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A Crítica de Arte após o Fim da Arte

In: DANTO, A. Unnatural Wonders. Essays from de gap between art and life. Farrar, Straus, Giroux: New
York, 2005, pp 3-18. Trad. Cláudio Miklos.

Em meados de 1984 eu publiquei um ensaio intitulado “O Fim da Arte.” Em outubro


do mesmo ano, iniciei uma carreira de crítico de arte, publicando meu primeiro artigo no The
Nation. Tem-se considerado em certos momentos que, se o fim da arte realmente aconteceu,
não haveria mais nenhuma crítica de arte a ser feita, e assim minha nova atividade era de
certo modo inconsistente com a tese de meu ensaio. Mas jamais foi parte de minha tese
considerar que a arte iria cessar de ser feita – eu não declarei a morte da arte! Antes, “O Fim
da Arte” lida com o modo como a história da arte tem sido concebida, com uma seqüência de
fases em uma narrativa em expansão. Sinto que esta narrativa chegou a um fim, e que em
relação a ela qualquer arte realizada agora deve ser considerada pós-histórica. O único tipo de
crítica que a tese rejeitava era a prática, menos comum atualmente do que em tempos
passados, de celebrar algo como sendo representativo de uma nova fase na história da arte.
Sinto que minha tese era liberacionista – agora que o fim da arte aconteceu, os artistas estão
livres do fardo da história da arte. Eles não estão mais restritos pelo imperativo de conduzir
adiante a narrativa. Nada na arte poderia mais ser invalidado através da crítica de que era
historicamente incorreto. Toda e qualquer coisa era agora
disponível para os artistas. Embora tenha demorado para
que eu então percebesse plenamente, eu tinha me tornado
em certo sentido o primeiro crítico de arte pós-histórico.
Existem evidentemente muitos críticos de arte no período
que agora estamos inseridos. O que era especial em meu
caso veio a ser o fato de que eu fui o único cujos escritos
estavam modulados pela convicção de que estávamos não
apenas em uma nova era da arte, mas em uma nova
espécie de era. Isso significava que eu deveria ser tão
aberto quanto o próprio mundo da arte tinha se tornado.
Se nada estava alijado da condição de ser arte, eu não
“A Transfiguração” , de Raphael
podia rejeitar nada como arte.
Naturalmente, eu não fui o primeiro filósofo a anunciar o fim da arte e depois começar
a escrever crítica de arte. Antes, em suas Lições de Estética, publicadas em Berlim no final de
1828, o grande metafísico alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel, proclamou que a arte “em
sua mais alta vocação, é e permanece para nós como algo do passado.” Mas Hegel, assim
como eu, jamais supôs que a prática da crítica de arte estava invalidada pela sua tese. Na

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verdade, no tremendo texto que se seguiu ele revelou-se um dos maiores praticantes da crítica
de arte. Sua crítica da Transfiguração de Raphael – até então considerada uma obra
completamente inválida – é um exercício sem paralelo de análise artística. E as páginas que
ele devota à crítica da pintura holandesa jamais foram, em minha opinião, igualadas. Eu
ficaria profundamente grato, realmente, se descobrisse que qualquer coisa que escrevi na
qualidade de crítico da arte foi capaz de atingir o nível do que Hegel logrou alcançar no
gênero. A diferença é que Hegel não tentou especialmente escrever crítica sobre a arte de seu
próprio tempo – da arte após o fim da arte. De fato, sua filosofia da história da arte realmente
implicava que ele estava vivendo numa era onde, pela primeira vez na história, a abordagem
de crítica da arte era exatamente o que a arte que estava sendo feita exigia. Crítica da arte
como uma prática atual não era muito antiga em 1828, se tomarmos Os Salões de Diderot
como arquétipo. O fato dela realmente ter existido praticamente provou que a teoria de Hegel
do fim da arte foi verdadeira para seu tempo. Seria útil para o esclarecimento sobre a
diferença entre minhas concepções e as de Hegel – assim como entre nosso período e o dele –
se eu usar um pouco de tempo para explicar como seriam as suas idéias.
O que diria Hegel se o futuro atual da história da arte lhe tivesse sido revelado – o
grande impulso de história da arte desde Goya, Ingres e Delacroix, passando por Manet,
Courbet e os Impressionistas, os Pós-Impressionistas e os primeiros Modernistas, até a arte de
nosso tempo? Teria ele considerado que sua declaração sobre o fim da arte foi talvez
precipitada e, para sermos honestos, falsa? Eu penso que ele teria dito que não, que ele não
estava falando sobre produção artística de forma alguma. Antes disso, era uma declaração
sobre nossa relação com a arte, qualquer que fosse o seu futuro. Seu ponto, como afirma
explicitamente, era que a arte “tinha perdido para nós a genuína verdade e vida. E tinha sido
então transferida para nossas idéias em vez de manter sua antiga interação com a realidade e
ocupar sua (prévia) posição privilegiada.” Em resumo, esta é menos uma tese sobre arte do
que sobre nós. Ele continua a escrever: “O que agora surge em nós através dos trabalhos de
arte não é apenas um contentamento imediato mas igualmente nosso julgamento, uma vez
que tornamos objeto de nossa consideração imediata (i) o conteúdo da arte, e (ii) o sentido
representativo do trabalho de arte, e a propriedade ou impropriedade de ambos entre si.” E ele
conclui “A filosofia da arte é portanto uma necessidade muito maior em nossos dias do que
foi em dias quando a arte em sua própria condição de arte oferecia plena satisfação. A arte
nos convida à consideração intelectual, e não com o objetivo de recriar arte, mas com o
propósito de conhecer filosoficamente o que é arte.”
Hegel acreditava, em certo sentido, que nós tínhamos superado a arte. Ela não mais
nos oferecia o que precisávamos:
É certamente o caso em que a arte não mais propicia aquela satisfação das necessidades
espirituais as quais nações e tempos antigos nela buscavam e apenas nela encontravam, uma
satisfação que, ao menos por parte da religião, foi mais intimamente ligada à arte em si. Os

