/en/a6a4d3ec-dfab-4b03-b78c-
c8e3d8828b8c/mde230012014en.html>, acesso em 05 de março de 2014.

132  
310
opiniões que venha a sustentar, constitui uma violação do artigo 19, parágrafo 1.
311

Cumpre frisar que o respeito à liberdade de opinião não deve dar margem à
impunidade. Sendo assim, imprescindível sejam apuradas eventuais violações de direitos
decorrentes do exercício de liberdades no entorno digital e condenados os responsáveis.

4. 3. 3. Restrições de Acesso à Internet – A Legitimidade em Questão

Sejam de caráter repressivo ou preventivo, cada uma dessas medidas é


radical e não encontra salvaguarda nas normas internacionais sobre Direitos Humanos. No
entanto, é preciso considerar que em alguns casos o conflito entre direitos pode acabar por
legitimar restrições à liberdade de acesso e difusão de informações na Internet. Trata-se de
hipóteses excepcionais, referendadas pelas normas internacionais que dispõem sobre Direitos
Humanos. Como exemplo, cabe mencionar a incitação ao genocídio ou ao ódio nacional,
racial ou religioso. Nestes casos a restrição não tem por móvel controlar atividades e opiniões,
mas compatibilizar o uso da Internet com Direitos Humanos anteriormente reconhecidos e
consagrados.

Outra hipótese a ser considerada diz respeito aos casos de difusão de


pornografia infantil, que não poderiam se compatibilizar com os sistemas de proteção dos
Direitos Humanos. Aliás, a esta matéria, além das restrições decorrentes das normativas
gerais sobre Direitos Humanos, impõe-se também o disposto no Protocolo Facultativo à
Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à venda de crianças, prostituição e
pornografia infantis, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 25 de maio de
2000 312.

Questão curiosa, todavia, é investigar a restrição descrita no art. 19, 3, do


Pacto de Direitos Civis e Políticos:

                                                                                                               
310
Todas as referências mencionadas neste parágrafo dizem respeito ao art. 19, do Pacto de Direitos Civis e
Políticos.
311
UNITED NATIONS. Human Rights Committee. General Comment nº. 34, Article 19: Freedoms of Opinion
and Expressions. Doc. CCR/C/GC/34, (Sept. 12, 2011), par. 9. Trad. nossa.
312
BRASIL. Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativos à venda de crianças,
prostituição e pornografia infantis. Decreto nº. 5.007 de 08 de março de 2004.

133  
(...) 3. O exercício do direito previsto no § 2o. do presente artigo implicará deveres e
responsabilidades especiais. Consequentemente, poderá estar sujeito a certas
restrições, que devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se façam
necessárias para: a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais
pessoas; b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral pública.

As medidas mencionadas neste dispositivo encontram-se claramente


vinculadas à necessidade e adequação formal. Equivale a afirmar que a limitação de direitos é
situação atípica, autorizada apenas em casos pontuais previstos em lei313.

As restrições mencionadas neste dispositivo aplicam-se, a priori, apenas à


liberdade de expressão. Ou seja, não alcançam a liberdade de opinião, nem o direito de acesso
à Internet. Considerando-se liberdade de expressão e acesso como dois direitos distintos, não
se poderia utilizar o disposto neste § 3º., para legitimar a censura ou a desconexão314,
frequentemente implementadas por mecanismos de bloqueio e filtragem.

Todavia, esta afirmação não implica na ausência de quaisquer limites ao


exercício do direito de acesso à Internet, que obviamente deve se compatibilizar com os
demais direitos humanos. Equivale a dizer que os limites ao direito de acesso à Internet
devem ser mais específicos e precisos. Não seria adequado utilizar hipóteses estabelecidas
exclusivamente para a garantia da liberdade de expressão a fim de restringir o direito de
acesso.

Duas razões justificam plenamente este posicionamento. A primeira, diz


respeito à completa inadequação de meios. Cada direito humano encontra limite apenas na
dignidade da pessoa humana e, consequentemente, nos outros Direitos Humanos que dela
decorrem. Não se justifica, nesta hipótese, o uso da analogia para aplicar idênticas restrições a
Direitos Humanos distintos315.

                                                                                                               
313
A palavra lei deve ser aqui interpretada em sentido estrito, como manifestação do Poder Legislativo .
314
“(…) Any restrictions on the operation of websites, blogs or any other internet-based, electronic or other such
information dissemination system, including systems to support such communication, such as internet service
providers or search engines, are only permissible to the extent that they are compatible with paragraph 3.” In
ONU. Human Rights Committee. General Comment n. 34, Article 19: Freedoms of Opinion and Expressions.
Doc. CCR/C/GC/34, (Sept. 12, 2011), par. 9. Esta assertiva deve ser interpretada com cautela, pois neste caso o
acesso à Internet não é apresentado como direito humano, mas como instrumento de promoção das liberdades de
opinião e expressão.
315
De fato, consiste a analogia em aplicar a um caso não previsto a norma que rege outro semelhante, porém na
hipótese em questão a restrição do acesso à Internet não importa em uma espécie de reparação civil por ilícito,
mas imposição de verdadeira penalidade, que importaria em violação de outros Direitos Humanos mais graves;
ademais, em conformidade à lei penal, é vedado o uso da analogia para estabelecer sanções.

134  
A outra razão diz respeito à problemática redação do parágrafo discutido,
que suscitaria transtornos até mesmo quando aplicado à liberdade de expressão. É sabido que
duas espécies de restrições são admitidas neste dispositivo, dentre as quais, as medidas
necessárias a assegurar o respeito aos direitos e à reputação das demais pessoas. Sobre o
respeito dos direitos, obviamente se refere o texto à necessidade de compatibilizar o exercício
da liberdade de expressão com outros direitos de igual categoria. Deve-se interpretar este
excerto como uma tentativa de manter em equilíbrio os Direitos Humanos, assim, não seria
admissível que a liberdade de expressão pudesse ser utilizada, por exemplo, para promover
interferências na vida privada de alguém316. Ainda que imprecisa, a primeira parte da
prescrição não oferece dificuldades de interpretação.

Problema maior suscita a segunda parte do texto, quando faz referência à


“reputação”. Aparentemente, pretendeu o legislador internacional evitar que a liberdade de
expressão fosse empregada para difamar317. Contudo, os esforços para impedir a difamação
têm se prestado, em alguns países, a legitimar violações de Direitos Humanos. É o que ocorre
com muitos jornalistas em todo o mundo, que têm sido levados à prisão por relatar fatos
supostamente lesivos à reputação alheia. Para evitar que a sanção penal imposta nestes casos
dê ensejo a violações de Direitos Humanos mais graves que a própria difamação, alguns
Estados, estimulados por organizações como a OSCE (Organization for Security and
Cooperation in Europe), têm optado por descriminalizar estas condutas.

Os debates sobre o tema ampliaram-se consideravelmente nos últimos anos,


quando a difamação deixou de ser considerada crime no Reino Unido. Atualmente, apenas
nove318 dentre os cinquenta e sete Estados que integram a OSCE aboliram o crime de
difamação, mas é possível que este número aumente gradativamente. Nestes casos, condutas
hoje tipificadas como difamação deixariam de ser assim consideradas e ensejariam apenas
reparações civis.

                                                                                                               
316
Observe-se o disposto no art. XII, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e no art. 17, 1, do Pacto
sobre Direitos Civis e Políticos, que impedem interferências na vida privada das pessoas.
317
Difamação consiste em imputar a alguém um fato ofensivo à sua reputação. Conceito extraído do tipo penal
previsto no art. 139, do Código Penal Brasileiro - Decreto-lei, nº 2.848, de 1940.
318
Bósnia-Herzegovina, Chipre, Estônia, Geórgia, Moldova, Romênia, Ucrânia, Reino Unido e Estados Unidos.
Nos últimos meses, circularam notícias sobre mudanças legislativas tendentes a descriminalizar a difamação na
Lituânia, mas até o mês de fevereiro de 2014, não haviam sido efetivadas.

135  
As mesmas críticas dirigidas ao crime de difamação cometido fora da
Internet aplicam-se àqueles que utilizam a Rede para ofender a reputação de outras pessoas.
Neste sentido, o entendimento adotado na Dissertação coincide com o manifestado por Frank
La Rue, em seu Informe sobre a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e de
expressão:

(...) O Relator Especial deseja repetir que a difamação deve ser despenalizada e que
a proteção da segurança nacional ou a luta contra o terrorismo não podem ser
mencionadas para justificar a restrição do direito à liberdade de expressão, a não ser
que o Governo possa demonstrar que: a) a expressão tem por objetivo instigar a
violência imediata; b) é provável que instigue este tipo de violência; c) existe uma
relação direta e imediata entre a expressão e a possibilidade de que se produza esse
tipo de violência319.

Interessante notar que o Relator Especial não se limita a afirmar que a


difamação deve ser despenalizada, também critica o recurso à proteção da segurança nacional
ou à luta contra o terrorismo, para justificar restrições ao direito à liberdade de expressão. Em
relação a este tema, também as ideias apresentadas neste estudo coincidem com o teor do
informe. Noções como ordem, segurança nacional e moral pública são demasiado elásticas e
não deveriam se aplicar indistintamente. Se a interpretação destes vocábulos para legitimar
restrições à liberdade de expressão já se presta a equívocos, maiores problemas seriam
gerados pela transposição deste preceito ao direito de acesso à Internet.

Contudo, as considerações aqui apresentadas não coincidem plenamente


com as mencionadas pelo Relator Especial, no que concerne ao objeto. Necessário lembrar
que o Informe relatado trata especificamente da “promoção e proteção do direito à liberdade
de opinião e de expressão” e incidentalmente do “direito de acesso à Internet, enquanto nesta
Dissertação se realiza exatamente o oposto. Isso implica em não poder recepcionar o elenco
de restrições formuladas no informe, pois se aplicam à liberdade de expressão e não ao direito
de acesso à Internet.

Não parece recomendável continuar a discutir as dificuldades de


interpretação relacionadas ao disposto no parágrafo 3º., do art. 19, do Pacto. Suficiente
reconhecer que o direito de acesso à Internet também deve se submeter a contingências
antecipadamente refletidas pelo legislador, a permitir a ponderação dos bens tutelados por
                                                                                                               
319
ONU. Asamblea General. Consejo de Derechos Humanos. 17o. período de sesiones. Informe del Relator
Especial sobre la promoción y protección del derecho a la libertad de opinión y de expresión, Frank La Rue.
Doc. A/HRC/17/27 (16/05/2011), p. 11.

136  
cada direito que se coloca em conflito em um caso concreto. E ainda, que as restrições
estipuladas em detrimento do direito à liberdade de expressão não são necessariamente
idênticas às que poderiam ser aplicadas ao direito de acesso à Internet.

Cabe destacar que o respeito à liberdade de opinião não deve dar margem à
impunidade. Sendo assim, imprescindível a apuração de eventuais violações de direitos
decorrentes do exercício de liberdades no entorno digital, punidos os responsáveis.

4. 4. O TRATAMENTO OFERTADO AO ACESSO À INTERNET NO DIREITO


COMPARADO.

