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Faculdade Católica de Fortaleza


Rômulo Bezerra de Castro

SACRAMENTO PASCAL:
Uma Introdução Teológica à Dimensão Sacrificial da Eucaristia

Fortaleza
2013
1

Faculdade Católica de Fortaleza


Rômulo Bezerra de Castro

SACRAMENTO PASCAL:
Uma Introdução Teológica à Dimensão Sacrificial da Eucaristia

Monografia apresentada ao Departamento de


Teologia da Faculdade Católica de Fortaleza,
como requisito parcial para obtenção do grau
de Bacharel em Teologia.
Prof. Orientador: Dr. Pe. João Paulo de
Mendonça Dantas.

Fortaleza
2013
2

Faculdade Católica de Fortaleza


Rômulo Bezerra de Castro

SACRAMENTO PASCAL:
Uma Introdução Teológica à Dimensão Sacrificial da Eucaristia

Defesa em: ___ / ___ / _____ Nota Obtida: _________

Banca Examinadora

_____________________________________
Prof. Orientador

_____________________________________
Prof. Examinador

Fortaleza
2013
3

AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida e da vocação, e por sua graça e misericórdia que sempre me
acompanharam.

Ao Prof. Dr Pe João Paulo Dantas, pela dedicação em orientar essa minha pesquisa.

Aos meus irmãos da Comunidade Católica Shalom, por me sustentarem nesse período dos
estudos teológicos com suas orações e presença na minha vida.

Ao Padre Denys Lima, pela dedicação na formação dos seminaristas da Comunidade Católica
Shalom.

Aos meus familiares, meus pais Gabriel e Nely, meus irmãos, Rodrigo, Rafael e Gabriel
Júnior, pelo apoio e o amor de vocês nos meus estudos e em toda a minha vida.

Aos meus irmãos seminaristas, pela presença fraterna que muito me sustentou nesses anos de
estudo.

Ao meus amigos do grupo de estudo, Alex de Brito, Vicente, Diácono José Carlos, Laura,
Livandro e Cledison, pela amizade sempre presente nesses anos.

Aos benfeitores dos seminaristas, por serem grandes instrumento da providência de Deus com
suas orações e com o custeio dos nossos estudos.

À Faculdade Católica de Fortaleza, onde pude estudar durante sete anos, à sua direção,
professores e funcionários, por todo o empenho em favorecer uma boa formação aos seus
alunos.

À Biblioteca Ronaldo Pereira, da Diaconia Shalom, pela solicitude em disponibilizar muitos