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belos dias da arte Grega, assim como a época dourada do início da Idade Média se foram...
O ponto é que toda nossa cultura espiritual é de um tipo que [o artista] em si mesmo
permanece inserido no mundo de reflexão e suas relações, e não poderia por nenhum ato de
vontade e decisão retirar-se dele.

Enquanto que na antiga Grécia e Europa medieval, Hegel acreditava, a arte satisfazia
as mais altas necessidades espirituais da humanidade, ele agora acredita que tenhamos
evoluído para além disso, e exigimos aquilo que chama de “reflexão,” pela qual pretende
dizer, com efeito, filosofia. Naquelas épocas de ouro a arte tornava viva, através de imagens,
o que os homens e mulheres precisavam saber sobre eles mesmos e o mundo em que
acreditavam viver. Os modernos, Hegel diria, têm que interpretar o que eles entendiam
imediatamente e intuitivamente. Quando Hegel estava formando sua visão da arte, ele podia
vislumbrar de sua porta de casa o grande museu de Karl Friedrich Schinkel (hoje chamado
Altes Museum – o “Velho Museu”) sendo erguido. Ele iria abrigar trabalhos de arte de muitos
períodos históricos, o que em seu tempo poderia ser facilmente compreendido por aqueles
que viviam uma forma de vida na qual sua arte se adequava ao que Hegel acreditava agora
derivar-se unicamente de uma reflexão filosófica. Dentro do museu, temos de aprender o que
a arte significa – o que é seu conteúdo – e por que apresenta este conteúdo daquela maneira.
Somos externos àquela arte, e a confrontamos na condição de críticos de arte ou historiadores
de arte. Ela perdeu o poder de comunicar-se por si mesma. Na verdade, nós não necessitamos
daquela arte. E nem, mais radicalmente, necessitamos de qualquer outra arte. Nós agora nos
movemos em um plano mais alto, mais intelectual, do que aqueles homens e mulheres o
fizeram, quando a arte era suficiente para suas necessidades espirituais. Mesmo que a arte de
seu tempo estivesse florescendo e causasse admiração, Hegel sentia que tínhamos nos
movido para outras coisas, mais superiores porque mais intelectuais.
Esta, eu creio, era a visão de Hegel, a qual eu tentei traduzir em suas próprias
palavras. Sua tese foi: o que quer que a arte venha a fazer por nós agora, não mais podia ser
comparado com o que ela tinha feito por aqueles que vieram antes de nós. “Nem em conteúdo
nem em forma é a arte o mais superior e absoluto meio de trazer à mente o verdadeiro
interesse do espírito.” Antes, Hegel escreve, “Pensamento e reflexão abriram suas asas sobre
as belas artes.” E a razão para que a arte permaneça, vamos dizer, concreta é que ela mostra
“mesmo a mais superior [realidade] sensorialmente.” Ela fica restrita à experiência de um ou
outro objeto – o objeto material no qual a obra de arte está incorporada – enquanto a reflexão
filosófica nos leva ao reino do puro pensamento abstrato, o qual não pode ser reduzido de
forma alguma à experiência sensória. Nós em efeito temos que traduzir o que os sentidos nos
mostram dentro do pensamento através da interpretação. Temos que colocar a arte em
palavras para abarcar o seu significado. Isto foi o que Hegel fez como crítico de arte, e devo
dizer que é o mesmo que eu faço como crítico de arte, igualmente.

