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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ – LETRAS

PORTUGUÊS E INGLÊS

Matheus Carvalho de Paula

O TERROR COMO GÊNERO LITERÁRIO: ORIGENS E


EVOLUÇÃO

Rio de Janeiro
2020.2

MATHEUS CARVALHO DE PAULA

O TERROR COMO GÊNERO LITERÁRIO: ORIGENS E


EVOLUÇÃO

Trabalho de Conclusão de
curso apresentado como requisito
para aprovação no curso de
graduação em Letras – Português e
Inglês, da Estácio de Sá, sob
orientação da Professora Merced de
Lemos Urtubia.
RIO DE JANEIRO – RJ

2020

Letras – Português e Inglês

Matheus Carvalho de Paula

O terror como gênero literário: origens e evolução

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Estácio de Sá,


como requisito para a obtenção do grau de Licenciado em Letras – Português e
Inglês.

Aprovado em, _____ de ______________ de 20___.

Examinadores

______________________________________________________________

______________________________________________________________
NOTA FINAL ____________

RESUMO

O terror é uma fonte interminável de possibilidades para contos e narrativas


que podem tratar tanto de temas específicos e obscuros, como do próprio
desconhecido e explorar essas terras que se mostram como misteriosas. Apesar de
muitas vezes ser visto como um gênero saturado com um número exagerado de
clichês, o terror não trata somente do típico monstro mal e o herói que pode ou não
conquistar a vitória sobre o obstáculo apresentado. Muito além, o terror nos compele
a sentir o desconforto causado por imaginar tal situação acontecendo conosco,
explora os cantos mais reservados de nossas mentes e traz à tona não somente o
sentimento do medo, como também nos faz refletir sobre nossa própria capacidade
para o mal e desejos enterrados por nós mesmos, que se permitíssemos que nos
controlassem, fariam com que cometêssemos atos irreparáveis. O presente trabalho
pretende mostrar as origens do terror como gênero literário na mitologia e as
entidades divinas afiliadas com o sentimento, explorar suas diversas vertentes e
nomes mais famosos como Mary Shelley, Edgar Allan-Poe e H.P. Lovecraft, assim
como sua representação nos dias de hoje e expectativas para o futuro.

Palavras-chave: Terror. Literatura. Medo. Desconforto.


ABSTRACT

Horror is an endless source of possibilities for tales and narratives that can
address both specific and obscure themes, as well as the unknown itself, and explore
these lands that present themselves as mysterious. Despite being often seen as a
genre saturated with an exaggerated number of clichés, horror is not only about the
typical evil monster and the hero who may or may not win the day against the
presented obstacle. Far beyond that, horror compels us to feel the discomfort caused
by imagining such a situation happening to us, explores the most reserved corners of
our minds and brings up not only the feeling of fear, but also makes us reflect on our
own capacity for evil and desires buried by ourselves that if allowed to let go of,
would control us, making us commit irreparable acts. The present work aims to show
the origins of horror as a literary genre in the myths of Ancient Greece and the divine
entities affiliated with the feeling, to explore its diverse strands and most famous
names such as Mary Shelley, Edgar Allan-Poe and H.P. Lovecraft, as well as its
representation today and expectations for the future.

Keywords: Horror. Literature. Fear. Discomfort.


SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................8

CAPÍTULO 1 - TERROR E LITERATURA..................................................................8

1.1. A origem do terror....................................................................................8

1.2. O terror na mitologia..............................................................................10

1.2.1. Mitologia Greco-Romana.................................................................10

1.2.2. Mitologia Nórdica.............................................................................12

1.2.3. Demais mitologias............................................................................13

CAPÍTULO 2 - O TERROR ATRAVÉS DO TEMPO.................................................13

2.1. O GÓTICO E OS CONTOS DE FADAS................................................18

2.2 MONSTROS E ROMANCE NO TERROR..............................................22

2.3. O PAI DO TERROR, EDGAR ALLAN-POE...........................................27

2.3.1 O ESTILO DE POE...........................................................................28

2.4 O TERROR DO SÉCULO XX.................................................................30

CAPÍTULO 3 – O TERROR CONTEMPORÃNEO E O FUTURO DO GÊNERO.......39

CONCLUSÃO........................................................................................................... 44

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................46
Dedico este trabalho, primeiramente à minha família.
Agradeço por terem sido compreensivos a respeito do tema e
por todo o apoio me foi dado durante sua confecção. Agradeço
a meus amigos queridos por me encorajarem com palavras de
carinho e pelo interesse que tiveram em minha pesquisa, assim
como agradeço profundamente pelos materiais emprestados e
opiniões recebidas que viabilizaram um trabalho mais refinado.
Por fim agradeço ao apoio da professora orientadora que
sempre se mostrou interessada em meu trabalho, contribuindo
assim enormemente para a versão final do mesmo.
"As palavras não têm poder de
impressionar a mente sem o extraordinário
horror de sua realidade."

(Edgar Allan-Poe)
8

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivos principais explicar a natureza do


terror (ou horror), bem como suas origens, seus efeitos e sua evolução como gênero
literário, além de explorar suas muitas vertentes, obra e nomes famosos eternizados
pelo terror literário.

Será usada uma abordagem em forma de análise sob a metodologia de


pesquisa básica para comentar sobre as obras, estilos utilizados, assim como o
gênero em si através dos séculos até os dias contemporâneos, e por fim, será
passada uma expectativa para o futuro desenvolver do terror como um todo,
baseado no estudo realizado.

Este trabalho não procura de forma alguma gerar conhecimentos novos,


entretanto, é de nosso interesse um aprofundamento no tema escolhido para que
venha a ser uma leitura agradável sobre um tema muitas vezes visto como tabu
devido às suas temáticas abordadas.

Por fim, serão usados em sua grande maioria os nomes originais das obras
durante a apresentação deste trabalho por questões estéticas, havendo, entretanto,
instâncias onde os títulos poderão ser traduzidos para a Língua Portuguesa.

CAPÍTULO 1 - TERROR E LITERATURA

Este capítulo irá tratar das origens atribuídas ao terror como gênero literário,
assim como explorar as suas finalidades, o que geralmente é transmitido ao leitor e
sua representação e presença em mitologias, sendo atribuído a uma divindade ou
até mesmo como um sentimento fortemente presente.

1.1. A origem do terror

O terror é visto hoje como um gênero que causa certa divergência de


opiniões, sendo alguns a favor de uma escrita e histórias macabras e perturbadoras
e outros que acreditam que o tema esteja saturado demais por sempre se tratar de
uma releitura de histórias antigas já escritas por grandes autores da antiguidade
como Mary Shelley, Edgar Allan-Poe e H.P. Lovecraft.
9

Apesar disso, o terror se mostra um gênero que gera questionamentos sobre


o comportamento e capacidade humana, afinal, se alguém é capaz de imaginar tais
atos e transcrevê-los com tamanha exatidão, o que impede o escritor de transformar
a obra em realidade? E se o que foi escrito e nos causou tamanho desconforto fosse
real? Como nós lidaríamos com a situação?

Essa é uma das características mais interessantes do terror, o fato de grande


maioria de obras nos fazer pensar como se fôssemos um personagem da obra.
Lemos a obra enquanto tomamos decisões pela personagem, e podemos nos
exaltar com decisões errôneas como: “Não entre por essa porta!” ou “Não desça as
escadas! Fique no quarto e tranque as portas!”. Nos sentimos envolvidos pela
história, e isso se deve à natureza da base do gênero terror como uma ficção
especulativa.

Ficção especulativa se define como qualquer tipo de ficção que especula


sobre mundos que diferem do mundo real, podendo tratar do fantástico, sobrenatural
ou cenários futurísticos ou apocalípticos. Nós como leitores somos compelidos a nos
maravilhar com histórias de mundos diferentes do nosso. O Terror está presente em
sua grande maioria quando ligado ao supernatural, mas não se descarta sua
presença em outras formas de ficção especulativa.

Mas afinal, o que é o Terror? E de onde ele vem? O historiador literário John
Anthony Bowden Cuddon (1984, p.11), descreve o terror (ou horror) como “uma obra
de ficção em prosa de extensão variável ... que choca, ou mesmo amedronta o leitor,
ou talvez induz um sentimento de repulsa ou aversão”. Não se sabe quando o termo
foi criado ou muito menos quando foi sua primeira vez empregado à ficção, tão
pouco existe um consenso sobre a verdadeira definição do terror, sendo que existem
múltiplas instâncias e incarnações do mesmo em várias obras através do tempo.

Um ótimo exemplo seria a descrição de Humbaba na considerada mais antiga


obra literária da humanidade: A Epopeia de Gilgamesh.

Enlil assigned (Humbaba) as a terror to human beings,


Humbaba's roar is a Flood, his mouth is Fire, and his breath is
Death! He can hear 100 leagues away any rustling(?) in his
forest! Who would go down into his forest! Enlil assigned him as
a terror to human beings, and whoever goes down into his
forest paralysis(?) will strike! (A Epopeia de Gilgamesh, autor
10

anônimo, Tabuleta II, [2000 A.C.(?)] Traduzido por Maureen


Gallery Kovacs. Electronic Edition by Wolf Carnahan, I998.)

O fragmento falado por Enkidu, personagem da épica descreve Humbaba


como um terror para os seres humanos, assim como suas características para o Rei-
Deus Gilgamesh. Não só por seu aparente poder, mas enfatizando que aquele que
adentrasse sua floresta seria afligido com paralisia, supostamente, proveniente de
medo.

A partir desse exemplo, notamos que a existência do terror é mais do que


antiga e se separa em diferentes vertentes com o avançar dos tempos e divergindo
em interpretações, nunca fixado num único tipo de pensamento, como se
comparássemos o poema em prosa “Nyarlathotep” de H.P. Lovecraft e a obra
“Coraline” de Neil Gaiman, ou “O Iluminado” de Stephen King e “Frankenstein” de
Mary Shelley.

Com a falta de um consenso sobre quem haveria introduzido o terror à ficção,


e sem um local de origem, o terror se prende a o que o torna icônico: Sua habilidade
de transmitir sentimentos, que dependendo da obra podem englobar ódio, nojo,
medo, desgosto, desconforto e outros similares. Emoções que eventualmente se
veriam ligados diretamente a deuses e entidades das mitologias.

1.2. O terror na mitologia

O terror presente na mitologia podia ser encarado de várias formas


dependendo da origem da mitologia. Na maioria das vezes, o terror em si não
passava de um sentimento presente em grande parte das histórias para sinalizar
que apesar de serem deuses, eles não eram perfeitos e como os humanos, sentiam
medo.

Outra interpretação do terror se viu nas encarnações do sentimento de medo


como uma entidade própria, com o papel de espalhar o medo. Além dessas
interpretações outras foram mencionadas, podemos mencionar entre as mitologias,
as mais famosas: Greco-romana e nórdica.

