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1. Introdugdo Caro leitor, tenho uma série de perguntas a que gostaria que respondesse. Nao se importa? Entao vamos comegar: ‘Se lhe dessem a escolher entre um vinho razo4- vel e um vinho no qual houvesse vinagre mistu- rado, qual escolheria? Tem a certeza? Se lhe perguntassem se frequentar a escola é ou no algo de benéfico, que responderia? De certeza? Se lhe dissessem que a esperanga de vidadeum adulto do sexo masculino em Portugal ¢ de 25 anos e que 65 por cento da populagao tem mais de 65 anos de idade, concordaria? E se Ihe dissessem que o ditado popular «de pequenino € que se torce 0 pepino» quer dizer que no se aprende nada a seguir a infancia, apoiaria tal interpretacdo? Nao? E se estivesse a participar num experiéncia de aprendizagem, chegaria ao ponto de punir os ertos de alguém com choques eléctricos que pusessem em risco a vida dessa pessoa? Nunca, pois néo? Se eu fosse a si nfo estaria tio seguro, ¢ sabe porqué? Porque grande parte dos sujeitos que participaram em experiéncias de influéncia social fizerem e disseram coisas assim (Campos, Fol- gado, Neves e Roda, 1986; Allen e Wilder, 1980; CAPITULO IX Influéncia social Leonel Garcia-Marques Milgram, 1963; Tuddenham e McBride, 1959). f. da explicagao destas e doutras bizarrias que versa este capitulo. preciso notar que para que esta defi- nigao se adeqtie ao campo da psicologia social onde se originou é n¢ ntar que esta pode ser apen: ginado, presst posto (Crutchfield, 1955) ou antecipado (Allport, 1954) sem que os fendmenos sobre os quais nos debrucaremos cessem de ocorrer. De resto, esta definigio, se bem que consiga abarcar perfeita- menteas Areas de estudoda influé ent {as tratados nos outros: capitulos deste livro, ou seja, uma boa parte da 202 psicologia social. Se tal facto é, por um lado, indi- cagio de que esta definigao ¢, talvez, demasiado lata, €, por outro, sinal da prioridade do éanceito de influéncia social na constituigio da propria psicologia social (Sherif, 1936). Corservando esta definicao por aquilo que indicia,é, no entanto, titil dispor de uma definigao suplementar, uma «definigao de trabalho», que nos pemmita delimitar mais pragmaticamente esta dred de pesquisa. Essa definicdo, jé apresen- tada noutro lugar (Garcia-Marques, 1987 a), € a seguinte; «Na pratica [...], 0 cabegalho “Influéncia Social” em trabalhos de psicologia social indica a sua incluso nas linhas de investigacao experi- mental iniciadas por Sherif e Asch» (p. 1). E por isso datemos prioridade & apresentacao destas duas grandes linhas de investigacao, acrescentan- do-Ihes a discussio dos paradigmas experimen- tais em que surgiram, em psicologia social, 0 estudo da inovacao e da obediéncia, 1.2. A influéncia social: como tem sido estudada A. definigo pragmatica acima apresentada pode parecer demasiado restritiva. E, sem davida, restrita, mas essa sua caracteristica nao faz mais do que reflectir@ modo\comoraiinfluéncia social tem sido estudada em psicologia social. De facto, nada de mais comum existe na evolucao de uma disciplina cientifica do que a redefinigao ciclica do seu objecto ‘de. estudo em termos cada vez menos vagos (Kuhn, 1970). E se essa redefinicgo é, algumas vezes, guiada conceptual ou estrate- gicamente, muitas outras sucede a partir de uma anilise minuciosa de paradigmas experimentais bem aceitese estabelecidos na investigagio de um dado problema. Daf que, se, na infancia de muitas reas de estudo, a delimitagao de uma tematica segue de perto aquela que poderia ser feita por um leigo inteligente, na sua maturidade essa delimi- taco prende-se, quase sempre, ao conjunto de metodologias que vieram a ser usadas para a estu- dar. Por isso, muitas vezes, a experimentacdo tem um papel mais central do que a teoria (Hacking, 1984; Kuhn, 1978), desenvolvendo-se uma dis- ciplina nao apenas pela investigacio de um pro- blema mas também pela investigacao dos pro- blemas criados pelos métodos utilizados para o estudar. Em influéncia social foi muitas vezes isso que aconteceu. As questées a estudar nao tém sido tanto «o que é a influéncia social», que processos psicolégicos Ihe sio inerentes, que fenémenos se podem explicar recorrendo a este conceito, etc., mas antes, por exemplo, «como se pode explicar © que ocorreu nas experiéncias de Asch». & necessario acrescentar que, apesar disto, alguns investigadores tm tomado estes paradigmas experimentais como analogias ou modelos sim- plificados da realidade social (e.g., Moscovici, 1976; Mugny, 1981; Sherif, 1936). Mas tal é, indiscutivelmente, muito discutivel (McGuire, 1983; Turner, 1981). De qualquer modo, as consequéncias deste pro- cesso sio evidentes — na evolucao desta area de estudo, a quantidade de investigagao sobre deter- minados temas nao reflecte apenas 0 seu interesse substantivo, reflecte também a relevancia destes paraa compreensao dos processos subjacentes aos paradigmas experimentais mais conhecidos. $6 para ilustrar este ponto, bastard interrogarmo-nos sobre a razio pela qual a influéncia social tem sido quase sempre estudada em contextos de mudanga de comportamentos, atitudes ou crengas. Nao terd o conceito de influéncia social relevanci para a compreensao dos fenémenos de estabili- dade.dos comportamentos, das atitudes e das crengas? Provavelmente tera, mas, como vere- mos, 86 a mudanga é significativa nas situagdes ctiadas por Asch, Milgram ¢ Moscovici. Por isso, implicitamente, ainllténciasocial € Considerada, muitas vezes, como algo que necessariamente opée individuo e grupo. E, contudo, é quase certo que 0 grupo pode contribuir em muito para @ estabilidade das crengas individuai: 2. A influéncia social as escure as experiéncias de Musafer Sherif 21. Introdugéo Apesar de 0 conjunto de experiéncias que ire- mos discutir seguidamente ser uma contribuigio decisiva para o estudo da influéncia social, nao deixa de ser curioso verificar que as razdes que as motivaram so muito mais gerais do que uma simples tentativa de abordagem desta temitica. De facto, Sherif procurava langar as bases para uma verdadeita psicologia social, procurando partir de processos psicolégicos basicos e bem documentados na investigagéo do comporta- mento dos individuos para a compreensao das suas consequéncias ou transformag6es em con- textos sociais (Sherif, 1936, 1937). Nestas experiéncias, Sherif tomou como ponto de partida um conceito central da psicologia, o de «quadro de referéncia», Este conceito refere-se a tendéncia generalizada que os individuos apre- sentam para organizar as suas experiéncias, esta- belecendo relagées, em cada momento, entre esti- mulosinternos ou externos, criando unidades fun- cionais que fornecem limites e significado aquilo que € experimentado, Um simples e conhecido exemplo’serd suficiente para compreender a que estamos a aludir. \S€ Colocarmos uma mio em gua fria ¢ depois a mergulharmos em 4gua morna, agua morna parecer-nos-d estar quente. Se colo- carmos uma mao em Agua quente e depois a mudarmos para 4gua morna, a 4gua morna pare- cer-nos-A estar fria. Porqué? Basicamente, porque as sensag6es nao dependem apenas das qualida- des da estimulagio mas também, em muito, da situagao de cada sensagio num dado quadro de teferéncia subjectivo, onde se relaciona com outras experiéncias relevantes ¢ acessiveis do individuo .. Neste caso, a.sensagao"da tempera- tura da 4gua depende sempre de uma compara- Gao implicita com a experiéncia imediatamente anterior. 