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Mas minha visão do fim da arte é radicalmente diferente dele. Eu não acredito, por
exemplo, que nós superamos a arte. Eu creio, em vez disso, que nós superamos certas visões
de experiência artística que tornar-se-iam intelectualmente inadequadas para nossas
necessidades. E que nós superamos do mesmo modo, eu creio, a visão hostil de Hegel da
relação entre arte e filosofia. Ele sentia que a arte está limitada em sua dependência de
objetos materiais, captados através dos sentidos. Seu desprezo pela matéria tinha uma longa
genealogia filosófica, remontando tempos arcaicos. Ele era um filósofo idealista, o que
significa que ele via o universo como profundamente espiritual. Ele percebia que era possível
pensar por meio da matéria, e na verdade sua concepção de arte valida isso. Mas ele
acreditava que tal fato limitava a arte de uma maneira deformada, uma vez que em sua
natureza a arte deve pensar por meio da matéria. Sua filosofia da arte era refém de sua
metafísica.
Eu, ao contrário, acredito que a arte tem sido capaz, ao longo de sua evolução, de nos
levar à essência de sua filosofia. Minha tese sobre o fim da arte realmente não é uma tese
metafísica, mas histórica. Nós não – como costumo dizer – superamos a arte de todo, em
minha opinião. Mas a arte tem certamente superado tudo o que Hegel seria capaz de conceber
como arte em 1820! Na verdade, não tivesse a arte o desenvolvimento interno que culminou
com o tipo de arte o qual vivenciei no início dos anos 60 – e mais exatamente em 1964 –
minha visão do fim da arte jamais teria acontecido. Eu sinto, especificamente em conexão
com aquela arte – principalmente o Pop, Minimalismo e o Conceitualismo – precisamente o
que Hegel frisou: que a filosofia da arte era necessária em um sentido especialmente urgente.
Para ser mais preciso, a filosofia na segunda metade do século vinte foi um grito mais
intenso do que a forte prática que tinha sido nos dias de Hegel. Ela afastou-se muito de
qualquer coisa que pretenda satisfazer as elevadas necessidades do espírito. Uma metafísica
do tipo que Hegel praticava tem sido considerada intelectualmente falsa, e as mais brilhantes
mentes filosóficas de meu tempo têm-se dedicado a superá-la em definitivo. Wittgenstein
escreveu “A maioria das proposições e questões que têm sido escritas sobre assuntos
filosóficos não são falsas, mas sem sentido. Nós não podemos, portanto, responder questões
deste tipo de forma alguma, mas apenas declarar sua inutilidade.” Os principais movimentos
filosóficos do século foram baseados em um radical ceticismo acerca da filosofia em si
mesma, e buscou prover algo que os filósofos poderiam fazer, em vez do que Hegel
acreditava que fosse a “mais elevada vocação” da filosofia. A fenomenologia procurou em
vez disso descrever a estrutura lógica da experiência consciente. O positivismo dedicou-se a
clarificação lógica da linguagem da ciência. “A filosofia resgata a si mesma,” escreveu o
pragmatista John Dewey, “quando cessa de ser instrumento para se lidar com os problemas
dos filósofos e se torna um método, cultivado pelos filósofos, para se lidar com os problemas
do homem.” Nietzche considerava a filosofia simplesmente como uma disfarçada

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autobiografia de seus expoentes, e Derrida desenvolveu seu conceito de desconstrução de
forma a expor os motivos ulteriores e subjacentes aos sistemas filosóficos.
Se existiu algum grupo que procurou lidar com as mais profundas questões do
espírito, não foi o de filósofos profissionais realmente, mas o dos grandes pintores em meus
anos de juventude, os expressionistas abstratos, os quais, nas palavras de um deles, Barnet
Newman, aspiravam encontrar através da pintura o caminho do Absoluto. E quando, em um
encontro lendário entre artistas e filósofos em Woodstock, New York, em 1952, os estetas
presentes ousaram insinuar que eles tinham algo de interessante a dizer aos artistas, Newman
desdenhosamente declarou que a estética estava para a arte como a ornitologia para os
pássaros.
Em particular, a questão da natureza da arte, que por muito tempo preocupou a
filosofia e constituiu um tópico tradicional na estética, não parecia exigir uma resposta.
Durante aquela época havia a visão em filosofia de que definições de arte eram ou inúteis ou
impossíveis. Esta postura também originou-se de Ludwig Wittgenstein, que tinha apresentado
um exemplo quase chocante em sua obra de arte publicada postumamente, Investigações
Filosóficas. Como poderíamos definir os jogos, questiona Wittgenstein. Há algo comum e
peculiar aos grupos de jogos, como os filósofos supunham que os conceitos destes jogos
viessem a requerer? Não apenas diga que deve haver algo, afirmava Wittgenstein – olhe e
veja se há alguma coisa. Ele então listou vários jogos, de uma maneira onde realmente nada
havia de óbvio em comum entre eles. Todavia, ele
continuava a dizer, todos nós sabemos que eles são
jogos. Uma definição que não nos fará mais sábios.
Para aqueles que se sentiam inseguros sobre isso,
Wittgenstein apresentava a idéia daquilo que
denominava “semelhança de família”. Um grupo de
jogos é uma categoria de semelhança de família. Seus
seguidores propuseram que obras de arte constituíam
exatamente este tipo de categoria.
O que me atingiu com uma força de revelação
em 1964 foi que esta visão estava inteiramente errada.
Isto atingiu-me em particular através da exposição
sobre a qual eu frequentemente tenho escrito, em que
Andy Warhol apresentou, na Stable Gallery localizada
na East 74 Street em Manhattan, um grande número de fac-símiles de caixas de produtos, e
entre eles estava em destaque a Brillo Box. O que para mim foi sensacional naquele evento
foi o modo como ele abriu, eu pensei pela primeira vez, um caminho para a reflexão
filosófica sobre a arte. Até então, me parecia, trabalhos de arte deviam possuir um forte
antecedente de identidade. Eles tinham molduras douradas em torno, ou estavam colocados