Os esforços para promover o reconhecimento legal do direito de acesso à


Internet são ainda bastante incipientes. Algumas iniciativas, mencionadas em periódicos e
relatórios sobre Direitos Humanos, permitem identificar medidas concretas direcionadas a
promover e assegurar o direito humano de acesso à Internet. Entretanto, resulta difícil analisar
a extensão destas medidas, já são escassos os estudos acadêmicos sobre tais documentos.

Precedentes normativos e judiciais encontrados nos ordenamentos jurídicos


de países como Estônia, Costa Rica, Peru e Finlândia, têm sido frequentemente referidos para
atestar o reconhecimento do direito de acesso à Internet em diferentes partes do mundo. No
entanto, não se pode afirmar que o direito objeto desta dissertação tenha sido reconhecido em
todos esses Estados e, muito menos, de maneira equânime. É o que se pretende comprovar
nos tópicos abaixo, onde serão analisadas as hipóteses usualmente mencionadas em notícias e
referidas pela doutrina.

137  
Estônia

Observe-se, por exemplo, a notícia do reconhecimento do direito


fundamental de acesso à Internet pelo legislador estoniano, reiteradamente afirmada, há mais
de uma, década em diferentes veículos de informação. Trata-se de informação que
dificilmente poderá ser apreendida de maneira completa. Ao referir-se ao reconhecimento do
direito fundamental de acesso à Internet na Estônia, nem as notícias amplamente difundidas,
nem o Informe320 elaborado no âmbito do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas,
aduzem à norma onde figuraria textualmente esta disposição.

Embora plausível, o reconhecimento do direito fundamental de acesso à


Internet na Estônia não será afirmado neste trabalho, pois nem mesmo o exame da
Constituição da Estônia e dos principais textos legais que dispõem sobre acesso à informação,
telecomunicações e disciplina da sociedade da informação naquele país321, revelou qualquer
dado que autorizasse afiançar tal informação e compreender os limites que a conformam.

Costa Rica

A discussão sobre a natureza jurídica do acesso à Internet no ordenamento


jurídico costarriquenho teve origem na decisão Res. no. 2010-010627, prolatada pela Sala
Constitucional da Corte Suprema de Justiça, em 2010.

Trata-se de recurso interposto por Luz Mery Castillo Chavarria contra o


Instituto Costarriquenho de Eletricidade, entidade responsável pelo provimento de Internet
naquela localidade. O recurso tem por objeto a violação do direito à prestação do serviço de
Internet, ocasionado pela requerida, que se recusou a prover serviços de banda larga à
requerente, em razão de limitações técnicas.

                                                                                                               
320
Referimo-nos ao Informe do Relator Especial sobre a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião
e de expressão, Frank La Rue, p. 19. Observe-se que a nota de rodapé no. 52 não indica fonte capaz de
corroborar tal afirmação, apenas faz referência a um artigo publicado no Christian Science Monitor, jornal
internacional que desde 1908 funciona como serviço público da 1a. Igreja de Cristo, Científico.
321
C.f. ESTONIA. Constitution of Republic Estonia, 1992; ESTONIA. Information Society Services Act, 2004;
ESTONIA. Public Information Act, 2000; ESTONIA. Telecommunications Act, 2000; ESTONIA. Electronic
Communications Act, 2004. Unofficial translation.

138  
Conforme provado nos autos, a solicitação dos serviços de banda larga fora
efetuada em 26 de junho de 2009. Em novembro de 2009, a requerente apresentara uma
reclamação formal à Controladoria de Serviços do Instituto Costarriquenho de Eletricidade
(CAIC), pois embora passados mais de quatro meses, o serviço ainda não havia sido
habilitado. Em resposta, o CAIC comprometera-se a marcar uma data próxima para a
instalação. Todavia, dias depois, tornara a manifestar a impossibilidade de levar a cabo a
instalação, pois a casa da recorrente estaria fora da área alcançada pelos serviços de Internet.

Diante dos fatos, a Corte Suprema de Justiça considerou violado o direito


fundamental à prestação de serviços públicos em condições de eficiência, igualdade,
continuidade e adaptabilidade. Também, estimou afrontados os direitos fundamentais à
comunicação e informação.

Há mais de uma década, a prestação de serviços públicos na Costa Rica


submete-se aos princípios constitucionais da eficácia, eficiência, simplicidade e celeridade da
organização e função administrativas, dispostos na parte orgânica da Constituição Política322 e
na Lei Geral da Administração Pública323.

Como se depreende dos preceitos constitucionais e legais, o princípio da


eficácia representa a preocupação do legislador de assegurar que a organização e a função
administrativa sejam planejadas para garantir a consecução dos objetivos, fins e metas que
orientam a ordem jurídica costarriquenha. O princípio da eficiência corresponde à necessidade
de buscar os melhores resultados com a maior economia de recursos econômicos, humanos e
tecnológicos. O princípio da simplicidade, de forma complementar, exige que as estruturas

                                                                                                               
322
“São deveres e atribuições que correspondem conjuntamente ao Presidente e ao respectivo Ministro de
Governo: vigiar o bom funcionamento dos serviços e dependências administrativas”. (art. 140, 8). “São deveres
e atribuições exclusivas daquele que exerce a Presidência da República: “Apresentar à Assembleia Legislativa,
ao se iniciar o primeiro período anual de sessões, uma mensagem escrita relativa aos diversos assuntos da
Administração e o estado político da República e no qual deverá, ademais, propor as medidas que julgue de
importância para a boa marcha do Governo, e o progresso e bem estar da Nação” (art. 139, 4). “Um estatuto de
serviço civil regulará as relações entre o Estado e os servidores públicos, com o propósito de garantir a eficiência
da administração” (art. 191). In COSTA RICA. Constitución Política de la República de Costa Rica, 1949.
(Trad. nossa).
323
“A atividade dos entes públicos deverá estar sujeita em seu conjunto aos princípios fundamentais do serviço
público, para assegurar sua continuidade, sua eficiência, sua adaptação a toda mudança no regime legal ou na
necessidade social a que satisfazem e a igualdade no tratamento dos destinatários, usuários ou beneficiários” (art.
4o.). “O órgão deverá conduzir o procedimento com a intenção de lograr um máximo de celeridade e eficiência,
dentro do respeito ao ordenamento e aos direitos e interesses do administrado.” (art. 225, 1). “A atuação
administrativa se realizará com respeito às normas de economia, simplicidade, celeridade e eficiência.” (art. 269,
1). In COSTA RICA. Ley nº. 6.227. Ley General de la Administración Pública, 1978. (Trad. nossa).

139  
administrativas sejam organizadas de maneira objetiva e direta. Por fim, o princípio da
celeridade determina que a Administração Pública deve pautar-se pela rapidez e agilidade em
seus procedimentos.

Observe-se que as diferentes prescrições normativas indicadas na sentença


dizem respeito a princípios de Direito Administrativo. Tais disposições, em si consideradas,
não representam Direitos Humanos ou fundamentais, mas decorrência lógica destes direitos.
Necessário concluir, portanto, que o caráter inovador da decisão não reside especificamente
neste elenco de princípios, mas na afirmação de um direito fundamental ao bom
funcionamento dos direitos públicos e no reconhecimento da Internet como necessária à plena
realização dos direitos fundamentais à informação e à comunicação.

Ao garantir o direito fundamental dos administrados ao bom e eficiente


funcionamento dos serviços públicos324, reconheceram os julgadores que de forma implícita a
Constituição Política garante aos administrados o bom funcionamento dos serviços públicos,
dentre os quais se insere o acesso à Internet. Ou seja, não basta simplesmente prover acesso à
Internet, é necessário que o serviço oferecido seja de boa qualidade, prestado de maneira
eficiente, e alcance toda a população.

Os efeitos da decisão não se limitam a equiparar a Internet a outros serviços


públicos. Reconhece, também, a Excelsa Corte costarriquenha, que o acesso à Internet
representa meio de acesso e participação na produção de conhecimento e informação, direitos
fundamentais assegurados naquele Estado, em virtude da recepção pelo constituinte, dos
direitos consagrados no art. 19, da Declaração Universal de Direitos do Homem de 1948.
Mais que afiançar, de nova feita, a importância da manutenção de serviços públicos de
qualidade, o mérito dos julgadores consiste especificamente em estimar a importância da
Internet na atual Sociedade da Informação, necessária à consecução dos direitos fundamentais
à informação e à comunicação. Sob esta perspectiva, restringir o acesso à Rede, ainda que
justificado por limitações de ordem técnica, equivale a impedir o livre exercício de direitos
fundamentais.

                                                                                                               
324
Cfr. COSTA RICA. Corte Suprema de Justicia. Recurso de amparo. Res. no. 2010-010627. Sala
Constitucional, 2010, p. 4.

140  
Neste contexto, não é possível afirmar a previsão de um direito de acesso à
Internet nos moldes em que se pretende nesta Dissertação. Embora sejam inegáveis os efeitos
práticos e teóricos desencadeados pela decisão da Sala Constitucional, que se presta à garantia
dos Direitos Humanos, não é possível afirmar que o acesso à Internet tem sido reconhecido na
Costa Rica como direito humano ou fundamental. Apenas, que a Internet deve ser considerada
um serviço público imprescindível à realização dos Direitos Humanos à informação e à
comunicação, reconhecidos como fundamentais pelo constituinte.

Peru

Manchete veiculada pelo jornal El Comercio325, reproduzida em diversos


periódicos de todo o mundo, noticiou que o acesso à Internet havia sido declarado direito
fundamental pelo Congresso peruano.

Diante desta notícia, pareceria legítimo inferir que a aprovação de uma nova
legislação atribuiu novel status ao acesso à Internet no ordenamento jurídico daquele Estado.
Constatação que parece corroborada por diferentes manifestações de bloggers, jornalistas,
ativistas políticos e internautas de todas as partes do mundo, facilmente encontradas quando
buscadas notícias daquela época na Internet.

No entanto, é preciso tomar com cautela as notícias acerca do


reconhecimento de um direito fundamental de acesso à Internet, pois não há norma no
ordenamento jurídico peruano que permita sustentar tal posicionamento. Para compreender os
limites da assertiva, necessário analisar como o acesso à Internet tornou-se o tema de debates
legislativos e as consequências destas discussões.

Há alguns anos, o acesso à Internet ganhou espaço em diferentes projetos


legislativos apresentados ao Congresso peruano. O Projeto de Lei no. 4.255, de 25 de agosto
de 2.010, propõe declarar de necessidade pública e de interesse nacional preferencial, a
massificação dos serviços de banda larga. Pretende-se, com esta proposta, modificar o art. 2o.,

                                                                                                               
325
Vid. EL COMMERCIO PERÚ. Congreso declara como derecho fundamental el acceso a Internet. Perú.
29/04/2011. Disponível em < http://elcomercio.pe/peru/lima/congreso-declara-como-derecho-fundamental-
acceso-internet_1-noticia-749846>, acesso em 05 de janeiro de 2014.

141  
da Lei que outorga ao Fundo de Investimento em Telecomunicações (FITEL), a qualidade de
pessoa jurídica de direito público, adstrita ao setor de Transporte e Comunicações326.

O Projeto estriba-se no Informe de Diagnóstico e de Barreiras à


Massificação da Banda Larga, elaborado pela Comissão encarregada do “Plano Nacional para
o Desenvolvimento da Banda Larga no Peru”, que opinou pela realocação de recursos do
FITEL para custear a expansão da infraestrutura existente. Se aprovado, o projeto permitiria
que recursos angariados pelo Fundo de Investimento fossem destinados à melhoria das redes
de banda larga, para que o acesso à Internet alcançasse também as zonas rurais e interioranas.

