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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


HISTÓRIA DO BRASIL COLONIAL II

Priscila dos Santos Lopes


N° USP: 10326833
Noturno

Resenha crítica:
Capítulos de História Colonial
Capistrano de Abreu

SÃO PAULO
2017
Resenha Crítica: Capítulos de História Colonial. Capistrano de Abreu

Introdução

Capistrano de Abreu foi um importante historiador no que diz respeito à consolidação e


a continuação de um fazer histórico essencialmente brasileiro. Quase que continuador
de Varnhagen, Capistrano de Abreu, entretanto, não possuía as mesmas relações com o
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro que o primeiro, marcando seus Capítulos
com uma dimensão menos política e mais cultural da História do Brasil. Ainda
marcando suas diferenças com Varnhagen - idealizador e realizador de uma proposta de
se escrever uma história geral do Brasil - Capistrano era capaz de acrescentar à história
do Brasil uma visão íntima, visto que nascera no Ceará, traçando uma narrativa mais
interiorizada dos territórios brasileiros, estando distante dos grandes polos decisórios e
mais próximo dos trajetos de viajantes pelos interiores do Brasil.

Sobre a obra

Capistrano de Abreu desenvolve sua narrativa quase como uma viagem pelo Brasil
adentro, e sabendo que Capistrano não era um homem do Estado, sua produção, de fato
está voltada a uma visão mais íntima do Brasil. Em seu primeiro capítulo “Antecedentes
indígenas”, há um minucioso trabalho de descrição do Brasil, suas dimensões, suas
redes fluviais e toda uma dimensão biológica. Ao fim deste capítulo o autor trata mais
propriamente dos indígenas, porém em um panorama mais geral dos grupos e tribos,
traçando alguns de seus hábitos gerais. O autor volta a tratar, ainda que sem grandes
detalhes, dos grupos de povos nativos encontrados no Brasil, no capítulo que trata sobre
a expansão de Portugal e no capítulo que constam os primeiros conflitos, a tratar das
alianças entre indígenas e portugueses e indígenas e franceses. No decorrer do livro, são
mencionados juntamente com as questões religiosas, considerando o trabalho de
conversão voltado a eles, e também nos impasses que promoviam à ocupação
portuguesa bem como as questões de escravização relacionadas as bandeiras. Segue-se a
este um Capítulo muito breve que traça, em um panorama geral, um pouco do que era
Portugal, sua organização societária e seu projeto de modernização, traçando as relações
Igreja-Estado. No fim deste curto capítulo, o autor trata um pouco das questões
referentes aos negros e questões de mestiçagem, importantes elementos à compreensão
da História do Brasil. É interessante notar que, se comparado à autores como
Varnhagen, por exemplo, em História Geral do Brasil, Capistrano se distancia de uma
história em termos de um Brasil como continuação lógica de Portugal e, mais do que
isso, de uma história elogiosa a esse mesmo país. Ele tenta pôr abaixo qualquer
sentimento de inferioridade em relação a estes europeus e trata da colonização como
algo agressivo e errático. No capítulo seguinte, intitulado “Os descobridores”,
Capistrano de Abreu aborda Portugal no contexto das expansões marítimas, cobrindo
um pouco de seus antecedentes e abordando um pouco do que foi o que se conhece
como “descobrimento do Brasil”. O autor relata o que impulsionou os Portugueses a
