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Guilherme Augusto Louzada Ferreira de Morais

10. A ESFERA DO HEROÍSMO CLÁSSICO:


A REPRESENTAÇÃO DO PERCURSO DO
HERÓI EM “JOGOS VORAZES”78
Guilherme Augusto Louzada Ferreira de Morais

Suzanne Collins e a Série Jogos vorazes

Suzanne Marie Collins, nascida em 1962, na cidade de


Hartford, Connecticut, Estados Unidos da América, conhecida
principalmente pela trilogia The Hunger Games, traduzida para o
português brasileiro como Jogos vorazes, é roteirista e escritora
de romances fantásticos, nos quais combina o maravilhoso,
a ficção científica e a mitologia. Collins estudou na Indiana
University, na qual graduou-se em drama e telecomunicações. Em
uma entrevista ocorrida em 2008, James Blasingame, professor
do Departamento de Inglês, da Faculdade de Artes Liberais e
Ciências, indaga Collins a respeito de sua infância e autora relata
que cresceu “no mundo”, isto porque seu pai era militar e, por
essa razão, moraram perto de várias bases militares nos Estados
Unidos e até mesmo em Bruxelas, na Bélgica.
Em seu site oficial, é-nos demonstrado que Collins começou
sua carreira profissional como roteirista de desenhos infantis:

Ela trabalhou para vários programas da


Nickelodeon, incluindo o sucesso nomeado
ao Emmy Clarissa explains it all e The
mystery files of Shelby Woo [...]. Enquanto
ela trabalhava em um programa chamado
Generation O!, ela conheceu o autor e
ilustrador de livros infantis James Proimos,
que foi quem a convenceu a fazer uma

78 Resultados parciais de pesquisa em nível de mestrado sob os auspícios da


FAPESP: Proc. 2015/23592-6.
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A ESFERA DO HEROÍSMO CLÁSSICO: A REPRESENTAÇÃO DO PERCURSO DO HERÓI EM “JOGOS VORAZES

tentativa de escrever livros direcionados ao


público infantil79.

De acordo com Gundell (2012), Collins, vagueando entre


notícias sobre guerras e programas de reality show na televisão,
perguntava-se o que era real e o que era entretenimento em
relação ao que assistia. Compreendendo que havia a necessidade
de sensibilizar as pessoas de que as notícias sobre a guerra (do
Iraque) não acabavam no comercial do noticiário, relembrando as
histórias que seu pai contava para ela quando criança e utilizando-
se da mitologia grega, Collins inicia sua série de livros para jovens-
adultos, intitulada Jogos vorazes. A trilogia é composta por Jogos
vorazes (2010) – a série e o primeiro livro possuem o mesmo
título –, seguido por Em chamas (2011) e A esperança (2011),
sendo considerada um best-seller internacional. De acordo com
o site oficial de Collins, a trilogia foi vendida em 56 países e
traduzida para mais de 50 línguas, além de ter sido transmutada
para o cinema. Antes de nos atentarmos ao romance analisado, é
necessário ressaltar que, em uma entrevista concedida à revista
Time, a autora revela as motivações que a levaram a escrever
sobre guerras:

[...] Meu pai foi um militar. Ele foi um


veterano, doutor em ciências políticas, foi
professor na West Point e no comando da
Força Aérea e palestrou na Faculdade de
Guerra. E quando ele voltou do Vietnam,
eu tinha provavelmente seis anos, e ele, eu
acho, sentiu que era sua responsabilidade
se certificar de que todos os seus filhos
tivessem conhecimento sobre guerras, seus
custos e consequências.
79 Tradução livre do original: “She worked on the staffs of several Nickelodeon
shows, including the Emmy-nominated hit Clarissa explains it all and The mys-
tery files of Shelby Woo […].While working on a Kids WB show called Genera-
tion O! she met children’s author and illustrator James Proimos, who talked her
into giving children’s books a try”. Disponível em << http://www.suzannecollins-
books.com/bio.htm >>.

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[...] em termos de rebelião ou de uma


situação de guerra civil, esses seriam
os critérios para uma guerra necessária
[em Jogos Vorazes]. Essas pessoas são
oprimidas, seus filhos estão sendo retirados
delas e colocados em jogos de gladiadores.
Eles estão empobrecidos, eles estão com
fome, eles estão bestificados. Essa seria,
para a maioria das pessoas, uma situação
aceitável para uma rebelião80.
[...]

Percebemos, com um trecho da entrevista, o que levou Collins a


retratar a guerra na série Jogos Vorazes. A autora ainda relata, em
entrevista feita por Blasingame, já mencionada anteriormente, que
Jogos vorazes é uma série intencionalmente política, “criada para
caracterizar eventos mundiais atuais e passados, incluindo o uso
da raiva como arma para controle de populações” (BLASINGAME,
2008, p. 726). E ela continua:

[...] Governos tirânicos têm usado também


técnicas de contenção geográfica de
certas populações, bem como a eliminação
completa dos direitos humanos. No livro, os
anuais jogos vorazes são uma ferramenta
de poder usada como um memorial de quem
está no comando e o que acontecerá com
os cidadãos que não concordam [com o
governo] (BLASINGAME, 2008, p. 726).

Em outra entrevista, feita por Hudson (2010), Collins afirma


que, na série Jogos vorazes, ela utiliza temas como discrepância
de riquezas, o poder da televisão e a influência da mídia na vida
do homem, isto porque são questões que a incomodam. Ainda

80 Tradução livre da entrevista original, em inglês. Disponível em: << http://


entertainment.time.com/2013/11/19/writing-war-appropriate-stories-for-kids-a-
-conversation-with-suzanne-collins-and-francis-lawrence/ >>.
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nessa entrevista, Collins declara que sua personagem principal,


Katniss, não possui muito entendimento sobre política, justamente
porque não é de interesse da Capital propiciar isso à população;
para a autora, isso pode ser visto no mundo real. Com todos
esses pensamentos em mente, consciente do mundo bélico e
preocupada com a mídia, e como isso reflete na formação dos
jovens, nasce Jogos vorazes, série em estudo.
O primeiro romance – bem como os outros dois –, narrado em
primeira pessoa, conjuga a história da heroína Katniss Everdeen,
uma garota de dezesseis anos que vive em um país antiutópico
chamado Panem – localizado onde outrora fora os Estados
Unidos da América. O país é dominado e subjugado por uma
metrópole chamada Capital que, com sua tecnologia altamente
avançada, realiza anualmente os Jogos, com o objetivo de manter
na lembrança dos doze distritos uma revolta que aconteceu
vários anos atrás. Nos Jogos em questão, os tributos, isto é, um
garoto e uma garota de cada um dos doze distritos do país, são
selecionados por meio de um sorteio chamado “Colheita”, para
que participem, obrigatoriamente, de uma batalha em uma arena,
televisionada e transmitida para toda a Panem, na qual devem
lutar até a morte, sendo o campeão, portanto, quem sobreviver.
Então, a irmã de Katniss, Primrose, é sorteada para participar
dos Jogos. Katniss, entretanto, compadecida e desesperada,
voluntaria-se para tomar seu lugar, demonstrando-nos, com esse
ato, uma das características do herói Clássico, pois é sabido que
este herói é, geralmente, marcado por ideais nobres e altruístas
– eventualmente terá alvos supostamente egoístas (vingança, por
exemplo), contudo, seus fundamentos serão sempre moralmente
justos ou eticamente aprováveis, mesmo que interditos. Então,
Katniss, a heroína, é lançada em uma missão e “desiste de sua
vida pessoal” (CAMPBELL, 1990, p. 13), pois aquilo que objetiva
realizar é maior do que seus próprios interesses.
Logo em seguida, Peeta Mellark, o tributo masculino do
Distrito 12, é escolhido após o sacrifício feito por Katniss. Em
um trem, ambos são levados à Capital e, no meio do caminho,
são instruídos por Haymitch, tributo vencedor da 50ª edição dos
Jogos vorazes e mentor de todos os tributos do Distrito 12 que

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se seguiram a ele. Podemos inferir que, em relação ao herói