O Projeto de Lei no. 4.392, de 21 de outubro de 2010, teve por meta instituir
a “Lei que declara a banda larga de necessidade pública e de interesse nacional”.
Aparentemente, a simples declaração não parece produzir muitos efeitos. Mas a leitura dos
três primeiros artigos do projeto demonstra o inverso. A contrario sensu, não se pretende
declarar a banda larga como algo necessário, digno de interesse nacional, mas a construção de
redes de transporte, acesso e infraestrutura destinadas a ampliar o acesso à Internet. Ou seja, o
objetivo do projeto é permitir que o Poder Executivo elabore normas complementares que
permitiriam destinar recursos para a construção e a manutenção de infraestruturas
relacionadas à banda larga, que seriam coordenadas pelo Ministério de Transportes e
Comunicações e pelos Governos Regionais.

Outra iniciativa, o Projeto de Lei no. 4.434, de 20 de outubro de 2.010,


propõe declarar direito fundamental o acesso à banda larga de todo cidadão peruano residente
no território nacional. Apesar de reconhecer, de maneira bastante limitada, pretenso direito
fundamental de acesso à Internet, a iniciativa pouco difere dos projetos já mencionados.
Torna-se evidente que o Projeto tem por objetivo legar ao Estado o custo da expansão dos
serviços de banda larga, sob a égide de disciplina regulamentar elaborada pelo Ministério de
Transportes e Comunicações, conforme disposto nos arts. 2o. e 4o..

Por fim, urge mencionar o Projeto de Lei no. 4.662, de 02 de fevereiro de


2011, que pretendeu dar origem à “Lei que promove a internet para todos”. Mais que
reconhecer direitos, o Projeto tem por escopo enunciar conjuntos de metas que deveriam ser

                                                                                                               
326
Cfr. PERU. Ley nº. 28.900. Ley que otorga al Fondo de Inversión en Telecomunicaciones FITEL la calidad
de persona jurídica de Derecho Público, adscrita al Sector Transportes y Comunicaciones, 2007.

142  
perseguidas pelo Estado no período compreendido entre os anos de 2012 e 2016. Ainda, torna
a formular modificações que permitiriam custear o complexo aperfeiçoamento das
infraestruturas de banda larga com recursos provenientes do FITEL.

A notável semelhança entre as quatro propostas acabou por justificar a


elaboração de um Texto Substitutivo da Comissão de Transporte e Comunicações, que
compila as principais disposições de cada Projeto de lei. Foi a aprovação deste Substitutivo
que ganhou espaço nos periódicos e que levou alguns a reconhecer, equivocadamente, o
direito fundamental ao acesso à internet no ordenamento jurídico peruano.

De imediato, seria possível descartar qualquer especulação sobre o presente


reconhecimento de um direito fundamental de acesso à Internet no Peru, simplesmente porque
o Texto Substitutivo ainda não foi convertido em lei. Ou seja, há três anos produziu-se a
aprovação do texto pelo Congresso, mas ainda hoje não foram esgotadas todas as etapas do
processo legislativo que poderá transformá-lo em norma ou encaminhá-lo novamente ao
Parlamento.

Este argumento é suficiente para refutar a existência de um direito


fundamental de acesso à Internet no ordenamento jurídico peruano. Entretanto, não é
descabido questionar o que aconteceria se o Projeto fosse aprovado e se convertesse em lei.
Aparentemente, ainda que se tratasse de uma lei, também não seria possível afirmar aqui um
Direito Humano ou um direito fundamental ao acesso.

Nos termos em que será apresentado neste trabalho, o direito de acesso à


Internet não se confunde com a oferta gratuita de banda larga327. Não se trata de um direito à
disponibilidade gratuita de banda larga, mas do direito de participar das atividades
desenvolvidas na Internet. Mais que simplesmente contar com antenas, cabos de fibra ótica e
backbones328 de última geração, é preciso garantir ao indivíduo a possibilidade de utilizar os
serviços públicos disponíveis na Internet, corresponder-se com outros internautas, celebrar
contratos ou até mesmo participar de atividades culturais. Enfim, o direito de acesso à Internet
não se resume à disponibilidade de banda larga, mas à possibilidade de contar com todos os
meios necessários ao desenvolvimento de atividades na Internet.
                                                                                                               
327
Sobre o direito de acesso à Internet nesta Dissertação vid. item 4.2 deste capítulo, p. 118 – 127.
328
Backbone, termo que alude à rede principal pela qual são transmitidos so dados, servindo de ponto de acesso
para conexão de outras redes. ERCíLIA, Maria; GRAEFF. Antonio. Internet. p. 110.

143  
Ao examinar o Texto Substitutivo e os Projetos de Lei inicialmente
apresentados, percebe-se de imediato que o acesso à Internet não ocupa posição de destaque
nestes documentos. O art. 1º., do Substitutivo, limita-se a declarar que o “acesso gratuito à
internet” é direito fundamental, mas não há qualquer preocupação de delimitar o conteúdo
deste direito. Pode-se afirmar com segurança que o direito de acesso à Internet tem papel
meramente figurativo no texto. O objeto prático e direto do Projeto de Lei evidencia-se na
parte final do art. 1º., onde se torna claro que o Substitutivo se destina prioritariamente a
promover grandes obras, de elevados custos, necessárias à implementação da banda larga em
todo o território nacional. Para tanto, reestrutura-se o FITEL a fim de que os recursos
econômicos possam ser angariados e realocados de forma ágil e rápida. Portanto, possível
afirmar que o objeto real do projeto é legitimar a construção de uma imensa infraestrutura de
acesso à Internet, que certamente exigirá a contratação de inúmeras empresas e profissionais
especializados para realizar os serviços.

Não merece prosperar a alegação de que o Substitutivo não gera ônus aos
cofres públicos. Ainda que não se esteja realocando recursos já incorporados à manutenção de
serviços básicos como saúde, educação ou segurança, a reestruturação do Fundo importa em
arrecadação de novos recursos que bem poderiam ser destinados a atender necessidades mais
prementes da população.

Não seria oportuno nesta Dissertação avaliar estratégias de combate à


pobreza e estímulo ao desenvolvimento no Peru. Mas, igualmente, não parece adequado
deixar de mencionar os riscos assumidos pelo Estado ao comprometer recursos que poderiam
ser destinados a outras áreas, em um gigantesco processo de construção de infraestrutura em
áreas de selva ou pouco habitadas.

Resta ainda considerar que este processo poderia se converter em atuação


ruinosa aos interesses coletivos, caso os processos de licitação e o regramento infralegal
exigível em atividades desta complexidade não se pautem pela estrita observância dos
princípios constitucionais e administrativos assentes em um Estado de Direito.

Cabe destacar que o respeito à liberdade de opinião não deve dar margem à
impunidade. Sendo assim, imprescindível sejam apuradas eventuais violações de direitos
decorrentes do exercício de liberdades no entorno digital, com a punição dos responsáveis.

144  
Finlândia

Não são recentes as notícias sobre o reconhecimento, na Finlândia, de um


direito fundamental à Internet na Finlândia. Nos anos de 2009 e 2010, periódicos de todo o
mundo – inclusive do Brasil329 – divulgaram com entusiasmo o que descreveram como
reconhecimento legal do direito à banda larga.

As manchetes têm fundamento. De fato, o acesso à Internet foi objeto de


completa regulamentação naqueles anos, mas a mera disciplina jurídica da matéria não
autoriza inferir que o legislador finlandês pretendeu resguardar um novo direito humano ou
fundamental.

Afirmar o contrário seria interpretar, de maneira demasiado extensa, certas


prescrições destinadas tão somente a garantir acesso mais rápido e estável à Rede. No entanto,
por descuido ou malícia, não foram poucos os que postularam a existência de um direito
fundamental à Internet no ordenamento jurídico finlandês.

Para compreender as razões que autorizam o liminar afastamento dos relatos


de um direito fundamental à Internet na Finlândia, necessário conhecer os fatos que deram
origem a tão equivocada interpretação. Em maio de 2008, o Ministério dos Transportes e
Comunicações da Finlândia encomendou ao secretário permanente Harri Pursiainen, um
estudo sobre os meios que permitiriam garantir e financiar a prestação de serviços de banda
larga em todo o país330. O estudo revelou interessantes conclusões que foram relatadas ao
Governo e deram origem ao plano nacional de ação para melhorar a infraestrutura da
sociedade da informação.

O trabalho parte da constatação de que os cidadãos dependem do acesso às


infraestruturas de telecomunicações, tanto para desenvolver suas atividades laborais, como
para desfrutar dos momentos de ócio. Assim, o acesso a estas infraestruturas não pode
permanecer completamente à mercê dos operadores de telecomunicações, que determinam os

                                                                                                               
329
Vid. ESTADO DE SÃO PAULO. Internacional. 1/07/2010. Disponível em <
http://blogs.estadao.com.br/link/direito-a-internet-na-finlandia/>, acesso em 22 de fevereiro de 2014.
330
Cfr. MINISTRY OF TRANSPORT AND COMMUNICATIONS FINLAND. Appointment of Rapporteur
(848/30/2008). 8 May 2008.

145  
custos dos serviços e as áreas onde serão disponibilizados, em razão dos interesses de
mercado.

É preciso reconhecer que o acesso a estes serviços não representa um luxo,


mas uma necessidade331. Não se justifica, portanto, a disparidade na qualidade dos serviços
existente entre uma região e outra. Ciente desta premissa, o secretário permanente sugere ao
Estado, às regiões e aos municípios finlandeses, que destinem recursos ao aperfeiçoamento
das redes públicas de telecomunicações e propõe metas de desenvolvimento das
infraestruturas que deverão ser perseguidas nos próximos anos.

O plano nacional apresenta-se de forma bastante peculiar, como uma


resolução governamental destinada a implementar medidas necessárias ao aperfeiçoamento da
infraestrutura de telecomunicações então existente.

Originalmente elaborado por profissionais do Ministério de Transporte e


Comunicações, o plano nacional divide-se em cinco partes: objetivo do plano de ação; metas
e medidas a serem observadas a curto prazo; metas e medidas a serem observadas a médio
prazo; obtenção e emprego de recursos econômicos; condições para a realização do plano de
ação.

O objetivo do plano de ação figura de maneira clara no item 1 do texto:

(...) O desenvolvimento da infraestrutura de comunicações é assegurado de modo a


dar aos cidadãos e empresários, independentemente do local de residência ou
localização, acesso aos serviços da sociedade da informação, conforme permitido
pelo fornecimento destes serviços e requerido pelas necessidades de cada usuário
respectivamente.

Claro, portanto, que o objetivo do plano é proporcionar o desenvolvimento


da infraestrutura de comunicações, a partir de ações tendentes a modernizar as redes de
telecomunicações existentes, assegurar que o serviços de banda larga sejam oferecidos a
preços razoáveis e facilitar a obtenção dos recursos financeiros necessários ao custeio das
atividades junto ao Estado.

                                                                                                               
331
Cfr. MINISTRY OF TRANSPORT AND COMMUNICATIONS FINLAND. Harri Pursiainen. Making
broadband available to everyone. The national plan of action to improve the infrastructure of the information
society. Rapporteur’s Proposal, 2008, p. 1.

