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VISÃO CRÍTICA
1. Introdução
O tema ganha importância pelo momento político, social e econômico dos dias que
correm em nosso país, onde o anseio de mais proteção social se vê ameaçado por
necessidade macroeconômica de corte nas despesas públicas.
O Poder Judiciário, que desde a Constituição Cidadã de 1988 foi descoberto pelo
brasileiro comum das grandes cidades e do interior do País, num primeiro instante saiu
em defesa destas pessoas pobres e carentes, no sentido de interpretar de forma liberal as
regras de concessão do benefício assistencial de um salário mínimo para o idoso e para
o portador de necessidade especial.
O presente trabalho tentará mostrar, além das consequências das oscilações, a marca
ideológica que permeou as decisões judiciais e as respectivas críticas do meio jurídico,
acadêmico e político.
1
Professores da PUC/SP e Procuradores Federais da AGU.
IPEA, o percentual médio do trabalho informal do ano passado (2014) ficou em 33%.
São aproximadamente 50 milhões de brasileiros na informalidade (no meio rural chega
a 60% dos trabalhadores).2
A assistência social tem importante papel para cumprimento do princípio do inciso III
do artigo 3º da Constituição Federal, ou seja, erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais. Só para termos ideia do desafio da
assistência social brasileira, sabe-se pelos últimos dados estatísticos que mais de 50
milhões de brasileiros estão abaixo da linha da pobreza.
Ou seja, aqueles que não forem protegidos pela rede social de proteção da previdência,
deverão ser amparados pela rede da assistência social e não precisarão comprovar o
recolhimento de contribuições para o sistema de seguridade social, mas precisarão estar
em estado de necessidade. O artigo 1º da Lei Orgânica de Assistência Social – Lei n.
8742/93, vai se referir em “mínimos sociais” para garantir o atendimento às
necessidades básicas.
O pobre é sujeito de direitos, é titular da prestação social devida pelo Estado e pela
coletividade. A seguridade social é o veículo para atendimentos dos necessitados.
2
http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=21552, acesso em 09
de julho de 2015.
No caso do benefício assistencial de um salário mínimo, o beneficiário idoso ou incapaz
pobre que se encontra a esta de necessidade por contingências óbvias que afligem estes
sujeitos.
Historicamente, podemos afirmar que até o século XVI a assistência aos pobres se deu
pela caridade privada, às vezes com o envolvimento de instituições religiosas. Nas
décadas seguintes, municípios europeus adotaram formas de ajuda aos necessitados. É
marcante o ano de 1601 na Inglaterra onde foram promulgadas as leis sobre pobres
(conhecidas por Poor Laws), impondo aos municípios a obrigação de cuidar dos
indigentes, sob a forma de uma assistência em gêneros em troca de trabalho dos que
tinham capacidade nas workhouses, ou seja, casarões onde pobres e indigentes viviam e
trabalhavam, além de alojamento de crianças órfãs, idosos e incapacitados fisicamente e
mentalmente. O sistema era gerido pelas paróquias e sustentado por uma taxa
obrigatória.
No Brasil, por sua vez, a Constituição de 1824 prescrevia o direito aos socorros
públicos, havendo registros que D. Pedro II pessoalmente socorria aos necessitados.
Mas somente com a Constituição Federal de 1988 é que se deu dignidade à assistência
social como parte integrante do sistema de seguridade social. As pessoas necessitadas
passaram a ter direito subjetivo a benefícios de proteção.
3
Miguel Horvath Júnior. “Direito Previdenciário”, p. 26
b) a sociedade é incitada a ajudar o Estado no assistencialismo, sendo incentivada a
criação de associações, sociedades ou sociedades sem fins lucrativos no trabalho de
ajuda aos desamparados, concedendo o Estado a imunidade tributária das contribuições
sociais.
Assim, além dos princípios do art. 194, parágrafo único da Constituição Federal e o da
dignidade da pessoa humana, que valem para todo o sistema de seguridade social, é
destaque o princípio da necessidade, pedra de toque da assistência social.
