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suscita, conforme têm demonstrado muitas pesquisas no âmbito dos estudos de gênero,
quais lhe regem os códigos de produção e de representação. Daí não comportar qualquer
tipo de produção literária que não corresponda aos modelos propostos pela hegemonia
também o seria. Assim, ainda que a capacidade intelectual de muitas mulheres fosse
(aquela considerada moralmente válida) não tinha como avançar muito além dos muros
XVIII. Porém, só mais ao final do século XX foi possível o contato com obras que
e ainda tem sido, para trazer à luz a valiosa contribuição de escritoras do passado, seja
na prosa, na crônica ou na poesia. E hoje, graças a esforços conjugados, pode-se dizer
que a reconstrução de uma tradição literária feminina no Brasil já está bem estabelecida,
já se sabe que a lista de nomes femininos em nosso passado literário é bastante extensa,
embora, em sua maioria, esses nomes tenham amargado uma longa permanência na
invisibilidade.
proclamam as verdades do Brasil. Rita Schmidt reitera, no texto “Pensar (d)as margens:
estará o cânone em estado de sítio?” que nosso cânone, tal como se configura hoje nas
histórias literárias, nascia, assim, como um constructo estratégico cujo poder simbólico
restante dos países de cultura Ocidental, os sujeitos femininos são marcados pela não
do masculino pregado pela literatura. É no século XX, com o advento dos Estudos
dos discursos das mulheres e coloca o interesse da prerrogativa dos homens como o
revisão do chamado cânone, isto é, o conjunto das grandes obras literárias reconhecidas
por seus supostos valores universais”. O teórico acrescenta que tais estudos aproximam
literatura em destaque. Sobre o afirmado ele notabiliza que “se há uma ‘literatura de
mulheres’, por exemplo, podemos supor que essa produção se define por deixar
transparecer uma identidade, ou, dizendo de outro modo, por ser representativo do
feminino, por ser sintoma dessa condição”. Nessa perspectiva, o século XX acentua o
contribuições à literatura.
Isto posto, o presente texto busca analisar o espaço reservado à poesia de autoria
No século XIX, algumas poetas, a partir de reflexões sobre o que é “ser mulher”
para a época. Um deles é expressão do desejo que começa a ser tema de vários poemas.
Como escrever era uma transgressão, falar sobre o desejo, as aspirações da carne e da
alma era ainda mais transgressor. Por isso, de acordo com Sylvia Paixão, no livro “A
estratégias retóricas para expressar, de forma sutil, esse desejo. Dentre essas estratégias,
uma delas foi o recurso a metáforas florais por meio das quais as mulheres puderam
falar de amor, dor, desejo, erotismo sem, necessariamente, romper com os códigos
Adélia Prado (1935) e Marina Colasanti (1937). Mostraremos em nossas análises que as
poetas citadas usam como característica principal em suas poesias o sujeito lírico
eróticos e desejos. Esse traço característico funciona como uma crítica às normas
seus próprios desejos. Diferente disso, na poesia erótica de autoria masculina, o que
regras sobre o que não pode ser mostrado e o que pode ser visto. Aos olhos de uma
conduta imposta. As questões relacionadas a esse corpo não passavam pelas mesmas
restrições que a mulher era submetida, dessa forma, para Simone de Beauvoir, a
humanidade é masculina e o homem define a mulher não em si, mas relativamente a ele;
Gilka Machado foi uma das principais poetas que cravou em suas obras a
temática do desejo enquanto expressão erótica da existência. Ela “introduz na sua fala a
maneira de cindir o seu próprio Eu, identificando-se inteira no seu desejo do outro. No
conjunto de sua obra, Machado, mais que objeto de desejo, mostra-se como sujeito que
deseja; de tal forma que alguns estudiosos chegaram a confundi-la com o eu lírico dos
produção de outras poetas oitocentistas, Gilka Machado fala do desejo que não lhe é
permitido expressar abertamente. Por isso, camufla esse desejo a partir de metáforas. O
título do soneto sinaliza para o prazer sexual que se espraia ao longo de cada verso e
que tem na imagem da serpente a sua maior expressão. A volúpia de que trata o poema
se afigura como uma força atávica que faz parte da natureza. Para Angélica Maria
erotismo na poesia brasileira”, a voz poética de Gilka é de tão grande potência que tem
carnais. Nesse poema, o eu lírico expressa seus desejos e sensações por meio de um
discurso que parte de suas mais simples confissões. O eu lírico que representa o sujeito
feminino vive um grande paradigma: embora ele sinta o desejo de viver as mais belas
aventuras, se sente preso as regras pré-estabelecidas pela sociedade tradicional que por
muito tempo limitou o espaço da mulher no mundo. Por medo de perder seu valor
diante da sociedade o eu lírico prefere não libertar seus desejos e viver as emoções que
Hilda Hilst é outra autora que teve uma produção literária marcada pela
expressão erótica. O erotismo está presente em todos os gêneros literários escritos pela
autora. A poesia de Hilda pode despertar o senso de comédia ou de tragédia. Isso ocorre
porque a autora mistura tons de humor e erotismo em suas poesias. No poema “Araras
versáteis” é possível perceber que a ambientação usada por Hilda mescla o espaço
para fazer uma breve descrição do corpo feminino. Embora haja certo deboche na
descrição do corpo, a ideia não é satirizar, mas sim expressar os desejos mais fugazes.
