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ENVELHECIMENTO

Cuidados
paliativos
A experiência e visão da Equipa
de Cuidados Continuados Integrados
de Odivelas

Texto de Isabel Galriça Neto * marginalizada, com prejuízo do seu bem es-
tar. Sempre que possível, os dependentes,
INTRODUÇÃO maioritariamente – mas não apenas – ido-
A Equipa de Cuidados Continuados do sos, deveriam manter-se no seu meio fami-
Centro de Saúde de Odivelas iniciou em liar e o apoio de que carecem deverá estar
Outubro de 1997 o seu trabalho na comu- organizado e ser uma prioridade dos servi-
nidade, integrada então no chamado pro- ços de saúde na comunidade. A consciên-
jecto FORCCI – Famões, Odivelas e Rama- cia destas premissas foi determinante para
da cuidados continuados integrados. o desenvolvimento do nosso trabalho.
Esse trabalho, que em muito usufruiu do Desde o início que assumimos como im-
que anteriormente se tinha consolidado no prescindível a prestação de cuidados palia-
âmbito do apoio concelhio aos idosos, sur- tivos – cuidados específicos na doença
giu numa lógica de projecto, agregando o avançada, incurável e progressiva, centra-
centro de saúde e múltiplas estruturas comu- dos na prevenção do sofrimento gerado
nitárias de apoio. De acordo com as directi- pelos sintomas e múltiplas perdas associa-
vas da Sub-região de Saúde de Lisboa e da das ao processo de doença. Pela especifi-
Segurança Social, no âmbito do projecto de cidade e complexidade inerente, e de acor-
Cuidados Continuados então em vigor, pre- do com as orientações internacionais para
tendeu-se constituir uma rede comunitária esta matéria, sempre frisámos que cuida-
de apoio, com vista a dar resposta no domi- dos paliativos e continuados não são sinó-
cílio às múltiplas necessidades da pessoa com nimos, embora os primeiros se integrem no
dependência e suas famílias. âmbito mais alargado dos últimos. Para
Num contexto de aumento da longevi- além dos cuidados paliativos, integram-se
dade, das doenças crónicas e da perda pro- também nos cuidados continuados os cha- Por razões de equidade no acesso aos cui-
gressiva de autonomia, este grupo numero- mados cuidados geriátricos (dependência dados clínicos no domicílio, desde o início
so de pessoas tem direito ao acesso a cuida- crónica, estabilizada) e os de reabilitação que não excluímos os doentes paliativos e
dos de saúde – médicos e outros – de qua- (dependência transitória e em recupera- terminais da nossa intervenção e integrá-
lidade e não deve ser tratado de forma ção). mos as práticas dos cuidados paliativos nos

Cuidados paliativos e continuados não são sinónimos (...) Para além


dos cuidados paliativos, integram-se também nos cuidados continua-
dos os chamados cuidados geriátricos e os de reabilitação

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cuidados paliativos

CASA DA IMAGEM

nossos procedimentos. Também aqui fo- vos (ver caixa na pág. 39). dora experiência na área dos cuidados de
mos inovadores na medida em que, em Este tipo inovador de apoio – Cuidados saúde na doença crónica, geriátrica e palia-
Portugal, foi a nossa a primeira equipa a Continuados – só tem sido possível graças tiva, já que foram por nós atendidos ao lon-
prestar cuidados paliativos estruturados a ao esforço e empenhamento dos inúmeros go destes seis anos mais de 2.500 pessoas
doentes não oncológicos (insuficiências de profissionais envolvidos, nas múltiplas ins- doentes e respectivas famílias.
órgão avançadas, SIDA em estádio avança- tituições participantes, desde a saúde (Cen- Este trabalho de apoio domiciliário na
do, doenças neurológicas degenerativas, tro de Saúde e Hospitais da área) ao apoio comunidade tem como objectivo central
demências em estádio terminal). Nunca social (Segurança Social, Município e Jun- proporcionar a máxima qualidade de vida
excluímos a população pediátrica que, em- tas de Freguesia, Cruz Vermelha Portugue- aos nossos doentes e suas famílias, num es-
bora felizmente com menor frequência, tem sa, várias IPSS’s), sem esquecer as famílias. forço de conferir mais dignidade e huma-
também necessidades de cuidados paliati- Temos acumulado grande e enriquece- nização a situações tantas vezes complexas

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ENVELHECIMENTO

O olhar de uma
médica
sobre o
Apoio
Domiciliário
Extracto de um diálogo
com a Dr.ª Isabel Neto *
MODERADOR / (…) Referiu a existência da necessidade
de Formação, quem são as pessoas que precisam de for-
mação no quadro desta actividade?
ISABEL NETO / Os médicos, os enfermeiros e os outros
profissionais!

Ah, todos.
Porque é isso que a mim me espanta: como é que as
pessoas podem estar a prestar cuidados de qualidade sem
formação, e não estou de maneira nenhuma a julgar a boa
vontade das pessoas, estou a julgar é o profissionalismo e
o rigor que tem que existir! A área do apoio domiciliário
não pode continuar a ser encarada como uma área menor.
A área dos “domicílios” não pode ser a área dos que não


querem fazer mais nada; isto é uma área de tanta ou maior
exigência, que os cuidados intensivos, que os cuidados Mas perguntou-me em
coronários, e é preciso rigor e preparação! Portanto, eu es- O apoio domiciliário relação às famílias: o que é
tranho que as pessoas sem terem preparação, ou melhor, exige competências que é trabalhar com as fa-
com a preparação que podem ter para atender pessoas em específicas do ponto de mílias? Resumindo: a iden-
internamento, ou nas consultas do Centro de Saúde, quei- tificação das necessidades
ram extrapolar essas mesmas competências para o apoio vista do manejo de das famílias é fundamental.
domiciliário, que exige competências específicas do pon- sintomas, e do trabalho Ou seja, em primeiro lugar,
to de vista do manejo de sintomas, e dotrabalho com as com as famílias na identificar o problema


famílias na resolução das crises. principal. Quem é o res-
resolução das crises ponsável? Infelizmente al-
E trabalhar com a família, como é? gumas vezes não há cuida-
Antes de responder a essa questão, vou-lhe dar um exemplo. Eu dor principal, o que é um grande, digamos, “berbicacho”, pois são,
estou ligada a esta área, como lhe disse, desde 1997 e, portanto, à partida, os doentes que nós sabemos que têm mais problemas
no início estive na ARS e nós tivemos a preocupação de fazer muita em termos de permanência no domicílio...
formação para as pessoas, na área específica do controlo sintomá-
tico. Para se fazer controlo sintomático em casa, é preciso um con- E que não têm vizinhos, portanto, pessoas sós, não é?
junto de medicamentos, sob pena de não se fazer o controlo de Sim, sem cuidador responsável, porque às vezes há vizinhos que
sintoma. Ora bem, o que é que nós verificamos? Que ainda hoje, são os cuidadores responsáveis e são extraordinários. Portanto,
sete anos depois, algumas pessoas nos telefonam, e nós temos identificar o cuidador principal, identificar os seus problemas,
conhecimento através de contacto com doentes e com outras rea- procurar saber quais são as suas dúvidas, reforçar o tipo de traba-
lidades, de que há outras ditas equipas que não têm os medica- lho que estão a fazer, mostrar que há quem esteja disponível nas
mentos para controlar os sintomas... intercorrências, vigiar problemas de saúde, promover conferências