1.2.1. Mitologia Greco-Romana


11

Mesmo sem uma origem certa, o terror achou seu lugar no folclore e mitologia
grega por meio de suas personificações nos deuses Phobos e Deimos,
respectivamente representando o medo e terror.

Nascidos do deus da guerra, Ares e da deusa do amor, Afrodite, os gêmeos


acompanhavam Ares em suas batalhas, infligindo medo e terror nos corações de
guerreiros que se levantavam contra seus pais. C. Scott Littleton aponta que muitas
vezes ambos são vistos como personificações destas emoções, mas ao mesmo
tempo, em outras interpretações na própria mitologia, são vistos não como
personificações, mas como o sentimento puro relacionado a eles, ou seja, Medo e
Terror.

Deimos e Phobos são mencionados várias vezes em obras conhecidas, como


a épica grega “Ilíada” de Homero e “Teogonia” de Hesíodo. Por exemplo:

"Ares levou esses [guerreiros] ... e Deimos (Terror) os levou, e Fobos (Medo),
e Eris (Ódio), cuja ira é implacável, ela a irmã e companheira do assassino Ares.".
(Homero, [762 A.C.?], n.p.)

A literatura romana também possuía seus equivalentes em Pavor e Terror,


deuses do medo e horror respectivamente, também conhecidos como Timor e
Metus, filhos de Marte e Vênus, e tinham as mesmas descrições que suas
contrapartes gregas.

Com símbolos fixados para o terror, durante uma era de guerras contínuas e
expansão do império, o medo era presente sobremaneira. Autores souberam utilizar
desse sentimento para entregar obras que futuramente serviriam como inspiração
para as obras de terror mais icônicas, introduzindo por exemplo, histórias de
espíritos vingativos como em “As vidas dos nobres gregos e romanos” de Plutarco
que descreve o espírito de um assassino que foi, ironicamente, assassinado numa
casa de banho, ambiente comum de frequentação da alta sociedade antiga.

A literatura greco-romana antiga tratou do terror em temas de vida pós a


morte, vingança, medo, traição e até o próprio princípio de possessão. Um dos
elementos mais comuns da mitologia se encontra nas intermináveis profecias de
oráculos, onde consequentemente, pelo destino, o filho mataria o pai. E esses
elementos mostravam a humanidade dos deuses ao sentirem-se ameaçados pelos
12

mortais, os colocava na posição de um mortal que sempre foi vulnerável. O princípio


do Terror, provocar desconforto, medo ou até mesmo raiva se via presente nos
próprios deuses que se julgavam perfeitos.

Eventualmente, as histórias antigas viriam a inspirar as criaturas que hoje


conhecemos como monstros, tais como o Lobisomem que surgiria na lenda de
Licaão, filho de Pelasgo, que teria sido transformado em lobo juntamente de seus
filhos após enfurecer Zeus ao servi-lo como banquete a carne de um dos seus
escravos.

A presença de bruxas e fantasmas era também enorme na mitologia greco-


romana, muitas vezes em obras sendo consultados como fontes de sabedoria e
auxílio, que levariam à releitura desses elementos como entidades que muitas vezes
possuíam suas próprias agendas e objetivos, muitas vezes.

1.2.2. Mitologia Nórdica

A mitologia nórdica (ou germânica) é contada através da Edda poética ou da


Edda em prosa, que apesar de divergirem em alguns acontecimentos, sempre
terminará com o novo mundo surgindo após o Ragnarok, e mesmo não possuindo
um deus ou entidade diretamente ligado ao terror ou medo, possui o terror ligado
diretamente à história por seus personagens e ações. Odin, o pai de todos os
deuses e rei de Asgard sacrifica seu olho pelo conhecimento, que acaba por revela-
lo o destino inegável que é o Ragnarok além de confirmar seus medos a respeito da
sua própria mortalidade mesmo sendo um deus.

Os contos nórdicos tratam os deuses como seres que apesar de muito


importantes, possuem certa mortalidade, possuindo longevidade através do pomo
dourado da deusa Iduna. Porém não se trata de uma condição permanente, por
necessitarem provar da maçã novamente assim que possível.

Odin ao perceber que é impossível parar o Ragnarok, por se tratar de um


ciclo e não um evento isolado, em seu medo, volta sua atenção para o reino de
Midgar, que é equivalente ao nosso mundo, pois precisava de um exército para o dia
da batalha final, e todas suas ações e planejamentos começam a girar em torno de
atrasar o Ragnarok, pelo simples sentimento de medo da morte.
13

Seguindo o costume nórdico também, guerreiros e deuses necessitavam


morrer em batalha de forma gloriosa para poderem ter seu banquete e descanso ao
lado de Odin em Valhalla. Aqueles que não morriam em batalha eram enviados para
Helheim, onde a deusa da morte Hel reinava, sem qualquer chance de retorno ou
recompensa e glória.

Mostrando que mesmo não possuindo um símbolo ou encarnação, o medo e


terror eram presentes na mitologia nórdica através dos próprios deuses e seus atos
desesperados de atrasar o Ragnarok

1.2.3. Demais mitologias

Com as mais notáveis mitologias abordadas acima, também podemos citar


exemplos como o medo do retorno do caos primordial na mitologia egípcia. Uma
força presente antes de toda criação que ameaçava acabar com o equilíbrio do
universo, sendo preciso um perfeito equilíbrio entre ordem e caos a fim de evitar
uma era de terror sob caos interminável.

O medo e terror são tidos como parte do ciclo da existência na mitologia


hindu, entretanto, não tendo uma conotação negativa, mas sim um entendimento
sobre seu papel no grande esquema universal de morte e renascimento. O mesmo
se vê presente na mitologia navajo do povo nativo norte-americano. Por prezarem
pela bravura e coragem além da ligação do homem com a natureza como parte dela,
o medo e terror se veem como momentâneos, e a morte como natural e parte do
ciclo da vida.

Com diversas interpretações e a presença da emoção principal do terror, o


medo, em prosas, poemas, canções e histórias, o terror adquiriu uma base sobre
como poderia ser interpretado, mas ainda assim não se manteve fixo a somente
uma interpretação, sendo assim separado eventualmente e com o decorrer dos anos
em diferentes tipos de terror, onde podemos destacar subgêneros como o terror
psicológico, romances de vampiro, histórias de fantasma e temáticas englobando
mortos vivos.
14

CAPÍTULO 2 - O TERROR ATRAVÉS DO TEMPO

Este capítulo tratará da evolução do gênero literário através da história,


iniciando-se na antiguidade da Grécia e Roma até o século XX, contando também
com exemplos, descrições e resumos de obras, assim como breves descrições dos
grandes nomes afiliados às obras.

Mesmo não havendo um ponto temporal certo ou consenso sobre a


introdução do terror como gênero literário, ainda assim podemos destacar as muitas
obras que precedem o dito pai do terror, Edgar Allan-Poe. Por bastante tempo, as
histórias de terror foram releituras de mitos antigos provenientes de mitologias, como
por exemplo o lobisomem, visto no conto grego de Licaão, que se popularizou em
diversas histórias de autores franceses, muitos anônimos, durante períodos dos
anos 1000 D.C. em forma de contos líricos, descrevendo homens ou guerreiros que
possuíam bestas dentro de si, e assim também, o lobisomem se popularizou com
uma mitologia própria, assim nascendo o lobisomem dourado do qual todos os
lobisomens derivam de. Suas fraquezas e pontos fortes, habilidades e aspectos
foram cantados e repassados por homens que teriam visto ou encontrado um
lobisomem, eventualmente fazendo como o lobisomem se tornasse uma lenda
urbana que transita entre o real e o fictício.

O mesmo aconteceu com a figura de vampiros, sendo que todos são


provenientes do único, verdadeiro vampiro, o Conde Drácula.

O século XV contou com uma das figuras mais cruéis e violentas da história
em Vlad III de Valáquia, também conhecido como Vlad Tepes ou Vlad, o Empalador.
A lenda popular diz que após decapitar seu pai em duelo, Vlad teria se tornado uma
das figuras mais imponentes deste período da história, batendo de frente com o
império otomano, empalando seus inimigos como punição por se levantarem contra
ele, demonstrando sua crueldade. Sua importância para o terror na literatura
aparece quando o mesmo é tido como a inspiração para o famoso Conde.

Criado pelo escritor Bram Stoker em 1897, a obra Drácula retrata a história de
um nobre e sua tentativa de se mudar da Transilvânia para a Inglaterra, afim de
espalhar a maldição dos mortos-vivos, além de sua batalha contra um grupo liderado
pelo professor Abraham Van Helsing. Drácula foi uma das obras principais que
15

estabeleceu a “mitologia vampiresca”, como suas fraquezas em água corrente e


inabilidade de adentrarem uma residência a menos que convidados, além da famosa
estaca de madeira através do coração.

Drácula se tornaria um personagem tão carismático que até hoje são feitas
releituras sobre o mesmo e a imagem do vampiro, que se popularizaria tanto que
eventualmente acharia um competidor no lobisomem, também cruzando para o reino
entre o real e fictício. Algumas novas versões do Drácula são mostradas em sua
personalidade original de galanteador e sedento por sangue para sua alimentação
pessoal e apaixonado por uma mortal, outras versões deram a Drácula um ódio da
humanidade e um filho chamado Alucard que discorda da visão de mundo do pai e
suas ações e esforços para erradicar a raça humana, assim como acabar com sua
própria vida após a morte de sua amada que é erroneamente acusada de bruxaria.

Uma de suas releituras criadas pelo mangaká Kouta Hirano em sua obra
Hellsing de 1997, vê Drácula (chamado na obra de Alucard), que após ser derrotado
pelo professor Van Helsing, termina como prisioneiro e servo da linhagem Helsing, e
ao conhecer a descendente de seu rival, Sir Integra Fairbrook Wingates Hellsing,
Alucard começa a operar como executor de ordens da organização criada por Van
Helsing para eliminar entidades sobrenaturais, monstros , indivíduos que acreditam
ser guiados por vontade divina, bem como outros vampiros.

Figura 1. Capa do mangá Hellsing por Kouta Hirano.


Nela, Drácula na era contemporânea.
16

Drácula também é visto como um dos personagens principais na obra infantil


“Hotel Transilvânia”, onde o mesmo abre sua casa (contra sua vontade) para a
hospedagem de outros monstros. Com uma atmosfera mais cômica, Drácula é
retratado como um pai exemplar, super protetor e preocupado com o futuro de sua
filha que se apaixona por um humano.

