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Diretoria Executiva da

Educação Básica – DEEB

Diretrizes
Escola
Restaurativa
Expediente
Diretoria Executiva da Educação Básica

Ir. Vanderlei Siqueira dos Santos Acervo da Rede Marista de Colégios


Diretor Executivo Fotografias

Márcia Maria Rosa Erica Rodrigues


Diretora Educacional Revisão

Marilusa Rossari Henrique Costa Brojato


Gerente Total Care Especialista Total Care
Leitura Crítica
Produção
Gerência Total Care Cezar Bueno de Lima
PUC/PR
BlaBlu Brand Build Leitura Crítica
Projeto Gráfico
Célia Bernardes
Bruna Nathaly Silveira Leitura Crítica
Emerson Moreira Gonçalves
Liliane Alcantara Azevedo Francine de Fátima Oliveira Scarpim
Lilian Paula Vivan Popkievicz Procuradoria Jurídica
Marcia Regina Nogueira Soares Leitura Crítica
Regineia Uguccioni da Silva Barros
Roberto Lucas Junior
Valcir Moraes
Diego Oliveira de lima
Raimunda Caldas Barbosa
Texto e Coordenação Técnica
6 » Apresentação
8 » Introdução
11 » 1. O que é Justiça Restaurativa?

Sumário
14 » 1.1 O que são Práticas Restaurativas?
17 » 1.2 O facilitador nas Práticas Restaurativas
21 » 1.3 Qual a relação entre as Práticas Restaurativas
e a Educação em Direitos Humanos?
24 » 2. Práticas Restaurativas e o Manejo de Conflitos
26 » 2.1 Práticas Restaurativas e o Desenvolvimento das
Habilidades Socioemocionais
29 » 2.2 O que são conflitos e como manejá-los de forma não violenta?
30 » 2.2.1 Como manejar os conflitos de forma não violenta?
32 » 2.2.2 Quais são os Métodos Restaurativos e Manejo dos Conflitos?
33 » 2.2.2.1 Perguntar Restaurativo
34 » 2.2.2.2 Conversar Restaurativo
35 » 2.2.2.3 Círculo de Classe ou Hora do Círculo
36 » 2.2.2.4 Encontro Restaurativo ou Conferências Restaurativa
37 » 2.2.2.5 Reuniões Restaurativas
38 » 2.2.2.6 Mediação por pares
39 » 2.2.2.7 Os Métodos Circulares e as Perguntas Restaurativas
43 » 3. Práticas Restaurativas em sala de aula
44 » 3.1 Princípios e Valores Restaurativos
45 » 3.1.1 Participação
48 » 3.1.2 Inclusão
50 » 3.1.3 Escuta qualificada
52 » 3.1.4 Respeito
54 » 3.1.5 Conexão

Sumário
56 » 3.1.6 Corresponsabilidade
59 » 3.2 Práticas Restaurativas e as Metodologias Ativas
63 » 3.3 Planejamento Pedagógico e as Práticas Restaurativas
65 » 3.4 As Práticas Restaurativas como Metodologia Didática inserida
no Planejamento Pedagógico
69 » 3.5 As Práticas Restaurativas para a Gestão de Sala de Aula inseridas
no Planejamento Pedagógico
70 » 3.6 As Práticas Restaurativas para o Manejo de Conflitos inseridas
no Planejamento Pedagógico
72 » 4. Construindo uma Escola Restaurativa
81 » Referências
86 » Anexos
87 » 4.1 Relatos e Práticas
88 » Escola Social Marista Ir. Rui
92 » Marista Escola Social Cascavel
96 » Marista Escola Social Ir. Lourenço
101 » Colégio Marista Cascavel
104 » Colégio Marista São Francisco
109 » Benchmarking de duas escolas do Estado do Amapá
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“Falamos pelas crianças, sobre crianças e,

em dias bons, com as crianças... As crianças

nos observam e tomam decisões sobre como

lidar com nossas mensagens. Nossa missão é

ajudar a tornar as crianças visíveis, a direcionar

ouvidos para suas palavras e ideias, a

direcionar olhos para sua situação, a direcionar

cérebros para pensar e corpos para agir.”

Bonnie Neugebauer
(Editor Child Care Exchange)1

1
Centro de Referências em Educação
Integral: http://educacaointegral.org.br/

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» Apresentação Voltar ao menu

Apresentação
“Uma educação comprometida com a solidariedade e transformação social, atenta às culturas e ao
respeito ao meio ambiente[...] sem discriminação, criadora de espaços[..].”

(UMBRASIL, 2010, p.14).

Assim, reconhecemos a educação Marista, uma pedagogia amorosa, provocativa, observadora,


reflexiva e em diálogo com tantas realidades e sujeitos, sempre em favor da formação integral, ética
e da espiritualidade cristã.

A pedagogia Marista reconhece a escola, sobretudo, como espaçotempo privilegiado e corresponsável


pela formação integral e humanizada de crianças e jovens, em diferentes tempos e lugares.

Numa sociedade em constante transformação, crises, mudanças, novas descobertas e inovações


impactam a vida dos diferentes coletivos: organizações, igrejas, escolas, famílias e tantos outros.
É neste contexto que temas complexos, discussões sensíveis, escutas e ausências se ampliam
e dão forma ao cotidiano. Mundos conectados, interdependentes e interligados, além de vidas
compartilhadas, asseguram novas alianças, novas distâncias e exigem a cada dia mais diálogos,
parcerias, negociações e trabalhos em rede.

As Diretrizes da Escola Restaurativa apresentadas nesta obra cumprem um papel importante na


construção do Projeto Educativo do Brasil Marista, principalmente no que se refere à formação cidadã
consciente e corresponsável pelo bem-estar pessoal e do outro, da promoção da democracia, dos
direitos humanos, prevenção contra violência e promoção da cultura da paz. Em essência, a educação
Marista atua na promoção do diálogo entre ciências, sociedades e culturas, e destaca como marcos
identitários a solidariedade, a alteridade, a cultura da paz e da educação integral, a construção das
subjetividades e o multiculturalismo, entre tantos outros. Portanto, assegurar espaçotempos de
escuta ativa, de diálogo contínuo, de atuação mediadora em relação aos conflitos, do acolhimento
dos sentimentos, das histórias e inquietações do outro e com o outro, pressupõe restauração. Mais

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que uma metodologia, as práticas restaurativas assumem o lugar de ciência social a serviço da
integridade e inteireza dos sujeitos.

É neste contexto, situando-se como horizonte, que nascem as Diretrizes da Escola Restaurativa, num
processo de escuta ativa das unidades, de estudos dedicados em relação aos desafios da educação
contemporânea e de diálogos exigentes entre os tantos sujeitos da missão Marista. É certo que irão
auxiliar de forma expressiva o trabalho em todas as unidades de Educação Básica do Grupo Marista
– Marista Escolas Sociais, Escolas Champagnat e Colégios Maristas, fortalecendo todo o trabalho em
rede. Outrossim, as diretrizes da Escola Restaurativa estão em consonância com a BNCC, as ODSs
e o Pacto Global de Educação, aderentes à formação integral e ao projeto de educação qualificada,
colaborativa e transformadora.

Com o intuito de assegurar uma experiência mediada, sistemática, de aprendizagens e boa consulta,
estas diretrizes apresentam quatro capítulos estruturais: O que é justiça restaurativa?; Práticas
restaurativas e manejo de conflitos; Práticas restaurativas em sala de aula; e Construindo escolas
restaurativas. Este último, em particular, é muito provocativo e ilustrativo das experiências possíveis
e necessárias em nossas unidades, tratando especialmente do acolhimento, da escuta e da resolução
de conflitos. Diz-se sobre essas experiências que, a “[...] pluralidade de identidades e modos de ser
criança, adolescente, jovem e adultos, com suas linguagens e culturas referentes a subjetividade[...] é
(são) um fenômeno de impressionante complexidade[...]” (UMBRASIL, 2010, p. 57, grifo nosso). Portanto,
reconhecer essa diversidade das populações escolares exige aprofundada reflexão e intensa
dedicação e acolhimento, como propõe o Projeto Educativo do Brasil Marista.

Destarte, as Diretrizes da Escola Restaurativa são um convite a todos, gestores, educadores,


colaboradores e estudantes, para que façamos dos Círculos Restaurativos espaços de profundo
encontro, reencontro, restauração e, como nos ensinou São Marcelino, que estejamos todos de mãos
dadas em torno da mesma mesa, em comunhão pela missão.

Márcia Maria Rosa


Diretora Educacional da DEEB

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» Introdução Voltar ao menu

1. Introdução
As diretrizes da escola restaurativa têm como objetivo auxiliar as escolas e
colégios no trato das situações conflitantes que permeiam o espaço educativo,
contribuindo com uma abordagem integral das situações que envolvem conflitos,
sentimentos e necessidades dos sujeitos, abrangendo assim suas dimensões
simbólicas, psicológicas e materiais (JACCOULD, 2005).

Para tal, a compreensão dos conceitos de Justiça Restaurativa e Práticas


Restaurativas se torna importante, possibilitando entender como a escola tem-se
tornado um dos espaços mais promissores para o desenvolvimento das Práticas
Restaurativas que, segundo Howard Zehr, são: “[...] um convite ao diálogo, para que
possamos apoiar um ao outro e aprender uns com os outros. É um lembrete de
que estamos todos de fato inseridos em uma rede de relacionamentos.” (2015, p.
89), sendo uma abordagem que objetiva a reparação dos danos causados após um
delito ou um crime e a resolução de um conflito ou a reconciliação das partes.

Para o Instituto Internacional de Práticas Restaurativas - IIRP (2012), a premissa


destas práticas está em tornar as pessoas mais responsáveis consigo e com os
outros diante de uma situação conflitante, auxiliando para que tenham maior
probabilidade de realizar mudanças positivas por estarem significativamente
envolvidos na construção da solução para o problema, seja de forma reativa
ou preventiva. Os sujeitos neste processo se constituem na interação que
estabelecem com as outras pessoas e suas práticas sociais.

As Práticas Restaurativas possibilitam controle para o estabelecimento de limites


e expectativas, com alto nível de apoio e acolhimento para os participantes nas

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tomadas de decisão e resolução dos conflitos, restaurando atingida pelo fato e de um ou mais facilitadores
relações significativas num mundo onde as conectividades restaurativos;
estão cada vez mais fluidas.
II – as práticas restaurativas são coordenadas por
A Justiça Restaurativa, como explicada por Scuro Neto (2007), facilitadores restaurativos capacitados em técnicas
constitui-se de um sistema teórico-valorativo fundamentado autocompositivas e consensuais de soluções de conflitos
nos princípios de corresponsabilidade de todos os envolvidos próprias da Justiça Restaurativa, podem ser servidores
na infração (vítima, infrator e demais interessados) na busca do tribunal, agente público, voluntário ou indicado por
de respostas e soluções para o dano causado. Pressupõe, ao entidades parceiras;
contrário do modelo político-jurídico centrado na ideia abstrata
de crime-punição, participação comunitária e edificação de III – as práticas restaurativas terão com foco a
relações horizontais de poder, incluindo o poder jurisdicional, satisfação das necessidades de todos os envolvidos,
sendo esta uma alternativa para mitigar os problemas e a responsabilização ativa daqueles que contribuíram
limitações (anseios por justiça, genuína responsabilização dos direta ou indiretamente para a ocorrência do fato danoso
ofensores e atendimento das necessidades das vítimas) do e o empoderamento da comunidade, destacando a
sistema jurídico vigente (AMSTUTZ; MULLET, 2012). necessidade da reparação do dano e da recomposição do
tecido social rompido pelo conflito e as suas implicações
No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça define a Justiça para o futuro. (BRASIL, 2016, p. 3-4).
Restaurativa por meio da Resolução 225, de 31 de maio de 2016,
como sendo: Embora a Justiça Restaurativa compreenda a importância do
encaminhamento e solução não punitiva dos conflitos (crimes),
Um conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos, é preciso destacar que, do ponto de vista político criminal e
técnicas e atividades próprias, que visa à conscientização institucional do Estado, este modelo de solução dos conflitos
sobre os fatores relacionais, institucionais e sociais ainda permanece subordinado à centralidade das instituições
motivadores de conflitos e violência, e por meio do de Estado/operadores da justiça, ou seja, do Ministério Público
qual os conflitos geram dano, concreto ou abstrato, são e do Poder Judiciário, os quais darão a última palavra ao
solucionados de modo estruturado na seguinte forma: desfecho do conflito.

I – é necessária a participação do ofensor, e, quando A diferença na aplicabilidade de um conceito ou outro na


houver, da vítima, bem como, das suas famílias e dos resolução de conflitos está nos âmbitos de atuação: enquanto
demais envolvidos no fato danoso com a presença dos as Práticas Restaurativas podem ser utilizadas no âmbito da
representantes da comunidade direta ou indiretamente comunidade (escolas, igrejas, empresas, entre outros espaços),

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a Justiça Restaurativa é um processo eminentemente atrelado colégios da Educação Básica Marista.


ao Poder Judiciário.
A diretriz aborda os seguintes temas: o que é Justiça
As Práticas Restaurativas têm como base os princípios da Restaurativa? O que são Práticas Restaurativas? O facilitador;
participação, responsabilização e reparação de danos, e nos qual a relação entre as Práticas Restaurativas e a Educação
apresentam em sua abordagem uma forma de pensar e agir em Direitos Humanos? Práticas Restaurativas e a mediação
tendo como foco o dano causado e o restabelecimento da de conflitos; Práticas Restaurativas e o desenvolvimento das
relação, sem estigmatizar os sujeitos, prezando pelo diálogo, habilidades socioemocionais; O que são conflitos e como
respeito, corresponsabilidade, negociação e comum acordo, manejá-los de forma não violenta? Práticas Restaurativas em
imprescindíveis para as relações humanas. sala de aula; e Construindo uma escola restaurativa.

O conflito, a partir da óptica das Práticas Restaurativas, não é Importante destacar que a escrita dessa diretriz acontece
entendido como algo negativo, mas passa a ser encarado como em um momento histórico, do ponto de vista do cenário de
uma oportunidade de aprendizagem e crescimento pessoal. transformações do mundo globalizado e as problemáticas
Entretanto, se faz necessário seu manejo favorecendo o culturais, políticas e socioeconômicas que o país e o mundo
diálogo, o atendimento das necessidades, e o consenso entre enfrentam, em virtude de um contexto pandêmico gerado pelo
os envolvidos na busca por soluções de reparação por meio de coronavírus que causou a Covid-19. O referido contexto exigiu
ferramentas e técnicas que tornem o manejo do conflito não que a Educação Básica também se reinventasse, buscando
violento. meios para estabelecer relações efetivas e significativas,
a distância, para dar conta de continuar promovendo o
Neste sentido, a inserção das Práticas Restaurativas no contexto desenvolvimento de seus estudantes. E é acreditando que, no
escolar contribui para que a escola cumpra o seu papel de pós-pandemia, a necessidade de escuta ativa e significativa,
educar e formar cidadãos conscientes e corresponsáveis pelo bem como de construção ou de fortalecimento dos vínculos,
seu bem-estar e dos demais, exercendo um papel formador continuará sendo de extrema importância, que apostamos
comprometido em promover a democracia, os direitos na metodologia das Práticas Restaurativas, como excelente
humanos, a prevenção à violência e a cultura da paz. recurso para atuação das equipes.

A implementação das Práticas Restaurativas se compõe Esperamos que essa diretriz possibilite uma compreensão
como um movimento social que busca instalar de modo geral dos conceitos de Justiça Restaurativa e Práticas
concreto a cultura da paz e dos Direitos Humanos na Restaurativas e que incida sobre a prática cotidiana das
efetividade da sala de aula, método escolhido e adotado unidades educacionais no desenvolvimento da cultura de paz
para a efetivação da mediação dos conflitos pelas escolas e e de ambientes seguros.

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» 1. O que é Justiça Restaurativa? Voltar ao menu

1. O que é Justiça Restaurativa?


A Justiça Restaurativa é um método alternativo de manejo dos conflitos que
desde a década de 70 vem-se expandindo por diversas partes do mundo, tais
como Canadá, Nova Zelândia, África, Reino Unido, Estados Unidos e, desde 2005,
no Brasil.

Basicamente são procedimentos fundamentados no paradigma da conexão2


e do círculo, utilizados para lidar com situações de conflito, violência e crimes
de pequeno potencial ofensivo e que culminam na resolução dos conflitos de
forma não violenta.

Abandonar a lógica da punição em situações em que há pessoas que são vitimadas


e as que cometeram danos e violências a outrem, e buscar a responsabilização,
a reparação dos danos causados e o restabelecimento das relações rompidas
pelo conflito ou ato violento ou criminoso, proporcionando formas alternativas
do manejo dos mesmos, é a pauta que se coloca em torno deste conceito. A
Justiça Restaurativa tem como objetivo restaurar comunidades num mundo
desconectado e construindo contextos de convivência seguros e saudáveis em
diversos âmbitos: familiar, escolar, do trabalho e comunitário.

De acordo com Van Ness e Strong (1997), a denominação de Justiça Restaurativa


nasce em 1975, tendo como interventor do conceito o psicólogo americano Albert
Eglash, que defendeu pela primeira vez que existiam três formas de responder a
um crime: retributiva, baseada na punição; distributiva, baseada na reeducação;
e restaurativa, que se basearia na reparação de danos.

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“Paradigma da conexão” é um conceito utilizado pelo grupo de trabalho que consolidou a presente
diretriz na tentativa de expressar a importância do coletivo e da conexão deste na implementação da
cultura da paz. O professor Marcelo Pelizzoli, no livro “Justiça Restaurativa: Caminhos da Pacificação
Social”, destaca a importância do trabalho coletivo para a consolidação de uma nova cultura, e uma
inteligência coletiva que se paute na cultura da Paz e das Práticas Restaurativas. Dessa forma,
utilizamos o conceito inspirado nas discussões feitas na obra citada (PELIZZOLI, 2016). 11
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A metodologia da Justiça Restaurativa se configura como o ou um procedimento determinado, ainda mais no Brasil, um
encontro das pessoas vitimadas, que sofreram dano, com seus país com dimensões continentais. Há valores e princípios
agressores, que cometeram danos, ou autor do ato indesejado, comuns que identificam a Justiça Restaurativa. Entretanto,
num processo de inclusão ativo da vítima no processo há um caminho sendo percorrido pela Justiça Restaurativa e
penal a fim de discutir o crime, ou ato indesejado e suas que vem ampliando sua área de atuação e direcionando para
consequências por meio de reuniões e conversas restaurativas outros campos, como o escolar, familiar, empresarial e outros.
com a presença de um facilitador. O resultado esperado dentro Sob a ótica da Justiça Restaurativa, podemos denominar que
de um procedimento de Justiça Restaurativa é a reparação há um subconjunto de Práticas Restaurativas que consistem
dos eventuais danos causados, sejam eles patrimoniais ou em respostas formais ou informais pautadas nos princípios
morais, e a reintegração da vítima e do autor do ato indesejado da conexão, respeito, inclusão, reparação de danos, acolhida e
na comunidade, sem estigma ou “marginalização com valorização dos sentimentos, desenvolvimento da autonomia e
despenalização”. formação integral.

Dentro dos conceitos de Justiça Restaurativa, o de “reparação Abaixo destacamos um quadro comparativo com as principais
de danos” deve ser destacado para que não se prenda à diferenças na resolução de conflitos, tendo como polos
estreita visão de danos materiais. O materialismo foi alçado distintos a abordagem punitiva e a restaurativa:
ao interesse nato e fundamental do ser humano com a
revolução burguesa, tanto que a vida e a integridade física
Abordagem Punitiva Abordagem Restaurativa
são colocadas em segundo plano inclusive pelas legislações
penais, e a justiça penal tradicional fortaleceu essas ideias. Definir culpados é central Resolução de confito é central
Para a Justiça Restaurativa, reparação tem um significado
mais profundo: busca entender as necessidades da vítima e do Foco no passado Foco no futuro

agressor para que as coisas voltem ao seu curso normal e as Necessidades são secundárias Necessidades são primárias
pessoas envolvidas, ou afetadas pelo ato indesejado, consigam
recuperar sua confiança e o curso normal de seus dias. Enfatiza diferenças Procura pelo comum

Imposição de sofrimento é Reparação de danos considerada


A Justiça Restaurativa rompe com o paradigma da Justiça normativa normativa
Penal retributiva e se funda em um processo comunicacional
Foco no ofensor, vítima ignorada Necessidades da vítima são centrais
de resolução alternativa e efetiva dos conflitos no consenso
e no respeito aos Direitos Humanos e na dignidade da pessoa Instituição responsável pela Reconhecidos os papeis da vítima,
humana, independentemente de sua origem cultural, racial, resposta ao conflito do ofensor e da comunidade
social, religiosa etc. Não há um modelo ideal de metodologia

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Podemos imaginar o quadro comparativo a partir de uma


metáfora de uso de “lentes”, parafraseando o título do livro
de Howard Zehr: “Trocando as lentes” (2008), no qual somos
convidados pela Justiça Restaurativa a continuar trocando
lentes e contribuindo com um novo olhar sobre os processos
de resolução de conflitos e implementação de Práticas
Restaurativas.

Sendo assim, uma escola restaurativa favorece e abre


caminhos para acolher e aprender com as diferenças, para a
compaixão, para que se volte à essência do humano, por vezes,
perdida ao longo da história da humanidade, para a construção
de um ambiente de paz, para que o aprendizado se dê de
forma prazerosa e para que se fortaleça, cada vez mais, inter-
relacionamentos saudáveis e, como uma onda de paz, contagie
toda a comunidade escolar.

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» 1.1 O que são Práticas Restaurativas? Voltar ao menu

1.1 O que são Práticas


Restaurativas?
As Práticas Restaurativas são consideradas uma ciência social que estuda como
construir o capital social e atingir disciplina social através da aprendizagem
participativa e tomada de decisão (Wachtel, 2012 apud Grecco, 2014, p. 56). Sua
aplicação auxilia a:

· Construir relações;
· Restaurar relações;
· Criar espaços seguros;
· Acolher sentimentos;
· Reparar danos advindos dos conflitos.

A ciência social das Práticas Restaurativas oferece uma linha comum de unir
teoria, pesquisa e prática em diversos campos, sendo o ambiente escolar o
principal para a transformação da sociedade.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) homologada em 20 de dezembro


de 2017 traz, no bojo das dez Competências Gerais, quatro que se aproximam
das Práticas Restaurativas e podem ser consideradas dentro de modelos
não violentos de atuação: 4 - Repertório Cultural; 8 - Autoconhecimento e
Autocuidado; 9 - Empatia e Cooperação; e 10 - Responsabilidade e Cidadania.

As competências promovem uma discussão sobre a importância do


desenvolvimento de habilidades socioemocionais na formação dos alunos
e docentes, suscitando as escolas a agir de forma intencional e planejada,
contribuindo com a formação integral dos sujeitos.

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Acolhemos a temática das Práticas Restaurativas em As Práticas Restaurativas se compõem como um movimento
consonância com a ODS 16ª, que convida à promoção social que busca instaurar a Cultura da Paz e dos Direitos
de sociedades pacíficas, inclusivas e sustentáveis, Humanos em nossa sociedade. Estas se valem de uma estrutura
proporcionando o acesso à justiça para todos e a construção que possibilite a liberdade para as pessoas expressarem suas
de instituições eficazes responsáveis em todos os níveis, com verdades pessoais, deixando de lado conceitos e práticas
foco na promoção da “Cultura da Paz”. punitivas como caminho de concretude do sentimento de se
sentir justiçado.
Desse modo, não apenas recomendamos a implementação das
técnicas e metodologias, mas a atuação intencional com foco a As Práticas Restaurativas se coadunam com a pedagogia
consolidar verdadeiras escolas restaurativas. Marista: empoderamento das partes através do diálogo na
vivência dos Círculos Restaurativos gera uma coletividade
Além da BNCC e das ODSs, dentro do contexto educacional, de percepções e inteligências práticas mais eficazes e
as Práticas Restaurativas dialogam fortemente com o Pacto humanizadas, criando nos integrantes uma nova postura, uma
Educativo Global proposto pelo Papa Francisco e adotado por mudança de visão e uma amplitude de múltiplos olhares das
instituições religiosas e educacionais do Brasil. práticas sociais.

O Pacto teve a intenção de ser um “encontro para reavivar o O perguntar restaurativo é uma forma de perguntar que
compromisso em prol e com as gerações jovens, renovando consiste em uma metodologia desenvolvida pelas Práticas
a paixão por uma educação mais aberta e inclusiva, capaz de Restaurativas e outros métodos baseados nos princípios da
escuta paciente, diálogo construtivo e mútua compreensão”3. Justiça Restaurativa que permitem conexão e deixam as portas
Segundo o Papa, o objetivo foi e é “educar os jovens para a do diálogo abertas entre as partes, caminho que se consolida
fraternidade, para aprender a superar divisões e conflitos, COM e não PARA as partes envolvidas no conflito.
promover a aceitação, a justiça e a paz”.4
Na pedagogia Marista, educadores e estudantes se conectam
A Diretoria Executiva de Educação Básica do Grupo Marista pela troca de saberes e por uma relação horizontal no processo
adota o conceito de Práticas Restaurativas motivada pelos de aquisição de novos conhecimentos. Ambos têm algo a
princípios da Justiça Restaurativa, ampliando sua abordagem ensinar e aprender e, de forma restaurativa, se compreendem
para além da resolução formal dos conflitos de forma reativa, como sujeitos ativos no processo, invertendo a lógica tecnicista
como no judiciário, mas o utiliza na provocativa de ações da educação em que o educador ensina e o estudante aprende,
preventivas e no desenvolvimento de posturas restaurativas ou a lógica punitiva, em que um terceiro diz qual o caminho a
em toda a comunidade educativa. ser percorrido para a solução do conflito.

3
Informações presentes no site da Associação de Nacional de Entidades Católicas – ANEC: https://anec.org.br/acao/pacto-educativo-global/
4
Informação retirada diretamente do site oficial do Pacto Educativo Global: https://www.educationglobalcompact.org/it/global-compact-on-education/
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Os cinco temas restaurativos apresentados pela Inglesa Belinda


Hopkins (2011) possibilitam: o levantamento da perspectiva
única, a identificação do pensamento e o sentimento das
partes, o olhar para quem foi afetado, a identificação das
necessidades, e a elaboração de um plano de ação para colocar
as coisas em ordem a partir das perguntas restaurativas: O que
aconteceu? Em que estava pensando? Quem foi afetado? O
que você precisa para seguir adiante? E o que podemos fazer
para seguir em frente?

Esses temas e perguntas, incluídos como ferramentas de


atendimento nas mediações entre os estudantes, conduzem
a uma transformação da cultura escolar. O perguntar
sistematicamente aos(às) estudantes dentro dessa estrutura
possibilita que emerja um novo modelo conversacional gerando
responsabilização coletiva pelo bom funcionamento dos
espaços e posturas proativas e restaurativas na diversidade
do contexto educativo. Entender o ponto de vista da pessoa
com quem se dialoga como ferramenta para o exercício da
empatia permite que o espaço do círculo se torne fecundo para
a conexão entre os(as) estudantes, sobretudo quando os laços
já foram quebrados por conta de algum conflito.