Clássico, Haymitch ocupa a figura de mestre, pois muitos heróis,
antes de receberem determinada missão ou tarefa, são educados
e treinados com a finalidade de obterem êxito.
Os Jogos começam e quase metade dos 24 tributos morre
no primeiro dia. Katniss consegue um arco e flecha e usa suas
habilidades de caça para sobreviver, enquanto o número de
mortos só aumenta. Supostamente devido à imagem de “amantes
desafortunados” que foi construída pela audiência do programa ao
redor de Katniss e Peeta, é anunciada uma nova regra durante os
Jogos: “[...] Sob a nova regra, dois tributos de mesmo distrito serão
declarados vencedores se forem os últimos dois a permanecer
vivos [...]” (COLLINS, 2010, p. 261). Após ouvir o anúncio,
Katniss sai à procura de Peeta, de quem ela tinha se afastado
por acreditar que ele estava aliado a outros tributos, e, quando
finalmente o encontra, descobre que o garoto está gravemente
ferido. Ela encontra uma caverna, que serve como abrigo, e
cuida de Peeta enquanto age como uma garota apaixonada
para manter a audiência interessada nos dois. Quando ambos
são os dois últimos tributos, os Idealizadores dos Jogos mudam
as regras novamente e, em uma clara tentativa de conduzir os
Jogos a um final dramático, dizem que apenas um deles poderá
vencer a competição. Em um último ato de esperança, ambos
concordam em cometer suicídio simultaneamente comendo
amoras envenenadas, pois acreditam que a Capital prefere dois
vencedores ao invés de nenhum. A estratégia funciona, Katniss e
Peeta sobrevivem e são declarados os vencedores da 74ª edição
dos Jogos vorazes.
Percebemos que a heroína de Collins se separa de sua
família, de sua terra natal, passa por uma série de tribulações e
retorna vitoriosa. Com isso, nossa hipótese é que há, no primeiro e
nos demais livros, a construção de uma heroína com características
do herói Clássico, pois, se tomarmos como base os dizeres de
Campbell (1997, p. 36), no que diz respeito ao “percurso padrão da
aventura mitológica do herói”, perceberemos que Katniss assume
o papel de heroína, não só de sua irmã, não só de si mesma, não
só de Peeta, mas de toda a Panem.

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Em O herói de mil faces (1997), obra fundamental para


nossa análise, Campbell traça as facetas que o herói pode assumir
em várias sociedades/culturas, bem como demonstra toda a
aventura pela qual ele/ela pode passar, dessa forma, esta obra
fundamentará grande parte de nossa pesquisa a fim de que seja
possível caracterizar o modelo de herói clássico. O autor afirma que

O herói, por conseguinte, é o homem ou


mulher que conseguiu vencer suas limitações
históricas pessoais e locais e alcançou
formas normalmente válidas, humanas. As
visões, idéias e inspirações dessas pessoas
vêm diretamente das fontes primárias
da vida e do pensamento humanos. Eis
por que falam com eloquência, não da
sociedade e da psique atuais, em estado
de desintegração, mas da fonte inesgotável
por intermédio da qual a sociedade renasce.
O herói morreu como homem moderno;
mas, como homem eterno — aperfeiçoado,
não específico e universal —, renasceu.
Sua segunda e solene tarefa e façanha é
(...) retornar ao nosso meio, transfigurado,
e ensinar a lição de vida renovada que
aprendeu (CAMPBELL, 1997, p. 19).

É esse retorno transfigurado do herói mitológico que


ocorre, a nosso ver, no corpus estudado. Outros elementos
descritos por Campbell que constituem a saga do herói, como
“O chamado da aventura”, “O auxílio sobrenatural”, “A iniciação”,
“O retorno” e a “Recompensa”, parecem ocorrer no percurso
de Katniss Everdeen, herói feminino com atributos modernos,
mas com estereótipo e modelo bem próximos de personagens
mitológicos dos textos clássicos como Perseu, Odisseu, Hércules
etc., descritos por Homero, Hesíodo, Eurípedes, Sófocles, Virgílio
ou Ovídio, por exemplo.

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O modelo de Herói Clássico

Campbell (1997, p. 36) estabelece, em O herói de mil


faces, “o percurso padrão da aventura mitológica do herói:
separação-iniciação-retorno – que podem ser considerados a
unidade nuclear do monomito”, ou seja, a narrativa de cunho
heroico. Para este “percurso padrão” do herói ou, nas palavras de
Campbell, o “monomito”, daremos o nome de esfera do heroísmo
clássico, justamente porque o modelo com o qual trabalhamos é
baseado nos heróis da Antiguidade Clássica. Tomemos, a priori, o
diagrama do monomito, que ilustra, ainda que de forma simplista,
o percurso do herói. É pertinente observar que nosso objetivo é,
ao final deste capítulo, propor uma releitura deste diagrama, não
no sentido de melhorá-lo, mas com o propósito de que ele seja
específico do Herói Clássico greco-romano.

X Z

(CAMPBELL, 1997, p. 36)

Todos os homens e mulheres, potenciais ao papel de herói,


habitam o mesmo mundo, digamos, comum, ordinário. No entanto,
enquanto a maioria daqueles prefere o conduto do conforto de
suas vidas pacatas, o ser heroico, aquele que recebe o chamado,
é corajoso o suficiente para iniciar uma jornada desconhecida.
Dessa forma, cabe ao herói

[...] retirar-se da cena mundana dos efeitos


secundários e iniciar uma jornada pelas
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regiões causais da psique, onde residem


efetivamente as dificuldades, para torná-las
claras, erradicá-las em favor de si mesmo
(isto é, combater os demônios infantis de
sua cultura local) e penetrar no domínio da
experiência e da assimilação, diretas e sem
distorções [...] (CAMPBELL, 1997, p. 27).

Isso significa dizer que o herói precisa se aceitar como tal,


compreender o seu papel no mundo para, enfim, iniciar sua
jornada. Consequentemente, “retirar-se da cena mundana” pode
significar, simultaneamente, uma retirada do mundo físico, lugar
onde o herói pensará em si enquanto herói, e uma retirada do
mundo natural (ordinário, comum) para um mundo sobrenatural
(extraordinário, atípico), pois, conforme nos demonstra Campbell
(1997, p. 36), o herói, no percurso completo de sua jornada, vem
“do mundo cotidiano [e] se aventura numa região de prodígios
sobrenaturais: ali encontra fabulosas forças e obtém uma vitória
decisiva; o herói retorna de sua misteriosa aventura com poder de
trazer benefícios aos seus semelhantes”.
Um exemplo que expressa a retirada do mundo comum é
encontrado no mito de Perseu, filho de Zeus, o deus dos deuses
e dos homens. O herói e sua mãe, Dânae, são lançados em
uma arca pelo pai da moça, Acrísio – devido a uma profecia que
recebera de Delfos, cujas palavras prediziam que o filho de sua
filha o mataria. Uma vez resgatados por Díctis, um pescador, que
cria Perseu como se fosse sua própria prole, passam a habitar um
mundo comum. O herói e Dânae viveram com Díctis e sua mulher
por muitos anos,

[...] e Dânae não se incomodava com o


fato de o filho seguir a humilde profissão
de pescador, a salvo dos caminhos do mal.
No final, porém, surgiram novos problemas.
Polidectes, o rei da pequena ilha em que
viviam, era irmão de Díctis, mas tinha uma
natureza cruel e implacável. Parece que,

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por muito tempo, não tomou conhecimento


da mãe e do filho, até que um dia Dânae
chamou-lhe a atenção. Perseu já era adulto,
mas ela ainda conservava sua radiante
beleza, e Polidectes apaixonou-se por ela.
Queria a mãe mas não queria o filho, e então
pôs-se a pensar em uma forma de livrar-se
de Perseu (HAMILTON, 1992, p. 208).

E a forma que encontrou foi a de que o rapaz deveria enfrentar


as Górgonas. Com este exemplo, podemos perceber claramente
o fato de o herói habitar um mundo comum; apesar de ser
descendente de um deus, Perseu fora criado por um pescador
e, por isso, seguira os caminhos de seu pai adotivo enquanto
crescia, acompanhando-o e aprendendo o engenho da pesca e,
posteriormente, pescando sozinho. Um mundo totalmente comum
para quem ainda viria a ser um herói.
Sabendo-se que o herói habita o mundo natural, é
necessário que entendamos que, para se retirar desse mundo,
o herói recebe o chamado da aventura; pode não se tratar de
um chamado propriamente dito, mas de algo que impulsiona o
ser heroico a sair de seu mundo natural. Dessa forma, podemos
denominar o “chamado da aventura” também de o “motivo da
aventura”, justamente porque algo motiva o herói a se revelar como
tal e a iniciar uma jornada inesperada. De acordo com Campbell
(1997, p. 61, grifo nosso), “são típicas das circunstâncias do
chamado a floresta negra, a grande árvore, a fonte murmurante
e a repugnante e subestimada aparência do portador da força do
destino”.
Campbell (1997, p. 66) afirma que o primeiro estágio da
jornada mitológica, isto é, o chamado da aventura “[...] significa que
o destino convocou o herói e transferiu-lhe o centro da gravidade
do seio da sociedade para uma região desconhecida”, ou seja, o
herói não pode mais habitar o mundo comum, pois “[...] a condição
de heróis é algo a que se está predestinado [...]” (CAMPBELL,
1997, p. 311), sua tarefa, então, é desbravar o desconhecido,
perfazer o percurso que lhe cabe, que lhe é destinado.