146  
As metas e medidas prestigiadas pelo plano evidenciam-se nos itens 2 a 16
do texto. Algumas, de caráter emergencial, deveriam implementar-se até 31 de dezembro de
2010. Outras, também necessárias, deverão ser implementadas de maneira progressiva até 31
de dezembro de 2015. Em geral, destinam-se a reafirmar o aperfeiçoamento das redes de
telecomunicações e inovam ao discorrer especificamente sobre parâmetros de velocidade de
acesso à Internet.

Exatamente neste ponto, mais especificamente nos itens 2 e 7 do plano,


residem as considerações que deram início às discussões sobre o reconhecimento de um
direito fundamental ao acesso à Internet na Finlândia. Observe-se que em nenhum momento
há qualquer referência ao reconhecimento de um direito fundamental, apenas e tão somente se
manifesta a necessidade de prover acesso eficiente aos internautas, para que possam utilizar
serviços disponíveis online, como a transmissão de imagens digitais ou o download de
músicas e vídeos. Curiosamente, o plano não apenas destaca que a eficiência deve pautar o
acesso, mas determina um mínimo de velocidade necessário ao uso da Internet, fixado em 1
Mbps.

A velocidade mínima de acesso à Internet a ser garantida foi estabelecida


em função dos dados apresentados pelo Ministério de Transportes e Comunicações no
Relatório no. 37/2008332, que discorre sobre a disponibilidade de serviços de
telecomunicações importantes para domicílios. Este informe aponta, no ano de 2008, a
disponibilidade de conexões de 250 kbits/s em aproximadamente 2,4 milhões de domicílios e
em 250.000 escritórios. Embora suficiente para navegar e enviar e-mails, esta velocidade não
permitiria usufruir de importantes serviços como a baixada e subida de músicas e vídeos.
Estimou-se, portanto, que um serviço eficiente de banda larga deveria oferecer, ao menos, 1
Mbps, e que nos próximos anos a velocidade disponível deveria se ampliar progressivamente
até 100 Mbps.

Entenda-se que estes parâmetros estabelecidos pelo plano nacional não


devem ser aplicados indistintamente. À primeira vista, pode parecer que a velocidade mínima
de acesso à Internet deveria ser ampliada de 1 Mbps até 100 Mbps no período compreendido
entre dezembro de 2010 e dezembro de 2015. No entanto, pretendeu-se efetivamente garantir
                                                                                                               
332
Cfr. MINISTRY OF TRANSPORT AND COMMUNICATIONS. Publications of the Ministry of Transport
and Communications 37/2008. Kotitalouksien telepalvelujen alueellinen saatavuus 2008 [The availability of
telecommunications services important to households 2008].

147  
que todas as conexões ofertadas contem com velocidade igual ou superior a 1 Mbps, e que até
o final de 2015, a infraestrutura de telecomunicações permita atender a demanda por conexões
de 100 Mbps em todo o país. Ou seja, não se trata de elevar acentuadamente a velocidade de
todas as conexões em apenas cinco anos, mas tornar possível a contratação de serviços que
ofereçam conexões cem vezes mais rápidas que o padrão, destinadas sobretudo ao setor
empresarial.

A resolução apresentada no plano nacional de ação foi adotada pelo


Governo, em 04 de dezembro de 2008. A partir de então, as principais metas de atuação de
curto e médio prazo consolidaram-se claramente em duas iniciativas distintas: uma voltada ao
reconhecimento do acesso funcional à Internet enquanto serviço universal e outra à oferta de
banda larga de alta velocidade.

Os esforços para o reconhecimento deste serviço universal tornaram-se


ainda mais evidentes após a alteração do marco regulatório finlandês sobre Comunicações333 e
a edição do Decreto do Ministério do Transporte e Comunicações no. 732/2009, que dispôs
especificamente sobre o parâmetro mínimo de acesso à Internet como um serviço universal.

Além de estimular o fornecimento e o uso de redes de comunicações, a Lei


do Mercado de Comunicações destina-se também a garantir que a infraestrutura e os serviços
relacionados a estas atividades sejam disponibilizados de forma razoável a todos os usuários
do país. Interessa especificamente a esta análise, a obrigação imposta aos provedores de
Internet de proporcionar acesso funcional à Rede a todos os usuários do serviço334, adicionada
à norma por força da emenda no. 363/2011.

Não basta simplesmente permitir o ingresso dos internautas na Internet, é


preciso oferecer condições de velocidade e estabilidade que permitam o efetivo
aproveitamento dos serviços disponíveis na Rede. As condições de velocidade mínima de
acesso não figuram na norma, mas há expressa autorização para que sejam posteriormente

                                                                                                               
333
Cfr. Lei do Mercado de Comunicações – FINLAND. Communications Market Act (393/2003).
334
Cfr. Section 60 c (363/2011) “(2) (…). The subscriber connection shall also allow an appropriate Internet
connection for all users, taking into account prevailing rates available to the majority of subscribers,
technological feasibility and costs. (…).” (Unofficial translation of Ministry of Transport and Communications,
Finland)

148  
especificadas pelo Ministério de Transporte e Comunicações335. Sobre esta questão, dispõe o
Decreto no 732/2009, que fixou em 1 Mbit/s a taxa mínima de tráfego de downstream336
referida na seção 60 c(2), da Lei do Mercado de Comunicações.

No entanto, esse valor não é absoluto, pois a seção 1(2) do Decreto admite
médias de 750 Kbit/s nas medições efetuadas durante um período de vinte e quatro horas e de
500 Kbit/s em medição efetuada em qualquer período de quatro horas. Contempla-se,
portanto, uma estimativa preliminar de 1 Mbit/s de acesso como regra, mas se admite algumas
oscilações transitórias de velocidade.

Tais padrões de velocidade passaram a ser aplicados em 1º de julho de


2010, pois o Decreto antecipou em seis meses o prazo para adoção destas medidas,
originalmente previsto no plano nacional de ação.

Desde o ano de 2010, o acesso funcional à Internet passou a ser


necessariamente considerado um serviço universal. Esta previsão é suficiente para que se
possa compreender a importância atribuída pelo legislador finlandês à Internet e às atividades
desenvolvidas na Rede. No entanto, não equivale a afirmar que o acesso à Internet foi
reconhecido como direito fundamental naquele país. Trata-se de um direito assegurado pela
lei (legal right), mas não de um direito humano (human right) reconhecido pelo legislador e
positivado, sob a forma de direito fundamental (fundamental right), no ordenamento jurídico
da Finlândia.

Diante do exposto, conclui-se que as medidas legislativas implementadas


naquele país têm sido frequentemente interpretadas de maneira equivocada. Não há como
afirmar a existência de um direito fundamental ao acesso à Internet na Finlândia. Todavia, ao
considerar o acesso à Internet um serviço universal, o legislador demonstra grande apreço por
este novo direito legal, que poderá, em futuro próximo, ser efetivamente reconhecido como
um direito fundamental. Suficiente, a esta altura, reconhecer que as leis finlandesas garantem
não apenas a disponibilidade de conexão à Internet, mas a real possibilidade de se contar com

                                                                                                               
335
Cfr. Section 60 c (363/2011) “(3) Provisions on the minimum rate of a functional Internet access referred to
in subsection 2 above are laid down by decree of the Ministry of Transport and Communications. (…).”
(Unofficial translation of Ministry of Transport and Communications, Finland)
336
Downstream, termo usado para referir a mediáo de banda quando da baixa de arquivos na Rede.

149  
serviços de qualidade a preços razoáveis. Em outras palavras, equivale a afirmar que o acesso
à Internet deve ser funcional.

Enfim, as medidas legislativas implementadas na Finlândia não têm por


objetivo prover acesso gratuito à banda larga, mas garantir que se possa contar com serviços
de qualidade a preços acessíveis em todo o território nacional.

4. 5. O ACESSO NO MARCO CIVIL DA INTERNET E EM OUTRAS INICIATIVAS


LEGISLATIVAS BRASILEIRAS.

No plano brasileiro, a discussão sobre o direito de acesso à Internet ocorre


em dois planos normativos: na formulação de um Projeto de Lei para estabelecer os
princípios, garantias direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil, convertido na Lei nº.
12.965, de 24 de abril de 2014, conhecida como Marco Civil da Internet, e pela formulação de
duas Propostas de Emenda Constitucional que visam incluir o acesso à Internet no rol dos
direitos fundamentais.

Diante da recente edição e vigência do Marco Civil da Internet, é


interessante verificar o respectivo processo legislativo. Proposição normativa que nasceu da
iniciativa conjunta da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça com o
Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio
de Janeiro, tornou-se um dos poucos projetos de lei que contaram com ampla consulta e
participação da sociedade em geral, incluindo os setores públicos, privado, e a população em
geral, nas três fases do processo de formação do texto legal.

Na fase inicial foram apresentados à sociedade, através do sitio


http://culturadigital.br/marcocivil/, os eixos de discussão, contemplando temas centrais sobre

150  
o uso da Internet, inspirados na Resolução de 2009 do Comitê Gestor da Internet no Brasil
(CGI.br), intitulada os princípios para a governança e uso da Internet337.

As discussões preliminares, que ocorreram em ambiente digital, trouxeram


o tema do direito de acesso à Internet logo no primeiro eixo do debate, voltado aos direitos
individuais e coletivos. Contudo este assunto sempre esteve obscurecido por questões mais
palpitantes para os setores de telecomunicações e provedores de acesso, como a proteção aos
registros, aos dados pessoais e às comunicações privadas; a neutralidade da Rede, e a
responsabilidade civil por danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros.

Cabe destacar que as contribuições advindas dos mais diversos setores da


sociedade no campo do direito de acesso à Internet, em linhas gerais, relacionaram-no ao
direito à liberdade de expressão, à relevância do acesso a esta nova tecnologia para o
desenvolvimento social, e também à facilidade de acesso, i.e., aos meios para alcançá-lo,
como bem se vê da coletânea de posts publicada no site culturadigital.br/marcocivil:

(...) O direito de acesso à internet pode ser entendido como um desdobramento dos
direitos fundamentais de expressão e de comunicação, em seus âmbitos de acesso à
informação e de livre manifestação e formação do pensamento. É ainda condição
para o pleno exercício da democracia, por meio do acesso a serviços de governo
eletrônico e da possibilidade de interação que pode ser estabelecida com
representantes políticos.
Entendido como um direito fundamental, o acesso à internet não corresponde apenas
à navegação, mas também à produção de conteúdo, seja pelo uso de ferramentas

                                                                                                               
337
De acordo com a Resolução CGI.br RES/2009/003/P – Princípios para a governança e o uso da internet no
Brasil -, foram elencados 10 princípios: “1. Liberdade, privacidade e direitos humanos - o uso da Internet deve
guiar-se pelos princípios de liberdade de expressão, de privacidade do indivíduo e de respeito aos direitos
humanos, reconhecendo-os como fundamentais para a preservação de uma sociedade justa e democrática. 2.
Governança democrática e colaborativa - A governança da Internet deve ser exercida de forma transparente,
multilateral e democrática, com a participação dos vários setores da sociedade, preservando e estimulando o seu
caráter de criação coletiva. 3. Universalidade - O acesso à Internet deve ser universal para que ela seja um meio
para o desenvolvimento social e humano, contribuindo para a construção de uma sociedade inclusiva e não
discriminatória em benefício de todos. 4. Diversidade - A diversidade cultural deve ser respeitada e preservada e
sua expressão deve ser estimulada, sem a imposição de crenças, costumes ou valores. 5. Inovação - A
governança da Internet deve promover a contínua evolução e ampla difusão de novas tecnologias e modelos de
uso e acesso. 6. Neutralidade da rede - Filtragem ou privilégios de tráfego devem respeitar apenas critérios
técnicos e éticos, não sendo admissíveis motivos políticos, comerciais, religiosos, culturais, ou qualquer outra
forma de discriminação ou favorecimento. 7. Inimputabilidade da rede - O combate a ilícitos na rede deve atingir
os responsáveis finais e não os meios de acesso e transporte, sempre preservando os princípios maiores de defesa
da liberdade, da privacidade e do respeito aos direitos humanos. 8. Funcionalidade, segurança e estabilidade - A
estabilidade, a segurança e a funcionalidade globais da rede devem ser preservadas de forma ativa através de
medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e estímulo ao uso das boas práticas. 9.
Padronização e interoperabilidade - A Internet deve basear-se em padrões abertos que permitam a
interoperabilidade e a participação de todos em seu desenvolvimento. 10. Ambiente legal e regulatório - O
ambiente legal e regulatório deve preservar a dinâmica da Internet como espaço de colaboração.” Texto
disponível em <http://www.cgi.br/media/docs/publicacoes/4/CGI-e-o-Marco-Civil.pdf> , acesso em 15 de maio
de 2014.