Nesse sentido, a transformação da cultura da punição por


uma cultura da conexão restaurativa se dá pelo processo de
empoderamento dos estudantes para mediar e solucionar os
conflitos de forma autônoma. Entretanto, sabe-se que não se
trata de mudanças simples e rápidas, mas urgentes e que devem
acontecer gradativamente. Por esse motivo, evidenciamos a
necessidade e a importância de formar os educadores como
facilitadores de processos restaurativos.

16
» 1.2 O facilitador nas Práticas Restaurativas Voltar ao menu

1.2 O facilitador nas


Práticas Restaurativas
Facilitador é o termo utilizado para denominar o profissional que tem como
responsabilidade auxiliar o grupo, a partir das ferramentas restaurativas, para
atingir seus objetivos, sejam esses de resolução do conflito, de conexão entre os
pares, ou ainda de estudos e vivências restaurativas e desenvolvimento de uma
cultura de paz. Seu papel é assegurar que as pessoas permaneçam com foco nas
questões e metas com as quais se comprometeram ao iniciar o procedimento
restaurativo, mantendo uma postura de comunicação aberta, respeitosa,
acolhedora e que fomente a discussão na busca por consenso.

Seu campo de atuação pode ser considerado a partir de diferentes contextos,


como familiar, educacional, judicial, organizacional, comunitário, entre outros,
entretanto, os princípios da sua atuação permanecem os mesmos, sendo
modificada apenas a metodologia na condução dos processos.

A postura do facilitador requer imparcialidade na condução do processo que


favoreça a criação de um clima de confiança, respeito e igualdade entre todos
os envolvidos na situação de conflito ou na experiência que se pretende
proporcionar. Para isso, é de responsabilidade do facilitador ouvir com atenção,
promovendo um diálogo aberto que reconheça todas as versões de um mesmo
fato, todas as vozes e narrativas, bem como a intencionalidade de conexão entre
todos os pontos de vista apresentados.

O facilitador busca conhecer as versões de cada uma das partes que se


envolveram no conflito, auxiliar na identificação das necessidades que precisam
ser atendidas para solucioná-lo e criar um clima favorável para o desenho de um
plano de ação e reparação de danos.

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No desenvolvimento da postura do facilitador, o processo de o segredo para se conectar com outras pessoas. Para a equipe
escuta se constitui como uma das competências necessárias e Justiça em Círculo a postura apropriada do facilitador “(...) pode
de extrema importância e está relacionado com o estar ou não alcançar a transformação e vai depender de um conjunto de
presente diante do sujeito que se faz escutar. Para o professor elementos: intenção, o tom que usa a palavra, a forma e o que
Marcelo Pelizzoli (2016), perguntar” (GRECCO, 2014, p. 139)

A escuta traduz algo da presença; sem a capacidade A coerência entre os valores pessoais e os princípios que
de presença atenta a pessoa não consegue ouvir, não regem as práticas restaurativas são fatores determinantes
consegue ficar no próprio corpo e mente; na medida em que potencializam a efetividade da implementação da
que não está presente em si, não estará presente ao outro; cultura restaurativa. Desse modo, o facilitador considera
por isso, a presença e atenção é o ponto fundamental da importante o olhar nos olhos, a expressão facial interessada
escuta (PELIZZOLI, 2016). e atenta, o cuidado para não emitir expressões de julgamento
e espanto e que se conecta com as histórias e narrativas dos
Dessa forma, escutar se qualifica como a capacidade de dar presentes, auxiliando-os a encontrar seus próprios caminhos
atenção ao outro com disposição e foco da consciência e como de reparação de danos. Algumas perguntas podem auxiliar no
uma competência imprescindível para o desenvolvimento das desenvolvimento dessa postura restaurativa:
Práticas Restaurativas. Não basta assim deixar os ouvidos
abertos, é necessário estar presente e acolher o silêncio para · Eu sou uma pessoa acessível?
ouvir o outro que fala. · As pessoas sentem segurança para falar comigo
sobre seus problemas?
Vale destacar que não se trata de ensinar ou aprender posturas · Estou interessado no que a pessoa está falando?
de facilitador, e sim refletir sobre sua construção reflexiva · Eu escuto de maneira respeitosa?
que se realiza a partir das sensações, experiências, filosofia · Eu reconheço os sentimentos dos outros?
e valores que mobilizam seus sentimentos e pensamentos. · Eu espero a pessoa falar o que ela necessita para
Assim, a comunidade escolar toda é convidada a desenvolver então responder ao que é falado?
postura e competências do facilitador. · Eu costumo checar com a pessoa o que ela espera de mim?
· Eu respeito o ponto de vista, mesmo estando em
Para Belinda Hopkins (2004), o facilitador precisa ouvir com desacordo com ele?
respeito, de forma genuína e acreditar que as pessoas presentes · Depois de falar comigo, a pessoa se sente ouvida?
no círculo ou na conversa restaurativa têm competência para · Como que eu sei a resposta para tudo o que foi
encontrar seus próprios caminhos, sendo esses sempre os mencionado? Eu questionei a pessoa que falou?
melhores possíveis para elas. Ouvir com empatia, sem julgar, é

18
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De acordo com Yazbek (1999, p. 24), a escuta como um processo Aos professores, gestores, equipe de monitores e todos
ativo é: os sujeitos que compõem a comunidade escolar, cabe
desenvolver esse papel, assim como mobilizar técnicas e
· Uma atitude de autoquestionamento sobre os posturas nessa direção.
pensamentos, sentimentos, reações, diante da fala ou
atitude do outro; A postura de facilitar implica relação com o outro, conexão
· O ato de perguntar-se sobre a própria maneira de com os fatos e sentimentos, encorajamento para o diálogo
estar e relacionar-se com o outro; e participação, acolhida dos sentimentos e necessidades,
· A responsabilização pelas consequências de suas respeito e empoderamento para manejar conflitos.
próprias ações na interação com o outro;
· A chance de processar internamente a questão feita Essas habilidades não podem ser de responsabilidade de uma
pelo outro (diálogo Interno); única pessoa ou equipe dentro da comunidade escolar, mas
· Proteger-se da certeza imediata e espontânea, na devem compor toda a prática pedagógica e o Projeto Político
qual nada de novo pode ocorrer; Pedagógico Pastoral das escolas e colégios.
· Considerar o outro como colaborador na construção
de novas composições; Devemos lembrar que dentro das Práticas Restaurativas todos
· A aceitação para ouvir novas versões, flexibilizar as os envolvidos e afetados em uma situação de conflito também
posições e gerar possibilidades para transformação são os responsáveis e também os sujeitos ativos para o manejo
em si e no outro; e a reparação de danos desses conflitos.
· Ouvir para entender, e não para responder.
Parte importante dessa reflexão é que, para as Práticas
Cabe ao facilitador, além do desenvolvimento da postura, Restaurativas, sempre fazemos COM e não PARA os outros, e
buscar repertório e técnicas que favoreçam a execução dos em um conflito isso implica que todos são sujeitos do caminho
procedimentos restaurativos. A aquisição de ferramentas a ser percorrido.
deverá ser construída a partir e durante o percurso reflexivo e
de apropriação da prática de facilitar. Importante considerar que, todas as vezes que algum professor
coloca um(a) estudante para fora da sala de aula, ele mesmo
Dessa forma, manuais, dinâmicas, recursos pedagógicos que está assumindo diante do(a) estudante que não é a referência
favoreçam a participação e metodologias ativas, dentre outros, relacional para manejar o conflito e se desautoriza diante
são parte do desenvolvimento das técnicas e enriquecem a do sujeito, colocando a responsabilidade na coordenação e/
postura e a aplicação dos processos restaurativos. ou outra figura de autoridade na escola. Dentro das Práticas
Restaurativas, o ato de retirar o(a) estudante da sala de aula

19
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e/ou enviar para que outra pessoa maneje o conflito deve


ser entendido sempre como a última medida a ser tomada,
pois a figura de autoridade e referência deve ser sempre o
próprio professor.

Cabe ressaltar, ainda, que vivemos em contextos sociais de


punição e de justiça como retribuição do mal acometido e
que se faz necessária a transformação pessoal dos sujeitos
facilitadores, uma mudança paradigmática em que as
abordagens punitivas possam dar lugar às restaurativas,
sendo um processo lento. Essa tendência tem-se ampliado nas
diversas instâncias e contextos sociais, sobretudo a partir dos
princípios e valores das Práticas Restaurativas.

20
» 1.3 Qual a relação entre Voltar ao menu
as Práticas Restaurativas
e a Educação em Direitos

1.3 Qual a relação


Humanos?

entre as Práticas
Restaurativas e a
Educação em Direitos
Humanos?
A Educação em direitos humanos:

tem como objetivo central a formação para a vida e para a


convivência, no exercício cotidiano dos Direitos Humanos
como forma de vida e de organização social, política,
econômica e cultural nos níveis regionais, nacionais e
planetário. (BRASIL, 2012, p. 21).5

Esse modelo de educação encontra nas Práticas Restaurativas


uma importante metodologia para alavancar os processos de
desenvolvimento integral, promoção, proteção e defesa de
direitos, bem como de uma cultura da paz nas escolas.

Com o seu potencial para construir proativamente relações


saudáveis e senso de comunidade para prevenir a violência, as
Práticas Restaurativas possibilitam a promoção da participação
cidadã de crianças, adolescentes e jovens. Elas promovem

5
Autoridade, aqui, entendida como o fazer-se autorizar, estabelecendo
relações e vínculos efetivos que permitam a mediação e o manejo
do conflito, não tendo nenhuma referência e/ou aproximação com o
autoritarismo verticalizado e punitivo. 21
Voltar ao menu

o direito de fala, de uma escuta atenta, respeitosa, de um violência nas sociedades contemporâneas, incluindo a
diálogo acolhedor, coadunando-se com o desenvolvimento violência simbólica de grupos sociais que impõe normas,
de processos participativos significativos e com o combate valores e conhecimentos tidos como universais e que
à participação figurativa, à exclusão e à discriminação de não estabelecem diálogo entre as diferentes culturas
crianças, adolescentes e jovens nas decisões escolares que presentes na comunidade e na escola. (BRASIL, 2018, p. 61).
os afetam. A participação é um direito inerente às relações
humanas saudáveis, tendo como premissa o respeito ao outro Inserir no itinerário pedagógico ações pautadas nas Práticas
e à sua forma de estar no mundo. Restaurativas requer uma reflexão com a comunidade
educativa a respeito de conceitos como punição e castigo
As Práticas Restaurativas, por primarem pela participação, - como contraponto para uma educação cidadã -, sobre a
responsabilização, reparação e atendimento das necessidades importância da participação e da gestão democrática, entre
das vítimas diante de um dano causado por outro, introduzem outros conceitos que norteiam uma prática pautada no
a possibilidade de vermos as pessoas envolvidas em um compromisso com a defesa e promoção de direitos.
conflito como sujeitos de direitos e o dano ou ato ilícito
como oportunidade de reparação para seguir adiante, e não Assim, pensar a partir da abordagem restaurativa pressupõe,
simplesmente de punição, castigo. Elas nos ajudam a entender diante de um ato lesivo, nos perguntarmos:
que a punição não gera no indivíduo o compromisso com a sua
mudança interna, muito menos com a sociedade que o excluiu quem sofreu o dano? Quais suas necessidades? De quem
ou rejeitou. é a obrigação de atendê-las? Quais foram as causas?
Quem tem interesse na questão? Qual o processo
Desconstruir a perspectiva da punição como caminho educativo apropriado para envolver todos os interessados num
torna-se elementar para a implementação de tais práticas. O esforço conjunto para corrigir a situação? (ZEHR apud
que guia uma mudança de comportamento é o sentido para a AMSTUTZ; MULLET, 2012, p. 33).
mudança e os valores que agregamos a ela, mudança, e não o
medo de ser punido. E pensar em promover a resolução de problemas por meio da
cooperação e colaboração dos sujeitos envolvidos.
E, nesse sentido, a BNCC também nos alerta que:
Importante ressaltar que, em virtude do seu potencial no
(...) tendo por base o compromisso da escola de propiciar manejo das situações de conflito ou de violência e de criar
uma formação integral, balizada pelos Direitos Humanos conexões entre os indivíduos, essa metodologia poderá auxiliar
e princípios democráticos, é preciso considerar a a escola a desenvolver nos seus estudantes as seguintes
necessidade de desnaturalizar qualquer forma de competências gerais, previstas na BNCC:

22
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8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física


e emocional, compreendendo-se na diversidade humana
e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com
autocrítica e capacidade para lidar com elas; 9. Exercitar a
empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação,
fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro
e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização
da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus
saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem
preconceitos de qualquer natureza; e a 10. Agir pessoal
e coletivamente com autonomia, responsabilidade,
flexibilidade, resiliência e determinação, tomando
decisões com base em princípios éticos, democráticos,
inclusivos, sustentáveis e solidários. (Brasil, 2018, p. 10).

Dessa forma, as Práticas Restaurativas se constituem em uma


proposta preventiva das situações de violência, em direção a
uma efetiva mudança de cultura de exclusão e negligência, em
torno do processo de desenvolvimento integral dos estudantes,
ao qual a escola se propõe, buscando o atendimento das suas
necessidades e interesses, constituindo relações saudáveis
que respeitem e valorizem as diferenças, a promoção e a defesa
dos direitos humanos, e propiciando um espaço seguro para a
aprendizagem de seus estudantes.

23
» 2. Práticas Restaurativas e o Manejo de Conflitos Voltar ao menu

2. Práticas Restaurativas
e o Manejo de Conflitos

24
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Pensar as Práticas Restaurativas no ambiente escolar e não podem ser entendidas como um primeiro itinerário restaurativo:
escolar se apresenta como uma possibilidade de conexão
humana, por meio do estabelecimento de vínculos, da expressão · Escuta qualificada e sem julgamento – O que aconteceu
verdadeira dos sentimentos e necessidades, da compreensão do do seu ponto de vista?
que é necessário fazer ou dizer para seguir em frente, e, para
que as coisas fiquem bem entre os envolvidos em uma situação · Identificação dos sentimentos dos envolvidos – O
de conflito. Dessa forma, por meio das metodologias circulares que você está ou estava pensando e sentindo quando o
e dos saberes ancestrais, se pretende dar condições às pessoas conflito aconteceu?
envolvidas de identificar e resolver seus próprios conflitos.
(WATSON E PRANIS, 2011). · Empatia – Quem você acha que foi afetado/prejudicado
pelo que aconteceu? Como essas pessoas foram afetadas?
Quando se apresentam possibilidades de conexão humana
e desenvolvimento de vínculos, a partir das metodologias · Corresponsabilização – Do que você precisa e no que
circulares, a pretensão é que tais habilidades se tornem você se compromete para que as coisas fiquem bem?
habituais na vida dos sujeitos e de suas relações. Segundo,
Costello e Wachtel & Wachtel (2011, p. 28), comportamentos que · Empoderamento – Como podemos seguir adiante? Em
se apresentam como inapropriados em espaços educativos que cada um envolvido no conflito pode se comprometer?
são o reflexo das relações e dos comportamentos verificados
nos ambientes fora da escola, ou seja, os conflitos fazem parte Manejar conflitos é possibilitar o encontro de soluções que
das relações humanas internas e externas ao local de estudo. partam dos envolvidos e transformem os padrões punitivos
Os autores afirmam que quando estimulamos a inclusão, a em padrões mais colaborativos, facilitando uma restauração
vida em comunidade, a responsabilização, apoio, acolhimento e das relações.
cooperação em uma escola, estamos influenciando diretamente
a qualidade das relações na vida em sociedade, e vice-versa. As Práticas Restaurativas pretendem promover o
desenvolvimento integral dos sujeitos e coibir tendências
Os conflitos entre as pessoas geralmente são percebidos como autoritárias na comunidade educativa (professores,
um aspecto indesejável das relações, contudo, fazem parte delas estudantes e famílias), ousando-se construir uma proposta de
e deveriam, em muitas situações, ser vistos como oportunidades corresponsabilização e reparação dos danos causados após um
de transformação. conflito. (JACCOULD, 2005 apud BARBOSA, 2019).

O processo de manejo, é, portanto, um método para a resolução


de um conflito. Esse processo envolve etapas pré-definidas e que

25
» 2.1 Práticas Restaurativas e o Desenvolvimento das Voltar ao menu
Habilidades Socioemocionais

2.1 Práticas Restaurativas


e o Desenvolvimento
das Habilidades
Socioemocionais
A mudança de uma cultura escolar punitiva para uma cultura escolar
restaurativa demanda um novo jeito de se relacionar com o outro e com o
mundo, trazendo à tona valores humanos importantes, como alteridade,
respeito, empatia, compaixão, entre outros, com a garantia primordial dos
direitos humanos universais, sendo a educação o alicerce.

Nesse sentido, com o olhar direcionado para a escola, o direito à educação


de qualidade e que promova o desenvolvimento do ser humano de forma
integral faz parte da responsabilidade de todos os envolvidos no processo
de ensino-aprendizagem e, assim, pretende-se solidificar uma sociedade
mais justa e igualitária.

Para tanto, a educação, a partir da nova BNCC, traz competências - definida


como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos),
habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores
para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da
cidadania e do mundo do trabalho -, e habilidades não focadas apenas no
desenvolvimento cognitivo, mas que pactuam em mesmo peso e medida
com o aprendizado acadêmico e o desenvolvimento das competências
sociais e emocionais.

26
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Segundo CASEL (The Collaborative for Academic, Social and A BNCC, em sua proposta, traz a necessidade de
Emotional Learning): desenvolvimento de dez competências nas crianças,
adolescentes e jovens ao longo da educação básica. Entretanto,
A Educação Socioemocional tem impactos relevantes não apresenta nenhuma proposta metodológica que viabilize
nos seguintes aspectos: relacionamentos promovem ou mesmo contribua para o desenvolvimento dessas
os alicerces para aprendizagem; emoções afetam como competências gerais. Competências como responsabilidade
aprendemos; Habilidades Socioemocionais podem e e cidadania; empatia e cooperação; autoconhecimento e
devem ser ensinadas e são essenciais para novos líderes autocuidado, e comunicação, estão no bojo da BNCC. Habilidades
e para a prevenção da saúde mental e social.6 socioemocionais que não se desenvolvem teorizando, por meio
de exposição de conteúdo, mas vivenciando no cotidiano do
A BNCC aponta para o desenvolvimento das competências espaço escolar.
socioemocionais, para a compreensão das emoções, do seu
manejo, de refletir sobre o que o outro sente, de se colocar no As competências são de natureza intrinsecamente subjetivas,
lugar do outro, sobre o que eu sinto, do entendimento de que sua levando em consideração o modo de ser do sujeito, de
ação e/ou reação afetará de forma negativa ou positiva o outro, se expressar no mundo, sendo constituídas a partir das
o respeito à diversidade e todas as formas de vida, do saber interrelações estabelecidas com outros sujeitos. Considerando
ouvir e se expressar de forma objetiva, trabalhar de maneira a formação integral desses sujeitos, a busca por práticas que
coletiva e respeitosa, fazer escolhas éticas e responsáveis e fomentem uma cultura de valorização e respeito às pessoas
construir o seu projeto de vida. torna-se um caminho irrefutável.

De acordo com Pamela Bruening (2018), especialista norte- Nesse sentido, as Práticas Restaurativas podem ser vistas
americana, em entrevista à Revista Educação, sobre o como uma estratégia metodológica para o desenvolvimento
conceito de educação socioemocional e os benefícios de sua dessas competências, tendo em vista o seu potencial no
implantação nas escolas: desenvolvimento de relações sociais significativas. Como bem
pontua a BNCC:
Os pilares que apoiam a educação socioemocional
incluem autoconhecimento, autogerenciamento, tomada No novo cenário mundial, reconhecer-se em seu contexto
responsável de decisões, habilidades de relacionamento histórico e cultural, comunicar-se, ser criativo, analítico-
e consciência social. Essas bases incluem contextos na crítico, participativo, aberto ao novo, colaborativo, resiliente,
escola, em casa e na comunidade, o que essencialmente produtivo e responsável requer muito mais do que o acúmulo de
significa que este tema precisa ser abordado em todos os informações. Requer o desenvolvimento de competências para
grupos de participantes que se relacionam com a escola.7 aprender a aprender, saber lidar com a informação cada vez
6
https://nuvem9brasil.com.br/blog/educacao-socio-emocional-de-maos-dadas-com-curriculo-escolar/, acesso em 08 de setembro de 2020.
7
https://nuvem9brasil.com.br/blog/educacao-socio-emocional-de-maos-dadas-com-curriculo-escolar/, acesso em 08 de setembro de 2020
27
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mais disponível, atuar com discernimento e responsabilidade para o estudante distinguir o que é certo e errado, o que é
nos contextos das culturas digitais, aplicar conhecimentos bom e ruim para si, até onde suas ações podem afetar a si e
para resolver problemas, ter autonomia para tomar decisões, ao próximo e a importância da responsabilidade pelo seu
ser proativo para identificar os dados de uma situação e desenvolvimento acadêmico.
buscar soluções, conviver e aprender com as diferenças e as
diversidades. (BRASIL, 2018). É responsabilidade da escola promover o desenvolvimento
das competências emocional e social, além das habilidades
Reconhecer as emoções, se colocar genuinamente no lugar acadêmicas, no intuito de possibilitar a metamorfose para uma
do outro através da abertura de coração, sem julgamentos, é sociedade que ultrapasse a barreira do individualismo para
a chave para mudança do egocentrismo, e para a amplitude um olhar comunitário, em que prevaleça o bem-estar de todos
de reconhecimento de que todos estamos interligados com o e a garantia dos direitos humanos. Bem-estar que depende,
outro, a natureza e o metafísico. além de outros fatores, das relações estabelecidas e da saúde
mental dos sujeitos.
Segundo Araújo (2013), para aflorar a educação socioemocional
nas escolas, deve-se envolver toda a comunidade educativa. A A saúde mental já merecia atenção por parte de educadores e
educação para a paz não se reduz apenas ao interior da escola. da escola, mesmo antes do cenário de pandemia do coronavírus.
Nesse sentido, cuidar do docente, de sua formação, suas Nesse contexto, os efeitos sobre as relações sociais, com o
emoções, das suas necessidades, são primordiais para o seu distanciamento social, adotado para deter o avanço do vírus,
fortalecimento enquanto um ser humano integral, para uma só agravou a saúde mental de crianças, adolescentes e jovens.
busca constante de uma educação que valorize as relações
humanas saudáveis e promova a paz. A escola, nesse contexto, precisa estar conectada com essa
realidade e estabelecer estratégias pedagógicas onde seja
Conviver de maneira consciente, tendo ciência das suas possível construir relações saudáveis e dialógicas, por meio de
necessidades e do outro, é uma maneira de construirmos espaços de fala e escuta e nos quais os estudantes se sintam
relações mais saudáveis e humanas. As vivências das crianças incluídos no problema e na busca pelas soluções. E nesse sentido,
e adolescentes podem afetar de forma positiva ou negativa a as Práticas Restaurativas se tornam excelentes recursos para
sua autoestima. Quanto melhor o vínculo do(a) estudante com o desenvolvimento e fortalecimento do autocuidado e da
o professor e com a sua comunidade escolar, mais condições autoproteção desses sujeitos, além do manejo dos conflitos.
ele terá na direção do seu desenvolvimento integral.

Sendo assim, o clima emocional saudável na escola e o


desenvolvimento das habilidades socioemocionais pactuam

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» 2.2 O que são conflitos e como manejá-los de forma não violenta? Voltar ao menu

2.2 O que são conflitos e como


manejá-los de forma não violenta?
Ao longo da história, podemos observar que a convivência conflitos, como as situações de crise, são partes da vida. É utópico
entre pessoas, grupos ou nações é marcada pelo surgimento pensar que podem desaparecer, mesmo porque, creio que não
de conflitos que, dependendo como forem negociados para se seria desejável” (1996, p. 3).
chegar a um acordo, podem levar à ruptura dos relacionamentos
e até a revoluções e guerras. Dessa forma, a questão central do O conflito é necessário e saudável no processo de convivência
conflito é a maneira como as pessoas envolvidas nessas situações humana, fato natural nas relações sociais, sendo oportunidade
pensam, agem e sentem, considerando a sua visão de mundo em de aprendizagem, crescimento pessoal e possibilidade de
relação a ele. amadurecimento e transformação das relações.

De modo geral, o conflito é um processo que envolve sentimentos e Ele sempre existirá na sociedade. Por esta constatação, é que se
relações entre duas ou mais pessoas a respeito de interesses tidos faz necessária a mediação como forma de lidar e estabelecer o
como opostos ou incompatíveis. E, por isso, se entende que alguém diálogo e o consenso entre as partes envolvidas no conflito.
deve perder para um outro ganhar, levando à inflexibilidade das
posições, pois todos querem ganhar, impossibilitando qualquer Daí, a necessidade de ferramentas ou recursos que tornem esse
tentativa empática de solução do conflito. Segundo Suares, “os manejo viável.

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» 2.2.1 Como manejar os conflitos de forma não violenta?

2.2.1 Como manejar


os conflitos de forma
não violenta?
O interesse na utilização das Práticas Restaurativas em espaços
educacionais tem crescido. Cada vez mais as instituições sentem
a necessidade de olhar para os comportamentos conflituosos e
para as crises não como um problema, mas como oportunidade
de mudança. Portanto, ao se apresentar as Práticas Restaurativas
como uma das estratégias de manejo de conflito de forma não
violenta, o espaço escolar ganha novas possibilidades para
lidar com os desafios cotidianos tendo como base os valores
do respeito e da empatia para com todos os seres humanos.
(COSTELLO, WACHTEL E WACHTEL, 2011).