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em pedestais, e se esperava que fossem admirados como extremamente significativos. Todo
mundo sabia mais ou menos como dizer se algo era um trabalho de arte, os quais poderiam
ser distinguidos de uma maneira muito parecida como as caixas de produtos podem ser
distinguidas, e ninguém poderia confundir os dois. E agora repentinamente havia um trabalho
de arte que não podia ser separado de uma caixa de produto. Mas isso significava que
reconhecer o que é um trabalho de arte era muito mais perceptivamente complexo do que
poderíamos supor. Qual semelhança de família poderia ser mais evidente do que aquela entre
uma caixa Brillo e as outras caixas Brillo? Eles eram completamente iguais! E todavia um era
trabalho de arte e outro apenas um container de transporte. Em um ensaio recente eu escrevi
sobre o movimento Fluxus, onde chamei a atenção para como os jogos tinham se tornado
parte da oeuvre do Fluxus. Não mais peças de xadrez belamente esculpidas, mas os estúpidos
tipos de jogos Made in Japan onde você passa o tempo colocando pequenas bolas de metal
em um grupo de buracos numa impressão barata da figura de um palhaço. Quem teria
escolhido isso como obra de arte? Mas na Coleção Silverman de obras Fluxus em Detroit eles
estão presentes junto com outros itens de lojas de diversão que ostentam a marca da
apreciação Fluxus. De uma vez por todas, me parecia, a definição da arte se fazia urgente. E
de uma vez por todas, tornou-se claro que a grande verdade filosófica que Warhol nos
ofereceu era que você não pode fundamentar nenhuma verdade filosófica em qualquer coisa
visual – ou sensual, no sentido que os filósofos usam este termo – uma vez que a maior parte
das propriedades visuais da Brillo Box são compartilhadas com outras caixas de papelão
Brillo no supermercado, e aquelas que não são compartilhadas – a dele era feita de madeira
compensada – não podem sustentar de forma concebível uma distinção tão momentosa
quanto aquela que imaginamos existir entre arte e realidade.
Mas tal proposição possui a forma de uma clássica questão filosófica. Meu paradigma
para isso é a provocante questão com a qual Descartes abre seu magnífico trabalho,
Meditações. É uma filosofia inexperiente, mas em certo sentido toda filosofia é inexperiente.
O problema é algo que todos conhecem. Descartes está sentado em seu estúdio, usando seu
roupão, próximo de uma lareira em um dia de inverno alemão, escrevendo seus pensamentos
em um pedaço de papel. E de repente lhe ocorre que ele deve estar sonhando tudo isso, que
está realmente despido, aconchegado sob sua manta, sonhando que tudo está acontecendo do
jeito como descreveu. Não há diferença interna entre as duas experiências. A diferença entre
sonho e vigília é significativa. Em meu livro, Connections to the World, eu argumentei que
todo problema filosófico pode ser colocado desta forma. Isto é o que faz da filosofia tão
fascinante e tão difícil, e tão diferente da ciência. Eis porque não se pode tratar as questões
filosóficas do mesmo jeito que tratamos as questões científicas, ao contrário do que os meus
professores, que eram positivistas lógicos, acreditavam que você poderia fazer com tudo que
fosse significativo. Eles achavam que isso significava que as questões filosóficas eram sem
sentido – falsas questões. Entretanto era minha opinião que o problema Brillo Box - Brillo

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Box indica que nós podemos finalmente começar a entender o que a definição de arte deveria
ser. Meu livro de 1980, A Transfiguração do Lugar-Comum, levanta o problema da mesma
maneira difícil com que eu acabo de apresentar, e procura aprimorar dois ou três
componentes do que parecia para mim – e que ainda me parece – pertencer a uma bem
sucedida definição de arte.
Interessantemente, esta definição coincide precisamente com o que Hegel afirma ser
sua abordagem para a arte: devemos nos concentrar no “(i) conteúdo da arte, e (ii) o sentido
representativo do trabalho de arte, e a propriedade ou impropriedade de ambos entre si.” A
visão a que cheguei não apenas formulava uma
definição provisória de arte: ela também formulava a
abordagem que eu tinha para chegar a uma crítica de
arte. Um trabalho de arte deve no primeiro momento
ser sobre algo – ter um sentido – e deve de algum
modo incorporar este sentido através do modo como
ele se apresenta à consciência do espectador. Eu criei
um slogan para isso ao dizer que os trabalhos de arte Primitivism and Modern Art, MoMa, 1985

são significados incorporados. Na qualidade de crítico, assim me parece, nós precisamos