151  
online, incluindo aí as chamadas redes sociais; seja pela intervenção nos processos
comunicativos, por meio de comentários ou respostas a conteúdos prévios.
Além dessa perspectiva de direito individual, outro lado da questão, do ponto de
vista coletivo, é o potencial de desenvolvimento social e de promoção de justiça
social das comunicações pela internet. As possibilidades horizontais de produção de
significados, de construção de relevâncias, de reflexão sobre a própria sociedade,
são multiplicadas nesse ambiente multidirecional de conversação. E a plena fruição
da internet, nessa sua dupla face, depende de o acesso ser barato, fácil e rápido.
Se os meios de comunicação tradicionais dependem de um grande investimento para
funcionar, a internet permite um uso pleno com um gasto infinitamente mais baixo.
O custo mínimo para acessar a internet deve se manter ao alcance de todos os níveis
de renda. Só assim a rede pode ser espaço de promoção de igualdade social, e não
um multiplicador de desigualdades já existentes.
Tecnologicamente, a internet deve se manter uma ferramenta viável para o usuário
final, da qual as pessoas possam se valer para construir as soluções e respostas de
que precisem. A facilidade do acesso é um pressuposto, que compreende uma
infraestrutura adequada igualmente distribuída pelo País, que possibilite a
navegação por diversos dispositivos.
Nesse contexto, é essencial a existência de pontos públicos de acesso, não apenas
por redes sem fio abertas, mas também com terminais de uso público. Da mesma
forma, deve ser garantida a possibilidade de acesso pleno em estabelecimentos de
ensino, LAN houses, telecentros, bibliotecas, centros comunitários, bem como no
ambiente de trabalho.
A velocidade do acesso deve acompanhar as evoluções tecnológicas, fomentando
tanto a apreciação cultural como a capacidade de intervenção. Uma internet lenta
representa um obstáculo para o acesso, tanto passivo quanto ativo, dos conteúdos
online.
O debate, neste aspecto, recai não só sobre a viabilidade prática da afirmação do
direito de acesso como direito fundamental, como também sobre os meios para
alcançá-lo338.

A partir desta consulta pública inicial, feito o levantamento dos resultados


obtidos com as contribuições, passou-se à segunda fase, com a formulação da minuta do
Anteprojeto, também foi submetido à apreciação e comentários em debates públicos, abertos à
participação de toda sociedade brasileira, no sitio eletrônico culturadigital.br/marcocivil, entre
08 de abril e 30 de maio de 2010.

Na minuta de Anteprojeto de Lei apresentada para debate colaborativo, o


direito de acesso à Internet estava expressamente previsto no capítulo II, dos direitos e
garantias dos usuários. No texto preliminar, o art. 6º. afirmava: “O acesso à Internet é direito
do cidadão, fundamental ao exercício da cidadania, às liberdades de manifestação do
pensamento e expressão e à garantia do acesso à informação”. Note-se que o Projeto tratava
do direito de acesso à rede como um meio para o exercício de outros direitos humanos.

Das manifestações e criticas apresentadas ao Anteprojeto, apenas duas se


detiveram em breves contribuições justificadas sobre o conteúdo do art. 6º..
                                                                                                               
338
Conteúdo disponível em <http://culturadigital.br/marcocivil/category/consulta/1-direitos-individuais-e-
coletivos-eixo-1/1-3-direito-de-acesso/>, acesso em 15 de maio de 2014.

152  
A empresa Legaltech, de consultoria, gestão, perícia e treinamento, no
parecer enviado em 30 de maio de 2010, duvidava que o acesso à Internet fosse um direito.
De acordo com o documento, o que deveria constar no artigo era a consolidação da “inclusão
digital” como garantia fundamental, uma política publica que deveria compreender em seu
bojo a educação, a disponibilidade e a cidadania digital respeitada339.

Outra contribuição ao tema foi trazida pelo escritório Patrícia Peck Pinheiro
Advogados. O parecer, encaminhado em 30 de maio de 2010, reconhecia acertada a redação
do Anteprojeto, que privilegiava todo cidadão com o acesso à Internet, mas ressalvava que o
texto deveria determinar a obrigação do primeiro acesso ocorrer com educação sobre o uso
ético, seguro e legal da Internet, a importar na obrigação de ensinar, orientar sobre o uso
correto da Rede, ou seja, inclusão digital com conscientização dos usuários. Mais à frente,
análise mais detalhada do texto do Anteprojeto, considerava confusa a redação do art. 6º,
propondo o seguinte teor: “Todo cidadão tem direito de acesso à Internet, garantidos o acesso
à informação e a liberdade de manifestação do pensamento e de expressão, sempre
respeitando os direitos dos demais ao utilizá-la, por constituir ato de cidadania340“.

Os dois únicos comentários sobre o acesso pouco contribuíram para a


construção do Projeto de Lei apresentado à Câmara dos Deputados, em 24 de agosto de 2011.
Mesmo sendo parciais e não reconhecendo tratar-se de verdadeiro direito do homem, contêm
ao menos um elemento importante que merecia ter sido melhor apreciado, traduzido na
necessária educação para o uso ético da Rede.

Na última fase, após a apresentação do Projeto de Lei nº. 2.126/2011, uma


nova série de consultas públicas foi realizada para se chegar a um acordo sobre o texto legal.
Dentre os temas debatidos em audiências, deu-se maior ênfase às questões de governança da
Internet, privacidade, responsabilidade civil, neutralidade da rede, conforme noticiado no sítio
de discussão do Marco Civil.

Ao examinar o texto do Projeto de Lei, nota-se que o direito de acesso à


Internet aparece como um dos objetivos a ser alcançados pela normatização do uso da Rede:
                                                                                                               
339
Referente à colaboração enviada pela Legaltech, disponível em
<http://culturadigital.br/marcocivil/2010/06/02/contribuicao-da-legaltech/>, acesso em 20 de maio de 2014.
340
Referente à colaboração enviada pelo escritório Patrícia Peck Pinheiro Advogados, disponível em
<https://docs.google.com/file/d/0Ba4T5El0jxuM2Q1Y2QxMWQtMjgxMy00MzFmLTg0YmEtNjA3ZGQ1OTl
mMGI1/edit?hl=pt_BR&pli=1>,acesso em 15 de maio de 2014.

153  
Art. 4º. A disciplina do uso da Internet no Brasil tem os seguintes objetivos:
I - promover o direito de acesso à Internet a todos os cidadãos;
II - promover o acesso à informação, ao conhecimento e à participação na vida
cultural e na condução dos assuntos públicos;
III - promover a inovação e fomentar a ampla difusão de novas tecnologias e
modelos de uso e acesso; e
IV - promover a adesão a padrões tecnológicos abertos que permitam a
comunicação, a acessibilidade e a interoperabilidade entre aplicações e bases de
dados. (grifo nosso)

Destarte, do teor do artigo depreende-se o reconhecimento do direito de


todos os cidadãos adentrarem no ciberespaço. O art. 7º., do Projeto de Lei nº 2.126/11, que
encabeça o capítulo referente aos direitos e garantias dos usuários, apesar de não usar o
vocábulo direito no caput, coloca-o como algo essencial ao cidadão; já o art. 8º., aponta que o
pleno exercício do direito de acesso depende da garantia de outros direitos fundamentais
como a privacidade, a liberdade e expressão.

Art.7º. O acesso à Internet é essencial ao exercício da cidadania e ao usuário são


assegurados os seguintes direitos:
I- à inviolabilidade e ao sigilo de suas comunicações pela Internet, salvo por ordem
judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação
criminal ou instrução processual penal;
II- à não suspensão da conexão à Internet, salvo por débito diretamente decorrente
de sua utilização;
III - à manutenção da qualidade contratada da conexão à Internet, observado o
disposto no art. 9º;
IV - a informações claras e completas constantes dos contratos de prestação de
serviços, com previsão expressa sobre o regime de proteção aos seus dados pessoais,
aos registros de conexão e aos registros de acesso a aplicações de Internet, bem
como sobre práticas de gerenciamento da rede que possam afetar a qualidade dos
serviços oferecidos; e
V - ao não fornecimento a terceiros de seus registros de conexão e de acesso a
aplicações de Internet, salvo mediante consentimento ou nas hipóteses previstas em
lei.

Art. 8º. A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas


comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à Internet 341.

Das disposições normativas do Projeto de Lei, conclui-se que o acesso à


Internet não é um direito apenas de quem contrata um serviço de conexão, nada obstante os
incisos II a V, do art. 7º., versem sobre o fornecimento de serviço. Muito embora o Projeto
mencione cidadão, trata-se do direito de toda pessoa humana poder participar do ambiente
digital de vivência, para tanto, garantidos direitos humanos, v.g., os direitos à comunicação, à
liberdade de expressão, à informação.

                                                                                                               
341
BRASIL, Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2.126 de 25 de agosto de 2011.

154  
Durante os quase três anos de tramitação do Projeto, até a sanção da Lei, em
23 de abril de 2014, o reconhecimento do direito de acesso à Rede foi mantido no texto legal,
sendo substituído o vocábulo cidadão pela expressão “todos”, a fim de reforçar a ideia de um
direito de toda pessoa humana, direito que contribui para o exercício da cidadania e que
pressupõe para o seu exercício, a liberdade de expressão e a privacidade das comunicações,
como bem deflui do teor dos artigos 4º., 7º. e 8º., caput, da Lei nº. 12.965:

Art. 4º. A disciplina do uso da internet no Brasil tem por objetivo a promoção:
I - do direito de acesso à internet a todos;
II - do acesso à informação, ao conhecimento e à participação na vida cultural e na
condução dos assuntos públicos;
III - da inovação e do fomento à ampla difusão de novas tecnologias e modelos de
uso e acesso; e
IV - da adesão a padrões tecnológicos abertos que permitam a comunicação, a
acessibilidade e a interoperabilidade entre aplicações e bases de dados.