A escola, pela diversidade das relações humanas que a permeiam,


torna-se um espaço próprio para a emergência de conflitos e
violência, que podem ter as suas origens na disputa por poder, na
diferença de idade, sexo, etnia, gênero, nas amizades, namoros,

30
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brigas, diferenças socioeconômicas e culturais, perdas ou furtos de especificidades como legítimo.


bens, situações de bullying, pichação e destruição do patrimônio,
entre outros fatores, ocasionando formas equivocadas de O primeiro passo é deixar claro para os estudantes a
intervenção que não proporcionam o restabelecimento destas intencionalidade em abrirmos espaços de diálogos, ou seja, o
relações. Dessa forma, primeiro ponto de uma escola restaurativa é sair da posição de
julgadora e punitiva para uma escola disposta a construir relações
o “clima de violência”, além de influir na qualidade de ensino, de uma forma dialogada, ouvindo os interlocutores.
no desempenho escolar dos alunos e no desempenho
profissional do corpo técnico-pedagógico, também incide Todo conflito nasce de uma discordância, e aprender a resolver
sobre a percepção dos alunos a respeito do espaço físico as diferenças por meio do diálogo fortalece a necessidade de
da escola, da gestão e dos próprios colegas. Constata- oportunizar que o(a) estudante desenvolva a habilidade voltada
se que um ambiente escolar desfavorável contribui para para a resolução do problema, ao invés de partir para a agressão
o esgarçamento das relações entre os atores da escola por não conseguir realizar o exercício de empatia. Partindo do
(professores e alunos; professores e direção; alunos e pressuposto de ser ouvido, se sentir acolhido e participar da
alunos; alunos e direção). (ABRAMOVAY, 2003, p. 80). elaboração dos acordos realizados por meio das conversas, as
situações de violências vão sendo mitigadas.
A escola se caracteriza como um dos primeiros espaços onde
o(a) estudante é colocado(a) em situações e vivências que são Belinda Hopkins (2011) cita como primordial, para facilitar
diferentes da sua cultura, seu jeito de viver, seu ambiente familiar e, esse diálogo, o desenvolvimento do vocabulário das crianças,
de uma forma muito explícita, ele(a) é exposto(a) a tais diferenças. adolescentes e jovens para expressar seus sentimentos,
E lidar com estas não é fácil, é uma habilidade que desenvolvemos pensamentos e medos e assim considerar a mediação de todas
pela vida toda, a partir das experiências sociais. as situações nas quais estão inseridos. Uma vez desenvolvida
a habilidade do diálogo, do respeito aos sujeitos, a violência vai
É na escola que, também, aprendemos a lidar com opiniões sendo mitigada, possibilitando a mudança para uma cultura de paz.
diferentes das nossas, com jeitos e comportamentos diferentes Essa mudança cultural não se faz do dia para a noite, leva tempo,
dos nossos, e não estamos aqui nos referindo a comportamentos demanda um trabalho coletivo envolvendo toda a comunidade
melhores ou piores, e sim refletindo sobre as mais variadas educativa. A partir do momento em que essa forma de manejo é
formas de relação familiar e comunitária. Sendo assim, é comum incorporada por todos, o ambiente torna-se mais saudável para o
e pertinente que nossos comportamentos sejam endossados ensino e a aprendizagem.
pelo espaço familiar em que estamos inseridos, uma vez que são
práticas comuns para esse grupo social e o maior desafio nas
relações interpessoais é considerar o outro, com todas as suas

31
» 2.2.2 Quais são os Métodos Restaurativos e Manejo dos Voltar ao menu
Conflitos?

2.2.2 Quais são os


Métodos Restaurativos
e Manejo dos Conflitos?

“Se seu objetivo for ... crianças aprenderem determinadas


lições e repetirem para o professor, sua disciplina deverá
ser utilizada para assegurar este resultado. Se, porém,
o objetivo for o desenvolvimento de um espírito de
cooperação social e de vida comunitária, a disciplina deve
brotar deste objetivo e a ele estar relacionada’.” (Dewey,
1943 apud Hopkins, 2009).

Com a expansão das metodologias restaurativas, existem


inúmeros métodos para o manejo de conflitos nesta
perspectiva. A seguir, apresentamos os mais apropriados aos
contextos educacionais Maristas.

32
» 2.2.2.1 Perguntar Restaurativo Voltar ao menu

2.2.2.1 Perguntar
Restaurativo
O Perguntar Restaurativo acontece sem a presença de
um facilitador. Segundo Pedroso e Burg (2014), este método
acontece entre um interlocutor e uma pessoa que viveu
um incômodo ou conflito e tem como objetivo auxiliá-la a
entender o que pensava e sentia no momento, para identificar
suas necessidades e ações necessárias para seguir em frente.
Por se tratar de uma alternativa metodológica que não requer
a preparação de um círculo ou de um facilitador, ela pode
acontecer em qualquer lugar ou espaço onde tenha acontecido
um conflito ou incômodo: corredores, sala de aula, quadra
poliesportiva ou em espaços com intervalos - aulas vagas, por
exemplo.

Sempre que há um conflito entre pessoas, raramente eles


permanecem isolados ou são “abafados”, segundo Pedroso
e Burg (2014, p. 191), em palestra no Seminário Internacional
de Justiça Restaurativa, questões não solucionadas tendem:
“a ir de um canto a outro da escola: na sala de aula, sala dos
professores, secretaria e parque, ou seja, pela unidade inteira, e
o conflito original aumenta em uma proporção anormal.”

33
» 2.2.2.2 Conversar Restaurativo Voltar ao menu

2.2.2.2 Conversar
Restaurativo
Outra prática restaurativa importante na mediação de conflitos
é o Conversar Restaurativo, que acontece entre duas pessoas
em conflito sem a presença de um facilitador. O princípio
fundamental deste é que ambos os lados possam expressar
seus pensamentos, sentimentos e necessidades. (PEDROSO e
BURG, 2014).

As autoras reconhecem o poder transformador, mas também


desafiador do perguntar restaurativo, pois pressupõe: colocar
de lado mágoa ou raiva e ouvir o lado da outra pessoa que é tão
importante quanto o seu e, juntos encontrarem um caminho a
seguir (p. 192).

34
» 2.2.2.3 Círculo de Classe ou Hora do Círculo Voltar ao menu

2.2.2.3 Círculo de Classe


ou Hora do Círculo
O Círculo de Classe, ou Hora do Círculo, consiste em uma
metodologia praticada através de um formato conversacional
circular entre os membros de uma comunidade. No ambiente
escolar, pode acontecer com todos os(as) estudantes da turma
e requer a presença de um facilitador.

De acordo com Pedroso e Burg (2014, p. 192), este formato pode


ser utilizado para conversar e/ou tomar decisões sobre um
tema de interesse de todos, seja este um conflito ou não. Nas
palavras das autoras, o círculo é valioso para:

(...) desenvolver habilidades sociais e emocionais,


promover integração e criar senso de pertencimento no
grupo-classe, incorporar os princípios, temas e linguagem
restaurativos, encorajar os estudantes a desenvolverem
uma ética de cuidado e responsabilidade em relação
ao outro, garantindo um bom contexto para o ensino e
aprendizagem.

O Círculo conta com a presença de um facilitador, que inicia


a atividade explicando a todos(as) o que é a peça de fala e
as etapas do círculo, convidando-os(as) a participar. Neste
formato, o facilitador, além de guardião do processo, tem seu
lugar de expressão como todos os participantes.

35
» 2.2.2.4 Encontro Restaurativo ou Conferências Restaurativa Voltar ao menu

2.2.2.4 Encontro Restaurativo


ou Conferências Restaurativas
O Encontro Restaurativo, ou Conferência Restaurativa, consiste (...) pode ser utilizado para disputas em sala de aula,
em um processo no qual todos os envolvidos em uma situação de incidentes de Bullying, comportamento inadequado de um
conflito se reúnem na presença de um facilitador para que, através estudante, danos menores a propriedade da escola onde não
do diálogo, busquem o entendimento mútuo do impacto causado há um procedimento formal oficializado, pequenos roubos
pelo incidente, as razões que levaram ao mesmo e os melhores e furtos, pequenos incidentes de ordem pública onde não
encaminhamentos para a resolução. O Encontro Restaurativo, há uma queixa oficial (xingamentos, provocações, insultos,
pela sua complexidade, ocorre em três momentos distintos: o assédios, faltas, entre outros).
Pré-encontro, para preparação, orientação dos envolvidos; o
Encontro; e o Pós-encontro, acompanhamento do cumprimento Como mencionado no início deste item, há uma ampla gama
dos acordos firmados no encontro. (PEDROSO e BURG, 2014). de possibilidades metodológicas e nomenclaturas para os
métodos restaurativos no manejo de conflitos. Compartilhamos
Esse processo conta com a presença de um facilitador que não aqui outros dois métodos propostos pelos autores Wachtel,
está envolvido de forma direta as pessoas diretamente afetadas, O´Connell e Wachtel (2010) em sua publicação Reuniões de Justiça
o(s) responsável(is) pelo dano e seus pais/suportes e as pessoas Restaurativa.
afetadas de maneira indireta. Podem ser convidados outros
participantes, desde que tenham sido direta ou indiretamente
afetados ou que possam contribuir para o encaminhamento da
situação.

Os encontros restaurativos podem ser utilizados em diversos


contextos, ambientes e situações, como bem explicitam as autoras
Pedroso e Burg (2014, p. 197)

36
» 2.2.2.5 Reuniões Restaurativas Voltar ao menu

2.2.2.5 Reuniões Restaurativas


Reuniões restaurativas são experiências democráticas em que
as pessoas mais afetadas por determinados problemas decidem
como reagir a ele. Quando se pensa na realização de reuniões
restaurativas, é importante entender que este é um espaço
criado para que as discussões sejam para lidar com conflitos.
Neste espaço, todos os participantes podem falar, expressar seus
sentimentos e opinar sobre o resultado. (WACHTEL, O’CONNELL E
WACHTEL, 2010).

Para que a reunião restaurativa aconteça, é necessário que o


facilitador crie um ambiente seguro e acolhedor para reunir os
participantes, mantenha o foco no processo e registre todas as
decisões do grupo. Importante salientar que quem facilita o grupo
não toma as decisões por ele e, também, não deve influenciar as
mesmas. Nesse processo, os participantes devem encontrar as o desenvolvimento de um plano para abordar o conflito e reparar
soluções que melhor resolvem suas necessidades. O facilitador os danos causados. Por fim, o roteiro convida os participantes
fica em segundo plano, apenas incentivando e auxiliando para para uma confraternização onde o foco principal é a interação.
que todas os pontos de vista sejam considerados. (WACHTEL, (WACHTEL, O’CONNELL E WACHTEL, 2010).
O’CONNELL E WACHTEL, 2010).
Importante ressaltar que as reuniões restaurativas podem ser
Uma reunião restaurativa eficiente é aquela que se preocupa realizadas em muitos ambientes e que a escola se apresenta,
em construir um bom roteiro, uma vez que este se configura apenas, como um deles. Onde houver um dano causado e sua
como a parte mais importante da reunião. Simples e de fácil necessária reparação, a reunião se apresenta como possibilidade.
compreensão. Para o roteiro, recomendam-se perguntas abertas É preciso que tal estratégia seja utilizada sem decorrer muito
num primeiro momento, a fim de incentivar os participantes a tempo do ocorrido, desde que todos os envolvidos tenham
responderem e expressarem o modo como foram afetados pelo devido equilíbrio e voluntariedade para a participação. (WACHTEL,
problema que os reuniu ali. Em seguida, ideias são trocadas para O’CONNELL E WACHTEL, 2010).

37
» 2.2.2.6 Mediação por pares Voltar ao menu

2.2.2.6 Mediação por


pares
A mediação de pares ou entre pares se caracteriza pela
capacitação de estudantes, professores, educadores e
coordenadores para realizar a mediação entre eles próprios,
isto é, um estudante realiza a mediação entre outros estudantes
do grupo ou da unidade escolar, podendo ter ou não a presença
de professores ou educadores. O mesmo vale para professores
que sejam mediadores, que podem atuar junto à mediação de
outros professores do grupo e/ou membros da comunidade
educativa. (PACHECO, 2006 apud LIMA, 2016).

A mediação por pares, assim como as demais ferramentas


conversacionais, objetiva o manejo de conflitos de forma
não violenta na escola e apresenta como benefício a criação
de vínculos colaborativos, o senso de comunidade na escola,
o desenvolvimento do senso de coletividade, a melhoria do
ambiente em sala de aula, e dentro da escola como um todo,
o incentivo a valores e responsabilidades e diminuição dos
conflitos. (LIMA, 2016).

38
» 2.2.2.7 Os Métodos Circulares e as Perguntas Restaurativas Voltar ao menu

2.2.2.7 Os Métodos Circulares


e as Perguntas Restaurativas
O círculo é o que Pranis (2010) chama de a renovação de tradições
ancestrais. Segundo a autora, todas as possibilidades de se pensar
processos circulares advêm da forma como as famílias se reuniram,
durante séculos, em volta de uma mesa para resolver seus problemas,
apoiar uns aos outros e estabelecer vínculos. O método circular
que congrega as pessoas e chega a um entendimento mútuo fora
apresentado pelos indígenas norte-americanos, que se utilizavam de
um bastão de fala, que passava de pessoa para pessoa, lhe conferindo
o direito de falar enquanto os outros ouviam. Ter o objeto de fala
como elemento central da facilitação caracteriza de forma explícita
a intencionalidade de estar aberto ao diálogo diante de um círculo
restaurativo.

O poder do círculo está, segundo Kay Pranis (2010), no contar histórias


e na maneira como cada história oferece uma lição. Nesse sentido,
para que haja recomposição do tecido social e a reparação do dano,
a responsabilização de todos precisa ser ativa. Kay Pranis apresenta
que a possibilidade de sentimento de pertença será muito maior se as
histórias dos sujeitos forem verdadeiramente ouvidas.

O cerne de um círculo é o reconhecimento de que todos precisam


de ajuda e que, quando ajudamos os outros, estamos ajudando a nós
mesmos. Existe, então, uma nova concepção do problema e novas
possibilidades de se pensar a resolução. (PRANIS, 2010).

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Como já ressaltado, os processos circulares fazem parte da do momento do círculo, marcando-o como um momento
sabedoria comunitária antiga e possuem um efeito poderoso diferente e sagrado dos demais vividos antes dele. O momento
porque respeitam a presença de cada um e cada uma, de abertura é marcado pelo check-in, palavra em Inglês que
salientam a conexão entre todas as coisas e permitem que a significa chegada8 - a ideia deste momento é criar aproximação
voz de todos e todas seja ouvida, num processo horizontal. e conexão do grupo. O momento de encerramento do círculo
Há então, segundo Pranis (2010), uma dívida histórica com os é marcado pelo check-out, palavra em Inglês que significa
povos indígenas que mantiveram vivas estas práticas. O círculo saída, encerramento – este tem a intenção de marcar o final do
se apresenta como um processo estruturado para organizar círculo, podendo ser representado por algum ensinamento do
a comunicação em grupo, tomadas de decisões, resolução de dia ou palavra que descreve algum sentimento ou aprendizado.
conflitos e construção de relacionamentos saudáveis.
O bastão de fala é o regulador do diálogo e permite a
Em suma, os círculos apresentam uma metodologia simples, manifestação das emoções à medida que passa de uma pessoa
mas com profundidade, no que tange a criar relacionamentos para a outra. Segundo Pedroso e Burg (2014, p. 192-193), a
mais significativos, proporcionando interconectividade, apoio, peça de fala “se movimenta em uma única direção sem pular
reconhecimento e unicidade. Neste sentido, a geometria qualquer participante e assegura que todos tenham a palavra.
circular se faz imprescindível para que todos se comprometam As pessoas falam apenas e tão somente quando têm a peça de
uns com os outros sem criar sensação de haver “lados”. (WATSON fala em suas mãos e tem o direito de passar a vez”.
& PRANIS, 2011).
O facilitador ajuda o grupo a criar e manter um espaço
As estruturas circulares objetivam, fundamentalmente, coletivo, zelando sempre pela qualidade da interação grupal. As
criar possibilidades de interconexão, partilha, igualdade orientações dizem respeito às informações e comportamentos
e inclusão. A participação de todos os envolvidos incita, que os participantes consideram importantes para transformar
também, à corresponsabilização pelas decisões que ali são o espaço do círculo em um ambiente seguro. Por fim, as
tomadas. Pranis (2010) apresenta uma estrutura que norteia tomadas de decisão são por consenso e isso não quer dizer
os processos circulares de forma intencional. Tal estrutura é que todos fiquem plenamente satisfeitos com as decisões. O
exposta pela autora a partir de uma cerimônia, um bastão de que ocorre é que todos devem trabalhar para a implementação
fala, um facilitador ou coordenador, orientações e um processo do que ali for decidido. (PRANIS, 2010).
decisório consensual.
Pensar em conversar “restaurativamente” implica em primeiro
A cerimônia, intencionalmente, busca a conexão dos escutar. Pedroso e Burg (2014) enaltecem o pensamento de
participantes no momento presente do círculo. Tanto na Belinda Hopkins, afirmando que, para que tenhamos uma
abertura, quanto no fechamento, apresenta-se a importância escola restaurativa, é necessário que antes de tudo sejamos
8
Algumas unidades aderiram à palavra “chegada” ou “chegança” para descrever o momento de abertura e descontruir o uso de termos em
Ingles, na ideia de “aportuguesar” a metodologia.
40
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uma escola ouvinte. Usar da escuta empática e do processo de · Em sua opinião, o que é preciso fazer para consertar as
questionamento restaurativo para dar vida à construção de coisas?
um ambiente que preconize a cultura da paz.
As perguntas básicas para responder a um comportamento
O ouvir com qualidade possibilita efeitos imediatos nas desafiador são, segundo Costello, Wachtel e Wachtel (2011);
relações pessoais e profissionais, nas quais todos podem Hopkins (2011); Rosenberg (2006)9:):
expressar aquilo que lhes está incomodando. Não se trata de
um simples diálogo, mas sim de um diálogo qualificado que · Em que você pensou ao perceber o que havia acontecido?
promove a compreensão. · Que impacto o incidente causou em você e nos outros?
· Para você, qual foi a coisa mais difícil?
Para atender às necessidades do perguntar restaurativo, · Em sua opinião, o que é preciso fazer para consertar as
Pedroso e Burg (2014 apud Belinda Hopkins, 2011) indicam coisas?
algumas perguntas que possibilitam o caminho para a mudança
de uma cultura da punição e culpabilização para outro da Cumpre ressaltar que as perguntas procuram trazer à tona
corresponsabilização, baseada no diálogo empático, na a história dos fatos e/ou dos eventos e os sentimentos
valorização dos sentimentos e no atendimento às necessidades. associados a eles, buscando as melhores soluções para
resolver as coisas. As perguntas criam um circuito de feedback
As perguntas restaurativas derivam das reuniões restaurativas. (retorno) para que as pessoas possam ouvir como seus atos
Existem duas formas do perguntar restaurativo: uma para lidar afetaram a comunidade, possibilitando o empoderamento e
com comportamentos desafiadores e outra quando alguém encorajamento dos envolvidos à responsabilização (COSTELLO,
foi prejudicado por ações de outra pessoa. Quando duas ou WACHTEL E WACHTEL, 2011).
mais partes se prejudicaram, podemos utilizá-las. (COSTELLO,
WACHTEL E WACHTEL, 2011). Além disso, os autores sustentam que o perguntar restaurativo
possibilita que os envolvidos não ignorem o que aconteceu,
As perguntas básicas para responder a um comportamento e possam responsabilizar as pessoas pelo ocorrido, além de
desafiador são, segundo Costello, Wachtel e Wachtel (2011); acolher e apoiar para que resolvam seus problemas de forma
Hopkins (2011); Rosenberg (2006)9: não violenta.

· O que houve? Segundo Costello, Wachtel e Wachtel (2011), as perguntas


· Em que você estava pensando no momento? restaurativas têm um foco fundamental a ser destacado:
· Em que pensou desde então? separar o comportamento das pessoas de seu valor intrínseco
· Quem foi afetado por suas atitudes? De que maneira? como pessoa, isto é, uma coisa foi o ato cometido, e outra,
9
A obra de Marshall Rosenberg contempla esse percurso do perguntar restaurativo, orientando-se apenas por quatro conceitos-chave:
observação, sentimento, necessidade e pedido.
41
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quem o cometeu – a pessoa não é o que ela cometeu –, Observação: sermos capazes de observar sem fazer
permitindo que elas admitam seus erros, reparem os danos e julgamento ou avaliação;
sejam reinseridas na comunidade. É sempre importante que
seja separada a ação do agente que a cometeu, evitando que Sentimento: identificarmos como nos sentimos ao observar
as pessoas sejam estigmatizadas como “ruins” e lhes abrindo determinada ação;
espaço para a mudança.
Necessidades: reconhecer quais de nossas necessidades
Neste espaço de perguntar restaurativamente, é possível estão ligadas aos sentimentos que identificamos, em outras
perceber que não existe o “Por que você fez isso?”, uma vez palavras, que necessidades minhas não foram atendidas e,
que tal questionamento sugere uma postura de julgamento e portanto, geraram o conflito;
pressupõe uma defensiva. Há de se considerar que a pessoa
pode, realmente, não saber o porquê e, sem muita autorreflexão, Pedido: este componente enfoca o que estamos querendo da
trará alguma justificativa que não lhe faça sentido no momento. outra pessoa para que as coisas fiquem bem e possamos seguir
Mais uma vez, enfatiza-se a escuta das necessidades de todos em frente. O pedido precisa ser bem específico.
os envolvidos. (COSTELLO, WACHTEL E WACHTEL, 2011).
Portanto, segundo Marshall (2006), a Comunicação Não Violenta
Na utilização dos métodos circulares e na aplicação das se apresenta como um processo que auxilia as pessoas a trocar
Práticas Restaurativas, podemos incorporar outros recursos, as informações necessárias para a resolução dos conflitos, das
ferramentas que dialoguem com seus princípios e valores, suas diferenças, da pauta em questão com uma linguagem
a exemplo da Comunicação Não-Violenta (CNV), do autor pacífica. A CNV também convida a nos conectarmos com a
Marshall B. Rosenberg. A CNV tem relação direta com as Práticas humanidade do outro, aumentando a disponibilidade para
Restaurativas, tendo sido ressaltada pela Belinda Hopkins, em ouvir de forma integral sua necessidade, trilhando caminhos
sua obra “Praticas Restaurativas em sala de aula” (p. 26), quando para a resolução, acordo e reparação do dano.
menciona a obra de Marshall como inspiração e modelo para
sua abordagem. Como o professor pode manejar os conflitos dentro de sala de
forma não violenta? Como a metodologia apresentada neste
A Comunicação Não-Violenta é, segundo comenta Rosenberg documento pode contribuir com um maior engajamento e
(2006), um processo de comunicação ou uma “linguagem da melhor rendimento acadêmico do estudante? Essas e outras
compaixão”, pois se propõe a auxiliar na maneira pela qual questões serão discutidas a seguir.
nos expressamos e escutamos o outro. Esse processo de
comunicação consigo e com o outro acontece mediante
quatro componentes:

42
» 3. Práticas Restaurativas em sala de aula Voltar ao menu

3. Práticas Restaurativas
em sala de aula

Neste capítulo, abordaremos


os princípios e os valores que
embasam uma atuação com as
Práticas Restaurativas e sua
interface com os processos de
sala de aula.

43
» 3.1 Princípios e Valores Restaurativos Voltar ao menu

3.1 Princípios e
Valores Restaurativos
As Práticas Restaurativas têm-se consolidado como um conjunto sistematizado de técnicas
e princípios que buscam contribuir para a gestão de conflitos e de situações de violência,
visando o respeito por todos, o fortalecimento de vínculos e relações intrapessoais e
interpessoais saudáveis, com objetivo de transformação da cultura punitiva em uma cultura
de paz, ajudando as pessoas a seguirem em frente.

Os processos restaurativos, de acordo com Zehr (2015), são orientados por meio de 5
princípios que buscam estimular decisões para promover a responsabilização, a reparação e
a reintegração dos envolvidos. São eles:

a. Foco nos danos e necessidades da vítima e, também, do ofensor e comunidade;


b. Das obrigações/responsabilidades do ofensor e da comunidade frente aos danos
causados;
c. Da utilização de processos inclusivos e cooperativos;
d. Do envolvimento de todos os que verdadeiramente têm interesse pela situação; e
e. Da busca por reparar os danos ou endireitar as coisas, sempre que possível.

Os referidos princípios trazem intrínsecos alguns valores, como o sigilo – informar e acordar
com os envolvidos que tudo que for tratado nos processos restaurativos deve ser mantido em
sigilo, não podendo ser repassado para terceiros, preservando a segurança das informações,
para que se estabeleça um ambiente de confiança entre os participantes, dentre outros
fatores elencados abaixo.

Em uma prática restaurativa, esses princípios e valores devem ser respeitados e não podem
ser ignorados, sob pena de não realizarmos um processo verdadeiramente restaurativo e
podendo, até mesmo, violar os direitos dos sujeitos envolvidos.

44
» 3.1.1 Participação Voltar ao menu

3.1.1 Participação
A participação tem destaque no Projeto Educativo do Brasil
Marista, que menciona essa característica enraizada em todas as
escolhas educativas do projeto. Ao tratar sobre a opção político-
pedagógico-pastoral do currículo, o projeto afirma que:

A escola Marista torna-se espaçotempo de reflexão,


discussão e participação responsável nas questões
que envolvem a dinâmica da comunidade, procurando
garantir o direito de expressão de todos, o exercício do
pensamento reflexivo, da crítica e da autocrítica, o colocar-
se no lugar do outro e a busca de alternativas e soluções
compartilhadas na resolução de conflitos, pautadas
pelo respeito às diferenças. Situações pedagógicas que
envolvem tomadas de decisão, representatividade e
respeito à coletividade. Pode se manifestar nos espaços
de representação estudantil, nos projetos de intervenção
social, na participação em conselhos, assembleias e fóruns
e na participação em processos decisórios da escola que
envolvem a vida dos estudantes. (MARISTA, 2010, p. 69).

A citação apresenta a participação como parte fundamental


do currículo Marista. Ainda, ao tratar das escolhas
metodológicas do projeto educativo, o referencial aponta
que as intervenções devem ser planejadas para que esse
conceito da participação seja desenvolvido na própria
ação educativa, ou seja, imergido nas escolhas didático-
metodológicas realizadas no espaço da escola.