aventuras além-mar bem como suas primeiras impressões e posturas frente a chegada
nas terras que, mais tarde, seriam conhecidas como Brasil. Neste Capítulo já são
sucintamente tratadas as primeiras iniciativas da Coroa no que diz respeito ao
povoamento e garantia das terras como posses Portuguesas bem como a exploração do
pau-brasil e a constituição de feitorias: tratava-se da primeira garantia econômica
proporcionada pela nova descoberta. Em “Primeiros Conflitos”, o autor inclui os
conflitos europeus no que dizia respeito ao domínio das terras recém descobertas. E se
tratando dos ‘primeiros’, existe aqui uma narrativa sobre o interesse francês nas terras
brasílicas, bem como o projeto de povoamento mais massivo dessas mesmas terras e a
criação das primeiras Vilas, por parte dos portugueses, a fim de se assegurar sua posse e
evitar ou remediar quaisquer invasões. O capítulo seguinte, nessa mesma linha histórica,
desenvolve-se acerca do tema das Capitanias hereditárias, fenômeno que dá nome ao
capítulo. Nesse tópico, levanta-se a questão da ocupação incipiente do território
português na América como consequência direta da ocupação francesa. É explanado
nesse capítulo a estrutura geral e as condições desse tipo de povoamento promovido
pela coroa, sendo no capítulo seguinte abordados os insucessos da mesma bem como a
nova estrutura proposta pela coroa que concorreria simultânea às capitanias: o
governo-geral. Nos dois capítulos seguintes, condensam-se relatos que tangem muito as
questões europeias, a tratar da união ibérica, que data de 1580 até 1640, - tendo como
uma de suas consequências as invasões holandesas ao território brasileiro bem como a
expansão da América portuguesa, agravando alguns conflitos com os povos indígenas -,
e a segunda tentativa francesa de ocupar o território brasileiro. Apesar de dedicar um
capítulo inteiro para tratar das chamadas “guerras flamengas”, no qual ele explora um
pouco do que foi a ocupação holandesa e o seu combate, no capítulo que se segue o
autor aborda a invasão flamenga como “mero episódio da ocupação da costa” (ABREU,
pp.127) *. Não surpreendentemente, neste mesmo capítulo contendo este adendo a
respeito da ocupação holandesa, Capistrano elabora uma extensa narrativa intitulada
“Sertões”; esta é uma das mais extensas em toda a obra, contendo detalhes sobre o
povoamento que se deu no interior do Brasil, que é o que o autor chama de sertão. Neste
capítulo, mais uma vez, é visível o interesse de Capistrano em descrever a geografia
física das regiões bem como, a partir dessa geografia, como se deu sua ocupação. O
autor inclui as culturas alimentares bem como alguns hábitos comuns dos ocupantes das
regiões. Neste mesmo capítulo há também o relato dos movimentos de interiorização do
território, como era o caso das bandeiras, por exemplo. O capítulo seguinte marca as
questões de demarcação de limite das fronteiras portuguesas, abordando os tratados
estipulados, considerando as questões relativas a Sacramento e Sete Povos das Missões.
Capítulos termina com “Três séculos depois”, um capítulo final que condensa ao que, na
visão do autor, “se reduziu a obra de três séculos” (ABREU, pp. 242).
*edição Grandes Nomes do Pensamento Brasileiro da Folha de São Paulo

Reflexões sobre a obra

A obra Capítulos de História Colonial, é surpreendentemente concisa e, como o próprio


