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EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES, DO

SUPREMO TIBUNAL FEDERAL

ADPF n. 1017

PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO — PSB NACIONAL, já


devidamente qualificado nos autos do processo em epígrafe, vem,
respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, por seus advogados
que a esta subscrevem, expor e requerer o que se segue.

A presente arguição tem por guia central a concepção de que


o aparelho e as autoridades estatais devem se abster de interferir ou
embaraçar as diversas fases que compõem o processo eleitoral, sob
pena de grave violação ao princípio democrático e à liberdade de sufrágio.

Com efeito, na decisão liminar publicada no dia 26.10.2022


Vossa Excelência, com extrema profundidade, destacou a importância da
autocontenção dos órgãos que compõem o sistema de justiça em períodos
eleitorais, a fim de se preservar a igualdade de condições entre os
postulantes a cargos eletivos. Em judiciosa conclusão, a decisão limitou
a prática de atos persecutórios em períodos eleitorais, em especial a
prática de medidas cautelares desde os 15 dias que antecedem o primeiro
turno até 48 horas após o término de eventual segundo turno.

Também nestes autos, atento às graves denúncias de


utilização das forças policiais federais para criar obstáculos e interferir
na liberdade de locomoção de eleitores, este i. Relator solicitou com
urgência informações ao Ministro de Estado da Justiça na véspera do
segundo turno das eleições, salientando que “o período eleitoral exige
especial observância ao dever de neutralidade estatal”.

Diante das balizas constitucionais firmadas na presente


arguição, vem o Partido Requerente noticiar preocupante fato repercutido
pelos veículos de comunicação na data de hoje, 21.11.2022.

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Isso porque foi divulgado áudio1 do Ministro do Tribunal de
Contas da União Augusto Nardes no qual a referida autoridade não só
faz alusão a informações que teria obtido e ações que adotou na condição
de Ministro do TCU, como antecipa e enaltece uma suposta ação das
Forças Armadas contra o resultado da eleição presidencial ocorrida
em 30.10.2022.

1 Disponível em: <https://www.metropoles.com/brasil/audio-ministro-augusto-


nardes-fala-em-confronto-decisivo-e-necessario-acordar-todo-o-brasil> e
<https://noticias.uol.com.br/colunas/carla-araujo/2022/11/21/cobrado-ministro-
do-tcu-tenta-se-explicar-por-audio-golpista-vazado.htm>

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A gravação em voz — cuja íntegra pode ser acessada no link
abaixo2 e já foi, inclusive, objeto de nota da próprio Ministro — traz
alarmantes afirmações sobre a possibilidade de que o resultado do pleito
não venha a ser respeitado, o que, segundo a autoridade, poderia “se
desencadear de forma positiva”. Vejam-se os seguintes trechos:

Estimado Sartori, como eu sou magistrado e julgo muitas


coisas do que está acontecendo no Brasil, praticamente
muita coisa passa pelo Tribunal de Contas da União, somos 9
lá, e a situação é bem complexa, muito complexa, é o pior
momento que a nação vai viver, mas talvez seja importante
pra poder recuperar, […]

Os intelectuais da nação hoje você consegue escutar o que a


gente vem pensando há muito tempo das pessoas mais
humildes da nação e que têm uma visão do conjunto do país.
Nós somos hoje sociedade conservadora que não aceita
as mudanças que estão sendo impostas. Despertou, isso
é muito importante. […].

Agora vem o Bolsonaro que despertou a sociedade


conservadora e hoje todo mundo está nas ruas aí fazendo a
sua defesa desses princípios. […]

Demoramos, mas felizmente acordamos. O que vai


acontecer agora? Está acontecendo um movimento muito
forte nas casernas. Eu acho que é questão de horas,
dias, no máximo semana ou duas, ou talvez menos que
isso, que vai acontecer um desenlace forte na nação.
Imprevisíveis. Portanto, a fala desse cidadão é pra
despertar o produtor rural também porque não adianta
só caminhoneiro trabalhar. Vamos perder? Sim, vamos
perder alguma coisa, mas a situação para o futuro da
nação poderá se desencadear de forma positiva, apesar
desse principal conflito que deveremos ter nos próximos
dias ou nas próximas horas.

Falei longamente com o time do Bolsonaro essa semana, ele


não está bem, está com o ferimento na perna, uma doença de
pele bastante significativa, mas tem esperança ainda, né?
Tenha esperança de recuperar e melhorar a sua situação
física, e certamente terá condições de enfrentar o que vai

2 Disponível em: <https://static.poder360.com.br/2022/11/transcricao-audio-


ministro-tcu-21nov2022.pdf>

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acontecer no país. Se vai haver alguma mudança em
relação a isso? Só que haja uma capitulação por parte
de alguns integrantes importantes e dirigentes que tudo
se sente que vai pra um conflito social na nação
brasileira [sic].

Eu não posso falar muito até porque tenho muitas


informações, mas queria passar pra ti, Sartori, e para o teu
time aí do agro que eu conheço todos os líderes e sei da
importância do agro.

Até quando lá atrás negociamos a ciclo de sessão, eu era o


líder da bancada ruralista, articulei a união em 17 Estados
pra colocar 20.000 pessoas em Brasília em 99.
Queimamos máquinas, tratores, fizemos uma escarcéu.
Fizemos até carreteira aqui pra mais de 2.000 pessoas junto
com meu estimado amigo Sperotto e tantos líderes que aí
acompanham junto com você, e esse time do agro Brasil.
Então conheço todos os passos que temos que fazer.