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O conceito de participação envolve duas análises indissociáveis da participação, visando ao seu bem-estar e proteção da
que compreendem a participação como constituição de direito formação integral (AÇÃO EDUCATIVA, 2013). Fala-se então
social de crianças, adolescentes e jovens, e a participação de uma formação para a participação e desenvolvimento do
como processo formativo para habilidades humanas. protagonismo infanto-juvenil por meio das práticas educativas
desenvolvidas pela escola.
Enquanto direito social, a participação de crianças,
adolescentes e jovens é resguardada legislativamente a Participação está intrinsecamente ligada ao conceito de
partir da Convenção sobre os Direitos da Criança, documento protagonismo, que significa o desenvolvimento do(a) estudante
aprovado na Assembleia Geral da Organização das Nações para realizar escolhas de forma autônoma com base em seu
Unidas (ONU) em 1989. O artigo 12 do texto da convenção projeto de vida.
aponta a definição do direito à participação como a garantia da
criança e adolescente de “formar seus próprios pontos de vista, Portanto, ser protagonista depende necessariamente das
[...] exprimir suas opiniões livremente sobre todas as matérias oportunidades de participação construídas no espaço da escola
atinentes à criança, levando-se devidamente em conta essas que permitam aos(às) estudantes dialogar sobre assuntos
opiniões em função da idade e maturidade da criança” (AÇÃO relevantes à sua dinâmica pessoal, social e cognitiva, e nessa
EDUCATIVA, 2013). interlocução construir as balizas necessárias para realizar
escolhas conscientes ao longo da vida.
Os documentos legislativos em âmbito nacional também
apontam a incorporação do direito à participação ao Pensar a formação para a participação no ambiente da escola
conteúdo da proteção e promoção dos direitos básicos de não se restringe a ações pontuais ou segmentadas, mas tem
crianças e adolescentes. Nos documentos regulatórios da seu potencial de formação através das escolhas metodológicas
educação nacional, a participação também ganha destaque realizadas para as práticas didáticas, que costuram, ao mesmo
como elemento imprescindível ao processo formativo das tempo, o conteúdo curricular com as habilidades humanas,
crianças, adolescentes e jovens. A Base Nacional Comum necessárias ao exercício da participação e consequente
Curricular (Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de dezembro de 2017) desenvolvimento do protagonismo.
também aponta a participação e o protagonismo de crianças,
adolescentes e jovens dentre as aprendizagens essenciais A participação se caracteriza pelo direito da criança,
para a educação brasileira. adolescente e jovem de ser informado, ser ouvido, emitir sua
opinião e incidir nas decisões do coletivo. O desenvolvimento
Enquanto processo formativo, a participação refere-se à dessas características exige um ambiente participativo, no qual
prática educativa que permita fortalecer as competências se tenha uma metodologia que favoreça a escuta e emissão de
de crianças, adolescentes e jovens necessárias à efetivação opiniões de forma respeitosa e acolhedora, além de encontros

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frequentes destinados a essa finalidade como oportunidades


educativas.

Quando inseridas em sala de aula, as estratégias restaurativas


apresentam uma metodologia procedimental que tem em seus
valores as habilidades de escuta atenta e abertura para emissão
de opiniões de forma respeitosa e não violenta. É necessário
ter clareza que o uso do procedimento restaurativo realizado
de forma adequada e fiel aos valores restaurativos garante o
desenvolvimento da participação, seja no uso dos círculos para
diálogo sobre os temas das áreas do conhecimento, seja na
gestão de sala de aula ou na mediação de conflitos.

Destaca-se que, seja para qualquer finalidade de uso das


estratégias restaurativas na escola e dentro da sala de aula
– como metodologia didática, para manejo de conflitos ou na
gestão de sala de aula -, o procedimento circular com todas as
etapas do Círculo Restaurativo constitui uma metodologia que
garante o desenvolvimento da escuta e emissão de opiniões de
forma respeitosa e acolhedora. Seu uso como parte das escolhas
didáticas da escola constitui a construção de oportunidades
frequentes e sistemáticas para tal finalidade.

Os(as) estudantes podem e devem ser envolvidos(as) durante o


processo de planejamento e organização das práticas circulares
dentro da escola, trazendo suas contribuições, histórias
pessoais e ideias criativas para construir o processo. Envolver
a criança, adolescente e jovem durante todo o processo de
diálogo é um pressuposto básico do desenvolvimento da
participação.

47
» 3.1.2 Inclusão Voltar ao menu

3.1.2 Inclusão
A prática pedagógica com foco na formação integral atua
enfaticamente nas relações afetivas e sociais construídas na sala
de aula e na escola. Como já destacado no item 2.1 dessa diretriz, as
Práticas Restaurativas demostram efetividade no trabalho sobre as
habilidades socioemocionais, articuladas às demais necessidades
pedagógicas. Quando observadas dentro de um processo de grupo,
como os coletivos da sala de aula, há dois vínculos sociais que fazem
essa costura entre sujeito e coletivo, e auxiliam no trabalho sobre as
relações e as habilidades socioemocionais: inclusão e pertencimento.

A inclusão é um dos valores fundamentais das Práticas Restaurativas,


e permeia todo o desenvolvimento do procedimento circular,
independente do tema de debate ou do conflito em resolução.

Quando se trata de conflitos, a dinâmica circular dá lugar a vítimas


e ofensores, buscando meios consensuais e pacíficos de reconhecer
as motivações e necessidades envolvidas, assim como a solução
adequada para cada uma das pessoas envolvidas na situação. A
maneira tradicionalmente aplicada, pela punição, exclui o ofensor do
grupo do qual faz parte e para qual cometeu algum agravo que gerou
rompimento de relações.

Mas, a partir das Práticas Restaurativas, as pessoas aprendem a separar


sujeito e ato, e buscam formas inclusivas de levar o autor à reflexão.
No universo da sala de aula, como em qualquer outro grupo social,
os conflitos compõem as dinâmicas relacionais, e as formas também

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tradicionais de resolução de conflitos, baseadas na punição, II. Com o uso do objeto da palavra, todos têm a chance de se
têm a tendência de afastar o(a) estudante ofensor(a) do expressar, quem tem mais facilidade e quem tem dificuldade,
grupo, caracterizando-o(a) a partir de estereótipos, por dando lugar social. Toda vez que o objeto de palavra circula
exemplo, como o(a) indisciplinado(a), o(a) agressivo(a), o(a) e todos têm a chance de se pronunciar, falar, emitir opiniões,
desrespeitoso(a). contar histórias, partilhar a vida e saberes, construir
considerações junto aos outros a partir das suas opiniões,
A partir das Práticas Restaurativas, o grupo aprende a olhar essa pessoa ganha um lugar, um nome, e passa a pertencer
para esses conflitos como parte das relações e a encontrar ao coletivo do grupo – isso tira os sujeitos da educação da
juntos uma forma de solução. Isso passa pela mediação docente invisibilidade e lhes garante um espaço social
em não apelar para estratégias exclusivas, como retirar o
aluno da sala, enviar para a coordenação resolver, sem antes III. As partilhas em roda permitem que cada sujeito seja
compreender a situação e dialogar com todos os afetados. reconhecido na sua individualidade, nas suas necessidades
Nessa dinâmica de resolução de conflitos, ninguém fica de individuais (afetivas, relacionais, de aprendizagem).
fora, todos participam, e a premissa da inclusão se materializa. Essa abertura para a percepção do sujeito conversa
necessariamente com uma proposta educativa que atua
Quando refletido sobre o exercício didático do docente, em pedagogicamente a partir das necessidades de cada aluno,
diálogos sobre os temas dos componentes curriculares, o rompendo com o olhar massificador do docente e da escola
próprio procedimento garante o valor da inclusão: quando o para perceber os sujeitos e suas necessidades. O(A) docente
procedimento é aplicado didaticamente para dialogar sobre também é estimulado(a) a estreitar suas relações com o seu
qualquer componente curricular, já favorece a disseminação grupo, alertando-o(a) para essas dinâmicas. O (A) docente
da inclusão. Alguns exemplos, a partir do procedimento que aprende a reconhecer a importância formativa dessa
circular, auxiliam nessa compreensão: dimensão se abre para explorar propostas pedagógicas
voltadas a essa natureza de relações.
I. Com a geometria circular, sentar-se em círculo permite
perceber os demais membros do grupo/sala de aula, conhecer Os demais passos das Práticas Restaurativas endossam
seus nomes, reconhecer as vozes e suas entonações, as essa perspectiva, alimentando a percepção de que o valor
expressões pessoais vinculadas a cada emoção durante da inclusão se dissemina em todo o procedimento circular.
os diálogos, e isso gera reconhecimento dos sujeitos que Essas estratégias se aplicam a todos os componentes
compõem qualquer grupo social. Não se trata de anônimos, curriculares, demonstrando que as escolhas pedagógicas
mas pessoas com nomes, sentimentos, necessidades e podem favorecer essa dimensão durante o trabalho escolar.
potencialidades diferentes, reconhecidas e afirmadas no
espaço da sala de aula.

49
» 3.1.3 Escuta qualificada Voltar ao menu

3.1.3 Escuta qualificada


O valor da escuta qualificada compõe um elemento básico para os
processos de comunicação. Baseada no acolhimento, compreensão
e interpretação dos conteúdos ouvidos, a escuta qualificada garante
efetividade do diálogo entre os interlocutores e o atendimento das
necessidades comunicadas de forma verbal e não verbal.

A escuta qualificada é uma habilidade que pode ser caracterizada como


uma postura adotada diante da fala de um interlocutor, na qual o receptor
mantém atenção, foco, interesse genuíno e empatia diante da pessoa e
do conteúdo que se escuta. Enquanto habilidade aprendida, a escuta
qualificada pode ser desenvolvida com processos formativos dedicados à
formação humana em espaços de aprendizagem, como a escola.

O uso das estratégias circulares dentro da escola favorece o


desenvolvimento dessa postura empática com os participantes do
grupo, seja diante de um diálogo reflexivo ou de um conflito existente.
O procedimento circular propõe uma dinâmica de sensibilização sobre
os temas de diálogo, onde cada participante tem espaço para se colocar,
apontar seus pensamentos, sentimentos e opiniões, e para ouvir as
contribuições dos demais.

O que favorece esse processo é a dinâmica do procedimento. Ao colocar-


se em círculo, os participantes têm a oportunidade de manter os demais
em seu campo de visão, permitindo perceber as nuances da comunicação
verbal e não verbal. O uso do bastão/objeto de fala/palavra propõe a
demarcação dos momentos para falar e ouvir. Em tempos do cultivo de

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uma cultura imediatista e instantânea, as pessoas tendem a e comunicação assertiva de seus pensamentos, sentimentos
dar respostas automáticas. Por isso, a demarcação do tempo e necessidades. Ensinar à criança, ao(à) adolescente e ao(à)
para falar e para ouvir se faz necessária e imprescindível para jovem a ouvir com atenção, cultivar a presença significativa,
construir uma percepção baseada na alteridade, e não no não interromper antes que o outro finalize sua fala, esperar
egocentrismo. a sua vez, compreender seus sentimentos diante de falas
desconfortáveis antes de responder, compreender a
À medida que as rodadas de uma proposta circular permitem necessidade do equilíbrio das emoções e sentimentos, é
que cada participante aponte suas percepções, as pessoas um processo formativo focado no cultivo das relações e da
aprendem a lidar com opiniões diferentes, que às vezes são promoção de respostas não reativas, mas promotoras de
desconfortáveis ou desagradáveis de ouvir, e nessa condição trocas humanas.
apontam caminhos pacíficos de lidar com perspectivas
diferentes, fomentando uma postura reflexiva. Outro ponto fundamental do desenvolvimento da escuta
qualificada é a autopercepção. O primeiro campo de diálogo de
Em situações de divergências, as Práticas Restaurativas um ser humano é consigo. Conhecer os sentimentos, emoções
possibilitam a construção de uma consciência humanizadora e desconfortos é essencial para interpretar as necessidades
ao destacar que não há julgamentos estereotipados, mas sim envolvidas em cada situação de troca e comunicação vivenciada
a presença de pessoas com necessidades diferentes a serem no espaço formativo da escola.
compreendidas.

Tem destaque a postura de ouvir as necessidades que o


outro comunica. Em situações conflituosas, as pessoas nem
sempre têm a habilidade para comunicar com clareza suas
necessidades, e no processo de interlocução, pela ausência
da escuta qualificada, os conflitos se concluem em problemas
complexos e no distanciamento entre as pessoas. Portanto,
ouvir e manter uma escuta qualificada também envolve
dedicação para compreender e decifrar as necessidades
envolvidas no ato de se comunicar.

Na escola, essa habilidade educa docentes, agentes educativos,


estudantes e famílias para perceber o outro e suas necessidades,
assim como também auxilia no processo de autoconhecimento

51
» 3.1.4 Respeito Voltar ao menu

3.1.4 Respeito
Dentre os valores fundamentais das Práticas Restaurativas,
o respeito é o principal vínculo estabelecido entre todos os
sujeitos envolvidos no processo escolar. O procedimento
circular estabelece como diretriz coletiva o respeito ao outro,
às suas ideias, partilhas e vivências, trazidas para o centro do
debate circular.

Os demais valores essenciais, como a inclusão e o pertencimento,


são dependentes do vínculo social baseado no respeito. No
universo da sala de aula e diante do desenvolvimento infantil
e do processo de aprendizagem das crianças, adolescentes
e jovens, compreende-se que as balizas para a construção de
vínculos sociais saudáveis precisam ser ensinadas, reforçadas,
praticadas e refletidas com os sujeitos dessa aprendizagem.

Não raro, os movimentos de indisciplina, agressão, violência


verbal e física, gerados no universo da sala de aula, recebem
orientações baseadas na necessidade do respeito ao outro.
Entretanto, poucas são as iniciativas que ensinam relações
de respeito e refletem sobre essas relações quando as
oportunidades conflituosas se apresentam no cotidiano.

Nesse sentido, dentre as estratégias restaurativas, o


procedimento circular já utiliza, por sua natureza, o respeito
como fonte do diálogo – seja sobre um conflito ou qualquer
outro tema de debate -, mas a etapa dedicada ao compromisso

52
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de valores e diretrizes tem especial função para ensinar e


permitir a experiência com o vínculo do respeito.

Tornar esse movimento rotineiro na dinâmica da sala de aula


auxilia o grupo a construir as competências necessárias à
convivência, no próprio grupo, e a compreender a função desse
vínculo nas relações.

Os compromissos, tendo como base a premissa do respeito,


podem ser realizados no início de cada aula (associada ao
tema de debate), no início da semana (com uma proposta de
avaliação dos compromissos no final da semana), ou no início
de uma atividade específica (para dialogar sobre as diretrizes
dessa atividade).

Os compromissos precisam ser estabelecidos no coletivo e


divididos com todos os sujeitos envolvidos no grupo, para que
se possa fomentar a corresponsabilidade pelo cumprimento
daqueles e a compreensão que o respeito ao outro e aos
compromissos coletivos são insumos importantes ao grupo.

Em casos de conflitos gerados pelo desrespeito ao outro,


ao grupo, ou a qualquer outro compromisso coletivamente
firmado, é importante que seja realizada uma reflexão, também
pelas premissas circulares, e que o próprio grupo dialogue sobre
a situação que os envolveu. Isso é pedagogicamente potente
para a formação integral dedicada a estimular a aprendizagem
em todas as dimensões humanas, além de constituir-se como
importante ferramenta de gestão de sala de aula.

53
» 3.1.5 Conexão Voltar ao menu

3.1.5 Conexão
Grande parte da carga horária diária do cotidiano de uma criança, adolescente ou jovem
é na escola. As teorias do desenvolvimento infantil já apontam que nesses momentos da
vida, a escola representa o espaço de vivência de grupo e trocas coletivas para crianças,
adolescentes e jovens. Também já é reconhecido que o ser humano é um ser relacional, que
aprende pelas interações sociais e pelas relações sociais construídas.

Não à toa, Vygotsky (2001) dedicou-se ao estudo da aprendizagem e do desenvolvimento a


partir das interações sociais. Wallon (2007) destacou que não há aprendizagem sem afeto e
sem vínculos. A partir das teorias do desenvolvimento, salienta-se que a conexão entre as
pessoas é um elo de interação social fundamental e o elemento gerador de afeto e vínculo
nas relações humanas. Junto ao processo de aprendizagem, sabe-se que os processos de
grupo se apresentam em diferentes dimensões na escola. As trocas coletivas na primeira
infância apresentam o contato com o mundo, com a cultura infantil e com a cultura do adulto.
Nessa fase, as trocas entre pares garantem um lugar de reconhecimento do eu e do outro
como instâncias separadas, mas indissociáveis no processo de humanização.

Na adolescência, o coletivo representa um espaço de individualização e identificação


ao mesmo tempo, e o grupo representa um lugar de expansão da dinâmica, que antes
envolvia apenas a família, e agora se abre para outros nichos de identificação humana.
O reconhecimento do grupo nessa fase é essencial para a formação da identidade e
consolidação da personalidade. Para Aberastury e Knobel (2003), na juventude, o grupo
representa o fomento dos grandes motivadores para a existência, garantindo espaços
de trocas sobre os planos de vida, conquistas, visões de causas e lutas pelas quais vale a
pena investir a vida. Por isso, nessas fases de desenvolvimento a atuação sobre a conexão
grupal é essencial como parte do processo educativo. A conexão é construída mediante o
investimento, a ampliação de vínculos sociais e o trabalho sobre essas relações, para um
cultivo de laços saudáveis. Relações sociais/interpessoais saudáveis não são ausentes de

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conflitos, como já mencionado nos capítulos anteriores, mas professor pode usar jogos, brincadeiras, ou nomes/conceitos/
são zeladas pela transparência, autoconhecimento, respeito, temas de seu componente curricular para trabalhar jogos de
e trocas interpessoais verdadeiras. As escolhas didáticas mixer, permitindo que de forma divertida, o grupo se articule
podem favorecer esse processo, estimulando a ampliação das de outras maneiras e tenha a oportunidade de trabalhar com
relações e a construção de conexões mais amplas dentro e fora pessoas com quem frequentemente não fariam a opção.
da sala de aula. Monitorar as conexões, perceber potenciais
conflitos, fortalecer aproximações e ofertar estratégias para III. Articular dinâmicas para pensar estrategicamente os
lidar com afetos e desafetos é um trabalho intrínseco à ação lugares de acomodação dos estudantes em sala também pode
pedagógica, e pode ser realizado pelas estratégias das Práticas auxiliar na ampliação da conexão. Por exemplo, como ferramenta
Restaurativas. didática, os estudantes podem se sentar em pequenos grupos,
revezando momentos de escolha por afinidade, de escolha do
Avaliar as relações grupais e monitorar seu movimento pode docente, e de sorteio por temas de trabalho.
auxiliar o docente em escolher estratégias de gestão de sala
de aula que tornarão o ambiente mais acolhedor, receptivo e IV. Estimular partilhas pessoais permite que os estudantes
propício à aprendizagem, diminuindo a incidência de eventos se descubram ao longo da aula, favorecendo a ampliação
relacionais que possam sugar energia e foco dos alunos e das relações. O desenvolvimento de alteridade em função do
produzir indisciplina. No cotidiano ou na identificação de reconhecimento do lugar do outro e das histórias do outro
situações relacionais, que precisam ser trabalhadas, para está diretamente ligado as partilhas pessoais.
melhorar a conexão grupal, algumas estratégias das Práticas
Restaurativas também demonstram efetividade, por exemplo: É importante destacar que o trabalho sobre a conexão também
é tarefa docente, e precisa estar articulado à intencionalidade
I. As práticas de check-in e check-out podem incluir dinâmicas do professor no ato de planejar sua aula. Quando utilizadas
e jogos em que os estudantes possam diversificar as relações. sistematicamente na sala de aula como potencializador do
Podem ser ações rápidas e práticas nas quais eles(as) processo de formação integral, as Práticas Restaurativas
conheçam as pessoas da sala, saibam sobre possíveis pontos de asseguram que todas as dimensões das relações sejam
identificação, tenham a chance de reconhecer-se nos outros. abordadas e trabalhadas ao longo das dinâmicas das aulas.
Isso auxilia na ampliação das percepções sobre pessoas ainda
não próximas, garantindo oportunidades de estreitamento de Pertencimento ao grupo é parte dos processos vividos pelos
laços e construção de conexão grupal. estudantes em todas as fases do desenvolvimento e, em
alguns momentos, assume intensidade vital. Por isso, atuar nas
II. Nos trabalhos em pequenos grupos, as divisões podem relações coletivas por meio da construção de conectividade é
incluir estratégias de mixer, ou mistura de pessoas. O uma tarefa curricular.

55
» 3.1.6 Corresponsabilidade Voltar ao menu

3.1.6 Corresponsabilidade
O Círculo Restaurativo apresenta uma estrutura de diálogo que
permite a participação de todos os envolvidos no tema de reflexão,
com espaço organizado para fala e escuta das percepções individuais.
A participação de todos nas escolhas e decisões de um grupo tem
o potencial de compartilhar a responsabilidade pelo percurso do
trabalho, pelos valores apontados como fundamentais, pelas regras, e
também pelos resultados obtidos.

Os valores, as regras, têm uma função específica no desenvolvimento


de crianças, adolescentes e jovens. Algumas teorias do desenvolvimento
humano, como a de Vygotsky (2001), apontam que na primeira infância o
trabalho sobre a introjeção das regras, a partir da atuação do adulto, tem
especial função na formação moral da criança: à medida que os adultos
constroem referências dos limites, regras e valores que consideram
importantes e apresentam esses critérios às crianças, se inicia um
processo de tradução dessas normas externas para formação das regras
internas, até que a criança seja capaz de se autorregular com essas
condições sociais/culturais que lhes foram apresentadas, como valores
e regras de conduta. Esse movimento de introjeção de limites sociais e
culturais é fundamental para a que a criança perceba e construa dentro
de si os elementos necessários para a convivência em sociedade.

A corresponsabilidade é desenvolvida a partir da construção do sentimento


de pertencimento e participação. É o fazer parte e ver-se no processo de
construção da organização e das regras coletivas que estimula o sujeito
a se responsabilizar pelo processo. Para Pranis (2010, p.40), “[...] quando

56
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os participantes escolhem conscientemente os valores que funcionamento da ação em questão.


guiarão sua interação, conseguem manter mais claramente a
intenção de alinharem seu comportamento com tais valores”. Em espaços de formação como a escola, no qual se apresentam
inúmeros valores e regras sociais de convivência, partilhar
Na etapa do círculo restaurativo dedicada à construção de o processo, construindo as diretrizes junto ao grupo de
valores e diretrizes, pelo uso do objeto da palavra/fala, todos estudantes, facilita a dinâmica escolar, propondo um foco
têm a oportunidade de expor suas necessidades pessoais, específico de trabalho no desenvolvimento de habilidades
valores que consideram fundamentais, e regras necessárias ao humanas, como a empatia e responsabilidade. Sendo assim:
diálogo em questão. E nesse movimento se realiza a construção
coletiva das orientações que organizarão o diálogo (seja para a. Partilhar a construção de valores e diretrizes diminui as
reflexão ou para a resolução de conflitos). transgressões e a indisciplina: Patto (1999) aponta que a
indisciplina é um produto das relações sociais dentro da escola,
O aceite de todo o grupo, ao final das proposições de valores e e que as ações e intervenções propostas têm impacto direto na
diretrizes, proporciona o seu consentimento das necessidades mudança dessa característica. Quando uma pessoa participa da
de cada membro. Ao participar da construção coletiva das construção de determinada regra, expondo suas necessidades
orientações, o grupo também se percebe responsável pelos e ponto de vista pessoal, a probabilidade de uma transgressão
resultados obtidos ao longo do trabalho, compartilhando-os. é drasticamente reduzida, e quando ocorre, gera um processo
de reflexão e autoformação para a pessoa.
Nesse movimento, o grupo desenvolve um sistema de
autorregulação sem a necessidade de uma força externa
para apontar as regras de convívio ou punir as transgressões.
O próprio grupo se articula como um termômetro para que
os membros cumpram os valores e diretrizes construídos,
conforme esclarece Pranis (2010, p. 42): “[...] descumprir uma
regra é agir contra si e contra a comunidade [...]. Todos no grupo
são responsáveis por zelar pelo andamento do diálogo e pelos
processos decisórios, horizontalizando as decisões.

O desenvolvimento da corresponsabilidade não se confunde


com ausência de autoridade ou o incentivo de uma postura
espontaneísta do(a) estudante, mas trata de auxiliá-lo(a) a
construir coletivamente todos os quesitos importantes para o

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b. Partilhar a construção de valores e diretrizes auxilia no


combate à exclusão e estimula a inclusão: a autorregulação
do grupo sobre as necessidades, valores e regras construídas
favorece com que, diante de uma transgressão, o autor seja
incluído pelo grupo interessado em refletir sobre os motivos
pelos quais o participante não conseguiu realizar os acordos
realizados. Ao contrário da punição, na corresponsabilidade
o grupo auxilia os membros com dificuldade a revisitar suas
necessidades para que sejam incluídos nos processos, com
capacidade pessoal de responder às demandas necessárias.

c. Os valores e diretrizes podem ser construídos para processos


amplos ou mais restritos: na abertura do ano letivo, é possível
construir os valores e diretrizes para o ano letivo num círculo
de reflexão. Esses valores podem permanecer anexados
em espaço visível para que o grupo recorde dos acordos,
revisitando-os sistematicamente; é possível construir valores
e diretrizes direcionados à realização de uma aula específica,
de uma sequência didática ou de uma atividade em especial,
dependendo da proposta pedagógica e da intencionalidade
formativa do professor.

A corresponsabilidade ainda contribui para a construção de um


clima favorável ao cultivo das relações sociais, com impacto
direto na facilitação do processo de ensino-aprendizagem.

58
» 3.2 Práticas Restaurativas e as Metodologias Ativas Voltar ao menu

3.2 Práticas Restaurativas


e as Metodologias Ativas
O Projeto Educativo do Brasil Marista aponta a formação integral como um
dos pressupostos para o fazer pedagógico Marista. Ao discorrer sobre os
princípios da educação Marista, o projeto destaca, dentre outros pontos, três
considerações fundamentais:

“A educação integral requer ampla visão da pessoa e de seu desenvolvimento,


que aqui se traduz no processo formativo de subjetividades, nos modos
de ser sujeito, em sua integralidade e inteireza (corpo, mente, coração e
espírito). [...] A corresponsabilidade dos sujeitos da educação abre espaço
para o debate, para a análise crítica e para o engajamento, potencializando
a aprendizagem política. Este princípio implica capacidade de tomada de
decisão, concretização das ações, compromisso com a Missão Institucional
e qualificação dos processos e das práticas educativas. [...] O protagonismo
infanto-juvenil como forma de posicionamento no mundo, possibilita que
os sujeitos se assumam como capazes de conduzir processos individuais e
coletivos”. (Projeto educativo do Brasil marista, 2010, p. 17).

Destaca-se, na descrição acima, a caracterização de educação integral como


sendo uma formação que abrange todas as dimensões formativas da vida humana,
o protagonismo dos estudantes e a corresponsabilidade dos sujeitos da educação
em seu processo de aprendizagem. O mesmo projeto, ainda, indica que para tal
objetivo formativo, as diversas tendências pedagógicas são abordadas com
aquilo que de melhor oferecem ao processo educativo, com destaque para novas

59
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abordagens metodológicas, como as metodologias ativas. possíveis com cada componente curricular.