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Ainda segundo Campbell (1997, p. 60), o chamado da


aventura pode também ser iniciado por um erro,

[...] aparentemente um mero acaso – revela


um mundo insuspeito, e o indivíduo entra
numa relação com as forças que não são
plenamente compreendidas. Como Freud
demonstrou, os erros não são um mero
acaso; são, antes, resultado de desejos e
conflitos reprimidos. São ondulações na
superfície da vida, produzidas por nascentes
inesperadas. [...] O erro pode equivaler ao
ato inicial de um destino.

Isso nos leva a inferir que, quando a jornada é introduzida por


um erro, o herói pode não estar preparado, porque ainda não
compreende o motivo/chamado que o levou a começar a aventura;
sendo assim, somente no desenvolver de suas peripécias é o que
herói amadurece a fim de que se reconheça como tal. Como bem
demonstrou Campbell, o erro já era destino do herói, tecido pelas
Meras, o ato inicial, portanto, de sua vida heroica. Se recorrermos
a Propp (2010), a aventura do herói pode também ser iniciada
com uma proibição ao herói imposta, que pode ser sintetizada em
“não vá lá” e, por consequência, uma infração feita por ele que, ao
desobedece-la, sai à procura do que perdeu ou, então, à procura
de vingança – acarretando, possivelmente, em um fracasso.
Enfim, seja por um chamado, por uma profecia, por um erro,
por uma proibição ou por qualquer outro motivo, a aventura parte
de uma busca e/ou procura marcada por ideais benevolentes,
nobres e altruístas – liberdade de si próprio, de alguém ou de um
povo, redenção, fraternidade, sacrifício por alguém/algo, coragem,
justiça, moral, paz, etc. Eventualmente terá alvos supostamente
egoístas, como a vingança, retaliação; contudo, seus fundamentos
serão sempre moralmente justos, mesmo quando vingativo, ou
eticamente aprováveis, ainda que interditos.
O início do ciclo dos 12 trabalhos de Héracles nos é muito
propício para relacionar com o chamado do herói. Conforme
podemos observar em Hamilton (1990), Zeus, encantado e

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enamorado por Alcmena, beneficia-se da ausência de Anfitrião,


que estava em uma guerra contra os Teléboas, e transfigura-se no
marido dela com o objetivo de passar a noite com a mulher. Dessa
relação, Alcmena gera Héracles. Por consequência, Hera, a maior
deusa dentre todas do Olimpo e esposa de Zeus, começa a nutrir
grande ódio pelo garoto, mesmo antes de seu nascimento. Com oito
meses de idade, Héracles enfrentou duas serpentes, introduzidas
pela deusa no quarto da criança, segurando “intrepidamente os
monstros pela garganta em cada mão” (GRIMAL, 2005, p. 206)
e sufocando-as. Hera, porém, não se deteve em provocar mais
vezes o grande herói: já casado com Mégara, e com três filhos, a
deusa provocara no herói descomunal loucura, fazendo com que
Héracles matasse tanto sua esposa como seus próprios filhos.
Quando se deu conta do que havia feito, o herói se isolou, fugindo
para o campo e vivendo sozinho. Foi encontrado e incentivado
por seu primo, Teseu, a visitar o oráculo de Delfos, para consultar
o espírito Pítia sobre uma maneira de recuperar sua honra, e o
oráculo lhe mostrou que, como penitência, ele deveria executar
uma série de doze tarefas que seriam estabelecidas por Euristeu.
Percebemos que os motivos da aventura de Héracles, mais
especificamente, o ciclo dos doze trabalhos, eram de restituição de
moral, redenção e de expiação – purificar-se e pagar, de alguma
forma, pelo morticínio que provocara, mesmo não sendo sua
culpa. O objetivo dos doze trabalhos era, então, purgar Héracles
de seu “pecado”, pois o herói principiou uma jornada pela qual
fora obrigado a realizar. O fato de ter matado sua mulher e seus
filhos lhe fez perder a honra e, assim, o herói se vê em um lugar
vergonhoso, tendo que, por conseguinte, recuperar sua dignidade
perante aos homens e aos deuses. É sabido que Héracles vencera
os doze trabalhos e enfrentara outras tantas aventuras e lugares
desconhecidos, provando ser digno da posição de herói, sendo,
em sua categoria, o mais adorado dentre os gregos.
De fato, todo ser heroico que recebe o chamado da aventura
ou é motivado a iniciar sua jornada pode

[...] agir por vontade própria na realização


da aventura [...]; da mesma forma, pode ser
levado ou enviado para longe por algum
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agente benigno ou maligno [...]. A aventura


pode começar por um mero erro [...];
igualmente, o herói pode estar simplesmente
caminhando a esmo, quando algum
fenômeno passageiro atrai seu olhar errante
e leva o herói para longe dos caminhos do
homem [...] (CAMPBELL, 1997, p. 66).

E, justamente pelo fato de o herói ser capaz de agir por vontade


própria, ele pode ou não aceitar o chamado, dessa forma, “[...]
encontramos o triste caso do chamado que não obtém resposta;
pois sempre é possível desviar a atenção para outros interesses.
A recusa à convocação converte a aventura em sua contraparte
negativa [...]” (CAMPBELL, 1997, p. 66).
É interessante mencionar que, entre o chamado da
aventura e o início da jornada (ou mesmo antes do chamado da
aventura para aqueles que já nascem sob uma profecia heroica),
o herói clássico é treinado por um mentor, um mestre cujos
ensinamentos, sejam eles físicos ou espirituais, educarão o herói
com a finalidade de este obter êxito nas aventuras. Dessa forma,
os heróis que não rejeitaram o chamado se encontram com essa
figura arquetípica, que é geralmente um ancião ou anciã, “que
remonta diretamente à figura do xamã na sociedade primitiva. [...]
Ele é o iluminador, o professor e mestre, um psicopompo (guia
das almas) [...]” (JUNG, 2002, p. 46), que oferece “ao aventureiro
amuletos [e armamento] que o protejam contra as forças tirânicas
com que ele está prestes a deparar-se” (CAMPBELL, 1997, p.
74). Um dos mentores mais representativos nos mitos heroicos é
o Centauro Quíron, considerado

[...] o mais célebre, o mais sensato e o mais


sábio dos Centauros [...]. Era muito amigo
dos homens, sensato e benfazejo [...]. Além
de Aquiles, educou Jasão, Asclépio, etc.
O próprio Apolo terá recebido lições de
Quíron. O seu ensino constava de música,
arte marcial, caça, moral e medicina. Pois

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Quíron era médico afamado e até praticava


cirurgia [...] (GRIMAL, 2005, p. 403).

Finalmente, o herói atravessa o primeiro limiar, que pode ou não


coincidir numa “separação” que existe entre o mundo natural e
o sobrenatural. Ele pode encaminhar-se sozinho ou ainda ser
levado por alguém (ou por algo) para o mundo incomum, a fim
de que inicie sua jornada. Uma vez atravessado o primeiro limiar,
não há como voltar atrás, é preciso seguir a aventura até o fim,
enfrentar tudo o que for imposto, viver tudo o que já fora pré-
determinado pelo destino. O herói adentra o mundo sobrenatural
– “deserto, selva, fundo do mar, terra estranha, etc.” (CAMPBELL,
1997, p. 83) –, onde forças maléficas farão de tudo para impedi-lo
de prosseguir, de tornar-se vitorioso. Como que divididos por uma
barreira, o mundo sobrenatural é lugar onde “estão as trevas, o
desconhecido e o perigo” (CAMPBELL, 1997, p. 82). Ali,

[...] o herói caminha por uma paisagem


onírica povoada por formas curiosamente
fluidas e ambíguas, na qual deve sobreviver
a uma sucessão de provas. Essa é a fase
favorita do mito-aventura. Ela produziu
uma literatura mundial plena de testes e
provações miraculosos [...] (CAMPBELL,
1997, p. 102, grifo nosso).