Este estado de necessidade tem várias abrangências: biológicas (sendo a mais natural a
necessidade dos recursos do sistema de saúde), econômicas (a necessidade de bens
materiais básicos, como alimentação, roupa, abrigo, fonte de renda etc.), educacionais (a
necessidade vital de formação educacional básica e profissional), psicológicas e
espirituais (a tranquilidade de espírito que toda pessoa necessita para o seu
desenvolvimento individual e social). É induvidoso que o ser humano se move pela
necessidade que o impulsiona para atitudes nobres como o trabalho na busca de
melhoria individual, mas também para padrões de carência e abuso da condição de
pobreza para se beneficiar da situação e obter benesses da caridade priva ou pública.
Em outras palavras, não serão todas as necessidades das pessoas atendidas, apenas
aquelas que legalmente lhe garantam um mínimo de vida digna, por via de serviços ou
benefícios.
Para as demais necessidades da pessoa carente, não cobertas pela assistência social,
caberá primeiro a ela mesma buscar a melhoria de suas condições de vida com suas
próprias forças e com a ajuda do grupo familiar, entidades de classe, religiosas etc.
Indubitavelmente o problema da pobreza no nosso país não pode ser atacado e resolvido
por leis e decisões judiciais permeadas de influências culturais de uma classe dominante
sobre outra subalterna e da ideologia do vitimismo que graça não somente no Brasil,
mas em toda América Latina.
O critério legal é falho. Mais falho ainda o critério judicial, eis que ambos tomam
apenas um fato isolado na cadeia de acontecimentos sociais: a idade, a renda e a
incapacidade laboral ou para a vida digna da pessoa, naquele instante em o pedido de
benefício é judicializado.
Por exemplo, posso conscientemente tomar um rumo na minha vida que sei que me
levará à ruína profissional, econômica e social, mas poderei na minha velhice repartir
com toda a sociedade o fracasso que escolhi.
O inciso V do artigo 203 garante uma renda mínima (um salário mínimo) mensal à
portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Na LOAS encontramos:
Art. 2o A assistência social tem por objetivos: (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
I - a proteção social, que visa à garantia da vida, à redução de danos e à prevenção da
incidência de riscos, especialmente: (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
a) a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; (Incluído pela Lei
nº 12.435, de 2011)
b) o amparo às crianças e aos adolescentes carentes; (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011)
c) a promoção da integração ao mercado de trabalho; (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011)
d) a habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência e a promoção de sua integração à
vida comunitária; e (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011)
e) a garantia de 1 (um) salário-mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso
que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua
família; (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011)
II - a vigilância socioassistencial, que visa a analisar territorialmente a capacidade protetiva
das famílias e nela a ocorrência de vulnerabilidades, de ameaças, de vitimizações e danos;
(Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
III - a defesa de direitos, que visa a garantir o pleno acesso aos direitos no conjunto das
provisões socioassistenciais. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
Parágrafo único. Para o enfrentamento da pobreza, a assistência social realiza-se de forma
integrada às políticas setoriais, garantindo mínimos sociais e provimento de condições para
atender contingências sociais e promovendo a universalização dos direitos sociais.
c) O portador de deficiência deve passar pela perícia médica do INSS e o idoso deve
comprovar 65 anos de idade (Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741/03). Com a Lei n.
12435/11, a deficiência é o impedimento de longo prazo de natureza física, intelectual
ou sensorial de prazo mínimo de dois anos de incapacidade e sem vida independente)
4. Jurisprudência vacilante
Esta marca cultural nossa evidentemente afeta àqueles que dão a última palavra sobre a
concessão ou do benefício: os magistrados.
Estas questões sociais e econômicas das pessoas pobres são disciplinadas por Manual
Interno do Juizado Paulista, elaborado por magistrados federais, no caso o “Manual de
Padronização dos Juizados Especiais Federais”, encontrado no site oficial do Tribunal
Regional Federal da 3ª Região.
E assim os Juizados Especiais utilizam critérios não delineados na lei para apurar a
renda per capita da família, com dedução de despesas da família do idoso ou incapaz,
favorecendo a concessão do benefício.
Mas, apesar do posicionamento das Turmas Recursais de São Paulo do Juizado Especial
Federal da 3ª Região,
a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, até então, se mantinha fiel
ao critério legal, conforme os seguintes julgados:
A citada Reclamação 4374 foi ajuizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
com o objetivo de suspender o pagamento de um salário mínimo mensal a um
trabalhador rural onde se alegava afronta de uma decisão judicial anterior do próprio do
STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1232, onde foi declarada
constitucional o critério de renda mensal per capita inferior a um quarto do salário
mínimo do artigo 20 da Lei n. 8742/93.