É notório que esse objetivo formativo apresenta consigo a Nesse sentido, Bacich e Moran (2018) ainda destacam que para
exigência de propostas pedagógicas que dialoguem e resultem as metodologias ativas a educação acompanha o movimento da
em tal proposição. Nesse sentido, as metodologias ativas vida dos estudantes, do desenvolvimento da sua humildade, da
apresentam pressupostos que encontram tais necessidades sua autonomia, do seu processo de aprendizagem, atuando nas
e ainda podem ser correlacionadas com os princípios, conexões e relações estabelecidas, auxiliando na tomada de
procedimentos e estratégias das Práticas Restaurativas. As consciência, na construção e reconstrução do conhecimento
duas estratégias convergem na mesma visão de estudante, através da experiência.
de processo de aprendizagem, de formação humana, e se
colocam como canais possíveis para a materialização da A proposta circular apresenta um procedimento que traz para
educação integral. o centro do debate a partilha de experiências. Por exemplo,
as propostas de check-in e check-out são estratégias que
Na perspectiva da prática pedagógica, Bacich e Moran (2018) colocam o sujeito para dentro do tema de debate e o auxiliam
apresentam a metodologia ativa como uma estratégia que na construção de suas considerações, a partir da experiência
atua pela “[...] inter-relação entre educação, cultura, sociedade, pessoal e coletiva vivida no círculo.
política e escola, sendo desenvolvida por meio de métodos
ativos e criativos, centrados na atividade do aluno com a Diante de um componente curricular, o tema de debate central
intenção de propiciar a aprendizagem [...]” (2018, p. 7). da aula pode partir de insumos da realidade, dos contextos,
das leituras prévias de mundo apresentados por cada um dos
A estrutura circular – já apresentada anteriormente – alunos, e assim consolidar as novas aprendizagens a partir de
apresenta a mesma correlação entre vida e processo educativo, experiências de trocas.
não dissociando as experiências concretas dos sujeitos da
educação do seu processo educativo partilhado no espaço da Outra convergência entre as metodologias ativas e as
escola. Comumente, esses processos são observados de forma Práticas Restaurativas está no desenvolvimento de práticas
dissociada, como se o conteúdo presenciado na experiência do problematizadoras, baseadas em boas perguntas, e que levem
aluno não servisse ou não compusesse conteúdo curricular. à reflexão pelo desafio de aprendizagem. As perguntas, em
processos de investigação, são a base das metodologias ativas
Ao contrário dessa perspectiva, assim como nas metodologias e do fazer restaurativo. As premissas aplicadas no Conversar
ativas, quando utilizadas pelo docente como prática didática, Restaurativo podem ser traduzidas na forma de caminho
as Práticas Restaurativas propiciam que as vivências se façam investigativo para a produção do conhecimento.
presentes, sejam partilhadas e estabeleçam as conexões

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Por exemplo: Essa correlação ainda aponta o diálogo como elo principal entre
o sujeito e seu processo de aprendizagem, premissa básica para
Resolução de conflitos Estratégia didática as metodologias ativas e para as Práticas Restaurativas. Bacich
e Moran (2018) apontam uma definição para essa proposta
Do seu ponto vista, o que O que você sabe sobre esse
aconteceu? assunto?
que serve às metodologias ativas e às Práticas Restaurativas,
considerando a educação dialógica como:
O que passou pela sua cabeça O que você pensou/sentiu nessa
quando isso aconteceu? experiência que partilha? “[...] participativa e conscientizadora, que se desenvolve
por meio da problematização da realidade, na sua
Como esse assunto afeta sua
Como você foi afetado? realidade? apreensão e transformação. Na ótica do trabalho
pedagógico com a metodologia da problematização,
O que você precisa para a situação Que outros temas poderíamos ensinar significa criar situações para despertar a
ser resolvida? explorar nesse assunto? curiosidade do aluno e lhe permitir pensar o concreto,
Mão na massa, vamos descobrir conscientizar-se da realidade, questioná-la e construir
O que você pode fazer para ajudar juntos o que esse assunto tem a conhecimentos para transformá-la, superando a ideia de
a resolver a situação? nos mostrar. que ensinar é sinônimo de transferir conhecimentos [...]”.
(BACICH; MORAN, 2018, p.07).
Quadro 1 – Conversar restaurativo
Diante de tantas convergências, na tradução dessas estratégias
Nota-se, que o princípio restaurativo para a resolução de no plano de aula, por exemplo, elas podem ser associadas e
problemas se mantém mais dedicado à exploração dos utilizadas na estratégia didática. É possível iniciar a aula com um
assuntos em debate em cada componente curricular. Essas círculo restaurativo, e no ato da atividade principal utilizar outras
perguntas podem ser traduzidas em diversas estratégias estratégias ativas, como a investigação por situações-problema
didáticas para apontar o problema de aula, levantar ou estações por rotações do ensino híbrido. Uma proposta de
hipóteses, procurar caminhos e cooperar na construção das aprendizagem por projetos pode ser iniciada e concluída no
considerações sobre o tema. modelo circular, com cerimônias de abertura e encerramento
(check-in e check-out). A sala de aula invertida pode ser iniciada
As duas perspectivas mostram-se comprometidas com o pelas perguntas restaurativas, dentre outras associações.
protagonismo juvenil, no sentido de manter a centralidade do
sujeito que aprende como principal autor do seu processo, a A postura docente também é problematizada em ambas as
partir de estratégias adequadas pensadas intencionalmente leituras de aprendizagem. Para as metodologias ativas, o
pelo professor e de sua atuação como mediador/facilitador. docente ocupa o lugar de mediador da aprendizagem, rompendo

61
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com uma postura verticalizada para uma postura horizontal


de relações de aprendizagem, mesma premissa assumida
pelas Práticas Restaurativas quando aponta o docente como
facilitador.

Isso não significa incentivar o espontaneísmo do saber,


mas incentivar a atuação do docente como o parceiro mais
experiente, que tem domínio técnico e didático para propor
estratégias estimuladoras da participação do aluno no seu
próprio processo de aprendizagem, postura contrária à ideia
de professor como transmissor do conhecimento.

62
» 3.3 Planejamento Pedagógico e as Práticas Restaurativas Voltar ao menu

3.3 Planejamento
Pedagógico e as
Práticas Restaurativas
Ao tratar sobre a incorporação das estratégias restaurativas na
sala de aula, Hopkins (2011) aponta que uma sala restaurativa
é caracterizada por aquela em que os relacionamentos são
importantes, considerando que os mesmos têm impacto direto no
processo de aprendizagem e na eficiência do ensino.

Como conjunto de princípios e técnicas que configuram estratégias


dialógicas aplicáveis a contextos coletivos de formação humana,
as Práticas Restaurativas operam como uma perspectiva a ser
incorporada na reflexão docente e transposta para a prática
didática.

Nos contextos escolares, os métodos circulares, apontados no


item 2.2.2.7, podem ser utilizados na sala de aula para finalidades
diferentes, conforme exemplificado pelo diagrama a seguir:

63
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A escolha da estratégia dependerá da avaliação realizada pelo


docente, com base no conhecimento prévio do seu grupo/
turma, do vínculo construído com seus estudantes, e das
Metodologia
necessidades de trabalho relacional e curricular. Ao mensurar
Didática a necessidade do seu coletivo da sala de aula, o docente poderá
optar por uma das finalidades restaurativas para a qual elegerá
2 as melhores opções dentro do procedimento circular.
Mediação Quando transposta para a realidade da sala de aula, a inserção
2 1
de Conflitos
das Práticas Restaurativas no cotidiano dos estudantes
depende da ação do docente em perceber o potencial
2
pedagógico presente na estrutura do procedimento circular.
Gestão de Como trabalho refletivo, o docente imprime sobre o seu
Sala de Aula planejamento pedagógico todas as intenções de formação
com o seu grupo de estudante.

O objetivo é que, no ato do seu planejamento para a aula, o


docente também construa a intencionalidade restaurativa
1 - Procedimento Circular e a materialize em seu documento pedagógico, explorando
Cerimônia de abertura
o potencial das estratégias das Práticas Restaurativas na
Check-in
Valores e Diretrizes formação das crianças, adolescentes e jovens envolvidos no
Atividade Principal contexto escolar. É possível explorar o uso das estratégias
(perguntas norteadoras/acordos) restaurativas, de forma criativa e articulada, a outras
Check-out metodologias ativas, conforme a necessidade e possibilidade
Cerimônia de Encerramento de cada área do conhecimento.

2 - Intersecção entre as finalidades:


Conforme a avaliação das necessidades do grupo, o
procedimento das estratégias circulares na sala de
aula pode conectar diferentes finalidades, atendendo
de forma ampla e profunda a diversos interesses de
uso da sala de aula.

Figura 2 – Diagrama

64
» 3.4 As Práticas Restaurativas como Metodologia Didática Voltar ao menu
inserida no Planejamento Pedagógico

3.4 As Práticas
Restaurativas
como Metodologia
Didática inserida
no Planejamento
Pedagógico
Quando dedicado à reflexão, o procedimento restaurativo é
caracterizado pelo uso das estratégias restaurativas com a
finalidade de refletir sobre um tema comum a um grupo. Na
realidade escolar e na dinâmica do professor/facilitador na
sala de aula, o tema comum refere-se ao conteúdo ou temas
centrais de cada área do conhecimento. Portanto, o Círculo
Restaurativo pode ser compreendido e utilizado como uma
estratégia didática, compondo uma escolha metodológica pela
qual se pode conversar sobre todo o conteúdo em qualquer
área do conhecimento.

Nesse sentido, os procedimentos circulares dispostos


para uso no Círculo Restaurativo devem estar ligados
necessariamente ao conteúdo das áreas do conhecimento. No
momento da construção do planejamento pedagógico, com
os procedimentos do Círculo Restaurativo, é possível eleger

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outras estratégias ou atividades pertinentes ao diálogo do procedimento circular, nas quais os alunos compõem
grupo. Nesse caso, orienta-se que as demais atividades sejam pequenos grupos circulares, pares de trabalho ou grandes
envolvidas pelo processo circular, ou seja, preferencialmente círculos. Para cada situação, o roteiro segue os mesmos
se inicie e conclua o diálogo com ele, incluindo as demais procedimentos, mas é possível diversificar o conteúdo
atividades desejadas no bojo da atividade principal. ou o percurso aliando a outras metodologias ativas. Por
exemplo, é possível propor uma aula sequenciada em
É importante seguir a estrutura do procedimento circular porque rotação por estações (ensino híbrido), na qual a turma é
cada elemento tem uma função para o objetivo do diálogo. dividida em pequenos círculos (grupos) de trabalho e cada
Os elementos pré-atividade principal auxiliam na coesão do grupo recebe um roteiro circular com um tema ou uma
grupo, no fortalecimento de vínculos e na sensibilização para etapa da aula. Pode-se iniciar e concluir a aula no grande
o tema de diálogo. Os elementos pós-atividade principal círculo e rechear o meio com as rotações por estações.
orientam para o fechamento, conclusão, acordos e avaliação Para trabalhos individualizados, é possível construir
das atividades realizadas. Há um sentido para cada etapa, roteiros em círculo indicando um percurso autorreflexivo
por isso, é importante ser fiel ao procedimento respeitando para o(a) estudante, iniciar e encerrar a aula no coletivo/
os objetivos e a forma de condução de cada momento, mas grande círculo e rechear com propostas personalizadas
também pode-se optar por uma ou outra estratégia, se o para o trabalho individualizado.
professor/facilitador achar necessário.
b. Diversificação dos instrumentais: as Práticas
Não é necessário realizar todos os passos do procedimento em Restaurativas apresentam alguns instrumentos que
todas as aulas. O professor poderá realizar escolhas de acordo auxiliam na percepção e sensibilização sobre o assunto
com seus objetivos de trabalho. A regra é ser criativo e explorar da aula. As peças de centro podem ser compostas
diversas combinações. Até desenvolver segurança no manejo com elementos que fazem menção ao tema da aula,
do procedimento, o professor poderá focar em uma ou outra por exemplo: na aula de Matemática sobre formas
estratégia e, gradativamente, ampliar suas possibilidades. geométricas, cada criança pode trazer de casa um objeto
em que reconheça uma forma geométrica para compor
São pistas de ação: a peça de centro; na aula de Geografia sobre biomas, o
professor pode escolher imagens que representem ou
a. Estrutura do grupo: ao planejar cada sequência apontem as características dos diferentes biomas e
didática ou roteiro de aprendizagem, o professor deixar expostas na peça de centro; na aula de Arte sobre
pode incluir atividades coletivas, grupais, em pares ou a construção de produções visuais, o professor pode
individuais, de acordo com os seus objetivos formativos. deixar dispostos na peça de centro os materiais que os
No círculo, é possível propor atividades roteirizadas pelo estudantes utilizarão ao longo da aula para a construção

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da produção; podem ser acrescentados elementos que nessa construção é perceber, dentro das teorias do
façam sentido para a turma e para a aula. Como bastão/ desenvolvimento e da aprendizagem, as características
objeto de fala/palavra, pode ser utilizado também um de cada faixa etária ou fase do desenvolvimento humano.
objeto que componha o tema da aula e que pode ser Essa percepção auxilia na construção de estratégias e
utilizado para iniciar a proposta, ser suspenso durante o recursos adequados à compreensão de cada momento
uso de outras atividades ou metodologias, e retornar ao da vida.
final da aula para a partilha das sínteses do grupo.
e. O procedimento circular e a Educação Infantil: para
c. Dinamização do procedimento circular na sequência os grupos da Educação Infantil, o planejamento precisa
didática: algumas etapas do procedimento circular contemplar com maior minúcia o fator tempo. As propostas
auxiliam na introdução das sequências didáticas e outras podem ser adequadas ao tempo de concentração dos
são mais eficazes para o encerramento. Por exemplo, estudantes em cada fase do desenvolvimento. Também
é possível preparar uma cerimônia de abertura para a pode-se optar, entre as etapas do procedimento, por aquela
sequência no primeiro dia de trabalho; na retomada da que faz mais sentido para a proposta de aula. Para a área da
aula no próximo dia, é possível iniciar com um check-in Educação Infantil, explorar a ludicidade é uma regra.
para recuperar o conteúdo trabalhado e concluir o dia
com um check-out; no dia do encerramento do assunto da f. Formação dos educadores: no processo formativo dos
sequência didática, é possível preparar uma cerimônia de educadores, é possível construir ferramentas lúdicas para
fechamento com sínteses construídas pelo próprio grupo que o professor identifique essas possibilidades como
ao longo do percurso, como um grande painel, mural ou oportunidades pedagógicas no ato de seu planejamento.
outra produção coletiva. Para isso, é possível criar selos ou outras formas de
identificação de cada etapa e, de acordo com o percurso
d. Ludicidade no procedimento circular: explorar a formativo de cada professor, fomentar a apropriação por
ludicidade, o universo da fantasia e a imaginação também partes, iniciando pelas fases de acolhida e despedida e,
auxiliam no desenvolvimento dos conteúdos de cada posteriormente, introduzindo outras etapas.
área do conhecimento pelo procedimento circular. Nesse
campo, há uma infinidade de possibilidades que geram g. O círculo restaurativo e o ensino híbrido: em
encantamento, aumentando o interesse, a participação momento de utilização de outras metodologias ativas
e, por consequência, a apropriação do conteúdo. Explorar em interlocução com os recursos tecnológicos, é
essas possibilidades tendem a melhorar a proficiência importante lembrar que a intencionalidade restaurativa
em decorrência do envolvimento afetivo da(o) estudante está em propor espaços de troca e interação humana
com a aula e com o grupo. Um aspecto que auxilia para o trabalho sobre as relações interpessoais. Nesse

67
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sentido, mesmo em propostas realizadas dentro execução de dadas tarefas ou de compromissos relativos
de uma interlocução com a tecnologia, é possível à escola, entre outros exemplos.
manter a estrutura de propor acolhimentos, trabalhos
diversificados e fechamentos coletivos utilizando e A ideia é ampliar possibilidades, diversificando as opções do
explorando as ferramentas, recursos, programas e professor para trabalhar com o grupo. Quando o educador
aplicativos disponíveis. pensa e registra essas estratégias no seu planejamento
pedagógico, consegue destacar a perspectiva formativa
h. Ensino remoto e procedimento circular: é possível restaurativa assumida por ele. Preparar a aula na modalidade
imprimir a intenção restaurativa do professor no de círculo restaurativo proporciona materialidade de uma
planejamento pedagógico em diversas modalidades educação voltada ao desenvolvimento integral e à promoção
de aula ou estrutura de atendimento. Em contextos de experiências e vivências em dignidade humana. Todo o
específicos nos quais se faz necessária a articulação processo e a forma de realização do procedimento precisam
de estratégias, como o atendimento remoto, a ser comunicados ao grupo, nominando corretamente cada
intencionalidade restaurativa pode ser transposta como estratégia e sua finalidade até que o grupo compreenda e
metodologia didática, na sensibilização do estudante para naturalize o processo. Isso gera organicidade e auxilia na
o tema de diálogo ou na provocação de espaços de escuta construção de uma cultura restaurativa.
e fala em ambiente doméstico com o grupo familiar.
Por exemplo, na modalidade de ensino híbrido, antes
de iniciar as rotações por estações, é possível construir
uma sensibilização para a aula com uma cerimônia de
abertura e check-in sobre o tema da aula, e o mesmo vale
para o encerramento; dentro das trilhas de aprendizagem
que usam aplicativos para execução, também é possível
aplicar os elementos que iniciam e finalizam o círculo
restaurativo; para as turmas da Educação Infantil, é
possível incluir nos roteiros um passo a passo para que
a família organize o círculo e siga o roteiro de reflexão;
é possível construir dicas de posturas restaurativas para
incentivar a reflexão no ambiente doméstico, como tratar
da importância da escuta, da percepção dos sentimentos,
do destaque aos valores do grupo familiar importantes
à convivência, das diretrizes do grupo familiar para a

68
» 3.5 As Práticas Restaurativas para a Gestão de Sala de Voltar ao menu
Aula inseridas no Planejamento Pedagógico

3.5 As Práticas
O procedimento circular pode ser utilizado para a gestão de sala
de aula quando se observa a necessidade de otimizar o trabalho
pedagógico com demandas diretamente ligadas às necessidades

Restaurativas para coletivas de organização grupal, relacionamento ou fortalecimento


de qualquer outro aspecto que o grupo encontre fragilidade.

a Gestão de Sala A atuação sobre esse aspecto da realidade escolar favorece e

de Aula inseridas
facilita a abertura do grupo para o diálogo sobre as áreas do
conhecimento, garantindo ao mesmo tempo formação integral e

no Planejamento
fluidez do processo de aprendizagem.

Pedagógico
Destaca-se que o trabalho sobre o fortalecimento das relações
humanas e processos grupais também configura conteúdo de
uma proposta curricular dedicada à formação integral de crianças,
adolescentes e jovens. Para essa proposta, é imprescindível que
o professor/facilitador conheça sua turma e as características
do grupo com o qual atua diretamente na formação: como se
relacionam, quais as forças operantes, quais os níveis hierárquicos,
as lideranças, as possíveis exclusões, os níveis de pertencimento, as
pessoas que precisam ser incluídas, os mais e menos participantes,
dentre outras características. O vínculo é fundamental para
qualquer proposta formativa.

Alguns jogos e brincadeiras podem operar na gestão de sala de aula,


utilizando dificuldades geralmente encontradas pelo professor/
facilitador como oportunidades para ensinar ao grupo processos
importantes para sua autoformação. A proposta pode ser realizada
sempre que o professor/facilitador observar necessidade: no início
da aula, entre as dinâmicas de atividade, quando observar dispersão
ou cansaço do grupo. Nesse campo, a avaliação da necessidade do
grupo é que determinará o uso adequado do procedimento como
estratégia de gestão de sala de aula.

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» 3.6 As Práticas Restaurativas para o Manejo de Conflitos Voltar ao menu
inseridas no Planejamento Pedagógico

3.6 As Práticas
Restaurativas
para o Manejo de
Conflitos inseridas
no Planejamento
Pedagógico

Diante de situações de confronto ou conflitos diretos,


o procedimento restaurativo é utilizado com foco no
manejo e resolução pacífica do conflito já existente. Para
isso, segue-se o mesmo procedimento da metodologia
circular utilizado no círculo de diálogo, aliado às
perguntas restaurativas, que auxiliam na reflexão sobre
o conflito vivenciado.

No manejo de conflitos, com base nas estratégias


restaurativas, a intenção expressa do professor/
facilitador precisa voltar-se à resolução pacífica do

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conflito. Por isso, é evitável gerar ataques pela linguagem de abertura e encerramento dedicadas ao fortalecimento de
escolhida, pela tonalidade de voz e pela maneira como vínculos, com atividades para que os estudantes se conheçam
direciona o diálogo. O foco das estratégias restaurativas é e aprendam a trabalhar com todos os colegas; na percepção
proporcionar o diálogo aberto e sincero, para que cada um se de conflitos relacionados ao bullying, o professor pode
perceba empaticamente com o outro na relação conflituosa. utilizar um check-in e check-out para trabalhar a empatia e
consideração pelas pessoas, descrevendo no planejamento
Nesse momento, é importante estimular os relatos em a articulação desse trabalho com os temas/assuntos de cada
primeira pessoa, para que, aos poucos, os participantes área do conhecimento.
manifestem suas necessidades pessoais, identificando-as
e, posteriormente, aprendendo formas assertivas de Quando essas finalidades constam no planejamento do
manifestá-las. A condução do facilitador também precisa professor, nota-se que houve preocupação em atender às
atentar-se à função de auxiliar o grupo a passar do conflito demandas relacionais, que também compõem a formação
para a solução. integral dos estudantes: uma ação planejada pelo professor
articulando o trabalho sobre todas as dimensões da
A compreensão de erro nessa perspectiva não é sobre formação humana através do planejamento pedagógico.
uma lente punitiva, mas sobre uma oportunidade de
aprendizagem. A condução do professor/facilitador tem
poder de mudar uma cultura punitiva para uma cultura
pacífica. Por isso, expressões que criam estigmas ou são
excludentes para os participantes do conflito não compõem
o repertório das Práticas Restaurativas para o manejo de
conflitos.

Para determinadas situações conflituosas (como o bullying),


é possível incluir, dentro do planejamento pedagógico,
estratégias circulares para essa finalidade. Dentro do
planejamento pedagógico, essa inserção favorece a atuação
do professor por melhorar o clima grupal.

Por exemplo, na percepção de conflitos por vínculos


fragilizados entre os estudantes de uma turma (como
exclusão), o professor pode focar na realização de cerimônias

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» 4. Construindo uma Escola Restaurativa

4. Construindo uma
Escola Restaurativa
Como transitar para a Cultura da Paz? Como ancorar uma
cultura que se funda em assertivas como: “A violência é
evitável”; “É possível lidar com a violência sem violência”;
“A paz se aprende”. (PELIZZOLI, 2016 p. 75)

Neste capítulo, você encontrará pistas consideráveis para a


construção de uma escola restaurativa, além de experiências
práticas realizadas dentro e fora do Grupo Marista e alguns
depoimentos de educadores que adotaram, no seu dia a dia, o
trabalho com as Práticas Restaurativas.

O pensar uma escola restaurativa é o mesmo sobre a necessidade de


mudança da cultura escolar. Mudanças que provoquem o abandono
do caminho punitivo, retributivo e meritocrático, tão presente ao
longo da história da sociedade e da educação, acolhendo uma
prática pautada em conexões, em relacionamentos saudáveis, em
aprendizados e olhares que resgatem a humanidade presente em
cada um e cada uma. Um caminho de manejo de conflitos que não
retribua o mal acometido, mas se conecte com as histórias dos
sujeitos e dialogue sobre a mudança comportamental necessária
a partir do afeto.

