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XUPAPOYNÃG - ISAEL MAXAKALI

Xupapoynãg é um filme curta-metragem, de 2011, dos primeiros produzidos pelo casal de


cineastas Isael e Sueli Maxakali. A narrativa de Lontra, como se traduz em português o título da obra,
desenrola-se em torno do confronto entre os Filhos das Lontra – integrantes do grupo dos espíritos
(yãmîys) que reclamam vingança pelo flagelo sofrido – e as mulheres que vilipendiaram esta ser,
sagrada na cosmopercepção Tikmũ’ũn_Maxakali, proibida, portanto, de ser utilizada. Vale dizer que
o(s) povo(s) genericamente denominados de Maxakali têm vivido, desde antes do Brasil, nas terras
que passaram a ser delineadas como o nordeste do estado de Minas Gerais, norte do Espírito Santo e
sul da Bahia.
Apesar das demarcações parcamente amparadas pelo órgão atualmente designado Fundação
Nacional do Índio (Funai) mais colaborarem para corroborar a redução, em vez da prosperidade, das
condições de vida desses povos. Expressa pela destruição da mata atlântica e sua fauna em prol da
exportação de madeira, da mineração desregrada do ferro e outros metais, acarretando a degradação
profunda de rios, monoculturas e/ou pecuária intensiva em largas áreas convertidas em propriedade
privada – para citar alguns fenômenos exaustivamente (d)enunciados.
Nas paisagens de Aldeia Verde, localizada no município de Ladainha/MG, com suas casas
construídas de tijolos ou árvores, as galinhas e cachorros, em meio às montanhas enevoadas
circundantes que compõem os largos planos videográficos, vemos chegar os Filhos das Lontra,
listando a plenos pulmões como a carne e a pele de sua mãe têm sido a causa do enriquecimento de
aldeões, que, ainda por cima, estocam os restos de crime nas geladeiras.
Por isso, eles fazem uma ligação de celular para convocar seu chefe e reforços, a fim de acertar,
devidamente, as contas do delito. Na sequência, as Lontrinhas tentam, de algumas formas, adquirir,
nas casas vazias, compensações materiais pela violência que as vitimou. Pouco tempo depois de não
se encontrarem com nenhuma das criminosas, eis que elas surgem em bando, e está formado o
campo da enlameada e cruenta batalha que se segue. Tapas, risos, puxões de cabelos, bosta de boi e
gritos tonificam o confronto, até a expulsão das Lontrinhas pelas vitoriosas jovens.
Se educar (transmitir) e manter são prerrogativas das poéticas de Isael e Sueli – integrantes do
grupo dirigente/fundador da Aldeia Escola Floresta (plano em curso que implica a urgente revisão do
perímetro designado pela Funai como as terras e postos Tikmũ’ũn, que nem sequer são abundantes
em rios; e que implica também a absoluta refutação de quaisquer propostas análogas ao marco
temporal) – essas características são projetadas no trabalho à medida que um ponto central do rito
(yãmîyxop), registrado e argumentado, está no expurgo, mediante confrontação direta, da
transgressão cometida em apropriar-se, indevidamente, de vidas, corpos, materiais, que não deveriam
ser consumidas e sim cuidadas, preservadas. Afinal, o filme pode suscitar, entre tantas possíveis
sensações, questões sobre o significado do triunfo das mulheres/humanidade sobre as Lontra que
foram, reiteradamente, lesadas.

Rogério Félix

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