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IOF1224 - Ondas e Marés

Olga Sato∗
Departamento de Oceanografia Física, Química e Geológica
Instituto Oceanográfico - Universidade De São Paulo
São Paulo, SP

28 de junho de 2010

Sumário
1 Introdução: As ondas no oceano 3
1.1 Equações básicas do movimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

2 A Equação da Onda 10
2.1 Parâmetros da onda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

3 Ondas de Gravidade de Superfície 18


3.1 A formulação do problema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
3.2 A solução do problema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
3.3 Variação da pressão devido ao movimento da onda . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
3.4 Órbitas das partículas na coluna d’água . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
3.5 Aproximação de águas profundas e águas rasas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
3.5.1 Aproximação de águas profundas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
3.5.2 Aproximação de águas rasas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
3.6 Dispersão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
3.7 Equação das águas rasas derivadas através da aproximação hidrostática . . . . . . . 32
3.8 Velocidade de grupo e energia da onda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3.9 A energética das ondas senoidais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
3.10 Refração de ondas em águas rasas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
∗ olga.sato@usp.br
4 Ondas Internas 40
4.1 Ondas na interface entre duas camadas de profundidade infinita . . . . . . . . . . . 40
4.2 Ondas na interface entre uma camada finita e uma de profundidade infinita . . . . . 43
4.3 Ondas na interface entre uma camada rasa e uma de profundidade infinita . . . . . 46
4.4 Sumário das ondas internas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
4.5 Fluido continuamente estratificado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
4.5.1 Aproximação de Boussinesq . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
4.5.2 Equações do movimento para um fluido continuamente estratificado . . . . 49
4.5.3 Ondas internas num fluido continuamente estratificado . . . . . . . . . . . 51

5 Ondas Influenciadas pela Rotação 58


5.1 Equações do movimento para aproximação de águas rasas . . . . . . . . . . . . . 59
5.2 Ondas de Poincaré . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
5.2.1 Órbita das partículas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
5.2.2 Movimento inercial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
5.3 Ondas de Kelvin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
5.4 Ondas de Rossby . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

6 Marés 76
6.1 Forças geradoras da maré . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
6.2 Teorias sobre as marés . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
6.2.1 Teoria de maré de equilíbrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
6.2.2 Teorica dinâmica da maré . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
6.3 Equações do movimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
6.4 Análise de Marés . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
6.4.1 Análise de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
6.4.2 Análise Harmônica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
6.4.3 Método dos Mínimos Quadrados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
1 Introdução: As ondas no oceano
A oceanografia dinâmica pode ser definida como a parte da Oceanografia Física que se preocupa
com a descrição e quantificação das respostas do oceano à forçantes externas. Da mesma forma,
também trata das forças internas que agem diretamente sobre o interior do oceano ou daquelas que
surgem devido à ação das forçantes externas. Em teoria, as forças que agem sobre um elemento
de volume podem ser classificadas como de linha, de superfície ou de corpo. Aplicando–se a
teoria sobre a superfície dos oceanos, as forçantes são basicamente meteorológicas que podem ser
classificadas em sua origem como provenientes do:

• Gradiente de pressão atmosférica;


• Tensão de cisalhamento do vento;
• Forças de empuxo devido à variação de densidade das camadas superiores causadas por
radiação, evaporação ou precipitação.

No fundo do oceano e nas margens continentais, a ocorrência localizada de perturbações sísmicas


intermitentes forçam estas regiões do oceano. Todo o fundo do oceano está sujeito à oscilações
de pequena escala e de baixa frequência devido à maré da terra sólida. De uma maneira geral, o
interior do oceano sofre a ação das forças de corpo devido à:

• Gravidade;
• Rotação;
• Maré;
• Forças não conservativas como a fricção turbulenta.

Por sua própria natureza, a ação da maioria dessas forças é dependente do tempo. Desta forma,
a resposta do oceano será também em função do tempo. Além disso, como estas forças cobrem
uma larga gama de frequências, as respostas do oceano também serão numa larga variedade de
frequências. O espectro das frequências se estendem desde movimentos ondulatórios associados
à ondas capilares com períodos menores que 1 segundo, até ondas planetárias de baixa frequência
com períodos chegando até alguns anos.
A onda é a forma mais básica de todos os fenômenos físicos. Uma definição de ondas que seja
simples porém genérica o suficiente para ser considerada útil pode ser a seguinte: A onda é um
sinal que se propaga, tipicamente se movendo numa taxa distinta ao do movimento do meio,
(Pedlosky 2003). As ondas são o meio pelo qual uma informação é transmitida entre dois pontos
no tempo e no espaço, sem que ocorra a movimentação do meio entre esses dois pontos. A energia
e a fase da perturbação se propagam durante o movimento da onda, mas o deslocamento da matéria
é geralmente pequeno. Por motivo de simplificação, as ondas serão estudadas idealizando–se os
oceanos como um sistema linear e sem dissipação de energia mecânica.

3
A propagação de uma perturbação a partir de um estado de equilíbio pode ser adequadamente
representada pelo modelo linear se a velocidade da partícula devido à onda é muito menor que
a velocidade de fase da onda. Se considerarmos que:

• u = a velocidade característica do elemento de fluido na onda, e

• c = a velocidade do sinal da onda (velocidade de fase),

temos então que:


u
 1.
c
Este critério implica que a amplitude da onda é pequena comparada com o comprimento de
onda. Isto engloba quase todos os fenômenos ondulatórios encontrados no oceano. A consideração
de um sistema não dissipativo implica que as ondas não são amortecidas quando a duração da onda
é muito maior que seu período. A maior parte das ondas no oceano são suficientemente longas de
forma que suas propriedades possam ser descritas pela teoria não–dissipativa. Uma das grandes
vantagens em se adotar um modelo de onda linear é que a maioria dos modos da onda podem ser
desacoplados e classificados e estudados independentemente.
No oceano real, as ondas interagem entre si, com o fluxo médio e com sua estrutura estrati-
ficada. As ondas crescem devido à ação das forças externas ou através de processos internos de
instabilidade, e elas decaem por causa do atrito turbulento ou molecular e difusão.
Existem cinco tipos de ondas oceânicas:

1. Sonoras: A pequena compressibilidade da água permite a propagação de ondas sonoras;


2. Capilares: Em qualquer superfície de contato entre dois fluidos diferentes, como a água e o
ar, a tensão superficial age como uma força restauradora e origina ondas capilares de curto
comprimento de onda e alta frequência;
3. Gravidade: Ondas geradas devido à ação restauradora da gravidade sobre as partículas de
água que são deslocadas de volta à sua posição de equilíbrio. Neste caso, temos a superfície
livre do oceano ou a superfície geopotencial interna dentro do fluido estratificado;
4. Inercial: A rotação da terra introduz a força de Coriolis que age no sentido perpendicular ao
vetor velocidade, dando origem à ondas inerciais ou giroscópicas;
5. Planetárias: A variação na vorticidade potencial de equilíbrio devido à mudanças na profun-
didade ou latitude geram oscilações lentas e de larga–escala conhecidas como ondas plane-
tárias ou de Rossby.

Esses cinco tipos de ondas geralmente ocorrem simultaneamente com as cinco forças restau-
radoras agindo também ao mesmo tempo, gerando outros tipos mais complexos de oscilações.
A importância relativa de cada força restauradora especificamente depende das propriedades do
meio, da geometria local e da frequência e comprimento de ondas das oscilações. Todos esses

4
tipos de ondas não são apenas produtos de combinações matemáticas teóricas, uma vez que elas
são comprovadamente existentes nos oceanos conforme mostram os dados observados em muitos
trabalhos encontrados na literatura.
As ondas mais conhecidas pelo público em geral e as mais extensivamente estudadas são as
ondas de gravidade curtas geradas pelo vento. Essas ondas são aquelas relacionadas com enjoo em
navio, erosão das praias e pela escavação natural dos rochedos formando maravilhosas paisagens
ao longo das costas. Existem outras ondas que, embora não sejam tão evidentes quanto essas, têm
um importante papel na dinâmica oceânica. Vamos descrevê-las.

Figura 1: Ilustração esquemática do espectro de energia da variabilidade oceânica, mostrando os diferentes


tipos de ondas que ocorrem no oceano. Fonte: LeBlond e Mysak (1978).

As ondas de superfície são aquelas que se propagam como oscilações na superfície livre do
oceano. Elas ocupam uma faixa bem larga de comprimentos de onda e frequências, conforme pode
ser observado na Figura 1. Nesta figura, da direita para esquerda, ou seja, de períodos mais curtos
para mais longos temos primeiramente as ondas capilares que são dominadas pelo efeito da tensão
superficial. Em seguida, temos uma faixa dominda pelas ondas de gravidade, primeiramente
aquelas geradas pela ação do vento, as ondas curtas com períodos de 1s e depois os marulhos
(swell) que são ondulações com períodos de 10s e geralmente são provenientes de regiões distantes.
As próximas são as ondas longas de gravidade que surgem em resposta à forçantes meteorológicas
e por terremotos. As marés são um outro tipo de onda forçada pela gravidade. Para períodos muito

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longos, a ação da gravidade perde em importância relativa para o efeito diferencial da rotação da
Terra e as ondas de superfície se tornam ondas planetárias que se manifestam como sistemas de
correntes de larga–escala que ondulam muito lentamente.
Embora não estejam representadas na Figura 1, o interior do oceano também apresenta oscila-
ções como as que observamos na superfície do oceano. Observações no campo de temperatura e
salinidade de trabalhos encontrados na literatura indicam a atividade de ondas internas no oceano.

1.1 Equações básicas do movimento


Estudos sobre a dinâmica do oceano geralmente são baseados em descrições matemáticas inde-
pendentes do tempo de movimentos de uma camada fina de líquido estratificado (com variação de
densidade) sobre a superfície da Terra em rotação. Estes movimentos são governados pelas leis de
conservação de massa e momento, uma equação do estado e leis da termodinâmica. A descrição
preferencialmente utilizada é a Euleriana em que a velocidade ~u, pressão p, densidade ρ, tempera-
tura T e salinidade S são tratados em função do vetor posição ~r, medido no sentido para fora em
relação ao centro da Terra, e tempo t. As posições são referenciadas num sistema de coordenadas
cartesianas em rotação uniforme com a Terra com velocidade angular ~Ω, cuja magnitude é dada
por:
Ω = |~Ω| = 7, 29 · 10−5 rad/s.

A velocidade ~u neste sistema de referencial em rotação está relacionada com a velocidade


inercial (não girante) u~in pela equação:

u~in = ~u + ~Ω ×~r.

Se R denota o raio médio da Terra, medido a partir do centro até a superfície livre do oceano
sem perturbação, e z denota a distância vertical do oceano parado, no sentido para cima, então:

r = |~r| = R + z. (1.1)

A posição da superfície do oceano sem perturbação é dada pela equação z = 0.


A conservação de massa é expressa por:

∂ρ ~
+ ∇ · (ρ~u) = 0, (1.2)
∂t
ou

+ ρ~∇ ·~u = 0, (1.3)
Dt
onde
D ∂
= +~u · ~∇
Dt ∂t
denota a derivada seguindo o movimento.

6
A conservação do momento é expressa por:

D~u
ρ + ρ 2 ~Ω ×~u = ρ[~g − ~Ω × (~Ω ×~r)] − ~∇p + ~F, (1.4)
Dt
onde:

• ~g = −gẑ é a aceleração da gravidade (g = 9, 81m · s−2 ) e ẑ é o versor na direção vertical;


• ~F representa a soma de todas as outras forças por unidade de volume que agem sobre o
fluido, incluindo as forças de maré, bem como as moleculares e as forças de fricção.

A magnitude da razão entre o termo da aceleração centrífuga, ρ~Ω × (~Ω ×~r) e a aceleração
da gravidade, ρ~g, é menor que 3 · 10−3 para todo o oceano e portanto o termo ρ~Ω × (~Ω ×~r)
será desprezado, e os efeitos da rotação no oceano se manisfestarão somente através do termo
de Coriolis, ρ2~Ω ×~u.
O termo D~u/Dt é definido como:

D~u ∂~u
= +~u · ~∇~u. (1.5)
Dt ∂t

Vale lembrar que o termo ~u · ~∇~u só é válido quando se utiliza o sistema de coordenadas cartesianas.
A forma vetorial que independe das coordenadas, e portanto válido para qualquer sistema é dado
por:
1
~u · ~∇~u = (~∇ ×~u) ×~u + ~∇(~u ·~u). (1.6)
2
A densidade da água do mar é dada pela equação de estado que tem a seguinte forma:

ρ = ρ(p, T, S). (1.7)

Esta relação é não–linear em p, T e S e não tem uma forma analítica simples. A forma da equação
é estabelecida através de ajuste de polinômios para uma faixa restrita de valores de T e S.
Para fechar o sistema de equações (1.3), (1.4) e (1.7) para as sete incógnitas do problema:
~u, p, ρ, T, S (onde ~u tem três componentes), é necessário ainda mais duas equações, as de T e S.
A conservação da energia interna é dada por:
D
(ρcv T ) = ~∇ · (kT ~∇T ) + QT , (1.8)
Dt
onde cv representa o calor específico a volume constante, kT é a condutividade térmica e QT repre-
senta todas as fontes e sorvedouros de calor do sistema. Em particular, QT inclui o aquecimento
devido à compressão e resfriamento devido à expansão do elemento de volume, o calor produzido
mecanicamente devido ao cisalhamento entre as camadas do oceano e todas as fontes de calor na
superfície como o aquecimento solar, resfriamento por evaporação, fluxo de calor sensível para a
atmosfera e a radiação de ondas longas para o espaço.

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A conservação de sal pode ser expressa por uma equação análoga:
DS ~
= ∇ · (KS~∇S) + QS , (1.9)
Dt
onde KS denota o coefficiente de difusão molecular do sal e QS inclui todas as fontes e sorvedouros
de sal como por exemplo o derretimento e formação de gelo, precipitação e evaporação.
As ondas que podem se propagar no interior do oceano podem ser classificadas em duas ca-
tegorias: as ondas de alta frequência que surgem devido à pequena compressibilidade da água do
mar, e aquelas de mais baixa frequência, entre elas as ondas internas, inerciais e planetárias.
A propagação das ondas sonoras no oceano é governada por uma equação linear de onda com
velocidade de fase de c ≈ 1, 5 · 103 m/s. As ondas acústicas geralmente ocupam uma banda de
frequências entre 1 Hz e 100 kHz. Portanto, o período das ondas acústicas fica na faixa entre T =
1 a 10−5 s, e o comprimento de onda entre alguns quilômetros até 1 cm. Por outro lado, as ondas in-
ternas, inerciais e planetárias podem ter períodos variando desde minutos à meses, correspondendo
a comprimentos de onda variando desde dezenas de metros a centenas de quilômetros.
As curvas de dispersão, que são curvas que relacionam a distribuição das ondas no plano
período–comprimento de onda (veremos isso mais tarde), mostram que as ondas acústicas estão
muito separadas das outras ondas. Desta forma, somente uma interação muito pequena pode ser
esperada entre estas categorias de ondas.
Podemos então filtrar as ondas acústicas das equações que governam o movimento assumindo–
se um modelo de oceano incompressível. Assumiremos ainda que o oceano é um sistema não
difusivo, i.e., KT = 0 = KS , onde KT = kT /ρcv é a difusividade térmica. De acordo com essas
suposições, não há compressão nem difusão, e consequentemente a densidade não pode mudar ao
longo de seu caminho:

= 0. (1.10)
Dt
Isso faz com que a equação da continuidade se reduza à:

~∇ ·~u = 0. (1.11)

Em suma, para um fluido incompressível e não–difusivo, a equação de conservação do mo-


mento (1.4), juntamente com as equações (1.10) e (1.11), originam um conjunto fechado de equa-
ções para ~u, p e ρ. Por outro lado, para se estudar os efeitos da difusão num oceano incompressível,
as equações (1.4), (1.7)– (1.9) e (1.11) podem ser utilizadas para determinar ~u, p, ρ, T e S.
Focaremos nossa atenção nas equações (1.4), (1.10) e (1.11). A maior parte das ondas es-
tudadas aqui serão as ondas livres que obedecem as equações de momento não forçadas e não–
dissipativas. A equação que inclui essas suposições são conhecidas como a equação de Euler para
um fluido em rotação:
D~u
ρ + ρ2~Ω ×~u + ~∇p − ρ~g = 0. (1.12)
Dt

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As equações (1.10)–(1.12) representam as equações parcias diferenciais do sistema homogêneo
e não–linear com dependência no tempo. Estas equações descrevem a taxa de variação de ~u, p e ρ
em termos de suas derivadas espaciais.
Devido à dependência temporal das equações e às dimensões finitas do oceano, temos que
resolver esse problema não–linear com uma condição inicial. Nesse tipo de problema, a condição
inicial (t=0) para ~u, p e ρ deve ser conhecida para um contorno rígido, e a componente normal da
velocidade deve ser nula:
~u ·~n = 0,

onde ~n é o vetor normal ao contorno.


Na superfície do oceano sem perturbação, z = η(x, y,t), deve haver continuidade nas forças
e deslocamentos. Na ausência de viscosidade molecular e turbulenta e tensão superficial, essas
condições se expressam como:
poceano = patmos → z = η, (1.13)

e
D
(z − η) = 0 → z = η. (1.14)
Dt
Como Dz/Dt = w, esta segunda condição pode ser escrita como:

w= → z = η, (1.15)
Dt
onde w é a componente vertical da velocidade.

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2 A Equação da Onda
Na seção anterior assumimos que as ondas estudadas no oceano são idealizadas para um sistema
linear. O uso da teoria linear, para ondas de qualquer tipo, significa que consideramos as per-
turbações causadas pelas ondas pequenas, cujo produto pode ser desprezado nas equações
do movimento do fluido. Como visto nos cursos de Oceanografia Dinâmica, o produto dessas
pequenas quantidades ocorre por exemplo no termo de aceleração do elemento de fluido:
∂~u
+~u · ∇~u (2.1)
∂t
onde ~u é o vetor velocidade. Esta expressão por si só representa que o termo inercial é importante,
o que se aplica a praticamente todas os tipos de ondas no fluido. O termo linear ∂~u/∂t representa
a variação local de ~u num ponto fixo, enquanto que o termo não–linear ~u · ∇~u descreve como a
velocidade do elemento de fluido varia por causa da variação de sua posição no espaço. Este termo
é conhecido como a variação advectiva da velocidade e envolve o produto do gradiente espacial de
~u com a componente de ~u. Este termo é desprezado na teoria linear.
Antes de entrarmos no mérito sobre que forçantes físicas geram quais tipos de ondas e que
termos são importantes nas equações que governam o movimento do fluido, vamos examinar algu-
mas feições básicas sobre o movimento ondulatório. Vamos primeiramente entender a equação da
onda.
Muitas equações de ondas não–dispersivas de pequena amplitude, e portanto descritas dentro
da teoria linear, obedecem a seguinte equação:
∂2 η
= c2 ∇2 η, (2.2)
∂t 2
onde η é qualquer tipo de perturbação, por exemplo o deslocamento da superfície livre de um
líquido, variação da densidade num meio compressível, ou a vibração de uma corda ou membrana
e c é uma constante.
Ondas que se propagam somente na direção x podem ser descritas como:
∂2 η 2
2∂ η
= c . (2.3)
∂t 2 ∂x2
A solução mais geral desta equação pode ser escrita usando um método desenvolvido por
D’Alembert. Considere a posição de dois pontos localizados no eixo-x que podem descritas da
seguinte forma:
ξ1 ≡ x − ct ξ2 ≡ x + ct,
então:
ξ1 + ξ2 −ξ1 + ξ2
x= t= .
2 2c
Calculando as derivadas parciais, temos:
∂x 1 ∂x 1 ∂t 1 ∂t 1
= , = , =− , = .
∂ξ1 2 ∂ξ2 2 ∂ξ1 2c ∂ξ2 2c

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Escrevendo em termos de η, temos:
 
∂η ∂η ∂x ∂η ∂t 1 ∂η 1 ∂η
= + = −
∂ξ1 ∂x ∂ξ1 ∂t ∂ξ1 2 ∂x c ∂t
e  
∂η ∂η ∂x ∂η ∂t 1 ∂η 1 ∂η
= + = + .
∂ξ2 ∂x ∂ξ2 ∂t ∂ξ2 2 ∂x c ∂t

Resolvendo simultaneamente em ∂η/∂x e ∂η/∂t temos:

∂η ∂η ∂η
= + ,
∂x ∂ξ1 ∂ξ2
e  
∂η ∂η ∂η
=c − + .
∂t ∂ξ1 ∂ξ2

Derivando novamente, desta vez em relação à ξ1 e ξ2 , e repetindo o processo, teremos:

∂2 η ∂2 η ∂2 η ∂2 η
= + 2 + (2.4)
∂x2 ∂ξ21 ∂ξ1 ∂ξ2 ∂ξ22
∂2 η 2 ∂2 η ∂2 η
 
2 ∂ η
= c −2 + (2.5)
∂t 2 ∂ξ21 ∂ξ1 ∂ξ2 ∂ξ22

que substituindo na equação (2.3) implica em:

∂2 η
=0 (2.6)
∂ξ1 ∂ξ2

A solução da equação (2.6) pode ser obtida a partir de argumentos baseados em uma inspeção
cuidadosa desta equação. Qualquer função de ξ1 e ξ2 cuja derivada cruzada é zero, na diferenciação
parcial de ξ1 , deve gerar uma função de ξ1 somente, de forma que na diferenciaça parcial em
relação à ξ2 , seja zero. O mesmo argumento é válido se começarmos com ξ2 .
A função mais genérica que obedece ao argumento anterior é:

η(ξ1 , ξ2 ) = f (ξ1 ) + g(ξ2 ) (2.7)

ou retomando as variáveis originais:

η(x,t) = f (x − ct) + g(x + ct). (2.8)

Esta é a solução geral da equação de onda (2.3) que combina duas soluções. Vamos examinar a
primeira parte:
η = f (x − ct), (2.9)

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onde f é uma função arbitrária representando um onda plana que se propaga na direção x. Esta
onda é longitudinal pois o seu campo de velocidade ~u = (u, v, w):

u = f 0 (x − ct), v = w = 0, (2.10)

é paralelo à direção de propagação.