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A escola é provocada a assentar suas bases nas Práticas escola enquanto ambiente seguro.
Restaurativas e, de maneira imprescindível, é convidada a
estruturar métodos e estratégias, ressignificando assim 2. Gestão participativa. Como definida por Giareta (2015) “[...]
sua prática. Para isso, destacamos alguns aspectos a serem como meio a serviço do processo educativo, identificando
considerados: o planejamento como prática participativa, portanto, como
ação político-pedagógica, centralmente educativa, por isso
1. Um currículo com enfoque em direitos e pautado na participativa, democrática e libertadora” deve estar envolvida,
qualidade social da educação, que promova a formação humana, fomentando e apoiando o desenvolvimento das equipes e os
por meio de uma educação libertadora e emancipatória, é o processos necessários para que a mudança ocorra.
foco da missão Marista.
Nas experiências bem-sucedidas com a implementação das
O currículo na escola e, especificamente, na sala de aula, deve Práticas Restaurativas nas escolas, é sempre ressaltada a
possibilitar que as diferenças entre religiões, povos, culturas e importância do envolvimento da gestão para que o grupo
diferentes posicionamentos sociais não sejam aspectos para tenha o engajamento e o comprometimento necessários à
a segregação, privilegiando alguns e menosprezando outros. implementação da metodologia. O abandono dos modelos
A verticalidade da relação de poder precisa ser rompida para punitivos de gestão se faz necessário, sendo o caminho do
dar espaço a uma relação horizontal, em que todos(as) sejam diálogo e da participação o mais efetivo para a humanização
incluídos(as) e respeitados(as) em suas diferenças sociais, das relações.
culturais, sexuais, religiosas, dentre outras, para que, de fato, a
educação seja um direito social, conforme estabelecido em um 3. A formação docente na metodologia das Práticas
dos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos10, Restaurativas e nas ferramentas conversacionais da
e que garanta os demais direitos. Comunicação Não-Violenta (CNV) se torna fundamental na
formação continuada dos docentes, favorecendo a migração da
O Brasil, especificamente a área da Educação, desde 2018, se postura punitiva arraigada em nossa sociedade para a postura
defronta com o desafio de implementação da Base Nacional da responsabilização, reflexão, formação moral e dialógica,
Comum Curricular (BNCC, 2018) em todo o país. O referido presentes nas Práticas Restaurativas, fortalecendo a postura
documento tem a intencionalidade de servir de referência para proativa no manejo dos conflitos e, assim, promovendo um
a construção dos currículos de toda a rede pública e privada do ambiente saudável de trocas, relacionamentos, aprendizagem
país, na busca por equidade e qualidade da educação brasileira e formação humana.
(BRASIL, 2018). E nesse sentido, ousamos construir um currículo
com enfoque em direitos, e no qual os sujeitos e a construção De acordo com Charlot, Bernardo (2013), a formação docente
de relações saudáveis sejam centrais, para o fortalecimento da no mundo atual perpassa, não somente, por cumprir com a sua
10
O direito à educação, ou seja, o direito a aprender, está no rol dos direitos humanos fundamentais, que é amparado por normas
nacionais e internacionais e se expressa como espaço fundamental de todos visando ao ensino e aprendizagem na busca e processo
de desenvolver e potencializar a capacidade humana, conforme se registra na Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948). 73
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obrigação fixada, mas também por um profissional que esteja de um Projeto Político Pedagógico (PPP) e Regimento Escolar
em sintonia com o ensino de qualidade e a resolução das que derrubem os muros de todas as questões excludentes e
mais variadas situações que acontecem na escola e em sala de anulação do outro, imbricadas na história da sociedade.
de aula, e que reflita sobre a sua prática, buscando sempre a Para isso, é imprescindível uma equipe que esteja dedicada e
formação. envolvida com o contexto escolar, bem como demais membros
da comunidade educativa na elaboração desses documentos.
Perrenoud (2000), ao discorrer sobre a formação docente e
suas competências, destaca uma das competências essenciais: É por meio do PPP que o espaço educativo tece a sua missão,
a formação continuada dos professores. Segundo o autor, objetivos, intencionalidade, define sua rota e as estratégias
essa é a bússola para o desenvolvimento de todas as demais para o futuro, e organiza suas ações na consolidação da
competências da função docente. É importante que a escola formação humana e integral dos sujeitos. Segundo Veiga (2013,
tenha um plano de formação continuada e que esse tema esteja p.13), “[...] Ele é construído e vivenciado em todos os momentos,
presente no plano. O professor é o gestor da sala de aula e deve por todos os envolvidos no processo educativo da escola.”
articular os métodos de ensino e aprendizagem, os conteúdos
escolares, o desenvolvimento das habilidades e competências, Sendo assim, é um documento que traduz a concepção de
sendo provocado a pensar tudo isso a partir dos princípios, educação adotada pela escola, qual o perfil de estudante
filosofia e metodologia das Práticas Restaurativas. pretende formar, comprometendo-se com a formação pautada
nos valores Maristas. O PPP se alimenta da realidade da escola
Importante ressaltar que, além da formação docente, se faz e traz as necessidades do cotidiano. É um documento que
necessária a formação de todos os profissionais que atuam permite a vivência da democracia, o exercício da cidadania e a
dentro do espaço escolar, nas Práticas Restaurativas. Para garantia do direito à educação de qualidade. Este documento
que haja, realmente, uma mudança de cultura, é necessário o precisa estar alinhado com a intencionalidade da efetivação
envolvimento de todos(as). A mudança de mentalidade precisa de uma escola restaurativa, para que os estudantes tenham
ser coletiva e se refletir nas práticas do cotidiano de toda a a garantia de seus direitos e para que não haja exclusão,
escola. Desta forma, toda a comunidade escolar é convidada negligência ou mesmo relações arbitrárias.
a consolidar a escola restaurativa, sendo responsável pela
cultura e disseminação das estratégias restaurativas. O Regimento Escolar, que regula, define e normatiza as ações da
escola para a vivência e promoção de uma escola restaurativa,
4. Projeto Político-pedagógico (PPP) e o regimento escolar: deve também estar em consonância com os pilares das
para que a escola seja um ambiente inclusivo, que respeite Práticas Restaurativas. Portanto, o Regimento Escolar deve
e valorize as diferenças, necessita desenvolver um olhar estar respaldado no diálogo, no apoio, no respeito, na escuta
diferenciado, “mudando as lentes” (ZEHR, 2014), na construção qualificada, na reflexão pessoal, na responsabilização dos

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sujeitos para a tomada das decisões e na reparação de dano de O UNICEF (2020) contribui dizendo que esses espaços
forma consensual. Isso permitirá uma mudança de paradigma, educacionais se tornam de empoderamento de meninas e
que foi-se construindo ao longo da história da educação e meninos, para que reconheçam situações e busquem apoio,
que, de acordo com Mullet, Amstutz (2020, p. 30), “(...) em geral ajuda e proteção. Para tanto, visto a complexidade da vida
a punição consegue coibir a criança temporariamente, mas humana, não conseguiremos agir meramente sozinhos,
dificilmente ensina a autodisciplina em primeira mão”. Mudar precisamos do apoio e envolvimento das famílias e demais
do paradigma punitivo para o restaurativo permite ver, sentir e atores que compõem a comunidade educativa.
entender o estudante como um sujeito de direitos, fortalecendo
sua autonomia. Instrumentalizada pelas Práticas Restaurativas, a escola
torna-se também um lugar cada vez menos punitivo e mais
Conforme Mullet, Amstutz (2020, p. 46), “as regras e acolhedor e potencializador de crianças, jovens e adultos como
normas devem refletir os valores e princípios escolhidos atores presentes e participativos na constituição da sociedade.
consensualmente pela comunidade educativa”. As mesmas
autoras afirmam que as normas e regras devem prevenir os Neste contexto, caminhamos circularmente em um movimento
problemas e não apagar os incêndios. Neste caminho a ser em que todos e todas presentes no espaço educativo também
trilhado de uma educação para a paz, conceber o Regimento se sintam corresponsáveis por tornar esse ambiente seguro
Escolar e o PPP11 como oportunidades de conexão e integração para o desenvolvimento pleno dos estudantes.
é o percurso para a construção de uma educação que promova
o desenvolvimento integral de crianças, adolescentes e jovens. Nesse espaço, circulam vozes do corpo docente e equipe de
profissionais da escola, profissionais das redes de proteção, de
5. Corresponsabilidade da comunidade educativa. Quando outras políticas públicas, e assim, como o objeto de fala usado
refletimos sobre a palavra corresponsabilidade, muitos são os nos processos circulares restaurativos, que tem a função,
caminhos e possibilidades de compartilhar responsabilidades nas reflexões metodológicas, de dar voz, escuta e troca de
e cuidados. Por isso, apresentamos algumas ideias para conhecimentos diversos, todas as vozes que compõem o
pensarmos nesse cuidado ampliado e coletivo. A escola espaço educativo se engajam na implementação da cultura da
enquanto ambiente protetivo, de promoção e garantia de paz e na efetivação do modelo restaurativo.
direitos, de acesso ao conhecimento humano e técnico
profissional, torna-se um lugar estratégico para pensar Entende-se que a escola pode contribuir de maneira
possibilidades de viabilizar ações coletivas que integrem os significativa no fortalecimento da rede de atendimento de um
sujeitos e criem redes de parcerias, e intervenções sociais, território, construindo suas bases a partir da escuta, do olhar
gerando engajamento coletivo e contribuindo para uma cuidadoso e da empatia com cada participante deste sistema
sociedade mais justa e fraterna. complexo, de uma organização comunitária, muitas vezes,
11
ANEXO I – texto inspirador a ser adaptado pela escola e inserido no PPP.
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fragilizada pelas próprias Políticas Públicas e pela falta de e coordenada para garantir a atenção integral de crianças,
empoderamento de seus participantes, e/ou ainda isolada em adolescentes e jovens no sistema de garantia de direitos.
seus muros.
Para Ferrari (2014), ações articuladas, tanto nas instituições
Nesse sentido, as Práticas Restaurativas, na Educação, podem quanto nas Políticas Públicas, são necessárias para concretizar
ser utilizadas como instrumento de fomento para articulação as políticas existentes, permitindo maior agilidade nos
e empoderamento de outras Políticas Públicas, como Saúde, atendimentos. Em síntese, a contribuição da escola na
Assistência Social, Habitação, Cultura, Esporte, Justiça, construção de uma comunidade fortalecida na cultura
Segurança, e tantas outras, que devem atuar de forma integrada restaurativa pode ser compreendida da seguinte maneira:

Figura 3 Viver o processo


desperta sentimento
Sentir e emoções = vínculos
saudáveis
Transformação no Proporcionais vivências/
jeito de ser e fazer experiências restaurativas
EDUCAÇÃO. com alunos e professores
Sala de aula
Marista » Apresentar as Práticas Restaurativas
como metodologia didática.
Jeito de ser
» Utilizar as Práticas Restaurativas
As Práticas Restaurativas como gestão de sala de aula.
geram transformação da
óptica pessoal sobre os » Utilizar os recursos das Práticas
conflitos e sobre as pessoas: Restaurativas para as mediações de
provocam empatia. conflito.

» Assumir uma postura Restaurativas


- ser facilitador dos diálogos e das
Estender as experiências Cultura relações humanas.
para a comunidade/rede Restaurativa
de proteção/equipamentos
públicos Diálogo
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6. Atuação em rede. As redes de atendimento, redes protetivas, acarretar diversas outras situações que se intensificam no
redes socioassistenciais e redes intersetoriais, entre outras decorrer da vida dos sujeitos.
denominações, são termos utilizados para o conjunto de
serviços que fazem parte das políticas públicas protetivas A consolidação de uma escola restaurativa é um processo que
de crianças, adolescentes, jovens, mulheres, idosos, LGBTQI+, demanda planejamento do “ser” escola. Uma escola restaurativa
entre vários outros públicos, que precisam de atendimentos perpassa, assim, pela descoberta do processo de ser escola, e
dos mais diversos níveis de necessidades biopsicossociais12 ser currículo. “Ser” currículo é uma forma de estar nas relações
assegurando seus direitos. educacionais desde um lugar de quem confia no processo
dialógico e nos recursos do estudante, vivendo essas crenças,
Para tanto, a escola como parte desta rede: para gerar, conjuntamente, novos aprendizados.

Revela-se como ambiente propício para revisitar Em resumo, construir uma escola restaurativa envolve,
leis, normas, planos já existentes e novos protocolos conforme figura abaixo, vários componentes imprescindíveis:
para avaliar a necessidade de implementar, revisar ou
desenvolver novos procedimentos e mecanismos que
assegurem a identificação e o encaminhamento efetivo Currículo com
enfoque em
de crianças e adolescente em risco ou em situação de direitos
violência. (UNICEF, 2020, p. 13).

Ao identificar essas demandas, o que fazemos? Encaminhamos Atuação Gestão


em rede Participativa
para quem? É neste campo que a escola não está sozinha, mas
cabe a ela acolher tais situações e, em diálogo com as demais
políticas sociais territoriais, ampliar o cuidado e atenção nos
casos dos estudantes.
Correspon- Formação
Se as instituições de ensino já possuem conhecimento e sabilidade continuada (todas
coletiva
vínculo com os serviços existentes, o diálogo e as trocas se as equipes)

tornam mais fáceis. Do contrário, as Práticas Restaurativas


podem ser um método, não apenas para as reuniões, mas
também para fomentar a articulação da rede. Salientamos que,
se essas fragilidades sociais identificadas não forem acolhidas, Documentação
Escolar
escutadas e compreendidas pela equipe escolar, poderão

Adjetivo que está relacionado com variantes biológicas, psicológicas e


12

sociais (Dicionário on-line). Figura 4 – Componentes de uma escola restaurativa


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Sendo assim, consideramos um grande desafio transformar comunicação. O diálogo é uma ferramenta de grande potencial
a escola em um ambiente seguro e restaurativo, onde a para isso. Em seguida, precisamos considerar as pessoas que
construção de uma cultura de paz torna-se um ponto central estão envolvidas nesses espaços: como elas reconhecem a
a ser alcançado. E, nesse sentido, pode ser considerado por paz a partir de suas narrativas pessoais? E, por fim, talvez seja
muitos uma utopia, mas que deve ser perseguida por todos nós. uma oportunidade pensarmos a responsabilidade que se tem
O escritor uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015) conta com o nosso planeta, e a paz também pode ser considerada um
que estando numa palestra junto de seu amigo, o cineasta serviço à nossa Casa Comum.
argentino Fernando Birri (1925-2017), um estudante fez uma
pergunta no mínimo embaraçosa: “Para que serve a utopia?”. Em 2013, numa conferência dirigida aos professores e
Eduardo logo considerou que essa era a pergunta mais difícil estudantes japoneses, o Papa Francisco recordou: “Se nos
já feita e, para sua sorte, foi o seu amigo que respondeu. E o fez isolarmos em nós mesmos, só teremos o que temos, não
de modo espetacular. Então, Fernando disse: “A utopia está no poderemos crescer culturalmente. Mas se formos ao encontro
horizonte e eu sei que nunca a alcançarei, pois se eu caminho de outras pessoas, culturas, modos de pensar e religiões,
dez passos em sua direção, ela se afasta dez passos para mais sairemos de nós e começaremos a aventura tão bonita
longe de mim. Quanto mais eu a busco, menos eu a encontro, chamada ‘diálogo’. O diálogo é muito importante para a nossa
porque ela se afasta, na medida que eu me aproximo. Então, maturidade [...] Não se pode ter paz sem diálogo”13. E essa é a
para que afinal serve a utopia? Serve para isso: para caminhar”. chave de leitura que nos dará acesso ao horizonte de construir
Utopia e educação caminham lado a lado. Por mais que a cultura de paz em nossos espaços educativos.
teorizemos a respeito dos processos de ensino-aprendizagem,
reconhecemos que nunca alcançaremos a forma perfeita de Diálogo implica em considerar o outro em sua plenitude, o
fazê-lo. Concordamos que esses processos não estão isolados, que solicita o reconhecimento e respeito da diversidade.
que não nos dedicamos sozinhos a eles, que não estão imunes Abrir-se para o diálogo requer ainda a habilidade da escuta
ao escorrer do tempo e às mudanças provocadas pelos avanços ativa, isto é, olhar para o outro como detentor de uma
científicos. Apesar disso, não negamos que temos um chamado mensagem importante e que, se não escuto, não saberei como
a aperfeiçoar nossa competência pedagógica, aliada ao senso corresponder com significado compatível. Diálogo em vias de
de cidadania, inclusão e justiça social. De igual modo, todos os construir cultura de paz não deve ainda ser confundido com
desafios da educação, específicos de nossa era, cumprem a estratégias de persuasão. Pois não se trata de convencer o
mesma função da utopia: servem para que caminhemos. Criar outro, de colonizá-lo a partir de um ponto de vista, mas sim de
cultura de paz nos espaços educativos é um desses desafios acolher aquilo que o outro comunica como vindo de um modo
que nos movem. diferente de ver o mundo. Diferente. Não melhor e nem pior,
apenas diferente. Por isso consideramos que o cuidado com a
Intuímos que esse desafio precisa considerar processos de comunicação favorece a geração de cultura de paz.
13
PAPA FRANCISCO. O projeto educativo de Francisco. Oscar Armando Perez
Sayago (Org.). Curitiba: PUCPRESS, 2019, p. 35.
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O ambiente que gera cultura de paz é aquele em que a degradação ambiental, se não prestarmos atenção às causas
dignidade da pessoa é considerada em sua integralidade. que têm a ver com a degradação humana e social” (Laudato
Também é preciso se perguntar que tipo de paz nós estamos Si18, n. 48). Caminhar como família global, como nos convida
buscando, bem como é preciso considerar quais formas se o XXII Capítulo Geral do Instituto dos Irmãos Maristas (2017),
opõem ao estabelecimento de uma cultura de paz. A violência, convoca cada pessoa envolvida nesta missão educativa a
por exemplo, precisa ser compreendida de modo amplo compreender-se como cuidadores da Casa Comum.
a partir de seus diversos contextos sociais, linguísticos e
midiáticos. A estudiosa Luciene Lucas do Santos14 é quem Inauguramos o ano de 2021 com a contundente afirmação de
justifica essa necessidade ao participar do 105º encontro do que “não há paz sem a cultura do cuidado”19 (Papa Francisco).
Comitê da Cultura de Paz, organizado pela Unesco em parceria Então, parece salutar nos perguntarmos: o quanto as nossas
com a Associação Palas Athena. Ela conclui que considerando estruturas, recursos e pessoas que dão corpo às nossas
os dias atuais, para se estabelecer cultura de paz é preciso unidades educativas estão comprometidas com a cultura
começar “estabelecendo novas relações com o consumo, com do cuidado? Cuidar solicita de cada um de nós um esforço
os modelos de desenvolvimento, com a diversidade étnica e interior, precisa brotar do lado de dentro e expandir como
evocar a dignidade humana”15. ondas para o lado de fora. Desse modo, geramos senso de
corresponsabilidade pela criação da cultura de paz.
Nunca é demais registrar que dignidade e paz já aparecem
juntas na “Declaração Universal dos Direitos Humanos” (1948), Estar disponível para o diálogo, reconhecer a dignidade de
quando em seu preâmbulo anuncia: “Considerando que o cada pessoa e ampliar o olhar para a nossa Casa Comum
reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros tornam possível assumir comportamentos saudáveis, que se
da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é opõem e resistem às múltiplas expressões de violência que
o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”16. podem existir dentro do ambiente escolar. Acreditamos que a
Na sequência, o Concilio Vaticano II (1962-1965) reforça que
essa dignidade é inalienável justamente porque “foi criada 14
http://comitepaz.org.br/index.php/105o-forum-os-impactos-do-
à imagem de Deus” (Gaudium et spes 17, n. 12). Sendo assim, modelo-de-desenvolvimento-na-dignidade-humana-interculturalidade-
e-construcao-de-novas-sociabilidades-como-antidoto-a-violencia-
ela deve ser a base de toda organização social e de seus estrutural/
princípios operacionais.
15
https://polis.org.br/noticias/por-uma-cultura-de-paz-e-o-direito-a-
dignidade-humana/
16
https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos
17
http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/
A cultura de paz também pode ser considerada um serviço vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html
ao planeta. A esse respeito, o Papa Francisco nos recorda: 18
http://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-
francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html
“O ambiente humano e o ambiente natural degradam-se 19
http://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/peace/documents/
em conjunto; e não podemos enfrentar adequadamente a papa-francesco_20201208_messaggio-54giornatamondiale-pace2021.html

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escola possui potencial transformador para a sociedade, por


isso investimos nossos esforços no sentido de tornar esse
espaço cada vez mais seguro e influenciador no sentido de que
nossos interlocutores possam multiplicar, de modo consciente,
atitudes igualmente transformadoras para além de nossos
muros.

Em tempos fluidos ou líquidos, como aponta o sociólogo


Zygmunt Bauman (1925-2017), parece ser oportuno retomar
o compromisso de criar culturas que impactem de modo
positivo as pessoas, de apontar caminhos que alterem estilos
de vida que não estão comprometidos com o bem comum ou
até mesmo com a sustentabilidade da vida. Dessa forma, nos
envolvemos de um modo profundo e qualificado com um
projeto maior elaborado para toda a criação.

Novamente a escola assume o seu papel originário, pois


sua origem grega, “schole”, quer também dizer repouso e
intermitência, nos recordando que a escola pode ser o lugar
por excelência em que são freadas as abordagens violentas
vigentes, para depois reconectar à sociedade gente capaz de
promover encontros e cultura de paz.

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» Referências

Referências

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» Anexos

Anexos

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» 4.1 Relatos e Práticas Voltar ao menu

4.1 Relatos e Práticas


No caminho que estamos tecendo na Educação Básica, convidamos
você à inspiração, por meio de relatos de experiência e boas
práticas, buscando auxiliá-lo(a) a inserir no seu fazer cotidiano
a metodologia das Práticas Restaurativas. Fortalecendo, assim,
a atuação dos Colégios, Escolas Champagnat e Escolas Sociais
na construção de espaços restaurativos. Certos do caminho
que ainda temos a percorrer, mas celebrando os já percorridos,
desejamos a você uma boa experiência de leitura com os relatos.

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» Escola Social Marista Ir. Rui Voltar ao menu

Escola Social
Marista Ir. Rui

» Manejo de conflitos
no Ensino Fundamental
Anos Finais

Um educando do 6º ano da Escola Social Marista Ir. Rui foi me chamaram (Márcia) para mediar.
demostrar ao amigo do 7º ano como se dá um “mata-leão”
em alguém (os jovens com os seguintes nomes fictícios: 6º No momento em que cheguei, fui saber do Alan se estava bem.
ano, Alan, e 7º ano, Marcos). Isso aconteceu no refeitório, no Ele estava muito assustado e não quis conversar. Dei o tempo a
horário em que as turmas dos sextos e sétimos anos estavam ele e o mesmo foi jantar. Fui procurar o Marcos, que havia dado
indo para o jantar. O golpe do “mata-leão” foi tão bem dado o golpe e saiu correndo da escola com medo de apanhar, assim
que Alan desmaiou. os colegas relataram.

Nesse momento, os monitores e docentes ficaram muito Chamei o grupo que queria bater para o diálogo, solicitando
assustados e acreditaram que Marcos queria matar o Alan. Os que não fizesse isso, porque a escola é que iria resolver
estudantes amigos do menino que desmaiou queriam bater no o que aconteceu e entender os motivos. Os estudantes
Marcos e foi uma situação bem delicada e logo os monitores acolheram a situação.

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Chamei o Alan para diálogo e o mesmo me contou que ambos vista de cada um?
são amigos e que partiu de uma brincadeira para demonstrar
o golpe, que ficou muito assustado sim, mas que não deveria Alan: que Marcos foi demonstrar a ele como se dá um golpe de
envolver as famílias, mas resolver entre eles. Ponderei que eu mata-leão que havia aprendido e ele concordou.
tinha que comunicar às famílias porque, afinal, não foi uma
brincadeira saudável. Marcos: que falou com o amigo que ia mostrar como se dá “um
mata-leão” e que não sabia que o amigo poderia desmaiar.
Entrei em contato com a família do Marcos e expliquei o que
aconteceu, de acordo com o ponto de vista do Alan e a mãe disse 2. O que cada um sentiu neste momento?
que iria conversar com o filho, assim que chegasse em casa.
Alan: não entendeu bem o que aconteceu, sabe que desmaiou,
Entrei em contato com a responsável pelo Alan e também perdeu o ar e ficou com muito medo depois do golpe.
expliquei. A mãe ficou bem preocupada e disse que irá
conversar com o filho porque sempre o vê brincando de luta Marcos: muito triste, culpado, arrependido, com medo do amigo
e sabe que não dá certo. morrer e muito nervoso com medo de apanhar e da punição
por parte da escola.
No dia seguinte, Marcos não veio à escola e, imediatamente,
entrei em contato com a família para saber o motivo. A mãe 3. Quem mais foi afetado e como?
relatou que estava no trabalho e não sabia que o filho não havia
ido à escola e que ia ligar para casa para saber, e eu relatei que Alan: minha mãe, que ficou preocupada e com medo de
estava preocupada porque ele poderia não ter ido à aula em acontecer novamente e pagou Uber para me buscar com
função de estar com medo. Passados 30 (minutos), o pai do medo de eu passar mal; os monitores que largaram os outros
Marcos e ele compareceram à unidade para o diálogo e, de fato, meninos para ficarem com a gente; e a Márcia, que teve que
o filho estava com medo de vir à escola. parar o serviço dela.

Chamei Alan para diálogo. Marcos: minha mãe, que ficou preocupada, meu pai, que
também ficou preocupado e veio até aqui, os monitores, porque
Momento da mediação: não olharam os outros meninos, e a Márcia, que deixou de fazer
as coisas que tinha que fazer.
Perguntas:
4. O que precisa para que as coisas fiquem bem?
1. Aos meninos: o que aconteceu de acordo com o ponto de Alan: que o Marcos me peça desculpas e que possamos

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conversar com os monitores e amigos, que tudo não passou de para a estada, posterior ao fato, do Marcos à escola, bem como
uma brincadeira de mau gosto. o diálogo dos educandos com os docentes e monitores que
Marcos: pedir desculpa ao Alan, aos monitores e também presenciaram a situação.
explicar o que aconteceu e explicar aos colegas também.
Surpreendo-me a todo instante de como nosso olhar muda
5. O que precisa para que as coisas voltem a ficar bem? quando há um diálogo assertivo, apoio e conexão, e o quanto
essa postura pode transformar vidas.
Alan: não brincar mais dessas brincadeiras e nem de nenhuma
que envolva tapas, empurrões, brincadeiras de luta.

Marcos: que não vai brincar mais de luta ou qualquer outra


brincadeira de mão, que sabe que pode causar coisas graves. » Círculo Diálogo,
Breve percepção da mediação: 2º ano Ensino
O primeiro pensamento que veio à minha mente foi como
o de todos que viram a situação: que o Marcos era maldoso
Médio C, noturno
e que queria matar o colega. O comentário que circulou foi
este e de início até cheguei a pensar na possibilidade de Data: 10 de março de 2020
uma agressão em função do conflito, mas quando comecei a
escutar as partes, fui entendendo todo o contexto e vi que o Participantes: Estudantes 2º EM C, assistente pedagógica,
fato era outro. assistente social e pastoral.

Penso que se não temos empatia, escuta e formação para Tema: solidariedade e fortalecimento de vínculos.
lidarmos com as mais diferentes situações, corremos o risco de
“olhar” com as lentes carregadas de paradigmas, mas quando Objetivo: círculo realizado a partir de um pedido da turma,
acolhemos e nos abrimos ao diálogo, nossas lentes vão-se a fim de ajudar os participantes a refletir sobre pontos do
constituindo e se transformando. relacionamento que estão afetando de forma positiva e
negativa a turma.
Após todo o trabalho de mediação, conversei com os docentes
e monitores o que de fato acontecera para que não rotulassem Leitura: Solidariedade – páginas 26 e 37 do livro “Caminhar
Marcos e a explicação clara da situação fez toda a diferença Marista 5”.

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“A natureza nos uniu em uma imensa família, e devemos viver poder ajudar, caso aceitem;
nossas vidas unidos, ajudando uns aos outros” (Sêneca). ○ Não só esperar que as pessoas peçam ajuda, mas sim
oferecer ajuda;
Os/as estudantes elencaram situações de comportamento ○ Não ser irônico;
positivas e negativas: ○ Não trazer os problemas particulares para a sala de
aula. Ninguém tem culpa dos meus problemas;
Positivo: colaboração entre os grupos; aula invertida na qual um ○ Incluir as pessoas e não formar panelinhas;
grupo ajuda o outro; o componente curricular Interioridades, ○ Acolher o outro, dar conselho e chegar mais nas pessoas.
que traz alívio para as tensões e são gratos ao Marista por isso;
todos da escola são muito atenciosos. Encaminhamentos:

Negativo: muita conversa e há pessoas que sabem a hora de ○ Diálogo com os docentes que estão com desafios com
parar e participar das aulas, mas outras não; alguns colegas essa turma;
estão excluídos na sala de aula, principalmente os que ficaram ○ Voltar o “U” da sala de aula;
retidos no ano anterior; desorganização das carteiras e não ○ Mudar de sala de aula para a sala 2, onde as carteiras
entendem por que não continuou o formato de “U” e lixo no são maiores;
chão; a forma de explicar de algumas aulas não é boa. ○ Dinâmica final sobre relacionamentos realizada pela
Pastoral.
Como cada um pode contribuir para o melhor
desenvolvimento da turma?

○ Parar de brincar na hora errada e deixar a conversa para


os momentos possíveis;
○ Ser menos arrogante e se colocar no lugar do outro;
Aceitar as pessoas como elas são e não como eu quero
que elas sejam;
○ Ajudar quem precisa de apoio, tanto para os estudos
quanto para participar das atividades em sala de aula;
Melhorar enquanto pessoa;
○ Deixar de ser grosseiro com o outro, menos ignorante
e irritado;
○ Aproximar-se de quem tem mais dificuldades para

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» Marista Escola Social Cascavel Voltar ao menu

Marista Escola Social


Cascavel

» Inserção das
Práticas Restaurativas
no Planejamento
Pedagógico
Quando tratamos das Práticas Restaurativas no universo
escolar, e especialmente sobre a transposição didática
do Círculo Restaurativo como metodologia didática,
alguns questionamentos são recorrentes. Exemplo: como
trabalhar um conteúdo curricular no formato de círculo?
É necessário interromper o conteúdo curricular para
trabalhar um círculo? O círculo atende apenas à demanda
de atuação sobre temas relacionais?