O conde viria a aparecer também nos quadrinhos, tendo como adversário o


Batman na trilogia “Batman vs Drácula” de Doug Moench (1991), divididos nas obras
Red Rain, Bloodstorm e Crimson Mist. A história segue um mundo alternativo onde
Batman toma conhecimento da existência de Drácula e por vontade própria se torna
um vampiro a fim de derrotá-lo, o que acaba fazendo com que Batman se torne uma
ameaça maior do que o próprio Conde quando o mesmo não consegue controlar sua
sede por sangue e inicia uma caçada contra seus vilões mais conhecidos.

A literatura futura também seria influenciada por outras figuras famosas, tendo
monstros e assassinos criados baseados em suas ações e vidas. Tal como foi com
Vlad III, Gilles de Rais receberia o mesmo tratamento.

Gilles de Rais era um cavaleiro e comandante do exército francês durante a


Guerra dos 100 Anos. Ao lado de Joanna d’Arc, Gilles lutou contra os ingleses e
seus aliados, sendo até apontado como Marechal da França. Com a morte de
Joanna, Gilles abandonou a vida militar e acaba sendo acusado de se envolver com
ocultismo e magia negra, eventualmente sendo acusado também de uma série de
assassinatos de crianças após 1432.

Seguindo uma investigação, Gilles de Rais é ligado aos assassinatos e


confessa ser o responsável pelas mortes de pelo menos 100 crianças e é
condenado à morte por enforcamento público. Gilles é tido como a inspiração para o
conto francês Barbazul.

A versão mais famosa e sobrevivente do conto é a versão de Charles


Perrault, publicado em 1697, e conta a história de um homem que se casa e mata
suas esposas, contando os esforços da atual esposa de Barbazul para escapar de
um destino como o de suas predecessoras. Contos similares incluem White Dove,
um conto anônimo francês incluído na coletânea Contes des Pyrénées por Gaston
17

Maugard e The Robber Bridgeroom e Fitcher’s Bird, contos alemães anônimos,


incluídos em uma coletânea de histórias e contos pelos Irmãos Grimm.

A influência do Barbazul foi tamanha que hoje, o ato de matar esposas de


forma sucessiva, em inglês, é referido como “to bluebeard”. Barbazul, assim como
Drácula e Lobisomem seria também adaptado em outras obras ocupando outras
funções. Algumas vezes sendo um nobre, outras versões o interpretando como um
feiticeiro, e também como o próprio Gilles de Rais como um feiticeiro, antagonista
secundário na light novel Fate/Zero, escrita por Gen Urobuchi que reimagina figuras

Figura 2. Capa do terceiro volume de Fate/Zero por Gen


Urobuchi. Ao fundo, Gilles de Rais como Barbazul.

Fonte. https://ugw.neocities.org/novels.html acesso em 17


de novembro de 2020.
históricas ou míticas como guerreiros em uma espécie de Guerra Santa, o campeão
tendo como recompensa seus desejos realizados pelo poder do Santo Graal.
18

Baseado no Romantismo e com o início do horror gótico, o terror do século


XVIII foi escrito muitas vezes com a intenção de causar sentimentos controversos
baseados em medo.

O termo “gótico” literário, assim como o terror, pode se referir a muitas coisas,
sendo todas elas relacionadas de alguma forma ao sentimento do medo e podendo
ser empregado por qualquer lado em discussões por divergências de opiniões e
vertentes políticas, assim como o medo em geral de movimentos que aconteciam na
época, como a própria revolução francesa.

O movimento do horror gótico ganhou certa forma com a publicação da obra


O Castelo de Otranto, por Horace Walpole em 1764. O romance foi publicado na
primeira edição como uma tradução de um romance medieval de autoria italiana,
passando-se como descoberto e traduzido anonimamente, mas ao ser revelado
como uma obra moderna, gerou um misto de emoções de desconforto, mas foi, no
final, bem recebido. Sendo essa a primeira obra nos padrões góticos, O Castelo de
Otranto mesclava o romance antigo com um romance mais firmado na realidade,
tratando de emoções violentas e levando os personagens do romance ao extremo
do psicológico, além de também tratar de temas controversos como crueldade e
erotismo, assim inspirando muitos outros escritores e escritoras como Anna
Radcliffe, Matthew Lewis e até eventuais grandes nomes como Bram Stoker e Mary
Shelley.

2.1. O GÓTICO E OS CONTOS DE FADAS

Com o gótico sendo a marca do terror no século XVIII, o século XIX veria um
crescimento no número de obras góticas inspiradas por Horace Walpole, levando o
terror para uma abordagem mais fixada no sobrenatural. Tratando de monstros,
fantasmas e espíritos, como foi o caso das muitas histórias colecionadas pelos
Irmãos Grimm, um exemplo famoso sendo Hänsel und Gretel, conhecido também
como João e Maria. O conto retrata dois irmãos que são abandonados na floresta
por seu pai, a pedido de sua esposa (e madrasta das crianças) para que não
morressem de fome devido à falta de alimento para todos na casa, e após duas
tentativas, as crianças se perdem na floresta quando levados uma terceira vez.
Enquanto perdidos, as crianças encontram uma casa feita inteiramente de doces e
habitada por uma bruxa canibal que após enganá-los com uma faceta de velhinha
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benevolente, os prende dentro de sua casa, engordando Hansel para que pudesse
devorá-lo e forçando Gretel a ser uma escrava doméstica.

Após enganar a bruxa por semanas, e mesma se enfurece e decide comer as


duas crianças e ordena que Gretel abra o caldeirão no fogo. Fingindo não entender
as instruções, a bruxa se aproxima para demonstrar e é empurrada para dentro,
sendo cozinhada até a morte. O conto se encerra com as crianças voltando para
casa com ouro e outras riquezas encontradas na casa da bruxa e vivem felizes para
sempre.

Um padrão visto em histórias de contos de fadas é o de suas primeiras


edições serem absurdamente mais violentas ou explícitas que as versões finais
muitas vezes associadas hoje com os “contos Disney”.

A grande verdade por trás dos contos de fadas que hoje conhecemos e que
foram feitos famosos pelo bordão “...e viveram felizes para sempre” não
necessariamente tinham finais felizes na maioria das vezes. Versões coletadas
pelos irmãos Grimm desses contos em suas versões “não refinadas” e não
adaptadas tinham elementos que deixavam o desenrolar de cada história diferente,
mais macabro, e que induzia medo ou desconforto pela descrição de detalhes nos
contos.

No caso do famoso conto da Cinderella por exemplo, diferente do conto com


o qual nos acostumamos, não existiu Fada Madrinha, elemento que só seria
introduzido muito mais tarde em versões mais adequadas para crianças. Ao invés da
benevolente fada, Cinderella havia passado sua vida inteira regando com suas
lágrimas uma planta acima do local onde sua mãe havia falecido, até tornar-se uma
forte árvore que abrigava pássaros. Esses pássaros auxiliaram Cinderella fazendo-a
flutuar acima do fogo para resgatar um vestido que sua madrinha havia prometido
permitir que ela usasse para ir ao baile, o que no final, era mais uma mentira.

Após recitar uma pequena rima à arvore que possivelmente era mágica, os
mesmos pássaros a entregaram um vestido novo tão lindo quanto o anterior e
sapatos dourados. Não houve tempo limite do feitiço, mas ao final de cada noite de
baile, que era um evento de três noites, Cinderella tentava despistar o príncipe para
manter sua identidade um segredo.
20

Na terceira noite, entretanto, o príncipe se antecipou e derramou piche nas


escadas do palácio, e Cinderella para escapar do piso grudento, abandonou um dos
sapatos dourados. A história diverge mais ainda do material que conhecemos hoje
quando o príncipe chega na residência de Cinderella e suas irmãs tentam provar o
sapato dourado.

A primeira irmã não consegue vestir o sapato dourado e sua mãe diz ser por
culpa de seu dedão, o que faz com que a filha, em desespero, corte fora seu dedão
para que o calçado sirva, e o príncipe por um segundo acredita, até ver que o sapato
se enchia de sangue.

A segunda filha também tentou calçar o sapato, mas por conta de seu
calcanhar grande, não conseguiu, e por fim, seguiu os mesmos passos da irmã por
orientação de sua mãe, e o resultado foi o mesmo.

Até que, eventualmente, Cinderella finalmente calça o sapato dourado, que


serve perfeitamente, e imediatamente ela deixa sua família para se casar com o
príncipe e ter seu “felizes para sempre”. Mas a história teria um último desenrolar na
versão contada pelos irmãos Grimm.

As irmãs decidem juntas, como ato de boa-fé, atender ao casamento do


príncipe e Cinderella, os pássaros da árvore de Cinderella, entretanto, não gostam
da decisão e por fim decidem bicar os olhos das duas irmãs para que ambas fiquem
cegas para sempre.

Contando com mais de 100 contos nas coleções dos irmãos Grimm, sua
grande maioria recebe o mesmo tratamento, lidando com o grotesco ou temas
considerados pesados por fazerem mais sentido num ponto de vista realista,
levando em conta a natureza humana falha, como foi o caso das irmãs de Cinderella
que desesperadas para casar com o príncipe, mutilaram os pés sem sequer pensar
sobre o ato.

Outro exemplo famoso é o da Branca de Neve, que segue fielmente a história


que conhecemos, até o momento final, quando no casamento de Branca de Neve e
o príncipe, ambos convidam a rainha para a cerimônia, entretanto, a forçam a vestir
um par de sapatos incandescentes, a forçando a dançar até morrer.
21

Houveram também exceções onde os Irmãos Grimm acabaram por fazer


releituras que melhor se adequavam aos padrões sociais do que outras versões
mais antigas, sendo A Bela Adormecida o conto cuja versão que conhecemos hoje a
introduzida pelos Irmãos Grimm e a feita mais famosa graças às animações Disney.

Existiram outras duas versões do conto, criados por Giambattista Basile e


Charles Perrault. Na versão de Basile, após a princesa (aqui chamada de Talia)
adormecer, seu pai, um lorde, a abandona juntamente com sua casa para que
pudesse esquecer das dores que sentia por sua aparente morte. Eventualmente, um
rei passou por perto e avistou Talia adormecida, e após admirá-la, a estuprou. Nove
meses depois, Talia, mesmo adormecida, deu à luz a gêmeos chamados Sol e Lua.
Quando um de seus filhos, procurando alimento de sua mãe, chupou o dedo com a
farpa, a mesma por acidente foi removida e Talia despertou. O Rei após esse tempo
voltou para mais uma visita e se deparou com Talia acordada e mãe de gêmeos, a
informando então sobre quem era e o que havia acontecido, decidindo levá-la com
ele para seu reino.