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cuidados paliativos

Um percurso de seis anos Foram por nós


atendidos ao longo
Entre Novembro de 1997 e Dezembro de 2000 o Projecto não abrangeu a
totalidade da área de influência do Centro de Saúde, tendo-se optado inicialmente destes seis anos
por apoiar as três freguesias com maior índice de envelhecimento e em que o
trabalho na comunidade estivesse mais sedimentado. Posteriormente, no 2º
mais de 2.500
semestre de 1999, por reorganização da área do Centro de Saúde de Odivelas, pessoas doentes
a freguesia de Famões passou para o Centro de Saúde da Pontinha. Em
Dezembro de 2000, e já sem obedecer a uma lógica de projecto, os cuidados e respectivas
continuados foram alargados à área de todo o município de Odivelas, num esforço famílias
para proporcionar este tipo de apoio – resposta articulada de saúde e apoio
social, nos sete dias da semana – ao maior número possível de dependentes
que dele necessitam. Passámos então a denominar-nos como “Cuidados
Continuados Integrados de Odivelas”. Neste momento, e com o apoio da
Direcção, os cuidados continuados correspondem a uma actividade corrente e
prioritária dentro do Centro de Saúde, longe da ideia de uma actividade extrínseca
e estranha ao normal funcionamento da instituição.

e penosas. Entre os contributos dos cuida- (inicialmente de forma voluntária e, um cia de uma viatura e um motorista e com
dos prestados, queremos destacar pelo pro- ano depois, com pagamento através do re- as Juntas de Freguesia com vista ao paga-
gresso e inovação que representam, dois gime experimental de prevenção para a en- mento do vencimento de um motorista.
aspectos: fermagem). O trabalho médico depois das Celebrou-se também um protocolo com o
– O relevo conferido aos cuidados clíni- 18h continua, ao fim de seis anos, a ser vo- Hospital Pulido Valente com vista ao segui-
cos no domicílio – área habitualmente me- luntário. mento partilhado dos insuficientes respira-
nos considerada e de pouco investimento Simultaneamente, contactámos os par- tórios na nossa comunidade.
por parte dos serviços de saúde – com oferta ceiros da comunidade (Hospitais da área, No contexto do Despacho Conjunto de
de cuidados nas 24 horas, a resolução da Autarquia, Segurança Social – Lar de Julho 98, o Centro de Saúde celebrou um
maior parte dos problemas no ambiente Odivelas, Cruz Vermelha Portuguesa – nú- protocolo com a Segurança Social local e o
domiciliário e a possibilidade de falecer em cleo de Loures, CURPIO, Paróquias, etc.) CURPIO, para a prestação de cuidados con-
casa com sintomas controlados, apoio da por forma a organizar uma rede alargada juntos ao fim de semana, para um número
família e dignidade; que se pudesse articular eficazmente. restrito de doentes que, simultaneamente,
– A implementação de medidas clínicas Esta fase inicial do trabalho, muito apresentassem maiores necessidades de
também inovadoras, como seja a utilização desgastante mas também compensadora, apoio social e saúde. Este protocolo, em
de opióides em idosos com doença oncoló- permitiu conhecer os diferentes inter- vigor durante o período de aplicação expe-
gica e não oncológica, e o recurso à admi- venientes e personalizar os contactos e pro- rimental do referido despacho, referia-se
nistração de fármacos e soros por via sub- cedimentos a adoptar. aos chamados cuidados continuados inte-
cutânea – prática também ela inovadora. Criaram-se protocolos com a Cruz Ver- grados.
Pensamos que desta forma poderemos es- melha Portuguesa local, com vista a cedên- Avançámos para a criação de instrumen-
timular outras comunidades e instituições
a avançar para novas formas de resposta às Os pressupostos da intervenção
necessidades da população com dependên-
cia, nomeadamente dos idosos. • O doente e a família correspondem à nossa “Unidade de Cuidados”, pelo que
os planos delineados devem abranger ambos. Doente e família estão no centro
DESENVOLVIMENTO E METODOLOGIA das nossas decisões.
DO TRABALHO DA EQUIPA • A população com dependência de diferentes índoles apresenta múltiplas
De acordo com o que já explicámos na in- necessidades (físicas, psicológicas, sociais, culturais, espirituais, etc.) a ser
trodução, a área de influência abrangida consideradas, pelo que a resposta às mesmas deve pressupor uma abordagem
pelo trabalho da equipa sofreu alterações. global dos problemas, com consequente resposta em equipa multidisciplinar
No entanto, a metodologia de trabalho de- e em rede.
senvolveu-se sempre com base nos mesmos • A permanência das pessoas dependentes no seu domicílio – com os ganhos
pressupostos (ver caixa nesta página). inerentes quer para o cidadão, quer para os serviços – pressupõe a oferta de
À luz destes pressupostos, constituímos cuidados de saúde e apoio social programados, mas também nas
uma equipa interdisciplinar no Centro de intercorrências. Isto deve estar contemplado através do atendimento telefónico
Saúde, disponível para, através de escala, e do possível apoio presencial, nas 24 horas do dia.
prestar apoio domiciliário nas 24h do dia

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familiares se for caso disso. Existem crité- Pois, por exemplo, se a pessoa precisa
rios para realizar essas conferências e tam- muito de fisioterapia, será...
bém competências no âmbito da comuni- Se o grande grosso das necessidades são
cação, para identificar porque é que uma fa- naquela área, com uma diminuição das ne-
mília é agressiva, porque é que uma famí- cessidades noutras áreas, provavelmente
lia está revoltada, porque é que um doente quem faz a gestão global e a articulação com
está revoltado, etc., etc., portanto, o âmbi- os outros elementos da equipa, é por exem-
to de trabalho com uma família, envolve plo a profissional da área da reabilitação, ou
competências que são comuns a todos os da área da psicologia, ou da área da terapia
elementos da equipa. ocupacional, depende, entende? Portanto,
quem determina a intervenção dos profis-
Falou-me em vários elementos que inte- sionais, são as necessidades do doente, o
gram a equipa. Como é que a equipa tem trabalho está centrado nas necessidades do
uma assistente social, uma vez que a ac- doente.
ção social não é do vosso âmbito... Há pessoas que lhe dizem que fazem cui-
A nossa assistente social é fundamen- dados continuados, e eu respondo-lhe, por
tal para se articular com os recursos de A mais B, que não fazem cuidados conti-
acção social e outros (ela não trabalha ex- nuados! Fazem apoio domiciliário de enfer-
clusivamente nesta equipa). Vou-lhe dar magem, que é outra coisa diferente!
um exemplo da importância da sua actua-