Diante desses questionamentos, e a fim de instrumentalizar


os professores da Educação Básica na transposição didática
das Práticas Restaurativas na sala de aula como metodologia

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didática, o Marista Escola Social Cascavel construiu uma e relacionais com as demandas cognitivas. Portanto, atuar
proposta de formação com os educadores para a inserção na formação relacional e emocional por meio das escolhas
das estratégias restaurativas no planejamento pedagógico metodológicas e posturas do professor é tão fundamental
do professor. A proposta teve como objetivo esclarecer o quanto o desenvolvimento de proficiência do aluno. No Projeto
potencial formativo que as estratégias restaurativas têm Educativo do Brasil Marista, estas dimensões não se dissociam,
quando utilizadas como metodologia didática, e que é possível e por isso, não é possível pensar numa formação fragmentada.
construir aulas em todas as áreas do conhecimento no formato
de Círculos Restaurativos. Durante esse processo formativo, No material de apoio construído, a primeira parte foi dedicada
a ênfase foi em desmistificar que as Práticas Restaurativas aos Temas Restaurativos, conforme figura abaixo:
são “algo a mais” a ser trabalhado em sala de aula, já que
elas configuram uma escolha metodológica de vivência do Figura 4 – Instrumental página dos Temas Restaurativos
professor com seus alunos, elemento essencial na construção
de uma cultura para a paz. TEMAS
Após a realização de um ciclo formativo coletivo e personalizado
RESTAURATIVOS
para cada educador, foi realizada a construção de um material Tema 1- Perspectivas pessoais
de apoio, com uma estrutura lúdica para representar a igualmente valorizadas
transposição do círculo para sala de aula. Neste material, os
temas restaurativos e cada etapa do Círculo Restaurativo Tema 2 - Pensamentos influenciam
foram identificados com um selo, e à medida que o professor emoções e ações subsequentes
foi construindo e redigindo sua aula pelo formato de círculo,
ele pôde identificar cada etapa com seu selo correspondente. A Tema 3 - Empatia e consideração
escolha pela estratégia lúdica com os educadores foi realizada pelo outro
considerando que a formação do educador também configura
um processo de aproximação, apropriação e testagem de novas Tema 4 - Identificação das
estratégias, até que cada educador perceba a seu modo como necessidades precede as
as estratégias restaurativas têm potencial diante da sua área estratégias
do conhecimento.
Tema 5 - Responsabilidade
Outra bandeira presente nesse processo formativo foi a coletiva pelas escolhas e
de que a formação integral contempla todas as dimensões
resultados
humanas, incluindo proporcionalmente as áreas emocionais
Fonte: Marista Escola Social Cascavel

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A segunda parte se dedicou a identificar os instrumentais que A terceira parte se dedicou a apresentar as etapas do Círculo
compõem a execução do Círculo Restaurativo, apresentando Restaurativo, separadamente, considerando que cada educador,
as dinâmicas de organização da sala de aula (dinamizada em conforme os temas de diálogo de cada área do conhecimento,
pares, grupos ou círculos), o objeto da palavra/fala e a peça de transitou com liberdade sobre as etapas que mais promoveram
centro, compreendendo que o rompimento com a estrutura o seu conteúdo formativo. A exemplo da figura abaixo, nota-se
individualizada e enfileirada como regra para o trabalho é que as possibilidades de uso das práticas são múltiplas, através
fundamental para que os alunos desenvolvam maior conexão de diversas combinações:
uns com os outros, conforme exemplificado na figura abaixo:

Figura 5 – Instrumental página Organização Figura 6 – Instrumental página Passos do Círculo

PRÁTICAS Passos do Círculo Restaurativo


RESTAURATIVAS Círculo(todosRestaurativo
NA SALA DE AULA os passos)
Dinâmica de organização para a classe

Pares Cerimônia de Abertura

Grupos Check In

Diretrizes e Valores
Sentar em Círculo
Instrumentos das Práticas Restaurativas Perguntas Norteadoras
Objeto da Palavra
Check Out
Peça de Centro Cerimônia de Fechamento
Fonte: Marista Escola Social Cascavel Fonte: Marista Escola Social Cascavel

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Dentro do planejamento, os selos foram colados ao lado de uma breve explicação da prática realizada, identificando a correlação da
prática com o conteúdo de diálogo da área do conhecimento, a exemplo do quadro abaixo:

Quadro 2 – Inserções dos selos nos planejamentos

Turma: 3º ano A e B do Ensino Fundamental Anos Iniciais.

Componente curricular/Conteúdo Objetivo Encaminhamento

Comparar diferentes histórias de trabalho


e de vida e refletir sobre como são Roda de conversa a respeito do
História: atividade produtiva assalariada organizadas as atividades produtivas em aprendizado sobre o conteúdo do trimestre,
diferentes culturas relacionando ao vídeo de “Milton Santos”

Turma: 7º ano do Ensino Fundamental Anos Finais.

Componente curricular/Conteúdo Objetivo Encaminhamento

1. Continuação e finalização da aula iniciada


em 21/10/19.
2. Para finalização do capítulo, no
laboratório de Informática, em grupos, os
Conhecer as características gerais educandos deverão pesquisar as principais
Ciências: Filo Chordata: anfíbios.
dos anfíbios. modificações que acontecem no corpo dos
anuros durante o processo de metamorfose,
bem como os principais representantes
dessa classe que realizam esse processo.

Fonte: Marista Escola Social Cascavel

A produção do material teve sua primeira versão elaborada em 2019, e foi aplicada durante o período de 4 meses. Essa versão pode
ser observada na íntegra no anexo 2. Após o período inicial e avaliação junto aos educadores, o material foi revisado para nova
elaboração. O uso desse recurso compôs parte de um processo formativo com os educadores, o que inclui o fator temporalidade de
uso desse método lúdico, até que os educadores expressem clareza na transposição didática das Práticas Restaurativas. À medida
que essa concepção for consolidada, o uso desse recurso se faz dispensável.

95
» Marista Escola Social Ir. Lourenço Voltar ao menu

Marista Escola
Social Ir. Lourenço
» Práticas
Restaurativas, na
prática: gerando
conexões com os
check-ins
Como já falamos ao longo deste documento, as Práticas Restaurativas no
ambiente escolar têm como uma de suas funções estabelecer vínculos
por meio de conexões. Estas podem acontecer de diversas formas: umas
delas é por meio das cerimônias de abertura dos círculos e dos check-ins.
Aqui no Marista Escola Social Ir. Lourenço, localizado na periferia da zona
leste de São Paulo, iniciamos em 2020 – começo da nossa unidade como
escola20 -, um movimento sistemático de realização dos check-ins, aqui
“abrasileiramos” o termo, chamando-o para “movimentos de chegança”.

É sabido o quão corrida é a rotina escolar e o pouco tempo de aula


(geralmente 50min), sem contar a resistência de alguns profissionais a
novas possibilidades. Pensando nisso, criamos um caminho que pode ajudar

20
O Marista Escola Social Ir. Lourenço existe no território da Vila Progresso desde 1994, portanto, atua na periferia da zona leste do Estado de
São Paulo há 27 anos. Contudo, até 2019, o serviço oferecido à comunidade era ligado ao Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos – o
Conviver Marista. A partir de 2020 a unidade iniciou sua caminhada na Educação Básica, atendendo ao ciclo do Ensino Fundamental Anos Finais
(6º ao 9º) e, em 2021, iniciou-se o ciclo do Ensino Médio.
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no estabelecimento destas metodologias na sua unidade de Estes dois pontos podem ajudar para que sua unidade
ensino: escolar inicie e implemente as Práticas Restaurativas como
metodologia do fazer educativo.
1. Formação: é fundamental estabelecer um processo formativo
com a equipe da escola sobre as Práticas Restaurativas; No Marista Escola Social Ir. Lourenço, o processo de formação
1. Como sabemos que o tempo é escasso, garantir algumas continuada dos colaboradores garantiu as “cheganças” nas aulas
horas durante a CAMAR é uma boa estratégia; on-line, nas reuniões pedagógicas e nas reuniões de equipe
gestora. Criou-se um espaço para os estudantes chamado de
2. Usar alguns minutos das reuniões pedagógicas para encontros de COM-TATO. O termo faz parte de um dos 7 passos
abordar e discutir alguns conceitos pode também ser da Pedagogia da Cooperação, uma metodologia colaborativa
uma boa estratégia. Uma dica: proposta por Brotto (2020), percursor dos Jogos Cooperativos
no Brasil. Estes encontros aconteciam semanalmente e
· Usar a metodologia de sala invertida com os contemplavam todas as turmas da escola.
professores pode ajudar. Indique um texto para
que leiam antes do encontro (no caso a Reunião Para os colaboradores, foram realizados alguns círculos
Pedagógica), e reserve um tempo para uma troca. de diálogo pautados na metodologia circular e em roteiros
propostos pelas autoras Kay Pranis e Karolina Watson
· A plataforma dos Círculos em Movimento possui (2010), criação de um espaço (virtual) de interação entre os
textos curtos (de até 5 páginas) que contextualizam colaboradores denominado “Cafezinhos do Lourenço”, no qual
bem os processos circulares e as práticas os colaboradores simulavam (virtualmente) aquele momento
restaurativas. Que tal começar por eles? do café que era realizado no presencial e a realização de
“cheganças”. Os momentos eram conduzidos, semanalmente,
pelos professores em forma de rodízio: a cada semana, um
2. O que não pode ser medido não pode ser gerido: apesar docente ficava responsável por realizar a conexão de chegada
de todo o processo formativo, sabe-se que algumas pessoas da equipe.
só irão realizar uma tarefa se esta lhes for atribuída, cobrada
ou fizer parte de uma obrigatoriedade. Por isso, vincular a Com as famílias, foi aplicado um questionário institucional
execução das práticas/vivências restaurativas a instrumentos para avaliar como a escola estava lidando com as demandas
institucionais de avaliação como, por exemplo, as metas ou o PDI escolares durante a pandemia e nas reuniões por turma
dos colaboradores, auxilia na implantação destes movimentos havia um espaço dedicado à escuta das famílias sobre todo
na escola. o processo do ensino remoto em 2020. Aqui, recolhíamos as
críticas, sugestões e felicitações das famílias.

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Considerando todas as ações de implantação do modelo 2. O processo formativo de todos os envolvidos é muito
restaurativo na escola social, em 2020, tivemos o seguinte importante. É fundamental que seja um processo de
cenário, considerando toda a comunidade educativa: formação continuada;

· Com os estudantes: 3. As Práticas Restaurativas são um “jeito de conceber as


· 1 assembleia geral com todas as turmas – 7 turmas (pré- relações”. É como você encara as relações e a vida, quando
pandemia); não se acredita, é mais difícil de implantá-las;
· cheganças (check-ins e/ou check-outs);
· 27 atividades de COM-TATO. 4. É importante que as Práticas Restaurativas sejam
sistemáticas e não só ocasionais - só assim há chance de
· Com os colaboradores: que elas sejam eficazes e façam sentido;
· círculos de diálogo;
· 8 grupos de estudo (modelo seminário), com os textos 5. Um espaço que se diga com enfoque nas Práticas
do site Círculos em Movimento; Restaurativas precisa garantir espaços de escuta e
· 40 “cheganças” conduzidas pelos professores; participação;
· 40 “Cafezinhos do Lourenço”, espaços (virtuais) de
interação entre os colaboradores. 6. As Práticas Restaurativas pressupõem relações,
· Com as famílias: portanto, a escola precisa ser, acima de tudo, um lugar de
· 1 reunião do Comitê de Famílias por turma (pré- relações saudáveis.
pandemia);
· 11 reuniões com as famílias; É importante lembrar que, para o início, a manutenção ou a
· com cada turma, totalizando 8 reuniões (online); expansão das metodologias das Práticas Restaurativas em
· com as famílias de um grupo de estudantes de um ambientes escolares ou qualquer outro necessitam de estudo,
retorno emergencial (presencial). persistência e vivência, pois o novo, a inovação que venha
para romper com alguns paradigmas, não serão facilmente
Após esse percurso, seria importante retomar alguns pontos implementados.
fundamentais para a implantação de um modelo restaurativo
dentro de um ambiente escolar: Viva e experimente essa nova forma de lidar com as relações
dentro e fora da escola.
1. Quem faz acontecer são todos da comunidade
educativa – estudantes, colaboradores e famílias/
comunidade;

98
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» Fortalecendo a atuação
em rede através das
Práticas
Nas experiências elencadas, apresentamos o Marista Escola Social Ir.
Lourenço (SP), que incluiu as ações voltadas às Práticas Restaurativas na
formação continuada dos colaboradores da escola e nas ações envolvendo
famílias e rede de serviços do território.

Na Vila Progresso (Zona Leste de São Paulo), a Rede de Serviços


Socioassistenciais trabalha na prevenção de situações de violência,
pobreza, pobreza extrema e com o fortalecimento dos vínculos familiares
e comunitários, buscando estratégias para o cuidado integral da
população referenciada. Nos anos de 2018 e 2019, aconteceram reuniões
mensais, em lugares diversos, que oportunizaram importantes trocas de
experiências no cuidado integral da população assistida.

Em oito de outubro de 2019, ocorreu uma ação em rede, no Serviço


de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida
Socioeducativa de Liberdade Assistida - LA e de Prestação de Serviço
à Comunidade – PSC21, de São Miguel Paulista (Zona Leste de SP). Uma
das estratégias nesse encontro era apresentar o papel do equipamento
e sensibilizar os profissionais sobre a temática, responsabilização e
proteção social.

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Como estratégia da Escola Social Marista, usamos aqui o A nossa escola, que também faz parte da rede de apoio e do
passo a passo da metodologia das Práticas Restaurativas para sistema de garantia de crianças, adolescentes e jovens da
o acontecimento da reunião como: o círculo, check-in para Villa Progresso, utiliza as Práticas Restaurativas na criação
abertura do encontro, na finalização, o check-out, o objeto de de espaços de diálogo e escuta significativa, para que juntos
fala e toda a mediação orientada pelas práticas, sendo uma e juntas possamos construir estratégias para atender às mais
oportunidade para trocas e junção de saberes, na perspectiva do diversas necessidades da comunidade educativa, apoiada pelas
fortalecimento da proteção social. Na rede, também, se amplia demais Políticas Públicas.
o conhecimento do território e se possibilita o fortalecimento
das Políticas Públicas.

Outro ponto fundamental a destacar é que vivemos um surto


pandêmico marcado pelo coronavírus, que causa a COVID-1922,
escancarando uma grave crise sanitária e humanitária no
Brasil e no mundo. Aqui, as políticas sociais foram totalmente
fragilizadas, evidenciando a importância de uma atuação
articulada e coordenada dos serviços para oferta de
atendimento à população. De acordo com Consorte (2020):

É perceptível que, durante a crise, houve uma série de


acontecimentos que se entrelaçam, dando nascimento
a um modo de viver diferente do anterior: o isolamento
e confinamento dentro de casa, a hiper-utilização das 21
O Serviço de MSE em Meio Aberto realiza o acompanhamento do
tecnologias digitais como forma única de comunicação, a falta cumprimento das medidas socioeducativas de Liberdade Assistida e de
Prestação de Serviço à Comunidade, que se fundamenta no atendimento
de capacidade do sistema de saúde público em lidar com a especializado, na escuta qualificada, no acompanhamento dos adolescentes
demanda dos doentes, a alta instabilidade política, o colapso e de suas famílias de forma integrada aos demais serviços socioassistenciais
e às políticas setoriais de educação, saúde, trabalho, cultura, esporte
do sistema funerário, a crise econômica, o risco de morte como e lazer. A garantia do acesso aos serviços e a ação integrada entre as
políticas setoriais são imprescindíveis para a concretização dos objetivos
fator iminente e cotidiano, o aumento da violência doméstica, das medidas socioeducativas e para a ampliação da proteção social ao
o escancaramento da desigualdade social, a subnotificação adolescente e sua família (MDS, 2010, p. 11).
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Trata-se de doença respiratória aguda causada por um tipo de
de mortes. O impacto disso nas relações humanas produziu coronavírus, notada a princípio em Wuhan, na província de Hubei, República
consequências que reverberam em cada um dos que os viveram. Popular da China, no mês de dezembro de 2019. A OMS declarou que este
surto havia se transformado em uma pandemia global e, no momento
(Consorte, 2020, p. 9). em que este texto foi finalizado, já se contam mais de 3.116.644 mortes
confirmadas e oficiais, em todo o mundo (WORLDOMETER, 2020).

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» Colégio Marista Cascavel Voltar ao menu

Colégio Marista Cascavel

» Práticas Restaurativas
- A mudança no olhar

“Sou coordenadora operacional educacional de um Colégio Marista e, em


2018, o grupo me possibilitou uma formação presencial de imersão sobre
Práticas Restaurativas (PR). Sempre estive aberta a apreender o novo,
talvez por isso fui tão impactada com o conteúdo daquela formação. Já
trabalhava há 3 anos na Rede Marista, e atuava diretamente nos processos
de ensino-aprendizagem, no setor de coordenação pedagógica. Naquele
ano, em decorrência de algumas mudanças que ocorreram na instituição,
comecei a atuar na antiga “Supervisão Escolar”, hoje Coordenação
Operacional Educacional (COE), setor conhecido como de resolução de
conflitos, o qual nenhum aluno queria frequentar e que os pais sempre
perguntavam se o filho havia passado por ali, ou seja, se havia aprontado
algo.

Quando assumi a coordenação do COE, logo no início, falei para a direção

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que não queria que os alunos tivessem medo de mim, pelo mesmo após a formação, alguns professores viam como
contrário, gostaria que o setor fosse um local seguro, que uma abordagem que ‘passava a mão na cabeça dos alunos’.
as crianças/adolescentes pudessem confiar na equipe Foram necessários alguns meses para que a comunidade
para conversar e ajudar a resolver as situações difíceis que escolar pudesse compreender que existiam outras formas de
surgissem. Que compreendessem o setor como parte do gerenciar conflitos. Que a prevenção, ou seja, a escuta atenta,
currículo e valores da escola, que as orientações e tratativas era capaz de evidenciar as angústias que os alunos estavam
ocorridas ali também seriam muito importantes para sua vivendo, muitas vezes fora da escola.
formação profissional, principalmente para sua formação
humana. Essa forma de atuar veio ao encontro do que a Vivemos numa sociedade altamente punitiva. A maioria das
escola almejava para o setor, que estivesse mais conectado pessoas só conhece uma maneira de corrigir o indivíduo
aos alunos e aos projetos da rede, que já apresentavam que cometeu um erro: punindo. O próprio regimento escolar
uma nova perspectiva (Circuito Projeto de Vida, Combate ao previa as punições que eu ‘teria’ que aplicar, caso algum aluno
Bullying, Cyberbullying). não respeitasse as normas da escola (advertência verbal,
advertência escrita, suspensão). A dificuldade que a escola
Apresentei as PRs aos professores de uma maneira diferente. estava tendo em relação ao comportamento disciplinar de
Propus um Círculo de Diálogo, cuja pergunta check-in foi: alguns alunos ficou clara para mim, após a formação sobre PRs.
‘Quando você tinha 14 anos, quais eram seus sonhos?’. Foi
um momento muito importante, alguns professores se O comportamento “negativo” daqueles alunos era reforçado,
emocionaram, deram risada. Antes de explicar qualquer pois ao agir de acordo com o que previa o regimento, ou o aluno
teoria sobre as PRs, foi possibilitada a experiência e o acesso ficava mais bravo/triste com a situação, ou se acostumava
à memória afetiva da infância/adolescência. e até gostava, ganhava poder. Após a minha formação
nas PRs, desenvolvi um novo olhar, uma nova maneira de
Após esse momento, foi mais fácil explicar quais eram os auxiliar os alunos na resolução dos conflitos gerados nas
objetivos dessa nova maneira de enxergar e auxiliar os relações. Percebi a importância de trabalhar, efetivamente e
alunos no processo de resolução de conflitos. Aos poucos, fui constantemente, a prevenção. Como? Praticar a escuta atenta,
mudando a disposição dos móveis da minha sala (o diálogo dando a possibilidade aos alunos de se expressar através
em círculo cria uma conexão única, quase “mágica”, onde os de diálogos e atividades que os permitissem identificar e
envolvidos se sentem mais seguros e conectados), deixei gerenciar as emoções.
de aplicar suspensão para os alunos, os registros no Prime
precisaram continuar, para que os pais tivessem ciência Para que esse “Olhar Restaurativo” aconteça, é imprescindível
das situações ocorridas na escola. No início, encontrei o envolvimento de toda a comunidade escolar, principalmente
muita dificuldade em colocar o ‘novo olhar’ em prática, pois dos docentes. A formação contínua e sensibilização dos

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profissionais é o que fará a diferença. Não basta apenas um continuar posteriormente.


setor da escola ter as PRs como base para a resolução de
conflitos e prevenção, se o PPP (Projeto Político-pedagógico) Durante esse período realizando trabalhos de prevenção
e Regimento Escolar ainda trazem práticas punitivas; se os (Círculos de Diálogo) e resolvendo conflitos a partir das
professores e os demais profissionais que acompanham Práticas Restaurativas, percebo que a comunidade escolar
os processos de ensino-aprendizagem e estão em contato não tem mais a suspensão como único meio de resolver
direto com os alunos não conhecem ou não colocam em os problemas. O diálogo com as famílias se tornou mais
prática essa abordagem. constante e significativo. O setor passou a ser visto como
um apoio no processo de ensino e aprendizagem, não mais
No início do ano e retorno das férias de julho, sempre como um mero resolvedor de conflitos. Inclusive com essas
solicitamos um momento com os alunos de todas as turmas atividades e um novo olhar, tornou-se um aliado fortíssimo
(Fundamental Anos Iniciais ao Ensino Médio) para fazer nossos no combate ao bullying.
Círculos de Diálogo. É durante essa conversa que conseguimos
identificar o perfil das turmas, quais suas forças e angústias Os alunos começaram a confiar mais e procurar a equipe
e quais os alunos que se apresentam mais ‘fragilizados’. Os para conversar. Ainda não estamos no formato ideal, mas
encontros duram em média duas aulas, tempo suficiente para acredito que os primeiros passos foram dados e tudo isso
que todos os alunos possam falar. só foi possível porque recebi a formação e acreditei que as
Práticas Restaurativas seriam um divisor de águas e viriam
É importante saber elaborar as perguntas que subsidiarão o como grande aliada de toda a comunidade escolar.”.
encontro (duas no máximo) e sempre solicitar que escolham
um objeto pessoal, que se tornará o objeto de fala. O momento Liliane Alcantara Azevedo
da fala de cada aluno acontece por ordem e quando está de Coord Operacional Educacional
posse do objeto. Essa prática auxilia os demais estudantes a
exercitar a escuta atenta. Os encontros acontecem sempre
orientados por dois profissionais capacitados, pois enquanto
um conduz a atividade, o outro faz as anotações, que serão
dialogadas posteriormente com a coordenação pedagógica.

É importante esse preparo dos profissionais que conduzirão


os diálogos, porque alguns alunos se sentem muito à
vontade ao ponto de abrir situações vividas na família, se
emocionam e o acompanhamento desse aluno precisa

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» Colégio Marista São Francisco Voltar ao menu

Colégio Marista
São Francisco
(...) Existo onde me desconheço aguardando pelo meu passado ansiando
a esperança do futuro. No mundo que combato morro no mundo por que
luto nasço.

Mia Couto, em: “Raiz de Orvalho e Outros Poemas”.