203 Este fenémeno da organizacio da experiéncia 4 volta de um quadro de referéncia é tio geral que Sherif nao teve-dificuldade em inventariar dados empiricos relevantes em Areas de estudo tao diversas como a percepcio, a estimativa de gran- dezas fisicas, a meméria, 0 afecto oua perso- nalidade. O autor, tomado este ponto de partida, estava interessado em tornar mais claro este processo, ilustrando o mais precisamente possivel 0 papel da actividade subjectiva de cada individuo na criagao destes quadros de referéncia. Este era o ‘seu problema psicolégico basico, mas Sherif nao se quedava por aqui, considerava este proceso como 0 fundamento psicolégico que se encon- trava na base da formagao de normas culturais como fenémeno generalizado (Sherif, 1935, 1936). Quer dizer, € evidente que as regras de conduta ¢ os costumes variam imenso de povo para povo, de regido para regiao, Masao é menos evidente que existe algo de constante nesta variagao, ¢ esse algo é a existéncia de regras de conduta e de costumes em todos os povos e em todas as regides. A uniformidade de padrées dentro de uma mesmia Cultura, que vai desde a maneira de usar os talheres & mesa até as formas que o enamoramento assume, é algo que desde hd muito chamou a atengdo dos cientistas sociais. Ora, segundo Sherif, esta universalidade era sintoma de um fundamento psicolégico comum. Daf que o autor, ao estudar a formagio de quadros de teferéncia, pretendesse aclarar 0 modo como as atitudes e crengas (quadros de referéncia indivi- duais) se inter-relacionam, desde a sua génese, com as normas grupais e culturais (quadros de referéncia sociais). E tanto que Sherif queria acla- rar oassunto que achou por bem apagar as luzes do laboratério. 2.2. No laboratério as escuras Sherif precisava de uma situaco em que nao fossem aplicdveis regras anteriormente aprendi- 204 das, qucfosse instivel eambigua. Porqué? Porque pretendia demonstrar 0 mais claramente possivel a acco da tendéncia para a organizacao das tes individuos exibisse coeréncia, esta s6 poderia advir desta tendéncia subjectiva para a orga- nizagao. Ora existe um fenémeno perceptivo que cafa que nem sopa no mel: Este ¢feito foi, pela primeira vez, identificado na astronomia. Humboldt, ao observar o firma- mento do alto de uma enorme montanha, notou movimentos nas estrelas, até ai desconhecidos. O entusiasmo por esta descoberta esmoreceu quando Schweizer demonstrou que estes movi- mentos nao podiam possuir realidade fisica. Esta verificagao nfo foi dificil, bastou demonstrar que diferentes astrénomos observavam aomesmo tempo diferentes movimentos na mesma estrela. Se este fendmeno no reflectia nenhuma reali- dade fisica, 0 que era? Era evidentemente um fenédmeno perceptivo, alias bastante facil de reproduzir. Basta colocar um individuo numa sala completamente escura (de preferéncia onde ele nunca esteve) e acender uma luz fraca durante um momento. Este vera a luz mover-se. Se repe- tirmos a experiéncia por varias vezes, o individuo verd a luz mover-se por diversos pontos da sala e em diversas direcgdes. O que é interessante é que isto acontece enquanto a luz esteve sempre imével. E se pedissemos a esse sujeito para esti- mara extensao do movimento da luz? Bom, nesse caso obteriamos precisamente a situacéo em que nao existem regras anteriores aplicdveis nem consisténcia objectiva de que Sherif necessi- tava! E foi isso mesmo que Sherif (1935, 1936) fez, usando sempre 0 mesmo dispositivo expe- timental (ver figuras 1 ¢ 2), mas fazendo as adaptagées necessdrias para abordar diversas quest6es, que foram principalmente as seguin- tes: 1. Como varia a extensio do movimento ilus6rio percebido em varias condigdes. A saber: a) Ao longo das estimativas sucessivas de um individuo isolado; b) Numa situagao de grupo; ©) Quando um individuo é trazido para um situagio de grupo, depois de ter experi- mentado a situagao sozinho; d) Quando um individuo é deixado s6 na situagao, depois dea ter experienciado em grupo; e) Quando um individuo é colocado na situa- cao em conjunto com sujeitos que rece- beram indicages do experimentador para fornecerem determinados tipos de esti- mativas; f) Quando o experimentador fornece indi- cagGes sobre a correcgao das estimativas, 2. Que efeito pode ter a sugestio na direcgao dos movimentos ilusérios percebidos. As hipéteses donde partia cram as seguintes: a) Umindividuo colocado s6 numa situagéo (c.g. exposigéo ao efeito autocinético)em que nio disponha nem de conhecimento anterior relevante nem de um quadro objectivo de referéncia iré organizar a sua experiéncia a partir do seu proprio comportamento; b) Scum grupo for colocado na mesma situa- ¢40, cada individuo adoptaré o comporta- mento dos outros como padrdo organiza- dor do seu préprio comportamento. Para além destas hipéteses mais ou menos explicitas, Sherif (1935, 1936, 1937) enunciou um conjunto de quest6es que iremos apresentando ao falar de cada modalidade de experiéncias rea- lizadas pelo autor. 