ção! Ainda hoje de manhã falei com ela Que é a mudança dos pensos...
por causa de uma doente nossa com uma ... a mudança dos pensos, ou seja, atitu-
A gestora de caso,
patologia oncológica, que foi ontem in- des curativas com uma intervenção uni-
ternada no IPO , pura e simplesmente é a profissional da equipa, profissional, sem uma avaliação global das
porque não existia resposta em lar nesta que num determinado necessidades. Nós diferenciamos isso de
área. Não tem critérios clínicos para es- cuidados continuados, entende? Cuidados
momento responde
tar internada, mas o cuidador principal continuados pressupõe avaliação global das
está mais doente do que ela própria; ela e consegue fazer melhor necessidades, trabalho centrado nessas
era até há pouco tempo a cuidadora do a gestão das múltiplas mesmas necessidades e, como tal, um
marido. Este tem um único filho, preo- contributo multi-profissional.
necessidades dos


cupado, mas que não coabita, e que dis-
se: “Face à dependência dos meus pais, os doentes Eu vou só voltar um bocadinho mais à
dois, eu não estou em condições de lhes pres- família, por uma questão: é que tenho
tar apoio”, e a médica do IPO, foi ela própria que se disponibi- várias vezes encontrado um discurso em que se diz “é preciso
lizou, disse: “Traga-a para ver se nós conseguimos internar a se- envolver a família”. Ora, eu entrevistei utentes e familiares, e
nhora num lar”... A nossa assistente social já tinha feito aqui vá- o que eu vejo é familiares e utentes, sobrecarregadíssimos e
rias démarches, inclusivamente com a emergência social, que res- cansadíssimos, e esgotados e por outro lado, há aquelas pes-
ponde minimamente, não existe celeridade na resposta... E por- soas que não estão interessadas, que parece que não dá para
tanto, eu contactei com ela. É muito importante que haja dele- envolver...
gação das competências em termos da equipa, eu sei quem são Nós costumamos dizer, e digamos que isto é o discurso e é a prá-
as colegas da equipa com quem posso contar, e portanto, ela está tica, que nós ajudamos a família, trabalhamos com a família, mas
como recurso da equipa, para também facilitar a articulação com não substituímos a família, ou seja, eu não tenho o mínimo de
os recursos sociais. dúvidas que existe um elevado potencial em termos dos cuidadores
informais. Porquê? Nós não temos apoio social no domicílio sufi-
E os fisioterapeutas... ciente para as necessidades. Do ponto de vista das leis do traba-
... e terapeutas ocupacionais, exactamente... lho, as coisas não são facilitadoras, não é viabilizado que uma fa-
mília tenha um idoso ou um doente jovem, crónico, a cargo: se o
Vão ao... internar no lar, tem determinadas benesses económicas, se o tiver
... vão ao domicílio, dependendo dos critérios. Nós temos aquilo em casa, não tem qualquer tipo de regalias, portanto, não existe
que chamamos a figura do gestor de caso, ou da gestora de caso. apoio nem promoção, nem incentivo para a família desempenhar
Quem é a gestora de caso? esta tarefa, que é uma tarefa que de facto é cansativa. É cansativa
A gestora de caso, é a profissional da equipa, que num determi- porque o facto de existir este tipo de apoio, não significa que não
nado momento responde e consegue fazer melhor a gestão das múl- exista desgaste por parte da família, aliás, o cansaço por parte da
tiplas necessidades dos doentes; isto quer dizer o quê? Que na família, deveria ser até um critério de internamento em unidades
maioria das vezes é a enfermeira, mas pode ser a fisioterapeuta, ditas de doentes crónicos de longa duração, só que nós não as te-
pode ser a médica, pode ser a assistente social. mos, entende?

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cuidados paliativos

A composição da equipa
em 2003
• 8 enfermeiras (5 com horário acrescido: 42h; 2
a tempo completo: 35h e uma a 19h);
• 2 médicas (uma a tempo inteiro e uma a tempo
parcial - voluntária);
• 1 fisioterapeuta (tempo parcial);
• 1 terapeuta ocupacional (tempo parcial);
• 1 psicóloga (tempo parcial);
• 1 assistente social (tempo parcial);
• 1 motorista socorrista;
• 1 auxiliar de acção médica;
• 1 assistente administrativo.

tos de registo – de avaliação da dependên- são para atendimento por parte da equipa blemas, nas suas múltiplas vertentes, saben-
cia e de monitorização da evolução de cada do Centro de Saúde (ver caixa). do que para o sofrimento de cada um con-
caso –, bem como para a formação técnica Os doentes poderiam ser referenciados à correm múltiplos factores e que os doentes
inicial dos profissionais envolvidos. equipa a partir do seu médico de família, esperam de nós uma resposta humanizada
A equipa (ver caixa) actua como uma re- dos hospitais, das instituições comunitárias e personalizada. Os sintomas são parte in-
ferência e suporte para os médicos de famí- de apoio ou através do contacto por fami- tegrante e fundamental desse sofrimento e
lia, envolvendo-os no processo de cuidados. liares ou vizinhos. Uma vez referenciados, um ponto central da nossa actuação é preci-
Centralizamos também os cuidados na co- os doentes são avaliados por um dos ele- samente a monitorização e o controlo sinto-
munidade aos doentes dependentes e faci- mentos da equipa, que detecta as principais mático: em cada visita os sintomas são ava-
litamos o processo de articulação entre os necessidades, estabelece um plano de cui- liados e a terapêutica revista em conformi-
diferentes recursos envolvidos. dados personalizado e os contactos profis- dade, pela enfermeira e médica de serviço.

A enfermagem é o elemento-pivot na prestação dos cuidados e


articula-se com os outros profissionais sempre que as necessidades
do doente e/ou a sua complexidade assim o justifique
A coordenação da equipa é assegurada sionais e/ou institucionais que entenda con- Consoante o maior ou menor relevo de
actualmente pela Dr.ª Isabel Neto, pela venientes. Desta forma, organiza-se a activi- determinadas necessidades, assim se estabe-
Enf.ª Nélia Trindade e pela Dr.ª Marília dade programada – de acordo com as neces- lece quem é o “gestor de caso”, ou seja, o
Silva (assistente social), desenvolvendo uma sidades detectadas – e informa-se o doente e profissional da equipa que está em melhor
actividade facilitadora e monitorizadora família da possibilidade de orientação tele- situação para responder a esse grupo de ne-
constante, por forma a apoiar a prestação fónica e/ou apoio presencial no caso de cessidades e que se encarrega de monitorizar
e a favorecer a articulação harmónica de ocorrerem intercorrências (descontrolo de
todos os elementos e parceiros envolvidos. sintomas, agravamento do estado clínico,
Convém lembrar que o volume de traba- falecimento). Há sempre uma enfermeira Critérios de inclusão
lho desta equipa (ver resultados) justifica escalada rotativamente para esta prevenção
que a actividade de coordenação ocupe e, em caso de necessidade, uma das médi- • Ter nível de dependência global
quase 50% do horário de trabalho de dois cas está permanentemente de chamada e é (transitória ou crónica) que
dos seus elementos (médica e enfermeira). contactada para dar orientações clínicas. impeça a deslocação ao Centro
Divulgámos o atendimento ao nível do A enfermagem é o elemento-pivot na de Saúde;
próprio centro de saúde – com especial des- prestação dos cuidados e articula-se com os • Residir na área de influência do
taque para os médicos de família –, das ins- outros profissionais sempre que as necessi- Centro de Saúde de Odivelas;
tituições parceiras e da comunidade. Para dades do doente e/ou a sua complexidade • Preferencialmente, existir um
esse efeito elaborámos dois folhetos distin- assim o justifique. De referir mais uma vez cuidador principal disponível para
tos, um para os técnicos, outro para o pú- que o modelo de abordagem das necessida- colaborar na prestação de
blico em geral. des por parte de todos os profissionais pres- cuidados informais.
Estabelecemos que os critérios de inclu- supõe a detecção da globalidade dos pro-