Ao retornar, sua esposa escuta o rei mencionar “Talia, Sol e Lua” e pressiona
a ajudante do rei a contar a verdade. A rainha então escreve à Talia como se fosse o
rei, pedindo para ver Sol e Lua, e as crianças são enviadas até ela, que planejava
que o cozinheiro do palácio fizesse um prato com as crianças para que o rei os
comesse, o cozinheiro, entretanto, escondeu as crianças e cozinhou dois cordeiros
no lugar deles. A rainha então requisita a presença de Talia e ordena que a mesma
seja queimada viva, mas o rei intervém e ordena que a rainha seja morta queimada
por ter o traído, e o cozinheiro que salvou as crianças é recompensado.

Charles Perrault reconta a história de forma similar, substituindo a figura do


rei pela de um príncipe e sem o abuso da princesa. A rainha má, mãe do príncipe e
de linhagem de ogros, insatisfeita com a escolha do filho, agora rei, leva a jovem
nova rainha e seus filhos Aurore e Jour para uma casa isolada na floresta e
planejava devorá-los. Novamente, o cozinheiro encarregado de cozinha-los salva os
três, mas é descoberto pela rainha, que prepara um recipiente enorme repleto de
cobras, víboras e outras criaturas e se prepara para arremessar a jovem rainha e
seus filhos no recipiente, mas o rei consegue chegar no último instante e salva sua
22

família, expondo a sua mãe pelo que realmente é, e a arremessa no mesmo


recipiente que ela usaria para matar sua família.

Chapeuzinho Vermelho receberia os mesmos tipos de ajustes, visto que uma


de suas versões anteriores incluía uma parte onde o Lobo ordenava que
Chapeuzinho removesse suas roupas e se deitasse na cama da avó junto dele, a
menina por achar a ordem estranha, dá a desculpa de estar apertada e foge pelo
banheiro em uma versão anônima.

Na versão que se acredita ser a original, escrita por Charles Perrault, não
existe caçador e o Lobo devora a ingênua Chapeuzinho, sendo essa uma das
versões sem um final feliz, mas com uma lição de moral sobre a importância de não
falar ou confiar em estranhos.

Outro conto que não recebe final feliz é o conto que inspiraria “A Pequena
Sereia”, escrito por Hans Christian Andersen, onde a filha do Rei dos Mares se
apaixona por um mortal da superfície e troca sua voz por um par de pernas por meio
de um pacto com a Bruxa do Mar. Após fazer de tudo para que o príncipe se
apaixone por ela, sem sucesso, o príncipe decide se casar com outra jovem,
quebrando o coração da sereia. Ela é convidada à cerimônia e é obrigada a assistir
a felicidade alheia. Desiludida e sem rumo, suas irmãs emergem do mar com uma
adaga dada a elas pela Bruxa do Mar em troca de seus longos e belos cabelos. A
adaga devolveria sua forma de sereia se ela matasse o príncipe e derramasse seu
sangue sobre as pernas, mas antes de realizar o ato, ela desiste, e como punição
própria por ter sido egoísta, decide pelo suicídio, se jogando do alto de um penhasco
e virando espuma quando cai no mar.

Todos os contos de fadas desse período englobam o fator do fantástico


característico do horror gótico, além de dificuldades específicas que os personagens
sofrem e a loucura característica dos antagonistas dos contos. Algumas histórias
ainda contavam com críticas aos costumes da sociedade como foi o caso de “A Bela
e a Fera”, onde Bela representa a jovem garota que teve um casamento arranjado
com um homem que ela sequer conhece, e acaba por rejeitar a Fera, que representa
este homem que é perdidamente apaixonado por ela mas não é aceito de forma
alguma por Bela até poucos momentos antes de sua morte, quando Bela pondera
sobre suas escolhas e se deveria ter se casado com a Fera ou não após reconhecer
23

seu amor por ela. Casamentos arranjados eram muito comuns na antiguidade,
muitas vezes por status ou riqueza, o que muitas vezes vinha a custo da felicidade
da mulher.

Contos de fadas foram ricos no estilo gótico e lições de moral, além de


críticas sutis expressadas por meio de seus personagens, mas no final foram só
uma parte do que o horror gótico inspiraria.

2.2 MONSTROS E ROMANCE NO TERROR

O século XIX como já mencionado foi juntamente com o final do século XVIII
o ápice do horror gótico, iniciado pelo Castelo de Otranto de Walpole, gerando
inspirações para muitos escritores da época que viriam a desenvolver suas próprias
marcas que transcenderiam o tempo, como foi o caso de Mary Shelley com sua obra
Frankenstein, também chamado de O Prometeu Moderno em 1818.

O conceito da história veio à Shelley durante uma sugestão de seu amigo e


também escritor, Lord Byron, que propôs que todos presentes na casa onde
encontravam-se de férias – devido a um clima anormal causado por uma erupção –
escrevessem uma história de fantasmas, mesmo que Shelley inicialmente não
tivesse ideia do que escreveria, ela acaba por ter um pesadelo onde um jovem, com
o auxílio de eletricidade dava vida à uma criatura horrenda.

Acredita-se que o pesadelo foi o último elemento, juntamente com suas


experiências com morte e vida, que levaram Shelley a escrever a obra que traria um
impacto ao horror na forma de um romance gótico. Seu entendimento de vida e
morte eram baseados na infeliz morte de sua mãe, apenas onze dias após seu
nascimento e no nascimento de seu bebê prematuro que infelizmente também não
resistiu e faleceu anos antes da viajem com Percy Shelley, seu então futuro marido e
Lord Byron.

Conversas de Percy e Byron sobre a possibilidade do uso da eletricidade no


estimular de músculos também tiveram seu papel em preparar um solo para a obra
Frankenstein.

Como padrão de um conto gótico, Frankenstein trata de assuntos mais


profundos do que inicialmente percebe-se, no caso de Frankenstein, o monstro
criado pela insanidade e arrogância do Dr. Victor Frankenstein se mostra
24

inicialmente bom, apesar de ser sempre agredido quando encontra humanos, jamais
devolveu um golpe e optou por se esconder após escapar do laboratório de
Frankenstein.

Eventos da trama, entretanto levam o monstro a se desiludir e amargurar com


a raça humana, por apesar de sempre fazer o bem, ele sempre acabar agredido sem
motivo algum além do medo que outros tem de sua aparência gigantesca e anormal.
Insatisfeito com sua existência, o monstro procura novamente seu criador e o
ameaça para que o doutor crie vida novamente, uma noiva para o monstro, com
quem ele poderia finalmente achar um igual e abandonar a raça humana de uma vez
por todas.

Sem escolha inicialmente, Frankenstein se vê obrigado a criar uma nova


criatura, mas antes de termina-la, ele repensa sobre estar criando uma potencial
ameaça para o mundo todo e não só para si, e destrói a criatura incompleta,
enfurecendo o monstro, que jura vingança.

Com o passar do tempo, Frankenstein se casa com sua irmã de criação,


Elizabeth e ambos partem juntos para sua lua de mel, enquanto Victor,
incessantemente se preocupa com um possível ataque do monstro. A criatura surge,
mas não o ataca, optando por estrangular Elizabeth para que o doutor sofresse
como ele sofreu, o choque da notícia da morte de Elizabeth faz com que seu pai
adoeça e também morra, deixando Victor sozinho com seus sentimentos de raiva,
jurando vingança e iniciando uma caça à criatura.

A caçada do doutor se estende por conta de seu desejo de vingança,


ultrapassando as barreiras da sanidade novamente, criando uma nova obsessão.
Antes vida, agora a morte do que criou. Victor acaba negligenciando sua saúde e
acaba falecendo num barco, onde é encontrado por seu amigo Walton, que se
surpreende com a criatura, que pranteava por seu criador, que apesar de não ser
boa pessoa, ainda assim o tinha dado vida e era, essencialmente, como um pai.

O monstro conforta Walton dizendo que não irá cometer mais nenhum crime,
assim como todos os pecados do doutor foram pagos com sua morte, a criatura
escolhe no final ir ao extremo norte sozinho, e cometer suicídio.
25

Frankenstein abre uma discussão sobre quem na verdade era o monstro na


história. A criatura ou o doutor? É de aceitação geral que o verdadeiro monstro da
obra seja, de fato, Victor Frankenstein. Seu comportamento arrogante, egoísta e
obcecado por sua obra não permitiu que Victor aceitasse sua criação, o que levou
eventualmente à morte de toda sua família, assim como sua própria.

Enquanto isso, a criatura é vista como um ser que só procurava aceitação já


que não a recebia de seu criador, e eventualmente, após receber muito abuso dos
humanos, a criatura começa a se portar como os outros o viam, um monstro.
Essencialmente violento e ameaçador até os últimos momentos de vida de seu
criador, quando se lembra de que apesar do sentimento de repulsa e raiva que sente
por Victor, o mesmo ainda era, de alguma forma bizarra, seu pai. A criatura
reconhece que ambos perderam tudo nessa caçada e decide morrer sozinho,
abandonando qualquer tipo de esperança que anteriormente tinha sobre aceitação
pois já havia se tornado o monstro que todos temiam.

A obra em si é um romance gótico, logo, foca demais nos pensamentos das


personagens, além da insanidade de Victor, a perda de esperança na humanidade
da criatura, assim como suas dificuldades em ser aceito pelos humanos.
Ironicamente, Victor via sua vida como sem sentido a menos que ele criasse vida, e
por ter criado a criatura, o rejeita por medo. Na mesma intensidade, sua vida volta a
ter sentido quando jura vingança pela morte de sua amada e foca seus esforços na
morte da criatura, que volta a ser o centro de sua atenção total, ao ponto de adoecer
por não se cuidar devidamente durante toda a duração da caçada. No fim Victor foi
obcecado com vida e a criou, e ao obcecar com morte, também a encontrou.

Releituras da história eventualmente chamariam a criatura de Frankenstein,


justamente por se tratar da relação que o doutor tinha com a criatura, que era
semelhante à de um pai e filho, já que o mesmo tinha dado vida à criatura.

Curiosamente, durante a concepção da ideia de Frankenstein por Mary


Shelley, outro escritor além de Byron e Percy Shelley estava presente na casa onde
passavam as férias, e esse era John Polidori, que também escreveu um romance, e
o intitulou de “O Vampiro”, publicado só um ano após Frankenstein, em 1919, obra
que introduziria o vampiro que conhecemos hoje, fazendo assim com que fosse a
eventual inspiração para a criação de outros vampiros como Barnabas Collins pelo
26

diretor Dan Curtis para o programa Dark Shadows em 1968, além do próprio Drácula
de Bram Stoker.

O Vampiro tratava de Aubrey e Lorde Ruthven. Ruthven era um homem


misterioso e secretamente, um vampiro. Aubrey se aproxima de Ruthven, que o
ensina sobre a lenda vampiresca durante uma viagem à Roma onde logo após ouvir
a lenda, uma jovem é morta por um vampiro.

Pouco tempo depois, Aubrey e Ruthven são atacados violentamente por


bandidos e Ruthven acaba ferido mortalmente. Antes de morrer, Ruthven faz Aubrey
jurar que não mencionaria nada sobre sua morte ou qualquer outro detalhe sobre
sua vida para ninguém por um ano e um dia.