(...) Art. 7º. O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário


são assegurados os seguintes direitos:
I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo
dano material ou moral decorrente de sua violação;
II - inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por
ordem judicial, na forma da lei;
III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por
ordem judicial;
IV - não suspensão da conexão à internet, salvo por débito diretamente decorrente
de sua utilização;
V - manutenção da qualidade contratada da conexão à internet;
VI - informações claras e completas constantes dos contratos de prestação de
serviços, com detalhamento sobre o regime de proteção aos registros de conexão e
aos registros de acesso a aplicações de internet, bem como sobre práticas de
gerenciamento da rede que possam afetar sua qualidade;
VII - não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros de
conexão, e de acesso a aplicações de internet, salvo mediante consentimento livre,
expresso e informado ou nas hipóteses previstas em lei;
VIII - informações claras e completas sobre coleta, uso, armazenamento, tratamento
e proteção de seus dados pessoais, que somente poderão ser utilizados para
finalidades que:
a) justifiquem sua coleta;
b) não sejam vedadas pela legislação; e
c) estejam especificadas nos contratos de prestação de serviços ou em termos de uso
de aplicações de internet;
IX - consentimento expresso sobre coleta, uso, armazenamento e tratamento de
dados pessoais, que deverá ocorrer de forma destacada das demais cláusulas
contratuais;
X - exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada
aplicação de internet, a seu requerimento, ao término da relação entre as partes,
ressalvadas as hipóteses de guarda obrigatória de registros previstas nesta Lei;
XI - publicidade e clareza de eventuais políticas de uso dos provedores de conexão à
internet e de aplicações de internet;
XII - acessibilidade, consideradas as características físico-motoras, perceptivas,
sensoriais, intelectuais e mentais do usuário, nos termos da lei; e
XIII - aplicação das normas de proteção e defesa do consumidor nas relações de
consumo realizadas na internet.

155  
Art. 8º. A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas
comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet.

Ainda que a Lei nº 12.965 declare o acesso à Internet como direito de todos,
não aclara, todavia, a compreensão de tal direito.

Ademais, de acordo com a lógica normativa, só poderão receber o rótulo de


fundamentais as situações jurídicas, objetivas e subjetivas, em prol da dignidade, igualdade,
liberdade da pessoa humana, que sejam definidas no plano do direito interno por normas
positivas constitucionais342.

De todo modo, forçoso constatar, a previsão legal do acesso, “essencial ao


exercício da cidadania” (art.7º., caput), implica poder participar das atividades desenvolvidas
na Internet, que necessariamente passam pela promoção e o fomento a uma ampla difusão de
novas tecnologias e modelos e uso e acesso (art. 4º., III); da adesão a padrões tecnológicos
abertos (art.4º., IV, e art.7º., XII); do acesso à informação, ao conhecimento e à participação
na vida cultural e na condução dos assuntos públicos (art. 4º, II), assegurado o respeito aos
direitos humanos no ambiente digital (art. 2º., II) - privacidade, liberdade de expressão, sigilo
do fluxo de dados (art. 8º., caput).

Em acréscimo, o Marco Civil prevê nos arts. 24, VIII, e 26, as diretrizes
para o desenvolvimento de ações e programas de capacitação para o uso da Internet, através
da educação:

Art. 24. Constituem diretrizes para a atuação da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios no desenvolvimento da internet no Brasil:
VIII - desenvolvimento de ações e programas de capacitação para uso da internet;.

(...) Art. 26. O cumprimento do dever constitucional do Estado na prestação da


educação, em todos os níveis de ensino, inclui a capacitação, integrada a outras
práticas educacionais, para o uso seguro, consciente e responsável da internet como
ferramenta para o exercício da cidadania, a promoção da cultura e o
desenvolvimento tecnológico343.

Outra iniciativa que trata do direito de acesso à Rede é a Proposta de


Emenda à Constituição nº. 479, apresentada pelo Deputado Sebastião Bala Rocha à Comissão

                                                                                                               
342
Cfr. SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. p. 179.
343
BRASIL. Marco Civil da Internet, Lei nº. 12.965 de 24 de abril de 2014.

156  
de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, em 22 de abril de 2010344,
ainda em tramitação. A PEC pretende acrescentar o inciso LXXIX, ao art. 5º., da
Constituição Federal, para incluir o acesso à Internet em alta velocidade como direito
fundamental do cidadão.

Mas esta Proposição gera dúvida quanto ao direito pretendido. Segundo a


justificativa apresentada pelo legislador, embora citada a Internet como meio crucial na
construção desta nova realidade, na medida em que, “ao oferecer alternativas simples e
baratas para a transposição de barreiras que impedem o livre acesso dos povos ao
conhecimento”, torna-se elemento fundamental para o desenvolvimento social e econômico
das nações, tal previsão se atrela à banda larga345.

Ademais, a Proposta menciona o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL),


criado pelo Decreto nº. 7.175/2010, cujo principal objetivo é massificar o acesso a serviços de
conexão à Internet em alta velocidade346. Para lograr este objetivo, incumbe à TELEBRAS -
sociedade anônima de economia mista, vinculada ao Ministério das Comunicações -
implementar infraestrutura para a administração pública, centros de pesquisas, universidades,
escolas, hospitais, telecentros comunitários, outros pontos de interesse público, e prestar
serviços de conexão em banda larga para usuários finais em localidades onde não exista oferta
adequada do serviço. Para corroborar a relevância da proposta, declara que se faz alinhada

                                                                                                               
344
Informações disponíveis em <
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=473827>, acesso em 15 de maio de
2014.
345
Como referido no ponto 1, deste capítulo, a banda larga é parte da infraestrutura que envolve o direito de
acesso. Vid. p.121-123.
346
BRASIL. Decreto nº 7.175, de 12 de maio de 2010. “Art. 1o Fica instituído o Programa Nacional de Banda
Larga - PNBL com o objetivo de fomentar e difundir o uso e o fornecimento de bens e serviços de tecnologias de
informação e comunicação, de modo a:
I - massificar o acesso a serviços de conexão à Internet em banda larga;
II - acelerar o desenvolvimento econômico e social;
III - promover a inclusão digital;
IV - reduzir as desigualdades social e regional;
V - promover a geração de emprego e renda;
VI - ampliar os serviços de Governo Eletrônico e facilitar aos cidadãos o uso dos serviços do Estado;
VII - promover a capacitação da população para o uso das tecnologias de informação e
VIII - aumentar a autonomia tecnológica e a competitividade brasileiras.”

157  
com a “iniciativa precursora já adotada por países como a Finlândia, primeira nação a declarar
em lei que o uso da banda larga é um bem comum que deve estar à disposição de todos”347.

Como já afirmado, na análise da legislação finlandesa verificou-se que a


Resolução Governamental em nenhum momento falou em direito fundamental de acesso à
Rede, mas apenas manifestou a necessidade de prover uma conexão eficiente aos internautas
para que possam usar dos serviços disponíveis online, e para tanto determina um mínimo de
velocidade necessário para o uso da Internet.

No parecer do Relator Deputado Amauri Teixeira à Comissão Especial –


Acesso à Internet aos Cidadãos – apresentado na 4ª Sessão Legislativa Ordinária ocorrida no
dia 21 de maio de 2014, consta que foram realizados três eventos envolvendo setores do poder
público e da sociedade civil, vinculados à temática da democratização do acesso à Internet.
Nestes eventos o acesso foi abordado sob várias vertentes: palestrantes detiveram-se na
temática da infraestrutura; conjugaram, ainda, a questão estrutural com a necessidade de
educar-se o cidadão para o uso das novas tecnologias, a fim de que, além de saber manuseá-
la, possa ver-se não como um consumidor, mas como produtor de cultura e conhecimento, e
mencionaram, também, que a universalização da Internet e do acesso à Rede passa pela
ausência de filtros ou censuras, destacando a importância da neutralidade da Rede e da
aprovação do Marco Civil da Internet.

Em seu voto pela aprovação do Projeto, o Relator evidencia que a Proposta terá
reflexos positivos para a indústria de telecomunicações e informática e segmentos da
economia, e consolidará o reconhecimento da Internet banda larga como ferramenta
estratégica para o desenvolvimento econômico e social do país. Ressalta, ainda, apenas com a
“universalização do acesso à banda larga, o Brasil poderá usufruir na plenitude do potencial
das novas tecnologias para a melhoria das condições de vida da população, notadamente em
áreas como telemedicina, ensino a distancia, mobilidade urbana, segurança pública,
pagamentos móveis, cidades digitais e governo eletrônico, entre tantas outras”348.

                                                                                                               
347
BRASIL.Proposta de Emenda à Constituição nº 479/2010, disponível em <
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=756209&filename=PEC+479/2010>
acesso em 25 de junho de 2014.
348
Parecer do Relator disponível em
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=756209&filename=PEC+479/2010>,
acesso em 25 de junho de 2014.

158  
Na oportunidade, o Relator apresentou o Substitutivo – PEC nº. 479-
B/2010, que, no novel inciso LXXIX, do art.5º., da Constituição Federal propõe seja “(...)
assegurado a todos o acesso à Internet em alta velocidade, com a garantia de tratamento
isonômico dos dados trafegados, sendo vedada a discriminação em decorrência da natureza do
conteúdo, emissor e destinatário”.

Diante do exposto, embora prematuro tecer conclusões definitivas sobre a


PEC nº. 479/2010, é certo que o teor da justificativa, do relatório e do voto do Relator, denota
inversão de valores semelhante àquela que estamos presenciando na construção dos
parâmetros para o desenvolvimento sustentável, em que as questões econômicas aparecem
como principal sustentáculo, enquanto as questões sociais e os direitos humanos figuram
como coadjuvantes349.

Outra Proposta de Emenda à Constituição para incluir o acesso à Internet no


rol dos direitos fundamentais foi apresentada pelo Senador Rodrigo Rollemberg, em 03 de
março de 2011. Segundo a Proposição – PEC nº. 06/2011 -, seria acrescido ao art. 6º., ao lado
dos direitos sociais já reconhecidos, o acesso à Rede Mundial de Computadores (Internet)350.

Em conformidade com a justificativa apresentada, a Proposição objetiva


incluir o direito de acesso à Internet, com ênfase na crescente importância das novéis
tecnologias para a formação pessoal, intelectual e profissional, a repercutir diretamente no
futuro da nação. Impossível ter duas classes de cidadãos: os isolados das amplas perspectivas
educacionais, profissionais, impedidos de fazer parte do mundo virtual, e aqueles que podem
usufruir das vastas oportunidades trazidas pelas tecnologias da informação e comunicação.

Alocar o direito de acesso à Internet no rol dos direitos sociais se faz mais
apropriado, porquanto, por força da via hodierna, o exercício de muitos dos direitos do
cidadão, como a informação, a educação, o trabalho, a remuneração digna, encontra-se
estreitamente ligado ao acesso às novas tecnologias.

                                                                                                               
349
Sobre a visão econômica do desenvolvimento sustentável, vid. nesta Dissertação notas nº 262 e 263, p. 110.
350
Disponível em < http://www.senado.leg.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=99334>, acesso em
25 de junho de 2014.