É aqui que a aventura propriamente dita tem início, pois o herói


se vê frente a diversos obstáculos e provações. É nessa fase da
esfera do heroísmo que o herói demonstrará o quão corajoso,
forte e destemido é e quão merecedor é da posição de herói que
lhe fora atribuída. Em consonância, Campbell (1997, p. 100, grifo
nosso) afirma que a aceitação da aventura e seu encontro com
o mestre simbolizam, “tão-somente, o início da trilha, longa e
verdadeiramente perigosa [...]. Cumpre agora matar os dragões e
ultrapassar surpreendentes barreiras – repetidas vezes. Enquanto
isso, haverá [...] relances momentâneos da terra das maravilhas”
(CAMPBELL, 1997, p. 110). Os mitos clássicos têm muito a nos
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contar sobre o caminho das provas e é possível afirmar que,


dentre os muitos heróis que conhecemos, Odisseu é o herói
prototípico que mais enfrentou obstáculos durante seu percurso,
desde quando saiu de Ítaca até o seu retorno, “porque nenhum
dos aqueus penou tanto quanto penou e sofreu Odisseu. Sina
dele, porém, eram as tribulações e a minha um perene pesar por
ele, por estar ausente há tão longo tempo, sem nada sabermos,
nem se vive, nem se morre” (HOMERO, 2004, p. 43).
Durante a trilha da aventura, os auxiliares ou, então, os
ajudantes – cujas formas podem ser entes sobrenaturais, deuses,
seres mágicos, etc. –, aparecem ao herói que, então, “é auxiliado,
de forma encoberta [ou não], pelo conselho, pelos amuletos
e pelos agentes de penetrar nessa região. Ou, talvez, ele aqui
descubra, pela primeira vez, que existe um poder benigno, em
toda parte, que o sustenta em sua passagem sobre-humana”
(CAMPBELL, 1997, p. 102). O ser heroico, se merecedor da
graça divina, recebe proteção dessa entidade que possui, por
ele, afeição. Esse “protetor” pode ainda lhe oferecer caminhos,
soluções de enigmas, força e armas – que o protegerão contra o
que ele está prestes a enfrentar.
A respeito dessa dádiva protetora, a Aquiles é oferecida
grande dádiva protetora por intermédio de sua mãe. Tétis, a fim de
fortalecer sua essência mortal, mergulhou-o, ainda muito jovem,
nas águas do rio Estige, “o rio infernal. Esta água tinha o poder de
tornar invulnerável quem nela mergulhasse. Contudo, o calcanhar,
pelo qual Tétis segurava o filho, não foi atingido pela água mágica
e ficou vulnerável” (GRIMAL, 2011, p. 36). Podemos inferir que,
sem o auxílio divino de sua mãe – que fora dado ao herói mesmo
antes de ele iniciar a aventura –, Aquiles muito possivelmente
teria sucumbido antes de efetuar seus inúmeros prodígios, pois,
somente no final da Guerra de Troia, ele é atingido por uma flecha
no calcanhar. É válido mencionar que Tétis também auxiliou
Aquiles durante a guerra de Troia, dando-lhe de presente uma
armadura nova – uma vez que Pátroclo havia morrido com a sua.
No canto XVIII da Ilíada, é-nos demonstrado quando Tétis busca
o presente do filho e, no canto XIV, a aparência que a armadura
possui:

CONSIDERAÇÕES SOBRE O HERÓI EM OBRAS DA LITERATURA ITALIANA E DE OUTRAS LITERATURAS


244
Guilherme Augusto Louzada Ferreira de Morais

No largo seio das águas deveis mergulhar,


para verdes
o branco Velho Marinho em seu belo
palácio e contar-lhe
tudo o que aqui se passou, enquanto eu
subo à sede dos deuses,
para saber do admirável artífice, Hefesto,
se ao filho
caro ele quer emprestar armadura de lúcido
aspecto.
Obedecendo-lhe, as ninfas nereides no mar
submergiram,
enquanto Tétis, a deusa marinha, subiu ao
Olimpo
para buscar a armadura brilhante do filho
querido
(HOMERO, 1960, p. 415, versos 140-147).

As caneleiras, primeiro, lavradas, nas


pernas ataca.
belas de ver, por fivelas de prata maciça
ajustadas;
em torno ao peito coloca, depois, a couraça
magnífica;
lança nos ombros a espada de bronze com
cravos de prata,
e o grande escudo sobraça, inteiriço e de
largos contornos,
que, como a lua fulgor difundia, até grande
distância
(HOMERO, 1960, p. 442, versos 369-374).

Intrinsecamente ligados às provações e ao contraponto dos


ajudantes de herói, encontram-se os inimigos, ou forças malignas,
que farão de tudo para retardar a vitória do herói. Estendendo as
considerações de Propp (2010, p. 31-34) do conto maravilhoso
para as narrativas de cunho heroico, o antagonista pode causar
vários tipos de danos ao herói, como, por exemplo, raptar uma
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Guilherme Augusto Louzada Ferreira de Morais
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(Organizadores) 245
A ESFERA DO HEROÍSMO CLÁSSICO: A REPRESENTAÇÃO DO PERCURSO DO HERÓI EM “JOGOS VORAZES

pessoa querida, roubar dele um objeto precioso, infligir-lhe danos


corporais, enfeitiçar alguém, assassinar ou ameaçar alguém,
etc. Portanto, são inúmeras as possibilidades de dano e de
manifestação do inimigo, que muitas vezes pode aparecer sob a
forma de um deus ou deusa que, independente de seus motivos
(muitas das vezes particulares), não possui afeição pelo herói.
Como que em uma escalada muito íngreme, o herói
sobe a montanha da aventura e cada passo representa algo
superado e vencido. Quanto mais perto do fim de sua jornada,
quanto mais próximo do pico da montanha – e independente
do número de provações ou, para fazermos uso dos termos de
Campbell (1997, p. 178), limiares e dragões que o herói tenha
ultrapassado e vencido –, os enfrentamentos se tornam cada vez
mais difíceis e complexos, a fim de que se aprimore o herói física
e espiritualmente para o grande embate final: a maior provação
de todas, que coloca a vida do herói em risco iminente.
Possivelmente, um dos embates finais mais perigosos,
dentre todas as lendas dos grandes heróis mitológicos, tenha
sido o décimo segundo trabalho de Héracles, que consistia em
capturar Cérbero, o cão de três cabeças, guardador os portões
do submundo, que, de acordo com Salis (2003, p. 165, grifo
nosso), era “sua última e mais difícil de todas as tarefas”, afinal,
“Cérbero era dócil com quem adentrava os portões do Hades,
mas implacável com quem tentasse sair”. O próprio espectro de
Héracles surgiu a Odisseu, quando este invocou os mortos do
Hades a fim de conversar com Tirésias, o vidente, e o grande
herói grego relata o quão difícil foi essa tarefa:

– Filho de Laertes, progênie de Zeus,


engenhoso Odisseu, ah! mísero! também tu
arrastas uma sina triste como a que levava
eu sob os raios do sol! Eu era filho de Zeus e
neto de Crono; não obstante, infinitos foram
meus infortúnios, por me achar sujeito a um
homem imensamente inferior a mim, que
me impunha árduas tarefas. Chegou certa
vez a mandar-me buscar um cachorro aqui;

CONSIDERAÇÕES SOBRE O HERÓI EM OBRAS DA LITERATURA ITALIANA E DE OUTRAS LITERATURAS


246
Guilherme Augusto Louzada Ferreira de Morais

não podia imaginar outra incumbência mais


penosa que essa; eu tirei o cão da mansão
e levei-o; guiaram-me Hermes e Atena de
olhos verde-mar (HOMERO, 2004, p. 139).