A função f (x − ct) representa uma onda se propagando na direção positiva de x com velocidade
c. Para entender, vamos primeiramente analisar no tempo inicial, t = 0, onde f (x − ct) se torna
f (x). Num tempo t mais tarde, a distância x percorrida pela onda precisa ser maior para que o valor
do argumento (x − ct) seja mantida pois a forma da função f (x − ct) deve ser a mesma, Figura 2.
Ou seja, a forma de f (x − ct) é a mesma que f (x), porém deslocada de uma distância ct ao longo
do eixo-x. Desta forma, a velocidade de propagação de uma onda da forma f (x − ct) ao longo do
eixo positivo de x é c. Como ela se move, é chamada de onda progressiva.

Figura 2: Ilustração esquemática do deslocamente de uma perturbação em dois tempos distintos. Fonte:
Kundu (2002).

Como mostrada anteriormente, a equação (2.9) não é a única solução da equação de onda (2.3)
que depende de duas variáveis, x e t. A outra solução é:

η = g(x + ct), (2.11)

que representa uma onda plana que se propaga na direção negativa de x. O seu campo de velocidade
satisfaz à:
u = g0 (x + ct), v = w = 0. (2.12)

A solução geral da equação da onda (2.3) é dada pela soma das equações (2.9) e (2.11):

η = f (x − ct) + g(x + ct), (2.13)

A equação (2.13) é conhecida como a solução de d’Alembert, que teoriza que qualquer função da
combinação (x ± ct) é também solução da equação de onda. Isso pode ser verificado a partir da
substituição da equação (2.13) na equação (2.3).

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Que informações são fornecidas pela solução da equação da onda (2.13)? Primeiramente, que
c deve ter uma dimensão. Qual? Se x tem unidades de comprimento (L) e t de tempo, T , para que
o argumento (x ± ct) faça sentido, c deve ter unidades de velocidade, LT −1 .
f e g podem ser qualquer tipo de função, mas como equação (2.13) deve ser solução de equa-
ção (2.3), ela deve ser duas vezes diferenciável em relação à x e t.

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2.1 Parâmetros da onda
Nesta parte do capítulo sobre a equação de onda, vamos discutir sobre alguns de seus conceitos e
definições matemáticas. Uma boa representação das ondas na superfície do oceano pode ser uma
função senoidal simples, conforme ilustrado na Figura 3.

Figura 3: Definição dos termos de uma onda senoidal.

Apresentamos aqui algumas definições importantes para o tratamento de uma onda senoidal:

• Altura da onda (η): distância vertical da onda entre a crista e o cavado;


• Amplitude (a): Na física, a metade da altura (η) é definida como a amplitude. Esta distância
representa o deslocamento máximo do movimento oscilatório da superfície na vertical, para
cima ou para baixo do nível médio;
• Comprimento de onda (λ):Distância horizontal entre duas cristas, ou dois cavados;
• Período (T ): O tempo decorrido para a passagem de duas cristas, ou dois cavados, através
de um ponto fixo;
• Velocidade (c): A velocidade que uma determinada parte da onda passa por um ponto fixo.
É determinada através da relação c = Tλ . Por curiosidade, o símbolo c vem de celeridade.
Observação: A altura η é independente de c, λ ou T , mas é limitada pela sua quebra que
ocorre quando processos não lineares se tornam mais importantes.

De acordo com um princípio estabelecido por Fourier, qualquer perturbação arbitrária pode ser
decomposta em componentes senoidais de diferentes comprimentos de onda e amplitudes. Por este
motivo, é interessante que estudemos ondas senoidais que tenham a seguinte forma:
 

η = a sin (x − ct) . (2.14)
λ

14
O argumento 2π(x − ct)/λ é a fase da onda. Os pontos da onda que têm os mesmos valores,
têm a fase constante, por exemplo, todos os pontos que caem sobre as cristas da onda. η varia entre
±a, a amplitude da onda. O parâmetro λ é conhecido como comprimento de onda pois o valor de
η em (2.14) é o mesmo para x = ±λ. Ao invés de λ é mais comum utilizarmos o número de onda
definido como:

k≡, (2.15)
λ
que é o número completo de ondas num comprimento 2π. Este parâmetro pode ser pensado como
uma ”frequência espacial” (rad/m). A equação (2.14) pode ser reescrita como:

η = a sin k (x − ct). (2.16)

O período T deve ser o tempo para que uma onda propague um comprimento de onda:
λ
T= . (2.17)
c
O número de oscilações num ponto por unidade de tempo é a frequência, dada por:
1
ν= . (2.18)
T
Claramente c = λν. E portanto:
ω = 2πν = kc (2.19)

é a frequência circular, também conhecida como a ”frequência radiana” pois é a taxa de mudança
de fase (em radianos) por unidade de tempo. A velocidade de propagação da onda está relacionada
com k e ω por:
ω
c= (2.20)
k
que é chamado de velocidade de fase pois é a taxa pela qual a fase da onda (crista ou cavado) se
propaga. Mais tarde veremos que a velocidade de fase da onda não é a velocidade de propagação
de um grupo de ondas.
Em termos de ω e k, a onda da equação (2.14) pode ser reescrita como:

η = a sin (kx − ωt). (2.21)

Até agora consideramos somente ondas que se propagam na direção x. Para uma onda senoidal
tridimensional, podemos generalizar equação (2.21) como:

~ ·~x − ωt),
η = a sin (kx + ly + mz − ωt) = a sin(K (2.22)

~ = (k, l, m) é um vetor conhecido como o vetor número de onda cuja magnitude é dada por
onde K
K 2 = k2 + l 2 + m2 . É fácil de mostrar que o comprimento de onda em equação (2.22) é:

λ= , (2.23)
K
15
Figura 4: Onda se propagando no plano xy. Na parte superior é mostrado como a contribuição das compo-
nentes da velocidade de fase nas duas direções são adicionadas para dar a resultante c, paralela à direção de
propagação da onda.

que está ilustrado na Figure 4 em duas dimensões. A magnitude da velocidade de fase é c = ω/K
~ Podemos então escrever a velocidade de fase como um vetor:
e a direção de propagação é K.
~
ω K
~c = , (2.24)
K K
~
onde K/K ~
representa o vetor unitário na direção K.
Da Figura 4 se torna também claro que a velocidade de fase, ou seja, a velocidade de propaga-
ção das linhas de fase constante, nas três direções cartesianas são:
ω ω ω
cx = , cy = , cz = . (2.25)
k l m
As equações acima mostram que cada uma das componentes da velocidade de fase, cx , cy , e cz é
maior que a resultante c = ω/K. Claramente, as componentes do vetor velocidade de fase ~c não
obedecem a regra da adição de vetores. O método para se obter ~c das componentes cx e cy é mos-
trado no topo da Figura 4. Esta peculiaridade na regra da adição da velocidade de fase se reflete
no fato que as linhas de fase parecem se propagar mais rapidamente nas direções x e y e não na
direção de propagação da onda. Observe que se a linha das cristas deve se propagar constante-
mente, a distância percorrida ao longo do eixo x e y é maior para um mesmo tempo, portanto a
velocidade de fase deve ser maior nas componentes do que em relação à direção de propagação da
onda. Veremos mais tarde que as componentes da velocidade de grupo ~cg , diferentemente do que
acontece com a velocidade de fase, obedecem à regra da adição de vetores.

16
Até o momento, assumimos a existência das ondas por si só, sem a presença de um fluxo
~ então a velocidade de fase
médio. Se sobrepusermos as ondas sobre um campo de fluxo médio U,
observada será:
~
~co =~c + U. (2.26)
~ e utilizando a equa-
Fazendo o produto escalar da equação acima pelo vetor número de onda K
ção (2.24), teremos:
~ =~c · K
~co · K ~ +U
~ · K.
~

Manipulando–a:
~ · K,
ωo = ω + U ~ (2.27)

onde ωo é a frequência observada num determinado ponto e ω é a frequência intrínseca medida


por um observador se movendo com o fluxo médio. Aqui se torna aparente que a frequência da
~ ·K
onda é modificada por uma quantidade U ~ devido ao fluxo médio. Esta variação é conhecida
como efeito Doppler, uma mudança na frequência da onda por causa do movimento relativo entre
o observador e a fonte da onda. A equação (2.27) fica mais fácil de entender se considerarmos uma
situação em que a frequência intrínseca ω é zero e que o fluxo médio tenha uma peridiocidade na
direção x de comprimento de onda 2π/k. Se este padrão senoidal é traduzido na direção x numa
~ então a frequência observada num ponto fixo será ωo = Uk.
velocidade U,

17
3 Ondas de Gravidade de Superfície
Nesta parte do curso iremos discutir sobre ondas de gravidade que se propagam sobre a superfície
livre de um oceano com profundidade uniforme H. Esta profundidade pode ser grande ou pequena
em relação ao comprimento de onda λ dessas ondas.
Como já vimos discutindo desde o começo do curso, assumimos que a amplitude a da onda é
pequena quando comparada com λ e também comparada com a profundidade da camada de líquido
no oceano. Ou seja, a/λ  1 e a/H  1.

• A condição a/λ  1 implica que a inclinação da superfície do oceano devido à passagem da


onda é pequena;
• A condição a/H  1 implica que a profundidade instantânea causada pela passagem da
onda não é muito diferente comparada com a profundidade sem perturbação do oceano.

Estas condições são muito importantes para que possamos linearizar as equações do problema.
Outras suposições que devemos levar em consideração:

1. A frequência das ondas é maior que a frequência de Coriolis, e portanto as ondas não são
afetadas pela rotação da terra;
2. Efeitos de tensão superficial são desprezíveis (na água este efeito só é importante para com-
primentos de onda menores que 7 cm);
3. Assume–se que a viscosidade do fluido é pequena de forma que os efeitos viscosos estão
confinados em camadas limite e não afetam significantemente a propagação de ondas;
4. O movimento é gerado a partir do repouso, como por exemplo no caso da ação do vento ou
uma pedra caindo na superfície da água.

De acordo com o teorema de circulação de Kelvin, ignorando–se os efeitos de viscosidade,


forças de Coriolis e estratificação, o fluxo resultante é irrotacional, e permanecerá irrotacio-
nal.

3.1 A formulação do problema


Considere o caso em que as ondas se propagam na direção x somente, e que o movimento é bidi-
mensional no plano-xz, Figure 5.

18
Figura 5: Esquema da onda de superfície no oceano de profundidade uniforme.

A coordenada vertical z é medida em relação à superfície livre sem perturbação e aponta para
cima. O deslocamento da superfície livre é η(x,t). Como o movimento é irrotacional, podemos
definir um potencial de velocidade φ como:
∂φ ∂φ
u≡ w≡ . (3.1)
∂x ∂z
Substituindo–os na equação da continuidade (1.11):
∂u ∂w
+ = 0, (3.2)
∂x ∂z
teremos a equação de Laplace:
∂2 φ ∂2 φ
+ = 0. (3.3)
∂x2 ∂z2
A equação de Laplace não tem uma solução oscilatória; é a condição de contorno na superfície,
onde a força restauradora age, que permite a solução com propagação de ondas. Vamos examinar
as condições de contorno.
As condições de contorno devem ser satisfeitas na superfície livre e no fundo do oceano. A
condição no fundo é que a velocidade normal deve ser nula, para que nao haja fluxo atravessando
o fundo do oceano, ou seja:
∂φ
w= = 0 → z = −H. (3.4)
∂z
Na superfície livre, a condição de contorno cinemática diz que uma partícula do fluido nunca
deve deixar a superfície, ou seja:

= wη → z = η, (3.5)
Dt
onde D/Dt = ∂/∂t + u(∂/∂x) e wη é a componente vertical do fluido na superfície. Podemos entao
reescrever essa mesma condição da seguinte forma:

∂η ∂η ∂φ
+u = . (3.6)
∂t ∂x z=η ∂z z=η

19
Para ondas de pequena amplitude, ambas u e η são pequenas. Então, o termo quadrático
u(∂η/∂x) é uma ordem de magnitude menor que os outros termos da equação anterior. Podemos
simplificá–la para:
∂η ∂φ
= . (3.7)
∂t ∂z z=η
Podemos simplificar esta relação ainda mais argumentando que o lado direito da equação pode
ser determinada em z = 0 ao invés da superfície livre, uma vez que a altura da onda é pequena
conforme a suposição inicial do problema. Para obter essa simplificação, expandimos ∂φ/∂z em
série de Taylor.

Relembrando a expansão em série de Taylor, ao expandirmos uma função em f (x) em torno de


x = a, teremos:

0 f 00 (a) 2 f (3) (a) 3 f (n) (a)


f (x) = f (a) + f (a)(x − a) + (x − a) + (x − a) + ... + (x − a)n + ...
2! 3! n!

Fazendo a expansão em série de Taylor em torno de z = 0 para o nosso caso, teremos:

∂2 φ

∂φ ∂φ ∂φ
= + η 2 + ... ' . (3.8)
∂z z=η ∂z z=0 ∂z ∂z z=0

Em primeira ordem, ∂φ/∂z pode ser dado por:

∂η ∂φ
= → z = 0. (3.9)
∂t ∂z
Além da condição cinemática na superfície, existe ainda a condição dinâmica que diz que a
pressão logo abaixo da superfície livre deve ser igual à pressão ambiente, desprezando–se a tensão
superficial. Assumindo que a pressão ambiente é nula, a condição é:

p = 0 → z = η. (3.10)

Como feito anteriormente, esta condição será simplificada para o caso de ondas de pequena
amplitude. Como o movimento é irrotacional, a equação de Bernoulli é válida:

∂φ ρ 2
ρ + (u + w2 ) + p + ρgz = F(t). (3.11)
∂t 2 |{z} |{z}
pressão
| {z }
pressão hi-
|{z}
pressão pressão devido
total drostática
devido à energia ciné-
à onda tica

20
A função F(t) pode ser absorvida em ∂φ/∂t redefinindo–se φ. Desprezando os termos não–lineares
(u2 + w2 ) para ondas de pequena amplitude, a forma linear da equação de Bernoulli se torna:

∂φ p
+ + gz = 0. (3.12)
∂t ρ
Substituindo–a na condição de contorno de superfície (3.10) temos:

∂φ
+ gη = 0 → z = η. (3.13)
∂t
Como anteriormente, para ondas de pequena amplitude, o termo ∂φ/∂t pode ser determinado para
z = 0 ao invés de z = η, dando:
∂φ
= −gη → z = 0. (3.14)
∂t

3.2 A solução do problema


Recapitulando, o problema que temos que resolver se resume na solução da equação de Laplace:

∂2 φ ∂2 φ
+ =0 (3.15)
∂x2 ∂z2
sujeita a seguintes condições de contorno:

∂φ
= 0 → z = −H, (3.16)
∂z
∂φ ∂η
= → z = 0, (3.17)
∂z ∂t
e
∂φ
= −gη → z = 0. (3.18)
∂t

Para resolver este problema, vamos assumir a solução mais simples que é da forma senoidal
com o número de onda k e frequência ω em que:

η = a cos(kx − ωt). (3.19)

Uma motivação para se assumir ondas em formas senoidais é que na prática, pequenas per-
turbações na água tendem a tomar uma forma senoidal logo após a sua formação (a menos que a
camada de água seja muito rasa). Um segundo motivo, e mais conveniente, é que qualquer per-
turbação arbitrária pode ser decomposta em várias componentes senoidais através da análise de
Fourier, e a resposta do sistema para uma pequena perturbação arbitrária é a soma das respostas de
várias componentes senoidais.
Podemos observar que como η na equação (3.19) depende de (kx − ωt), as condições (3.9)
e (3.14) mostram que φ também deve ser função de seno de (kx − ωt). Para resolver esta equação,

21
consideramos uma solução obtida através de separação de variáveis da equação de Laplace, ou
seja:
φ = F(z) sin(kx − ωt), (3.20)

onde F(z) e ω(k) devem ser determinados.


Substituindo a equação (3.20) na equação de Laplace (3.3), temos:

∂2 f
2
− k2 f = 0 (3.21)
∂z
cuja solução geral é:
F(z) = A ekz + B e−kz . (3.22)

A potencial de velocidade é então:

φ = (A ekz + B e−kz )sin (kx − ωt). (3.23)

As constantes A e B são determinadas pelas condições de contorno (3.4) e (3.9). A partir da


condição (3.4) temos que:
B = A e−2kH . (3.24)

Antes de aplicarmos a condição (3.9) na forma linearizada, vamos explorar o que aconteceria
se aplicassemos em z = η. Da equação (3.23) temos:

∂φ
= k(A ekη − B −kη ) sin(kx − ωt), (3.25)
∂z z=η

Aqui podemos ver que ekη ' e−kη ' 1 se kη  1 é válido para pequenas inclinações da super-
fície livre. Isto é o que efetivamente estamos considerando quando aplicamos as condições de
contorno (3.9) e (3.14) para z = 0 ao invés de z = η, que foi justificado anteriormente através da
expansão em série de Taylor.

A aplicação da equação (3.19) e (3.23) na condição de velocidade na superfície (3.9) dá:

k (A − B) = aω. (3.26)

As constantes A e B podem ser determinadas pelas equações (3.24) e (3.26) como:

aω a ω e−2kH
A= B= .
k (1 − e−2kH ) k (1 − e−2kH )

O potencial de velocidade (3.23) pode ser determinada como:

aω cosh k (z + H)
φ= sin (kx − ωt), (3.27)
k sinh kH

22
e portanto as componentes da velocidade são:

cosh k (z + H)
u = aω cos (kx − ωt),
sinh kH
sinh k (z + H)
w = aω sin (kx − ωt), (3.28)
sinh kH
A equação de Laplace foi resolvida utilizando–se somente a condição cinemática. Este é um
procedimento típico para fluxos irrotacionais. A substituição das equaçãoes (3.19) e (3.27) na
condição (3.14) teremos:
p
ω = gk tanh kH. (3.29)

A velocidade de fase c = ω/k está relacionada com o tamanho da onda pela relação:
r r
g gλ 2πH
c = tanh kH = tanh (3.30)
k 2π λ
Esta relação mostra que a velocidade de propagação de uma componente da onda depende do
seu número de onda. As ondas cuja velocidade c é função do número de onda k são chamadas de
dispersivas pois as ondas com diferentes comprimentos se propagam com velocidades diferentes
e portanto se dispersam ou se separam. Isto significa que ondas de diferentes comprimentos de
onda, geradas na mesma região, irão se propagar com velocidades diferentes e se dispersar. O
termo dispersão é proveniente da óptica que significa que a luz pode ser separada em diferentes
cores pois a velocidade da luz num meio depende do comprimento de onda. A relação expressa
em (3.29), onde ω é função de k é conhecida como a relação de dispersão pois expressa a natureza
do processo dispersivo.
O efeito da dispersão no oceano pode ser observado quando ocorre uma tempestade em algum
local distante. Como as ondas mais longas (com k pequeno) se propagam mais rapidamente, estas
são as primeiras a chegar e podem até preceder as ondas de comprimento menor geradas pela
mesma tempestade em até 1 a 2 dias. O fato de que ondas de diferentes comprimentos se separam e
chegam em tempos diferentes explica por que os marulhos (“swell”) são tão regulares comparados
com as ondas produzidas localmente pelo vento.

3.3 Variação da pressão devido ao movimento da onda


É possível medir os parâmetros de uma onda através de sensores de pressão colocados no fundo
do oceano ou em alguma outra profundidade mais conveniente. Para tanto, seria necessário então
saber o quão fundo as flutuações no campo da pressão relacionadas com a passagem da onda
penetram na coluna d’água. Para determinarmos a pressão, recorreremos à equação linearizada de
Bernoulli:
∂φ p
+ + gz = 0. (3.31)
∂t ρ

23
Se definirmos uma perturbação na pressão como sendo:

p0 ≡ p + ρgz, (3.32)

esta é a variação da pressão partindo–se da pressão sem perturbação de −ρgz. Então, a equação de
Bernoulli se torna:
∂φ
p0 = −ρ . (3.33)
∂t
Substituindo–a na equação (3.27) teremos:

ρaω2 cosh k (z + H)
p0 = cos (kx − ωt), (3.34)
k sinh kH
que utilizando–se a relação de dispersao (3.29), se torna:

cosh k (z + H)
p0 = ρga cos (kx − ωt), (3.35)
cosh kH
Podemos ver então que a perturbação na pressão decai com a profundidade na coluna d’água.
Para saber se essa pressão pode ser detectada por um sensor, devemos descobrir qual a razão da
profundidade pelo comprimento de onda dessa onda.

3.4 Órbitas das partículas na coluna d’água


Para examinar o caminho que um elemento de volume descreve na coluna d’água ao “sentir” a pas-
sagem de uma onda, devemos utilizar a descrição Lagrangeana. Vamos assumir que a coordenada
de uma partícula é (x0 + ξ, z0 + ζ), partindo–se de um ponto de repouso em (x0 , z0 ), Figure 6.

Figura 6: Órbita de uma partícula de fluido em torno de uma posição média centrada em (x0 , z0 ).

24
Na descrição Lagrangeana, podemos utilizar essa posição média como referência para identifi-
car a partícula e escrever ξ(x0 , z0 ,t) e ζ(x0 , z0 ,t). As componentes da velocidade para esta situação
é dada por:
∂ξ
u=
∂t

∂ζ
w= (3.36)
∂t

Para ondas de amplitude pequena, a variação da posição da partícula também deve ser pequena,
e portanto a velocidade da partícula deve ser aproximadamente igual à velocidade do fluido em
torno de sua posição média (x0 , z0 ) para cada instante, e descrita pelas equações (3.28) aplicadas
em (3.36). Isto gera as seguintes relações:

∂ξ cosh k (z0 + H)
= aω cos (kx0 − ωt),
∂t sinh kH

∂ζ sinh k (z0 + H)
= aω sin (kx0 − ωt).
∂t sinh kH
Integrando–as no tempo, temos:

cosh k (z0 + H)
ξ = −a sin (kx0 − ωt),
sinh kH
sinh k (z0 + H)
ζ=a cos (kx0 − ωt). (3.37)
sinh kH

Podemos eliminar (k x0 − ω t) utilizando sin2 x + cos2 x = 1:

ξ2 ζ2
+  = 1, (3.38)
cosh k(z0 + H) 2 sinh k(z0 + H) 2
  
a a
sinh kH sinh kH

que representa a equação de uma elipse.


Tanto o semi–eixo maior, a cosh k(z0 + H)/sinh kH, como o semi–eixo menor, a sinh k(z0 +
H)/sinh kH, diminuem com a profundidade, e o eixo menor desaparece quando z0 = −H, Figura 7.
A distância entre os focos da elipse permanecem constantes com a profundidade. As equações em
(3.37) mostram que a fase do movimento (i.e., o argumento do termo senoidal), é independente de
z0 . Isto significa que as partículas do fluido numa coluna vertical apresentam a mesma fase. Ou
seja, se uma partícula no topo do da coluna d’água está na parte superior de sua órbita, então todas
as partículas no mesmo x0 , estão na parte de cima de suas próprias órbitas.