Fiz a minha parte em 2014. Eu era presidente, alertei a


presidente em 2012, 2013, o que ia acontecer no país,
infelizmente não conseguimos diálogo na época. Eles nunca
aceitaram o diálogo, eles foram pro confronto e agora é um
confronto decisivo. Eles vão vim para um confronto que
nós todos sabemos quais são as consequências, mas nós
tomamos uma decisão importantíssima em 2015, quando eu
tive a coragem em 130 anos pela 1ª vez de tomar uma atitude
de reprovar as contas porque encontramos R$ 340 bilhões em
2015 e 2016 e tudo se mostra que vai acontecer novamente.

O teor da fala do Ministro é de notória gravidade.

O áudio inicia-se com a afirmação de que, na condição de


magistrado, a autoridade obteve informações e julgou “muitas coisas do
que está acontecendo no Brasil”, para logo em seguida passar a se colocar
como franco opositor do grupo político que venceu as eleições.

O Ministro afirmar que “fez a sua parte em 2014”, referindo-


se ativamente à desaprovação das contas da Presidente Dilma Rousseff,
fato determinante para o processo de impeachment ocorrido em 2016.

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Além disso, coloca-se recorrentemente em lado oposto ao do
Presidente eleito, associando-se a uma parcela “conservadora” da
sociedade recentemente despertada pelo atual Governo e que, segundo o
Ministro, entraria em “confronto decisivo” com os vencedores da eleição
por não aceitar “as mudanças que estão sendo impostas”.

Em preocupante passagem do áudio, após antever que uma


suposta ação das Forças Armadas nesse sentido ocorreria em breve no
país, o Ministro Augusto Nardes chega a conclamar o setor do
agronegócio a unir-se aos movimentos golpistas de caminhoneiros
pelas estradas, dizendo abertamente que “vamos perder”
(economicamente), mas que “o futuro da nação poderá se desencadear de
forma positiva”.

De forma espantosa, o áudio sugere até mesmo que


produtores rurais adotem táticas como “colocar 20.000 pessoas em
Brasília” e “queimar máquinas, tratores, fizemos um escarcéu”,
ocorridas em manifestações anteriores nas quais o próprio Ministro teria
ajudado a organizar.

Causa grande perplexidade a postura do aludido Ministro,


que ocupa cargo de alta relevância no Estado brasileiro, tendo sido
inclusive Presidente do Tribunal de Contas de União entre 2013 e 2014.

A toda evidência, a postura revelada pela fala da autoridade


não guarda qualquer deferência ao dever de neutralidade estatal, em
especial no que se refere ao processo eleitoral, conforme fixado por este
i. Relator na presente arguição.

Reitere-se ser manifestamente inconstitucional a atuação


imparcial de agentes públicos com o fito de influir nos resultados do
processo eleitoral, conforme bem destacado na medida cautelar:

Com efeito, a existência de um sistema democrático que


represente e resguarde o direito ao voto e à soberania popular
na legítima escolha de seus representantes, aos quais devem
ser garantidos a igualdade de condições na competição
eleitoral em um ambiente livre, neutro e justo em termos
de disputa.

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Importante destacar que, por força do art. 73, § 3º, da
Constituição Federal, os Ministros do TCU possuem “as mesmas
garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos
Ministros do Superior Tribunal de Justiça”, autoridades regidas sob a
disciplina da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC n. 35/1979).

No ponto, a LOMAN estabelece em seu art. 35 como dever


inafastável dos magistrados “manter conduta irrepreensível na vida
pública e particular”, o que evidentemente não guarda relação com o
apoio a movimentos que buscam subverter os resultados das eleições.

Além disso, a conduta do Ministro Augusto Nardes pode vir


a ser caracterizada como improbidade administrativa, na medida em
que busca valer-se do cargo para prejudicar o grupo político ao qual faz
oposição, bem como para obter informações privilegiadas ao seu grupo.

Com efeito, o agir público deve guardar especial


neutralidade quando se relaciona ao processo eleitoral, a fim de garantir
a igualdade de oportunidades entre os candidatos e, em última análise,
resguardar a forma democrática de Estado, como bem destaca a doutrina
de Emerson Garcia3:

A igualdade na escolha dos representantes deve encontrar


ressonância na igualdade de oportunidades para aqueles que
pretendem ascender ao poder; e, nesse particular, a
igualdade somente restará assegurada com a instituição de
mecanismos que possam coarctar a liberdade que tende a
subjuga-la.
[…] Além dos ilícitos passíveis de serem praticados por
particulares, tem-se aquele que o são por agentes públicos.
E o pior, com a utilização da própria estrutura administrativa
posta à sua disposição com a finalidade, única e exclusiva,
de satisfazer o interesse público. Em casos tais, sempre que
o agente público mutilar os fins de seu obrar, desviando-os
para si ou, mesmo, para terceiros que de alguma forma
possam beneficia-lo, estar configurado o desvio de finalidade
e, consequentemente, o ato de improbidade.

Diante dos graves fatos trazidos na presente manifestação,


requer-se, com o devido acatamento, sejam solicitados com urgência

3GARCIA, Emerson; CUNHA, Rogério Sanches; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade


administrativa. Saraiva Educação SA, 2017. P. 607

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esclarecimentos ao Ministro João Augusto Ribeiro Nardes, do
Tribunal de Contas da União, sobre as ações que diz ter tomado no
exercício do cargo e das informações que teria em relação a suposto
movimento golpista oriundo das Forças Armadas, reforçando-se, ainda,
determinação para que a referida autoridade se abstenha de adotar
quaisquer medidas que afetem a imparcialidade estatal e a higidez
do processo eleitoral, nos termos da fundamentação da presente
arguição.

Nestes termos, pede deferimento.


Brasília, 21 de novembro de 2022.

Rafael de Alencar Araripe Carneiro Felipe Santos Correa


OAB/DF 25.120 OAB/DF 53.078

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