livros necessários para a realização desse trabalho.
4

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 5
CAPÍTULO 1 – O SACRIFÍCIO NO ANTIGO TESTAMENTO E O SACRIFÍCIO DE
CRISTO ...................................................................................................................................... 7
1.1 Conceito geral de Sacrifício .............................................................................................. 7
1.2 A economia sacrificial no Antigo Testamento ............................................................... 10
1.2.1 Tipos de sacrifícios na Antiga Aliança .................................................................... 11
1.3 O Sacrifício de Cristo: realização da economia sacrificial da Antiga Aliança ............... 14
1.4 A instituição da Eucaristia .............................................................................................. 18
CAPÍTULO 2 – DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA TEOLOGIA DO SACRIFÍCIO
EUCARÍSTICO ........................................................................................................................ 22
2.1 Período patrístico ............................................................................................................ 22
2.1.1 A Didaché ................................................................................................................ 22
2.1.2 Inácio de Antioquia .................................................................................................. 23
2.1.3 Justino....................................................................................................................... 25
2.1.4 Irineu de Lyon .......................................................................................................... 26
2.1.5 Eusébio de Cesaréia ................................................................................................. 27
2.1.6 Agostinho ................................................................................................................. 28
2.2 O Concílio de Latrão IV e a Teologia de Tomás de Aquino .......................................... 29
2.3 Reforma Protestante e Concílio de Trento ...................................................................... 30
2.3.1 Lutero ....................................................................................................................... 31
2.3.2 Calvino ..................................................................................................................... 32
2.3.3 Zwinglio ................................................................................................................... 33
2.3.4 Concílio de Trento .................................................................................................... 33
2.4 O debate pós-tridentino: tendências imolacionista e oblacionista .................................. 35
2.5 O movimento litúrgico e a Encíclica Mediator Dei de Pio XII ...................................... 36
CAPÍTULO 3 – A TEOLOGIA DO SACRIFÍCIO EUCARÍSTICO NO MAGISTÉRIO
RECENTE ................................................................................................................................ 38
3.1 Concílio Vaticano II........................................................................................................ 38
3.2 Teorias pós-conciliares e a Encíclica Mysterium Fidei de Paulo VI .............................. 39
3.3 João Paulo II ................................................................................................................... 41
3.3.1 Encíclica Redemptor Hominis .................................................................................. 41
3.2.2 Catecismo da Igreja Católica.................................................................................... 42
3.3.3 Encíclica Ecclesia de Eucharistia ............................................................................ 43
3.3.4 Carta Apostólica Mane Nobiscum Domine .............................................................. 45
3.4 A Exortação Apostólica Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis de Bento XVI ................ 45
3.5 Observações conclusivas ................................................................................................ 47
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 52
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 54
5

INTRODUÇÃO

A discussão acerca da dimensão sacrificial da Eucaristia sempre foi um tema central da


história da teologia, exposta claramente por muitos, problematizada por alguns e reafirmada
veementemente pelo magistério eclesial.
Constatamos que, após o Concílio Vaticano II, grande ênfase foi dada ao aspecto de
banquete, que constitui uma dimensão fundamental da Eucaristia. Todavia, a forte ênfase a
essa dimensão do mistério eucarístico foi acompanhada por uma certa perda da consciência do
caráter sacrificial da Eucaristia, que é uma dimensão primordial desse sacramento.
Essa problemática, apesar de já ter sido superada pelos esclarecimentos magisteriais,
traz suas consequências, pois a compreensão teológica dos sacramentos trouxe grande
repercussão na vivência litúrgica das comunidades. A teologia desse sacramento nos tem sido
apontada com grande clareza pela teologia ao longo de toda a história da Igreja até o
Magistério mais recente.
Nesse trabalho pretendemos expor de modo breve e introdutório os aspectos teológicos
que nos permitem identificar o caráter sacrificial da Eucaristia. A metodologia da nossa
apresentação, seguindo as orientações da Optatam Totius n. 16 para o estudo teológico,
iniciará expondo os aspectos bíblicos, o contributo dos Padres da Igreja, o desenvolvimento
histórico do dogma, o magistério eclesial, bem como as repercussões pastorais para a vivência
litúrgica.
Nosso percurso iniciará com a compreensão da noção de sacrifício na fenomenologia
das religiões. Após, abordaremos como essa dimensão foi vivenciada na economia sacrificial
do povo da Antiga Aliança, que foi plenificada com Jesus Cristo na Nova Aliança. Assim,
iremos analisar o sacrifício redentor de Cristo, enquanto realização da economia sacrificial
veterotestamentária, e como esse único sacrifício faz-se presente no sacramento da Eucaristia,
instituído por ele mesmo na Última Ceia.
Após essa análise bíblica, veremos o grande contributo dos Padres da Igreja à teologia
do sacrifício eucarístico. No que concerne ao período medieval, abordaremos a contribuição
teológico-magisterial do Concílio de Latrão à doutrina eucarística e apresentaremos
brevemente a doutrina de Santo Tomás de Aquino em matéria.
Posteriormente, destacaremos a problemática da reforma protestante acerca da
compreensão da dimensão sacrificial da Eucaristia e as afirmações do Concílio de Trento.
6