205 Figura 1 Esquema da sala das experiéncias (Sheff = Oestimulo luminoso era um pequeno ponto de luz que podia ser visto através de um pequeno orificio de uma caixa de metal (ver figura 1). A luz era apresentada ao sujeito quando se levantava uma portinhola que se encontrava em frente do orificio. A distancia que mediava entre 0 sujeito e © estimulo luminoso era de cinco metros. O sujeito estava sentado a uma mesa onde se encontrava uma tecla de telégrafo. Era-Ihe explicado, que depois de a sala ficar completamente escura,:ser- -lhe-ia mostrado um ponto luminoso. A sua tarefa era a de premir a tecla assim que esse ponto Tuminoso surgisse e que, logo apés 0 seu desapa- recimento, estimasse a distiincia que esse ponto 332 Escala: um metro luminoso tinha percorrido. Os sujeitos forneciam em voz alta a sua estimativa (em polegadas), que era registada de imediato pelo experimentador. Cada sujeito fornecia cem estimativas. No fim dessas estimativas cada sujeito respondia a trés perguntas: «Foi dificil fazer uma estimativa da distancia? Se sim, exponha as razGes. Mostre com um diagrama como se moveualuz. Tentou usar algum método proprio para aper- feigoar as suas estimativas?» Os resultados mais interessantes foram que, apesar de se registar uma enorme variacio int individual nas estimativas apresentadas, cada sujeito definiu um intervalo idiossincratico para os seus juizos, oscilando a volta de um ponto médio cedo encontrado. Por exemplo, as medianas das esti- 206 matives dos dezanove sujeitos utilizados foram de 0,36 49,62 polegadas, enquanto os intervalos variaram em extensao desde 1,25 polegadas até as treze polegadas. Os dados relativos as respostas fornecidas as perguntas mostraram que os sujeitos acharam a tarefa dificil precisamente pela auséncia de ponto de referéncia (por exemplo, um sujeito afirmou na sua primeira resposta que a tarefa era dificil por- que «nao existiam objectos préximos», outro porque «no existia um ponto fixo pelo qual julgar a distancia»). Ainda mais interessantes foram as Tespostas 4 pergunta sobre as estratégias utili- zadas. Por exemplo: «Comparei com a distancia prévia», ou «comparei julgamentos sucessivos» ou ainda «primeira estimativa como padrao». Experiéncias indi Série dois A segunda série de experiéncias pretendeu apenas aferir a estabilidade deste fendmeno, Com ésse fim levatam-se os sujeitos a realizar trezentas estimativas em diversos dias da mesma semana. Os resultados demonstraram que, uma vez criado um intervalo subjectivo e um ponto médio dentro desse intervalo, existe uma forte tendéncia para a sua manutengio. Experiéncias individuais Série trés Nesta terceira série (Sherif, 1937) foram segui- dos os mesmos procedimentos experimentais, mas introduziu-se uma variacdo importante: a certa altura da sucessio de estimativas, 0 expe- rimentador dizia que as estimativas estavam a ser demasiado altas (ou baixas). Os resultados desta modificagao foram bastante notaveis, Os sujeitos alteravam consideravelmente 0 seu quadro de referéncia (ponto médio e intervalo) na direcgao sugerida pelo comentario do experimentador, Experiéncias individuais Conclusées As principais conclusées destas duas séries de experiéncias podem sintetizar-se do seguinte modo: Colocados numa situacéo ambigua e nao dis- pondo de aprendizagem anterior relevante, os sujeitos das experiéncias de Sherif, ao invés de reflectirem a desorganizagao inerente a essa situa- cao, desenvolveram quadros de referéncia idios- sincraticos ¢ estdveis, definindo implicitamente um padrao (um ponto médio) eum intervaloAroda desse padrao. Fica assim demonstrado que a ten- déncia psicolégica para a auto-organizacao é ma do que um simples reflexo da organizacao do con- texto em que os individuos coexistem. Finalmente, € de realcar que a estabilidade destes quadros de referéncia individuais nao é imutavel — um comen- tario do experimentador pode levar a sua recons- trugdo Experiéncias de grupo Série um Os procedimentos utilizados foram basicamente os mesmos das séries anteriores. A principal dife- renga foi a utilizagio simultdnea de varios sujeitos em grupos de dois ou de trés. Assim, as instrugées inclufam também um pedido aos sujeitos para que fossem alterando a ordem em que respondiam Além destas ligeiras modificac6es no procedi mento experimental, algumas perguntas foram acrescentadas ao questiondrio pés-experimental. Referiam-se, no essencial, & consciéncia de que dispunham tanto do seu quadro de referéncia como da influéncia que os outros tiveram no seu estabelecimento, Foi tambem omitido 0 pedidode um diagrama do movimento que a luz descrevera, para diminuir a possibilidade de que os sujeitos se dessem conta da ilusao, Nesta primeira série de experiéncias, os sujeitos, depois de experienciarem a situagio acima des- crita em trés sessdes de cem estimativas, em diferentes dias, eram submetidos a uma quarta Ai se torna facil verificar que: sessio, esta individual (ver quadro 1). Procura- va-se assim verificar nao sé a influéncia que os @) Quando os individuos comegam as suas individuos tinham uns nos outros durante as ses- estimativas em sessGes individuais os seus sées de grupo, mas também até que ponto essa padrdes (pontos médios) e intervalos influéncia se estendia para situagdes em que 0 variam muito mais do que quando a pri- individuo se encontra isolado. meira sesséo em que participam é de grupo; b) A variagio nas sessdes individuais reduz-se muito se os individuos a experi- Quapro I : - mentam depois de passarem pelas sessdes Estrutura das séries de grupo de grupo; Spent ©) Aconvergéncia que se verifica nas sessées de grupo diminui se os sujeitos jé passa- ram por sess6es individuais; d) Aconvergéncia que se verifica nas sesses de grupo nao acontece a roda da média dos varios padrées individuais. Os individuos variam na sua contribuicao para o padrio do grupo; e) A assimetria de convergéncia assinalada em d) nunca é absoluta. Quer dizer, apesar de alguns individuos convergirem mais do que outros, isso nao quer dizer que 0 hives padrao do grupo seja apenas o padrao de {1,2,3} um dos seus membros: a convergéncia verifica-se em todos os individuos. Experiéncias de grupo Série dois Esta segunda série de experiéncias sé diferia da primeira no contetido das quatro sessées. Nesta segunda série, cada individuo participava pri- meiro numa sessao individual e posteriormente em trés sessées em grupo (ver quadro I). Neste caso, procurava-se verificar até que ponto um padrdo individual, que sabemos de grande esta- bilidade, se mantém em situagGes de grupo. Experiéncias de grupo Resultados e conclusées das séries um e dois mente, que aconvergén- cia individual em sess6es de grupo, apesar de variar em extensio, foi universal. Os resultados foram extremamente interessan- tes e stio apresentados nas figuras 2 ¢ 3. 