Ruthven ressurge então em Londres de onde haviam saído inicialmente,


surpreendendo Aubrey. O vampiro começa a seduzir a irmã de Aubrey que nada
podia fazer para impedir por estar preso a uma promessa que fez. Ruthven acaba
por se casar com a irmã de Aubrey no dia que a promessa acabaria. Um dia antes e
perto de morrer, Aubrey escreve uma carta para sua irmã revelando as verdadeiras
intenções de Ruthven e sua natureza como vampiro, mas infelizmente a carta não
chega a tempo e sua irmã é encontrada morta, sem sangue e Ruthven,
desaparecido.

Outra obra conhecida e publicada no século XIX foi Notre-Dame de Paris, ou


O Corcunda de Notre-Dame, de Victor Hugo, publicado em 1931. O romance gótico
pouco focou no personagem titular da obra, tratando mais do amor nutrido por
Quasimodo e Frollo pela bela cigana Esmeralda.

A profundidade da obra está nas diferentes formas de expressar o amor.


Onde Quasimodo ama Esmeralda sem ter qualquer tipo de interesse, sendo assim
um amor inocente. Frollo nutre paixão e desejo sexual pela cigana, mas também
mostra ternura e carinho por ela, mostrando um amor equilibrado. No final,
Esmeralda não escolhe nenhum dos dois e se apaixona por um oficial da guarda
real chamado Febo, que não sente nada além de desejo por Esmeralda, apesar de
também ser casado.

A obra não é só um romance entre Quasimodo e Esmeralda como esperado


de romances, mas trata da ambiguidade do amor como um sentimento, as
27

dificuldades de Frollo para aceitar seu amor por Esmeralda se comparados ao amor
que sente por Deus e expõe sutilmente toda a realidade do que acontecia em
Londres com a alta sociedade observando barbaridades como se fossem shows
para sua diversão, soldados cometendo crimes e saindo impunes, ciganos presentes
e até o próprio rei da época como personagem, visto que o rei atendia as missas na
catedral frequentemente. No final das contas, Vitor Hugo teria escrito o romance
como forma de conscientizar o público adulto sobre a necessidade da preservação
da Catedral de Notre-Dame, já que era o bem mais precioso que possuíam em
Londres.

Ironicamente, nenhum dos personagens principais era o monstro nessa obra,


especialmente Quasimodo que apesar de sua deformidade, jamais demonstrou
qualquer ato de maldade, muito menos Frollo que na realidade era somente um
homem torturado por seus próprios sentimentos conflituosos de amor por duas
coisas que desejava. A considerada vilã da obra se chamava Fleur-de-Lys, a esposa
do guarda que Esmeralda escolhe amar, meramente porque suas ações no romance
são encorajadas por nada mais do que ciúmes, que culminam na morte de sua rival,
Esmeralda.

O romance gótico sempre contaria com uma narrativa que envolvia um amor
trágico, muitas vezes não correspondido, ou correspondido, mas com um preço a se
pagar. Consolidando ainda mais o fato de que o terror pertence à vertente da
tragédia, onde nem sempre tudo dará certo e nem sempre o herói vencerá.
Eventualmente, o terror se tornaria mais pessoal quando diretamente canalizado de
experiências próprias da vida de autores, um nome de destaque que introduziu o
terror baseado em extrema tristeza foi, Edgar Allan-Poe.

2.3. O PAI DO TERROR, EDGAR ALLAN-POE

Conhecido hoje como o pai do terror (grifo nosso), Edgar Allan-Poe foi uma
figura de extrema importância durante o século XIX e um dos autores mais
importantes que levariam o terror para o caminho que conhecemos hoje.

Voltando ao objetivo principal do terror, que é causar sentimentos negativos


associados com medo, raiva, desgosto, pavor e repulsa, Poe canalizava muitas de
28

suas emoções negativas em suas obras, baseadas em experiências traumáticas


para o mesmo, onde tomado por tristeza, a inspiração o atingia.

Edgar Allan-Poe perdeu ambos os pais aos três anos de idade, sendo
acolhido pela família Allan. John Allan, seu pai o criou para ser um empresário, mas
Edgar queria mais que tudo poder ser como seu herói, Lord Byron, o mesmo que
ajudara Mary Shelley com as publicações de Frankenstein.

Durante sua vida, Poe perdeu várias paixões, entre elas, a mãe de um amigo
que veio a falecer subitamente. Com a falta de uma figura materna verdadeira, Poe
se sentia acolhido pela mulher, e a notícia de sua morte o chocou a ponto de fazê-lo
entrar em profundo estado de sofrimento, quando em homenagem à sua falecida
paixão, Poe escreveu um poema intitulado “To Helen”, onde ele expressou a beleza
que sempre viu nela.

Durante a vida como universitário, apesar de ser bem versado nas matérias,
Poe acumulou muitas dívidas que acabaram por fazê-lo queimar seus móveis para
se aquecer, e então, frustrado com a falta de apoio de John Allan, decidiu abandonar
a faculdade de vez. Essas dificuldades relacionadas com a pobreza e frustração
serviriam de inspiração para outros poemas curtos, enquanto Poe se distanciava do
estilo longo e elegante de Lord Byron, eventualmente se mudando para Boston,
onde publicaria seu primeiro livro de poesias “Tamerlane and Other Poems”.

Após períodos de dificuldades, um período de tempo servindo nas forças


armadas e diversas mudanças, Poe encontraria um trabalho na Filadélfia como
crítico e editor de uma das revistas americanas mais famosas da época: Graham’s
Magazine.

Durante seis anos, Poe se mostrou muito produtivo e talvez nos seus
melhores anos de sua vida, onde enquanto trabalhava foi capaz de escrever “Fall of
the House of Usher,” “The Murders in the Rue Morgue,” “The Masque of the Red
Death,” e “Ligeia.”.

Poe enfim recebeu a tão esperada notoriedade com a publicação de sua obra
mais famosa, “The Raven” em 1845 e ao mesmo tempo realizou seu desejo de ser
dono de um jornal literário. Com a morte de sua esposa Virginia, Poe continuaria
29

trabalhando como crítico e escrevendo poemas e histórias curtas, até morrer


subitamente aos 40 anos de idade por causas desconhecidas.

2.3.1 O ESTILO DE POE

Edgar Allan Poe foi o autor de várias obras literárias que incluem poemas,
contos e histórias curtas muitas vezes com temáticas mórbidas, sendo o autor
famoso por utilizar de temas controversos e sombrios em seus poemas, tal como
desespero causado por solidão, medo, espíritos, defuntos, enterramento prematuro
etc.

As obras de Poe, apesar de muitas vezes curtas, transmitem toda a emoção


de tristeza que o texto deseja transmitir em breves versos, é capaz de passar o
desespero sentido pelo personagem para o leitor como se fosse o próprio
personagem da obra, ou as vezes como um narrador personagem, como é o caso
de The Fall of the House of Usher, onde Poe explora a loucura humana, que leva o
narrador a descrever o cenário assustador da casa, assim como as sensações de
desconforto que sentia ao ver Roderick abatido fisicamente e mentalmente, e
Madeline adoecida sem qualquer chance de recuperação aparente.

Após dias tentando levantar o ânimo de Roderick, mas sem sucesso,


Roderick supõe que a causa do mal estar era a casa, algo que o narrador já havia
pensado sobre assim que adentrou o lugar. Mas com a morte de Madeline, ambos
optam por enterrá-la no porão da casa.

Com o passar dos dias, Roderick se vê ficando extremamente mais


angustiado e o narrador começa a ouvir barulhos que são impossíveis de se ignorar,
pensando ser Madeline no porão, viva e tentando escapar de seu túmulo. Para
confirmar, ambos vão até o porão e abrem o túmulo de Madeline que para a
surpresa de ambos, ataca Roderick, que morre de medo, assim como Madeline que
tem suas últimas forças drenadas e morre ao mesmo tempo que o irmão.

O narrador então foge da casa enquanto a mesma desmorona, sendo assim


esse a queda figurativa e literal da casa de Usher, por ambos serem os últimos da
família Usher e terem “caído da graça”, assim como a estrutura da casa, que era
precária, que também é um simbolismo para a situação atual da família, refletida no
local onde moram.
30

Edgar Allan-Poe também escreveu sobre morte e como sua chegada é


inevitável, como um convidado indesejado que chega misteriosamente e sem aviso.
Sua obra Masque of the Red Death trata exatamente disso.

No desejo de evitar uma doença chamada de “Red Death”, o príncipe


Prospero e mais 1000 nobres se refugiam no castelo, enquanto os aldeões da
cidade morrem dos sintomas da doença. Sem qualquer compaixão pela situação, o
príncipe organiza um baile de máscaras separado em sete câmaras coloridas, até
avistar um convidado que não deveria estar lá, vestido como “Red Death”,
aterrorizando aqueles presentes com sua presença.

O príncipe, furioso, ordena que o segurem para o enforcar por tamanho


desrespeito, os convidados, entretanto, abrem caminho para o convidado misterioso
por estarem com muito medo dele, permitindo que ele transite até a sétima e última
câmara. Prospero o persegue com uma adaga até alcança-lo, mas todos escutam
seus gritos agonizantes e descobrem o convidado, parado, e Prospero morto no
chão. Relutantes, os nobres removem a máscara do convidado e são surpreendidos
ao perceber que não havia nada sob a fantasia, eventualmente, sendo todos
afligidos com a doença e morrendo ali mesmo.

Mas nenhuma obra de Poe impactou tanto o mundo do terror e horror como
“The Raven”, simplesmente por sua habilidade de transmitir a angústia do texto
durante a leitura, assim como fazer com que o leitor se sinta envolvido a nível
pessoal na narrativa com o dilema apresentado entre esquecer e lembrar, por ser
um tema com o qual o leitor pode se identificar com.

A premissa principal do poema trata de um estudioso que encontra um corvo


falante que lentamente o induz à loucura sob as escolhas de se lembrar de sua
falecida amada e sofrer eternamente ou esquecê-la completamente, o corvo
representando o mal e a morte, assim como a angústia do narrador e o
conhecimento que ele ganha em troca desse sofrimento. “The Raven” trata da morte
em todos os seus aspectos, seja físico, supernatural e em si é uma metáfora sobre a
morte da esperança.

Através dessas contribuições, Poe entraria para a história como um dos


autores de terror mais conhecidos da história, tendo seu valor reconhecido e
31

recompensado com o título de “Pai do Terror”, inspirando vários outros escritores


que viriam após ele.

2.4 O TERROR DO SÉCULO XX

O início século XX contou com publicações periódicas, que ajudaram muito no


desenvolvimento do terror “pós-Poe”.