159  
A Proposição ainda não foi discutida no Senado Federal, já que desde 14 de
novembro de 2013 aguarda o Relatório da Senadora Ângela Portela351. No entanto, tal
Proposta parece mais consentânea com a natureza mista deste Direito Humano, que pressupõe
atuação positiva do Estado, de modo que a pessoa humana tenha liberdade de aceder e
auxiliar a produzir conteúdo na Rede.

Em suma, ainda que perfunctória, esta análise do contexto normativo


brasileiro não possibilita afirmar, com rigor e precisão, o Brasil reconheça expressamente o
acesso à Internet como um direito fundamental. Certo é, porém, que com a recente sanção do
Marco Civil da Internet, nosso país abraça o acesso à Rede Mundial de Computadores como
um direito essencial a toda pessoa humana.

                                                                                                               
351
Informações sobre a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição nº. 06/2011, disponível em
<http://www.senado.leg.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=99334>, acesso em 25 de junho de 2014.

160  
CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O DIREITO HUMANO DE
ACESSO À INTERNET.

Relevantes considerações decorrem deste estudo realizado com o objetivo


de investigar a natureza jurídica do acesso à Internet, à luz dos Direitos Humanos e das novéis
tecnologias informativas, nos moldes apresentados pela Declaração Conjunta sobre Liberdade
de Expressão e Internet (2011) – subscrita por instituições de vanguarda como as Nações
Unidas (ONU), a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), a
Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Comissão Africana dos Direitos Humanos e
dos Povos (PCADHAP):

Quanto aos Direitos Humanos:

Os Direitos Humanos representam exigências e deveres ideais


especialmente relevantes para o convívio do homem, enquanto os direitos fundamentais são a
positivação destes ideais na Constituição Federal, norma de suma importância em um
ordenamento jurídico.

Estas exigências ideais decorrem da própria natureza social da pessoa


humana, ser racional, pensante, individual, autônomo, mas também transitivo, na medida em
que se faz um ser direcionado ao outro (que existe e se relaciona no mundo, com o mundo e
com outros homens). Um ser, então, por construir-se.

A essência da natureza social do homem pode ser sintetizada na ideia de


comunicação manifestada pelo pensamento personalista de Emmanuel Mounier, que descreve
a comunicação como interação com outra pessoa, meio especial de desenvolvimento das
potencialidades humanas e da própria personalidade. Ser comunicacional em perene
construção, ao longo da história – tomando como marco a história moderna – a pessoa

  161  
humana submete-se aos sempre novos matizes dos influxos das exigências essenciais da vida
em sociedade.

Nem sempre foram reconhecidas e garantidas a todos os homens as mesmas


liberdades, oportunidades e responsabilidades; o sentimento de pertencer a uma família na
qual todos os membros têm direito de ser parte atuante é recente e precisa ser fortalecido. Isso
demonstra que os Direitos Humanos são direitos em perene construção, abertos a novas
exigências ideais e que têm o homem e a vida em sociedade como principal objetivo.

A abertura dos Direitos Humanos – e consequentemente, dos direitos


fundamentais – decorre do sistema ser alimentado pela realidade social (vista como forma
razoável e sensata de favorecer a eficácia e a atualização dos direitos) e pela moralidade. As
prescrições normativas, ao derivar da natureza humana, somente se concretizam na realidade
social, composta por aspectos variados, em que se destacam a natureza, a economia, a cultura,
e hoje mais que nunca, as inovações tecnológicas e científicas que têm a Internet como parte.

As prescrições normativas devem guiar-se pela dignidade inerente a toda


pessoa humana. Conforme o pensamento de Immanuel Kant, compreendida a comunicação
como ação, pode-se dizer que o homem ao se comunicar em um ambiente comunitário, seja
tal comunicação direcionada a si próprio ou a outrem, deve sempre ser considerado um fim e
nunca um meio (como será visto, a Internet é um meio para a concretização do fim que é o
homem).

Os Direitos Humanos são, assim, exigências e deveres universais,


irrenunciáveis, inalienáveis, imprescritíveis e progressivos, porque reconhecidos, ampliados
ou criados no caminhar da humanidade, tendo em vista adequar a dignidade humana a uma
nova realidade humana.

Quanto à Internet:

O desenvolvimento da Internet não se deve tão somente ao fato de propiciar


melhor comunicação e troca de informações militares e acadêmicas, vai de encontro ao desejo
e à necessidade humana de maior liberdade de expressão e compartilhamento de opiniões,
pensamentos, investigações, enfim, de estar em contato com o outro de modo mais ágil, de

  162  
construir uma nova sociedade inclusiva em que, assimiladas, as diferenças não impeçam um
convívio pacífico. Enfim, um verdadeiro instrumento para a expansão das capacidades de
ações individuais.

Sem olvidar as consequências tanto negativas, quanto positivas, no


desenvolvimento psicológico, moral e social das pessoas, impossível, porém, retroceder e
impedir que a tecnologia prossiga presente no cotidiano humano. Daí porque, a visão da Rede
de redes, elaborada neste trabalho, propõe permaneçamos abertos às mudanças qualitativas
que impõe ao homem e à sociedade, a fim de que sejamos capazes de continuar a desenvolvê-
la sob uma perspectiva humanista, como propunha Pierre Levy1. Para tanto, imperiosa a
colaboração de cada um na tarefa de educar as novas gerações a flutuar, nadar, e depois
navegar no mar de informações de nossa época.

Não é possível, hoje, reconhecê-la apenas como tecnologia da informação e


comunicação que se utiliza de uma rede interconectada de computadores para a transferência
de dados. Com efeito, não se trata de simples meio de comunicação ou informação. Há que
vê-la e compreendê-la como verdadeira rede social. Da mesma forma que as redes familiares,
de amizade e de negócios são engendradas nas relações comunicacionais entre pessoas, as
relações na Internet também ocorrem por meio da comunicação entre seres humanos e não
entre máquinas; as informações que transitam pelas autovias da Internet são porções da
essência do próprio homem que, como visto, não é mera existência material.

A Rede Mundial de Computadores possui dupla natureza. Simultaneamente,


considera-se meio, instrumento de informação e comunicação que serve ao homem, e também
um verdadeiro locus, um novo domínio público, uma nova sociedade, um novo ambiente para
a palavra e para a ação, em que a pessoa possa exercer sua humanidade e desenvolver-se em
plenitude.

Enquanto meio/instrumento, quiçá o mais poderoso desta época, deve


atender o bem comum, o conjunto das condições essenciais para a vida em comunidade,
permitindo ao homem e a todos os homens, atingir mais facilmente o desenvolvimento pleno.
Vale dizer, impende reconhecê-la como caminho para a realização dos anseios do homem do
século XXI, modo de aprimoramento do processo comunicacional, facilitando o acesso à
                                                                                                               
1
LEVY, Pierre. Cibercultura. p. 12; 15.  

  163  
informação, concretizando, destarte, o ideal proclamado pelas Nações Unidas, da construção
de uma comunidade harmônica em escala planetária.

A visão da Internet como verdadeira ferramenta habilitadora do


desenvolvimento humano, por abrir novo caminho para a participação econômica, a melhora
da qualidade de vida e a participação comunitária, é compartilhada e declarada por
instituições como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), pela
União Internacional de Telecomunicações (ITU) e pelo Conselho da Europa.

A Internet, na essência, revela-se uma força democratizadora que ultrapassa


as barreiras nacionais e culturais, facilita a difusão de ideias e ideais pelo mundo, permite às
pessoas encontrar-se em um novo ambiente onde compartilham opiniões, crenças, ideologias,
sem as ingerências dos tradicionais meios de comunicação massivos. A Rede potencializou o
processo democrático caracterizado pelo pluralismo e pela participação da sociedade, ao
proporcionar aos homens um meio para que suas vozes sejam ouvidas. Pode-se dizer,
portanto, que a Internet se torna um canal privilegiado para o confronto de posturas
divergentes, para o exercício da tolerância, onde o debate (seja político ou ideológico)
encontra solo fértil para o exercício da democracia.

A liberdade, valor que permeia a vida humana em todos os aspectos e


constitui referência para a construção dos Direitos Humanos e das normas jurídicas como um
todo, encontra lugar favorável na Internet. Fundada na dignidade inerente à condição de
pessoa humana, a liberdade é processo dinâmico, de perene superação de obstáculos
(decorrentes da estrutura social, econômica, política, e até da tecnologia) que dificultam a
realização da personalidade do homem. A Internet, no entanto, tornou-se um canal idôneo
para o exercício do direito de todos de se comunicar, de obter e fornecer informação
livremente, de expressar opiniões e ideias, em especial, quando regimes de governo
restringem a difusão de informações e controlam a livre manifestação das pessoas.

O desenvolvimento, visto como processo de superação de problemas novos


e antigos, relacionados a privações, destituições e opressões da liberdade que acabam por
limitar a pessoa – i.e., incapacitando o homem de efetuar escolhas, de enxergar as
oportunidades, de ser um sujeito ativo no processo de desenvolvimento pessoal e social –,
impacta profundamente um desenvolvimento humano integral. A Internet possibilita:

  164  
i) acelerar mudanças em prol do desenvolvimento, em razão da velocidade em que ocorre a
troca informações; ii) criar redes humanas de âmbito estatal, regional e mundial; iii) aprimorar
o intercâmbio de informações, com reflexos no campo das pesquisas e no acesso ao
conhecimento; iv) reduzir os custos da distribuição de material informativo; v)promover a
interatividade, que não encontra limites em fronteiras culturais, sociais e territoriais; vi)
facilitar a transparência nas informações da administração pública, v.g., nos procedimentos
licitatórios, na destinação e utilização de verbas para políticas públicas; vii) fortalecer a
democracia.

Também, tornou-se ambiente propício para o empoderamento pessoal, de


modo que a brecha digital, que alude à falta de acesso ou ao acesso limitado, configura uma
nova forma de exclusão social, novel fator de desigualdade social focado na tecnologia
informativa, com prejuízo ao desenvolvimento humano e social, por impedir a expansão das
atividades da pessoa humana em relação a outros homens, seja pela troca de informações
valiosas para o crescimento pessoal, pelo aprimoramento social, pelo desenvolvimento
econômico de uma região, ou pela troca de bens, valores ou serviços.

Quanto ao direito de acesso à Internet:

O reconhecimento do direito de acesso à Internet passa por considerar a


Rede mais que um meio de comunicação ou transmissão de dados, mas verdadeira sociedade
informativa, onde informação e comunicação se tornam partes integrantes da vida cotidiana,
uma segunda natureza (ou se preferível, ambiente).

Há, pois, que reconhecer a todos os homens o direito de tomar parte nesta
nova sociedade, de ter a oportunidade de participar dos acontecimentos que se desenvolvem
na Rede e de auxiliar em seu desenvolvimento. Direito que não se restringe ao mero ingresso
no ciberespaço, mas que lhe possibilita ser um verdadeiro cidadão do mundo virtual.

Com efeito, mais que singela conexão, o direito de acesso à Internet


compreende o acesso a toda infraestrutura necessária para conectar-se à Rede. A dimensão do
acesso é ampliada, porquanto, para ser parte atuante deste novo entorno social digital; há que
se ter à disposição não apenas a infraestrutura, mas a possibilidade de acesso e produção de

  165  
conteúdo, sem qualquer tipo de limitação externa à vontade do homem capacitado para estar
neste novo ambiente e agir de modo consciente e responsável.