Vencidos todos os obstáculos e terminada a aventura com o


“triunfo [...] sobre o poderoso adversário” (JAEGER, 2011, p. 71),
o qual os gregos denominavam aristeia, o herói precisa retornar
para o mundo comum e esse retorno pode ter seu marco inicial
como uma fuga, seja de um cativeiro, seja do pai acompanhado
da amada donzela ou por ter se apoderado de um elixir mágico,
seguida de perseguição. O herói pode ser também resgatado por
algum ente sobrenatural, o que Campbell (1997, p. 206) nomeia
como “assistência externa”, ou seja, “o mundo tem de ir ao seu
encontro e recuperá-lo [o herói]”; possivelmente impedido pelo
inimigo que o aprisiona ou esgotado de suas próprias forças, é
necessário que alguém, compadecido por ele, o resgate a fim de
que ele retorne.
Para Campbell (1997, p. 213), o retorno é marcado como
“a crise final do percurso, para a qual toda a miraculosa excursão
não passou de prelúdio – trata-se da paradoxal e supremamente
difícil passagem do herói pelo limiar do retorno, o que leva do
reino místico à terra cotidiana”. Essa passagem, então, do mundo
sobrenatural para o natural pode ser igualmente difícil a toda
aventura do herói. Odisseu, como sabemos, era frequentemente
atacado por Poseidon, portanto, seu retorno a Ítaca fora muito
dificultado por prodígios divinos do deus marítimo, apesar de todo
o auxílio que recebera de Atena.
Por fim, com seu retorno, o herói recebe uma recompensa,
uma benção que é “tão-somente um símbolo da energia da vida”,
sendo “comum vê-lo pedir mais anos de vida, armas com as
quais possa matar seu próximo [inimigo] ou saúde para os filhos”
(CAMPBELL, 1997, p. 177), podendo a recompensa também ser
a recuperação de um trono e, talvez o maior desejo de todos, “a
possibilidade de imortalidade física [que] encanta o coração do
homem” (CAMPBELL, 1997, p. 174). Hércules, por exemplo, “se
deleita em festins com os deuses imortais, casado com Hebe de

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lindos tornozelos, filha de Zeus poderoso e de Hera das sandálias


de ouro” (HOMERO, 2004, p. 139). A vida física do herói chega a
um fim, isto é, “o último ato do herói é a morte ou partida” e “aqui é
resumido todo o sentido da [sua] vida” (CAMPBELL, 1997, p. 339),
pois ele passará a habitar, como sabemos, nos Campos Elísios,
e também na memória de todos aqueles que o conheceram sua
história.
Por mais que Campbell trace um modelo de herói baseando-
se em diversas lendas e culturas, como a grega, a judaica, a cristã,
a budista, etc., “não há um sistema definitivo de interpretação
dos mitos [e dos heróis] e jamais haverá algo parecido com isso”
(CAMPBELL, 1997, p. 367). Entretanto, como nosso objetivo é
analisar especificamente como o modelo do Herói da antiguidade
clássica greco-romana é retomado no romance Jogos vorazes,
acreditamos ser necessário propor o que chamamos de esfera
do heroísmo clássico, realizando, com base nele, a análise da
heroína Katniss Everdeen:

CONSIDERAÇÕES SOBRE O HERÓI EM OBRAS DA LITERATURA ITALIANA E DE OUTRAS LITERATURAS


248
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Katniss Everdeen, heroína moderna com atributos clássicos

Como evidenciamos no tópico acima, o herói habita um


mundo comum. O lar de Katniss é uma casa no décimo segundo
distrito de Panem, um dos mais distantes da Capital, cujo ofício
é prover minérios à capital do país. A parte do distrito em que ela
vive é chamada de “costura” que, logo pela manhã, é “apinhada de
mineiros se dirigindo ao turno matinal. Homens e mulheres com os
ombros caídos e as juntas inchadas, muitos dos quais há tempo
desistiram de limpar as fuligens negra de suas unhas quebradas e
de apagar as profundas rugas de seus rostos” (COLLINS, 2010, p.
10). Katniss, assim como qualquer outro adolescente, frequenta
a escola e faz as tarefas das disciplinas de leitura, matemática
e carvão, porém, com a morte de seu pai, a garota foi obrigada,
para além dos estudos, a se fazer o “homem da casa”, passando
a caçar ilegalmente nos arredores do distrito e a vender a carne
dos animais e verduras no Prego.
Sabendo-se então que Katniss habita um mundo comum,
é necessário que demonstremos como acontece o seu chamado
da aventura ou, então, o que motiva a garota a iniciar uma jornada
inesperada. No início da narrativa, é narrado o dia da Colheita, o
ritual feito anualmente para que crianças e adolescentes, inclusive
Katniss, dirijam-se ao centro de seus respectivos distritos, mais
especificamente no pátio do Edifício da Justiça, para serem
“sorteados” para os Jogos vorazes.
Então, Effie Trinket, como de costume, “cruza o palco até
a bola com os nomes das garotas. Ela se aproxima, enfia a mão
bem fundo na bola e retira uma tirinha de papel. A multidão suspira
coletivamente e depois é tão grande o silêncio que é possível
ouvir até um alfinete caindo no chão” (COLLINS, 2010, p. 27) e o
nome de Primrose, irmã de Katniss, é sorteado. Diferentemente
dos demais tributos, o que faz de Katniss ser um herói é o fato
de ela se oferecer para tomar o lugar de sua irmã, escolhida para
participar da 74ª edição dos Jogos, demonstrando-nos, dessa
forma, seu altruísmo e compaixão, seu desejo por libertar sua
irmã do fardo pesado que são as lutas na arena:

– Prim! – O grito estrangulado sai de minha


boca e meus músculos começam novamente
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A ESFERA DO HEROÍSMO CLÁSSICO: A REPRESENTAÇÃO DO PERCURSO DO HERÓI EM “JOGOS VORAZES

a se mexer. – Prim! – Eu não preciso abrir


caminho em meio à multidão. Os outros
garotos dão passagem imediatamente,
permitindo que eu chegue rapidamente ao
palco. Eu a alcanço quando ela está a ponto
de pisar no primeiro degrau. Empurro-a para
trás de mim com meu braço.
– Eu me ofereço! – digo eu, arquejando. –
Eu me ofereço como tributo.
Há um certo burburinho no palco. O Distrito
12 não tem um voluntário há décadas, e o
protocolo já está enferrujado. A regra diz
que, uma vez que o nome de um tributo foi
retirado da bola, outro garoto elegível, se foi
lido o nome de um garoto, ou outra garota,
se foi lido o nome de uma garota, pode se
apresentar para tomar o lugar dele ou dela.
Em alguns distritos em que vencer a colheita
é uma grande honra, as pessoas ficam
ansiosas para arriscar sua vida, o que torna
o voluntário algo bem complicado. Mas no
Distrito 12, onde a palavra tributo é quase
sinônimo de cadáver, voluntários estão mais
do que extintos (COLLINS, 2010, p. 29, grifo
do autor).

Katniss fora corajosa o suficiente para desistir de sua própria


vida e é exatamente essa ação que a faz se destacar dos demais
tributos, que apenas esperavam ansiosamente que seus nomes
não fossem selecionados. Katniss sacrificou a si mesma em favor
de sua família, deixou de ser uma pessoa comum, pois o motivo
de sua aventura foi o de salvar sua irmã, esse foi o seu chamado.
Ademais, conforme nos demonstra Campbell (1997, p. 66), o
herói pode começar sua aventura por própria escolha, e Katniss,
mesmo temendo o seu futuro, voluntaria-se por sua irmã, não
recusa o chamado e começa uma jornada na qual nada conhece
e tudo o que espera é a morte.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O HERÓI EM OBRAS DA LITERATURA ITALIANA E DE OUTRAS LITERATURAS


250
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Antes de começar sua aventura, Katniss se encontra


com o mestre do distrito 12, Haymitch, vencedor da 50ª edição
dos Jogos vorazes, um homem alcoólatra, que não consegue
ao menos se manter em pé. Haymitch se mostrará um grande
mentor e auxiliar de Katniss e Peeta – o tributo masculino do
Distrito 12 –, no decorrer da trama dos três romances. Entretanto,
no início do primeiro, ele se configura como o oposto de um bom
e sensato mestre, como fora Quíron, já citado por nós, porque
se recusa a representar o poder protetor iniciático do herói. Com
isso, podemos afirmar que Haymitch seja, a priori, uma paródia
do arquétipo de mestre, uma vez que a paródia “transforma uma
obra precedente [...]. Mas qualquer que seja a transformação ou
deformação, ela exibe sempre um liame direto com a literatura
existente [...]” (SAMOYAULT, 2008, p. 53).
Assim, diferentemente do que acontece com os mentores
da Literatura Clássica, cujos mestres iniciam o herói, em Jogos
vorazes, Haymitch jamais iniciara ou educara outros tributos antes
de Katniss e Peeta. Assim,

[...] não é surpresa que os tributos do Distrito


12 jamais tenham alguma chance. Não
apenas por sermos mal alimentados e nos
faltar um treinamento adequado. Alguns
de nossos tributos eram fortes o suficiente
para ter uma sobrevida. Mas raramente
conseguimos patrocinadores, e grande
parte do motivo é ele. As pessoas ricas que
subvencionam os tributos – ou porque estão
apostando neles ou porque simplesmente
querem se gabar por terem escolhido o
vencedor – esperam lidar com uma pessoa
[o mentor] com um perfil um pouco mais
clássico do que o de Haymitch (COLLINS,
2010, p. 63-64, grifo nosso).

E a palavra “clássico” não está gratuitamente no texto de Collins.