25
Figura 7: Órbita das partícula na coluna d’água durante a passagem de uma onda no caso de um oceano (a)
profundo e (b) raso.

3.5 Aproximação de águas profundas e águas rasas


A análise feita na seção anterior, sobre a órbita das partículas, é aplicável para qualquer magnitude
de λ em relação à profundidade da coluna d’água H. Simplificações interessantes podem ser
obtidas se utilizarmos as condições que consideram um oceano de águas rasas, H/λ  1, ou um
oceano de águas profundas, H/λ  1, em relação ao comprimento de onda da onda em questão.
A expressão para a velocidade de fase é dada pela equação 3.30:
s  
gλ 2πH
c = tanh (3.39)
2π λ

Vamos agora ver como fica esta equação se utilizarmos as condições acima.

3.5.1 Aproximação de águas profundas

Primeiramente, vamos ver como são os gráficos das funções hiperbólicas, uma vez que tanh é
utilizada na expressão da relação de dispersão, Figure 8.

26
Figura 8: Gráfico das funções hiperbólicas.

Através do gráfico, podemos notar que a função tanh x tende a 1, conforme se varia o valor
de x, ou seja tanh x → 1 para x → ∞. Podemos ver também que não precisamos avançar tanto no
valor de x para que esta função chegue no seu valor limite. Vamos fazer algumas estimativas desta
função:

Tabela 1: Determinação da função tanh(x) para alguns valores.

x tanh (x)
1.0 0.7616
1.5 0.9051
1.75 0.9414
2.0 0.9640
3.0 0.9951
4.0 0.9993
5.0 0.9999

Ou seja, podemos fazer a aproximação H/λ  1 na equação (3.30) e assumirmos que o termo
com a tanh é igual a 1 sem estarmos cometendo um erro muito grande nesta suposição. De fato, se

27
tomarmos x = 1.75, ou seja, 2πH/λ = 1.75, veremos que se H > 0.28λ, a aproximação para águas
profundas já é válida, com uma precisão de 3% no cálculo da velocidade de fase. A velocidade de
fase e a relação de dispersão para este caso se tornam:
r r
gλ g
c = = , (3.40)
2π k
e
p
ω = gk, (3.41)

As ondas neste caso são classificadas como ondas de águas profundas, se a profundidade for maior
que 28% do comprimento de onda. Pelo mesmo motivo, essas ondas também são conhecidas como
ondas curtas de gravidade. A equação (3.40) mostra ainda uma característica interessante sobre
essas ondas: quanto mais longas forem as ondas no oceano fundo mais rápido elas se propagam.
O período dominante das ondas de gravidade de superfície geradas pelo vento é de ≈ 10 s, que
a partir da relação de dispersão (3.29) podemos estimar que o comprimento de onda dominante de
≈ 150 m. A profundidade típica da plataforma continental é ≈ 100 m e no oceano aberto é ≈ 4 km.
Podemos constatar que as ondas dominantes no oceano, mesmo sobre a plataforma continental, se
comportam como ondas de águas profundas e não sentem o efeito do fundo do oceano até chegarem
perto da praia. Isto já não é verdade para ondas de gravidade geradas por marés ou terremotos, pois
elas têm comprimentos de onda de centenas de quilômetros.
Na seção anterior mostramos que a órbita das partículas em ondas de gravidade de pequena
amplitude descrevem elipses, equação (3.38). Para H > 0.28λ, os semi–eixos da elipse têm a se
tornarem iguais a a ekz .

As funções hiperbólicas podem ser definidas como funções exponenciais que são mais fáceis
de serem manipuladas matematicamente:

(ez + e−z ) (ez − e−z )


cosh (z) = , sinh (z) =
2 2

Para o caso da aproximação de águas profundas, kH > 1.75 :


cosh k(z + H) sinh k(z + H)
' ' ekz
sinh kH sinh kH
Portanto, para as ondas de águas profundas, as órbitas podem ser descritas por:

ξ = −a ekz0 sin (kx0 − ωt)

ζ = a ekz0 cos (kx0 − ωt)

28
As órbitas são descritos por círculos, como na Figure (7a), cujo raio na superfície é a, a amplitude
da onda. As componentes da velocidade são:
∂ξ
u= = aω ekz cos (kx − ωt) (3.42)
∂t
e
∂ζ
w= = aω ekz sin (kx − ωt) (3.43)
∂t
onde os índices x0 e z0 foram omitidos. O vetor velocidade gira no sentido horário para uma
onda que se propaga na direção positiva de x e com frequência ω, enquanto que sua magnitude
permanece inalterada em aω ekz0 .
Para águas profundas, a variação de pressão devido à presença de uma onda decai exponencial-
mente com a profundidade, chegando a 4% da magnitude de superfície numa profundidade de λ/2.
Um sensor colocado no fundo não consegue detectar as ondas de gravidade cujo comprimento de
onda for menor que duas vezes a profundidade da camada de água. Estes sensores agem como
“filtros de passa baixa”, mantendo as ondas mais longas e eliminando as mais curtas. Sensores
colocados no fundo podem ser utilizados para detectar tsunamis e marés, porém as ondas geradas
por vento ou marulhos não aparecerão nos registros.

3.5.2 Aproximação de águas rasas

Com o auxílio novamente da Figura 8, podemos ver que tanh (x) ' x quando x → 0. Para H/λ  1,
temos que:
2πH 2πH
tanh ' .
λ λ
de forma que a velocidade de fase na equação (3.30) se simplifica para:
p
c = g H. (3.44)

Para que a aproximação tenha um precisão de pelo menos 3% no cálculo da velocidade de fase, se
H < 0.07λ.
As ondas de superfície neste caso são denominadas de ondas de águas rasas se a profundidade
do oceano for < 7% do comprimento de onda. Note que a definição de águas rasas é então pro-
veniente de uma relação entre a profundidade do oceano e o comprimento de onda da onda que
se propaga na superfície. Analogamente ao que foi proposto para as ondas de águas profundas,
as ondas de águas rasas são também conhecidas como ondas longas de gravidade. Não obstante,
a profundidade da água deve ser realmente rasa para que as ondas se comportem como ondas de
águas rasas. Isso é consistente com a discussão de que ondas de águas profundas não necessaria-
mente precisam se propagar em um oceano tão fundo para que o efeito do fundo não seja sentido.
Contrariamente com o que foi visto nas ondas de águas profundas, a velocidade de fase das on-
das de águas rasas, equação (3.44), é independente do comprimento de onda e aumenta com a
profundidade.

29
Para determinar a órbita das partículas das ondas de águas rasas, substituiremos as seguintes
aproximações na equação (3.37):
cosh k(z + H) ' 1

sinh k(z + h) ' k(z + H)

sinh kH ' kH

Desta forma, a variação na posição da partícula da equação (3.37) será:


a
ξ = − sin(kx − ωt)
kH
 z
ζ = a 1+ cos(kx − ωt).
H
Estas equações representam elipses achatadas, Figura 7b, com o semi–eixo maior que é inde-
pendente da profundidade, a/kH, e o semi–eixo menor, a(1 + z/H), que decresce linearmente até
zero no fundo do oceano. As velocidades são dadas por:

∂ξ aω
u = = cos(kx − ωt)
∂t kH
∂ζ  z
w = = aω 1 + sin(kx − ωt).
∂t H
onde podemos notar que a componente vertical é muito menor que a componente horizontal.
Essa é uma consequência muito importante da aproximação de águas rasas. As velocidades na
camada tendem a ser basicamente horizontais.
As variações da pressão a partir de um estado sem perturbação pode ser obtido da equa-
ção (3.35):
p0 = ρ g a cos(kx − ωt) = ρ g η, (3.45)

onde a equação (3.19) foi utilizada para expressar a pressão em termos de variação da altura da
superfície.
Esta equação mostra que a variação da pressão é independente da profundidade e se iguala
à pressão hidrostática causada pela variação da altura da superfície devido à passagem da onda.
Ou seja, o campo de pressão para o caso de ondas de águas rasas é completamente hidrostático.
As acelerações verticais do fluxo na vertical são desprezíveis pois o campo das velocidades ver-
ticais é pequeno. Por estas razões, as ondas de águas rasas são também conhecidas como ondas
hidrostáticas. Sensores de pressão colocados no fundo do oceano conseguem detectar essas ondas.

3.6 Dispersão
A relação entre ω e k, ou equivalentemente entre comprimento de onda e período, é chamado de re-
lação de dispersão. Como vimos anteriormente, a sua dedução procede diretamente da solução das

30
equações do movimento, Seção 3.2. A relação de dispersão para ondas de gravidade de superfície
é:
p
ω = gk tanh kH. (3.46)

Para entender melhor esta equação, mostramos no gráfico abaixo como varia a velocidade de
fase em função da profundidade H para alguns comprimentos de onda, de 10 m até 1 km, Figura 9.
Do lado esquerdo do gráfico podemos observar uma variação linear, que corresponde à região do

campo de ondas onde a aproximação de águas rasas, c = gH, parece ser apropriada.

Figura 9: Velocidade de fase em função da profundidade para vários comprimentos de onda. Fonte: Pond
e Pickard (1983).

Vamos ver como varia a velocidade de uma onda cujo comprimento de onda é 200 m. Até
uma profundidade de 10 m, onde H = λ/20, a onda acompanha a linha reta inclinada, seguindo a
equação para águas rasas. A partir dessa profundidade, a velocidade se curva até atingir um valor
constante de c = 17.7m.s−1 em ≈ 100 m, ou seja, H = λ/2. Estes limites são aproximados mas
mostram que as aproximações são adequadas para determinar a relação de dispersão das ondas de
gravidade de superfície. Essas aproximações são feitas para simplificar a resolução matemática
das equações envolvidas, preservando o aspecto físico do problema.
Um ponto interessante a se notar a respeito das ondas de águas profundas, ou as ondas curtas,
é que sua velocidade de fase depende do comprimento de onda e portanto do período. Por este
motivo são chamadas de dispersivas. Este termo se refere à separação das ondas em relação à sua
posição ao longo da direção de propagação, e não separação na direção, embora isso possa ocorrer
também.

31
Para as ondas curtas, a velocidade das ondas mais longas é maior do que as mais curtas. Isto
pode ser claramente constatado na Figura 9. Consequentemente, se ondas de diferentes compri-
mentos de onda são geradas simultaneamente, as mais longas se propagarão na frente das mais
curtas e serão detectadas primeiro num ponto distante. Além disso, as ondas mais curtas tendem a
perder energia mais rápido por atrito devido à fricção e desaparecem antes que as mais longas. Por
isso, elas tendem a não se propagar grandes distâncias.

3.7 Equação das águas rasas derivadas através da aproximação hidrostática


Considere um fluido homogêneo de densidade ρ em repouso sobre uma bacia de profundidade
constante H, por exemplo um lago com o fundo plano. No estado de equilíbio, a solução das
equações será que as velocidades são iguais a zero e a pressão será determinada pela pressão
hidrostática, dada por:
p0 (z) = −g ρ z (3.47)

onde ρ é a densidade, g a aceleração da gravidade. Assumimos ainda que a densidade para valores
de z > 0 é desprezível, ou seja, a densidade da atmosfera.
Uma perturbação introduzida na superfície do fluido gerará uma pequena variação da superfície
livre dada por:
z = η(x, y,t). (3.48)

Por conveniência, definimos uma perturbação na pressão, p0 como:

p = −g ρ z + p0 (3.49)

Neste caso, as equações da continuidade e do movimento para um fluido inviscido, homogêneo


e sem rotação são:
∂u ∂v ∂w
+ + = 0, (3.50)
∂x ∂y ∂z
∂u ∂p0 ∂v ∂p0
ρ =− , ρ =− , (3.51)
∂t ∂x ∂t ∂y
e
∂w ∂p0
ρ =− . (3.52)
∂t ∂z
A pressão no oceano satisfaz a equação hidrostática:

∂p
= −ρ g. (3.53)
∂z
Vamos mostrar que esta condição pode conduzir a simplificações no tratamento das equações
que resultam no mesmo que quando aplicamos o limite de k H → 0 nas soluções mais gerais das
ondas de gravidade de superfície que deduzimos anteriormente.

32
Para um fluido homogeneo, a equação (3.53) implica que as perturbações na pressão satisfazem
à:
∂p0
=0 (3.54)
∂z
e a condição de contorno na superfície:

p0 = ρ g η. (3.55)

Usando estas condições, as equações do movimento se tornam:


∂u ∂η
= −g , (3.56)
∂t ∂x
e
∂v ∂η
= −g . (3.57)
∂t ∂y
Como podemos ver, a variação temporal das correntes não dependem da profundidade. Isto
simplifica a equação da continuidade que agora pode ser integrada em relação à profundidade,
utilizando as condições equação (3.4) e (3.9). O resultado é:
 
∂η ∂u ∂v
+H + =0 (3.58)
∂t ∂x ∂y
A quantidade (∂u/∂x + ∂v/∂y) é chamada de divergência horizontal pois mostra a divergência dos
termos horizontais da velocidade.

Esta equação da continuidade pode ser também deduzida se considerarmos por argumentos
simples de conservação de momento para uma coluna de fluido sobre um elemento de área, con-
forme Figura 10.

Figura 10: Fluxo de massa para uma coluna de fluido de área δxδy para quando as componentes horizontais
da velocidade u e v são independentes da profundidade.

33
Suponha que (u, v) é a velocidade do centro do elemento e η é a elevação da superfície nesse
ponto. Como (u, v) é independente da profundidade, a taxa de fluxo de massa através da seção
central, normal ao eixo x será ρu multiplicado pela área (H + η)δy da seção. A diferença entre o
que sai pela face da direita e o que entra pela esquerda será:

∂ρu(H + η)
δxδy .
∂x
Fazendo o mesmo para os dois outros lados e igualando à taxa de variação total de massa
ρ(H + η)δxδy temos:
∂η ∂[(H + η)u] ∂[(H + η)v]
+ + =0 (3.59)
∂t ∂x ∂y
Esta equação é válida para perturbações grandes também, contanto que as velocidades sejam
independentes da profundidade. Mas se as perturbações forem pequenas, equação (3.58) se reduz
à equação linear:
∂η ∂(H u) ∂(H v)
+ + =0 (3.60)
∂t ∂x ∂y
e se torna equação (3.58) se a profundidade H é constante.

Podemos reduzir a equação (3.58) para uma variável dependente η somente que pode ser obtida
usando as equações da continuidade e do momento. O resultado é:

∂2 η
   
∂ ∂η ∂ ∂η
= gH + gH . (3.61)
∂t 2 ∂x ∂x ∂y ∂y

No caso particular de profundidade constante, podemos ainda escrever:

∂2 η
 2
∂2 η

2 ∂ η
=c + ≡ c2 ∇2 η (3.62)
∂t 2 ∂x2 ∂y2

onde c2 = g H que é exatamente a velocidade de fase deduzida para a aproximação de águas rasas,
equação (3.44). Esta equação mostra que a aproximação hidrostática conduz ao mesmo resultado
que a aproximação de ondas longas.

3.8 Velocidade de grupo e energia da onda


No oceano real, mesmo considerando os “comportados” marulhos, as ondas não são compostas
por puros senos, mas sim por uma soma de ondas senoidais que envolve uma variedade de compri-
mentos de onda, e períodos e amplitude correspondentes. Isto significa que não necessariamente
um grupo de ondas se propaga com a velocidade de fase da onda. De fato, elas não se propagam
com a velocidade de fase como se fosse uma onda só.
Para mostrar que um grupo de ondas tem uma velocidade de propagação diferente da de fase,
vamos considerar um caso simples onde um grupo é formado pela combinação de duas ondas,

34
η1 e η2 . Por simplicidade, vamos assumir que ambas as ondas têm a mesma amplitude a, e com
comprimentos de ondas e frequências ligeiramente diferentes, e que se propagam simultaneamente
numa mesma região do oceano.

η1 = a cos(k1 x − ω1t) η2 = a cos(k2 x − ω2t)


k1 = k + ∆k k2 = k − ∆k
ω1 = ω + ∆ω ω2 = ω − ∆ω

k1 − k2 k1 + k2
∆k = k =
2 2
e
ω1 − ω2 ω1 + ω2
∆ω = ω =
2 2
Então podemos escrever:

η1 = a cos[(kx − ωt) + (∆kx − ∆ωt)]

η2 = a cos[(kx − ωt) − (∆kx − ∆ωt)]


Usando a relação trigonométrica cos(α ± β) = cosα cosβ ∓ sinα sinβ, podemos mostrar que:

η = η1 + η2 = 2 a cos(kx − ωt) cos(∆kx − ∆ωt). (3.63)

A equação (3.63) mostra uma combinação de ondas, uma onda de frequência maior (cos(kx −
ωt) cuja amplitude é modulada por um termo de frequência menor, (cos(∆kx − ∆ωt), Figura 11.

Figura 11: Elevação da superfície para um grupo de ondas composto por duas ondas senoidais simples.

Esta figura foi elaborada para t = 0 e ∆k/k = 1/20, e representa um ciclo completo do envelope
cos(∆kx − ∆ωt), cuja amplitude sai de zero, passa por uma região com uma soma de amplitudes
de η1 e η2 e volta novamente a zero num “comprimento do grupo” de π/∆k.
Podemos observar que para um tempo fixo, ao ir de zero até chegar ao próximo zero do en-
velope, ∆kx varia de π de forma que o que chamamos de “comprimento do grupo” é π/∆k. Da
mesma forma, se fizermos a análise para um ponto fixo, ∆ωt varia π entre dois zeros consecutivos
do envelope, e vemos que o “período do grupo” é π/∆ω.

35
Definimos uma velocidade de grupo, cg , que é a velocidade que o grupo de ondas se propaga,
baseado na relação “comprimento do grupo/período do grupo”, i.e., cg = ∆ω/∆k. No limite em
que ∆ω e ∆k → 0 a velocidade de grupo cg = dω/dk que pode ser estimada através da equação 3.29.
Calculando a derivada, podemos mostrar que:
 
c 2kH
cg = 1+ (3.64)
2 sinh 2kH

Se aplicarmos as simplificações feitas anteriormente para ondas longas (águas rasas) e curtas
(águas profundas) teremos:

• para kH  1, sinh 2kH → 2kH podemos mostrar que cg = c ;


• para kH  1, sinh 2kH  2kH podemos mostrar que cg = c/2 .

A energia da onda se propaga com a velocidade de grupo. Isso pode ser entendido intuitiva-
mente através da Figura 11. No ponto x = x2 , a amplitude da onda é zero e portanto a energia
da onda é também zero, enquanto que no ponto x = x1 , a amplitude é máxima e a energia deve
também ser máxima. Com a passagem do tempo, o grupo se propaga para a direita e a região de
máximo de energia irá de x1 até x2 na velocidade ditada pela velocidade de grupo. Esta é portanto
a velocidade que a energia se propaga também.
Por suas características, o vetor velocidade de grupo, c~g , apresenta informações mais impor-
tantes sobre a onda do que a velocidade de fase, ~c. A velocidade de grupo aponta a direção para
onde as ondas se propagam. No caso de ondas de gravidade de superfície, c~g e ~c vão para a mesma
direção. Porém para o caso de ondas internas e a maioria das ondas planetárias, elas apontam em
direções diferentes.

3.9 A energética das ondas senoidais


A energia das ondas de gravidade de superfície pode ser separada em duas componentes: a cinética
devido ao movimento das partículas e a potencial gravitacional associada ao deslocamento vertical.
As componentes da energia são estimadas através de médias em um período ou um comprimento
de onda. Embora nem sempre válida para todas as ondas, em geral as energias cinética e potencial
médias são iguais e a energia total por unidade de área é:

ρga2 ρgh2
E = = (3.65)
2 8
Para calcular a quantidade de energia associada a uma onda, devemos começar considerando
a energia potencial de uma onda progressiva nos moldes da equação (3.19). A energia potencial
de uma onda equivale ao trabalho necessário para deformar a superfície do mar para um perfil de
onda. A energia potencial depende somente da variação da superfície e não tem conexão com o

36
movimento da água que ocorre abaixo da superfície. A energia potencial para um comprimento de
onda, entre x = 0 até x = λ, é:
ρg 2
Z λ
PE = η dx. (3.66)
2 0
Considerando que a área horizontal de uma onda de comprimento λ e largura unitária na direção
y, a energia potencial por unidade de área será:
ρg
Z λ
PE = η2 dx (3.67)
2λ 0

onde a densidade do fluido foi considerada constante.


Se introduzirmos a definição da onda conforme a equação (3.19) na equação (3.67) e sabendo
que λ = 2π/k, temos:
ρ g a2
Z 2π/k
PE = cos2 (kx − ω t)k dx. (3.68)
4π 0
Para resolver a integral de cos2 x, usar a identidade trigonométrica:
1
cos2 α = (1 + cos2α).
2
Então, teremos: Z 2π/k
1
Z
cos2 kx dx = (1 + cos 2kx) dx
0 2
Z 2π/k  2π/k
2 1 1 π
cos kx dx = x + sin 2kx = .
0 2 2k 0 k
Substituindo na equação (3.68), teremos:
ρ g a2
PE = . (3.69)
4
A determinação da energia cinética pode ser mais facilmente feita para o caso de ondas em
águas profundas. Por definição, a energia cinética depende do quadrado da velocidade (V):
1 2 ρ 2
ρV = (u + w2 ).
2 2
Desta forma, a energia cinética por unidade de área é dada por:
1 1
Z λZ η
KE = ρ(u2 + w2 ) dx dz. (3.70)
λ 0 −H 2
As velocidades na aproximação de águas profundas são descritas pelas equações (3.42) e
(3.43). Substituindo e fatorando teremos:
1 1
Z λZ η
KE = ρa2 ω2 e2kz [cos2 (kx − ω t) + sin2 (kx − ω t)] dx dz.
λ 0 −H 2
como sin2 α + cos2 α ≡ 1 e ainda considerando que a densidade é constante, temos o seguinte:
ρ a2 ω2 k
Z 2π/k Z η
KE = e2kz dx dz.
4π 0 −H

37
Integrando:
ρ a2 ω2 2kη
KE = (e − e−2kH ).
4k
No limite de águas profundas, H → ∞, e−2kH → 0 e KE se torna:
ρ a2 ω2 2kη ρ a2 k ω2 2kη ρ a2 k 2 2kη
KE = e = e = c e .
4k 4 k2 4
Mas para aproximação de águas profundas, c2 = g/k, o que dá:

ρ g a2 2kη
KE = e .
4
Utilizando a suposição de oscilações de pequena amplitude, 2kη  1, então, e2kη ≈ 1 e finalmente
temos:
ρ g a2
KE = . (3.71)
4
A determinação da energia cinética para águas intermediárias e rasas pode ser feita através deste
método. Porém, as integrais serão mais complicadas.
A energia total de uma onda será a soma das componentes potencial e cinética que será obtida
através da adição das equações (3.69) e (3.71):
ρ g a2
E = PE + KE = (3.72)
2
Como numa onda senoidal a amplitude é a metade da altura total da onda (h), temos então:
1
E = ρ g h2 [J.m−2 ] (3.73)
8

3.10 Refração de ondas em águas rasas


Iremos discutir qualitativamente o fenômeda da refração no caso de ondas de águas rasas. Para
tanto, precisamos considerar um fundo inclinado, como no caso de uma praia, com linhas de nível
de profundidade paralelas à linha da costa.