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E quando se fala de Hospitais de reta- ao início da vida e ao final da vida.


guarda... Outro problema: a escassez de serviços
É uma expressão que devia ser abando- disponíveis 24 horas. É frequente as pes-
nada! “Hospitais de retaguarda” era a for- soas dizerem que os serviços estão disponí-
ma como se falava antigamente, e de algu- veis, por exemplo, das 9h às 4h da tarde.
ma forma, eram conotados com uma área Ora, isto significa que um doente que te-
de menoridade – voltamos à mesma ques- nha uma intercorrência tão simples como
tão –, eram os que estavam para trás. Ora, uma algália que entope, tem de ir para a ur-
provavelmente, terão que estar é na linha gência para que isso seja resolvido, com des-
da frente, porque de facto, pelas necessida- conforto do doente, dos familiares e sobre-
des crescentes, nós sabemos que nem todas carga dos serviços de saúde.
as famílias têm capacidade para lidar com Portanto, quando se diz que os serviços de
este tipo de situação, a complexidade clínica urgência estão sobrecarregados, é preciso
muitas vezes obriga a um internamento e a fazer a pergunta de outra maneira. Que tipo
complexidade social também, portanto, se- de serviços foram disponibilizados na comu-
riam internamentos alternativos aos Hos- nidade para evitar que essas pessoas viessem
pitais de agudos, ou seja, internamentos aqui? Porque se isso acontecer às 6h da tar-
para doentes crónicos de longa duração. de ou às 7h da noite, garantidamente não
Também há diferentes tipologias de unida- existe uma equipa na comunidade para res-
des. ponder a essa situação, a não ser os privados!


Há vários trabalhos que estão feitos em
termos de cuidados paliativos, estão publi- E as pessoas não têm capacidade, fre-
A universalidade
cados do ponto de vista das necessidades quentemente não podem...
dos cuidadores, quais são as principais an-existe no nascer e no Claro, nem é suposto!
morrer!
gústias e as sobrecargas, e repare, no nosso
país, esse é um trabalho que não existe, não Não é suposto?
E é completamente
está viabilizado, nem acarinhado, nem in- Não é suposto que as pessoas, se perten-
centivado! assimétrico o apoio que cem ao sistema nacional de saúde, tenham
se tem dado ao início que ir contactar os serviços do privado!
Se nós tentássemos completar, sistema- Agora, se as pessoas têm algum seguro de
da vida e ao final


tizar, já me disse vários aspectos negati- saúde, o rigor e a exigência que eu faço em
vos do que é que se está a passar em ter- da vida relação aos serviços estatais é o mesmo que
mos de apoio domiciliário... eu ponho para os serviços privados.
Aspectos negativos?
E aspectos positivos, há alguma coisa que queira destacar como
Negativos sim, já me disse vários... valendo a pena?
Portanto, em termos de sistematização, eu diria: Se olharmos aquilo que acontecia há sete anos atrás, há diferen-
1º - Escassez de formação obrigatória para quem trabalha neste ças no ponto de vista da tomada de consciência, do ponto de vista
campo; de se falar do assunto... Agora tardam é respostas organizadas, ade-
2º - Escassez de envolvimento médico fundamental nesta área. quadas às verdadeiras necessidades, ou seja, estamos a um nível sub-
(Isto é frequentemente encarado como um trabalho de enferma- dimensionado para aquilo que é a necessidade. Eu acho que aumen-
gem o que não pode ser, exclusivamente. O enfermeiro é um ele- tou a tomada de consciência, embora do ponto de vista da legisla-
mento que é fundamental, mas não pode ser de maneira nenhu- ção, aquilo que existe para os Centros de Saúde, aquilo que foi pu-
ma o único, sob pena até de burn out exagerado das enfermeiras a blicado, a rede dos cuidados continuados, repare ao fim destes meses
trabalharem sozinhas). De novo: escassez de formação, escassez de todos continua a não estar regulamentado, é como se não existisse.
envolvimento médico; Conhece o documento das redes de cuidados continuados?
3º - Inacessibilidade de fármacos para o controlo sintomático;
4º - Escassez de meios de intervenção clínica e social, baixo nú- Eu não conheço, mas (...)
mero de medidas promotoras de apoio à família que tem doentes É um decreto que é fundamental e que diz que têm que existir
crónicos a cargo... Posso-lhe dar o exemplo do Canadá: existem redes no apoio à doença; do ponto de vista conceptual interessan-
baixas, que ultrapassam os 15 dias para as pessoas que estão a tra- tíssimo, não é? Agora nós temos vários documentos interessantís-
tar de doentes, a questão do reconhecimento, de regalias fiscais, simos! Que nunca passam daí, de documentos!
pelo facto de se ter um doente em casa, a cargo...
É muito interessante, há um investimento na primeira fase da Não é possível concretizar?
vida, que é óptimo, mas a universalidade existe no nascer e no Não, possível é, agora é preciso que haja vontade política, por-
morrer! E é completamente assimétrico o apoio que se tem dado que volto a dizer, quer-se concretizar com que recursos humanos?