questionar qual o significado que uma obra possui, e então como aquela obra incorpora tal
significado, e se, nos termos de Hegel, significado e incorporação são “apropriados ou
impróprios entre si.” Com a arte do passado, é claro, quando obras de arte constituíam parte
da forma de viver que aqueles para os quais as obras eram feitas realmente viviam, não havia
necessidade de se colocar tais questões. Os trabalhos lhes eram endereçados com um
imediatismo que não deixava mais nada a fazer exceto responder da maneira usual. Mas nós
não podemos e não faremos o ato de nos relacionarmos a eles desta forma interiorizada. Os
trabalhos não eram feitos para exibição em museus. Eles não eram direcionados para a
apreciação mas, digamos, para oração e adoração. Não havia espaço, em seu caso, para
assuntos de especialistas. Considere, por exemplo, o furor causado pela exibição Primitivismo
e Arte Moderna no Museu de Arte Moderna em 1985, que justapôs trabalhos modernistas
com figuras da Oceania e África que os tinham inspirado. A questão que foi levantada era se
havia propriedade em apreciar estes últimos, que tinham um papel tão diferente em suas
culturas quanto o cubismo e o fauvismo na Europa e América. A própria idéia de que eles são
“primitivos” é resultado de uma comparação forçada e distorcida. Não há modo de nos
relacionarmos com estes trabalhos da mesma maneira com que suas culturas os definem ou
definiam.
Quando Hegel disse que a arte nos convida à consideração intelectual, mas não com o
propósito de criar mais arte, penso que ele realmente sentia não haver mais nenhuma
maneira de nos relacionarmos com a arte do mesmo modo que se fazia no passado. Ele pode
muito bem ter suposto que a arte poderia continuar a ser feita com outros propósitos: para o

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que em determinado ponto ele descreveu como “indulgência e relaxamento do espírito.” Sob
este prisma, “arte surge como supérflua”, uma luxúria obtusa a qual ele julgou difícil
defender. Esta não é uma visão incomum – pense em como a arte é apresentada no “Arte e
Lazer” – ou “Arte e Entretenimento”, seções de importantes jornais de hoje. Pense no modo
em que ela é largamente considerada como “acessório” quando a sua importância no
currículo é indicada nos orçamentos das universidades. O que Hegel obviamente não poderia
aceitar era que obras de arte pudessem ter na vida moderna o papel central que ele
determinava para a filosofia! Mas este é o papel, como eu vejo, que a arte tem cada vez mais
se imposto, ao levantar questões sobre sua identidade de forma tão intensa quanto eu percebo
que a Brillo Box fez, demandando um tipo de engajamento intelectual com si mesma. De fato,
eu sinto que a arte tem sustentado a responsabilidade pela filosofia da arte muito além do que
os filósofos da arte tem sido capazes. É como se os artistas tivessem que ser os seus próprios
filósofos para que sejam levados a sério.
Eu em certos momentos supostamente disse que a arte chegou a um fim em 1964 com
o surgimento da Brillo Box, e tenho que aceitar certo nível de responsabilidade por esta
caricatura. A verdade é que minhas idéias sobre filosofia da arte iniciaram com esta
experiência quarenta anos atrás. Warhol me despertou, para usar a frase de Kant, do sono
dogmático. Aquele sono era devido, sobretudo, a minha completa ignorância sobre o muito
que tinha acontecido no mundo da arte naquela época. Através do mundo da arte, tantos
exemplos poderiam ser encontrados, durante o início dos anos 60, de coisas que dificilmente
se pareciam com trabalhos de arte, que teria sido difícil distingui-las. Na música, John Cage
estava subvertendo a diferença entre os sons musicais, no sentido restrito, e os ruídos da vida
comum. Muitos dos membros do Fluxus eram estudantes de Cage em seu curso de
Composição Experimental no The New School. O Judson Dance Center estava conduzindo
experimentos nas fronteiras da dança: por qual critério, se há algum, podemos dizer que algo
é um movimento de dança? Não poderia a dança consistir em alguém apenas caminhar
através do palco, ou sentar em uma cadeira por um espaço de tempo? Era uma ambição do
avant-garde novaiorquino “superar o abismo entre arte e vida” e muitos dos seus adeptos
baseavam sua inspiração dos seminários feitos pelo Dr. Suzuki sobre o Zen Budismo na
Universidade Columbia. Eu também ouvi o Dr. Suzuki, e eu sei que quando escrevi meu
primeiro ensaio sobre filosofia da arte, eu apliquei na questão Brillo Box – Brillo Box certas
linhas de pensamento derivadas do Zen. A diferença entre mim e os artistas avant-garde que
eram meus contemporâneos, e em certos sentido meus pares, era que para eles seria suficiente
acabar com as barreiras entre os trabalhos de arte que faziam e os objetos da vida comum.
Isto não era suficiente para mim. Meu problema era sobre o quê fazia destes objetos de arte,
arte, enquanto os objetos que eles tão exatamente se assemelhavam permaneciam como o que
eu chamava de meras coisas reais? Tudo o que eu sabia é que as diferenças, quaisquer que
fossem, não poderiam ser encontradas pelos olhos.