38
Figura 12: Esquema de refração de onda de gravidade de superfície na aproximação de águas rasas ao
se aproximar da costa através de uma praia inclinada. As linhas unindo as cristas das ondas tendem a se
aproximar pararelas à costa.

Vamos assumir que as ondas se propagam em direção à costa, vindo de uma região de oceano
profundo, originalmente com as cristas inclinadas em relação à linha da costa. Ao chegarem mais
próximas à costa, as ondas começam a sentir o efeito do fundo e ao atingirem uma profundidade
apropriada, elas se tornam ondas de águas rasas. A frequência destas ondas não mudam ao longo

do seu caminho, porém a velocidade de propagação, c = gH e o comprimento de onda, λ, se
tornam menores. Consequentemente, as linhas das cristas que são perpendiculares em relação à
direção local de c tendem a se tornar paralelas à costa. Este é o motivo pelo qual as ondas que
chegam em direção à praia sempre parecem que suas cristas estão alinhadas com a linha da costa.
Um exemplo interessante de refração de onda ocorre quando uma onda de águas profundas cu-
jas cristas sejam alinhadas se aproximam a uma ilha, Figura 13. Assume–se que as águas profundas
se tornam mais rasas próximo à ilha, e os contornos de profundidade são círculos concênntricos
ao redor da ilha. A Figura 13 mostra que as ondas sempre chegam em direção à ilha, mesmo na
região de “sombra” marcada com a letra A.

Figura 13: Refração de onda de gravidade de superfície ao se aproximar de uma ilha. As linhas das cristas
são mostradas como linhas contínuas. As linhas sempre “chegam” em direção à ilha, mesmo no ponto A.
Fonte: Kundu (2002).

A inclinação do caminho da onda num meio não–homogêneo é chamado de refração da onda.


No nosso caso, o meio não–homogêneo se refere à variação da profundidade H. O termo é em-
prestado novamente da óptica, que naquele caso, a inclinação do caminho do raio de luz se deve à
mudanças da densidade do meio em que se propaga.

39
4 Ondas Internas
Até aqui desenvolvemos a teoria sobre ondas que se propagam sobre a superfície livre de um fluido.
Essas ondas são as que ocorrem na interface entre o oceano e a atmosfera. Mas as ondas também
podem se desenvolver em superfície de interface entre dois líquidos imiscíveis de diferentes densi-
dades no interior do oceano. Estas ondas são conhecidas como ondas internas porque a diferença
na densidade é justamente o que impulsiona uma força restauradora baseada na gravidade ou pres-
são hidrostática (causada pela gravidade), se o fluido for deslocado verticalmente. Regiões onde
apresentam grandes gradientes de densidade podem sem, por exemplo:
• Termoclina em águas oceânicas, onde a diferença na densidade é majoritariamente causada
pela temperatura devido ao aquecimento por radiação solar;
• Haloclina em regiões costeiras, onde a densidade muda por causa do efeito da salinidade;
• Fjords, onde a água doce do rio avança sobre as águas oceânicas.
Essa situação pode ser idealizada considerando–se um fluido menos denso ρ1 sobre um fluido de
densidade maior ρ2 , Figura 14.

Figura 14: Esquema ilustrativo de ondas internas se propagando na interface entre dois líquidos com pro-
fundidade infinita. Fonte: Kundu (2002).

Obviamente, os movimentos não ficam limitados somente na interface, mas podem se estender
através da água, para cima e para baixo. Para as ondas de gravidade de superfície, a densidade do
ar é tao pequena comparada com a da água que ela pode ser ignorada. Por isso a densidade do ar
não aparece nas equações das ondas que estudamos até o momento. Para o caso das ondas internas,
a densidade dos dois fluidos são aproximadamente iguais.

4.1 Ondas na interface entre duas camadas de profundidade infinita


Por simplicidade, assumiremos inicialmente que os fluidos tem profundidade infinita. Desta forma,
permitiremos que somente as soluções que decaem exponencialmente a partir da interface sejam

40
válidas. Por conveniência, vamos utilizar a notação complexa para representar as equações de
onda. Se ζ descreve as oscilações da interface onde ζ = a cos(kx − ωt), utilizando–se a notação
complexa, ela será:
ζ = ℜa ei(kx−ωt) ,

onde ℜ significa “a parte real de” e i = −1. Comumente omitimos o símbolo ℜ e escrevemos
simplesmente:
ζ = a ei(kx−ωt) . (4.1)
Devemos então lembrar que estamos utilizamos somente a parte real da equação. Estaremos “car-
regando” uma parte imaginária juntamente com a equações do problema que não tem significado
físico nenhum. A grande vantagem desta notação é que simplifica muito a solução das equações,
uma vez que a diferenciação de exponenciais é muito mais fácil do que a de funções trigonométri-
cas.
No presente caso, teremos que resolver as equações de Laplace, equação 3.3, para ambas as
camadas, que devem respeitar as condições de continuidade de p e w na interface. As equações
são:
∂2 φ1 ∂2 φ1
+ 2 = 0.
∂x2 ∂z
∂2 φ2 ∂2 φ2
+ 2 = 0. (4.2)
∂x2 ∂z
que devem obedecer as seguintes condições de contorno:

φ1 → 0 z→∞ (4.3)
φ2 → 0 z → −∞ (4.4)
∂φ1 ∂φ2 ∂ζ
= = z=0 (4.5)
∂z ∂z ∂t
∂φ1 ∂φ2
ρ1 + ρ1 gζ = ρ2 + ρ2 gζ z = 0 (4.6)
∂t ∂t
A equação 4.5 considera que a velocidade vertical em ambos os lados do fluido é devido à variação
da profundidade da interface. A equação 4.6 considera que a pressão deve obedecer a continuidade
através da interface, logo a relação é obtida pela equação de Bernoulli.
Como foi feita para as ondas de superfície livre, as condições de contorno são linearizadas
e aplicadas em z = 0 ao invés de z = ζ. Similarmente, as condições (4.3) e (4.4) ditam que as
soluções para as equações em (4.2) sejam da forma:

φ1 = A e−kz ei(kx−ωt)

φ2 = B ekz ei(kx−ωt)
Note que para a equação de φ1 a solução só depende de e−kz pois ekz não é permitido no fluido
superior onde z é positivo e portanto este termo iria para o infinito. Analogamente, a solução
proporcional à e−kz não é permitido no fluido inferior. As constantes A e B podem ser complexas.

41
Como na seção 3.2, as constantes são determinadas a partir da condição cinemática (4.5),
dando:
iωa
A = −B = .
k
E a condição de contorno dinâmica, 4.6, dá a relação de dispersão:
s  
ρ2 − ρ1 p
ω = gk = ε gk, (4.7)
ρ2 + ρ1

onde ε2 ≡ (ρ2 − ρ1 )/(ρ2 + ρ1 ) é um número pequeno se a diferença de densidade entre os dois


líquidos for pequena. Pequenas diferenças na densidade podem ser relevantes para processos geo-
físicos. Considere que uma diferença de 10◦ C pode fazer com que a densidade das camadas da
superfície do oceano diminua de 0,03%. A equação (4.7) mostra que as ondas na interface entre
dois líquidos de espessura infinita se propagam como se fossem ondas de superfície de oceano

profundo. Veja a semelhança desta equação com a equação 3.41, onda ω é proporcional a gk
porém com a frequência muito menor devido ao fator ε.
Como esperado, a equação (4.7) se reduz para o caso das ondas de gravidade de superfície para

águas profundas se ρ1 = 0, ou seja, ω = gk, conforme deduzido na equação (3.41).
A energia cinética do campo de ondas pode ser determinado integrando ρ(u2 + w2 )/2) sobre a
região de z = ±∞. A partir disto, a energia cinética média por unidade de área horizontal é:
1
Ek = (ρ2 − ρ1 )ga2 . (4.8)
4
A energia potencial pode ser calculada determinando–se a taxa de trabalho realizado na defor-
mação de uma superfície plana para um superfície na forma de uma onda. A Figura 15 mostra
que essa deformação envolve a transferência da coluna A de densidade ρ2 para a posiçao B, uma
simultânea transferência da coluna B de densidade ρ1 para a posição A, e integrando o trabalho
sobre meio comprimento de onda pois essa troca forma um comprimento de onda completo.

Figura 15: Cálculo da energia potencial para um fluido de duas camadas. O trabalho realizado para trans-
ferir o elemento A para B é igual ao peso de A vezes o deslocamento vertical do seu centro de gravidade.
Fonte: Kundu (2002).
A energia potencial por unidade de área horizontal é:
1 1
Z λ/2 Z λ/2
2
Ep = ρ2 gζ dx − ρ1 gζ2 dx
λ 0 λ 0

42
g(ρ2 − ρ1 ) λ/2 2 1
Z
= ζ dx = (ρ2 − ρ1 )ga2 .
2λ 0 4
A energia total da onda por unidade de área horizontal é:
1
E = Ek + E p = (ρ2 − ρ1 )ga2 . (4.9)
2
em comparação com a equação (3.65), a equação acima mostra que a amplitude das ondas internas
é geralmente muito maior do que as de ondas de superfície para uma mesma energia utilizada para
gerar as ondas.
As componentes da velocidade horizontal para as duas camadas são:
∂φ1
u1 = = −ωae−kz ei(kx−ωt)
∂x
∂φ2
u2 = = ωaekz ei(kx−ωt)
∂x
que mostram que as velocidades nas duas camadas são opostas, Figura 14. Portanto, na interface
entre as duas camadas há uma descontinuidade na velocidade tangencial.
A existência de ondas internas em oceano com descontinuidade na densidade explica um fenô-
meno interessante nos fiordes da Noruega. Percebia–se que os navios eram sujeitos à fortes forças
de arrasto ao entrar nesses fiordes. Bjerknes, um oceanógrafo norueguês, explicou que isso era
causado por ondas internas na interface das camadas geradas pelo próprio movimento do navio,
Figura 16.

Figura 16: O fenômeno conhecido como “água morta” (do inglês dead water) nos fiordes Noruegueses.

4.2 Ondas na interface entre uma camada finita e uma de profundidade


infinita
Como um segundo exemplo de onda interna que se propaga na interface de descontinuidade de
densidade de um fluido, consideremos o caso em que uma camada com espessura não infinita

43
está sobre uma camada de fluido com profundidade infinita. O caso anterior, o de duas camadas
infinitas, é um caso particular do exemplo que estudaremos agora. O fato de ter uma superfície
livre no presente exemplo, permite a presença de um modo extra de onda de superfície. Torna–se
evidente que nesta presente configuração haverá dois modos de oscilação, um modo que inclui a
onda da superfície e a da interface que estariam em fase e um segundo modo em que a onda se
propaga em direção contrária, Figura 17.

Figura 17: Modo de propagação de ondas internas em um fluido com descontinuidade de densidade for-
mando uma camada finita sobre uma camada de profundidade infinita. Fonte: Kundu (2002).

Considerando H a espessura da camada superior a tomando a origem na posição média da


superfície livre, Figura 17, podemos escrever as equações de Laplace, (4.2):

∂φ1 ∂φ1
+ =0
∂x ∂z

∂φ2 ∂φ2
+ =0
∂x ∂z
Para este caso, as condições de contorno são:

φ2 → 0 z → −∞ (4.10)
∂φ1 ∂η
= z=0 (4.11)
∂z ∂t
∂φ1
+ gη = 0 z = 0 (4.12)
∂t
∂φ1 ∂φ2 ∂ζ
= = z = −H (4.13)
∂z ∂z ∂t
∂φ1 ∂φ2
ρ1 + ρ1 gζ = ρ2 + ρ2 gζ z = −H (4.14)
∂t ∂t

44
Assumimos novamente que as oscilações da superfície livre são da forma:

η = a ei(kx−ωt) (4.15)

e as da interface:
ζ = b ei(kx−ωt) (4.16)

Como anteriormente, tomaremos somente a parte real da equação. Os potenciais de velocidade


devem ser então:

φ1 = (A ekz + B e−kz ) ei(kx−ωt) (4.17)


φ2 = C ekz ei(kx−ωt) (4.18)

A equação (4.18) deve satisfazer (4.10). As condições (4.11), (4.12) e (4.13) são utilizadas
para determinar as constantes em termos da amplitude:
ia  ω g 
A = − + (4.19)
2 k ω
ia  ω g 
B = − (4.20)
2 k ω
ia  ω g  ia  ω g  2kH
C = − + − − e (4.21)
2 k ω
 2 k  ω 
a gk −kH a gk
b = 1+ 2 e + 1 − 2 ekH (4.22)
2 ω 2 ω

Substituindo na equação (4.14) poderemos determinar a relação de dispersão ω(k). Após algu-
mas manipulações algébricas, teremos a seguinte expressão:
 2  2 
ω ω
−1 [ρ1 sinh kH + ρ2 cosh kH] − (ρ2 − ρ1 ) sinh kH = 0 (4.23)
gk gk

Esta equação tem duas soluções que serão discutidas abaixo.


Uma possível solução da equação 4.23 é:

ω2 = gk

que se reduz ao mesmo caso que uma onda de gravidade de superfície para aproximação de águas
profundas. Para este caso a equação 4.22 se reduz à:

b = a e−kH

que mostra que existe uma relação direta entre a amplitude da superfície e a da interface, porém
reduzida por um fator e−kH . Além disso, essa equação mostra que o movimento das superfícies
estão em fase. Conforme indicado acima, esta solução se assemelha ao caso de ondas de superfície
para oceano profundo, só que neste caso, o movimento decai com e−kz em relação à superfície

45
livre. Este modo é conhecido como modo barotrópico porque as superfície na vertical se movem
juntamente, com as superfícies de pressão e densidade constante se coincidindo.
A outra raiz da equação (4.23) é:
gk(ρ2 − ρ1 )sinh kH
ω2 = (4.24)
ρ2 cosh kH + ρ1 sinh kH
que se reduz à equação (4.7) se kH → ∞. Substituindo (4.24) em (4.22) podemos mostrar após
algumas manipulações que:  
ρ2 − ρ1
η = −ζ e−kH (4.25)
ρ1
mostrando que η e ζ têm sinais opostos e que o deslocamento da interface é muito maior que o
deslocamento da superfície livre se a diferença entre as densidades for pequena. Este modo é co-
nhecido como modo baroclinico ou interno porque as superfícies de pressão e densidade constante
não coincidem na vertical. Pode ser mostrado que o sinal da velocidade horizontal u troca de sinal
através da interface.
Este caso demonstra que a diferença de densidade é capaz de gerar um movimento não baro-
trópico no fluido. No caso estudado na seção anterior, o resultado mostra que para o caso de duas
camadas infinitas, sem a existência de uma superfície livre, somente o modo baroclínico pode se
desenvolver, não o barotrópico.

4.3 Ondas na interface entre uma camada rasa e uma de profundidade infi-
nita
Uma simplificação muito comumente utilizada para fenômenos envolvendo a dinâmica do fluido
geofísico de larga–escala é assumir que o comprimento de onda das ondas em questão são muito
maiores que a profundidade da camada superior. Por exemplo, suponha que a camada superior do
oceano seja de 50 m pois abaixo dessa profundidade existe um gradiente forte de densidade. Nesse
caso, podemos assumir que H = 50 m e estaremos interessados em ondas cujo comprimento de
ondas seja muito maior. A aproximação kH  1 é conhecida como aproximação de águas rasas
ou de ondas longas.
Usando as aproximações:
sinh kH ' kH

cosh kH ' 1

a relação de dispersão (4.24), que corresponde ao modo baroclínico, se reduz à:


k2 gH (ρ2 − ρ1 )
ω2 = . (4.26)
ρ2
A velocidade de fase da interface é:
p
c = g0 H, (4.27)

46
onde:  
0 ρ2 − ρ1
g = g (4.28)
ρ2
é conhecida como gravidade reduzida.
A equação (4.27) é semelhante à velocidade de fase para ondas de gravidade de superfície para

um oceano de águas rasas e homogêneo de profundidade H, equação (3.44), i.e., c = gH a menos
p
de um fator (ρ2 − ρ1 )/ρ2 . Isto comprova que as ondas internas são mais lentas que as ondas de
superfície. Usando a aproximação para águas rasas, a equação (4.25) se reduz à:
 
ρ2 − ρ1
η = −ζ . (4.29)
ρ1

Na seção3.5.2 mostramos que a utilização da aproximação para águas rasas nas equações de
ondas de gravidade de superfície é equivalente à aproximação hidrostática. O resultado daquela
aproximação resulta em velocidade horizontal independente da profundidade e a pressão devido à
passagem da onda é igual à pressão hidrostática, equação (3.45). Esta conclusão também é válida
para ondas que se propagam em interfaces. O fato de que u é independente de z pode ser constatada
pela equação (4.17) que na aproximação para águas rasas, ekz ' e−kz ' 1.
Para mostrar que a pressão é hidrostática, a perturbação de pressão na camada superior é deter-
minada também a partir da equação de Bernoulli (equação (3.31)) e equação (4.17), o que dá:

∂φ1
p0 = −ρ1 = iρ1 ω(A + B) ei(kx−ωt) = ρ1 gη. (4.30)
∂t
onde as constantes determinadas em (4.19) e (4.20) foram utilizadas.

4.4 Sumário das ondas internas


Resumindo o que foi visto até o momento em relação às ondas que se propagam na interface de
duas camadas de fluido, estudamos os seguintes casos:

1. Camadas infinitas: no caso em que profundidade das duas camadas é infinita, somente o

modo baroclínico pode se desenvolver. A relação de dispersão da onda é dada por ω = ε gk.
2. Camada superior com profundidade finita sobre camada infinita: Ambos os modos, o baro-
trópico e o baroclínico, podem existir. No modo barotrópico, η e ζ estão em fase e o fluxo
decresce exponencialmente a partir da superfície livre. No modo baroclínico, η e ζ estão
fora de fase, a direção da velocidade horizontal troca na interface, e o movimento decresce
exponencialmente a partir da interface.
3. Camada superior rasa sobre camada infinita: Aproximação de águas rasas ou ondas longas
aplicada na camada superior do item acima. No modo baroclínico, a velocidade de fase

na interface é c = g0 H, e a velocidade do fluido na camada superior é quase horizontal e
independente da profundidade e a pressão é hidrostática.

47
4.5 Fluido continuamente estratificado
Até o momento estudamos os casos envolvendo o ajuste de um fluido de densidade uniforme
à gravidade ou um sistema que consiste de dois fluidos imiscíveis, cada um com a densidade
uniforme. Voltamos a nossa atenção especificamente para os movimentos horizontais de larga
escala comparados com o movimento vertical. Esse foi o caso da aproximação de águas rasas onde
o fluido se torna hidrostático. Nesta parte do curso o foco será um fluido mais próximo de um
oceano real, onde a coluna d’água é continuamente estratificada, ou seja, um fluido cuja densidade
varia continuamente com a profundidade.