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cuidados paliativos

Os doentes esperam de nós uma resposta de acordo com uma lista de problemas
adaptada da CIPS2-def., as situações mais
humanizada e personalizada frequentemente por nós apoiadas foram as
seguintes:
• Doentes com neoplasias (191);
o seguimento do doente. Maioritariamente, lecemos consensos internos e tratamos de • Doentes com sequelas de AVC (180);
são as enfermeiras as gestoras de caso, mas outros assuntos pertinentes. • Doentes com DPOC (105);
outros há em que é a médica, a psicóloga, Para além da actividade assistencial e das • Doentes com fractura de colo do fémur
a fisioterapeuta ou a assistente social, por reuniões, são também actividades da equi- (94);
exemplo, a desempenhar esse papel. pa, aquelas que se desenvolvem no âmbito • Doentes com patologia osteoarticular
O nosso apoio visa sempre a promoção da formação – orientação e estágio no pré incapacitante (90);
da autonomia – quando possível –, com e pós graduado, na área da saúde e apoio • Doentes com insuficiência cardíaca (49).
vista à obtenção do máximo conforto pos- social; participação em cursos e congressos Face aos anos anteriores verificou-se um
sível. Trabalhamos, por isso, com as famí- – da articulação e facilitação de recursos e claro aumento do número de casos segui-
lias e conferindo uma forte componente de ainda a investigação. dos – de 599 em 2000 para 1.061 este ano
reabilitação ao processo de cuidados. – e, pela primeira vez, o número de doen-
A nossa intervenção estende-se ao perío- ALGUNS RESULTADOS tes com neoplasias ultrapassou o dos doen-
do do luto, passando pela detecção e Como já dissemos, desenvolvemos a nossa tes com AVCs (de acordo com os dados já
referenciação dos possíveis casos de luto actividade desde 1997 e ao longo deste tem- disponíveis, esta tendência irá manter-se em
patológico, e pela disponibilidade para es- po já demos apoio a mais de 2.500 pessoas 2003). As insuficiências de órgão – cardía-
timular as tarefas do luto fisiológico. com dependência e suas famílias. Da aná- ca e respiratória – e a patologia osteoarti-
Pretende-se que a maioria dos doentes se lise cumulativa dos resultados ressalta que cular assumem também lugar de destaque
possa manter em casa com dignidade, em- cerca de 50% dos nossos doentes cum- dentre os problemas por nós seguidos,
bora tenhamos claro que, nalguns casos, os prem critérios de cuidados paliativos e são como tem acontecido desde o início.
internamentos são inevitáveis e necessá- também esses os casos de maior comple- Sabemos que em cuidados continuados
rios, quer por motivos sociais (ausência de xidade e que justificam intervenções mais muitos doentes apresentam uma situação
cuidador principal, exaustão dos cuidado- demoradas no domicílio. clínica em que a cura não é possível e em
res, ausência de condições habitacionais), Faremos aqui a apresentação dos resulta- que a doença atinge uma fase avançada e
quer por razões clínicas (descontrolo grave dos mais relevantes referentes por exemplo progressiva, estando por isso os doentes a
de sintomas, realização de procedimentos ao ano 2002. Incluiremos alguns breves co- carecer de cuidados paliativos. Também na
mais invasivos). Se a nível clínico não te- mentários, sem prejuízo de informação nossa equipa isso é uma realidade e verifi-
mos registado grandes dificuldades, o mes- mais detalhada de que dispomos. camos que, para responder de forma ade-
mo já não se pode dizer quanto à resposta De acordo com a informação disponível, quada às necessidades deste grupo nume-
em lar e em internamentos alternativos para o concelho de Odivelas tem uma popula- roso de doentes, temos efectivamente de
doentes crónicos. Continua a ser extrema- ção estimada (Census 2001) de 100.993 oferecer cuidados paliativos de qualidade.
mente difícil colocar doentes em lar, por habitantes. O número de inscritos no Cen- A nossa equipa, sem descurar todas as ou-
escassez de recursos, e somos muitas vezes tro de Saúde (Sinus) é de 132.386, sendo tras áreas já referidas, tem dedicado espe-
forçados a colocar no hospital de agudos os 14.743 idosos (14,6 %). cial atenção à paliação, quer pelo volume
doentes crónicos que não beneficiam des- Nesta população residente, foram por dos nossos doentes que carece destes cuida-
se tipo de internamento e que deveriam ser nós apoiadas – em 2002 – 1.061 pessoas dos (cerca de 50%), quer por ser uma área
internados em estruturas socio-sanitárias com dependência – bem como as suas fa- que muito pode contribuir para dignificar
que praticamente não existem no nosso mílias –, em que mais de 80% (867) tinha o fim de vida e transformar o sofrimento de
país. 65 e mais anos. Apesar da possibilidade de muitas famílias com doentes crónicos.
Todo este trabalho de articulação é sus- dependência ser mais provável nos idosos, No total de doentes apoiados, 207 fo-
tentado pela realização de reuniões multi- sabemos que este é um problema que não ram-no em parceria com as estruturas co-
disciplinares periódicas, quer a nível restrito escolhe idades. Apoiámos até algumas munitárias de apoio, o que representa um
com todos os profissionais do Centro de crianças com problemas neurológicos, grande esforço por parte das mesmas e uma
Saúde (quinzenais), quer a nível alargado oncológicos e doenças crónicas incapacitan- resposta articulada importante.
com as parcerias (mensal). Diariamente, tes. Do total de doentes atendidos, 750 tiveram
uma das médicas da equipa dá apoio às en- Quanto à tipologia de doentes atendidos, alta dos nossos cuidados, por melhoria clíni-
fermeiras na discussão dos casos mais com-
plexos e na tomada de decisões e orien-
tações no domicílio. As reuniões são um Trabalhamos com as famílias conferindo
ponto fulcral no desenvolvimento deste tra-
balho e nelas discutimos os casos-problema,
uma forte componente de reabilitação ao
os dilemas éticos, as referenciações, estabe- processo de cuidados

CIDADE SOLIDÁRIA JANEIRO 2005 43


ENVELHECIMENTO

À força de contratualizar com empresas que para as quais o médico de família não tem trei-
vão empregar pessoas não qualificadas? À no, está a entender? Uma das questões, é a es-
força de ir buscar recursos a outras áreas, re- cassez de envolvimento médico, é assumir que
cursos não qualificados para desempenhar não são precisos médicos nestas equipas!... E
este tipo de tarefa assumindo que ela é uma que o médico de família chega, ou que o mé-
área menor? Qualquer um pode fazer? dico responsável, chega! Chega, se de facto ele
estiver disponível nas necessidades que o do-
No caso de ajudantes familiares será as- ente apresenta! E não é verdade que assim seja!
sim?
Ajudantes familiares e não só, dos enfer- O que me está a sugerir, (...) é que têm
meiros, dos médicos! A rede dos cuidados pessoas que precisam de cuidados con-
continuados tem contemplada a vertente tinuados, mas há outras que recebem
residencial, portanto, internamento, e a ver- apoio domiciliário, que não precisam
tente de apoio domiciliário, e na vertente de desses cuidados continuados?
apoio residencial e domiciliário não é qual- Ou seja, em que a vertente de cuidados con-
quer enfermeira, não é qualquer médico que tinuados de saúde não é tão grande... Repa-
pode prestar estes cuidados! Por exemplo, esse re, do ponto de vista dos cuidados continua-
documento é completamente omisso em re- dos, se nós formos fazer um gráfico, isto são
lação à formação que as pessoas têm que ter! as necessidades globais do doente, e portan-
to, temos uma linha flexível, em que tem ne-