Concluiremos este capítulo com um olhar dirigido às discursões teológicas pós-tridentinas e,


dada a sua importância, com uma breve análise da Encíclica Mediator Dei de Pio XII.
Na última parte de nosso trabalho analisaremos o problema da dimensão sacrificial da
Eucaristia desde o Concílio Vaticano II até o magistério de Bento XVI, dando grande
destaque à relação entre o banquete e do sacrifício na Eucaristia. Concluiremos com algumas
observações conclusivas, iluminadas pela grande contribuição de Joseph Ratzinger acerca da
Eucaristia, enquanto sacrifício.
Realço que nos limitaremos a tentar apresentar, naquilo que for possível, somente o que
refere-se ao caráter sacrificial desse sacramento, tendo, todavia, consciência que a discursão
teológica sobre a Eucaristia estende-se ainda sobre outras dimensões desse sacramento.1

1
Sobre demais dimensões do sacramento da Eucaristia, cf. Catecismo da Igreja Católica, n.1328-1332.
7

CAPÍTULO 1 – O SACRIFÍCIO NO ANTIGO TESTAMENTO E


O SACRIFÍCIO DE CRISTO

Para que possamos falar de uma dimensão sacrificial da Eucaristia, nossa reflexão terá
como ponto de partida uma análise introdutória da categoria de sacrifício na fenomenologia
das religiões e os diversos sacrifícios da Antiga Aliança, levados ao seu cumprimento na
Nova Aliança realizada por Jesus Cristo. Enfim, veremos como no sacramento da Eucaristia
se faz presente a dimensão do seu sacrifício.

1.1 Conceito geral de Sacrifício

A categoria de sacrifício possui para a soteriologia cristã um lugar de destaque, visto


seu testemunho ser constante nas Sagradas Escrituras.2 Todavia, essa categoria é constatada
em diversas experiências religiosas.
A palavra “sacrifício”, analisada inicialmente de um ponto da nossa consciência
espontânea, pode ser entendida como um ato voluntário de renúncia ou de privação de algum
bem, de algum direito ou de algo que de se tenha apreço e estima, ou até mesmo a aceitação
de um sofrimento.3 R. de Vaux define sacrifício como “toda oferenda, animal ou vegetal, que
é destruída, no todo ou em parte, sobre o altar em homenagem à divindade” 4. Analisando
etimologicamente, vemos que a palavra “sacrifício” provém da palavra latina sacrificium, que
é uma compilação de sacrum (ação sacra) e facere (fazer). Assim, podemos entender de um
ponto de vista religioso o ato de sacrificar como uma ação de tornar sagrado, ou seja, um ato
religioso onde se consagra algo material, ou um animal, ou uma pessoa em dedicação à
divindade.5

2
Cf. SESBOÜÉ, Bernard. Jesucristo, El Único Mediador. Ensayo sobre la redención y la salvación. Tomo I.
Salamanca: Secretariado Trinitario, 2010. p. 326.
3
Cf. SESBOÜÉ. Jesucristo, El Único Mediador. p. 327.
4
VAUX, R. de. Instituições de Israel no Antigo Testamento. Trad. Daniel de Oliveira. São Paulo: Teológica,
2003. p. 453.
5
Cf. ZINGARELLI, N. Il Nuovo Zingarelli. Vocabolario Della Lingua Italiana. XI Ediz. Bologna: Copyright,
1984.
8

Para Santo Tomás de Aquino, o ato de oferecer sacrifício a Deus, visto ser constatado
que em todos os tempos e povos se oferece sacrifício, é de lei natural 6, ou seja, é originário
das inclinações mais profundas da natureza humana. Para Santo Tomás,

o homem, seguindo a razão natural, oferece coisas sensíveis a Deus, para


significar a sua submissão e reverência. Aliás, assim age em semelhança aos
que oferecem aos seus superiores alguma coisa significativa do
reconhecimento ao domínio deste. Ora, isso se refere à razão do sacrifício.7