4.5.1 Aproximação de Boussinesq

O fluido em questão terá sua densidade dependente somente da entropia e de sua composição, i.
e., ρ depende somente da temperatura potencial θ e da concentração de seus constituintes, por
exemplo, a salinidade (S). Portanto, para um valor fixo de θ e S, ρ é independente da pressão:

ρ = ρ(θ, S). (4.31)

O movimento do fluido será considerado isentrópico e sem mudança de fase, de modo que θ e S
são constantes para um elemento material. Ou seja:
Dρ ∂ρ Dθ ∂ρ DS
≡ + = 0. (4.32)
Dt ∂θ Dt ∂S Dt
Fisicamente isso significa que ρ é constante para um elemento material porque ρ e S são cons-
tantes e ρ depende somente de ρ e S. Esses fluidos são conhecidos como incompressíveis e por
causa da equação (4.32), a equação da continuidade se torna:
∂u ∂v ∂w
+ + = 0. (4.33)
∂x ∂y ∂z
A equação total do momento é dada pela equação de Navier–Stokes para um fluido incompressível:
D~u
ρ = −~∇p + ρ~g + µ∇2~u. (4.34)
Dt
Para analisarmos como um fluido responde à uma pequena perturbação, inicialmente necessitamos
definir o que é o sistema sem perturbações, ou seja, um estado de referência. Consideremos que
esse estado de referência tenha uma densidade ρ0 e que o sistema está em balanço hidrostático de
modo que ~∇p0 = ρ0~g.
O movimento pode ser decomposto em uma parte sem perturbação e a outra devido à pertuba-
ção. Ou seja, a pressão é dada por p = p0 + p0 e a densidade é dada por ρ = ρ0 + ρ0 . Para visualizar
essa decomposição, imagine que o sinal é composto por uma média sobre a qual uma pequena flu-
tuação é sobreposta. Ao aplicarmos essa decomposição na equação do momento e dividindo–a por
ρ, e utilizando a relação hidrostática, temos:
D~u
ρ = −~∇p0 + ρ0~g + µ∇2~u. (4.35)
Dt

48
Dividindo por ρ0 , temos:
ρ0 D~u ρ0
 
1
1+ = − ~∇p0 + ~g + ν∇2~u. (4.36)
ρ0 Dt ρ0 ρ0

onde ν = µ/ρ0 . Observe que a razão ρ0 /ρ0 aparece no termo inercial e no termo do empuxo. Para
valores pequenos de ρ0 /ρ0 , as variações na densidade causam pequenas correções no termo inercial
e podem ser desprezadas, ou seja, ρ0 /ρ0  1. Entretanto, o ρ0 /ρ0 no termo do empuxo não pode
ser desprezado. Por exemplo, o termo do empuxo é importante em casos de variações na densidade
devido à aquecimento que geram um movimento convectivo. Nesse caso, a magnitude de gρ0 /ρ0
deve será da mesma ordem da aceleração vertical ∂w/∂z ou o termo viscoso µ∇2 w. Conclui–se
então que as variações da densidade são desprezíveis na equação do momento, exceto quando o ρ
é multiplicado por g. Ou seja, a densidade é considerada constante exceto na compomente vertical
do movimento. Esta aproximação é conhecida como a aproximação de Boussinesq.
As componentes da equação do movimento em termos da variação total, escritas em função de
p e ρ, sob a aproximação de Boussinesq, para um sistema sem o efeito da rotação, ou seja, quando
a frequência do movimento é muito maior que a frequência de Coriolis, são:
Du 1 ∂p
= − + ν∇2 u, (4.37)
∂t ρ0 ∂x
Dv 1 ∂p
= − + ν∇2 v, (4.38)
∂t ρ0 ∂y
Dw 1 ∂p ρg
= − − + ν∇2 w, (4.39)
∂t ρ0 ∂z ρ0

4.5.2 Equações do movimento para um fluido continuamente estratificado

Considerando um fluido invíscido e a amplitude das perturbações pequenas, podemos linearizar as


equações do movimento para a aproximação de Boussinesq:
∂u 1 ∂p
= − , (4.40)
∂t ρ0 ∂x
∂v 1 ∂p
= − , (4.41)
∂t ρ0 ∂y
∂w 1 ∂p ρg
= − − , (4.42)
∂t ρ0 ∂z ρ0

que juntamente com as equações (4.32) e (4.33) fecham o conjunto de equações que governam o
movimento.
Como o estado básico do fluido é hidrostático, temos que:
1 ∂ p̄ ρ̄g
0=− − (4.43)
ρ0 ∂z ρ0

49
e quando o movimento se desenvolve, as variações da pressão e densidade são prescritas por:

p = p̄(z) + p0 (4.44)
ρ = ρ̄(z) + ρ0 (4.45)

Desenvolvendo a equação da densidade, temos:


Dρ ∂ ∂ ∂ ∂
= (ρ̄ + ρ0 ) + u (ρ̄ + ρ0 ) + v (ρ̄ + ρ0 ) + w (ρ̄ + ρ0 ) = 0 (4.46)
Dt ∂t ∂x ∂y ∂z
Os termos ∂ρ̄/∂t = ∂ρ̄/∂x = ∂ρ̄/∂y = 0. Os termos não lineares, u∂ρ0 /∂x, v∂ρ0 /∂y e w∂ρ0 /∂z
são desprezíveis para movimentos de pequenas amplitudes. A parte linear wdρ/dz é importante e
deve ser mantida. Então a equação da densidade (4.45) se reduz à:
∂ρ0 d ρ̄
+w =0 (4.47)
∂t dz
Fisicamente essa equação diz que perturbações na densidade num ponto são geradas pela advecção
vertical da distribuição de densidade básica do meio. Introduzindo a definição:
g d ρ̄
N2 ≡ − (4.48)
ρ0 dz
onde N(z) é conhecida como a frequência de Brunt–Väisälä e tem unidades de rad s−1 . Como a
substituição de (4.48) nas equações do movimento em função das perturbações temos:
∂u 1 ∂p0
= − , (4.49)
∂t ρ0 ∂x
∂v 1 ∂p0
= − , (4.50)
∂t ρ0 ∂y
∂w 1 ∂p0 ρ0 g
= − − , (4.51)
∂t ρ0 ∂z ρ0
∂ρ 0 2
N ρ0
− w = 0 (4.52)
∂t g
∂u ∂v ∂w
+ + = 0. (4.53)
∂x ∂y ∂z
Ao compararmos as equações que envolvem as perturbações na densidade e pressão verifica-
mos que são idênticas às equações da variação total de ρ e p.
A equação da velocidade vertical w é útil na derivação dos movimentos em um fluido continu-
amente estratificado. Para isso, tomar a derivada temporal da equação da continuidade e usar as
equação do movimento em u e v:
 
∂ ∂u ∂v ∂w
+ + =0
∂t ∂x ∂y ∂z

∂ ∂u ∂ ∂v ∂ ∂w
+ + =0
∂x ∂t ∂y ∂t ∂z ∂t

50
1 ∂p0 1 ∂p0
     
∂ ∂ ∂ ∂w
− + − + =0
∂x ρ0 ∂x ∂y ρ0 ∂y ∂z ∂t

Reescrevendo:
1 2 0 ∂ ∂w
∇H p = (4.54)
ρ0 ∂z ∂t
onde ∇2H ≡ ∂2 /∂x2 + ∂2 /∂y2 é o operador horizontal Laplaciano. A densidade pode ser eliminada
combinando–se as equações (4.51) e ( 4.52), o que dá:

1 ∂ ∂p0 ∂2 w
= − 2 − N 2 w. (4.55)
ρ0 ∂t ∂z ∂t

Finalmente, p0 pode ser eliminado tomando–se ∇2H da equação (4.55) e combinando com (4.54).
Isso dá:
∂2 w
   
∂ ∂ ∂ ∂w
= −∇2H 2
+N w , (4.56)
∂t ∂z ∂t ∂z ∂t 2
que pode ser reescrito como:
∂2 2
∇ w + N 2 ∇2H w = 0, (4.57)
∂t 2
onde ∇2 ≡ ∂2 /∂x2 +∂2 /∂y2 +∂2 /∂z2 = ∇2H +∂2 /∂z2 é o operador Laplaciano em 3D. Essa equação
de w será utilizada para determinar a relação de dispersão das ondas de gravidade interna para um
fluido continuamente estratificado.

4.5.3 Ondas internas num fluido continuamente estratificado

Até o momento, consideramos ondas de gravidade de superfície ou ondas de gravidade que se


propagam na interface de uma descontinuidade na densidade. Essas ondas só se propagam na
horizontal, sem uma preferência na direção, ou seja, essas ondas são isotrópicas. A velocidade só
dependia da magnitude do vetor número de onda. Se a onda se propagava na direção x, sua relação
de dispersão só dependia de ω(k). A velocidade de fase e de grupo eram na mesma direção, sendo
que diferentes magnitudes eram permitidas.
Para o caso de um fluido continuamente estratificado, as ondas internas podem se propagar em
qualquer direção, ou seja, em qualquer ângulo em relação à vertical. Nesse caso, a direção do
vetor número de onda é importante. Portanto, o número de onda, velocidade de fase e velocidade
de grupo não podem mais ser tratados como escalares.
Considere o caso em que a frequência de Brunt–Väisälä seja constante em todo o fluido. A
velocidade vertical que satisfaz a equação (4.57) pode ser descrita da forma:
~
w = w0 ei(kx+ly+mz−ωt) = w0 e(K~x−ωt) (4.58)

~ = (k, l, m) é o vetor número de onda com as componentes k, l e m nas três direções car-
onde K
tesianas. No caso das ondas internas para um fluido continuamente estratificado a direção da

51
propagação da onda é importante. A propagação na direção horizontal deve ser diferente do que
ocorre na vertical pois nessa última direção a aceleração da gravidade influi. Portanto, as ondas são
anisotrópicas e a frequência é função das três componentes do número de onda. Podemos assumir
que horizontalmente as ondas são ainda são isotrópicas pois não há uma distinção da propagação
nas direções horizontais.
Substituindo a equação (4.58) na equação de onda (4.57) teremos a relação de dispersão:

2 (k2 + l 2 )N 2
ω = 2 2 . (4.59)
k + l + m2

Desta forma, as ondas internas podem ter qualquer frequência entre 0 e N 2 .


Para simplificar a discussão, consideremos que a onda se propaga no plano xz. Não há perda
de generalização pois o meio é horizontalmente isotrópico. Consideremos que l = 0, ou seja, o
movimento não varia na direção y. Temos então:
kN kN
ω= √ = . (4.60)
k2 + m2 K

Essa relação de dispersão pode ser escrita como:

ω = Ncosθ, (4.61)

~ e a direção horizontal, Figura 18.


onde θ e o ângulo entre o vetor velocidade de fase~c, e portanto K,

Figura 18: Sistema de coordenadas para o espaço do número de ondas para expressar a relação de dispersão.
Fonte: Gill (1982).

52
A frequência da onda interna num fluido estratificado depende somente da direção do vetor
número de onda e não da magnitude do número de onda. Esta é uma grande diferença em relação às
ondas de gravidade de superfície e de interface, onde a frequência depende somente da magnitude.
A frequência só pode variar entre 0 < ω < N, mostrando a importância da frequência de Brunt–
Väisälä; N é a máxima frequência das ondas internas num fluido estratificado.
Para analisar o movimento de uma partícula numa onda interna num meio incompressível,
vamos descrever a sua velocidade:

u = u0 ei(kx+ly+mz−ωt) (4.62)

e similarmente para v e w. Derivando:

∂u
= iku0 ei(kx+ly+mz−ωt) = iku
∂x
e similarmente para v e w. Substituindo na equação da continuidade, temos então:

ku + lv + mz = 0

Isso representa o mesmo que:


kî uî + l jˆ v jˆ + mk̂ wk̂ = 0

que pode ser escrito como:


~ ·~u = 0
K (4.63)

mostrando que o movimento da partícula é perpendicular ao vetor número de onda, Figura 19.
Somente duas condições foram utilizadas para deduzir esse resultado: equação da continuidade
incompressível e o comportamento trigonométrico em todas as direções espaciais. Portanto, esse
resultado só é válido para sistemas de ondas que atendem as essas duas condições. Essas ondas são
conhecidas também como ondas transversais porque o fluido se move paralelamente a linhas de
fase constante. Ondas de gravidade de superfície e de interface não apresentam essa propriedade
pois seu campo varia exponencialmente com a vertical.
Podemos interpretar a relação de dispersão da equação (4.61) como o ângulo entre a direção
da partícula e a direção vertical, Figura 19. A frequência máxima, ω = N, ocorre quando θ = 0,
ou seja, quando a partícula se move verticalmente, para cima e para baixo. Isso corresponde para
o caso quando m = 0, mostrando que o movimento é independente da coordenada z. Nesse caso,
o movimento resultante consiste em uma série de colunas verticais oscilando na frequência N e o
fluxo variando na direção horizontal somente.

53
Figura 19: Esquema ilustrativo de ondas internas se propagando na interface entre dois líquidos com pro-
fundidade infinita. Fonte: Kundu (2002).

As variáveis p0 , ρ0 , u0 e v0 para a onda da equação (4.58) podem ser deduzidas das equações
do movimento. A relação entre essas variáveis é conhecida como relações de polarização. A
perturbação na pressão é determinada a partir da equação (4.54):
ωmρ0 w0 i(kx+ly+mz−ωt)
p0 = − e , (4.64)
k2 + l 2
e a perturbação na densidade:
iN 2 ρ0 w0 i(kx+ly+mz−ωt)
ρ0 = − e , (4.65)
ωg
Podemos mostrar que:
∂p0 m2
=− 2 2 gρ0 . (4.66)
∂z k + l + m2
E as componentes das velocidades horizontais pode ser deduzidas a partir das equações do
momento, (4.49) e 4.50), dando:
k k 0
u = − mw0 ei(kx+ly+mz−ωt) =
p, (4.67)
k2 + l 2 ωρ0
l l 0
v = − 2 2 mw0 ei(kx+ly+mz−ωt) = p. (4.68)
k +l ωρ0
Essas relações entre pressão e velocidades podem ser úteis para determinar os parâmetros das ondas
a partir de observações feitas em um ponto fixo. Por exemplo, se as componentes horizontais da
velocidade e a perturbação na pressão são medidas para uma onda progressiva, a componente
horizontal do vetor número de onda pode ser deteminada pelas relações (4.67) e (4.68).

54
No caso das ondas de gravidade de superfície ou de interface vimos que a velocidade de fase
e a velocidade de grupo são na mesma direção, porém podem ter magnitudes diferentes. Isto por
que as propagação das ondas de gravidade são isotrópicas. No caso de ondas internas num fluido
continuamente estratificado essa conclusão não é válida pois essas ondas são anisotrópicas. Será
mostrado que essas velocidades são perpendiculares entre si. Tomando a definição de cg = dω/dk
nas três dimensões temos:
∂ω ∂ω ˆ ∂ω
cg = î + j+ k̂, (4.69)
∂x ∂y ∂z
Se orientarmos os eixos de forma que as ondas propaguem no plano xz ou seja, no vetor número
~ l = 0. Derivando e substituindo na equação (4.60), temos:
de onda K,
Nm
cg = (mî − kk̂). (4.70)
K3
e a velocidade de fase é:
~
ωK ω
c= = 2 (kî + mk̂), (4.71)
KK K
~
onde o vetor K/K ~ Combinando essas duas últimas
representa o vetor unitário na direção de K.
equações podemos ver que:
cg · c = 0 (4.72)

mostrando que os vetores velocidade de fase e de grupo são perpendiculares. Podemos notar ainda
que as componentes horizontas de ~c e c~g são na mesma direção enquanto que as componentes ver-
ticais são em direções opostas. Geometricamente, esses vetores formam os lados de um triângulo
retângulo, cuja hipotenusa é horizontal, Figura 20).

Figura 20: Orientação das velocidades de fase e de grupo de ondas internas. Fonte: Kundu (2002).
Podemos concluir que quando a velocidade de fase tiver uma propagação para cima, a veloci-
dade de grupo terá uma componente para baixo e vice–versa. Para ver isso, analise a sequência da
propagação das ondas na Figura 21.

55
Figura 21: Propagação de ondas internas com velocidade de fase para baixo e velocidade de grupo para
cima. As imagens foram tomas nos tempos 28, 118, 208 e 298 (no canto superior esquerdo). Siga a linha
vermelha para acompanhar a fase e siga a posição do grupo para ver a velocidade de grupo.

A velocidade de grupo tem o mesmo significado usual: é a velocidade que a energia é pro-
pagada pelas ondas. Se tivermos uma fonte oscilatória com frequência ω, então a energia será
emanada radialmente acompanhando quatro direções, orientado num ângulo θ em relação à verti-
cal, onde cosθ = ω/N. Isso pode ser verificado em experimentos no laboratório, (veja os filmes).
Para as ondas internas, as superfícies frequência constante no espaço do número de onda são
cones onde θ = constante, conforme mostrada na Figura 22).

56
Figura 22: Para ondas internas sem rotação as superfícies de ω constante no espaço de número de onda são
cones, cujos contornos tem valor ω/N. A velocidade de grupo é perpendicular ao cone na direção de valores
crescentes de frequência (setas perpendiculares à longo do cone. Fonte: Gill (1982).

57
5 Ondas Influenciadas pela Rotação
A dinâmica do fluido geofísico, área da dinâmica dos fluidos que comumente nos referimos como
GFD (do inglês Geophysical Fluid Dynamics), envolve o estudo de processos da atmosfera e do
oceano. As duas características que distinguem GFD de outras sub–áreas da dinâmica de fluidos
são a influência da rotação da terra e da estratificação vertical da densidade do meio nos movimen-
tos do fluido, seja a água ou o ar.
As ondas de gravidade com as quais estamos mais familiarizados são aquelas que observamos
diretamente na superfície do mar ou em experimentos em tanques de ondas. Embora facilmente
visualizadas no dia–a–dia, essas ondas são muito pouco afetadas pelo efeito de rotação da terra
pois elas ocorrem numa escala muito pequena. Isso significa que, comparativamente, a frequência
desses movimentos é muito maior do que a frequência f associada aos efeitos de rotação. Por
isso, é natural que a dinâmica de fluidos comece explorando os casos mais simples, aqueles que
envolvam o ajustamento do fluido à gravidade num sistema sem rotação. Foi exatamente isso que
estudamos nas seções anteriores deste manuscrito: ondas de gravidade de superfície e internas para
um sistema não–girante. Entretanto, para se entender a dinâmica dos processos de larga–escala na
atmosfera e no oceano é essencial entender como o ajustamento do fluido ocorre sob os efeitos da
rotação pois é justamente nessa escala que a rotação realmente domina.
No caso em que o movimento é influenciado pela rotação da terra, podemos esperar duas
classes de ondas:

1. Ondas de gravidade cuja frequência é ω > f . Ao cessar o efeito da rotação, esta ondas se
tornam ondas de gravidade ordinárias. As ondas de Poincaré são um exemplo desta classe
de ondas.
2. Ondas planetárias ou ondas de Rossby cuja frequência é ω  f . A força de restauração
destas ondas é a variação do parâmetro de Coriolis com a latitude.

Existe ainda um tipo especial de ondas que surgem quando contorno laterais são introduzidos
ao longo do seu caminho. Essas são conhecidas como ondas de Kelvin.
Antes de partirmos para a teoria sobre essas ondas propriamente ditas, precisamos definir um
conjunto de equações do movimento que representem as premissas básicos dos fenômenos que
iremos estudar. Tanto o oceano como a atmosfera são consideradas como camadas fina sobre uma
esfera, onde a escala de profundidade do fluido corresponde a uns poucos quilômetros, e a escala
horizontal é da ordem de centenas ou até milhares de quilômetros. Isto significa que as velocidades
verticais do fluido são muito menores que as horizontais, de forma que as trajetórias dos elementos
de volume no fluido são muito rasas. Simplificações importantes nas equações do movimento são
feitas quando restringimos os movimentos em camadas rasas.

58
5.1 Equações do movimento para aproximação de águas rasas
Vamos retomar o caso das ondas de superfície para um oceano homogêneo de águas rasas cuja
profundidade é H. Se considerarmos que as ondas têm comprimento de onda λ  H, então as
velocidades verticais se tornam muito menores que as horizontais, conforme foi demonstrado na
seção 3.5.2. Nesse caso, as acelerações verticais ∂w/∂t se tornam desprezíveis na equação do
momento vertical e a pressão é somente a hidrostática. Foi demonstrado também que a velocidade
horizontal não depende da profundidade. Quando o efeito da rotação da terra é incluído, veremos
que a velocidade horizontal ainda continua independende da profundidade, porém as partículas
tendem a realizar movimentos elípticos na horizontal.
Considere uma camada de fluido sobre um fundo horizontal plano como na Figura 23.

Figura 23: Camada de fluido sobre plano fundo.

A coordenada z é orientada para cima e sua origem é colocada no fundo do oceano e η é o


deslocamento da superfície livre. A pressão hidrostática numa profundidade z é dada por:

p = ρg(H + η − z).

e portanto, o gradiente horizontal de pressão é dado por:

∂p ∂η ∂p ∂η
= ρg , = ρg . (5.1)
∂x ∂x ∂y ∂y
Como essas componentes são independentes de z, o movimento horizontal também será indepen-
dente de z.
Vamos considerar agora a equação da continuidade:

∂u ∂v ∂w
+ + =0
∂x ∂y ∂z

Como ∂u/∂x e ∂v/∂y são independentes de z, a equação da continuidade requer que w varie
linearmente com z, indo de zero no fundo até o valor máximo na superfície livre. Integrando

59
verticalmente na coluna d’água de z = 0 até z = H + η, e notando que u e v são independentes de
z, obtemos:
∂u ∂v
(H + η) + (H + η) + w(η) − w(0) = 0, (5.2)
∂x ∂y
onde w(η) é a velocidade vertical na superfície e w(0) = 0 é a velocidade vertical no fundo. A
velocidade na superfície é dada por:
Dη ∂η ∂η ∂η
w(η) = = +u +v .
Dt ∂t ∂x ∂y
A equação da continuidade (5.2) então pode ser reescrita como:
∂u ∂v ∂η ∂η ∂η
(H + η) + (H + η) + +u +v = 0.
∂x ∂y ∂t ∂x ∂y
Rearranjando:
∂η ∂ ∂
+ [u(H + η)] + [v(H + η)] = 0. (5.3)
∂t ∂x ∂y
A interpretação física desta equação é que o divergente do transporte horizontal está ligado ao
rebaixamento da superfície livre. Para ondas de amplitude pequena, os termos quadráticos não
lineares podem ser desprezados quando comparados com os termos lineares e portanto o termo do
divergente se reduz à H~∇ ·~u.
As equações linearizadas da continuidade e do momento são:
 
∂η ∂u ∂v
+H + = 0
∂t ∂x ∂y
∂u ∂η
− f v = −g , (5.4)
∂t ∂x
∂v ∂η
+ f u = −g
∂t ∂y
Podemos observar que nas equações do momento os termos da pressão foram escritos em termos
do deslocamento da superfície e os termos advectivos não lineares foram desprezados devido a
suposição de que a amplitude da onda é pequena comparada com a profundidade.
As equações (5.4) são conhecidas como as equações de águas rasas. Elas governam o movi-
mento do fluido em que as escalas horizontais são muito maiores que a profundidade do oceano.
Estas equações são utilizadas para se estudar vários tipos de ondas de gravidade.

5.2 Ondas de Poincaré


Nesta seção estudaremos as ondas de gravidade com frequências ω > f . Vamos assumir que f é
constante. Podemos construir uma solução deste problema baseada em equações de onda como
fizemos nas seções anteriores. Consideremos que as velocidades e os deslocamentos são escritas
da seguinte forma:
(u, v, w) = (û, v̂, η̂) ei(kx+ly−ωt) ,

60
onde û, v̂ e η̂ são amplitudes complexas e só a parte real da exponencial é considerada. Substituindo
nas equações (5.4) teremos:

−iωû − f v̂ = −ikgη̂, (5.5)


−iωv̂ + f û = −ilgη̂, (5.6)
−iωη̂ + iH(kû + l v̂) = 0. (5.7)

A solução de û e v̂ deve ser feita usando equações (5.5) e (5.6):


gη̂
û = (ωk + i f l), (5.8)
ω2 − f 2
gη̂
v̂ = (−i f k + ωl) (5.9)
ω2 − f 2
(5.10)

Substituindo essas equações em equação (5.7), obteremos:

ω2 − f 2 = g H (k2 + l 2 ). (5.11)

Esta é a relação de dispersão de ondas de gravidade na presença da força de Coriolis. Podemos


reescrevê–la como:
ω2 = f 2 + g H K 2 , (5.12)

onde K = k2 + l 2 é a magnitude do número de onda horizontal. A relação de dispersão mostra
que as ondas podem se propagar em qualquer direção horizontal e que ω > f . As ondas de gravi-
dade que são afetadas por Coriolis são conhecidas como ondas de Poincaré, de ondas de Sverdrup
ou simplesmente de ondas de gravidade rotacionais. Apesar do nome, essas ondas foram primei-
ramente resolvidas por Kelvin. A nomenclatura ondas de Poincaré é geralmente utilizada para
descrever ondas de gravidade rotacional que se propagam em canais.
Um gráfico da equação (5.12) é mostrada na Figura 24.

Figura 24: Relação de dispersão de ondas de Poincaré e Kelvin.