Serializações foram famosas durante esse período por ser mais barato
publicar partes da obra do que publicar a obra completa de uma só vez. Foi uma
época de reinvenções para o terror, onde novos gêneros foram criados, e antigos
gêneros como as histórias de fantasmas, reinventados.

Muitos escritores foram influenciados pelo trabalho de Poe, entre eles


podemos destacar Gaston Leroux, H.P. Lovecraft e M.R. James. Ocorrendo
eventualmente uma transição do horror gótico para histórias de mistério, uma nova
vertente do terror que se baseava no sentimento de receio, antecipação e suspense.
Vertente essa que foi utilizada por Gaston Leroux em The Phantom of the Opera.

Serializada de 1909 a 1910, The Phantom of the Opera conta a história de


uma casa de ópera que supostamente é assombrada por um fantasma, chamado
simplesmente de “O Fantasma da Ópera”. A história inclui 3 personagens centrais
para a trama: Christine Daaé, uma jovem sueca soprano, Vicomte Raoul de Chagny,
amigo de Christine e interesse amoroso da moça e Erik, o notório fantasma.

A história se resume a ciúmes e obsessão, ambos por parte de Erik que vive
na casa de ópera e se apaixona perdidamente por Christine. A grande revelação da
obra é a descrição do rosto de Erik quando sua máscara é removida por Christine,
revelando um ser magro, com olhos fundos, sem lábios ou nariz e de pele
amarelada, quase semelhante a um esqueleto vivo.

Após ameaças e situações causadas por Erik, Christine acaba se


compadecendo da situação de Erik, reconhecendo que ele deve sofrer muito por
estar sozinho sempre, Erik por fim deixa ambos Christine e Raoul escaparem sob a
condição de Christine retornar ao local de sua morte e revolver o anel dourado que
ele a havia dado de presente e fazendo um quarto personagem, “o Persa” a noticiar
a sua morte aos jornais, visto que ele sentia que morreria em breve de “amores”, ou
coração partido. E assim foi feito, Erik falece subitamente de coração partido,
32

Christine retorna ao local para devolver o anel dourado, assim como enterrar Erik
num local onde nunca o encontrariam, do lado de fora, a manchete dos jornais
dizem “Erik morto”.

Sobretudo, The Phantom of the Opera é uma obra tremendamente


melancólica. Firmada nas bases da tragédia através da história de rejeição de Erik,
que abertamente diz que nunca beijou alguém, incluindo sua mãe, e nunca sequer
conheceu seu pai por se tratar de um mórmon devoto.

A frase de Christine “Poor, unhappy Erik” denota o reconhecimento da dor


que Erik carrega dentro de si graças à sua deformidade e auto exclusão causada
pelo medo de rejeição. A obra em si não trata de monstros ou de um verdadeiro
fantasma, por se tratar de um gênero relativamente novo para a época, os contos
investigativos.

Leroux viria a escrever outras obras, entre elas The Mystery of the Yellow
Room que retrata o personagem fictício Joseph Rouletablille que é enviado para
investigar um quarto que foi cena de um crime, onde aparentemente, o assassino
teria desaparecido sem nenhum traço.

The Mystery of the Yellow Room foi escrito com muito detalhismo para que o
leitor se sentisse dentro da sala explorada, incentivando o pensamento lógico do
leitor enquanto se descobre lentamente onde o assassino teria se escondido, o
gênero de investigação levaria à criação de outras obras sobre quartos fechados e
sem saída aparente, um conceito que alcançaria os dias atuais na forma de jogos
digitais.

Howard Phillips Lovecraft, profundamente inspirado por Poe, viria a contribuir


ainda mais para o terror através da criação de seu “Cthulhu mythos”, focado em
contos e poemas focados na existência de seres e deuses antigos. Suas obras
tratavam de temas como: Conhecimento proibido, influencias não-humanas sobre a
humanidade, destino, civilizações ameaçadas, raça e etnia, ameaças da tecnologia,
superstição e religião além da frequente utilização de cidades reais em suas obras
como versões literárias originais.
33

Lovecraft teve uma vida que acreditava ele, ser um desperdício, por ter escrito
diversas obras, mas nunca ter recebido qualquer tipo de reconhecimento enquanto
ainda vivo, seu sucesso e reconhecimento vindo somente após sua morte.

Sua maior contribuição viria da criação, desenvolvimento e uso de mais uma


vertente do terror, o horror cósmico que trata de ocultismo, possessões astrais e a
presença de seres que não se pode compreender, além de pequenas visões do que
melhor se aproximaria do que a mente humana consegue compreender.

O escritor Brian Stableford (2007) descreve a tradição do horror cósmico em


seu estudo “Icons of Horror and the Supernatural” como “heróica mas fadada a fazer
jus ao desafio de comunicar o incomunicável” e por fim, se prende fortemente em
descrever o que “não é” por não se poder compreender ou sequer repassar algo
similar que se aproxime da imagem de criaturas vistas no horror cósmico.

Todas essas características se veriam presente na criatura que dá nome ao


seu universo, Cthulhu (pronunciado da forma correta mais aproximada como
"KHHLOOL-hloo") e na obra que deu maior notoriedade para Lovecraft, O Chamado
de Cthulhu.

A obra, dividida em capítulos trata de uma série de mistérios deixados para


trás após a morte do tio do protagonista, que morreu aparentemente obcecado com
novas descobertas de uma língua misteriosa, anotações e uma pequena escultura
que aparentemente só podia ser descrita como se mostrasse a junção de uma figura
humana com um dragão e um kraken.
34

Durante suas investigações, o protagonista e aqueles que o acompanharam


se tomam conhecimento de um culto que venera a criatura esculpida por seu tio, o
identificando como Cthulhu, um ser que jazia morto até as circunstâncias
necessárias para seu despertar se concretizassem, sendo essas circunstâncias um
alinhamento específico das estrelas.

Confrontando a criatura que jazia em suas mentes, lentamente os levando à


loucura, o protagonista consegue escapar de Cthulhu, registrando toda sua aventura
no livro que é a própria obra em posse do leitor, avisando que agora que sabemos
demais, tanto ele quanto nós somos alvos do culto de Cthulhu, que os perseguiria
até o fim.

O horror cósmico não apela para textos assustadores como de costume, mas
transmite dúvida e confusão, justamente por tratar de seres que humanos não tem
como descrever, mas que ativamente tentam se aproximar desse conhecimento
proibido a qualquer custo. Horror cósmico beira o estilo de literatura investigativa,
usando de textos descritivos para localizar o leitor através das narrações de um
personagem.

O Chamado de Cthulhu em especial não se destaca por ser uma obra


assustadora, mas sim por ser uma obra estranha, que além de apresentar diversos
personagens, faz parte de um universo compartilhado com outras obras de Lovecraft
como o poema em prosa Nyarlathotep que apresenta um andarilho do mesmo nome
que é tido como o profeta do fim dos tempos e anunciador da vinda dos deuses
antigos e A História do Necronomicon, que conta a história de um livro antigo, feito
de pele humana e escrito a sangue usado em rituais que foi retido por várias
instituições e que compartilha sua escrita e língua com as anotações deixadas pelo
tio do protagonista de O Chamado de Cthulhu, eventualmente aparecendo também
em outras obras fora da “mitologia lovecraftiana” como em filmes como A Morte do
Demônio, onde é usado como catalisador do renascer de demônios e espíritos.

Lovecraft teria uma contribuição tão grande para o horror que até hoje, suas
obras inspiram novas visões e formas de se aproximar do mythos, seja por meio de
um sistema de RPG (Role-Playing Game), filmes que utilizam de elementos de
obras de Lovecraft como o Necronomicon como até mesmo artes e descrições de
Cthulhu.
35

Lovecraft, entretanto, não foi o único a contribuir grandemente para o horror


do século XX, visto que Montague Rhodes James viria a reinventar o antigo gênero
dos contos de fantasmas com suas séries de coleções de histórias de fantasmas.
James viria a desenvolver um estilo, cosiderado perfeito para a narração de histórias
de fantasmas, que foi batizada de “estilo Jamesiano” que geralmente inclue os
seguintes elementos: Um cenário característico de um vilarejo inglês ou de interior,
cidade antiga na França, Dinamarca ou Suécia; ou um castelo elegante ou
universidade.Um protagonista não muito sagaz e geralmente de natureza reservada
e uma descoberta de algum tipo de artefato ou livro cuja perturbação libertaria, de
alguma forma, a ira de algum espírito, muitas vezes com intuito vingativo.

James dizia que suas obras tinham como intuito fazer o leitor refletir sobre o
que estava acontecendo de forma como que se não fôssemos cuidadosos, algo
similar poderia acontecer conosco, voltanto novamente ao básico do terror:
Transmitir emoções de natureza negativa por meio da leitura e envolvimento pessoal
do leitor com os personagens e suas decisões.

James viria então a criar várias coleções de histórias de fantasmas divididas


em livros e diversos volumes como Ghost Stories of an Antiquary (1904), More
Ghost Stories of an Antiquary (1911), A Thin Ghost and Others (1919), e A Warning
to the Curious and Other Ghost Stories (1925). Até suas histórias eventualmente
serem transmitidas por rádio em programas dedicados a narrações de histórias de
terror.

O mundo então veria uma nova transformação do terror, na forma da temática


de Serial Killers, inspirados inicialmente em jornalismo sensasionalista sobre casos
de assassinatos e eventualmente no próprio mistério da identidade de Jack o
Estripador.

O terror teria o retorno de histórias que tinham como antagonista, um


assassino misterioso, fazendo um leve regresso ao tema gótico, mas sem o
elemento romântico que muitas vezes era o motivador de tais atos, substituindo esse
elemento por pura insanidade, desejo de fazer o mal ou sob o pretexto do vilão
simplemente ser uma pessoa sem a mínima concepção do que é fazer o bem,
comportamento muitas vezes proveniente de abuso ou outra situação traumática na
vida do assassino que não é revelado até os momentos finais.
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Um exemplo de obras inspiradas por assassinatos reais é Psycho, de Robert


Bloch, publicado em 1959. A trama gira em torno de Normam Bates que é dono de
um pequeno hotel na cidade que não tem recebido muitos clientes, até uma noite
quando uma jovem acaba por encontrar o hotel, e sem opções escolhe passar a
noite lá.

No desenrolar da obra, que nos faz pensar a todo momento que Robert era
um homem comum com uma mãe insana e assassina, nos é revelado que na
verdade Robert havia envenenado sua mãe anos atrás por ciúmes de seu novo
namorado, e desde então, após um interesse em livros de satanismo e ocultismo,
desenvolveu uma condição de psicopatia perigosa, onde ele se vestia com as
roupas de sua mãe e assassinava os hóspedes do hotel por ter se fixado em um
pensamento de não possuir vida além de uma vida devota à sua “mãe”. Capturado,
Robert permite que a personalidade de “sua mãe” tome conta de seu corpo de forma
permanente, com essa nova personalidade afirmando que é melhor assim pois o
verdadeiro perigo estava na personalidade assassina e ciumenta de Robert, e ela
não seria capaz de machucar uma mosca sequer.