Assim, vemos que, para Tomás, já se apresentam como elementos significativos do


sacrifício o ato de submissão e reverência, ou seja, o reconhecimento da superioridade e do
domínio da divindade. Vemos também na sua afirmação que a natureza humana, de certa
forma, faz exigência de sinais sensíveis na relação com Deus.8
Santo Tomás identifica duas espécies de sacrifícios: o sacrifício interior e o sacrifício
exterior.9 O primeiro, que é considerado para ele como o principal, pois refere-se ao bem da
alma, consiste no ato de oferecer a Deus um sacrifício interior através da oração, devoção ou
por atos interiores semelhantes.10 A este tipo de sacrifício todos estão obrigados, mas de modo
diferente, pois há os que estão submetidos à Antiga ou à Nova Lei, e os que não estão
submetidos a elas.11
A segunda espécie de sacrifício, que é o exterior, ele identifica de forma dupla. Um diz
respeito ao bem do corpo, que é a oferta por meio do martírio, da continência e da abstinência.
O outro diz respeito às coisas exteriores, quando ofertamos a Deus algo ou a outra pessoa,
mas por causa de Deus.12 Deste tipo de sacrifício, os que são de preceito todos devem
obedecer; já os que não o são nem todos estão obrigados a obedecer.13
Em geral, nas diversas religiões o sacrifício pode ser entendido como uma oblação feita
a uma divindade através de uma consagração e consumação daquilo que se oferece. Através
desse ato, buscava-se uma relação de comunhão com a divindade, seja para estabelecer essa
relação, seja para recuperar uma relação rompida.14

6
Cf. TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Vol.VI. II-II. São Paulo: Loyola, 2005. Q.85, a.1, sed contra.
(Será utilizada a abreviação “STh” para referir-se a essa obra).
7
STh. II-II, q.85, a.1, respondeo.
8
Cf. SESBOÜÉ, Bernard. Os sinais da salvação. Coleção História dos Dogmas. Tomo 3. São Paulo: Loyola,
2003. p. 148.
9
Cf. STh. II-II, q.85, a.4, c.
10
Cf. STh. II-II, q.85, a.4, ad.2.
11
Cf. STh. II-II, q.85, a.4, c.
12
Cf. STh. II-II, q.85, a.4, ad.2.
13
Cf. STh. II-II, q.85, a.4, c.
14
Cf. McKENZIE, John L. Dicionário Bíblico. São Paulo: Paulus, 1983. p. 819.
9

Segundo Ratzinger, a verdadeira intenção dos cultos nas religiões é a paz do Universo.
Essa paz acontece como consequência da paz com Deus, ou seja, uma união de cima para
baixo. O homem reconhece sua queda, tem consciência da sua culpa que pesa sobre a
humanidade e da necessidade de penitência, absolvição e reconciliação, e busca através dos
cultos restaurar no mundo e na sua vida a devida ordem.15
É difícil falar historicamente do surgimento dos cultos sacrificiais, pois sua existência
sempre foi constatada em diversas religiões no decorrer da história. É um fenômeno de caráter
universal.16
Há uma tentativa de diversos historiadores em buscar identificar aquilo que há de
essencial nos rituais sacrificais. Suas pesquisas nos levaram a identificar alguns elementos,
como:17
a) o dom do homem à divindade: esse é um elemento básico contido em todos os
sacrifícios. O homem reconhece que tudo pertence à divindade e é originário dela.
Assim, é justo retribuir a ela os dons recebidos;
b) a homenagem do súdito ao senhor: refere-se ao costume existente no mundo antigo
de se um visitante levar antecipadamente um presente a um rei por meio de um
súdito para assegurar-lhe a benevolência, ou restaurá-la;
c) a expiação das ofensas: visava reatar a comunhão perdida com a divindade pelo
pecado do homem, que havia provocado a ira divina;
d) a comunhão com a divindade no banquete sacrificial: refere-se aos elementos de
banquete em muitos rituais sacrificais como expressão de comunhão com a
divindade. Para muitos povos, a refeição comum era considerada um sinal
comunhão, de amizade. Assim, o banquete sacrifical era uma expressão de
comunhão com a divindade;
e) a vida subtraída da vítima, oferecida à divindade e conferida aos adoradores: em
alguns rituais sacrificais, a vítima, após de morta, era dividida em partes, sendo uma
delas queimada, dando o sentido de ser consumida pela divindade, as outras eram
consumidas pelos adoradores. Em outros ritos, a oferta era consumida inteiramente
pela divindade.