61
Como podemos ver, as ondas são dispersivas exceto para ω  f quando a equação (5.12) se

torna ω2 ' gHK 2 de modo que a velocidade de propagação é ω/K = gH. O limite para altas
frequências concorda com o que foi visto em ondas de gravidade de superfície para sistemas que
não são afetadas pelas forças de Coriolis, ou seja, para f = 0.
Um exemplo de ondas de Poincaré internas observadas no Lago Michigan, EUA, é mostrada
na Figura 25. O movimento da termoclina, indicado em sombreado, mostra as variações devido à
passagem da onda. Podemos perceber que a oscilação da termoclina não é perfeitamente senoidal.
Isto ocorre porque há uma superposição de movimentos, mas o período dominante da onda é de
17h.

Figura 25: Observação das correntes e da estrutura termal da camada superior de 30 m do Lago Michigan.
As setas indicam a direção e a velocidade da corrente e a porção hachurada indica a termoclina (isotermas
entre 10◦ C e 15◦ C. Os diagramas mostrados nos painéis superior e inferior estão espaçados em 17 horas,
que é o período dominante desse movimento. O período inercial local é de 17,5h. Note a estrutura de duas
camadas em ambos, temperatura e corrente, e a rotação anticiclônica dos vetores de velocidade no tempo.
Fonte: Gill (1982).

62
5.2.1 Órbita das partículas

A simetria na relação de dispersao na equação (5.12) em relação aos números de onda horizontais
k e l significa que as direções x e y não são afetadas diferentemente pelo campo de onda. Essa
isotropia horizontal é resultado da suposição que f é constante. (Mais tarde iremos ver que as ondas
de Rossby cuja relação de dispersão depende do efeito β, não são horizontalmente isotrópicos).
Como não depende da direção, para simplificar o tratamento matemático, vamos orientar o
eixo-x ao longo do vetor número de onda e usar l = 0, de modo que o campo de onda não varie ao
longo do eixo-y. Para encontrar a órbita das partículas, é conveniente trabalhar com quantidades
reais. Iremos descrever o deslocamento da superfície como:

η = η̂cos(kx − ωt), (5.13)

onde η̂ é real. As componentes da velocidade podem ser obtidas multiplicando (5.10) por ei(kx−ωt)
e tomando a parte real dos dois lados:

ωη̂
u = cos(kx − ωt) (5.14)
kH
f η̂
v = sin(kx − ωt) (5.15)
kH
Para determinar a trajetória da partícula, tomemos x = 0 e consideremos três valores de tempo que
correspondem à ωt = 0, π/2 e π. Os valores de u e v das equações em (5.15) mostram que o vetor
velocidade gira no sentido horário no hemisfério Norte em trajetórias elípticas, Figura 26.

Figura 26: Órbita de uma partícula numa onda longa de gravidade rotacional (onda de Poincaré). As
componentes da velocidade correpondendo a ωt = 0, π/2 e π estão indicadas. Fonte: Kundu e Cohen
(2002).
A trajetória elíptica é esperada porque a força de Coriolis faz com que o termo f u gere um
∂v/∂t na equação do movimento (5.4). Nessas equações a componente ∂η/∂y = 0 pois orientamos
o movimento da onda na direção-x. As partículas são constantemente defletidas para direita devido
à força de Coriolis, o que resulta em órbitas elípticas. As elipses tem uma razão de eixos de

63
ω/ f e o eixo maior está orientado na direção de propagação da onda. As elipses ficam mais
estreitas conforme a razão ω/ f aumenta, ou seja, ω aumenta em relação à f , de forma que a órbita
das partículas se torna retilínea como no caso das ondas de gravidade sem o efeito da rotação.
No entanto, a altura da superfície de uma onda de gravidade rotacional não é diferente de uma
onda de gravidade ordinária, ou seja, oscilatória na direção de propagação e invariante na direção
perpendicular.

Resumindo alguns pontos importantes

• As ondas de Poincaré se propagam em oceano aberto em qualquer direção;

• São dispersivas pois a velocidade de fase é diferente da velocidade de grupo;

• O vetor velocidade gira anticiclonicamente;

• Ondas mais curtas são como ondas de gravidade para um sistema sem rotação;

• O balanço de forças na direção da propagação da onda inclui gradiente de pressão e acelera-


ção do fluxo e a força de Coriolis ao longo das cristas e cavados;

• O balanço de forças na direção paralela às cristas e cavados é a aceleração dada pela força
de Coriolis devido à velocidade na direção que a onda se move.

5.2.2 Movimento inercial

Quando examinamos o espectro de frequências das ondas no oceano, os picos mais comumentes
observados são os das várias frequências de marés. Também observa–se um pico na frequência
inercial, f . Neste limite, as ondas de Poincaré se tornam oscilações inerciais.
Considere o limite ω → f quando a órbita das trajetórias se torna circular. A relação de disper-
são, (5.12) que K → 0, indicando uma uniformidade do campo de fluxo. A equação (5.7) mostra
que η̂ tende a zero neste limite, de forma que os gradientes horizontais de pressão desaparecem
neste limite. Pelas equações em (5.15), ∂u/∂x = ∂v/∂y = 0, então pela equação da continuidade,
w = 0. Lembre que pela continuidade, ∂w/∂z = 0, mas como w = 0 no fundo e não pode apresen-
tar variação na vertical, então w = 0 na coluna toda. Isso quer dizer que as partículas se movem
horizontalmente, com cada camada desacoplada das camadas inferior e superior. Então, o balanço
de forças se torna:

∂u
− fv = 0 (5.16)
∂t
∂v
+ f u = 0. (5.17)
∂t
(5.18)

64
A solução destas equações é da forma:

u = q cos( f t), (5.19)


v = −q sin( f t), (5.20)

onde a velocidade q = u2 + v2 é constante ao longo da trajetória. Para determinar o raio r da
órbita, utilizar a descrição Lagrangeana, onde podemos notar que há um equilíbrio de forças entre
a força de Coriolis, f q, apontada para dentro da curva e a força centrífuga, para fora, ou seja,
rω2 = r f 2 . Igualando rω2 = f q temos que r = q/ f .
No caso limite em que as órbitas são circulares com a frequência f o movimento é conhecido
como inercial e como não há gradientes de pressão a partícula se move devido à sua inércia so-
mente. O período que corresponde a esse movimento é conhecido como período inercial, 2π/ f .
Na ausência de rotação planetária tais movimentos seria ao longo de linhas retas; com a presença
das forças de Coriolis, o movimento ocorre ao longo de trajetórias circulares chamados círculos
inerciais. Movimentos quase–inerciais são frequentemente gerados nas camadas superficiais dos
oceanos a partir de mudanças repentinas do campo de vento, essencialmente porque as equações do
movimento (5.4) tem uma frequência natural f . Valores típicos de corrente q ≡ 0, 1m s−1 produz
um raio de órbita r ≡ 1km.

65
5.3 Ondas de Kelvin
Nesta seção vamos considerar o caso das ondas de gravidade que se propagam paralelamente à
uma parede. Por efeito da rotação da terra, ondas que se propagam nas proximidades de uma
parede vertical podem ser aprisionadas por esse contorno físico, Figura 27. Devido à forçantes,
essas ondas possuem amplitude máxima próxima à parede que decai conforme se afasta.
Nas regiões costeiras, as marés são frequentemente na forma de ondas de Kelvin com frequên-
cia semi–diurna. As marés são forçadas por mudanças periódicas na atração gravitacional da lua
e do sol. Essas ondas se propagam ao longo das bordas das bacias oceânicas. Adicionalmente,
tempestades cujas perturbações são difratadas (desviadas) por barreiras verticais ou espalhadas
por linhas irregulares da costa são também uma fonte de geração dessas ondas. Elas também po-
dem ser geradas num ponto longe da costa que sofre uma variação brusca ou aperiódica, como um
terremoto.

Figura 27: Diagrama de uma onda de Kelvin costeira.

Vamos considerar uma onda se propaga ao longo da parede. Para simplificar, assumiremos que
a onda se propaga ao longo de uma parede alinhada sobre o eixo-x. A presença do contorno lateral
requer que o fluxo perpendicular à sua direção seja zero, pois a onda não pode atravessar ou sair
pela parede. Ou seja, v = 0. Portanto, a equação do momento na direção y, equação (5.4), implica
que o movimento é geostrófico:
∂η
f u = −g . (5.21)
∂y
De acordo com a equação geostrófica, no hemisfério sul (HS) a onda deve se propagar com a
parede à sua esquerda, como é representada nad Figura 28. Para entender como varia a velocidade
do fluido devido a passagem da onda, vamos analisar a elevação da superfície do mar. No caso da
crista, a superfície decresce conforme y dimimui (perceba que eixo-y aponta para a esquerda), o
que gera um ∂η/∂y > 0. Como f < 0 no HS, a velocidade da fluido será no sentido positivo, ou
para leste, u > 0, na direcao da propagação da onda. No caso do cavado, ∂η/∂y < 0, o que resulta
em u < 0, Figura 28. Neste caso, como o onda se propaga deixando a parede do lado esquerdo, a

66
velocidade do fluido sob o cavado é para oeste. Sob as cristas, a velocidade do fluido é na direção
da onda, para o leste, enquanto que sob os cavados, a velocidade do fluido é na direção contrária.

Figura 28: Elevação da superfície de uma onda de Kelvin que se propaga na direção “entrando no papel”
no hemisfério sul. Adaptado de Kundu e Cohen (2002).

As equações de águas rasas são o ponto de partida para resolver o movimento das ondas de
Kelvin, lembrando que a costa está linhada com o eixo-x:

∂η ∂u
+H = 0
∂t ∂x
∂u ∂η
= −g , (5.22)
∂t ∂x
∂η
f u = −g
∂y
Assumindo uma solução na forma:

[(u, η] = [û(y), η̂(y)] ei(kx−ωt) ,

Substituindo nas equações (5.22) teremos:

−iωη̂ + iHkû = 0, (5.23)


−iωû = −ikgη̂, (5.24)
d η̂
f û = −g . (5.25)
dy

67
A relação de dispersão pode ser determinada combinando as duas primeiras equações:

η̂ [ω2 − gHk2 ] = 0

A solução não–trivial é só possível se ω = k gH que produz a seguinte velocidade:
p
c = gH (5.26)

que demonstra que a velocidade é não dispersiva pois não varia com o número de onda.
Note: A velocidade de propagação da onda de Kelvin é idêntica à das ondas de gravidade de
superfície. Sua equação de dispersão é linear conforme mostrada na Figura 24.
Para determinar η, combinar equações (5.23) e (5.25) para eliminar û, produzindo:

d η̂ f
± η=0
dy c
A solução que decai ao se afastar da costa é:

η̂ = η0 e− f y/c

onde η0 é a amplitude na costa. Portanto, a inclinação da superfície do mar e o campo de velocidade


para a onda de Kelvin é:

η = η0 e− f y/c cos k (x − ct) (5.27)


r
g − f y/c
u = η0 e cos k (x − ct) (5.28)
H
onde somente a parte real foi considerada.
As equações (5.28) mostram que na direção normal à parede, tanto a inclinação como o campo
de velocidade decaem ao se afastar dela. Esse decaimento é caracterizado pela escala de decai-
mento transversal da onda de Kelvin:
c
Γ≡
f
que é denominada de Raio de Deformação de Rossby.
Se a profundidade do oceano for h = 5 km em latitudes medias, f = 10−4 s−1 , teremos c =

gH = 220m s−1 e Γ = c/ f = 2200 km.

68
5.4 Ondas de Rossby
Até este ponto do curso, os fenômenos periódicos ondulatórios no oceano foram solucionados
considerando–se que a frequência de Coriolis é constante e que a frequência das ondas é maior que
f . Entretanto, mesmo uma observação superficial de feições mais óbvias encontradas na atmosfera,
como ciclones e anticiclones, e no oceano, como vórtices, mostra que elas podem chegar a ocupar
alguns graus de latitude. Isso mostra que considerar que o efeito da rotação da terra é o mesmo
se a área de atuação de um fenômeno for muito grande nem sempre é aconselhável. O fato de se
considerar f não constante com a latitude permite surgimento de uma família muito importante de
ondas a partir das equações do movimento, as chamadas Ondas de Rossby.
A escala espacial das ondas de Rossby é tão grande que a atmosfera só permite a existência
de uns poucos comprimentos de onda para o globo inteiro. Por isso que estas ondas são também
conhecidas como ondas planetárias. Nos oceanos, seu comprimento de onda é de aproximanda-
mente 100 km. A frequência das ondas de Rossby obedecem à condição ω  f . Por apresentar um
movimento relativamente lento, os termos com a derivada temporal nas equações do movimento
horizontal dessas ondas se tornam uma magnitude menores que os das forças de Coriolis e dos
gradientes de pressão. Por se tratar de ondas, a equações necessariamente precisam apresentar
variação temporal, o que as descaracterizam como sendo puramente geostróficas. Essas equações
são conhecidas por descrever o movimento quase–geostrófico.
Essas ondas de baixa frequência e longo período e que caracteristicamente apresentam uma
circulação zonal foram observadas e explicadas primeiramente na atmosfera por Carl–Gustaf Ros-
sby em 1939. A força de restauração das ondas de Rossby é o efeito β, mencionado anteriormente
como a variação de f com a latitude devido à esfericidade da terra.
Para entender como a variação de f com a latitude gera oscilações, é necessário levar em
consideração a conservação de vorticidade potencial:
 
D ζ+ f
=0 (5.29)
Dt h

onde ζ ≡ ∂v/∂x − ∂u/∂y é a vorticidade relativa e f é a vorticidade planetária. A soma (ζ + f )


é a vorticidade absoluta. Para exemplificar a aplicação da conservação de vorticidade potencial,
considere uma corrente que flui para o leste sobre uma região onde a profundidade é constante e
encontra um degrau orientado na direção norte–sul. A partir do ponto em que a corrente encontra
o degrau, em x = 0, a espessura da camada sofre uma descontinuidade, passando de h0 para h,
Figura 29.

69
Figura 29: Fluxo para o leste que flui sobre um degrau resultando em uma oscilação estacionária. Fonte:
Kundu e Cohen (2002).

Antes do degrau, a corrente tem uma velocidade uniforme U e portanto, sua vorticidade rela-
tiva é zero. Ao passar sobre o degrau, com a diminuição da profundidade, o fluxo deve adquirir
vorticidade relativa negativa (horária) para conservar a razão (ζ + f )/h. A vorticidade relativa de
uma elemento de fluido logo após o degrau pode ser determinado por:
f ζ+ f
=
h0 h1
que produz ζ = f (h1 − h0 )/h0 < 0 e f é a latitude do fluido antes do degrau. Devido à vorticidade
negativa, o fluido começa a se mover em direção ao equador em x = 0. Com esse movimento, f
diminui, e por isso ζ deve aumentar para manter (ζ + f ) constante. Isto implica que a curvatura
horária da corrente se reduz, e eventualmente se torna uma curvatura antihorária. Desta maneira,
uma corrente estacionária sobre um degrau gera um fluxo oscilatório.
O parâmetro de Coriolis é proporcional à taxa de rotação, Ω, e ao seno da latitude, ϕ:

f = 2Ω sinϕ.

Se a coordenada y do eixo de referência for direcionada para o norte e medida a partir de uma
latitude φ0 de referência, por exemplo a latitude do meio da onda em questão, podemos definir
ϕ = ϕ0 +y/a, onde a é o raio da terra. Considerando que y/a é uma pequena perturbação, podemos
expandir o parâmetro de Coriolis em série de Taylor como:
y
f = 2Ω sinϕ + 2Ω cos ϕ0 + ... (5.30)
a
Utilizando–se somente os dois primeiros termos da expansão, teremos:

f = f0 + β y (5.31)

70
onde f0 = 2Ωsinϕ0 é o parâmetro de Coriolis e β = 2(Ω/a) cos ϕ0 é conhecido como parâmetro β
ou parâmetro de Rossby. Para latitudes médias na Terra, f0 = 8 × 10−5 s−1 e β = 2 × 10−11 m−1 s−1 .
O sistema cartesiano que não mantem o termo β é chamado de plano- f e o que mantem, de plano-
β. Note que a representação do plano-β é válido para médias latitudes somente se o termo βy
é pequeno comparado com o termo dominante f0 . A escala de comprimento meridional L deve
obedecer a:
βL
β∗ = 1 (5.32)
f0
onde a razão dimensional β∗ é conhecida como o número planetário.
As equações que governam o movimento para o plano β, águas rasas, plano fundo, barotrópico,
hidrostático e invíscido são:
∂u ∂η
− ( f0 + βy) v = −g (5.33)
∂t ∂x
∂v ∂η
+ ( f0 + βy) u = −g (5.34)
∂t ∂y
∂η ∂u ∂v
+ H( + ) = 0 (5.35)
∂t ∂x ∂y
Nestas equações acima, se analisarmos a magnitude de cada termo, levando em consideração
alguns valores típicos do oceano, observaremos que há uma mistura de termos grandes e pequenos.

• Termos grandes: f0 , g e H.
• Termos pequenos: ∂ e β.
∂t
Portanto, o movimento dominante é o geostrófico no plano f , porém sujeita à pequenos ajustes.
Observe também que o termo temporal deve ser mantido pois as ondas só existem ondas se houver
dependência temporal. O modelo geostrófico não é uma função do tempo por isso dizemos que é
uma ferramenta diagnóstica do movimento. Por outro lado, o movimento quase–geostrófico que
tem dependência temporal é prognóstico.
Numa primeira aproximação, os termos grandes dominam e portanto podemos escrever as
componentes geostróficas da velocidade:
g ∂η
u ' − (5.36)
f0 ∂y
g ∂η
v ' (5.37)
f0 ∂x
Substituindo u e v nas equações (5.33) e (5.34), teremos:

g ∂η g ∂2 η βg ∂η
u=− − 2 + 2y (5.38)
f0 ∂y f0 ∂x∂t f0 ∂y
e
g ∂η g ∂2 η βg ∂η
v= − 2 + 2y (5.39)
f0 ∂x f0 ∂y∂t f0 ∂x

71
Substituindo–se as velocidades quase–geostróficas na equação da continuidade temos:

∂η ∂ ∂η
− R2 ∇2 η − βR2 =0 (5.40)
∂t ∂t ∂x
ou como é comumente expressa:

∂2 η ∂2 η f02
 
∂ ∂η
2
+ 2 − 2 η +β =0 (5.41)
∂t ∂x ∂y c ∂x

gH c
onde R = f0 , ou ainda R = f0 , é conhecido como raio de deformação de Rossby. A equa-
ção (5.41) é conhecida como a forma quase–geostrófica da equação linearizada da vorticidade que
governa os movimentos de larga–escala. Deduzimos essa equação manipulando diretamente as
equações do movimento e da continuidade, mas poderiamos tê–la deduzida a partir da linealiza-
ção da equação da conservação da vorticidade potential (ver a dedução alternativa no (Kundu and
Cohen 2002)). Essa equação se parece com uma equação de onda. Portanto, podemos tentar uma
solução oscilatória da forma:
η = η0 e(kx + ly − ωt)

onde η0 é a amplitude, k e l são os números de onda e ω é a frequência.


Substituindo a equação de η na equação da vorticidade (5.41) podemos determinar a relação
de dispersão para as ondas de Rossby:

k βk
ω = −βR2 =− (5.42)
1 + R2 (k2 + l 2 ) k2 + l 2 + f02 /c2

Observe que essa relação de dispersão é assimétrica em relacal a k e l o que implique que o
movimento da onda é não isotrópica na horizontal; isso já era esperado devido ao efeito β.
Consideremos ω para valores positivos somente, então os sinais de k e l servirão determinar a
direção de propagação da fase. Podemos fazer algumas considerações sobre as ondas analisando a
equação (5.42). Se a correção β não for feita, ou seja, β = 0, voltaremos para o caso do plano f ,
e não teremos as ondas de Rossby pois a frequência se torna nula. Para os casos em que as ondas
existem, podemos ainda comparar o comprimento de onda característico com o raio de deformação
e mostrar que a frequência das ondas de Rossby é muito pequena. Se definirmos L(≈ 1/kx ≈ 1/ky )
como uma medida do comprimento de onda, teremos dois casos: L < R ou L > R:

• Ondas longas (L <≈ R): ω ' −βL,


2
• Ondas curtas (L >≈ R): ω ' − βRL <' −βL.

Em ambos os casos, a premissa inicial expressa em equação (5.32), mostra que βL << f0 , o que
implica que ω  f0 .
O gráfico da relação de dispersão das ondas de Rossby é mostrada na Figura 30:

72
Figura 30: Relação de dispersão das ondas de Rossby da frequência em função do número de onda k e l = 0,
(gráfico superior) com regiões de velocidade de grupo positivo e negativo. No painel inferior, relação de
dispersão visto de cima, no espaço das componentes do número de onda. As setas perpendiculares indicam
a direção da velocidade de grupo. Fonte: Kundu e Cohen (2002).

A relação de dispersão ω(k, l) a partir da equação (5.42) pode ser mostrada como uma super-
fície, tomando k e l ao longo do eixo horizontal e ω ao longo do eixo vertical. A seção desta
superfície ao longo de l = 0 é indicada no painel superior da Figura 30. Os contornos de ω são
circunferências pois a relação de dispersão pode ser escrita como:

β 2 2
 2
f02
 
β
k+ +l = − 2.
2ω 2ω c

A Figura 31 mostra a relação de dispersão em 3D:

73
Figura 31: Relação de dispersão das ondas de Rossby em 3D onde nos eixos horizontais estão representadas
as componentes do número de onda e no eixo vertical, a frequência. Cortesia: Paulo Polito.

As componentes da velocidade de fase são:

ω −βR2
c px = = (5.43)
k 1 + R2 (k2 + l 2 )
ω −βR2 (k/l)
c py = = (5.44)
l 1 + R2 (k2 + l 2 )

Observe que a componente zonal da velocidade de fase é sempre negativa, o que implica que
estas ondas vão sempre para oeste. O sinal da componente meridional não é determinado pois
pode ser postitivo ou negativo e portanto a onda pode ter uma componente tanto para o norte como
para o para o sul. Em suma, as ondas de Rossby só podem se propagar para o noroeste, oeste ou
sudoeste. Especificamente as ondas de Rossby muito longas, ou seja, ambos 1/kx e 1/ky muito
maiores que R, a velocidade de propagação se reduz à:

c = −βR2 .