E aconselha que haja pós-graduações cessidades de apoio social, e de apoio na saú-
mesmo nessa área... de. Numa determinada fase, estas necessida-
Os modelos [de
Exactamente. Vai haver uma pós-gradua- des podem ser mínimas, e portanto, o apoio
ção em Cuidados Continuados na Univer- apoio domiciliário] que social chega, mas se este doente entrar em
sidade. Está a haver uma pós-graduação, existirem, devem de facto crise, provavelmente tem que haver uma ar-
com nível de mestrado na Faculdade de ticulação profunda dos diferentes níveis de
responder às necessida-


Medicina de Lisboa, na área específica dos cuidados. Agora repare, para determinado
Paliativos. Isso está a acontecer, isso é sin- des dos doentes tipo de doentes, basta isto e que pontualmente
tomático do interesse pela área. o médico de família vá dando apoio, para
... Agora que isso se traduza depois, do ponto de vista assistencial, outro grupo de doentes, vai acontecer inclusivamente, que as neces-
numa rede funcionante, como acontece noutros países, isso ainda não. sidades de apoio social se vão reduzindo (embora por vezes se mante-
nham constantes), mas o volume maior de cuidados que são requeri-
Em relação só à Misericórdia de Lisboa, que está a tentar en- dos, serão da área da saúde.
contrar um caminho, um modelo para o apoio domiciliário,
o que é que pensa que será aconselhável? Um serviço integra- Então, nesse caso tem que estar acompanhado por médico...
do de saúde e acção social? ... tem que haver uma diferenciação nesta área, entende, uma
Não tem que haver um modelo único, mas os modelos que existi- diferenciação clínica nesta área!
rem, devem de facto responder às necessidades dos doentes. Os do-
entes crónicos que necessidades têm? Têm necessidades clínicas pro- Então a vocação... e acha que é uma vocação da Misericórdia
gramadas, ou seja, eu avalio uma determinada situação, eu percebo de Lisboa entrar por aí?
face ao diagnóstico da situação que faço, que este doente precisa, por Pode ser, e portanto, se quiser, tem é que de alguma forma,
exemplo, de visita clínica à 2ª, à 4ª e à 6ª, mas precisa de respostas nas credibilizar os médicos que o fazem, porque a Santa Casa da Mi-
necessidades de intercorrências, nas tais crises que possam acontecer! sericórdia de Lisboa tinha Centros de Saúde onde trabalhavam mé-
Ora, se os serviços dos Centros de Saúde, se os médicos de família são dicos, e que tinham algumas horas para dar apoio domiciliário.
os únicos que são responsáveis, o médico de família não está contactável Isso é viável...
24 horas, o médico de família muitas vezes não está contactável nas
intercorrências, porque tem consultas do meio-dia às quatro, as Quer-me dizer... por exemplo, em relação aos serviços, às acti-
intercorrências não são com hora marcada, certo? Portanto, esse es- vidades disponíveis para os utentes em apoio domiciliário, há
quema que está a dizer, do meu ponto de vista tem que ter um ele- alguns outros que devem estar disponíveis?
mento que é fundamental, que é, consagrar (eu não digo obrigatório, A questão do apoio psicológico e a componente de reabilitação...
mas é fundamental), que exista um médico a integrar estas equipas Por tradição, há grupos profissionais que não estão tradicionalmen-
de apoio domiciliário, e que faça uma supervisão, e que dê uma te ligados ao trabalho na comunidade, como sejam, os fisiotera-
integração ao trabalho, sem desresponsabilizar os médicos de famí- peutas, os terapeutas ocupacionais e os psicólogos, e portanto, é
lia. Que tenha disponibilidade para poder fazer a articulação de re- fundamental, que, por exemplo, nos quadros das instituições haja
cursos, para poder fazer a gestão do caso, para poder fazer as revisões mais vagas para esse tipo de profissionais, para que se possam re-
terapêuticas, as revisões nas crises, avaliar situações mais complexas criar esse tipo de intervenções...