15
Cf. RATZINGER, Joseph. Introdução ao Espírito da Liturgia. Prior Velho: Paulinas, 2010. p. 27.
16
Cf. McKENZIE. Dicionário Bíblico. p. 819.
17
Cf. McKENZIE. Dicionário Bíblico. p. 819-820.
10

1.2 A economia sacrificial no Antigo Testamento

As ofertas de sacrifícios estão presentes em quase todos os livros do Antigo


Testamento.18 Essa presença nos revela inicialmente que o tema do sacrifício possui um lugar
de destaque na religião de Israel, sendo considerado como a principal forma litúrgica de culto
a Deus na Antiga Aliança.19 Une-se a ele em importância também o tema do sacerdócio.20
Deus constituiu o sacerdócio para que esse pudesse oferecer para ele sacrifícios no culto.
Assim, vemos que entre esses dois termos há uma profunda relação de complementaridade:

Com efeito, na história veterotestamentária da salvação, os sacerdotes


estavam entre o povo de Deus para serem consagrados ao serviço do Senhor,
celebrando o seu culto com oferta de sacrifícios, especialmente cruentos,
mediante a imolação dos animais, para obter o perdão dos pecados. A
história de Israel, sobretudo do tempo de Moisés, é marcada profundamente
por essa instituição sacra com a escolha de Aarão e dos seus filhos,
descendentes do patriarca Levi, para serem consagrados ao culto do Senhor
com a celebração de numerosos sacrifícios cruentos em favor do povo de
Deus.21

Apesar de que os sacerdotes fossem encarregados de oferecer sacrifícios, nas origens


esse direito não era exclusivo deles.22 Vemos os casos de Abraão (Cf. Gn 22,13), Jacó (Cf. Gn
28,18; 31,54; 35,14), Davi (Cf. 2 Sm 6,13.17s; 24,25), Salomão (Cf. 1 Rs 3,4.15; 8,5.62.64;
9,25), que, apesar de não serem sacerdotes, ofereciam sacrifícios a Deus. Com o passar do
tempo, foi-se percebendo que, para a oferta ser aceita por Deus, era necessário que aquele que
a oferte seja impregnado por uma santidade de vida. Com o emergir desse senso do sagrado, o
ato de oferecer os sacrifícios foi se tornando reservado aos sacerdotes.23
A evolução dos sacrifícios também se deu no fato de que crescia a importância que se
dava aos sacrifícios de expiação. Esses tipos de sacrifícios encontram expressão forte na
religião de Israel após o Exílio, visto talvez nem existirem antes desse acontecimento.24 Esse