208 Ficura 2 Figura 3 Impacte do grupo nas estimativas individuais (Experiéncias de Sherif) Medianas dos grupos de dois sujeitos Medianas dos grupos de trés sujeitos Comesando individualmente Comegando com 0 grupo Comegando indivi almente --Comegando com 0 grupo Primpiro grapo- Primelro grupo- Primeiro grapo Primeiro grupo Lipesie tide cabekee thas Cnt Rem aee ‘Segundo grupo ‘Segundo grupo: ? a i 2 gol Q Ra a a . : Tose] || ‘ ; : ‘ 5 : 3 3 3 3 i ; ° a 9 : 19 ' ; . e/-——T Quarto grupo t ° Quarto grupo 5 5 ; : + : : : —Sijelto 1 3 : pa SE] = Sule 2 2 2 —Sujeito 2 ed 2 2 ‘Sujelto if i i Suite of 0 ot I pad T r ca wr a = Sesion Boson’ Atealizagio de estimativas em grupo promove a convergéncia das estimativas individuais (figura 2) ¢ 0 seu impacte faz-se sentir mesmo quando os individuos sao posteriormente levados a fazer estimativas isoladamente (figura 3). Experiéncias de grupo situagdo de grupo com dois individuos, Um deles Série trés (sempre o mesmo) era um comparsa do experi- mentador, alguém de prestigio (assistente em Nesta série (Sherif, 1937), 0 autor procurou _psicologia na Universidade de Colimbia), que estudar directamente a importancia do prestigio —_ enunciava as suas estimativas de acordo com in- na assimetria da convergéncia individual para 0 dicagées prévias do experimentador. O outro des- padrao grupal. Com esse fim, Sherif criou uma —_conhecia totalmente tal combinagio e no dis- punha de uma tal posicao de prestigio (0 chamado sujeito critico). A indicagdo prévia do experimen- tador variava de sesso para sessio (ver quadro IV). O sujeitos criticos participavam ainda numa segunda sessio, esta individual. Experiéncias de grupo Resultados e conclusées da série trés Um exame do quadro IV permitir-nos-4, facil- mente, chegar a algumas conclusGes valiosas: a) O comparsa do experimentador teve uma enorme importancia no estabelecimento das padrées individuais; 209 na primeira — ver grupos um, dois, trés, seis e sete. De notar ainda que, no questionério pés-expe- rimental, os sujeitos afirmaram, regra geral, ter experienciado 0 movimento da luz de acordo com as estimativas do comparsa. No entanto, apesar de muitos sujeitos terem reconhecido a influéncia do comparsa, limitaram-na a primeira sessao — isto embora, como ja sabemos, ela fosse sempre maior (ou pelo menos igual) na segunda sessao. 2.3. No laboratério e ds escuras: conclusées b) A influéncia do comparsa referida em a) foi muitas vezes maior na segunda sesso _-—_-Depois de digerirmos todas estas experiéncias (em que 0 sujeito critico estavas6)do que —_convird certamente interrogarmo-nos acerca do Quabro IT Resultados de Sherif, em 1937, nos experimentos em que um comparsa do experimentador emitia estimativas previamente combinadas Estimativas Estimativas Namero de do comparsa do sujeito julgamentos dentro prescritas pelo critica do intervalo experimentador prescrito Grupo Grupo Individual Grupo | Individual Experimental | Norma Intervalo Norma Intervalo. | Norma Intervalo 1 2 153 3,36 1-5 2,62 14 41/50, 47/50 2 3 24 4,25 1-10 3,77 1-5 30/50 43/50 a 4 3-5 4,61 28 4,57 3-6 43/50 49/50 4 5 4-6 5,20 3-6 5,21 3-6 47/50 46/50 5 6 5-7 5,50 3-7 5,42 3-7 34/50 35/50 6 7 6-8 5,94 3-8 6,18 4-8 24/50 27/50 7 8 79 7,40 4-12 7,89 6-9 17/50 40/50 210 seu valotno desenvolvimento dos nossos conhe- cimentos sobre o fenémeno da influéncia social. Valerama pena? Primeiro debrucemo-nos sobre as conclus6es do préprio autor, depois veremos 0 que poderemos acrescentar. As principais conclusdes de Sherif (1936) podem ser sintetizadas do seguinte modo: a) b) 2) 2) Ficou demonstrada a tendéncia que os individuos possuem para organizar a sua experiéncia, mesmo quando a situagio nio oferece qualquer fundamento para essa organizacao; Essa tendéncia para a auto-organizacio baseia-se no préprio comportamento de um individuo isolado ou no comportamento dos outros, quando tal é possivel; Apesar de as fontes de auto-organizagéo citadas em b) serem ambas importantes, a referéncia ao comportamento dos outros parece mais decisiva (ver as secgdes «Experiéncias de grupo, séries um ¢ dois»); A importancia dos outros na criagéo de quadros de referéncia individuais nao implica, neste caso, que eles exergam qualquer coercio, implicita ou explicita- mente. De facto, a influénciajdos outros parece ser igual ou maior quando se ausentam (ver a seccfio «Experiéncias de gtupo, série trés»); Estes resultados podem parecer ainda mais informativos se se utilizar uma analogia. Este conjunto de situacdes pode ser con- ceptualizado como ilustrando 0 processo geral como os individuos e grupos organi- zam uma realidade incerta num todo coe- podem basear-se em experiéncias indivi- duais como em interacgdes com outros individuos. Vemos também que um con- junto de individuos em interacc&o cons- tr6i, espontaneamente, normas que regu- lam tanto 0 seu comportamento como a sua percepgao da situagao. f de notar que 0 fazem espontaneamente, quer dizer, que fazem mesmo quando nao existe qualquer sugestdo ou preméncia em fazé-lo; f) Apesar de sugestiva, esta analogia tem limites. Nomeadamente €: preciso lem- brarmo-nos de algumas diferengas. A saber: Em primeiro lugar, neste conjunto de experiéncias nao existia nenhum problema crucial a resolver. Em situag6es extralabo- rat6rio, pelo contrério, as normas grupais ou as atitudes individuais formam-se como resposta a problemas com consequéncias directas ¢ decisivas para os individuos. Esta diferenga é bastante importante na medida em que, se as normas e atitudes so tentativas de solugao de problemas, a pressdo para a uniformidade seré prova- velmente ainda maior. Isto porque 0 éxito de uma solugio para um problema grupal depende, muitas vezes, da conjugagao dos esforcos. Por outro lado, no laboratério nao existia nenhum critério de validagao dos quadros de’ referéncia individuais e gtupais. Pelo contrario, fora do laboratério esse critério existe — é a capacidade que a adopgio de um dado quadro de referéncia possuina resolugio de um dado problema. Dai que, ao contrério do que acontece no laborat6rio, o principal factor que governa a estabilidade de um quadro de referéncia no universo social é, provavelmente, a sua eficiéncia. Em segundo lugar, a assimetria verifi- cada na contribuigao dos varios individuos para a criagdo de uma norma pode parecer indicar a emergéncia espontanea de lideres em situagdes sociais de incerteza. No entanto, € de notar que estes «lideres» apenas necessitaram de consisténcia nas estimativas '. E duvidoso que essa seja a tinica caracteristica necessdria para que alguém emerja como lider. Que poderemos acrescentar? Por um lado, nao ha duvida de que a demons- tragio de como um grupo pode servir para orga- nizar a percepgao e o comportamento dos indi- viduos € preciosa, é talvez um dos mais fortes argumentos empiricos jamais apresentados a favor da necessidade de um nivel de explicagio psicossocial do comportamento humano, Por outro lado, as conclusées relativas ao uso da analogia do laborat6rio com a realidade social sio merecedoras de maior cepticismo. As simplificacdes envolvidas —algumas das quais reconhecidas, como vimos, pelo proprio Sherif — s4o provavelmente int- meras. E pior que isso: nao temos maneira de saber quais sao. Por isso, é preferivel tomar estas analogias néo como conhecimentos mas como fontes de novas formas de adquirir conhecimen- tos. Quer dizer, «heuristicamente». 