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O melhor que fui capaz de fazer em meu primeiro ensaio em filosofia da arte, cujo
título era “O Mundo da Arte”, foi tentar descrever algumas diferenças não-visuais. Pensei que
para ver a Brillo Box como arte, um indivíduo precisaria ver como a história da arte evoluiu
até um ponto onde, agora, era possível este tipo de trabalho existir. E deveria saber algo sobre
o discurso do mundo da arte, dentro do qual tal possibilidade era viável. Você deveria
conhecer Duchamp, por exemplo. Você deveria conhecer Clement Greenberg. E assim por
diante. Nada disso se aplica às caixas de papelão Brillo. Elas estão situadas na história de
uma forma bem diferente que a Brillo Box estava, contudo muito semelhante à sua aparência.
Imagine que alguém próximo a você morra. Suponha que alguém diga – há uma companhia
que produz duplicatas de qualquer pessoa no mundo. Você pode pedir uma cópia de seu
esposo ou seu filho. Demora apenas algumas semanas, e custa muito menos do que você
possa imaginar. Você compraria um? Você amaria a duplicata tanto quanto amava seu
indiscernível “original”? Este é o mesmo tipo de problema.
Podemos perguntar o que isto tem a ver com o fim da arte, e eu percebo agora quão
completamente filosófico meu modo de pensamento era naquela época enquanto considero
quais eram os meus argumentos. Eu tinha começado a pensar na história da arte como uma
espécie de Bildungsroman, para usar o termo alemão para uma novela na qual o herói ou
heroína atinge uma compreensão do que ele ou ela é. Há um tipo de novela feminista, por
exemplo, na qual uma mulher chega a uma compreensão interna, ou consciência, do
significado de sua identidade tanto como uma pessoa quanto como mulher. O fim da história
é este advento de autoconsciência. O que ocorre após este ponto, o que ela faz à luz de seu
conhecimento, é de sua responsabilidade. Esta idéia é muito hegeliana, o que mostra quão
realmente o meu pensamento está em débito com o dele. Hegel sustenta uma visão onde a
história termina na autoconsciência, naquele estado de coisas no qual aquilo que ele chama
Espírito descobre-se Espírito, sabe, em outras palavras, que antes tinha interpretado
erradamente sua natureza, mas agora atingiu a real compreensão de si mesmo. Seu grande
trabalho, A Fenomenologia do Espírito, é exatamente esta estória, na qual o Espírito passa
por muitas aventuras e desventuras de falso conhecimento até, no fim e em clímax, desbravar
este tipo de autoconsciência, o que significa o fim da história. O Espírito não terá novamente
que passar por tal processo de auto-educação. A narrativa termina embora a história continue
indefinidamente.
Esta era minha visão para a história do Modernismo, a qual eu interpretava como uma
série de esforços de auto-definição, nos quais a cada série sucessiva de movimentos era
reapresentada a questão O Que é Arte? Haviam tantos movimentos, muitos deles
acompanhados por manifestos, onde a arte, por assim dizer, declara “isto é o que a Arte
significa, aquilo era o passado e isso será o futuro, agora que a Arte conhece a si mesma.” À
medida que os anos sessenta passavam, parecia para mim que tais movimentos, assim que
surgiam, eram cada vez mais filosóficos em sua natureza. Uma das exposições que me afetou,

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ainda que menos momentosamente do que a de Warhol, foi uma mostra de grandes e simples
caixas, pintadas em tons e cinzas industriais opacos, pelo artista Minimalista Robert Morris,
na Green Gallery, 57ª Street. Em 1966, uma importante mostra de incomparáveis esculturas
foi feita no Museu Judaico – naquela época o principal espaço para a arte avant-garde – sob o
título Primary Structures. Enquanto o Minimalismo evoluía como um movimento de
autoconsciência, os objetos nos quais ele se constituía deixavam mais e mais de ser
interessantes, visualmente falando, e mais e mais dependentes de textos, filosóficos em
natureza, escritos pelos artistas, os quais frequentemente usavam objetos fabricados em
workshops. Os objetos eram industriais: fileiras de tijolos, áreas de quadrados planos de
metal, lâmpadas fluorescentes, módulos de metal, seções de estruturas pré-fabricadas. A
menos que você lesse os textos, captaria muito pouco da arte, da qual quase todo interesse
visual tinha sido expurgado. Uma pessoa quase poderia considerar que os objetos deveriam
ser completamente dispensados, deixando apenas os textos. Em 1969, o Conceitualismo
emerge como movimento. Ele realmente abre mão dos objetos – ou os objetos se tornaram
cada vez mais vestigiais, à medida que o pensamento se tornava o fulcro da arte. Um exemplo
extremo foi um trabalho sem título de Robert Barry, consistindo de “Todas as coisas que eu
conheço, mas que não estou pensando neste momento – 1:36pm, 15 Junho, 1969.” O trabalho
consistia, entre outras coisas, do Empire State Building, os Alpes e a Ponte de Brookling –
exceto que Barry estivesse pensando nelas – uma vez que elas estavam entre as coisas que ele
claramente conhecia.
De fato, Minimalismo e Conceitualismo eram realmente muito mais filosóficos em
intenção do que a Pop Art jamais foi. A intenção do Pop era mais social do que filosófica –
era inicialmente preocupada em superar a diferença entre arte superior e a arte vernacular ou
popular. Na verdade, Lawrence Alloway, que cunhou o termo Pop Art, estava convencido
que a arte popular – sua música, filmes, literatura e arte – estava em cada detalhe necessitada
de análise tanto quanto a arte superior. Mas todos os três movimentos pertencentes aos
meados dos anos sessenta serviam para expurgar a concepção de arte de vários aspectos que
tinha adquirido ao longo de sua história. A arte não precisava mais ser feita por alguns
indivíduos especialmente talentosos – O Artista – nem ela requeria nenhum conjunto
particular de dons. Ela não precisava mais ser difícil de fazer. E a arte não precisava mais,
como o trabalho sem título de Robert Barry mostra, ser um objeto de natureza especial. Uma
escultura poderia ser um buraco no chão, como em um trabalho de Dennis Oppenheim.
Poderia ser um buraco na parede, como em um trabalho de Lawrence Wiener. Era como se,
começando com o Fluxus, os anos sessenta fosse um período de experimentação filosófica
radical no qual se buscava descobrir o quanto poderia ser subtraído da idéia de arte. Como no
problema Brillo Box - Brillo Box, os artistas estavam fazendo o trabalho filosófico que os
filósofos eram incapazes ou desinteressados em fazer por eles mesmos, de forma que não
seria uma caricatura dizer que a arte, ou ao menos a arte avant-garde, tinha se tornado