44 JANEIRO 2005 CIDADE SOLIDÁRIA


cuidados paliativos

A nossa equipa tem dedicado especial atenção à paliação, quer


pelo volume dos nossos doentes que carece destes cuidados (cerca
de 50%), quer por ser uma área que muito pode contribuir para
dignificar o fim de vida e transformar o sofrimento de muitas famílias
com doentes crónicos.
ca e cessação do motivo que originara o pedi- contexto, se reveste de uma importância para O controlo de sintomas está garantido atra-
do de apoio domiciliário (neste grupo regis- a família completamente diferente da que tem vés das competências adquiridas pelas médi-
taram-se, contudo, recaídas que motivaram em meio hospitalar. Essa ocasião pode repre- cas e enfermeiras no âmbito da geriatria e
reentradas). Estamos em crer que a preocu- sentar muito para os familiares, reformulando cuidados paliativos, bem como através da
pação com a componente de reabilitação em o significado destes acontecimentos e ajudan- disponibilidade de fármacos como opióides,
muito contribuiu para este resultado. Care- do-os nas tarefas do luto. É das tarefas que, neuroléticos e benzodiazepinas. Gostaríamos
cemos ainda, contudo, de ajudas técnicas para apesar de dolorosas para técnicos e familiares, de frisar que fomos a primeira equipa do país
completar o trabalho dos profissionais e me- mais reconhecimento e gratidão implica e que a utilizar, no âmbito domiciliário, fármacos
lhorar a qualidade de vida dos nossos doen- muito tem concorrido para a humanização como a morfina e o midazolan parentéricos
tes. Convém referir que 234 doentes foram deste tipo de apoio. (estes fármacos nem sequer estavam previstos
readmitidos aos nossos cuidados ao longo do O período de prevenção abrange o horá- para ser utilizados em apoio domiciliário cor-
ano, com vários episódios de agravamento da rio nocturno (20h-8h) e os fins-de-semana. rente e apenas se incluíam no formulário hos-
sua patologia incapacitante de base. Para o tipo de doentes que apoiamos, nome- pitalar e de emergências. No ano de 1999 ce-
Os internamentos em Lar e Hospital adamente para os que estão em cuidados pa- lebrou-se um protocolo com a Sub-Região de
corresponderam a um baixo número de doen- liativos, a necessidade de apoio não escolhe Saúde de Lisboa para aquisição por parte desta
tes (169), pois tal como é esperado de uma horas e merece uma resposta adequada e em dos referidos medicamentos). Tal como já dis-
equipa de suporte na comunidade, a maioria tempo útil, no domicílio. A não existir, mui- semos, também introduzimos a prática ino-
dos problemas foram resolvidos no domicí- tos destes doentes terão que recorrer à Urgên- vadora da administração sub-cutânea (em
lio, só sendo internadas as situações mais com- cia, os gastos com transportes de ambulância bolus e/ou perfusão contínua) de fármacos
plexas. No entanto, tal como já afirmamos, a e internamentos indevidos serão inflacionados como os opióides (morfina, tramadol),
resposta residencial (Lar e internamentos para e, sobretudo, o sofrimento dos doentes au- neuroléticos (haloperidol e levomepro-
crónicos e/ou paliativos) é altamente defici- mentará. mazina), benzodiazepinas (midazolan),
tária na nossa zona de trabalho – só oito dos São os doentes em cuidados paliativos butilescopolamina e antie-méticos, tão impor-
internamentos foram em Lar –, o que fre- aqueles que mais recorrem ao nosso apoio tante para garantir o controlo de sintomas dos
quentemente pressupõe uma grande pressão neste período da prevenção. Em 2003 (Ja- doentes idosos e agónicos. Para além dos
junto dos profissionais na comunidade e fa- neiro - Setembro), dos 90 utentes que falece- fármacos, também é permitida a administra-
mílias. ram em casa, 44 foram acompanhados no pe- ção de soros – hipodermoclise –, não mais de
Dos 1.061 doentes seguidos, vieram a fa- ríodo para além do horário normal de traba- 1000cc/24horas. Através desta via de bai-
lecer 162 e destes, mais de 70% (115) fale- lho. Foram efectuadas neste horário 2.769 in- xa invasibilidade e grande comodidade para
ceu no domicílio, maioritariamente com tervenções de enfermagem, 1/3 das quais em o doente, família e profissionais – garanti-
acompanhamento de um elemento da equi- presença física. Foram solicitadas 251 orien- da através da colocação de uma agulha
pa. A percentagem de mortes no domicílio tações médicas, tendo-se conseguido evitar epicraneana, que se muda só de 5/5 ou 8/8
tem oscilado ao longo dos seis anos entre 80 pelo menos 58 internamentos em Hospital de dias –, é possível oferecer grande qualidade no
e 70%, o que nos parece muito razoável e agudos. controlo sintomático e diminuir o sofrimen-
indicador da qualidade dos cuidados presta- Os doentes apoiados têm tido um razoável to de doentes em situações de grande com-
dos. Estamos em crer que a possibilidade de controlo sintomático, pelo que a permanên- plexidade, com recurso à intervenção dos
opção do local de morte, sem obrigatoriedade cia em casa, longe de ser sinónimo de sofri- próprios doentes e familiares. Esta é uma prá-
de hospitalização e com grande qualidade no mento acrescido, tem representado um gan- tica corrente no âmbito dos cuidados paliati-
controlo sintomático, só acontece porque ho significativo na sua qualidade de vida. vos e que se apoia em bibliografia reconheci-
existe uma equipa treinada e disponível e Simultâneamente, através de inquéritos de da, como é o caso de toda a informação dis-
porque a família se sente apoiada e acompa- satisfação recolhidos e da baixa incidência de ponível no site www.palliativedrugs.com.
nhada. casos de luto patológico entre os familiares, Ainda no âmbito dos resultados, gostaría-
A nossa equipa tem a preocupação de, caso podemos constatar que estas situações, ape- mos de destacar que todo este desempenho
os familiares o desejem, prestar os cuidados sar do desgaste acrescido que podem impli- não se tem traduzido por casos de burn out
post-mortem ao corpo (mumificação). É uma car para as famílias, se traduzem por um maior nos profissionais da equipa, também porque
tarefa que tem estado arredada dos profissio- amadurecimento e fortalecimento das mes- os níveis de motivação e empenhamento são
nais de saúde na comunidade e que, nesse mas. elevados. Por outro lado, a formação é um

CIDADE SOLIDÁRIA JANEIRO 2005 45


ENVELHECIMENTO

E o Voluntariado... Até vocês? Até vocês estão ao sabor...


A sua falta é uma lacuna enorme do ponto de vista legal, em ter- ... nós pertencemos ao Centro de Saúde onde temos uma ra-
mos de integração nos serviços do Estado, nos Centros de Saúde! zoável autonomia, estamos enquadrados na ARS. O que é interes-
sante é que, como é que equipas com o mesmo enquadramento,
Não seria da acção social, o voluntariado? umas fazem uma prática, outras fazem outra, porque é que será?
O voluntariado, eu penso que pode ser comum, mas, mais uma
vez, é a mesma questão, sem preparação não dá! Não chega só a Diga-me porquê essa diferença convosco.
boa vontade, a caridade... Porque existe a consciência de que as necessidades são diferen-
tes, porque existe uma atitude de procurar não nivelar pela medio-
... então têm que ter cursos de formação? cridade mas por dar dignidade a esta área e por, digamos, adequar
Claro! O voluntariado tem que estar a trabalhar integrado na àquilo que de facto são critérios de qualidade. Só que isto é uma
perspectiva de trabalho de equipa, (...) e com supervisão de um área nova e como todas as outras áreas novas envolve: desgaste,
elemento da mesma, e tudo é uma orquestra que é comandada em riscos, ir contra a corrente...
função do doente, e portanto, não pode estar desgarrada!
Imaginando então, daqui a 30 anos, está numa situação que
Então faz parte da equipa? se calhar gostaria/necessitaria de ter apoio domiciliário, glo-
Claro, é integrado sempre. Lá fora é assim, o voluntariado é in- balmente, o que é que acha que seria importante ter?
tegrado por um elemento da equipa. Habitualmente é a assisten- Há outra questão, em termos dos serviços que devem estar dis-
te social. “Atenção que as necessidades da família esta semana são poníveis, de que nós não falámos. É a questão da facilitação de for-
estas” ou “há este problema, tem que haver este tipo de...” senão necimento de ajudas técnicas, nós temos aqui um banco de recur-
as coisas são completamente desarticuladas! sos na comunidade, que passam pelos colchões, pelas canadianas,
pelas camas, por “n” coisas... Passa por coisas tão simples como as
(...) Será que isto basta, fazer companhia ou... fraldas, que muitos dos utentes têm que usar e isso é uma despesa
(...) O voluntário tem que perceber, por exemplo, se o indiví- completamente coberta pela família, porque aí em Janeiro, a Segu-
duo está zangado porque é que está zangado, o que é que lhe vai rança Social diz que já não há dinheiro para fraldas.
dizer, se não houver passagem de informação... Do ponto de vista, do que é que eu acho que deveria existir; de-


veria existir uma rede de equipas organizadas, às quais eu soubesse
E o voluntariado em casa é diferente do como é que tinha acesso, onde houvesse,
de em Hospital? O trabalho em casa uma equipa clínica, que pudesse ajudar-me
É, como o trabalho em casa, é diferente a manter-me o máximo tempo possível em
é diferente do trabalho