Isto significa que estas ondas só podem se propagar para oeste e esta é sua máxima velocidade
permitida.
A velocidade de grupo, que é a velocidade pela qual a energia da onda se propaga, é definida
como o vetor c~g = ( ∂ω î, ∂ω jˆ) e representa o gradiente da função ω no plano dos números de onda
∂k ∂l

74
(kx , ky ), Figura 32. As componentes são:

∂ω β(k2 − l 2 − f02 /c2 )


cgx = = 2 2 (5.45)
∂k (k + l + f02 /c2 )2
∂ω 2βkl
cgy = = 2 2 (5.46)
∂l (k + l + f02 /c2 )2

Usando β = 2 × 10−11 m−1 s−1 , um típico valor de c ' 2m/s e um valor típico para latitudes
médias de f0 ' 10−4 s−1 , estima–se que cx ' 10−2 m/s. Com uma velocidade tão baixa, as ondas
de Rossby podem levar anos para atravessar o oceano em latitudes médias. As ondas de Rossby no
oceano são mais importantes em baixas latitudes, onde elas são mais rápidas. Note que a relação
de dispersão (5.42) não é válida numa faixa próxima do equador, pois nessa região a geostrofia não
pode ser definida.

Figura 32: Relação de dispersão das ondas de Rossby em no espaço das componentes do número de onda.
Cortesia: Paulo Polito.

75
6 Marés
“A maré é uma distorção no formato de um corpo induzido pela atração gravitacional de um outro
objeto em sua proximidade. “
Esta definição claramente relaciona as marés como resultado da gravitação; os efeitos da rota-
ção não são mencionados. Por outro lado, poderíamos argumentar que a rotação por si só poderia
gerar distorções na superfície da terra, dando–lhe um formato oblongo, caracterizado por um “ca-
lombo” na região equatorial. Somente devido à rotação, a superfície pode se elevar até 23 km
(0,4%) acima do nível que teria se não estivesse girando em torno de seu eixo. Isto não é um efeito
de maré. Nem tampouco é devido à atração gravitacional de uma massa externa ou apresenta vari-
ações periódicas sincronizadas com uma força externa gravitacional. De fato, é sobre este formato
de referência que medimos a variação da superfície causada pelas marés.
Em teoria, os fluidos são atraídos por todos os campos gravitacionais que atuam sobre eles.
Entretanto na prática, com exceção à própria gravidade da terra, somente o sol e a lua têm influência
fortes o suficiente para induzir variações perceptíveis no oceano. A resposta observada na terra
em relação à interação com estes dois corpos celestes é dada na forma de uma sequência muito
complexa de movimentos de maré que variam em fase, frequência e amplitude. As forçantes mais
importantes de maré têm frequências que variam desde aproximadamente duas vezes ao dia até
duas vezes ao ano.
As marés influenciam a profundidade do oceano e produzem correntes, o que tornam a previsão
das marés uma questão importante para a navegação. Pelo fato de influenciar o nível do mar, as
marés influenciam o habitat dos organismos que vivem em zonas intermarés. Além disso, as marés
podem forçar correntes que interagem com o fundo do oceano produzindo turbulência que tende
a promover mistura das camadas mais fundas. Se estas correntes de maré forem suficientemente
intensas, podem prevenir a estratificação da camada. Por causa disso, existem regiões no oceano
que são permanentemente misturadas por efeito da maré. Existem espécies que utilizam de área de
forte mistura por maré para se reproduzirem.
Em condições onde a mistura de maré é menos intensa e a coluna d’água se torna estratificada,
a interação das correntes de maré e a topografia de fundo pode levar à formação de ondas internas
na termoclina durante o período da maré. Estas ondas se propagam para as regiões mais rasas,
perdem energia e decaem, porém ao mesmo tempo promovem mistura vertical e redistribuição de
nutrientes, sendo assim importantes na produção fitoplanctônica. Por vezes, essas ondas internas
chegam a produzir ondas solitárias que podem influenciar na distribuição de zooplânctons e larvas
de peixes.
As correntes de marés ao se moverem para dentro e para fora de bancos rasos, interagem com
a topografia de fundo e geram corrrentes unidirecionais que formam giros em torno desses bancos.
A combinação de águas misturadas pela maré no topo desses bancos e os giros em torno de sua
periferia podem prover condições particularmente apropriadas para o desenvolvimento de ovos e

76
larvas de peixes.
Esses são alguns aspectos que tornam o entendimento das marés importante não só pela sua
influência na dinâmica dos oceanos mas também devido ao seu impacto no aspecto biológico.

6.1 Forças geradoras da maré


É de conhecimento geral que as marés são principalmente causadas por influência da lua. Mas as
marés são causadas pela atração da terra pela lua e em menor grau, pelo sol. De fato, mesmo se
a lua não existisse, ainda assim teríamos marés oceânicas, porém de menor intensidade pois o sol
contribui com apenas 30% do efeito das marés. Adicionalmente, devemos acrescentar que não é a
magnitude da força de atração gravitacional que é responsável pelo mecanismo da maré mas sim
uma diferença sutil dessa atração na água em várias partes da bacia.
Primeiramente, vamos discutir sobre a magnitude dessa força de atração. Embora intuitiva-
mente muitos até achem que a força de atração entre a terra e a lua seja maior, podemos mostrar
através de estimativas que a atração gravitacional da terra pelo sol é muito maior que a atração da
terra pela lua. A distância média entre o centro da terra e o centro do sol é Ds = 1, 496 × 1011 m. A
força gravitacional do sol sobre 1kg de massa numa distância Ds é dada pela equação gravitacional
de Newton:
GMs 6, 674−11 N(m/kg)2 1, 9891 × 1030 kg
as = 2 = 11 2
= 5, 9 × 10−3 N kg−1 .
Ds (1, 496 × 10 m)

Fazendo o mesmo cálculo para a lua, cuja distância em relação à terra é Dl = 3, 84 × 108 m,
teremos:
GMl 6, 674−11 N(m/kg)2 7, 3477 × 1022 kg
al = 2
= 8 2
= 3, 39 × 10−5 N kg−1 .
Dl (3, 84 × 10 m)

onde G é a constante gravitacional do universo e Ms e Ml são as massas do sol e da lua.


Comparando os dois resultados, podemos ver que a atração gravitacional do sol por unidade de
massa é da ordem de 178 vezes mais forte que a da lua (e isso não é surpresa pois a terra gira em
torno do sol e não da lua). Isto mostra que a magnitude da atração gravitacional não é a responsável
pelo mecanismo da maré pois senão a maré por causa do sol seria mais intensa que a da lua. O que
causam as marés são diferenças sutis dessa atração gravitacional em diversas partes do planeta.
São estas pequenas diferenças na força de atração sobre os pontos do volume dessa terra elástica
que são responsáveis pelas forças geradoras da maré. Essa força diferencial, as vezes conhecida
como a força da maré, é que deforma a terra e os grandes volumes de líquido sobre ela.
O efeito da maré causam sobre a superfície de equilíbrio da terra dois calombos, ou bojos, um
sendo puxado em direção à lua, e um outro do lado oposto da terra, sendo puxado para longe da lua,
formando um elipsóide de revolução, Para se compreender corretamente o que causam as marés
devemos ser cuidadosos em definir um sistema de referência. O sistema de referência escolhido

77
para essa análise é o inercial, definido em algum ponto distante nas estrelas fixas. Devemos consi-
derar que a rotação da terra não tem efeito nenhum sobre a geração dos dois "calombos"devido à
maré, portanto para o propósito de análise das causas da maré, a terra não está em rotação. Lembre,
que a maré é uma deformação que é sobreposta à superfície de equilíbrio da terra, aquela que já
está deformada devido ao movimento de rotação.
Por simplicidade, vamos considerar que o sistema é composto somente pela terra e pela lua;
ignoremos o sol. No sistema inercial, a força que mantem a lua girando em torno da terra é a
gravitacional. A lua e a terra estão em queda livre em direção ao centro de massa do sistema que
fica em algum ponto dentro da terra. (A terra e a lua não "caem"em direção a esse ponto pois o
momento angular devido a rotação é o suficiente para equilibrá-los numa órbita circular.)
Vamos entender como ocorrem as diferenças na atração gravitacional considerando distintos
pontos sobre a terra. Para simplificar, vamos assumir que a terra é coberta por oceano de profun-
didade uniforme e sem continentes. Considere que R é o raio da terra cujo centro fica no ponto O.
Considere ainda dois pontos sobre a superfície: C que fica mais proxímo à lua e F, no ponto mais
distante em relação à lua, do lado oposto de C, Figura 33. Como a atração gravitacional depende
do quadrado da distância, lua “puxa” o ponto C mais fortemente por unidade de massa do que o
ponto O, que por sua vez é mais forte do que o ponto F. Em relação ao centro da terra, a aceleração
do ponto C será a + ∆a e o ponto F, a − ∆a. Tomando–se 1 kg de massa no centro O, podemos
calcular a sua aceleração em direção à lua:
GMl
a= . (6.1)
D2l

Calculando a aceleração gravitacional causada pela lua no ponto C, teremos:


GMl
aC = .
(Dl − R)2
Essa é a aceleração da terra como um todo em queda livre em direção ao centro de massa do
sistema Terra–Lua e é determinada pela atração gravitacional da lua aplicada no centro da terra.
Existe uma diferença de aceleração efetiva de um objeto sobre o ponto C, e um no ponto C:
 
1 1 2 Dl ∗ R
∆al = GMl 2
− 2 = GMl 2 .
(Dl − R) Dl Dl (Dl − R)2

Como R é pequeno comparado com Dl , podemos simplificar a equação acima para:


2 Dl R constante
∆al = G Ml 4
= 3
= 1, 103 × 10−6 N kg−1 . (6.2)
Dl Dl

Ou seja, a diferença da aceleração gravitacional entre esses dois é aproximadamente proporcional


ao cubo da distância do corpo que está sendo atraído. Isto significa que se a lua estive na metade
da atual distância, as acelerações da maré seria oito vezes mais intensas. Essa é a força responsável
pela elevação da superfície do mar devido à maré do lado mais próximo à lua.

78
Se fizermos esse cálculo para o ponto F, deduziremos a mesma diferença de aceleração con-
forme mostrada na equação (6.2). Para tanto, considerar que o ponto F está numa distância Dl + R
da lua. Este exercício pode ser aplicado em qualquer ponto na terra, inclusive no seu interior. Atra-
vés destes cálculos mostramos que tudo na terra está sendo atraído em direção à lua, porém com
intensidades diferentes.
Do ponto de vista de um observador na terra, ou seja, no referencial da terra, o ponto C estaria
acelerado em direção à lua com ∆al , o ponto O estaria parado em relação à ele, e o ponto F, estaria
acelerado em direção contrária à lua, com aceleração −∆al . Se não fosse pela atração gravitacional
da própria terra, o planeta poderia ser “desintegrado”. Como resultado da atração da lua, nos pontos
C e F o observador “sentirá” uma aceleração relativa de g − ∆al apontada em direção do centro da
terra. Este é exatamente o motivo pelo qual se explica a existência da elevação da superfície do
mar do lado oposto à da lua.
O resultado da ação destas forças é o movimento da água em direção aos pontos C e F, que
num estado de equilíbrio geram um elipsóide de revolução com dois “calombos” apontados na
direção e oposto à lua. Esta configuração é conhecida como a maré de equilíbrio. Obviamente,
as setas apresentadas na Figura 33 são exageradas para facilitar a visualização e compreensão.
(Vale lembrar que só conseguimos perceber essas protuberâncias na altura do mar porque a terra
é sólida. Se a terra fosse maleável, o fundo dos oceanos se deformaria juntamente com a água
devido as forças da maré.)

Figura 33: Diagrama mostrando as forças geradoras da maré em diversos pontos sobre a terra. A lua está à
direita da figura.

Em outros pontos, como E ou G, devemos levar em conta que como a lua está a uma distância
finita da terra, as linhas de força que passam por eles não são paralelas a linha que sai de O. Desta
forma, ao fazermos uma decomposição de vetores, verificaremos que haverá uma componente
proporcional à sinα apontada para o centro da terra, onde o ângulo α é medido entre a linha que

79
liga os centros da lua e da terra e a linha entre E e o centro da lua, de forma que tanα = R/Dl .
Portanto, a aceleração em E e G será proporcional à g + ∆al /2, apontada para o centro da terra.
Neste ponto, vale lembrar que toda a dedução das forças geradoras da maré são feitas consi-
derando um sistema inercial, sem aceleração. A rotação do sistema terra–lua não foi levada em
consideração e mesmo assim as forças de maré são geradas. O que prova a hipótese inicial que as
marés são resultado da atração gravitacional, e não rotação.

Existe uma explicação alternativa sobre a física das marés que inclui uma “aparente” força cen-
trífuga na terra devido à rotação do sistema terra–lua em torno do seu centro de massa. Por causa
da relação de massas da terra e da lua, esse centro de massa está localizado a aproximadamente
1600 km abaixo da superfície da terra. A terra realiza um movimento de translação em torno deste
centro, mas sem rotação. Imagine o movimento circular de uma frigideira nas mãos de um cozi-
nheiro. Em relação a um referencial inercial, todos os pontos na terra apresentam uma aceleração
a0 cuja magnitude e direção são os mesmos. Todos os pontos descrevem um círculo de mesmo
raio e portanto apresentam a mesma velocidade angular em torno deste centro de massa.
A força centrífuga é a mesma para qualquer ponto na terra e por isso não pode contribuir
para as forças de maré. Entretanto, esta força centrífuga uniforme é igual à força gravitacional
que age no centro da terra, porém com direção contrária. Desta forma, subtraindo–se esta força
gravitacional do centro da terra das forças de gravidade local, ou seja, da força gravitacional da
lua, como fizemos acima para determinar as forças geradoras da maré, tem o mesmo efeito que
adicionar uma força centrífuga uniforme, como alguns textos na literatura afirmam. Embora as
duas explicações pareças diferentes, eles levam ao mesmo resultado.
Devemos compreender que no final as duas explicações devem ser satisfatórias para se entender
o movimento da maré pois o problema é o mesmo. A diferença é que essa segunda explicação inclui
uma força fictícia: a força centrífuga. Essa força deve ser introduzida para explicar o movimento
que está sendo analisado dentro de um sistema de referência não–inercial. A única forma de
explicar como surge o elipsóide de revolução nesse sistema seria uma força fictícia que equilíbra a
atração gravitacional. Na realidade essa força não existe, é fictícia e sendo assim, não existe uma
forçante real que esteja gerando esse movimento.

Podemos fazer cálculos análogos em relação ao sol considerando somente a terra e o sol, onde
a terra está em queda livre em direção ao sol.
2 Ds R constante
∆as = G Ms = = 5, 052 × 10−7 N kg−1 . (6.3)
D4s D3s

A atração gravitacional do sol é 178 vezes mais forte que a da lua. Como a força da maré é
proporcional ao inverso do cubo da distância, a relação de distâncias é Ds /Dl ' 390. Então, a
atração do sol é somente 178/390 = 0,46 da atração pela lua, ou seja ∆as = 0, 46∆al . Podemos

80
analisar também pelas equação (6.2) e (6.3). Como ∆al /(∆al + ∆as ) = 69%, podemos ver que a
lua domina no mecanismo de maré.

6.2 Teorias sobre as marés


Existem duas teorias sobre maré, a teoria do equilíbrio e a teoria dinâmica, ambas utilizam o
conceito das forças geradoras da maré como forçante no oceano.

6.2.1 Teoria de maré de equilíbrio

Esta teoria também é conhecida como a teoria estática das marés e foi introduzido por Newton
para investigar a resposta oceânica à forças geradoras da maré. Na teoria de equilíbrio, assume–se
que a terra inteira é coberta de água de profundidade e densidade uniforme. Toda as deduções
acima foram feitas sob a suposição desta teoria. Num tempo suficiente longo, o equilíbrio será
estabelecido quando as forças de pressão hidrostática que resultam da inclinação da superfície em
relação às superfícies geopotenciais se equilibram às forças geradoras da maré, Figura 34.

Figura 34: Do lado esquerdo é apresentada a magnitude relativa das forças geradas da maré em vários
pontos sobre a terra. Na direita, a deformação da superfície do mar devido à maré, mostrada de forma
exagerada. Em ambos casos, a lua está na direção do equador terrestre.

Dentro desta teoria, como resultado das forças geradoras da maré, observaremos a forma elip-
sóide da superfície dos oceanos, com o eixo maior sempre apontado para a lua. Esta superfície
de equilíbrio tem a mesma energia potencial, ou seja, é equipotencial. Com a rotação da terra,
uma sequência de duas marés altas, que coincidem com a posição da lua ou sol no seu zenite ou
nadir, e duas baixas são observadas para cada dia lunar, exceto nas regiões próximas a E e G. Esta
teoria explica a natureza das marés semidiurnas e as diferenças na altura do mar em altas ou baixas
sucessivas.
O problema da teoria estática é que ela só consegue prever marés lunares de apenas 0,55 m e
0,24 para marés solares, que combinados dariam um máximo de 0,79 m de variação total. Entre-
tanto, as marés observadas nos oceanos reais são muito maiores. Além disso, essa teoria falha na
previsão das respostas de outros constituintes, Tabela 6.2.1.

81
Os principais períodos de interesse para a maré são o do dia (2π/Ω), mês lunar (2π/Ωm =
27, 321 dias) e o ano tropical (2π/Ωy = 365,242 dias). Na prática, a frequência:

Ωl = Ω − Ωm + Ωy

é usado no lugar de Ω, onde 2π/Ωl é o dia lunar.


A principal componente da maré, a maré lunar semidiurna, M2 , tem a frequência de 2Ωl e
o período de π/Ωl =12,4h. As 11 componentes mais importantes que contribuem com mais de
10% do máximo da maré está listado na Tabela 6.2.1 juntamente com sua nomenclatura mais
comumente aceita: M2 , K1 , etc., com o subscrito 2 significando período semidiurno e 1, diurno.
Os períodos dominantes de maré podem ser classificados em três grupos: semidiurno, diurno e de
longo período (14, 28, 180 dias, etc.)

Tabela 2: Modos de marés mais importantes.

Nome Modo da Maré Período (h)


Maré semidiurna
M2 lunar principal 12,421
S2 solar principal 12,000
N2 lunar elíptico 12,658
K2 declinação lunar–solar 11,967
Maré diurna
K1 declinação lunar–solar 23,935
O1 lunar principal 25,819
P1 solar principal 24,066
Q1 lunar elíptico 26,868
Maré de longo período
Mf lunar de 14 dias 327,86
Mm lunar mensal 661,31
Ssa Semianual solar 4383,04

Como resultado das forças atrativas, a maré de equilíbrio gera duas marés altas e duas baixas
por dia lunar, Figura 35. Esta é conhecida como a constituinte da maré lunar semidiurna. Seu
período é de 12,42 h e denotada como M2 , Tabela 6.2.1.

82
Figura 35: Diagrama para a maré lunar semindiurna. Fonte: http://www.oc.nps.edu/nom/day1/partc.html

O dia lunar dura 24,84h, maior que o dia solar. A lua revolve em torno da terra em 27,32 dias,
Figura 36.

Figura 36: Explicação da duração do dia solar e do dia lunar.

A órbita da lua, e portanto os calombos, são inclinados em relação ao equador da terra. Desta
forma, as duas altas ao longo do dia lunar não são iguais dos dois lados da terra. Isto é conhecido
como a desigualdade diurna da maré lunar semidiurna. A constituinte principal da maré lunar
diurna, K1 , tem um período de 23,93h.
O formato da bacia é um fator marcante na determinação do sinal da maré num local específico,
que pode ser predominantemente semidiurno, diurno ou uma mistura dos dois, Figura 37.

83
Figura 37: Série temporal para os três tipos principais de maré: semidiurna, mista e diurna. Os dados estão
referenciados em relação ao nível médio do mar. Fonte: NOS tidal datum.

As marés devido ao sol também devem ser consideradas. Por exemplo, a maré S2 , com período
de 12 h, é uma outra componente semidiurna importante.
Quando o sol, a terra e a lua estão alinhados, como ocorre na lua nova e lua cheia, as forças
de maré do sol e da lua estão na mesma direção e causam marés altas maiores que a média, e
marés baixas mais baixas que a média. Estas marés mais fortes são chamadas de marés de sizígia.
Enquanto que nas luas crescente e minguante, a força de maré da lua esta na direção perpendicular
a do sol. Isto faz com que em média as marés seja menores. Estas são conhecidas como marés de
quadratura, Figura 38. O período de rotação do sistema Terra–Lua é de 27.3 dias. Porém o ciclo
completo de maré, incluindo os eventos de sizígia e quadratura, leva 29.5 dias. Isto por que a lua
leva 27.3 dias para orbitar completamente a terra, porém como o sistema terra–lua também orbita
em volta do sol, é necessário um tempo extra de 2.2 dias para que a terra e a lua voltem exatamente

84
para a mesma posição. A analogia é a mesma para se explicar o porquê da diferença entre o dia
solar e lunar.

Figura 38: Esquema ilustrativo para a maré de sizígia e maré de quadratura, olhando do ponto de vista
do polo Norte. Duas elipses sólidas representam o contorno da terra elástica causada pelas forças de maré
produzido pela atração devido à Lua durante a sizígia (lua nova ou cheia) e quadradura (quarto crescente
ou minguante). As elipses pontilhadas com contornos menores representam a deformação devido à atração
pelo sol.