Psycho, traduzido no Brasil como “Psicose”, inovou o gênero de assassinos


por seu estilo de escrita e enredo envolvente, além de despistar o leitor com
fragmentos que davam a entender que a presença feminina associada aos
assassinatos era de fato a mãe de Robert, e é aceito pelos críticos e editores
Stephen Jones and Kim Newman (1993) como “a obra mais duradoura de Bloch e
uma das obras literárias de terror mais influenciais do século XX”.

Com uma insurgência de assassinos durante o século XX, o terror começou a


ter adaptado para o cinema, com o gênero Slasher, que englobava todos os
conhecidos clichês do terror muito familiares para todos hoje, como o grupo de
jovens em uma viagem, tendo cada um uma característica chamativa, um assassino
misterioso, confronto e uma garota sobrevivente final.

Ao mesmo tempo, assassinatos reais inspiravam mais obras, como foi o caso
de Red Dragon e The Silence of the Lambs de Thomas Harris, que apresentaram
assassino Dr. Hannibal Lecter.
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Apesar de não focar inteiramente no assassino, Red Dragon trouxe uma


popularidade para o personagem baseada na forma como Lecter se porta. Sua
sociopatia o permitia pensar de forma clara e calma, ao ponto que mesmo
capturado, Lecter ainda é considerado uma ameaça e o único capaz de ajudar os
investigadores a entender a mente de um serial killer, sendo ele consultado para
ajudar a resolver um novo caso de assassinatos em série por um assassino que se
intitulava “a fada do dente” que aparentemente matava de forma aleatória.

No meio de seu suporte aos investigadores, incluindo o mesmo agente que o


havia capturado, Lecter consegue passar o endereço do agente para o assassino,
que acaba por confrontá-lo em sua casa, ameaçando a família do agente e o ferindo
no rosto, deixando uma cicatriz permanente. Após o confronto, é encontrada uma
nova carta de Lecter se despedindo do agente e ironicamente desejando que “ele
não tenha ficado muito feio”.

Hannibal Lecter sobreviveria como um dos ícones representantes de como


um serial killer se porta, recebendo a posição de protagonista nas obras
subsequentes, apesar de sua primeira aparição ser como antagonista secundário.

Os filmes slasher criaram uma cultura de terror baseado em violência gráfica,


sangue e no grotesco. Tal foi o caso que palavras não foram capazes de satisfazer
alguns leitores com gostos peculiares pela violência, assim, sendo publicadas
histórias em quadrinhos (HQs) destinadas para adultos com artes exageradas,
vísceras, sangue e violência gratuita. Ao mesmo tempo, algumas franquias de filmes
se tornariam tão famosos que acabariam por receber adaptações para livros, como
foi o caso de Friday the 13th e A Nightmare on Elm Street, conhecidos em português
como Sexta-Feira 13 e A Hora do Pesadelo.

Adaptado por Simon Hawke, Friday the 13 th segue a história dos roteiros
originais dos filmes exibidos nos cinemas, incluindo Pamela Voorhess e seu filho
Jason em suas caçadas por jovens que estariam engajando em atividade sexual.
Pamela pessoalmente possui um rancor do ato, já que ela havia perdido seu filho
porque instrutores não o salvaram de se afogar por estarem ocupados demais com
sexo durante o horário de trabalho.
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Jason por outro lado, herda a vontade da mãe de matar todos eles por terem
feito ela sofrer, e pelo que fizeram com ele. Mesmo não dizendo uma palavra, Jason
é um assassino ameaçador por conhecer muito bem a área onde está, não
precisando correr atrás de suas vítimas e sempre as surpreendendo.

Similarmente, A Nightmare on Elm Street, adaptado por Jeffrey Cooper em


1987, nos apresenta Freddy Krueger, um demônio dos sonhos capaz de assassinar
suas vítimas em seus sonhos, fazendo com que morram na vida real. Um pedófilo
queimado vivo graças a uma revolta popular, Freddy se popularizou no cinema como
um vilão carismático e irônico, sempre fazendo comentários ofensivos ou sarcásticos
para suas vítimas antes de mata-los de alguma forma criativa.

A Nightmare on Elm Street, levou o terror para uma aproximação com o


cômico, mesmo que os elementos principais do terror atual, como a violência e o
sangue estivessem presentes, muitas vezes o foco era dado aos comentários de
Freddy ou sua forma escolhida de matar sua vítima, que variava de cômico e criativo
a violento e brutal muito facilmente.

O século XX também veria a reaparição do gênero de zumbis, havendo


anteriormente exemplos de zumbis, em obras de Lovecraft, e até mesmo junções do
tema com a temática dos vampiros na obra I Am Legend (1954) de Richard
Matheson. Estas e outras obras acabaram por inspirar George A. Romero na criação
de seu mundialmente aclamado Night of The Living Dead.

Nota-se então que apesar do grande foco no terror no cinema, a indústria


literária também se beneficiou muito do sucesso de obras cinematográficas, fazendo
com que uma indústria movimentasse a outra de forma ativa, afinal, um filme nada
mais é do que a adaptação de um script por meio de atuação e direção. E
dependendo de como a adaptação é feita, pode ser um sucesso como foi o caso de
Psyco, Drácula, Frankenstein e outros, ou um fracasso crítico.

Eventualmente, em meados dos anos 70, um grande número de obras de


terror começariam a ser publicados em grande variedade e número, isso tudo
ocasionado pelas publicações de três livros que foram sucessos críticos:
Rosemary’s Baby (1967) de Ira levin, The Exorcist (1971) de William Peter Blatty e
The Other (1971) de Thomas Tryon.
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Rosemary’s Baby e The Exorcist foram sucessos instantâneos por terem sua
narrativa escrita com base em acontecimentos reais, recebendo também adaptações
para o cinema que também foram sucesso e aclamados pelos críticos, The Exorcist
em especial sendo tido pelo público como “o melhor filme de terror que já existiu”.

Próximo do final do século XX, mais um ícone do terror surgiria: O autor


Stephen King, que entregou para o horror literário um novo universo compartilhado,
levemente inspirado nas características do terror cósmico e psicológico, criando
assim um novo mythos popularmente conhecido como King-verso, que engloba
obras como The Shining, It, a série The Dark Tower e Carrie

King não só reutilizou elementos já conhecidos do terror, como trouxe nova


vida a eles por meio de suas descrições detalhadas e assuntos considerados tabu,
além da criação de todo um multiverso para suas histórias relacionando
acontecimentos estranhos às entidades que existem antes do tempo e que se
separam entre benevolentes e maliciosas, como é o caso do palhaço Pennywise de
It, que é um ser mais antigo que o próprio tempo e se alimenta de medo, assumindo
a forma de palhaço por ser mais prática para se aproximar de crianças.

Ao mesmo tempo temos o terror mais simples, baseado na insanidade, como


no caso de Jack Torrance, que se rende à sua insanidade induzida pelas forças
sombrias atuando no hotel e tenta matar sua família enquanto “possuído” por
espíritos que procuram possuir o filho de Jack, Danny, que possui um dom psíquico
especial chamado de “Shining”.

King contribui para o terror ainda hoje, e muitas de suas obras foram
adaptadas para o cinema, sendo sua última obra publicada o livro The Institute, em
2020.

CAPÍTULO 3 – O TERROR CONTEMPORÃNEO E O FUTURO DO GÊNERO

Com o fim do século XX, o terror como é hoje se tornou lentamente uma parte
da cultura pop, estando presente em todos os tipos de mídia e como literatura na
forma de HQs.
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The Walking Dead (2003), escrito por Robert Kirkman, por exemplo é um dos
exemplos de histórias em quadrinhos com uma temática de terror com foco em
zumbis. Inspirado no estilo de zumbi de introduzido por Romero, num cenário
apocalíptico, a trama segue Rick Grimes que acorda de um coma no meio do
apocalipse e de seu filho Carl Grimes que aos poucos se torna o protagonista da
série na medida que vai crescendo e amadurecendo no mundo caótico que agora é
o normal para eles.

O objetivo de The Walking Dead é ser uma série sobre sobrevivência, ou é o


que se pensava, até Carl ser apresentado ainda criança. Eventualmente a história se
torna “a luta de um pai para criar seu filho no meio do fim do mundo”. Além disso, é
levantado o debate sobre quem é o verdadeiro monstro no fim do mundo e até qual
ponto se pode confiar em um ser humano. Debate já levantado em obras antigas
como Frankenstein.

Ironicamente, após algumas edições da revista, a presença de zumbis diminui


e a ameaça do encontro com humanos não infectados se torna mais presente, fato
que é notado pelos personagens quando não se assustam ao ver um zumbi, mas
terem ficado defensivos por achar que era outra pessoa se escondendo, antes de
rapidamente matar o zumbi, sem esforço.

A mistura do roteiro e arte fazem com que o leitor se sinta investido na história
e apegado aos personagens, ao ponto de ocorrerem ameaças de boicote quando
um dos personagens favoritos dos fãs ter sido morto de forma brutal na história.
Com o sucesso da HQ, The Walking Dead ganharia uma série de TV própria além
de planos para um filme. Até o presente momento de escrita deste trabalho, ambas
as encarnações de The Walking Dead continuam sendo publicadas periodicamente.

Apesar de viver numa era onde tudo se tornou mais visual com a presença de
filmes e HQs, novos livros e escritores ainda surgiram, mesmo que silenciosamente,
como foi o caso de Coraline (2002) por Neil Gaiman.

Coraline conta a história de uma menina de mesmo nome que a obra, que se
aventura num novo mundo por acidente ao se sentir insatisfeita com sua vida
tediosa e chata. Nesse novo mundo, Coraline é surpreendida por uma versão
aparentemente muito melhor de seu mundo, completo com pais mais divertidos e
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amorosos e cores vibrantes, mas com uma pequena diferença: Todos os seres vivos
desse lugar têm seus olhos substituídos por botões costurados.

A menina eventualmente descobre que tudo não passa de uma armação de


quem se passava por sua mãe nesse mundo, uma entidade que se alimenta das
almas de crianças chamada de “A Outra Mãe”, apelidada por Coraline de Beldam,
traduzido literalmente como “mulher velha e feia”

A Beldam sequestra os pais de Coraline e a desafia a recuperar 3 artefatos


para ela para que pudesse resgatar seus pais. Coraline então segue numa pequena
aventura para encontrar os artefatos e no caminho, conhece as crianças fantasma, 3
crianças mortas anteriormente pela Beldam.

