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AS CORRIDAS NO HIPÓDROMO

As corridas no hipódromo localizam-se no episódio X de “Os Maias”. Neste capítulo,


Carlos da Maia está numa relação com Gouvarinho, mas já não se encontra feliz na mesma.
Este tinha já visto Maria Eduarda três vezes, desejando agora conhecê-la no hipódromo.
Carlos e Craft vão juntos para o local. Lá deparam-se com muitas imperfeições e um
certo improviso. Ao olhar para o público, a elite portuguesa, notam a falta de saber estar, de
educação e de civismo, mesmo num evento de tal dimensões, quer pelas atitudes, quer pelo
vestuário.
O público não sabia onde se sentar. Uma parte da bancada estava completamente cheia,
enquanto a outra estava vazia. Carlos observava as pessoas com tédio e desconforto. O
clima era de extrema apatia. Pouco tempo depois, ouviu dois brasileiros perto dele
reclamando do preço dos bilhetes. Tinham inegavelmente razão. Carlos e Craft conheceram
Clifford e Sequeira, tendo todos a mesma opinião. Nas palavras de Sequeira: as corridas
eram "insípidas, sem cavalos, sem jóqueis, com meia dúzia de pessoas a bocejar” e
praticamente sem apostas. O ambiente estava caótico, “sem ordem e sem decência, onde a
todo o momento podiam reluzir navalhas”.
“Uma fila de senhoras quase todas de escuro (…) A maior parte tinha vestidos sérios de
missa”, como que “à espera do senhor dos passos”. Em contrapartida, avistavam-se
algumas, apesar de poucas, com “bonitas toilettes, certo ar de luxo”. De claro, estonteantes,
estavam visivelmente vestidas à inglesa. Assim, vestir bem era sinónimo de não se ser
português (ou não parecer),o que revela o caráter e bom gosto britânicos, contrastando com
os típicos portugueses da época. Muitas consideravam estarem, todavia, desajustadas ao
tipo de evento, uma vez que o mesmo não sucedia de todo como o esperado. A Condessa
de Gouvarinho é o perfeito alvo de críticas feminino. Vestia uma “toilette” do mais típico
inglês. Querer copiar o estilo estrangeiro é muito criticado por Eça, não por si, mas pelo que
significava. Os portugueses estavam a perder a sua essência, a individualidade
característica de cada um e da sua nação. Para além disso, Gouvarinho utiliza um
vocabulário sensorial do qual fazem parte estrangeirismos e neologismos. Os primeiros
funcionam como uma espécie de “dedo apontado” que Eça de Queirós faz à sociedade
burguesa, que importa modelos estrangeiros de forma pouco criteriosa e pouco adaptada à
realidade nacional (“poule”,“chic”, “gentleman”, “sport”, ”sportsman”, “jockeys”, ”groom”,
“dog-carts”). Por outro lado, Dâmaso Cândido de Salcede é o grande alvo de censura
masculino. Enquanto Carlos revela a sua personalidade singular com modéstia, através do
verdadeiro conhecimento, Dâmaso é o protótipo do português vulgar de estatuto social
privilegiado, burguês lisboeta da época. Imitando servilmente o estrangeiro, adota o culto do
“chic a valer”, revelando uma enorme falta de identidade, a ponto de cometer atrocidades na
indumentária de uma tremenda indiscrição. O seu “podre de chic” é apresentado pela
sobrecasaca branca e véu azul no chapéu, que é o ridículo da roupa.
Por parte dos portugueses, houve um desesperado esforço de cosmopolitização:
promover um evento que nada tinha a ver com a tradição cultural do país. Havia,
maioritariamente, “um interesse fictício pelos cavalos”. Com efeito, o evento foi um fracasso
total. Estas corridas trouxeram uma enorme discussão de interesses, pois havia diversas
opiniões sobre as mesmas. Uns eram a favor e concordavam com a sua realização e outros,
como por exemplo Afonso da Maia e Craft, eram contra, apoiando tudo o que era nacional.
“Devia-se enfrentar os touros de frente”. Era necessário defender e salientar esta coragem
característica do povo português.
Por último, mas não menos importante, outro aspeto relevante no episódio é a intenção
crítica de Eça. Começamos com Craft, que critica o estado do nosso ensino, revelando que
devia ser como no estrangeiro: “gratuito e obrigatório”. Seguidamente, podemos verificar
que Gouvarinho, anteriormente mencionada, representa o adultério e o pensar irracional da
sociedade do século XIX, expressando que tudo o que era “chic” tinha de vir do estrangeiro.
Assim, deixava-se escapar inúmeros talentos e oportunidades de, por fim, nos afirmarmos
como nação.

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