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filosofia durante os anos sessenta e na década seguinte. Pelos anos 70 era possível dizer,
como Warhol, que tudo poderia ser um trabalho de arte, embora algo muito semelhante tenha
sido dito pelos Conceitualistas. Era possível dizer, como Beuys dizia, que qualquer um
poderia ser um artista. Isso não significava que tudo era arte, mas que tudo poderia ser arte.
Não era mais necessário questionar se isso ou aquilo poderia ser uma obra de arte, uma vez
que a resposta seria sempre “sim”. E com isso, me parece, não havia mais nenhuma
necessidade desta espécie de experimento. O conceito de arte tinha sido expurgado de tudo o
que fosse não-essencial. Ficou para a filosofia dizer o que tinha sobrado, se a ela importasse
se debruçar sobre o problema. Artistas estavam agora livres para fazer arte de qualquer forma
e sobre qualquer coisa que desejassem.
Esta era a situação no início dos anos 80, quando publiquei O Fim da Arte. Eu
realmente tentei identificar na Transfiguração do Lugar-Comum as poucas e tênues
condições que ainda sobravam do conceito – ou da “definição” – de arte. Elas eram tão fracas
e gerais que poderiam ser compatíveis com
qualquer trabalho de arte de qualquer gênero,
tradicional ou contemporâneo, ocidental ou não-
ocidental. A definição era suficientemente não-
exclusiva para ser compatível com o
reconhecimento de que não havia restrições para
como um trabalho de arte devia parecer, e com a
situação de que não havia meios de saber quando
ou de que forma alguém estava na presença da
arte. Uma vez que tudo poderia ser arte, segundo
me parecia, nós estávamos no que alguém
poderia chamar de situação de fim-de-arte. Era a
primeira vez que a civilização estava em tal
Julian Schnabel - Owl, 1980
situação. Era uma condição de completa
liberdade. Os artistas podiam fazer a arte que desejassem. Aquilo era afinal – para usar uma
expressão filosófica da época – a estrutura profunda do mundo da arte, na qual estávamos
vivendo. A razão pela qual o Fim da Arte não foi imediatamente aceito é que, por um tempo,
a superfície da estrutura parecia diferente de sua parte mais profunda. Isto requer alguns
comentários.
No início dos anos 80, houve um grande ressurgimento da pintura. Houve uma sensação de
contentamento de que a pintura estava de volta, na forma do que foi intitulado Neo-
expressionismo. [Colecionadores, por exemplo, que sentiam ter perdido a chance de adquirir
arte nos anos cinqüenta, quando a New York School estava produzindo obras de arte atrás de
obras de arte, não queriam perder a oportunidade de adquirir um exemplo de nova arte, e
antecipavam sua valorização ao longo dos anos. Ali estavam pinturas com o mesmo estilo