Cinco anos depois de declararem válida a norma, a maioria dos Ministros do STF
afirmaram que notórias mudanças fáticas, políticas, econômicas, sociais e jurídicas
sustentavam a mudança de entendimento, principalmente porque outros programas
assistenciais tinham exigências de renda per capita maior do que aquela prevista no
artigo 20, § 3º, da LOAS.
Ou seja, a chamada “regra da contrapartida” do art. 195, §5º da Lei Maior, válida para
toda a seguridade social, teve dois tratamentos diferenciados na Corte Supremo: no caso
onde se julgava pensão por morte (benefício previdenciário com clara feição assistencial
pela ausência de carência por décadas, até o advento da Medida Provisória n. 664/14)
não se admitiu a extensão do benefício para beneficiários antigos; mas, no caso do
benefício assistencial, a Corte Superior desconsiderou o art. 195, §5º da Lei Maior, e
por outros argumentos julgou inconstitucional o critério objetivo da lei do que seria
miserabilidade.
Não há mais espaço neste século XXI de síndrome da vitimização da população e uma
visão de divisão de Poderes que somente enfraquece o Estado brasileiro.
4
http://www.conjur.com.br/2013-jul-07/entrevista-gilmar-mendes-ministro-supremo-tribunal-federal,
acesso em 28/07/15.
5
Elementos de Teoria Geral do Estado, p. 215.
ideologia liberal e conservadora, podemos dizer que na prevalência da ideologia
conservadora o caráter econômico, a propriedade privada e a plena liberdade
empresarial serão o mote desta época. Já na prevalência da ideologia liberal, direitos
sociais serão prioritários e aspectos econômicos, o direito de propriedade e a plena
liberdade empresarial serão no mínimo relativizados.
Ocorre que, pela edição da obra do professor Miguel Reale que utilizamos (1996), o
Brasil, particularmente, vivia a era de governos mais preocupados com a estabilização
da moeda, o combate à inflação e busca da responsabilidade fiscal.
Ou seja, a ideologia dos anos 1990, que certamente refletia nas decisões de impacto
econômico e social do Poder Judiciário da época, se mostrava “legalista” (no sentido
conservador da palavra); mas houve um embate ideológico nas eleições presidenciais
dos últimos 15 anos, com o pendulo guinado para a esquerda nos anos 2000 (em toda
América Latina, aliás), o que refletiu nas decisões do legislativo e do judiciário.7
Ocorre que, com a mudança ideológica ocorrida a partir em 2002 no Brasil, quando o
Partido dos Trabalhadores (PT) ganhou as eleições presidenciais, se teve um avanço nos
programas sociais, justamente aqueles referidos na decisão do STF que flexibilizou o
artigo 20 da Lei n. 8742/93.
6
“Filosofia do Direito”, p. 231
7
Já foi observado Fritjof Capra e Pier Luuigi Luisi que “diferenças de valores dão lugar a conflitos de
interesses, que constituem a origem de relações de poder” (in “A Visão Sistêmica da Vida”, p. 368)
8
Vide Reclamação n.4374 onde o STF faz referência a outros critérios de pobreza nas Leis n. 10836/04
(Bolsa Família), 10689/03 (Programa Nacional de Acesso à Alimentação e 10219/01 (Bolsa Escola).
pensamento das ciências sociais não se pode negar a influência do positivismo, onde as
ciências sociais, aí incluído o direito, deveriam procuram por leis gerais do
comportamento humano, enfatizando a quantificação e rejeitando as respostas que
buscassem fundamento nos fenômenos subjetivos, tais como intenções e propósitos.
6. Conclusão
As conclusões inicias e parciais pelos próprios limites deste artigo, mostram que a
marca ideológica que permeou as decisões judiciais e as respectivas críticas do meio
jurídico, acadêmico e político.
Evidentemente as relações ora traçadas entre o poder político dominante, sua ideologia
e a influência nas decisões judiciais está a merecer mais análise e profundidade, mas o
certo é que a assistência social não admite critérios diferenciados de renda para a pessoa
pobre.
BIBLIOGRAFIA
CAPRA, Fritjof e LUISI, Pier Luigi. A Visão Sistêmica da Vida. São Paulo: Cultrix,
2014.
HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2014.
REALI, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 1996.