3. A influéncia social as claras 3.1 Introdugaéo Quando Solomon Asch se debrugou sobre os fenémenos da influéncia social jé a procissio iano adro. Quer isto dizer que 0 interesse pela tematica que temos vindo a abordar era um dado adquirido da psicologia social e da sociologia pré-Asch. No entanto, apesar do sem-nimero de demonstragdes experimentais que jé tinham sido realizadas, Asch sentia uma enorme insatisfagio com 0 conheci- 211 mento até af acumulado, sobretudo com a pers- pectiva geral que enquadrava esse conhecimento, Essa perpectiva geral era comum a autores tao diversos e decisivos como Lorge (1936), LeBon (1896), McDougall (1928), Miller e Dollard (1941), Tarde (1903) ou Thorndike (1935), entre outros — um estranho casamento entre socidlogos classi cos, psicélogos comportamentalistas e pioneiros da psicologia social. Um bom epiteto para este enquadramento geral da influéncia é-nos, sem ddvida, oferecido pelo préprio Asch: 0 sonambu- lismo social. As principais caracteristicas do sonambulismo social eram as seguintes: © homem social é alguém que vive numa realidade que adquiriu por empréstimo de enti- dades poderosas como os lideres, os grupos ¢ os costumes. Dai que o comportamento emitido por essas entidades seja algo que os individuos ut zam docilmente para substituir a propria razao como sondmbulos. Alias, nao deixa de ser curioso que autores como Tarde e LeBon se inspirem no conceito da sugestéo hipnética de Charcot para 1 # de notar a ciroularidade da afirmagao: «Os Iideres influenciaram mais os outros porque foram mais consistentes.» Na verdade, um individuo s6 € considerado como «lider» se modificar menos as suas respostas do que os ‘outros. Porisso, um «lider» nao pode, nestas circunstancias, ser inconsistente, Daf que aafirmagio acima indicada ndo passe de uma tautologia, 2 Esta caracterizagio, que segue de perto a realizada por Asch, ¢ necessariamente vaga na medida em que pretende abstrair 0 que de comum existe em autores muito diversos. 212 descre-verem os fenémenos da influéncia social. O mais inleressante acerca deste conceito de suges- tao 6 que ele descreve uma situacéio em que «era aparentemente possivel produzir experiéncias € crengassem correspondéncia como meio» (Asch, 1952, p.400). Oraaperspectiva do sonambulismo social tomava essa situacao no como excepgio mas como regra. E, de facto, todos conhecemos episédios da nossa hist6ria recente em que nacdes inteiras se mostram capazes de actos dignos dos mais hOrripilantes zombies. Esta perspectiva conseguiu, com bastante éxito, alids, ilustrar em laboratério 0 poder da sugesto (ver, porexemplo, Lorge, 1936, ou Moore, 1921). Os paradigmas utilizados eram dois. Um, em que se comparava 0 grau de aprego ou de acordo com as mesmias afirmagées ora atribuidas a alguém admirado pelos sujeitos, ora a alguém por eles detestado (Lorge, 1936; Sherif, 1935). Outro, em. que se Comparavam os julgamentos dos sujeitos sobre diversas matérias, feitos sem 0 beneficio da opiniao dos outros, com os que eram feitos com esse beneficio (Moore, 1921). Em ambos os para- digmas, os resultados mostraram como a suges- tagao de fontes prestigiadas ou de grupos pode, per se, modificar apreciavelmente 0 comportamento individual. No entanto, Asch encontrou razées de sobra para se sentir insatisfeito com tanta sonoléncia. A saber: a) Esta perspectiva ignora o papel essen- cialmente activo ¢ interpretativo que os individuos tém na construgdo da sua pr6- pria realidade social. De facto, essa cons- tante actividade interpretativa parece estar na base dos resultados acima citados. Isto porque a interpretagdo sonambulista destes estudos partia do principio de que os efeitos encontrados se deviam apenas a passiva aceitacio da opiniao de uma entidade de Prestigio, quando, pelo contrério, é bem possivel que essa opinitio fosse utilizada sobretudo para interpretar o alvo do julga- mento em causa. Por exemplo, seria mini- mamente estranho saber que um feroz esquerdista discordava da afirmagao de Salazar «enquanto houver um portugués sem pao, a revolugao continua»? De modo nenhum! E porqué? Porque é evidente que a «revolugdo» de que falava Salazar nao era a mesma que 0 nosso hipotético esquer- dista almejava. Por isso nao seria de espantar que ele apoiasse calorosamente essa afirmagio se ela safsse dos labios de Lenine e a apupasse se a soubesse profe- rida por Salazar. Sonambulismo? Decerto que no — pelo menos no sentido que temos vindo a referir. Pelo contrario, a padecer de alguma coisa, o nosso esquer- dista padece de espertina... Quer dizer, nao se soube limitar a utilizar a informa- Ao que Ihe foi dada, foi para além dessa informagao no seu julgamento, recons- truindo-a como resultado da sua actividade interpretativa; 5) Por outro lado, a perspectiva sonambulista ignora também 0 facto de que a influéncia nao € uma via de um sé sentido, Como Sherif demonstrou ¢ nds discutimos no ponto anterior, 0 processo de influéncia pode ser um processo de concessées reci- procas. Asch considera, alias, que os estu- dos de Sherif constitufram um importante ponto de viragem nesta 4rea de investi- gagdo; c) Finalmente o sonambulismo nao permite uma andlise funcional plausivel do con- senso social. Porque se teria desenvolvido a necessidade de consenso social? Sera que este tem algum valor intrinseco de sobrevivéncia? Tal nfo parece muito pro- vavel. Nao é muito plausfvel que uma comunidade africana que acreditasse consensualissimamente que os ledes so inofensivos tivesse muitas hipdteses de sobreviver. O consenso social sé é fun- cional se nao conduzir a uma apreciacéo insensata da realidade. Quer dizer, se for vilido. Se for valido sim, é evidente que o consenso permite maior cooperagdo coordenagio de esforgos, mas para ser vlido 0 consenso social tem de ser baseado na diversidade de perspectivas °. Dai que, se & certo que a necessidade social de consenso gera press6es normativas para a uniformidade, nao é menos certo que a necessidade social de um