Estamos, assim, diante de um real direito de participação social, direito


fundamentado na própria natureza humana de ser social, e que guarda estreita relação com os
direitos humanos – v.g., direitos de liberdade relativos à informação, comunicação, expressão,
à livre participação e acesso a bens culturais e tecnológicos; direito de reunião e associação;
de participação na gestão de seu país, Estado ou município; de usufruir dos serviços públicos;
do direito ao desenvolvimento. Constatação que, por si só, justifica o acesso à internet como
um direito, e um verdadeiro Direito Humano, conforme reconhecido na Declaração Conjunta
sobre Liberdade de Expressão e Internet, em 2011

Dúvida que circunda o reconhecimento do direito de acesso à Internet, diz


respeito ao bem tutelado e ao conteúdo do direito, levando a perquirir se tal direito surge
como um direito autônomo, ou se estaria localizado sistematicamente no âmbito de um direito
humano mais amplo, e ao respectivo conteúdo.

Estudiosos existem que inadmitem o acesso à Internet como um direito


humano. Vinton Cerf, co-criador do protocolo TCP/IP, conhecido como um dos pais da Rede,
em artigo publicado no The New York Times, declara que a Internet é uma ferramenta
tecnológica facilitadora de direitos e não um direito em si mesmo; não está entre as coisas que
os seres humanos necessitam para uma vida saudável e plena, como se verifica nos direitos
que vedam a tortura, ou ainda, no caso da liberdade de consciência. De acordo com o autor,
errôneo incluir uma tecnologia como a Internet em categoria de direito tão elevada, sob pena
de que, ao longo do tempo, as coisas sejam valoradas de forma equivocada2.

Realmente, seria um grande equívoco considerar as tecnologias da


informação e comunicação, em especial a Internet, como o mais alto valor objeto do direito.
Relembrando a reflexão de Eduardo Garcia Maynez, os valores mais altos, ou sejam, os
propriamente éticos, não residem nas coisas, mas nas pessoas e em seus atos3. Desta forma, há
considerar que o bem direito humano ao acesso à Internet não reside na coisa em si – na
                                                                                                               
2
CERF,Vinton G.. Internet Access is not a human right. The New York Times, New York, 04 de janeiro de 2012.
Disponível em <http://www.nytimes.com/2012/01/05/opinion/internet-access-is-not-a-human-
right.html?_r=2&>, acesso em 25 de maio de 2014.  
3
MAYNEZ, Eduardo Garcia. Ética – ética empírica, ética de bienes, ética formal, ética valorativa. México:
UNAM, 1944, p. 225.  

  166  
Internet – antes, se encontra na relevância social que adquiriu para o homem enquanto meio
eficaz para o exercício de suas liberdades, para obter informações que refletem em uma
melhor qualidade da vida de todos, que pode influir no crescimento da economia, provocar
aumento da produtividade, gerar empregos e fomentar a empregabilidade, ao mesmo tempo
que constitui um novo locus humano, passível de ser utilizado por toda pessoa para
desenvolver suas potencialidades e exercer com responsabilidade direitos e liberdades
fundamentais.

É o que depreende da Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão e


Internet, proclamada por membros da ONU, OSCE, OEA e CADHP. Não se trata de aceitar a
tecnologia como um direito por si mesmo, mas como meio transformador e potencializador,
ao permitir que milhões de pessoas espalhadas ao redor de todo o mundo expressem suas
opiniões, enquanto amplia significativamente a capacidade de obter e divulgar informações,
além de promover a realização de outros direitos essenciais, como a participação pública, e
facilitar o acesso a bens e serviços.

Em suma, estamos diante de um direito universal quanto à titularidade —


direcionado ao homem e a todos os homens, sem qualquer distinção —, ao qual o ser humano
não pode renunciar, nem dispor da sua condição de ser social que vive em comunidade.
Possível que o deixe de exercer, não poderá, contudo, ser privado de seu exercício.

Sobre o conteúdo, estamos diante de um direito de natureza mista, que


conjuga ao mesmo tempo as recomendações de abstenção e de ações positivas. Quanto às
posturas negativas, ou de abstenção, a que mais chama a atenção é a vedação à censura, ou
seja, a imposição de filtros sem o consentimento do usuário, de modo a impedir a publicação
ou o acesso a conteúdos.  

Dentre as recomendações positivas, possível elencar: i) quanto ao acesso à


infraestrutura, por tornar-se um fator de infraestrutura pública geral, requer-se a adoção de
políticas que tenham por fim possibilitar a conectividade, seja pelo fornecimento de energia
elétrica, cabeamento telefônico, preços acessíveis dos equipamentos (v.g., computadores,
softwares, modens) e dos serviços de conexão, considerada a conjuntura econômica do país,
ou ainda, que disponibilizem centros onde os cidadãos possam usar da infraestrutura para
entrar na sociedade informacional; ii) quanto ao acesso ao conteúdo, nota-se a necessidade de

  167  
desenvolver políticas que tenham por escopo a produção de conteúdo informativo de interesse
local; iii) quanto à capacitação para o acesso, há, também, que desenvolver políticas, tendo
em vista amplo e complexo processo educacional que possibilite a toda pessoa humana
adquirir as competências e conhecimentos necessários à compreensão do funcionamento deste
espaço virtual chamado Internet, à economia do conhecimento, para uma participação ativa,
com pleno aproveitamento dos benefícios, incluída sensibilização para os princípios e valores
éticos.  

Ainda não se faz possível afirmar estarmos diante de um direito


fundamental, seja no contexto normativo nacional, ou no Direito Comparado. Como visto,
não existe previsão constitucional do acesso à Internet nos moldes aqui delineados, como um
direito de participação social, a englobar três dimensões: o acesso à infraestrutura necessária,
ao conteúdo e à capacitação.

Muito embora sem expressa referência em documentos de Direitos


Humanos de primeira grandeza4, inafastável reconhecer o direito humano de acesso à Internet
como manifestação da característica progressiva e histórica dos direitos humanos criados,
modificados e ampliados com o caminhar da humanidade. Assim, viável concluir assentadas
as primeiras vigas de sustentação de sua existência (muito embora o conteúdo do acesso
extrapole a dicção legal): o art. 19, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, dispõe
que todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a
liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações
e idéias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras, e o parágrafo 2º, do art. 19,
do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, expressamente afirma que toda pessoa
terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e
difundir informações e idéias de qualquer natureza, independentemente de considerações de
fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou qualquer outro
meio de sua escolha. Disposições integradas ao teor dos parágrafos 1 e 2, do art. 15, do Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que por um lado reconhecem o

                                                                                                               
4
É mais que óbvia a omissão, já que à época da formulação de dados documentos normativos era impensável a
existência de um direito ao acesso à Internet. Impende lembrar as tecnologias de informação e comunicação que
deram origem à Rede mundial de computadores, como visto no capítulo 3, surgiram no final da década de 1950 e
se materializaram na década de 1960. Porém, esta nova tecnologia ganhou relevância mundial só em meados da
década de 1990.

  168  
direito de todos à participação na vida cultural, e de outro impulsionam aos Estados Parte à
adoção das medidas necessárias para a garantia do pleno exercício deste direito, despendido
especial esforço com as medidas dirigidas à conservação, desenvolvimento e difusão da
ciência e da cultura.

Mesmo sem força normativa vinculante na esfera internacional, chamam a


atenção dois documentos que tratam desta nova sociedade criada a partir da expansão
exponencial da Internet, e que serviram de esteio para a Declaração Conjunta sobre a
Liberdade de Expressão e Internet: a Declaração de Genebra de 2003 – intitulada Nossa visão
comum da Sociedade da Informação, e a Declaração de Princípios de Túnis de 2005, da
Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação. Ambos apresentam como fundamento
essencial desta nova sociedade, o art. 19, da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
considerada a comunicação um processo social fundamental, necessidade humana básica e
fundamento de toda organização social, a constituir o eixo central da Sociedade da
Informação. Asseverado que as pessoas, em todas as partes do mundo, devem ter a
oportunidade de participar, ninguém deveria ficar excluído dos benefícios ofertados pela
Sociedade da Informação.

Por todo o exposto, há que considerar um novo direito humano relacionado


às tecnologias informativas. Ainda que não se trate de um direito plenamente autônomo, de
rigor atentar, porém, que seu conteúdo desborda dos limites da liberdade de expressão,
sempre associados a condutas negativas, de abstenção, de não interferência. Sem perder de
vista que o direito de acesso à Internet importa também em um agir estatal, para que a todos
seja propiciada a condição de participar deste mundo virtual e assimilar uma nova expressão
ética da solidariedade, trazida pela cultura do compartilhamento de pensamentos, ideias,
concepções, informações, conhecimentos. Enfim, onde todos poderão contribuir para o
desenvolvimento uns dos outros. Visão que certamente parece utópica, mas faz lembrar que
os Direitos Humanos, enquanto direitos ideais, também o são5. Pois se a utopia designa um
ideal (que pode ser político, social ou até religioso), algo de difícil realização, como bem
coloca Augusto Comte, este ideal tem em si um instinto animador para o aprimoramento das
instituições e também das ideias científicas.

                                                                                                               
5
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. p. 987.  

  169  
Enquanto utopia, os Direitos Humanos objetivam formar uma visão crítica
da realidade e impulsionar o homem a mover-se em busca do desenvolvimento de uma
sociedade melhor. É uma esperança que provoca os homens a repensar o Direito e o contorno
de seus direitos no futuro, pois a pessoa humana é um ser dinâmico que transforma a si
própria e o mundo à sua volta.

Como já frisado, este trabalho propõe um olhar positivo sobre as benesses


que a Internet vem incorporando ao cotidiano dos homens. Estudo preliminar do acesso à
Internet que pretende demonstrar o processo de correção e integração ideal em que se vive na
esfera política, situados o homem e a sociedade diante dos avanços tecnológicos.

Embora comum que os ideais corretivos se quedem no âmbito da aspiração,


do sonho como fuga do mundo real, inegável que são portadores de uma força transformadora
da realidade. Certamente, o direito humano de acesso à Internet, proclamado na Declaração
Conjunta sobre Liberdade de Expressão e Internet, em 2011, demonstra com nitidez que o
ideal já reconhecido pela União Internacional de Telecomunicações (ITU) e pela UNESCO,
começa a demonstrar esta força transformadora. Primeiramente, pelo desejo popular de seu
reconhecimento (haja vista, as notícias não comprovadas a respeito do reconhecimento de tal
acesso como direito fundamental, na Finlândia, Costa Rica, Peru e Estônia), mas
principalmente por observar que o legislador brasileiro, ainda que este não seja o foco central
da norma, disponha no texto legal do Marco Civil da Internet que o acesso à Internet é um
direito essencial para a pessoa humana.

Esta Dissertação representa apenas o inicio dos estudos deste novo direito;
cumpre, a partir daqui, empreender análise sempre mais aprofundada dos princípios
norteadores do tema, e prosseguir, ainda, no acompanhamento do processo legislativo das
Propostas de Emenda à Constituição Federal de 1988 (nº 479/2010 e nº 06/2011), e no exame
dos ordenamentos normativos de outros países, v.g., Equador, Espanha, França e Grécia.

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