Podemos dizer que a autora se refere exatamente ao arquétipo
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de mestre, que deveria ser equiparado a Quíron: sensato, sábio,


benfazejo, etc. – e isso faz de Haymitch realmente uma paródia,
ou seja, uma subversão do protótipo de mentor, uma vez que é
alcoólatra, agressivo e em nada ajudou os tributos anteriores à
Katniss e Peeeta, e inferimos que isso se deve ao fato de apenas
Katniss se configurar como herói, enquanto os outros adolescentes
eram meros tributos.
Katniss, então, ao aceitar o chamado e ao encontrar seu
mentor pela primeira vez, precisa atravessar o primeiro limiar, ou
seja, distanciar-se do seu mundo, que é comum, e habitar um
mundo desconhecido, incomum, lugar onde há perigo iminente.
Como já dissemos anteriormente, o herói pode agir por vontade
própria (ir do mundo comum ao incomum por si mesmo) ou, então,
ele pode ser levado por outrem. O caso de Katniss é, portanto, o de
ser levada/encaminhada para a aventura, uma vez que embarca
em um veloz trem, e também luxuoso, sendo este o transporte que
fará com que a heroína atravesse o primeiro limiar, a “barreira”
que separa o Distrito 12, seu mundo natural, da Capital, o mundo
sobrenatural.
Já na Capital, mais especificamente no Centro de
Treinamento, que “possui uma torre exclusivamente projetada
para os tributos e suas equipes [...]” (COLLINS, 2010, p. 82), a
garota e Peeta são supervisionados por Haymitch e Effie – que
assume o papel de “submentora”, até o momento de os Jogos
serem iniciados. De fato, Effie reconhece que o papel de mentor
é, em maior parte, de Haymitch, pois afirma: “– Infelizmente,
não posso chancelar as propostas de patrocínio de vocês. Só
Haymitch pode fazer isso – diz Effie, com pesar. – Mas não se
preocupem. Vou levá-lo até a mesa sob a mira de um revólver,
se preciso for” (COLLINS, 2010, p. 84). Com isso, podemos dizer
que, embora Effie despreze Haymitch, ela o complementa e
ambos formam um único mentor: ela é sensata, benfazeja, sábia
e lúcida e ele é estratégico, inteligente, conhece o funcionamento
das arenas e sabe como lutar com armas (facas, lanças, flechas,
etc.); parecem, assim, “estar agindo em sintonia um com o outro,
determinados a nos torturar até que estejamos em forma. Cheios

CONSIDERAÇÕES SOBRE O HERÓI EM OBRAS DA LITERATURA ITALIANA E DE OUTRAS LITERATURAS


252
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de intermináveis orientações a respeito do que devemos ou não


fazer nos treinamentos [...]” (COLLINS, 2010, p. 110).
Haymitch, por sua vez, começa realmente a atuar como
mestre quando se encontra com os dois tributos a fim de
aconselhá-los como devem agir e o que devem fazer no primeiro
dia de treinamento. Então, o mentor os orienta:

[...] O plano é o mesmo para vocês dois.


Vocês vão para o treinamento de grupo.
Passam o tempo tentando aprender alguma
coisa que desconhecem. Arremessar uma
lança. Manusear uma clava. Aprender a
dar um nó decente. Tudo menos mostrar
no que vocês são bons. Até chegarem às
sessões particulares. Estamos entendidos? –
pergunta Haymitch (COLLINS, 2010, p. 102).

São três dias de exercícios físicos, de habilidades e capacitação –


orientados por vários treinadores, cada um com sua especificidade
–, a fim de que se prepare os vinte e quatro tributos para o
combate. Katniss, além de bem saber usar facas, demonstra-se
muito hábil com arco e flechas, justamente porque passou quatro
anos de sua vida, especificamente após a morte do pai, caçando
na campina do Distrito 12 e alimentando sua família.
Entretanto, é necessário que a garota, e também Peeta,
experimente outros tipos de armamentos, uma vez que não se sabe
se na arena haverá arco e flechas; então, ambos se encaminham
para as várias estações da sala de treinamento: estação de
aprendizagem em nós, em camuflagem (Peeta se demonstra
hábil nessa estação por saber confeitar bolos na padaria do pai),
“acender fogueiras, arremessar facas, fazer abrigos” (COLLINS,
2010, p. 107), etc. Isso é mais uma característica de herói que a
garota possui: ser capaz de lutar com armamentos e ser inteligente
o suficiente para sobreviver em campo de batalha, afinal, Hércules
era competente com sua maça, mas precisou ser principalmente
muito astucioso e sagaz para completar seus doze trabalhos.

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Finalmente, já na arena dos Jogos, Katniss se depara


com o seu primeiro enfrentamento. Abrigada em um alto galho
de árvore, demonstra sua coragem quando chama a atenção,
voluntariamente, dos Carreiristas – tributos dos Distritos 1 e 2 que
se preparam o ano todos os Jogos. Cato, um deles, tenta subir
atrás dela, mas, por ser muito robusto, os galhos não aguentam
seu peso. Com isso, decidem acampar em volta da árvore
de Katniss com o objetivo de fazê-la descer por algum tipo de
necessidade. Como dissemos anteriormente, o antagonista pode
roubar algo precioso do herói, e uma garota chamada Glimmer,
aliada dos Carreiristas, portava exatamente o arco e flechas que
Katniss tanto desejava: “[...] meu arco! Minhas flechas! A simples
visão da arma me deixa com tanta raiva que tenho vontade de
gritar comigo e com aquele traidor do Peeta81 por ter me distraído
na hora em que eu ia pegá-los [...]” (COLLINS, 2010, p. 198).
Ora, se Hércules, Jasão, Teseu, Perseu, Odisseu, etc.,
encontraram inúmeros inimigos no decorrer de suas aventuras,
não seria diferente com Katniss, uma vez que a interpretamos como
o resgate do Herói Clássico. Porém, sabemos que a contraparte
dos inimigos são os ajudantes de herói e, para auxiliar Katniss a
ultrapassar o primeiro confronto que é enfrentar os Carreiristas
para poder sair da árvore, Rue, do Distrito 11, aparece nos galhos
de uma outra árvore e indica com a mão um enorme ninho de
teleguiadas,

vespas assassinas [...] geradas em um


laboratório e dispostas estrategicamente,
como minas terrestres, nos distritos durante
a guerra. Maiores do que as vespas comum,
elas possuem um corpo sólido e dourado
bem característico, e uma ferroada que
deixa um calombo do tamanho de uma
ameixa. A maioria das pessoas não tolera
mais do que algumas ferroadas. Algumas
morrem imediatamente. Se você sobreviver,

81 É pertinente ressaltar o fato de que Peeta se aliou aos Carreiristas apenas


para proteger Katniss. Entretanto, a garota ainda não tem ciência desse fato.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O HERÓI EM OBRAS DA LITERATURA ITALIANA E DE OUTRAS LITERATURAS


254
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as alucinações proporcionadas pelo veneno


vão leva-lo à loucura. E tem mais uma coisa,
essas vespas vão caçar qualquer pessoa
que perturbe seu ninho ou que tente mata-
las. Por isso são chamadas teleguiadas
(COLLINS, 2010, p. 201-202).

É interessante notar que esse enfrentamento não é diferente


de muitos Heróis Clássicos, que inúmeras vezes enfrentaram
criaturas estranhas e inusitadas com partes de diferentes animais
em seu corpo, caso da mantícora que, segundo Morais (2013, p.
45), é descrita por Plínio, em História Natural, livro VIII, capítulo
XLV, como “um animal com rosto e orelhas humanos, olhos
glaucos (cinzentos, verdes ou azuis), uma tripla fileira de dentes
que se encaixavam como em um pente, um corpo de leão, de cor
vermelha e que imita a voz humana”.
Katniss, então, muito cuidadosamente, retira-se do saco de
dormir, preso ao galho da árvore, e começa a subir outros galhos
a fim de alcançar o ninho da teleguiadas e, embora os galhos
comecem a se afinar, a garota continua a subir, porque demonstra
uma das características do ser heroico, a perseverança, como
podemos comprovar ao ler o seguinte excerto: “[...] os galhos estão
ficando cada vez mais finos para mim, mas sou perseverante [...]”
(COLLINS, 2010, p. 203). Afinal, ela precisa ultrapassar o primeiro
limiar e provar ser digna do título de herói.
Katniss alcança o galho onde o ninho de vespas encontra-
se alojado e começa a serrar a madeira, aproveitando a música
da Capital soando na arena com o objetivo de os Carreiristas não
a ouvirem e fugirem. Entretanto, a música se encerra antes de o
galho estar completamente serrado, com isso, a garota decide
voltar ao seu galho e, para sua surpresa, encontra um “recipiente
de plástico preso a um paraquedas prateado. Minha primeira
dádiva de um patrocinador” (COLLINS, 2010, p. 204, grifo nosso).
Os Patrocinadores, que aqui podem ser interpretados como
divindades (justamente pelo termo dádiva utilizado pela autora),
os deuses olímpicos que ajudavam o herói quando por eles
possuíam afeição.