consenso valido gera pressdes normativas no sentido con- trdrio. Por isso, pressupor que os individuos resistem as sugestesnao implica minimi- zar © impacte que 0 comportamento dos outros tem no comportamento de cada um; d) Portudoisto, torna-se crucial, ao contrério do que considerava 0 sonambulismo, levar em consideragao ni dades do: s ) lento em causa e as circunstancias em que ocorre. Caso contrario, dificilmente se revelar4 a actividade interpretativa do sujeito, factor que a esta nova luz se mos- tra tio decisivo. Mas Asch nao se limitou a realizagao desta andlise, efectuou um conjunto de experiéncias (Asch, 1951, 1952, 1955, 1956) dos mais impor- tantes realizados em psicologia social até hoje. Nessas experiéncias, Asch procurou criar uma situagéo com as seguintes caracteristicas: a) Seria pedido um julgamento para o qual a informagao necessaria estaria constan- temente disponivel; b) O julgamento versaria um conjunto de estimulos totalmente nao ambiguos; 3 ajudar-nos, facilmente, a compreender este argumento. 213 ©) Os sujeitos seriam, durante a realizacao desse julgamento, expostos a influéncia de um grupo de individuos. Essa influéncia opor-se-ia & evidéncia; d) Seria possivel quantificar 0 efeito da influéncia. Asch procurava assim demonstrar como a mudanga de um individuo por um grupo nao pode realizar-se arbitrariamente. E mais especifica- mente que, quando nao é possivel uma reinter- pretacdo dos estimulos relevantes, a influéncia do grupo é minimizada. Asch pretendia, no fundo, demonstrar a incapacidade do Ragmeurah em fornecer uma explicagao adequada para os fen6- menos sobre que se debrugava. Ironicamente, quando, ciclicamente, o sonambulismo desperta, é a estas experiéncias que se refere. 3.2. A influéncia social ds claras: 0 paradigma de Asch Introdugio Ha uns anos atrds, existia um programa tele- visivo chamado «Tal & Qual». Nesse programa existia uma rubrica chamada «Os Apanhados». Essa rubrica era realmente curiosa... Consistiaem pequenos filmes em que os heréis eram pessoas vulgares «apanhadas» em situagdes invulgares, sagazmente encenadas pelos colaboradores do programa. Uma dessas situagGes vai-nos servir para apreender mais completamente o que os par- ticipantes nas experiéncias de Asch sentiram. Foi assim *: Acena passa-se numa sapataria. Uma senhora acabou de provar uns sapatos € preparava-se A lentidao das autoridades soviéticas em tomar as medidas necessfrias aquando do acidente de Chernobyl pode + A reconstrugio deste episédio é provavelmente inexacta, na medida em que ¢ feita de meméria. 214 parase levantar e sair quando dé conta da falta dos seus préprios sapatos, Pergunta @ empre- gada onde thos pds, que os ndo encontra. A empregada, muito calma, afirma: «Os seus sapa- tos?!Oh, minha senhora a senhora, ndo entrou nesta loja calgada! Eu até notei logo que a sen- horando tinha sapatos, porque, como deve calcu- lar, wna coisa dessas dé logo nas vistas...» Asenhora nao quis acreditar, como é facil de supor, mas outras empregadas confirmaram que ela tinha entrado descalca e até clientes que se metiam na conversa afirmaram 0 mesmo. A senhora s6 dizia: «Mas eu nao estou maluca! E impossivel! Eu ndo vinha descalga para a rua...» Mas a pouco e pouco até os outros clientes se metiam na conversa e corroboravam a empre- gada, para desespero da senhora. E ela la se foi convencendo. Por fim jé dizia «Bom, devo-me ter esquecido dos sapatos na outra sapataria. Mas que distraccdo, a minha...», e ria-se nervosa- mente. Mas 6 clato que a pobre senhora tinha sido vitima dos «Apanhados» —uma das empregadas tinha-Ihe escondido os sapatos ¢ as outras «teste- munhas» (colegas e clientes) eram comparsas da encenagao. Este pequeno episédio é espantoso. Demonstra como os outros nos podem fazer duvidar das certezas mais evidentes. No fundo, trata-se de influéncia social as claras... Os primeiros estudos Imagine o leitor que éestudante de umauniver- sidade americana e que aceitou participar numa experiéncia de um tal senhor professor Solomon Asch. Uma experiéncia sobre percepeao. Nadade muito entusiasmante... A porta da sala encon- tram-se outros sujeitos como vocé. Seis, mais exactamente. O experimentador chega e manda entrar toda a gente. O experimentador manda-os sentar @ roda da mesa. e diz: «Esta tarefa envolve a discriminagdo do com- primento delinhas. A vossa frente encontra-se um par de cartées. O da esquerda sé tem uma linha; 0 cartao @ vossa direita tem trés linhas de dife- rentes comprimentos; elas estao numeradas:um, dois e trés. Umadessas trés linhas éigualemcom- primento @ linha-padrdo do cartéo da esquerda, Cabe a cada um de vocés decidir, em relagao aos varios pares de cartao que vos serdo exibidos, qual das linhas do cartao da direita é igual a linha-padrao do cartao da esquerda. Comunicar- -me-do 0 vosso julgamento dizendo 0 nimero da linha. Existirao dezoito comparagées no total. Agradego que sejam o mais exactos possivel. Dar-me-Go as vossas respostas por ordem, come- ¢ando, por exemplo, da direita para a esquerda.» Aexperiéncia comecou. E mesmo facil ver qual € a linha igual a linha-padrao, e, como é 0 pentiltimo a responder, vai podendo verificar que ninguém tem dificuldade em o fazer. O leitor res- ponde e tudo bem. Segundo julgamento: muito facil. Chega a sua vez e responde outra vez. Terceiro julgamento: é facil. O qué? O primeiro que respondeu deve estar doido!! O leitor verifica facilmente que resposta dele foi completamente errada. Mas... Todos os outros estao a dar a ‘mesma resposta, O que é isto? A sua vez de res- ponder esta a chegar, leitor, 0 que é que vai responder? Vai dar a resposta certa ou fazer 0 que os outros fizeram? Antes de tentarmos imaginar as varias possi- bilidades que o leitor teria para reagir, vamos completar a descrigao das primeiras experiéncias de Asch com alguns pormenores importantes. Caracteristicas da situagio experimental Em primeiro lugar, convém referir algo sobre os estimulos que estavam a ser julgados e as condigées gerais em que esse julgamento era feito. Os estimulos eram, como jé foi referido, trios de linhas negras que deveriam ser compara- dos com uma linha-padrao. No quadro III sao apresentadas as dimens6es dessas linhas. Como se pode ver, o julgamento era particularmente facil. Para ilustrar essa facilidade, a figura 4 apre- senta um exemplo pertencente ao material util zado. De notar que os dezoito ensaios se dividiam em ensaios neutros—em que os comparsas davam_ respostas certas — e ensaios crfticos — em que os comparsas davam