» Práticas Restaurativas -
relato de experiência
A sala de aula constitui-se como um espaço de construção coletiva do saber,
composta por sujeitos que trazem consigo singularidades psicológicas,
emocionais, físicas, cognitivas, familiares, espirituais, dentre tantas outras
particularidades. É um espaço no qual há manifestação da diversidade, da
pluralidade de pensamentos, opiniões, desejos, expectativas pessoais e
sociais de forma mais concreta, pois reúne distintos “universos” em um
espaçotempo regido por regras de convivência instituídas socialmente
e que, de certa forma, coíbem a expressão mais genuína desses sujeitos,
mas, ao mesmo tempo, são imprescindíveis para o seu desenvolvimento

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de maneira processual, gradual e integral, pois oportunizam a prática pedagógica de todos os colaboradores que atuam
prática de valores culturais, éticos e sociais. direta ou indiretamente com os estudantes. É necessária,
primeiramente, uma transformação interna, pessoal, para que
Conviver coletivamente e de modo harmonioso no ambiente se viabilize uma transformação cultura coletiva.
escolar será continuamente desafiador, uma vez que os
conflitos sempre estiveram presentes nas relações humanas, e Ressalto a necessidade dessa mudança de “mindset”, pois, como
o espaço escolar não está desprestigiado dessas manifestações. mencionado, culturalmente associamos a ideia de reparação,
Podemos dizer que, culturalmente, fomos educados a visualizar de “justiça”, a punição, o que está profundamente cristalizado
a punição como única estratégia de reparação diante de uma em nossas memórias referentes à escola e produz efeitos em
ação injusta ou danosa, e as normativas escolares, de modo nossa prática atual. Nossas narrativas se baseiam em nossa
geral, seguem esse mesmo modelo. própria história de vida. Da mesma forma, nossos princípios
morais são determinados pela nossa construção histórica, e
Entretanto, a metodologia restaurativa chamou minha atenção esses fatos influenciam diretamente nossa percepção acerca
por propor, sensivelmente, uma quebra de paradigmas, já que dos conflitos. Por conta disso, a capacitação dos profissionais
tal prática visa à resolução de conflitos por meio do diálogo que atuam na escola oportuniza reflexão e esclarecimento
e da responsabilização dos sujeitos sobre suas ações e não acerca dessas questões e práticas, e, portanto, se torna
por meio da culpabilização ou punição. Nessa perspectiva, importante ferramenta para efetivar essa mudança.
os círculos restaurativos se configuram como um espaço
de escuta, compreensão e apoio ao sujeito envolvido em Faço essa afirmação baseada não apenas nas teorias e estudos
situações danosas, seja em relação aos outros e/ou a si que indicam a viabilidade e a concretude dos benefícios de
mesmo. No ambiente restaurativo, o sujeito está separado da tais práticas, mas também em minha experiência pessoal. Em
sua ação e isso possibilita que se olhe para o que aconteceu agosto de 2019, participei do curso “A postura restaurativa
com clareza e imparcialidade em relação às consequências, docente como caminho de consolidação da cultura da paz
mas, ainda assim, com responsabilidade; oportunizando a esse no ambiente escolar”, no Centro Marcelino Champagnat em
mesmo sujeito que ele se torne um agente transformador Curitiba, Paraná. Até aquele momento, não havia tido contato,
daquela realidade. nem detinha um conhecimento prévio do que consistiam
as “práticas restaurativas”, a não ser aquilo que os próprios
Neste sentido, para que as práticas restaurativas se termos me faziam pressupor.
desenvolvam na escola, acredito ser necessário ocorrer
principalmente uma mudança dos moldes disciplinares, não Posso dizer que vivenciei a metodologia das práticas
apenas no que tange aos documentos regimentares (PPP restaurativas de modo profundo e significativo. Tão grandiosa
– Projeto Político-pedagógico), mas, essencialmente, na foi essa experiência que gerou em mim um desejo intenso

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de incorporar tais práticas na minha ação docente. Foi então


que, em setembro daquele mesmo ano, passei a utilizar os O círculo é uma forma de estabelecer conexão, espaçotempo
círculos restaurativos em sala de aula, tanto para resolução em que todos podem se olhar e se ver verdadeiramente de
de conflitos entre estudantes, quanto como ferramenta para modo igual, não apenas pela forma em que estão dispostos
efetivar metodologias ativas na sala de aula, por meio da no espaço, mas também porque se reconhecem, identificam-
sensibilização e reflexão. E será sobre esta experiência que se na fala do outro. Para isso, foi fundamental criar um
me debruçarei nesse texto. ambiente com condições para o diálogo, onde se exercitou
a escuta ativa, respeitou-se o uso do objeto de fala e onde,
Naquele período, lecionava a disciplina de “Iniciação à Pesquisa”, especialmente, havia confiança mútua.
no Ensino Fundamental Anos Finais, no Colégio Marista São
Francisco de Chapecó, SC. Esse componente tinha por objetivo Inspirada na metodologia de Kay Pranis e Belinda Hopkins,
estimular o desenvolvimento do “ser pesquisador” através da iniciei o círculo a partir de uma fala de abertura que buscou
investigação de temáticas de interesse dos próprios alunos. esclarecer a dinâmica (check-in, check-out, escuta ativa, objeto
Os temas eram investigados seguindo os parâmetros da de fala, confiança e empatia). Posteriormente, foi proposta a
metodologia científica, para que os resultados dessa busca atividade de check-in, na qual os educandos escreveram em
fossem sistematizados e alcançados de maneira criteriosa. uma tira de papel colorido como se sentiam naquele exato
momento. Dado o devido tempo para registro, passamos a
No segundo trimestre do ano letivo, estávamos iniciando utilizar o objeto de fala para partilhar os sentimentos então
um trabalho investigativo sobre a temática da violência, anotados. Atuando como facilitadora, conforme sugere a
relacionado ao projeto “Defenda-se”, proposto em rede. O metodologia restaurativa, iniciei a partilha expondo meus
“círculo restaurativo” foi utilizado nesse contexto como sentimentos.
estratégia pedagógica para a sensibilização dos estudantes,
pois se observara naquele contexto certa banalização ou Observei os olhares atentos e surpresos dos alunos em
naturalização de ações violentas entre pares, principalmente relação à minha sinceridade, o que, instintivamente, fez
por meio de comentários acerca da aparência dos colegas, com que partilhassem com a mesma franqueza aquilo que
situações de agressão verbal, física e até mesmo bullying. sentiam conforme o objeto de fala circulava de mão em
mão. Impossível não pensar sobre o imaginário que ainda
Na intenção de promover uma reflexão mais profunda sobre se constitui em torno do professor, como alguém distante,
o tema “Violência”, propus que realizássemos um “Círculo alguém de quem, agora, por meio de um - aparentemente
Restaurativo”, no qual, primeiramente, falaríamos sobre nossa simples - relato, os alunos puderam se aproximar e com quem
experiência pessoal para posteriormente delimitarmos nosso estabeleceram uma conexão por meio da empatia gerada pelo
problema de pesquisa relacionado à temática da violência. movimento da partilha. Após essa rodada inicial, passamos a

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registrar e partilhar opiniões acerca de quatro perguntas mais realizadas com a finalidade de promover a sensibilização dos
diretamente relacionadas à temática da violência, conforme estudantes sobre o tema. Como podemos realizar um trabalho
consta nas imagens a seguir, que representam o plano de aula de pesquisa com caráter científico sem antes observar e
elaborado naquele período. identificar nosso “objeto de pesquisa” na realidade? Ou não
seria a Ciência um processo movediço em que a relação entre
As questões abordadas no 4º, 5º, 6º e 7º momentos foram o objeto e as dinâmicas que se constroem em cada grupo são
Figura 8 – Plano de Ensino Quinzenal capazes de se transformar no decorrer do percurso?

Sem a pretensão de esmiuçar esses questionamentos,


sigo relatando a experiência, sem, entretanto, deixar de
mencionar o processo reflexivo que motiva a ação pedagógica
fundamentalmente. A cada pergunta seguida de rodada de
partilha, vários estudantes se emocionavam ao compartilhar
suas experiências. Algumas, inclusive, muito pessoais. Outros
relataram situações de violência vivenciadas no lar ou no
ambiente escolar, e em outros grupos sociais dos quais faziam
parte (grupo de amigos, familiares, clube etc).

Quando ocorreram relatos mais emotivos, foram necessárias


algumas interferências para que os estudantes voltassem o
seu olhar ao tema que intencionávamos analisar e fossem
redirecionados a refletir sobre de que formas ou maneiras
podíamos identificá-lo em nossa história individual e na
das pessoas que estão tão próximas a nós. No 8º momento,
buscou-se realizar uma síntese do que foi partilhado, trazendo
à baila as palavras mais fortes que emergiram em cada relato.

Na aula da semana seguinte, a partir do relato dos estudantes


que participaram do círculo, elaborei uma lista com sugestões
de temas relacionados à violência, conforme consta na
imagem do plano de aula a seguir:

Fonte: Acervo Pessoal da Autora


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Figura 8 – Plano de Ensino Quinzenal informações em diferentes fontes e materiais de pesquisa


(livros, recortes de jornais, fotografias etc), dentre outras
formas de conhecimento/saber.

A partir do engajamento vivenciado no grupo, foi possível


evidenciar que, caso não tivessem sido sensibilizados com a
atividade do círculo, que os permitiu – por meio da própria voz
e de seus pares – identificar a violência (em suas mais diversas
formas de manifestação), antes tão distante, como algo tão
presente na realidade de todos nós.

Não fosse isso, talvez não tivessem a mesma curiosidade e


interesse em desmistificar as questões que se apresentaram a
partir daquela experiência. Possivelmente, nem mesmo alguns
Fonte: Acervo Pessoal da Autora questionamentos teriam surgido sem aquela vivência.

Após apresentar as sugestões, propus para que, em duplas, Em vista disso, considero o interesse e o desejo pelo
escolhessem um dos temas listados, de acordo com o interesse conhecimento acerca da temática proposta naquela
deles no assunto. Solicitei, ainda naquele período de aula, que ocasião como resultados de um movimento genuinamente
realizassem uma pesquisa geral sobre o tema na internet restaurativo, pois, para além de compreender a “mecânica da
e posteriormente acessassem o “Google Acadêmico” para violência” no interior do sujeito ou na sociedade, evidenciaram-
pesquisar e selecionar ao menos dois artigos para um estudo se os danos, as cicatrizes que a violência registra em cada
mais profundo sobre o tema. sujeito que, inevitavelmente, ao longo da vida, de alguma
forma, a experimenta.
Sem a intenção de detalhar os desdobramentos do projeto,
torna-se relevante destacar a metodologia restaurativa no
processo de seu desenvolvimento, pois o fato de que muitos
estudantes estavam motivados a compreender qual a natureza
da ação violenta que se tornou nítida, e tal motivação os
instigou a reflexões e leituras filosóficas, ao estudo de teorias
sociais, psicológicas e políticas, à investigação e à busca de

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» Benchmarking de duas escolas do Estado do Amapá Voltar ao menu

» Benchmarking de duas
escolas do Estado do Amapá

O Estado do Amapá tem investido bastante na


propagação e inserção das Práticas Restaurativas no
Sistema Educacional Público dos seus municípios. Em
2017, o Estado instituiu o Programa Educação pela Paz,
pela Lei Estadual nº 2.282/2017, que é resultado da
parceria entre o Tribunal de Justiça do Amapá (TJAP) e o
Ministério Público do Estado (MP-AP), e a Secretaria de
Estado de Educação, tendo como objetivo promover a
cultura de paz, prevenção da violência e a melhoria da
convivência nas unidades educacionais, por meio de um
conjunto articulado de ações. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DO AMAPÁ, 2018).

Atualmente, o Amapá tem o projeto audacioso de se


tornar um Estado Restaurativo, o que nos motivou a
fazermos um benchmarking com alguns profissionais
que atuam na Educação, no Município de Santana/AP. Em
atendimento à LGPD, por não termos uma autorização
por escrito desses profissionais, os seus nomes não
serão divulgados.

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» Entrevista com um
professor e integrante da
Comissão de Formação das
Escolas Municipais.
Entrevista realizada em 05/03/2021, pelo Zoom, às 17h30min, com um integrante
de uma comissão que tem por objetivo formar as escolas municipais do
Amapá nas Práticas Restaurativas. A referida comissão é constituída por 40
formadores, sendo que entre 15 a 20 pessoas vão até as escolas para formar os
profissionais. O entrevistado é um deles.

Formato da formação: 40h (uma semana, o dia todo); quando as escolas são
pequenas (poucos colaboradores), todos os colaboradores, de todas as escolas
do município, se reúnem em uma só escola, onde ocorre o treinamento; do
contrário, o foco passava a ser os professores e professoras e a gestão, para
que eles pudessem ser multiplicadores.

Essa comissão também realiza formação com os jovens que fazem parte de um
projeto Protagonismo Juvenil. Inclusive, na semana de 8/03/21, a Comissão irá
formar 100 jovens nas Práticas Restaurativas.

O profissional já atuou como professor em uma escola municipal que atende


nos três turnos e tem cerca de 600 estudantes.

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Refere ele que, na ocasião, atuava com as Práticas


Restaurativas em sala de aula, e que tinha como objetivo
diminuir a violência; estabelecer relações saudáveis, o
bom humor em sala de aula e melhorar a aprendizagem.

Exemplo de algumas ações realizadas:

A. Primeiro dia de aula: realização de círculos de


diálogo para a construção dos acordos de boa
convivência (estabelecer os combinados) – com a
presença de dois facilitadores;

B. Momento com os pais em círculo;

C. Aulas: formato de círculo (sempre que possível):


check-in; check-out (para saber como foi o final da
semana); e círculos de aprendizagem.

Na sequência, ele foi convidado a fazer parte de um projeto


que a escola implantou, em parceria com o Ministério
Público, para formação de todos os funcionários, desde o
porteiro à direção, nas Práticas Restaurativas.

Na época, foi criado um Núcleo de Práticas Restaurativas


com a responsabilidade e incumbência de conduzir essas
práticas na escola. Posteriormente, ele foi compor a
referida comissão, a qual integra atualmente.

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» Entrevista com uma


professora e integrante
do Núcleo de Práticas
Restaurativas de uma
escola municipal.
Entrevista realizada em 19/03/2021, pelo meeting, às 13h, com a professora e
integrante do Núcleo de Práticas Restaurativas da escola que atuava como
coordenadora pedagógica antes de integrar o referido núcleo, constituído por
ela e por outra professora.

A profissional atua em uma escola que oferece o Ensino Fundamental


Anos Iniciais (1º ao 5º ano) e que atende, aproximadamente, 466 educandos,
distribuídos em 16 turmas, nos turnos da manhã e tarde.

A educadora refere que a proposta de atuação do núcleo (em 2018), inicialmente,


era atuar em paralelo à atuação dos professores em sala de aula, mediando
as situações de conflito. A partir de 2019, depois de feita a formação de todos
os professores, passaram a subsidiá-los com materiais (roteiros para os
círculos, para as primeiras semanas do ano letivo, onde eram estabelecidos os
combinados, entre outros materiais) para trabalhar em sala de aula. Também
passaram a desenvolver atividades em sala de aula (2 vezes ao ano, em 16 salas)
com o auxílio do professor.

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Além disso, realizaram a formação de todas as equipes da escola 1. Trabalho em dupla para analisar as semelhanças e
(desde o porteiro à direção), durante a semana pedagógica. O diferenças existentes entre eles, seguido do grande
núcleo também é responsável pelo Projeto Família, trabalhando círculo para compartilhar e apresentar o seu par, referindo
com as famílias a Comunicação Não-Violenta (CNV), entre outras as semelhanças e diferenças entre eles;
temáticas que emergem no cotidiano da escola. O trabalho é
feito por meio dos círculos de diálogo e de celebração. 2. Trabalhar os modelos de família (composição, religião,
lazer, cor da pele);
Em 2020, as ações foram adaptadas ao ambiente virtual, e
a educadora então atuou em um projeto de “acolhimento 3. Mural com figuras para trabalhar as atitudes positivas
das emoções” para trabalhar as questões emocionais dos e não positivas dentro e fora da sala de aula;
professores e estudantes. O projeto com as famílias foi mantido
com essa mesma temática (como acolher, ensinar e auxiliar as O vídeo traz alguns depoimentos de crianças, familiares e
crianças com as suas emoções). professores referindo a importância e os resultados positivos
alcançados pela escola com as Práticas Restaurativas: melhora
Também forneceram aos professores os roteiros para as na comunicação, expressão, vínculos, relações mais saudáveis,
primeiras semanas de aula. Ela relata que os professores mais afetividade entre professores e estudantes e destes entre
realizam as Práticas em sala de aula utilizando os si; trabalho mais agradável para o(a) professor(a); respeito e
círculos para trabalhar os conteúdos, realizar vivências, ambiente legal em sala de aula.
e atividades em grupo, em duplas. Além disso, utilizam as
Práticas Restaurativas para resolver conflitos entre as E, para complementar o relato, a profissional respondeu
famílias de estudantes. textualmente às seguintes perguntas:

A educadora refere que o apoio da gestão é imprescindível 1 - O que você considera imprescindível para que as Práticas
para que a escola abrace a proposta. Restaurativas se desenvolvam na escola?

O núcleo tem atuado no enfrentamento do bullying, na escola, Para as Práticas Restaurativas se desenvolvam na escola é
por meio de atividades culturais, onde são abordadas outras imprescindível:
temáticas significativas.
a - Traçar estratégias para sensibilizar a comunidade
Assistimos a um vídeo da escola no qual foram trazidas escolar sobre a relevância do desenvolvimento de
algumas ações realizadas durante os anos de 2018 e 2019 com práticas pautadas na metodologia da Pedagogia
as Práticas Restaurativas: Restaurativa, além de ofertar cursos e ou oficinas para

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que a comunidade escolar possa conhecer e vivenciar os Nesse sentido, as professoras C.J., L.L. e J. C., declararam que:
fundamentos das das Práticas e obter o engajamento de
toda a equipe escolar. Adotando a Pedagogia Restaurativa, nós trabalhamos um
comportamento diferenciado nas crianças, por meio do
b - Realizar aplicações práticas na sala de aula para que qual ela vai aprender mais sobre os valores humanos, e que
professores e alunos exercitem valores como a não- através do diálogo e das práticas de respeito abordando
violência, a liberdade de opinião e o respeito mútuo, por a tolerância, é possível trabalhar os conteúdos, evitando
meio de um diálogo pedagógico que dê centralidade ao assim que conflitos que levam a graves problemas
sujeito e sua experiência vivida. envolvendo alunos, a família e a sociedade, de modo geral,
possam ser sanados desde pequenininhos.
c – Elaborar roteiros com sugestões de aulas valorizando
os círculos de diálogo como metodologia para a As temáticas da aula são trabalhadas no círculo de
transposição dos conteúdos curriculares, com dinâmicas diálogo, onde nós exaurimos o tema, com a opinião das
diversas que permitam aos alunos expor suas opiniões, crianças, com a experiência de cada uma delas, [...]. As
refletindo, principalmente sobre a importância da vida, crianças interagem entre si, trazem a sua participação
de seus valores, comportamentos, sentimentos, atitudes e têm uma melhoria de vida, tanto na escola, quanto em
e tomada de decisão. seus relacionamentos familiares. (Profª C. J. – 5º ano).

2 - Quais os resultados você julga ter alcançado com a Toda semana, eu trabalho as práticas restaurativas na sala
utilização das PRs? de aula, e também as conexões e os círculos com contação
de histórias, trazendo valores como respeito, cooperação
A inserção da PR no processo educativo da escola proporcionou e amizade. Tem sido muito gratificante esse trabalho,
uma vivência mais harmoniosa no ambiente escolar, pois porque os alunos têm tido outros comportamentos,
observou-se uma diferença significativa de comportamento antes eles eram agitados [...] agora estão mais calmos.
dos alunos, haja visto que eles se apresentaram mais Não estão acontecendo tantos conflitos na sala, com o
disciplinados, participativos e entusiasmados com os temas respeito, eles estão mais tolerantes uns com os outros.
trabalhados e debatidos nos círculos, uma vez que os É bom saber que em pouco tempo eu já estou colhendo
conceitos, questionamentos e aprendizagens estão sendo frutos desse trabalho tão maravilhoso que são as práticas
vivenciados em situações do seu cotidiano escolar e familiar, restaurativas. (Profª L. L. – 3º ano).
pois o compartilhamento de histórias e experiências constrói
os saberes presentes na escola coletivamente. As práticas restaurativas para mim, têm sido muito boas
mesmo, têm contribuído com o meu trabalho de ensino-

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aprendizagem. Os meus alunos eram muito falantes, eles 5 - A importância do diálogo entre pais e filhos.
não conseguiam escutar uns aos outros. Hoje quando
eu pego o objeto de fala e digo “garantam a fala de seu 6 - Círculo de Diálogo
colega”, eles param de falar [...].
○ Pergunta:
As atividades que eu tenho realizado em sala de aula a. Com qual situação apresentada no vídeo você se
de forma circular têm sido maravilhosas, porque têm identificou?
permitido que eles interajam entre si e vejam um ao outro,
garantam a fala um do outro. Eu estou encantada com as b. O que você pode fazer para melhorar o diálogo com
Práticas Restaurativas. (Profª J.C. – 2º ano). seus filhos e filhas?

3 - Poderia me enviar uma atividade que você aplicou e que 7 - Painel Minha família (comentário de três responsáveis
considera que ajudaria a escola? sobre a mensagem recebida do filho).

OFICINA DE COMUNICAÇÃO NÃO VIOLENTA 8 - Vídeo (depoimento das crianças).


COM OS FILHOS

TEMA: A QUALIDADE DO DIÁLOGO EM FAMÍLIA 9 - Check-out:


Roteiro de Intervenção com os Pais ○ O que você leva desse encontro?

1 - Check-in
○ Como você está se sentindo hoje? E qual a sua
expectativa para esse encontro?

2 - Vídeo: Quando eu crescer.

4 - Círculo de diálogo – Reflexão sobre o vídeo (5 ou 7 grupos).

○ Pergunta:
Relate uma situação que você vivenciou com seus filhos que
esteja relacionada com a problemática exposta no vídeo.

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Projeto Família 2019


lápis e caneta, para que sejam relacionadas frases (escritas e/
ou através de desenhos) que eles ouvem frequentemente
em família e que julgam agressivas, ofensivas ou que causam
incômodo (tristeza).

1 - Objetivos: ○ Peça a cada dupla para apresentar à classe as frases


relacionadas e/ou desenhadas. Depois que a frase e/ou desenho
○ Descobrir aspectos que impedem a boa comunicação entre tiver sido apresentado, solicite que as duplas encontrem uma
pais e filhos. forma mais cortês de dizer a mesma frase. Caso a criança não
seja alfabetizada, o professor poderá escrever o significado
○ Comunicar seus sentimentos e necessidades de uma forma do desenho apresentado pelo aluno e pedir que ele transcreva
autêntica, assertiva e com maior clareza. para o seu trabalho.

2 - Check-in ○ Cada dupla lê para o grupo a frase e/ou desenho original


e a frase e/ou desenho transformada. Cada dupla comenta
○ Como você está se sentindo hoje? o que descobriu ao fazer as comparações entre as maneiras
diferentes de dizer a mesma coisa, refletindo sobre as
3 - Vídeo: Quando eu crescer. diferenças entre as frases e/ou desenhos originais e as
transformadas e os sentimentos após elas. Caso a criança não
4 - Círculo de diálogo – Reflexão sobre o filme “Matilda”. seja alfabetizada, o professor poderá escrever o significado do
desenho apresentado pelo aluno, e pedir que ele transcreva
Pergunta: para o seu trabalho.
○ Qual foi o maior problema na comunicação dos pais com
a filha que você observou nos vídeos? Como você se sentiu ○ Informe que está mais do que claro que a harmonia familiar
vendo a cena? é muito importante para a saúde física, mental e emocional
de todos os membros. O amor é essencial, mas o diálogo é
○ Você já foi tratado(a) pelos pais da mesma forma que a criança fundamental. O cuidado no falar, a análise e discussão da
do vídeo ? Relate. relação familiar fazem parte do crescimento e da união
da família. Através do diálogo, pais e filhos se conhecem
5 - Dinâmica: Conversando a gente se entende: melhor, conhecem sobretudo suas respectivas opiniões e sua
○ Solicite que os alunos se organizem em duplas, ocupando capacidade de verbalizar sentimentos.
todo o espaço da sala. Entregue a cada dupla uma folha de papel,

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6 - Atividade de Arte/Português ○ Dê um tempo para que os pequenos coloquem seus


○ O que seus pais têm de melhor? (Segue anexo). sentimentos, palavras e desenhos no papel e deixe-os
decorar o seu trabalho como desejarem. Com certeza, serão
O que seus pais têm de melhor? lindos trabalhos!
○ Comece a atividade explicando para as crianças que você
fará uma dinâmica para os pais na reunião. Para ajudar a criar
um “clima”, você pode colocar um fundo musical com músicas
que falem sobre pais e filhos.

○ Entregue para as crianças o impresso com a frase “O que


meus pais têm de melhor”. Comece você mesmo fazendo um
relato sobre o que admira e aprendeu com seus pais. Estimule
os alunos a relatar aos colegas o que admiram nos pais.

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Núcleo de Práticas
Restaurativas ○ Check-in (em formação circular)

○ O que te deixa feliz?

1° MOMENTO
Roteiro: Intervenção em sala de aula
Tema: O Perdão das Ofensas Contação da história “Mariana, Carol e o perdão”.
Disciplinas Relacionada: Português, Ensino Religioso e Arte
Mariana e Carol eram grandes amigas. Um dia, enquanto se
OBJETIVOS: divertiam dançando na sala, Carol pisou numa boneca de
Mariana sem querer, quebrando-a.
○ Sensibilizar sobre a fundamental importância de cuidarmos
de nosso coração, mantendo-o limpo de mágoas e rancores. Ela pediu desculpa para amiga, mas Mariana não quis saber,
gritou com sua melhor amiga e não a perdoou. A partir desse
○ Levar as crianças a compreender que perdoar consiste no dia, Mariana não quis conversar mais com Carol, e isso deixou a
esquecimento total das ofensas recebidas. Devemos perdoar amiga muito triste.
sempre, pois estamos sujeitos ao erro e necessitaremos do
perdão alheio. Desde esse dia, Mariana passou a carregar um sentimento
muito ruim em seu coração.
○ Reconhecer o perdão como um fundamento dos ensinos
de Jesus, indispensável para nossa paz interior e nossa (Interferência).
evolução moral.
2° MOMENTO

ROTEIRO DA AULA: Pergunta:


Na sua opinião, qual é esse sentimento?
○ Oração do Pai Nosso. O professor pode dar dicas, caso necessário. Explicar o que é mágoa.

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3° MOMENTO: escreva ou desenhe uma situação ou algo 5° MOMENTO


que alguém lhe fez ou disse que resultou em mágoa,
ressentimento etc. ○ Foi difícil cumprir a tarefa? Por quê?

4° MOMENTO ○ Será que uma mágoa, uma ofensa atrapalha a vida de quem
carrega? Por quê?
Distribuir bolinhas de cor escura feitas de papel para cada
aluno(a). Explanação do professor.

Pedir para imaginarem que nas mãos está uma mágoa que não Assim é a mágoa no coração, ela é como a bola de papel: impede
conseguiram perdoar, está grudada e não podem soltá-la. e atrapalha quem a carrega de fazer uma porção de coisas boas.

Colar com fita adesiva as mãos do(a) aluno(a) para ficar seguro, Perdoar é esquecer as ofensas e não ficar lembrando, não ficar
uma bola em cada mão. contando o que aconteceu para todas as pessoas que encontrar.

Será que uma mágoa ou uma ofensa atrapalha a vida de quem Não desejar o mal.
a carrega?
Desejar se entender com a pessoa. Perdoar com o coração.
Com as mãos grudadas, orientá-los a fazer as seguintes tarefas:
6° MOMENTO
1. Bater palmas;
Convidar os alunos a jogar a mágoa fora desatando as mãos, e
2. Abraçar; repetir a atividade anterior de bater as mãos e abraçar com as
mãos livres.
3. Pentear os cabelos;

4. Limpar os ouvidos;

5. Abotoar um botão, amarrar os sapatos etc.

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7° MOMENTO Figura 9 – Atividade

Final da história.

Mariana andou muito triste e deprimida com tudo o que


aconteceu. As pessoas que a amavam aconselharam a
necessidade de compreender mais os outros.

Até que um dia, sofrendo com a ausência de sua amiga, Mariana


pensou muito nos momentos felizes, nas brincadeiras alegres.

As recordações dos momentos felizes fizeram perceber que


errou, então, ela chamou Carol para uma brincadeira e pediu
desculpas por sua atitude.

Mariana aprendeu que, para ser feliz, precisava tratar as pessoas


com respeito. Depois disso, elas foram amigas da infância até a
velhice. CUIDARAM uma da outra como uma joia preciosa.

8° MOMENTO

O aluno substituirá o desenho ou a frase que escreveu na


atividade anterior por sentimentos que ganhamos quando
perdoamos.

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Quadro 2

PLANO DE AÇÃO DE APLICAÇÃO DE PRÁTICAS


RESTAURATIVAS – FEVEREIRO DE 2018
Quem mais
Responsável Resultado
O quê? Como? Para quem? Quando? precisa se
pelo quê? esperado
envolver?

Sensibilizar Através de Secretária, 5/2/2018 Funcionário do S. M. Equipe gestora


professores e um minicurso Gestora e 30 a 7/2/2018 administrativo, de L. L. e professores
gestores sobre sobre práticas professores. apoio e pais. S. L. motivados para
a importância restaurativas. implantar um
das práticas núcleo de práticas
restaurativas na restaurativas na
escola. escola.

Trabalhar os Através de um Professores e 26/2/2018 Funcionário do S. M. Elaboração e


valores da planejamento alunos. a 2/3/2018 administrativo, de L. L. execução de
pedagogia que priorize a apoio e pais. S. L. planos de aulas
restaurativa e a aprendizagem Professor de sala e que contemplem
metodologia de socioemocional do das salas ambiente. as práticas
círculos na sala aluno, valorizando restaurativas.
desde a primeira valores, como:
semana de aula. respeito,
empatia e
responsabilidade.

Acompanhar e Por meio de Professores e 26/2/2018 Pais. N. L.


avaliar a aplicação conversas diárias alunos. a 3/3/2018 S. M.
dos planejamentos com professores L. L.
em sala de aula. e alunos e S. L.
encontros
pedagógicos
semanais.

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