Eventualmente, sendo mais sagaz que a Beldam, Coraline a engana e


consegue resgatar seus pais e fugir daquele mundo de mentira com a ajuda das
crianças fantasma.

Coraline se encaixa no terror baseado em fantasia, chamado também de


fantasia sombria, que encapsula elementos da fantasia com elementos do terror,
escrito para gerar sentimentos de medo baseados no fantástico.

A obra de Gaiman foi tão bem recebida que recebeu diversas encarnações
diferentes, entre eles um programa de TV, um filme, jogos, peças, musicais e até
uma peça de ópera. Coraline também foi muito comparada com a obra de Lewis
Carroll, Alice no País das Maravilhas, por tratar de temas similares como uma
menina jovem perdida num mundo estranho onde nada faz sentido.

Stephen King não só contribuiria para o terror com seus trabalhos como
também nos deu um dos mais impressionantes autores do gênero terror em seu
filho, Joseph Hillstrom King, conhecido pelo pseudônimo Joe Hill.

Joe é um dos nomes do terror mais atuais e bem sucedido com suas obras
que incluem Heart-Shaped Box (2007), Horns (2009) e o bem aclamado pela crítica
NOS4A2 (2013).

NOS4A2 (pronunciado Nosferatu), com um título tão incomum tem a simples


trama de uma mãe tentando salvar seu filho de um assassino supernatural. Apesar
de parecer comum, como seu pai, Joe cria seu próprio universo conectado, fazendo
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referências às obras passadas, assim como estabelecendo a história da


protagonista Vic, e sua habilidade de acessar um “inscape” através do “The Shorter
Way”, um tipo de ponte mental que ela estabelece entre o lugar que está e o lugar
que precisa estar ou quer ir, podendo acessá-lo quando usando sua motocicleta.

Similar ao estilo de King, Joe opta por uma junção de terror sobrenatural e
psicológico, tendo como antagonista, um Vampiro, figura comum associada com
terror, que acha que está fazendo algo bom ao raptar as crianças e leva-las para um
lugar chamado “Christmasland” onde as crianças perdem sua estabilidade
emocional e empatia, se tornando nada mais do que monstros felizes, e o estresse
psicológico de Vic que procura proteger seu filho pelo uso de seus poderes,
correndo o risco de se perder numa insanidade por ser um risco ativo como
consequência do uso desses poderes.

A crítica ficou surpresa com NOS4A2, tendo uma ótima recepção e recebendo
o prêmio Lord Ruthven por Ficção, além de ter sido nomeado para 4 premiações
mais.

O início do milênio traria inícios para novos autores também, como Mark Z.
Danielewski que iniciou sua carreira com a publicação de House of Leaves em 2000.
O enredo gira em torno de uma casa de família que parece ser absurdamente maior
por dentro do que é por fora e exige ações do leitor para que se entenda
completamente a obra.

O terror de House of Leaves não está em assassinatos ou mortes,


possessões ou o sobrenatural, contrariando o terror que havia se popularizado,
House of Leaves se trata de um tipo de terror filosófico, com leitores comparando o
sentimento de leitura com o de estar em um asilo vazio, em silêncio e com as saídas
trancadas. Não existe ninguém com você, mas a sensação de desconforto cresce
com o tempo.

A obra obriga o leitor a mudar a posição do livro para poder acompanhar a


leitura, possui passagens que são escritas na forma que os quartos são descritos,
simulando efeitos de claustrofobia, cria atrito nas interações entre narradores de
forma a confundir o leitor com suas discussões, além de levantar pontos filosóficos
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profundos enquanto comenta sobre a casa, como no caso de uma escadaria que
não leva a lugar nenhum, a escadaria representando a vida.

Sobretudo, House of Leaves é um tipo de obra de terror diferente, e foi


reconhecido sendo nomeado para 7 premiações, entre eles, o prêmio Bram Stoker.

Mesmo sendo um tempo com vários escritores em ascensão, o terror mudaria


novamente e entraria em alta durante meados de 2012, quando em fóruns online,
escritores amadores e profissionais em montagens de fotos foram desafiados a criar
criaturas fictícias com uma história interessante.

Dentre os muitos personagens, um dos vencedores foi escolhido: Uma


criatura de nome Slender Man criado por Eric Knudsen.

O conto escrito de Slender Man diz que se trata de um homem alto,


extremamente magro, sem rosto e que se rapta crianças por motivos
desconhecidos. Geralmente suas vítimas o veem em uma fotografia ou tem algum
tipo de encontro prévio com ele antes de desaparecerem.

Com inspirações baseadas em Stephen King, H.P. Lovecraft e algumas


lendas urbanas, Slender Man foi escrito de uma forma que alcançou a influência de
ambos o lobisomem e do vampiro como uma figura que transita entre o real e o
fictício, originando séries de histórias curtas com o mesmo, além de ter se tornado a
faísca que levaria adolescentes a cometerem atrocidades sob o pretexto de estarem
sob o controle da criatura fictícia.

Com toda essa atenção, a internet entrou num período focado em terror, e
escritores amadores começaram a produzir histórias de terror e contos curtos
incluindo lendas ou figuras fictícias de autoria própria, que se chamaram
Creepypastas.

A cultura de Creepypastas evoluiria a tal ponto, que eventualmente seriam


feitos filmes sobre as novas criaturas que surgiram, crimes seriam reportados sob o
pretexto de se tratar de um ser proveniente de uma creepypasta (que inclui de
criaturas fantásticas a serial killers) e alguns até mesmo deixariam sua origem como
texto de internet para trás e seriam publicados como obras completas, como foi o
caso de Penpal (2012) de Dathan Auerbach.
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Penpal se trata da história de um homem que decide investigar eventos


passados de sua vida, desde sua infância, com a finalidade de entender melhor o
que aconteceu para que uma série de acontecimentos aparentemente desconexos,
bizarros e amedrontadores tenham acontecido com ele. O homem explora suas
memórias, assim como seus relacionamentos passados numa série de pequenas
histórias conectadas.

Outro livro que nasceu da internet foi A Murder of Saints (2017) por Chris
Miller. O livro trata de uma briga ideológica entre dois policiais sobre a vingança de
um jovem que prometeu matar todos os responsáveis pela morte da irmã, que
cometeu suicídio anos antes após o encobrimento de atitudes maliciosas da igreja.
O detetive Harry Fletcher vê justiça na vingança do jovem chamado Charlie, ao
mesmo tempo que Charlie mata inocentes para chegar em seu objetivo final de
vingança.

A Murder of Saints é um tipo de terror mais centrado na história policial com


elementos de terror psicológico. A ambiguidade do verdadeiro vilão ser Charlie ou
aqueles que mataram sua irmã, a disputa moral entre Fletcher e seu parceiro sobre
prender ou não Charlie antes que ele consiga chegar ao fim de seu objetivo. Leitores
disseram geralmente se decepcionar com histórias como essa, mas que A Murder of
Saints surpreende de uma forma positiva por sua narrativa e temática.

Com tantos exemplos da ficção de terror, ou horror, e após tanto evoluir sua
visão e se redefinindo várias e várias vezes, qual é o futuro do terror?

Atualmente o terror tem mostrado sinais de estar revisitando os clássicos,


com reimaginações e adaptações cinematográficas de obras antigas como foi o caso
de It, lançado como filme de longa metragem com duas partes e Doctor Sleep.
Ambos livros de Stephen King e adaptados para o cinema, terror literário parece
estar retornando aos temas passados se levarmos em conta as obras Mexican
Gothic de Silvia Moreno Garcia que se trata de uma obra de horror gótico passado
no México em 1950 e Clown in a Cornfield por Adam Cesare que tem como
antagonista um palhaço assassino como os apresentados nas décadas de 60 e 70.

Existe a possibilidade de algo novo surgir, como foram com as colaborações


de Mary Shelley, Edgar Allan-Poe, H.P. Lovecraft e fenômenos populares como as
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Creepypastas, mas o futuro do terror literário permanece levemente calmo, com se


na antecipação para um susto. A única certeza que temos, sendo o fato de que seja
qual for a obra ou mudança feita, o terror achará uma forma de ser transmitido, por
seja lá qual for a emoção negativa mais forte.

CONCLUSÃO

Quando iniciamos o trabalho, tínhamos um objetivo que se fazia muito amplo:


Falar sobre terror. Eventualmente, refinar o tema por meio da pesquisa e a leitura se
tornou prazeroso, independente dos temas que as obras abordavam. Foram
necessárias mudanças no decorrer da produção, mas enfim chegamos ao produto
que gostaríamos de apresentar: Uma linha do tempo da evolução do terror literário
com exemplos e breves resumos para melhor aprofundamento dos contextos das
obras, comparados com os períodos em que foram escritas, além de uma breve
análise sobre os temas abordados.

Fizemos perguntas e providenciamos respostas para temas como “O que é


terror?”, “Como funciona?”, “De onde veio?”. E apresentamos respostas, algumas
inconclusivas como a definição do terror e suas origens certas, visto que ambas as
respostas não dispõem de informação o suficiente para que se chegue em um
consenso, ou até mesmo sejam ambíguas em certos pontos.

Afinal, chegamos num consenso pessoal sobre o significado de cada resposta


dada e as apresentamos de forma a complementar nosso objetivo de explicar as
origens do terror como parte de nossa análise do gênero literário e evolução do
mesmo.

Durante nossas pesquisas, o uso do acevo de obras na internet foi imperativo.


O uso de ferramentas de pesquisa, acessos a estudos passados pertinentes ao
tema, assim como compras rápidas de versões digitais de livros e livros físicos
emprestados foram consultados. Todos os meios de conhecimento acessíveis,
incluindo debates informais; contribuíram para o completar deste trabalho.

Trabalhar mais com mídia digital foi um desafio, visto que suas inclusões
como fonte de pesquisa muitas vezes podem vir a prejudicar o trabalho mais do que
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auxiliar, mas devido ao contexto social atual, nos adaptamos aos meios e realizamos
pesquisas de forma produtiva.

O terror, apesar de muitas vezes ser posto de lado para dar lugar a gêneros
mais inclusivos, possui uma beleza no mórbido e profundidade nos temas e
pensamentos abordados pelos autores, profundidade essa que talvez não fosse
atingida se o tópico fosse abordado de forma mais sutil ou branda. O choque de
realidade causado pelo terror é como uma mão gélida no obro que desperta o leitor
para pensamentos controversos que muito raramente são estimulados. Sentir o
medo e o desgosto nos faz entender melhor sobre essas emoções; sentimentos
negativos nos fazem aprender mais sobre nós mesmos, como nos sentimos e como
gostaríamos de ser. Terror provoca mudança, justamente porque o terror em si, não
tem uma definição certa além de sua finalidade: Transmitir emoções e experiências,
que no final de tudo, é o objetivo de todo escritor.

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