respostas com diversos graus de erro (ver quadro III). Os julgamentos eram fei- tos com os sujeitos sentados a roda de uma mesa que distava cerca de cinco metros dos estimulos. Em segundo lugar, é preciso referir um detalhe dasituagéo—dos sete sujeitos presentesna sala, s6 um, 0 chamado sujeito critico, nfo é comparsa do 215 experimentador. Todos os outros foram instruidos pelo experimentador a responder de determinada maneira (ver quadro III para uma descrico das respostas sucessivas dos comparsas). Os compar- sas agiam sempre de forma a que 0 sujeito critico se sentasse no peniltimo lugar. Falta ainda referir que os comparsas foram instruidos a mostra- rem-se tao inexperientes sobre a situagao como 0. sujeito critico (para isso, efectuavam no inicio perguntas sobre o procedimento) e a nao exibirem qualquer reaccfo fosse qual fosse 0 comporta- mento desse sujeito. Quapro III Dimensio dos estimulos-respostas maioritérias as linhas-padrao e de comparacao, nos ensaios sucessivos (Asch 1956) Ensaios | Comprimento-padrio | Comprimento das linhas de comparagio Erros Tipo (em polegadas) (em polegadas) maioritarios de erro | | ar 10 8,75 10 8 0 vb 2 2 1 | 1,50 0 1 3 375° | 425 3 +0,75 moderado 0 5 5 ye ea 6,50 “1 moderado ce 4 3 | 5 4 0 ul 3 3,15 425 | 3 +125 extreme Vv 8 6259) 8 6,75 1,25 moderado v 5 5 4 6,50 +1,50 estreme VI 8 625 | 8B 6,15 + 1,75 extreme a 10 a7 | 10 8 0 e 2 2 pie 1.50 0 vil 3 HSA has 3 +0,75 moderado vill 5 5 4 6,25 a4 moderado f 4 3 5 4 0 Ix 3 3,75 4,25 3 +125 extreme x 8 6,25 8 6,75 =1,25 moderado xI 5 5 4 6,25 +1,50 extreme xn 8 6,25 8 6,15 -1,75 extreme * As letras da primeira coluna designam ensaios «neutrais», aos quais a maioria respondeu correctamente, Os ensiios assina- lados por letra romana so 08 considerados «criticos», i. 6, aos quais a maioria respondeu incorrectamente. Os niimeros sublinhados realgam as respostas maioritariamente incorrectas. Note-se que os ensaios d a doze sio idénticos aos ensaios a a seis; eles sucedem-se sem pausa, 216 Figura 4 Amostra dos estimulos usados nas experiéncias origit Linha-padrio Em terceiro lugar, é importante esclarecer que a experiéncia nao se limitava a esta sessio de estimativas. Existia ainda uma segunda fase em que todos os sujeitos eram entrevistados acerca das suas impress6es sobre a situacio. Participa- vam, primeiro, numa discussio com os outros membros do grupo (sem thes ser revelado o facto de os outros serem comparsas do experi- mentador), Seguia-se uma entrevista a sés com © experimentador. No final, era-lhe explicada a situacdo © os objectivos com que foi cons- truida. Em quarto e dltimo lugar, é de salientar que Asch, além deste tipo de grupos (condigao experi- mental), usou ainda outro tipo de grupos (con- digéo de controlo) em que sujeitos da mesma populagao julgavam os mesmos estimulos sem conhecimento das respostas dos outros. Dai que se possa usar a diferenca entre o nfimero de erros efectuados na condigao controlo ¢ experimental como um simples indice quantitative do grau de influéncia social verificada. Em primeiro lugar, ser-lhe-ia imposstvel igno- rar as respostas do grupo. E isto apesar de, de acordo com as instrug6es, a presenga do grupo ser irrelevante para a realizagio da tarefa. E ébvio, contudo, que 0 facto de o leitor saber que os outros respondiam em condigées idénticas as suas torna essas respostas como fonte de comparagio dos seus préprios julgamentos. O desacordo que se verifica tem implicag6es directas para a validade decadajulgamentonamedidaem que oleitorsabe que, em matérias de facto, o antagonismo de opi- niGes quer dizer que alguém esté errado. Em segundo lugar, desenvolveria esforcos para restabelecer o equilfbrio. Quer dizer, interrogar- ~se-ia, por exemplo, se nao teria percebido mal as instrugées. Poderia até pergunté-lo aos seus vizi- nhos mais préximos ou mesmo directamente ao experimentador, interrompendo a sucessio de respostas. De qualquer modo, tentaria achar uma explicacao simples e banal para o desacordo, algo que pudesse indicar que aquele desacordo sobre matérias de facto se resolveria brevemente. Em terceiro lugar, é muito provavel que fizesse a atribuigao da razdo de ser da divergéncia a si proprio. Ou seja, tomasse a seu cargo explicar porque é que divergia do grupo e nao porque é que © grupo divergia de si. Em quarto lugar, é quase certo que desenvolveria esforcos para alcangar uma solucéo. Quer dizer, construiria explicacdes que tentavam tornar com- preensivel a situagdo em que se encontrava. Por exemplo: poderia pensar que era tudo devido a uma ilusao de éptica, ou até que o primeiro a responder era mfope e que os outros todos eram influenciados por ele. E quase certo também que nenhuma dessas explicagées 0 satisfaria... Em quinto lugar, prestaria provavelmente total atengdo ao objecto de julgamento. Concen- trar-se-ia tanto nele que teria vontade de se levan- tare de observar as linhas mais de perto (talvez até bruscamente o fizesse, quem sabe?), como se isto resolvesse a questo, Se as pudesse medir... Em sexto lugar, o leitor sentiria um crescendo de diividas sobre si préprio. Seria possivel que todos estivessem errados excepto oleitor? As suas tespostas parecer-Ihe-iam estar certas, mas como poderiam estar se todos os outros respondiam de maneira diferente? Estara o leitor a responder bem? Em sétimo lugar, bom, em sétimo lugar depende.... Até aqui limitei-me a descrever uma espécie de retrato-robé realizado por Asch a partir das respostas aos questionarios e as entre- vistas pés-experimentais. Quer dizer, limitei-me Aquilo que foram os pensamentos privados € os sentimentos mais comuns dos sujeitos criticos, de acordo com as suas proprias palavras. Mas, e quanto aos julgamentos anunciados em voz alta... que teria feito 0 leitor? Deixo-the a sia tarefa de o prever. Como pista leia os resultados das secg6es apresentadas a seguir e consulte a figura 5. Resultados: anilise dos erros a) As respostas dos sujeitos da condigao de controlo foram basicamente isentas de erros (os resultados completos sao apresentados no quadro Iv) b) Emcontraste, na condigio experimental € visivel a influéncia da maioria (os comparsas do experimentador). Por um lado, apenas 24 por cento dos sujeitos criticos realizaram a sucesso de estimativas livre de erros (enquanto na con- digdo de controlo essa percentagem foi de 95 por cento). Por outro lado, no total das estimativas a condigao experimental apresenta 33 por cento de erros, enquanto na condic&o de controlo esse ntimero € inferior a um por cento. E de notar que existem individuos na condigio experimental que atingem os doze erros (tantos quantos os ensaios criticos), ao passo que na condigao de controlo 217 Figura 5 A perplexidade deste sujeito critic é evidente (Experiéncia de Asch) nenhum sujeito ultrapassa os dois erros. Final- mente, saliente-se que nos ensaios neutros 0 nimero de erros da condigao experimental ¢ inferior ao da condigao de controlo (ver 0 quadro IV); 5 Recorde-se que os ensaios neutros so aqueles em que a maioria (os comparsas) dao respostas certas. 