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fortemente pigmentado, grandes e ásperas, e figurativas também! As pinturas se encaixavam
com amplos estúdios e definiam uma nova visão urbana, com o tipo de estúdio que os artistas
tinham adquirido de empresários quando o mundo da arte colonizou o Soho durante os anos
70. As ruas do Soho estavam fervilhando com as inaugurações de personalidades como Julian
Schnabel e David Salle. E o estilo parecia internacional – a exibição inaugural do remodelado
Museu de Arte Moderna em 1984 fez parecer como se o Neo-Expressionismo fosse um
fenômeno mundial. Foi um momento de transformação institucional no mundo da arte, como
dois recentes artigos da Artforum, dedicados aos anos 80, demonstravam. Dinheiro fluía para
a arte,e os artistas começaram a viver como príncipes soberanos, bancando os melhores
restaurantes, cruzando o globo, com estúdios localizados em espaços amplos o bastante para
abrigar uma substancial força de trabalho, na época em que eram fábricas. O rótulo de Neo-
Expressionismo disfarçava profundas diferenças, é claro. O estilo tinha bases políticas na
Alemanha que não se comparavam com New York. Pintores alemães pintavam
deliberadamente mal na esperança de contrariar o mercado, mas apesar de ser péssima, a
“Bad Painting” era colecionada e adorada por sua originalidade. Na América, a idéia de
qualidade era sentida como sendo em qualquer situação como incorreta e de um elitismo
inaceitável. Os líderes teóricos da época, escrevendo principalmente mas não exclusivamente
no jornal October, afirmavam que a pintura estava morta, largamente porque a sociedade a
havia paternalizado – “Capitalismo Tardio” – e era considerada como em seus estertores
finais, a ser substituída por uma nova sociedade socialista, cuja arte seria suficientemente
insípida para ser encaixada na estética maoísta sob a qual nenhum destes escritores poderia
viver sequer por cinco minutos.
Embora eu considerasse que a arte tinha chegado a um fim, eu não acreditava que a
pintura estivesse morta. Eu apenas sentia que a nova cultura mundial de pintura não resultou
de um momento revelador da história da arte, uma vez que tal estrutura histórica a mim
parece ter se esgotado. Estávamos vivendo uma situação de fim-de-arte a qual, eu acabei
percebendo, era profundamente pluralista. É claro que a criação em pintura seria esperada
nestas circunstâncias. Ela estava muito arraigada em nossa idéia de arte para passar em
branco. A pintura se tornou extremamente contestada nos anos 70, principalmente por razões
ideológicas. Na psicologia associativa das políticas radicais, ela se tornou identificada com o
homem branco, colonialista, e todas as coisas ruins. E num esforço em expurgar do discurso
de arte conceitos como "obra de arte", "genialidade", e mesmo a idéia de talento
considerando-os um elitismo inaceitável, a pintura tornou-se por demais alvo de
ressentimentos para ser aceita como o meio fundamental de definição da arte. Mas não havia
razões inerentes ao conceito de arte para que a pintura não pudesse existir, e se os artistas
estavam preparados para encarar a onda de críticas radicais, não havia porquê mantê-los
longe da pintura, e até mesmo encorajá-los a isso – como fizeram certas questões que os
radicais consideravam repugnantes: dinheiro, aquisição, o orgulho da posse, mercado de arte.

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O fato de estas forças terem até mesmo subvertido a Bad Painting na Alemanha é a evidência
de quão grande é seu poder.
Não obstante estas considerações, o Neo-Expressionismo não sobreviveu além da
segunda metade dos anos 80. O que aconteceu em vez disso foi que os artistas começaram a
trabalhar como se a idéia do fim da arte, como eu as havia formulado, começasse a definir
suas consciências sobre fazer arte no mundo contemporâneo. Isto, é claro, não significa que
eu sentia alguma responsabilidade pelo modo como as coisas estavam acontecendo. Meu
texto sobre o Fim da Arte, embora tivesse me conferido certa fama, não foi muito lido. Não
foi um texto muito influente, afinal. O que eu havia feito é o que Hegel dizia fazer de forma
ideal o Filósofo, “Somos todos filhos de nossos tempos”, ele disse, “mas é tarefa dos filósofos
apreender suas épocas assim como elas são”. Eu creio que foi isso que fiz no “Fim da Arte”.
O que eu não esperava era ver o que havia apreendido tornar-se tão palpável no modo como a
arte começou a ser praticada, quando a estrutura profunda que intuí começou a influenciar a
estrutura superficial – não apenas porque eu tinha intuído, mas porque ela tinha finalmente
atingido a consciência geral. Era essa arte, criada nos termos desta consciência, que eu devia
encarar na qualidade de crítico.
Minha prática como crítico tem sido de referir-me à arte após o fim da arte da mesma
maneira que Hegel se referia à arte antes do fim da arte – procurar o significado da arte, e
assim determinar como este significado incorporava-se ao objeto. Da perspectiva desta
prática, escrever sobre Leonardo ou Artemesia Gentileschi não difere de escrever sobre
Gerhard Richter ou Judy Chicago. Toda arte é arte conceitual (com o “c” minúsculo), e
sempre foi. Mesmo nas Eras Douradas que Hegel romantizou, tinha de haver um discurso que
se assemelhava exatamente à crítica de arte como ele a compreendia. Este deveria ser o
discurso dos próprios artistas, que precisavam ser capazes de discutir sobre o quê fazer em
relação ao efeito que eles desejavam que a sua arte tivesse. O que falta na discussão de Hegel
é a concepção de arte feita pelos artistas com certa finitude de visão. O crítico hoje em dia
ocupa uma perspectiva dupla, aquela do artista e a do expectador. O crítico deve resgatar qual
o efeito que a arte tem sobre o expectador – qual o significado que o artista pretende alcançar
– e então como este significado deve ser lido no objeto no qual ele está incorporado. Eu vejo
minha tarefa como moderadora entre o artista e o expectador, ajudando o último a captar os
significados que foram pretendidos. Deve ter havido épocas em que os críticos não
precisavam interpretar a arte para os expectadores, mas a história da arte evoluiu, a crítica é
necessária cada vez mais para explicar ao expectador o quê está sendo visto. Devemos lidar
com a arte atual como Hegel tratava da arte do passado, quando o artista e o expectador
constituíam – ou idealmente constituíam – uma comunidade real.
O que o fim da arte significa, apenas, é que estamos finalmente conscientes desta
verdade.

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