Adélia Prado usa suas próprias experiências de vida como estímulo para sua
escrita e assim traduz suas contradições íntimas e vivências em lírica erótica. O poema
“Festa do Corpo de Deus”, por exemplo, traz alguns das representações com os quais
fragilidade do corpo, com a religião, sentimento, entre outros. Dessa forma, por possuir
transgressor. Reitera Soares (1999), o poema de Adélia junta questões que circulam
representação do corpo de Cristo que em outras palavras podemos inferir que o poema
internacional por sua vasta produção literária direcionada para leitores do público
infantil e juvenil, a autora também é responsável por uma poética de expressão erótica,
que aparece em obras como “Gargantas abertas” (1998), “Fino sangue” (2005) e
(bisavó, avó, mãe e filha), cada qual ecoando algo diferente. A voz da bisavó ecoa
a da mãe, “revolta”, a voz do eu-lírico ecoa “versos perplexos com rimas de sangue e
fome”, e a da filha recolhe todas essas vozes, ecoando “vida-liberdade”. Esse processo
Ribeiro, Conceição Evaristo e Mel Duarte dividem espaço com poetas e escritoras
iniciantes.
Jarid explica que em 2019 abriu uma chamada pública para escritoras negras
essas autoras já terem sido publicadas ou não. Como a grande maioria dos textos
enviados foi poema, ela optou por publicar exclusivamente poemas. Seu objetivo com o
mostrar a existência dessas autoras, que ainda lutam para ter visibilidade em um
Somos agraciados com esta antologia, que apresenta diversas escritoras do Brasil
afora. Alguns dos poemas são acompanhados de ilustrações e todos são iniciados pelo
nome da autora, sua cidade e estado. São autoras de todas as regiões do país e de
Dentre os temas aparece a solidão da mulher negra, o amor que muitas vezes não
a terra reverbera
subterraneidades
inscritas na pedra
Esse trecho nos mostra a potência da escrita dessas mulheres negras que se
expressam por meio da escrita e falam de um universo plural que lhes é próprio. Essa
escrita reverbera, traz o passado, o presente, questiona, analisa a realidade social em que
essas mulheres estão inseridas. No poema “Todas as cores de preta”, de Jéssica Regina,
Gritaram! Gritei!
Briguei! Calaram.
Não me calaram.
Não calarão.
Não apagarão
Sou preta
Ao longo desta antologia nos deparamos com a pluralidade de ser mulher negra,
com sua luta para falar, para existir, para questionar um padrão que é socialmente
Jarid Arraes dá voz a essas escritoras negras que bradam contra o racismo, o
por uma voz poética que fala contra um discurso hegemônico que destitui o corpo negro
de beleza, de intelectualidade. São recolhidas diversas vozes que revelam como a escrita
pulsa na mão dessas escritoras de diferentes gerações e regiões do país, que não aceitam
serem excluídas da cena literária, garantindo seu direito de fala, de grito, de denúncia.
ARRAES, Jarid (Org.). Poetas negras brasileiras: uma antologia. São Paulo:
poeta negra brasileira narra a sua aproximação com o Grupo Quilombhoje Literatura
literatura: “Onde estão as escritoras?” Naquela época, as mulheres negras não tinham
apenas uma importância simbólica, mas eram convocadas a fazer parte desse tipo de
Ribeiro descreve a luta pelo direito a voz, escuta e visibilidade dos textos literários de
autoria negra e autoria negra feminina. Em paralelo, menciona que, no final dos anos
participantes.
Esmeralda Ribeiro considera que a literatura negra brasileira sofreu uma guinada
modernista”, Cecília Meireles será a poeta escolhida como a de maior talento, entre as
Lima na página trezentos e oito, “disputa” que a poeta sai na frente, ele dedica-se a
escrever algumas linhas sobre a escritora “moderna e intemporal” que Meireles foi.
Sobre a poeta o autor afirma “Tal livro [Obra Poética (1958)] marca a aparição da maior
do Modernismo brasileiro, no qual entre a forma fixa e o verso livre, desfilam todas as
de “poesia pura se escreveu no Brasil”. Suas origens simbolistas e elogios a poesia alta e
limpa de Meireles. Para Bueno, a poeta será, ao lado de Drummond, “um reservatório
da Inconfidência será lembrado por seu caráter épico nacional, por sua poesia alta e
limpa, de “uma popularidade que se julgaria difícil pelo há nela de aristocrático”6 , bem
como a citação de Memórias será utilizada como comprovação dos adjetivos que usa
para falar da poeta. feminina e da qual as mulheres não podem se esquivar, ainda que
tentem. Sendo como a serpente, o desejo encanta, seduz e, por mais que se procure
resistir, acaba-se inebriado por ele. Nesse sentido, ao expressar a relação desejo e
impróprios ao sexo feminino – corpo, sensualidade e desejo. Por isso, procura negar
esse desejo, mas o faz a partir de um discurso que se revela bastante sensual, o que
corrobora ainda mais o desejo que, a princípio, se quer negar. No final dessa luta, o que
temos é um corpo exangue em virtude dos efeitos que lhe causou o veneno forte e letal.
A impressão de leitura que fica é que, uma vez acontecida a irrupção do desejo, não há
como aplacá-lo. Embora fosse uma das temáticas prediletas entre os homens, o amor
como temário da produção literária de autoria feminina era tido como mais uma
transgressão, uma vez que, dentro das normas de pureza e recato, as mulheres não
Em seu livro “Entre a literatura e a história”, Alfredo Bosi afirma que Cecília
Meireles, vinda do simbolismo do grupo Festa, exprimia nas cadências do seu verso um
modo de ser lírico que parecia aproximá-la antes da tradição portuguesa do que das
Mário de Andrade, ainda que não concordasse com ela. Na análise de sua poesia, Mário
intitulados “Cecília e a poesia” e “Viagem”. Neles, fica claro que o que atraía o leitor-
e original que sofre, sente e indaga ao mesmo tempo. Sobre o poema “Música”, diz
intelectual”.