nome diz, insere a História do Brasil Colonial em alguns breves capítulos. Com exceção
dos primeiros capítulos, que envolvem alguns fatores antecedentes à história de uma
colônia propriamente fundada, os capítulos que se seguem não estabelecem uma ordem
marcadamente cronológica de se escrever uma História Pátria, mas sim um quadro
geral, marcado pela tentativa de se traçar um quadro sincrônico do desenvolvimento da
ocupação do Brasil, considerando os ritmos desiguais de ocupação. Para o autor, são
distinguíveis pelo menos cinco diferentes regiões dentro do Brasil, sendo elas Minas e
São Paulo, Rio Grande, Amazônia, Litoral e Sertão. E ele tenta traçar, sempre por um
viés cultural, o desenvolvimento e as dimensões de cada. É interessante pensar a história
produzida por Capistrano de Abreu frente projetos de História do Brasil de destaque na
historiografia como as obras de Francisco A.Varnhagen, Oliveira Vianna, e Caio Prado
Jr.; o projeto de Capistrano, centrado nos primórdios do debate de se escrever uma
história nacional possui mais rupturas com Varnhagen do que aproximações, rupturas
essas que mais tarde foram abraçadas pela historiografia mais recente no fazer histórico
brasileiro. Um ponto notável em Capítulos, que pode aproximá-lo ao proposto em
“Populações Meridionais do Brasil” de Vianna, de produção posterior, é a dimensão
sociológica da produção histórica, que tenta tratar das diversidades regionais e não as
apagar. Abreu entende a história brasileira a partir da ocupação dos territórios; este
fenômeno sobressalente de sua obra faz de sua história uma história do povo e sua
apropriação do território mais do que uma história política nacional, como proposto por
Varnhagen. Mas existe em sua obra, claramente, um sentido romantizado de povo. Uma
aproximação interessante de ser feita também ao autor aqui analisado, é com o autor de
“Formação do Brasil Contemporâneo, Caio Prado Jr”; ambos os autores destacam em
suas produções fenômenos dos sertões, algo que em outros autores não recebe grande
importância. Em Caio Prado Jr. A relevância dada a ocupação do sertão pode ser
verificada no capítulo dedicado a tratar da pecuária, pois ela é entendida como um dos
fatores que permitiram a interiorização da ocupação portuguesa. No caso de Capistrano,
o estudo dos sertões são de extrema importância para se entender a ocupação do
território.
O trabalho de Capistrano de Abreu em Capítulos, representa uma importante produção
histórica, considerando que na época de sua produção o Brasil vivia seus primeiros
períodos de interesse em se escrever e narrar a história nacional. A obra, apesar de
alguns descuidos com as referências, tem notável destaque no que diz respeito a se
pensar a história nacional por aspectos diferentes da proposta de Varnhagen, várias
vezes citado neste trabalho. É pertinente notar que a proposta de Abreu nesta obra
buscou, num movimento contrário a Varnhagen, valorizar as disparidades e diversidades
regionais, expondo, em seu último capítulo, que o que liga os cinco grupos por ele
abordados são a língua e a aversão ao Português. Varnhagen tinha uma proposta clara,
pautada numa história capaz de incitar um sentimento patriótico, um sentimento de
Brasil como nação e, justamente por conta deste objetivo, seu projeto de história devia
valorizar as semelhanças das regiões mais do que suas diferenças. Sua história deveria
ser capaz de costurar as divergências provinciais, criando uma moldura geral para todas,
colocando-as dentro da história Pátria. Ainda marcando seus contrastes, Capistrano de
Abreu não dá o Brasil como acabado, tanto que sua obra visava abordar o produto dos
séculos de colonização, enquanto Varnhagen vê um fim em sua história, representado
pelo Império.
A obra constitui uma importante fonte de conhecimento cultural do período colonial a
tratar da ocupação, da geografia, dos hábitos alimentares e etc. A leitura permite, além
das reflexões acerca de qual eixo pode-se pensar a história brasileira – que para o autor
deveria ser voltada para o sertão e sua ocupação –, a apreciação de uma dimensão outra
da história, não abordada suficientemente por seus antecessores.

Referências bibliográficas

ABREU, João Capistrano de. Capítulos de História Colonial. Belo Horizonte: Itatiaia,


1988.
PEREIRA, Daniel Mesquita, Os descobrimentos de Capistrano, Rio de Janeiro, Ed.
Apicuri, 2010.
PRADO JÚNIOR, Caio, Formação do Brasil Contemporâneo, São Paulo, Ed.
Brasiliense, 1953.
VARNHAGEN, Francisco Adolfo de, História Geral do Brasil, São Paulo,
Melhoramentos, 1973, 3 vols.
VIANNA, Oliveira, Populações meridionais do Brasil, col. “Intérpretes do Brasil”
(coord. Silviano Santiago), vol. 1, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 2002 [orig. 1920].

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