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No começar do dia, esse auxílio sobrenatural ajuda Katniss


a subir, mais uma vez, os galhos da árvore para terminar o
trabalho (para usar os termos da aventura de Hércules) que havia
começado. Finalmente, ela consegue desmembrar o galho e ele
“vai caindo e arrebentando os galhos mais baixos, fica enganchado
temporariamente em alguns, mas logo se contorce e desaba no
chão com um barulho forte”, exatamente onde os Carreiristas
estavam dormindo, “o ninho se abre como se fosse um ovo, e
um furioso enxame de teleguiadas começa a voar” (COLLINS,
2010, p. 206) e a atacar cada um dos tributos. A maioria deles
consegue fugir, mas Glimmer, a portadora do arco, e uma outra
garota morrem devido às ferroadas das vespas modificadas.
Embora tenha sido picada algumas vezes, Katniss, após
esperar as teleguiadas se distanciarem, consegue descer de sua
árvore, pegar o arco e as flechas, que eram seus por direito, e é
alcançada e salva por Peeta, que a ordena fugir rapidamente do
local, o que ela imediatamente o faz. A garota ultrapassou, enfim,
seu primeiro obstáculo e deu início ao longo e tortuoso caminho
de provações. Apesar de se encontrar sozinha em um mundo
sobrenatural devastador, onde pessoas esperam por sua morte,
Katniss demonstra, a cada passo, que é digna da posição de herói
e que possui coragem o suficiente para enfrentar tudo o que a ela
é e será imposto, pois a jornada do herói tem início justamente
aqui, e as provações e obstáculos apenas começaram. Katniss,
no decorrer da narrativa, enfrenta outros obstáculos, que apenas
demonstram e evidenciam a coragem da heroína.
Então, os Idealizadores dos Jogos, “brincando” de
senhores do destino, mudam as regras dos Jogos: se antes,
apenas um tributo poderia se tornar vitorioso, agora, “dois tributos
de mesmo distrito serão declarados vencedores se forem os
últimos dois a permanecer vivos” (COLLINS, 2010, p. 261). No
mesmo momento, Peeta, o tributo masculino do Distrito 12, vem
à memória de Katniss, justamente porque ele a ajudara a escapar
dos Carreiristas quando a garota lançara sobre eles o ninho das
teleguiadas.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O HERÓI EM OBRAS DA LITERATURA ITALIANA E DE OUTRAS LITERATURAS


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Peeta, que está ferido, agora é meu aliado.


Quaisquer dúvidas que eu tenha tido em
relação a ele estão dissipadas porque se um
de nós tirar a vida do outro agora, seremos
considerados párias quando retornarmos
ao Distrito 12. Na realidade, sei que, se
estivesse assistindo, eu odiaria qualquer
tributo que não se aliasse imediatamente a
seu companheiro de distrito [...] (COLLINS,
2010, p. 265).

O objetivo de Katniss é, portanto, usar do artifício de “amantes


desafortunados” para, então, angariar mais dádivas dos
Patrocinadores (deuses) que facilitarão a ela e, por consequência,
ao garoto, a vitória da 74ª edição dos Jogos vorazes. Com
isso, Katniss sai de manhã à procura de Peeta pela floresta,
demonstrando sua coragem e benevolência em buscar o rapaz,
sua inteligência ao seguir as regras do jogo, e confirmando sua
posição de herói, pois reconhece que Peeta, em sua condição
ferida, não conseguiria procurar por ela.
A garota o encontra ferido e, apesar de todos os cuidados,
ele não obtém melhora. Então, mais uma vez, os Idealizadores dos
Jogos surpreendem os tributos, quando Claudius Templesmith,
uma voz incorpórea que representa os Idealizadores, convida-os
para um ágape. Faz-se necessário evidenciar que, de acordo com
Bobineau (2010, p. 72-73 apud SPICQ, 1996b, p. 362-363), nos
primeiros grupos cristãos, era tradição dos fieis se juntarem para
um ágape, em outras palavras, um banquete, para comer em uma
grande mesa, demonstrando, com isso, fraternidade. Em Jogos
vorazes, esse sentido é resgatado, pois os tributos são convidados
para um banquete, no qual devem agir “pacificamente”, como
que em uma trégua, mas, na verdade, o intuito é fazer com que
os tributos se confrontem. Na 74ª edição dos Jogos, o ágape
não se configura exatamente como um banquete, uma vez que
Claudius Templesmith anuncia que cada um dos tributos “precisa
desesperadamente de alguma coisa” (COLLINS, 2010, p. 293):

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– Cada um de vocês encontrará essa alguma


coisa na Cornucópia, ao amanhecer, dentro
de uma mochila marcada com o número
de seu distrito. Pensem bem antes de se
recusarem a comparecer. Para alguns de
vocês, essa será a última chance – conclui
Claudius (COLLINS, 2010, p. 293).

De fato, Katniss necessita de algum medicamento que possa


curar Peeta e, mais uma vez, os Idealizadores manipulam, como
as Parcas, o destino de cada um dos sobreviventes dos Jogos.
Peeta reconhece nessa manipulação um perigo iminente e tenta
persuadir Katniss a não ir ao ágape, a garota, por sua vez, mente,
assegurando ao rapaz que não participará do “evento”:

– Você mente tão mal, Katniss [...].


Uma sensação enrubesce o rosto.
– Tudo bem, eu vou, e você não vai me
impedir.
[...]
– O que devo fazer então? Ficar aqui
sentada assistindo à sua morte? – Ele deve
saber que essa não é uma opção. Que o
público me odiaria por isso. E, francamente,
eu mesma me odiaria também se nem ao
menos tentasse (COLLINS, 2010, p. 294).

Katniss precisa, então, de um auxílio para seu plano de ir ao


ágape sem que Peeta, debilitado, a persiga. Mais uma vez, a
ajuda divina dos Patrocinadores vem a favor de Katniss com um
pequeno frasco de xarope do sono, capaz de “tirar Peeta do ar
por um dia inteiro, mas para que isso serviria? Estou com tanta
raiva que estou a ponto de jogar a última dádiva de Haymitch no
riacho quando uma ideia me ocorre. Um dia inteiro? Isso é mais
do que preciso” (COLLINS, 2010, p. 296, grifo nosso). Misturando
o xarope a amoras silvestres a fim de se disfarçar o sabor, Katniss
medica o garoto, que adormece instantaneamente.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O HERÓI EM OBRAS DA LITERATURA ITALIANA E DE OUTRAS LITERATURAS


258
Guilherme Augusto Louzada Ferreira de Morais

Ao amanhecer, Katniss já se encontra na arena, onde uma


“mesa redonda revestida com um tecido branco como a neve surge
[...]. Sobre a mesa encontram-se quatro mochilas” (COLLINS,
2010, p. 303) para cada um dos distritos restantes em jogo. A
garota, reunindo toda a sua coragem, corre em direção a mesa
para pegar a mochila do Distrito 12, mas Clove, tributo feminina do
Distrito 2, intercepta-a. Tresh, por sua vez, mata Clove e, assim,
podemos dizer que, sem o auxílio de Tresh, Katniss teria falhado
em sua missão de pegar a mochila que continha o remédio para
salvar Peeta; a garota não teria ultrapassado esse obstáculo.
Como já expusemos anteriormente, esse auxiliar ou auxílio pode
surgir ao herói de formas variadas, como, por exemplo, sob forma
de um deus que pelo herói possui afeição, sob forma de um
conselho, solução de um enigma, proteção provinda do pai ou da
mãe, um feitiço, o auxiliar pode ser chantageado ou comprado, etc.
Nesse caso, o auxílio proveio em forma de “troca de favores”, pois
Katniss havia ajudado Rue82 e, além disso, matado seu agressor.
Tresh, por sua vez, em retribuição à garota, matou Clove e ainda
poupou sua vida.
Com isso, reforçamos o quanto é necessária, durante todo
o percurso do herói, a presença dos ajudantes ou auxiliares. Esse
fator pode ser interpretado como um reflexo da vida do próprio
homem, ser individual, que necessita da presença de outras
pessoas, de seus ajudantes ou, em palavras menos metafóricas,
de seus amigos. Apesar de Tresh não ser amigo de Katniss, agiu
em benefício dela como possivelmente agiria em relação a outro
amigo, no caso, Rue. Somente com sua ajuda, Katniss pôde pegar
a mochila e levar o medicamento a Peeta, que obteve grande
melhora no ferimento da perna. A heroína, então, ultrapassou mais
um obstáculo, pois conseguiu salvar a vida do tributo masculino
de seu distrito.
A recuperação do garoto, no entanto, não significou muita
coisa em relação ao mau tempo e à fome que sentiam – não
conseguiram sair para caçar, uma vez presos na caverna devido
à tempestade. Então, aproveitando mais uma vez a construção