6.2.2 Teorica dinâmica da maré

Até então levamos em consideração o modelo de maré de equilíbrio baseada nas primeiras expli-
cações dadas por Newton a respeito das marés semidiurnas. Nesse modelo, somente o movimento
relativo entre a lua e terra são considerados, a terra é uma esfera sem rotação coberta por um oceano
de profundidade uniforme e estático, ou seja, sem correntes. A força geradora da maré é resultado
do gradiente de força de atração gravitacional entre a terra e a lua que gera as duas protuberân-
cias no oceano. Considerando que a terra tem um movimento de rotação, os pontos sobre a terra
apresentam marés semidiurnas. Essa maré é conhecida como a maré de equilíbrio.
A teoria de equilíbrio prevê marés semidiurnas em todos os pontos do planeta com uma peri-
odicidade de 12h25m. Esse tempo significa que no equador a lua passa com uma velocidade de
aproximadamente 450 m s−1 . Essa velocidade é devido ao efeito combinado da rotação da terrao e
do movimento da lua ou do sol em relação à terra. Ou seja, os ”calombos” da maré devem se pro-
pagar com essa velocidade. Essa periodicidade não é observada na prática. Logo a seguir veremos
que a velocidade de propagação da maré é limitada pela profundidade dos oceanos.
De acordo ainda com a teoria de equilíbrio, a altura total da maré deveria ser entre 20 e 50 cm,
entretanto as variações são muito maiores. Então o que há de errado na teoria de equilíbrio? Essa

85
teoria não leva em consideração que o oceano é formado por bacias de formatos irregulares e que
as protuberâncias da maré sofrem fricção ao se moverem através das bacias e que a própria água
tem inércia uma vez que esteja em movimento.
Uma teoria completa da maré deve levar em consideração a resposta oceânica às variações
temporais das forças geradoras de maré. A teoria dinâmica foi desenvolvidas por Laplace, 100
anos após a teoria de equilíbrio vislumbrada por Newton. Na teoria dinâmica, a terra inteira ainda
é considerada coberta de água numa profundidade uniforme mas as forças atrativas agora enxergam
os bojos da maré como ondas de marés. Essas forças são capazes de gerar ondas com períodos
correspondentes à constituintes da maré, ou seja, ondas forçadas. Esta teoria prevê um aumento
nas amplitudes do estado–estacionário quando as forças geram variações próximas ao período
natural de oscilações do sistema. A aceleração de Coriolis e a aceleração vertical da partícula são
desprezíveis.
Essa onda de maré tem uma altura relativamente pequena, de aproximadamente 50 cm em
oceano aberto, e um comprimento de onda muito longo, de 20000 km, ou seja, meia circunferência
da terra. Isso faz que a profundidade média dos oceanos, 4000 m seja muito, muito menor que o
comprimento da onda da maré. Então, a onda de maré é uma onda de gravidade de superfície de
águas rasas em todo lugar e interage continuamente com o fundo do oceano. A velocidade de fase

de uma onda de gravidade longa é ditada por c = gH onde H é profundidade do oceano. Nesse
caso, a velocidade da onda de maré é limitada a 200m s−1 . Sendo uma onda de águas rasas, a onda
de maré sente o fundo, desacelera, se eleva e as vezes pode quebrar. Além disso, a onda de maré
reflete, refrata e interefe com outras ondas.
Suponha que uma onda com comprimento de onda muito longo (L) seja introduzida numa
bacia retangular de profundidade uniforme D. A onda avança através da bacia, reflete na borda e
se propaga de volta através da bacia. Dado um tempo suficiente, uma onda regular irá interagir
com a refletida e gerar uma onda estacionária. Nessa configuração, ocorrerá regiões onde o nível
do mar não se alterará, conhecidas como linhas nodais, e opostamente, onde as variações devido
à onda serão máximas, nas linhas antinodais. Pontos nodais, também conhecidos como pontos
anfidrômicos ocorrem perto do centro da bacia.
O período de oscilação dependerá do tamanho da bacia e de sua profundidade. Essas ondas
estacionárias de maré não são ondas livres. Ondas livres são geradas por alguma forçante e depois
disso elas se propagam livremente. As ondas ressonantes de maré são geradas e continuam a ser
forçadas conforme o sistema responde pela progressão dessas ondas. A cada passagem da lua
é aplicada mais uma força sobre essas ondas. O complexo movimento da maré em cada bacia
é a soma da última perturbação interagindo com a ação das passagens meridianas anteriores da
lua. Dependendo do formato da bacia, a onda estacionária pode responder com uma diferentes
frequência dominantes, como uma maré diurna, semidiurna ou mista.
As ondas de Kelvin são observadas como uma forma especial dessa onda estacionária numa
bacia grande o suficiente para que o volume de água sinta o efeito da rotação da terra. Essa onda

86
se manifesta com as cristas oscilando nas margens da bacia.

6.3 Equações do movimento


Como vimos anteriormente, na teoria dinâmica, o formato elipsóide da terra devido à maré não
consegue acompanhar o movimento ditado pelas atrações gravitacionais por que a sua resposta
está limitada à uma velocidade de 200m s−1 , a velocidade de uma onda longa de gravidade. Essas
ondas levariam 2 dias para se propagar em volta da circunferência da terra, porém na prática o
seu deslocamento é limitado pelo formato complicado das bacias. Dois fatores tornam a previsão
das marés um problema muito complexo: i) o tempo que essas ondas levam para se propagar em
torno do planeta é comparável ao período de rotação da terra e ii) os oceanos tem um formato
complicado.
Para resolver o problema do movimento das marés, podemos tratar as forças gravitacionais
como gradientes de potencial. A distribuição do potencial gerador de maré, ΦT , sobre a superfície
pode ser expresso como uma expansão de séries em harmônicos esféricos cujos coeficientes podem
ser expandidos em séries de Fouries com frequência que são combinações lineares das frequências
básicas do sistema solar.
As equações do movimento quando incluimos as forças geradoras de maré, tem um adicional
por unidade de massa −~∇ΦT :
D~V 1
+ 2~Ω × ~V = − ~∇p −~g − ~∇ΦT , (6.4)
Dt ρ
onde ~V representa o vetor da velocidade total.
A aproximação de águas rasas pode ser utilizada nesse caso pois a escala horizontal é muito
maior que a profundidade. Essa aproximação é a mesma utilizada por Laplace. A dinâmica de
maré pode então ser entendida em termos da solução das equações de águas rasas com as forçantes
de maré locais:
∂u ∂u ∂u ∂
+ u + v − f v = −g (η − ηe ) (6.5)
∂t ∂x ∂y ∂x
∂v ∂v ∂v ∂
+ u + v + f u = −g (η − ηe )
∂t ∂x ∂y ∂y
onde η é a elevação da altura da superfície e ηe é dado por:
ΦT
ηe = − . (6.6)
g
Podemos considerar ηe = ηe (x, y,t), ou seja, somente depende das variações na horizontal e
com o tempo, pois ΦT varia muito pouco com z. ηe é a elevação da altura que o oceano teria se
não tivesse o efeito dinâmico, (u = v = 0), e é chamado de maré de equilíbrio.
A continuidade é dada por:
∂η ∂ ∂
+ [(H + η)u] + [(H + η)v] = 0. (6.7)
∂t ∂x ∂y

87
Nessas equações, as correntes são asssumidas como independentes da profundidade, águas
rasas, ou seja, a maré é barotrópica. Na prática, podemos observar não somente a maré barotrópica
mas também a baroclínica que é gerada pela interação entre as correntes e a topografia de fundo.
A partir então dessas equações, os correntes oceânicas devido à ação das marés podem ser
determinadas a princípio em qualquer ponto sobre os oceanos. Métodos numéricos tem sido utili-
zados para resolver as equações de Laplace. O método em si é simples mas requer uma quantidade
de processamento muito grande se considerarmos um oceano com formato e profundidade realís-
tica e interações relevantes como a maré da terra sólida for incluída nos cálculos. Com o aumento
da capacidade computacional atual, as soluções são mais completas e mostram a variação da altura
da maré como apresentada na Figura 39

Figura 39: Amplitude da maré M2. A linhas representam os pontos que estão em fase. As setas indicam o
sentido de propagação da fase da onda de maré.
Podemos dizer que atualmente as marés em oceano aberto estão resolvidas com um alto grau
de precisão. Isso pode ser comprovado por exemplo na utilização de dados de altura da superfície
medidos por satélites altimétricos. Variáveis relevantes para o estudo da dinâmica e termodinâmica
dos oceanos podem ser obtidas a partir da medida das variações da altura da superfície, como por
exemplo a altura dinâmica, correntes geostróficas e calor armazenado nos oceanos. No entanto,
para que possamos isolar somente o efeito dinâmico, devemos remover a influência da maré ba-
rotrṕica, além de aplicarmos outras correções atmosférias, (Polito 2005). Os modelos de maré

88
em oceano aberto atuais são utilizados para tal correção e removem muito bem o sinal da maré
nos dados de altura. O mesmo não ocorre para marés em regiões próximas à costa. Na prática,
regiões mais rasas que 1000 m de profundidade apresentam problemas na remoção da maré em
dados altimétricos quando utilizamos o modelo global. Nesses casos, medidas diretas de maré e
uma modelagem numérica local devem ser considerados para as correções desses dados.

6.4 Análise de Marés


Dados de registros de marés são obtidos através de marégrafos instalados na costa, gerando séries
temporais como no exemplo da Figura 40.

Figura 40: Registro de dados de maré em Ponta da Armação, Niteroi, RJ. Fonte:
http://www.mares.io.usp.br/aagn/7/dhn/presentation-brasil-digilevel.htm

89
Podemos observar que as séries temporais longas são compostas por combinações lineares de
componentes periódicos ou quase periódicos sobrepostos à tendências de longo termo e ruidos
randômicos de alta frequência. As componentes periódicas são assumidas como tendo amplitudes
e fases que são constantes ou pelo menos que variem muito devagar ao longo de todo o registro.
As tendências podem incluir desde uma deriva muito lenta das características dos sensores ou uma
componente associada à variabilidade de longo–termo, por exemplo climática, que não pode ser
resolvida pela série temporal. O ruído de alta frequência inclui flutuações dos sensores e da eletrô-
nica mas também pode estar relacionado com os processos físicos oceânicos como turbulência de
pequena escala.

6.4.1 Análise de Fourier

O objetivo de se analisar uma série temporal no campo das frequências é separar as componentes
das oscilações periódicas do que são flutuações randômicas e não periódicas. A análise de Fourier
é um dos métodos mais comumente utilizados para identificar essas componentes periódicas em
dados oceanográficos.
A premissa básica da análise de Fourier é que qualquer série temporal de comprimento finito
e de repetições infinitas, y(t), definida num período entre 0 e T pode ser reproduzida como uma
soma linear de senos e cossenos, ou série de Fourier da forma:

y(t) = ȳ(t) + ∑[A p cos(ω pt) + B p sin(ω pt)] (6.8)


p

onde ȳ é a média da série, A p e B p são as constantes conhecidas como os coeficientes de Fourier, e


as frequências angulares especificidas, ω p são múltiplos inteiros (p = 1, 2, ...) da frequência funda-
mental, ω1 = 2π f1 = 2π/T , onde T é o comprimento total da série temporal. Se uma quantidade
suficiente desses componentes de Fourier forem utilizados, cada valor da série temporal poderá ser
reconstruído com precisão ao longo da série temporal. A contribuição relativa de cada um desses
componentes para a variancia total da série temporal é uma medida da importância de cada uma
das componentes da frequência na composição do sinal total. Este é o principal conceito envolvido
na técnica de análise espectral. Especificamente, a coleção de coeficientes de Fourier com amplitu-
des A p e B p formam um periodograma que define a contribuição que cada componente oscilatória
ω p faz para a energia total observada no sinal oceânico. Ou seja, podemos utilizar as componentes
de Fourier para estimar o espectro de potência (energia por unidade de frequência) de uma série
temporal.
Para entender melhor o mecanismo de funcionamento da análise de Fourier, vamos consider
uma série temporal y(t) contínua, como amplitude finita e duração finita. Exemplos desses tipos
de séries incluem registros horários de maré na costa ou medidas de temperatura numa bóia fixa.
Se y é periódico, então existe um período T onde y(t) = y(t + T ) para todo t.
Suponha que a série temporal apresenta medidas em tempos discretos com espaçamento ∆t.
Como a série tem duração T , há no total N = T /∆t intervalos de amostragem e N + 1 pontos de

90
amostragem no tempo onde y(tn ) = y(n∆t) ≡ yn (n = 0, 1, ...N). Usando a análise de Fourier, é
possível reproduzir o sinal original como uma soma de senos e cossenos de diferentes amplitudes
e fases. Na Figura 41, é mostrada uma série temporal y(n∆t) de 41 pontos seguidos pelas gráficos
do primeiro, segundo e do sexto harmônicos que podem ser somados para criar a série temporal.
As frequências desses harmônicos são f = 1/T, 2/T e 6/T respectivamente. O harmônico N/2 é
a componente com frequência mais alta que a série pode resolver. A frequência desse harmônico
é fN = (N/2)/N∆t = 1/2∆t ciclos por unidade de tempo e o período é 2∆t. Esta frequência é
conhecida como a frequência de Nyquist.

Figura 41: Amostragem discreta de um sinal contínuo y(t). O intervalo de amostragem é ∆t e a frequência
fundamental é f1 = 1/T onde T = N∆T é o comprimento total da série e N =40. O sinal y(t) eha a some do
primeiro, segundo e do sexto harmônico. Fonte: Emery e Thomson (2001).

91
6.4.2 Análise Harmônica

Numa análise de Fourier padrão, as amplitudes de Fourier são determinadas em pontos igualmente
espaçados no intervalo das frequências determinados como múltiplos inteiros da frequência fun-
damental, f1 . Ou seja, para as frequências f1 , 2 f1 , 3 f1 , ..., fN , onde fN é a frequência de Nyquist.
A análise de Fourier pode ser utilizada para se determinar a composição espectral de uma série
temporal. Entretanto, ela não é muito útil na análise de um a série que apresenta frequências
pré–determinadas. No caso da análise de série de maré, não há a necessidade de se procurar por
frequências que não seja aquelas determinadas pelas forças astronômicas. E ainda, gostaríamos de
determinar todas as amplitudes e fases de um maior número de frequências possíveis utilizando–se
a menor série temporal de dados possível. Para esses casos, podemos utilizar uma técnica conhe-
cida como análise harmônica onde o usuário especifica as frequências que gostaria de examinar e
aplica técnicas de ajuste por mínimos quadrados para determinar as diversas componentes.
A análise harmônica foi inicialmente desenvolvida visando a análise de marés mas pode ser
aplicada para análise de séries com períodos anual ou semi–anual ou qualquer outra oscilação
cíclica. A hierarquia dos harmônicos do sinal da maré são dominados pelos movimentos diurnos e
semi–diurnos, seguidos por oscilações de 15 dias, mensal, semi–anual e anual. Neste curso iremos
abordar o método dos mínimos quadrados para determinar as diversas componentes da maré.

6.4.3 Método dos Mínimos Quadrados

O método dos mínimos quadrados é uma técnica utilizada para se fazer o melhor ajuste de uma fun-
ção num conjunto de dados. Para melhor entender o método, vamos utilizar um exemplo prático,
no caso, uma série temporal de medidas de temperatura da superfície do mar, Figura 42.

Figura 42: Série temporal de temperatura da superfície do mar em função do tempo, em ◦ C.

Aparentemente observamos que a temperatura tem uma tendência de aumento com o tempo.
Poderíamos fazer ajuste de uma reta nesse conjunto de dados e determinar qual seria essa tendência.

92
Desta forma, o objetivo é desenvolver um modelo que represente a distribuição média dos dados,
acompanhando esse tendência linear. Podemos especificar as seguintes variáveis:

xi : tempo, i = 1, · · · , N

yi : temperatura medida

ybi : temperatura modelada

yi = ybi + εi onde

εi : erro do ajuste

Nesse modelo, assumimos que podemos determinar uma expressão para a temperatura mode-
lada, ybi e que o ajuste está sujeito a um erro εi . O modelo escolhido é o linear, desta forma:

ybi = b0 + b1 xi

onde

b0 : coeficiente linear

b1 : coeficiente angular

A questão a ser respondida é: Qual é o melhor valor de b0 e b1 ? Poderíamos ter uma infinidade
de soluções, como as propostas na Figura 43:

Figura 43: Ajustes de reta aos dados de temperatura da superfície do mar em função do tempo, em ◦ C.

O melhor b0 e b1 é aquele que minimiza a média de |εi | ou de ε2i , onde εi é o erro envolvido em
cada ponto em relação ao modelo adotado, Figura 44. Podemos calcular a somatória dos erros em
cada ponto como:
1 N 2
ε2i = ∑ εi .
N i=1

93
N
Como N é constante, basta minimizarmos Se = ∑ ε2i .
i=1

Figura 44: A regressão linear pelo método dos mínimos quadrados leva em consideração o quadrado da
diferença entre o valores medido e o ajustado. A somatória da contribuição dessas diferenças deve ser
minimizada.
N
Podemos combinar yi = ybi + εi e ybi = b0 + b1 xi para obter ε = yi − b0 − b1 xi . Como Se = ∑ ε2i ,
i=1
temos então que:
N
Se = ∑ (yi − b0 − b1 xi )2
i=1
∂Se ∂Se
Para minimizar Se em relação a b0 e b1 , devemos estimar ∂b0 =0e ∂b1 =0
Vamos calcular as derivadas:
!
N N N N
∂Se
= 0 ⇒ −2 ∑ yi − Nb0 − b1 ∑ xi = 0 ⇒ b0 N + b1 ∑ xi = ∑ yi (6.9)
∂b0 i=1 i=1 i=1 i=1

e !
N N N
∂Se
∂b1
= 0 ⇒ −2 ∑ xiyi − b0 ∑ xi − b1 ∑ xi2 =0
i=1 i=1 i=1
N N N
⇒ b0 ∑ xi + b1 ∑ xi2 = ∑ xi yi (6.10)
i=1 i=1 i=1
Observe que temos duas incógnitas e N equações. Esse problema pode ser definido através
da solução das várias equações. Na verdade, dizemos que o problema esta superdefinido, pois
tem muito mais equações do que incógnitas. Podemos utilizar uma forma esperta de resolver esse
problema se pensarmos em termos de solução de matrizes. Por um momento, vamos esquecer
dessas equações e definir algumas matrizes que logo mais tarde vão fazer sentido.
Vamos definir três matrizes, X, Y e B tais que:

94
  

1 x1 y1 !
 . .   .  b0
X = . .  Y = .  B=
 . .   .  b1
1 xN yN

Observe o resultado de X 0 X, a multiplicação da transposta de X (trocar linha por coluna) com


X:    
N
1 x1
 . .   N ∑ xi 
!
1 ··· 1
X 0X =  .. ..  = 
  N
i=1
N

x1 · · · xN 
∑ xi 2
∑ xi

1 xN i=1 i=1

Vamos calcular também X 0Y :


 
N
∑ yi 
X 0Y = 
 i=1

 N 
∑ xi yi
i=1

Agora, observe o código de cores e os termos das equações do ajuste através da regressão
linear:

N N
b0 N + b1 ∑ xi = ∑ yi (6.11)
i=1 i=1
N N N
b0 ∑ xi + b1 ∑ xi2 = ∑ xiyi (6.12)
i=1 i=1 i=1

Pensando em produtos de matrizes, podemos escrever as relações acima como:

(X 0 X)B = (X 0Y ) (6.13)

Portanto a solução para B, a matriz de coeficientes, é:

B = (X 0 X)−1 (X 0Y ) (6.14)

é a que minimiza o erro Se . Quando inseridos em ybi = b0 + b1 xi resultam na reta ajustada. Esta reta
passa por (x̄, ȳ), Figura 45.

95
Figura 45: Ajustes de reta aos dados de temperatura da superfície do mar em função do tempo, em ◦ C,
através do método dos mínimos quadrados.

Finalmente, o erro do ajuste é dado simplesmente por:


s
1 N
sε = ∑ (yi − ybi)2
N − 2 i=1
A formulação matricial apresentada é genérica e portanto pode ser aplicada para ajuste de
polinômios de ordens maiores, além da determinação de tendências e ajuste de funções oscilatórias,
como o caso de ondas e variação sazonal.
Como mais um exemplo, podemos analisar a seguinte série temporal que apresenta uma osci-
lação de aproximadamente 15 dias, Figura 46.

Figura 46: Ajustes linear pelo método dos mínimos quadrados em funções oscilatórias no tempo.

Neste caso o modelo é:


2π 2π
[b
yi ] = b0 + b1 xi + b2 sin( xi ) + b3 cos( xi ).
T T
q
Note que a amplitude é b22 + b23 e a fase é arctan( bb23 ).

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Esse método nos traz mais próximo de onde queremos chegar que é a modelagem de dados
de maré de forma que possamos separar as componentes astronômicas que são bem determinadas.
As principais componentes da maré são apresentadas na Tabela 6.2.1. Os principais são: M2 =
12.4206 h, S2 = 12.0000 h, K1 = 23.9344 h, etc. Utilizando o método descrito anterior, podemos
definir uma função ybi como:
2π 2π 2π 2π
ybi = b1 sin( xi ) + b2 cos( xi ) + b3 sin( xi ) + b4 cos( xi ) + · · · (6.15)
M2 M2 S2 S2
e na mesma notação que anteriormente, podemos definir uma matriz X que contém as componentes
oscilatórias cujas fases são definidas pelas fases dos períodos da maré:
2π 2π 2π 2π
X = [sin( xi ) cos( xi ) sin( xi ) cos( xi ) · · ·] (6.16)
M2 M2 S2 S2

Podemos aplicar B = (X 0 X)−1 (X 0Y ) na análise de dados maregráficos, como feito num exemplo
prático em Fernando de Noronha, Figura 47.

Figura 47: Resultado do ajuste das principais componentes da maré em dados de maré em Fernando
de Noronha. No painel da esquerda são mostrados os dados originais medidos (azul) juntamente com a
somatória dos 11 principais harmônicos modelados pelo método dos mínimos quadrados (vermelho). A
linha verde mostra a diferença entre o medido e o modelado. À direita é mostrada uma ampliação de uma
parte da série temporal. Dados obtidos no site http://goosbrasil.org, dentro do projeto GLOSS-Brasil.

A análise harmônica permite separar as diversas oscilações que compõe o sinal de maré através
do método dos mínimos quadrados. Quanto maior o número de componentes, ou seja, de períodos
das componentes da maré que serão definidos na matriz X, mais precisa será a modelagem do sinal
total. Na Figura 47, o painel da esquerda mostra o sinal original em azul sobreposto ao modelado,
linha vermelha. Podemos ver que distinção entre as duas curvas é mínima. A função de ybi nesse
exemplo foi calculada a partir dos 11 principais componentes de maré definidos na Tabela 6.2.1. A
curva verde sobreposta às outras curvas é o resíduo do ajuste, ou seja, sinal total menos a modelada.
Isso mostra que o erro associado ao ajuste não é significante.

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O capítulo sobre métodos de mínimos quadrados e análise harmônica foi baseado em notas de
curso ”Analise de Dados em Oceanografia Fisica”, IOF257, do Prof. Paulo Polito. Informações
mais detalhadas sobre esse e outros métodos pode ser encontradas em (Emery and Thomson 2001).

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Referências
Emery, W. and R. Thomson, 2001:. Data analysis methods in physical oceanography. Elsevier
Science Ltd.
Kundu, P. K. and I. M. Cohen, 2002:. Fluid Mechanics (2nd ed.). Academic Press, 730 pp.
Pedlosky, J., 2003:. Waves in the ocean and atmosphere: introduction to wave dynamics. Sprin-
ger Verlag.
Polito, P. S., 2005:. Utilização de dados de altímetro em oceanografia. Oficina de Textos.

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