218 Quapro IV Distribuigio dos erros nos grupos experimental e controlo (Asch, 1956) Némero Grupo controlo Grupos experimentais ee i Grupo [ Grupo I Grupo IIT ‘Todos os grupos ermes (N=37) (N=70) (N=25) (N=28) (N = 123) ° 35 17 5 7 29 1 1 4 2 2 8 2 1 7 1 2 10 3 12 1 4 17 4 3 1 2 6 5 5 2 0 1 6 2 4 ? 1 , 3 o 1 4 8 7 4 2 13 9 3 2 4 6 10 4 1 1 6 i 2 0 2 4 2 1 2 3 6 Média 0,08 4,01 5,16 47 441 Mediana 0,00 3,00 550 | 3,00 3,00 Média percentual 0,7 33,4 43,0 39,3 36,8 c) E de notar que, embora considerdvel, 0 impacte da maioria est longe de ser absoluto. Em. primeiro lugar, é necessério registar a énorme variagio individual no némero de erros cometi- dos. Em segundo lugar, se considerarmos que a situagdo representa, no essencial, um conflito entre duas tendéncias — a de seguir os dados dos sentidos dar respostas certas e a de seguir a maioria e dar respostas erradas —, € preciso reco- nhecer que a primeira dessas tendéncia foi quan- titativamente mais forte (duas vezes mais forte, para ser exacto); d) A figura 6 demonstra que nao existiu qualquer relacdo sistematica entre a sucessio de ensaios ¢ 0 némero de erros cometidos; e) Como sabemos, 0s erros que a maioria ia cometendo variavam de magnitude. Qual a rela- io entre essa variagdo e o niimero realizado pelos sujeitos criticos? O quadro V responde a esta per- gunta, Nao existe, de facto, qualquer relagio sis- temitica entre os dois factores (apenas se regista uma ligeira tendéncia nfo significativa estatis- ticamente para uma associacao positiva): tanto s¢ encontra um grande nimero de erros em estima- tivas em que a maioria comete erros de grande magnitude (por exemplo, no ensaio critico 12) como no caso contrério (por exemplo, ensaio critico 7); f) Aconsideracio da magnitude do erro da maioria permite-nos ainda uma outra andlise bastante interessante. Repare-se que, nos casos em que a maioria dava erros extremos, os sujeitos criticos dispunham da possibilidade de um com- promisso entre o que viam e aquilo que a maioria respondia, quer dizer, poderiam efectuar um erro moderado. Para verificar se isso aconteceu, basta comparar a percentagem de erros moderados realizados pelos sujeitos criticos quando eram confrontados com um erro extremo da maioria com a percentagem de erros extremos do sujeitos criticos quando a maioria comete um erro mode- rado. Note-se que em ambos os casos 0 sujeito, apesar de dar uma resposta errada, dé uma resposta diferente da da maioria (chamaremos, por isso, a estas respostas, respostas divergentes incorrectas). Se a referida tendéncia para 0 com- promisso se verificar, os sujeitos deverio exibir respostas divergentes incorrectas, sobretudo nos Relacio entre a magnitude do erro e 219 Ficura 6 Estimativas correctas em ensaios criticos sucessivos Para os grupos experimental e de controlo (Experiéncias de Asch) g % {100 é Grupo de control 8) 75 = ! =| 50 3 Grupo experimental §| 25 & = Ir tae he Pot AE ee 123456789 10 11 12 Julgamentos criticos casos em que essa estimativa pode representar um compromisso (0 primeiro dos casos acima cita dos). A observagio do quadro VI oferece-nos um: resposta cabal a esta questio: s6 se registam res. postas divergentes incorrectas neste caso! € 0 mémero de erros cometidos pelos sujeitos criticos GEnsaios cxiticos) 6 1 8 9 io | 11 | 12 ‘Magnitude do erro da maioria 1,25 | 1,25 | 1,25 1,75 | 0,75 | 1 | 1,25 1,25 | 1,25 | 1,75 Némero de ertos 2 44 30 67 45 dos sujeitos 53 | 43 | 45 | 44 | 63 | 36 | 51 220 Quapro VI Eros cometidos em fungao de erros moderados e extremos da maioria Maioria moderada | Maioria extrema | Total N | Bros Bros | Eros Eros, moderados | extremos | moderados | extremos 123 | 150 0 33 oe | 131 % 100 0 193 | 80,7 | 100 Com base tanto nos resultados das entrevis- tas como nos resultados quantitativos acima referidos, Asch procurou esclarecer melhor a variagio individual registada neste paradigma. Para isso, construiu uma tipolologia dos sujeitos criticos, que passaremos a discutir. O primeiro critério usado foi o némero de erros cometidos por cada sujeito. Os sujeitos que nao cometiam mais do que dois erros (0 maximo de erros veri- ficado na condigao de controlo) foram classifica- dos como independentes. Os que cometeram entre trés e doze foram classificados como conformis- tas, Dentro de cada categoria distinguiram-se os sujeitos de acordo com as razdes que apresen- taram na entrevista para 0 seu comportamento. Assim: i) Sujeitos «verdadeiramente independentes» —Foram classificados assim aqueles que se mos- traram inabalaveis na sua convicgéo de estarem certos e de responderem de acordo com o que viam. De notar que essa atitude nao queria dizer que nao tivessem sido afectados pelo conflito entre a evidéncia perceptiva e a influéncia da maioria. Muitos destes sujeitos indicaram ter preferido ceder & maioria, simplesmente consi- deraram mais importante seguir a sua propria opiniao porque, em caso contrario, sabiam que estariam a errar. ii) Falsos independentes — Couberam nesta categoria aqueles que admitiam estar errados e a maioria correcta — se a nao seguiam era porque achavam que deviam seguir a risca as instrugdes do experimentador. Quer dizer, conformavam-se ao experimentador. Sujeitos conformistas i) Conformistas a nivel perceptivo — Estes sujeitos nao reconheciam que algo de estranho se tinha passado na situacao experimental, Simples- mente afirmaram que haviam respondido de acordo com o que tinham visto, Esta categoria foi pou- quissimo frequente 7, ii) Conformistas a nivel do julgamento — Estes sujeitos reconheciam que haviam dado res- postas em desacordo com o que tinham visto. No entanto, justificavam-se dizendo que, se todos os outros respondiam de forma diferente, tinha de ser ele aquele que estava a realizar julgamentos errados —caso contrario, poderiam «interferir» com o de- senrolar da experiéncia. Esta foi a categoria mais frequente dos sujeitos conformistas. De notar que essa designagio de sujeitos

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