do trabalho do hospital, porque no traba- casa, a dizer criteriosamente quando é que
lho no hospital, quem está num ambiente no Hospital havia necessidade de eu ser hospitalizada ou
estranho é o doente, o trabalho em casa é não, que tivesse, para além da perspectiva cu-
muito mais complexo, porque quem está num ambiente “hostil”, rativa, a perspectiva de promoção da dignidade e da qualidade de
é o profissional de saúde, o que cria, em termos de relações de poder vida, com uma forte componente reabilitadora, no sentido do re-
e de vulnerabilidade um jogo de forças que é completamente di- creativo, de qualidade, de ultrapassar a questão do controlo sinto-
ferente! mático, que é fundamental, mas ir muito para além disso, ou seja,
que tivesse a perspectiva do que é que são a globalidade das minhas
E quem é que pode, ou deve prestar apoio domiciliário? Que necessidades.
entidades? Há entidades estatais e privadas. Esta área não pode ser encarada como paixão pura, é fundamen-
Eu acho que isso é assim, não me escandaliza nada que haja tal a compaixão, não tenho a mínima dúvida, no sentido do res-
entidades privadas, desde que exista uma rede constituída, desde peito pelo outro e é isso que é a compaixão, mas isto só não chega,
que o Estado se responsabilize por produzir critérios de qualidade a compaixão só é bem servida se for apoiada num grande rigor
e por monitorizar essa qualidade... técnico. Isto é uma área muito rigorosa, não é uma área de “coita-
dinhos”, de menoridade, de qualquer um faz, vamos lá fazer umas
... que não existe, pois... horas, agora passas a ir “fazer uns domicílios”...
... no sentido de dizer: “Eu, Estado, faço o contrato com esta
entidade privada, mas vou monitorizar a qualidade e vou-lhe di- Pois, eu já ouvi a expressão, fazer uns domicílios...
zer. Ou cumpre com estes e estes critérios ou, eu, Estado, não faço ... mas nós não os fazemos aqui, nós aqui fazemos visitas
contrato com ela!” domiciliárias, que é um bocadinho diferente. Visitas domiciliárias,
pressupõe abordagem global de necessidades, domicílios é o tal
Neste momento, cada um está a seguir ao seu sabor?! espírito curativo. Se reparar aqui ninguém fala de domicílios, mas
Com certeza! isso está interiorizado e integrado.

* Extracto adaptado de entrevista realizada em Março pela APEME – Área de Planeamento e Estudos de Mercado, Lda. – no âmbito de um conjunto de estudos sobre o
Envelhecimento promovido pela SCML no ano de 2004

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cuidados paliativos

vector fundamental para garantir o profissio-


nalismo e a continuidade nesta área da pres-
tação.
Não perdemos de vista a necessidade de
cuidar de nós próprios e, nos momentos de
stress e maior sobrecarga, a equipa é uma fonte
de reforço e apoio para os que nela trabalham.
Este tipo de trabalho na comunidade, 24/
24horas, com exposição à morte e a casos
muito complexos, pressupõe grande flexibi-
lidade e inovação na gestão e organização das
actividades. Temos tido, em duas reuniões por
ano, o apoio de um psicólogo externo à equi-
pa que funciona como facilitador dos proces-
sos de gestão do stress profissional.
Felizmente, a Equipa pode orgulhar-se de
já ter recebido algumas distinções e prémios,
que atestam da Qualidade do nosso trabalho:
Prémio Bristol-Myers Squib – Saúde na Co-

Não perdemos de vista a necessidade de cuidar de nós próprios


e, nos momentos de stress e maior sobrecarga, a equipa é uma fonte
de reforço e apoio para os que nela trabalham
munidade – 2000 – menção honrosa; Prémio férias adicionais). Essas medidas, ao incenti- tes seis anos foi possível introduzir práticas
Nacional de Humaniza-ção do Ministério da var e melhorar o apoio domiciliário, trarão inovadoras, quer na organização dos serviços
Saúde – 2001, 1º prémio; Prémio Nunes ganhos inquestionáveis ao cidadão e aos ser- e cuidados clínicos no domicílio, quer na uti-
Corrêa Verdades de Faria da Santa Casa da viços de saúde. lização de fármacos e no controlo sintomáti-
Misericórdia de Lisboa – 2002 (atribuído à co (por exemplo, através do recurso aos
Dr.ª Isabel Neto). Para além destes, são os tes- SÍNTESE FINAL opióides e da via sub-cutânea).
temunhos positivos e reconhecimento por O trabalho aqui resumido diz respeito ao Este tipo de trabalho tem gerado inúmeros
parte da nossa comunidade que muito nos apoio domiciliário interdisciplinar prestado a ganhos na qualidade e dignidade de vida dos
motivam e orgulham, e que têm contribuído doentes dependentes e suas famílias, na área doentes e famílias, bem como ganhos para o
para continuar a lutar por este tipo de traba- do Centro de Saúde de Odivelas, com gran- sistema de saúde, que vê deste modo serem
lho, em que as dificuldades são inúmeras. de desenvolvimento dos cuidados clínicos no evitados internamentos e deslocações desne-
Através de subsídio concedido pela Funda- domicílio. Porque as necessidades dos doen- cessárias, com enormes custos financeiros as-
ção Gulbenkian em 2001 iremos brevemen- tes assim o determinam, a vertente de cuida- sociados. Estamos certos de, desta forma,
te concretizar o projecto “Modernizar para dos paliativos está nesta equipa muito desen- contribuir para a racionalização e melhoria
melhor cuidar”, em que, através da utilização volvida e corresponde acerca de 50% da nos- dos gastos em saúde.
de computadores pessoais (PDA’s), os regis- sa actividade. Através deste modelo de trabalho, muito
tos clínicos e de todas as intervenções na equi- Este trabalho desenvolve-se desde Outubro mais pessoas com dependência, nas quais se
pa passarão a ter um suporte informático es- de 1997, com resultados muito positivos para incluem os doentes paliativos e em fim de
pecífico. Segundo julgamos saber, seremos a os mais de 2.500 doentes e famílias que fo- vida, e suas famílias, poderão beneficiar de
primeira equipa em Portugal a recorrer a este ram apoiadas até 2002. cuidados dignos, mais humanos, em fases
tipo de metodologia inovadora. O doente e família estão no centro da or- críticas da sua vida.
Só com chefias atentas como aquelas de que ganização das nossas actividades, que visam Pela nossa parte, estamos motivadas e cons-
dispomos localmente este tipo de actuação responder às múltiplas necessidades de- cientes da enorme responsabilidade e do de-
tem sido viabilizado. O próprio Ministério de- tectadas, através de uma abordagem global, safio que esta oportunidade comporta.
verá viabilizar legislação que permita este tipo em parceria e em rede das situações. A partir Oxalá as oportunidades e os desafios se-
de cuidados, nomeadamente, através da con- de uma equipa sediada no centro de saúde que jam ganhos.
cessão do regime de prevenção remunerado se articula com os diferentes parceiros comu- * Assistente Graduada de Medicina Geral e Familiar.
Coordenação da Equipa de Cuidados Continuados
(nas 24 horas) para os profissionais a traba- nitários de apoio, foi possível atender ao lon-
do Centro de Saúde de Odivelas.
lhar em apoio domiciliário e da atribuição de go de 2002 cerca de 1.100 pessoas no domi- Médica de Cuidados Paliativos.
incentivos aos mesmos (por exemplo, dias de cílio, num atendimento de 24/24 horas. Nes- Docente da Faculdade de Medicina de Lisboa.

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