82 Rue, outrora aliada de Katniss, fora assassinada. Vale ainda ressaltar o fato
de que Rue era do mesmo distrito que Tresh.
Maria Celeste Tommasello Ramos
Guilherme Augusto Louzada Ferreira de Morais
Cátia Inês Negrão Berlini de Andrade
(Organizadores) 259
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de casal desafortunado, ambos os tributos se beijam e, com isso,


conseguem mais uma dádiva: um “[...] paraquedas prateado atado
a uma cesta. Abro-a imediatamente com um rasgão e encontro um
verdadeiro banquete dentro: pãezinhos frescos, queijo de cabra,
maçãs e, o melhor de tudo, uma terrina com aquele cozido de
carneiro com arroz selvagem [...]” (COLLINS, 2010, p. 234).
No dia seguinte, devido à seca do riacho promovida pelos
Idealizadores, os dois se encaminham para o lago da Cornucópia,
pois acreditam que esse é o objetivo daqueles. No final do dia, já
estando ambos na Cornucópia, Cato “sai da floresta aos trancos
e barrancos e avança rapidamente em nossa direção. Não está
segurando nenhuma lança” (COLLINS, 2010, p. 352) ou qualquer
outro tipo de armamento, vestindo apenas uma armadura. O
garoto, porém, não ataca nem Katniss nem Peeta, mas continua
a correr, fugindo de bestantes, criaturas criadas pela Capital em
laboratório, nesse caso, parecidos com grandes lobos, com garras
de “dez centímetros de comprimento e visivelmente afiadas como
lâminas” (COLLINS, 2010, p. 354).
Os três tributos escalam a Cornucópia, enquanto as feras
tentam alcançá-los, reunindo-se e erguendo-se ao redor do local.
Cato, aproveitando a distração de Katniss para com as bestas,
assalta e fecha Peeta em uma chave de braço. A garota mira
sua penúltima flecha na cabeça de Cato, entretanto, não atira,
pois sabe que Peeta cairia com Cato em direção aos bestantes.
Peeta, então, desenha um “x” na mão de Cato e isso é o suficiente
para que Katniss entenda o plano e acerte uma flecha na mão
do oponente. “Ele dá um grito e, num reflexo, libera Peeta, que
investe contra ele. [...] Cato perde o equilíbrio sobre o chifre
escorregadio devido ao excesso de sangue, e desaba” (COLLINS,
2010, p. 359). As feras o atacam e a luta se torna longa, uma vez
que o gato é protegido pela armadura. Enfim, Cato morre quando
Katniss, com sentimento de pena, mata-o com sua última flecha. A
garota ultrapassou o último enfrentamento, o mais difícil de todos
que já enfrentara, que compreendia defender-se das feras, matar
Cato e salvar Peeta.
Com o fim de Cato, os dois aguardam o anúncio de que
são os vencedores, mas, ao invés disso, Claudius Templesmith

CONSIDERAÇÕES SOBRE O HERÓI EM OBRAS DA LITERATURA ITALIANA E DE OUTRAS LITERATURAS


260
Guilherme Augusto Louzada Ferreira de Morais

anuncia que uma revisão foi feita nas regras dos Jogos, sendo que
“um exame mais minucioso do livro de regras relevou que apenas
um vencedor pode ser permitido – diz ele [...]” (COLLINS, 2010,
p. 365). Mais uma vez os Idealizadores dos Jogos manipularam
o destino dos tributos, assim como as Parcas, que reservavam o
destino do Herói Clássico.
Peeta decide morrer para dar a vitória à Katniss, mas a
garota não se deixa convencer, planejando, portanto, um duplo
suicídio com as amoras cadeado. É pertinente que mencionemos
que o herói “não seria herói se a morte lhe suscitasse algum
terror” (CAMPBELL, 1997, p. 339), afinal, se temesse a morte,
ele nem ao menos seria chamado para a aventura. Katniss, com
essa atitude, demonstra-se destemida frente à morte iminente.
Os Idealizadores, temerosos de não terem nenhum vencedor,
interrompem a ação dos dois, anunciando que ambos são os
vencedores da 74ª edição dos Jogos vorazes.
Finalmente, vencedora dos Jogos, a recompensa de
Katniss (e também de Peeta) é “[...] atingir a fama. E riqueza. E
conseguir minha casa própria na Aldeia dos Vitoriosos. Minha mãe
e Prim morariam lá comigo. Não teríamos medo da fome. Seria
um novo tipo de liberdade” (COLLINS, 2010, p. 332, grifo nosso).
Em outras palavras, a recompensa de Katniss é, apesar de estar
viva, morar no Campos Elísios, na “doce sociedade de homens
piedosos” (VERGÍLIO, 2010, p. 105), assim como Anquises, pai
de Eneias, que passou a habitar a morada dos heróis.

Renovação e atualização da perspectiva em relação ao Herói

O ciclo da esfera do heroísmo clássico se completa no


primeiro romance, Jogos vorazes, uma “[...] jornada particularmente
árdua” (COLLINS, 2010, p. 375, grifo nosso), desde a separação
de Katniss de seu mundo comum, seu primeiro limiar, todas
as provações que enfrentara, a coroa bipartida recebida pelo
presidente Snow (Peeta, o outro vencedor, recebera a outra parte
da coroa), até o seu retorno ao Distrito 12 para morar na Aldeia
dos Vitoriosos.

Maria Celeste Tommasello Ramos


Guilherme Augusto Louzada Ferreira de Morais
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A retomada do modelo de Herói Clássico faz com que


Katniss se torne ela mesma um modelo de conduta para o
leitor, que ainda tem o herói como um grande representante de
educação. Se relembrarmos os inúmeros filmes e romances que
retratam o modelo de herói, podemos afirmar com certeza que
este ainda faz parte, e fará ainda por muito tempo, do imaginário,
do simbólico e inconsciente coletivo humano.
Isso certamente se deve ao fato de as pessoas ansiarem
por um modelo de conduta, um alicerce, e muitas vezes o encontra
em sua própria religião e tradição, seja na figura de Jesus, de
Gandhi, de Buda, ou mesmo na literatura, na figura de Katniss.
Os heróis, que hoje são mais humanos que divinos, rompem suas
limitações e cumprem seus destinos, tornando-se guias para toda
uma geração, fazendo com que sua lenda permaneça na memória
de todos.
Podemos afirmar, sob a análise feita neste ensaio, que
Collins retoma velhas histórias, velhos mitos ou, além disso,
o “velho e conhecido herói” e os adapta a nossa realidade, ao
mundo moderno. Katniss é, portanto, um herói atualizado; feito
em um molde reformulado que, ao mesmo tempo em que possui
características que os gregos presavam, possui marcas, inúmeras,
do homem moderno, de suas vivências, de seus anseios, medos
e desejos.
A reescritura do mito e das lendas do herói, então, “não
é, pois, simplesmente repetição de sua história; ela conta
também a história de sua história, o que é também uma função
da intertextualidade levar, para além da atualização de uma
referência, o movimento de sua continuação na memória
humana” (SAMOYAULT, 2008, p. 117). Portanto, Collins não
evoca, simplesmente, o Herói Clássico; a autora vai além: reconta
a história sob um panorama diferente, pelo viés estilístico, faz
com que nossa memória literária se movimente, retornando aos
grandes feitos heroicos clássicos com uma perspectiva renovada,
atualizada. Katniss Everdeen é chamada para uma aventura
e, consequentemente, precisa enfrentar todos os empecilhos
e todas as dificuldades que surgem durante sua empreitada. E
ela não esmorece; pelo contrário, demonstra que tem todos os

CONSIDERAÇÕES SOBRE O HERÓI EM OBRAS DA LITERATURA ITALIANA E DE OUTRAS LITERATURAS


262
Guilherme Augusto Louzada Ferreira de Morais

atributos necessários para afrontar tudo o que lhe foi imposto. E,


ao final, sobrepuja todos os inimigos e retorna vitoriosa, de uma
forma reconstruída.

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Maria Celeste Tommasello Ramos


Guilherme Augusto Louzada Ferreira de Morais
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(Organizadores) 263
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