18
Eles só não são vistos nos livros de Abdias, Naum, Rute, Cântico dos Cânticos Lamentações e Ester.
19
Cf. DANTAS, João Paulo de M. Filhos no Filho. Uma Introdução aos Sacramentos da Iniciação Cristã.
Aquiraz: Shalom, 2012. p. 158.
20
Cf. DEIANA, Giovanni. “Sacrificio e sacerdozio nell’Antico Testamento e negli scritti giudaici.” In:
Dizionario di Spiritualità Biblico-Patristica. I grandi temi della S. Scrittura per la “Lectio Divina”. Sacerdozio-
Sacrificio nella Bibbia. Roma: Borla, 2012. p.25.
21
PANIMOLLE, Salvatore A. “Gesù, Sommo Sacerdote, há offerto la vita in sacrificio per noi.” In: Dizionario
di Spiritualità Biblico-Patristica. I grandi temi della S. Scrittura per la “Lectio Divina”. Sacerdozio-Sacrificio
nella Bibbia. Roma: Borla, 2012. p.7. Tradução minha.
22
Cf. VANHOYE, Albert. Sacerdotes Antigos e Sacerdote Novo. Segundo o Novo Testamento. São Paulo:
Academia Cristã, 2007. p. 58.
23
Cf. VANHOYE. Sacerdotes Antigos e Sacerdote Novo. p. 59.
24
Cf. VANHOYE. Sacerdotes Antigos e Sacerdote Novo. p. 59.
11

crescimento progressivo da importância que se dava aos sacrifícios de expiação acontecia na


medida em que “as grandes calamidades nacionais deram ao povo um senso mais vivo de sua
culpa e se desenvolveu um sentimento mais afinado do pecado e das exigências de Iahvé”25.

1.2.1 Tipos de sacrifícios na Antiga Aliança

Não há no Antigo Testamento uma definição objetiva do que seja sacrifício, nem sequer
uma palavra exata com o qual possa ser exprimida essa noção. O que podemos encontrar é
uma vastidão de termos técnicos com os quais podemos exprimir a categoria dos sacrifícios.26
Encontramos alguns termos que ajudam a especificar as oferendas que eram feitas. Por
exemplo, o termo ‘ishshah era utilizado para uma oferenda feita por meio do fogo; o termo
minhah para especificar um tributo pago a um soberano.27 O termo minhah ficou sendo o mais
conhecido para significar tanto os sacrifícios cruentos, como os incruentos.28 Quando as
ofertas eram totalmente queimadas, se utilizava o termo ‘olah, isto é, que sobe. Quando eram
parcialmente queimadas se utilizava o termo zebah, que significa vítima sagrada. Esse
sacrifício tem referência a um acordo selado, um pacto, e faz referência também ao cordeiro
da Páscoa.29
Os sacrifícios podem também ser agrupados segundo tempos regulares e ocasionais:
“sacrifício quotidiano, sacrifícios durante os sábados, as neomênias e as festas anuais; ou
segundo tempos ocasionais: cerimônias de investidura, dedicação (templo, altar), ocorrências
privadas, como nascimentos, doenças, votos, impureza”30.
O livro do Levítico apresenta algumas categorias dos sacrifícios da Antiga Aliança:
“Este é o ritual referente ao holocausto, à oblação, ao sacrifício pelo pecado, aos sacrifícios de
reparação, de investidura e de comunhão”31.
A palavra “holocausto” provém originariamente do hebraico ‘olah, cuja raiz significa
“subir”, ou seja, “é o sacrifício que se faz subir sobre o altar ou, mais provavelmente, do qual
sobe a fumaça para Deus quando é queimada”32. No rito do holocausto toda a vítima é

25
VAUX. Instituições de Israel no Antigo Testamento. p. 491.
26
Cf. CARDELLINI, Innocenzo. I Sacrifici Dell’Antica Alleanza. Tipologie, Rituali, Celebrazioni. Milano: San
Paolo, 2001. p. 37.
27
Cf. McKENZIE. Dicionário Bíblico. p. 821.
28
Cf. IMSCHOOT, J. Vam. Verbete “Sacrifício”. In: BORN, A. Van Den (Red.). Dicionário Enciclopédico da
Bíblia. Petrópolis: Vozes, 1971. p. 1356.
29
Cf. McKENZIE. Dicionário Bíblico. p. 821.
30
CARDELLINI. I Sacrifici Dell’Antica Alleanza. p. 249. Tradução minha.
31
Lv 7,37.
32
VAUX. Instituições de Israel no Antigo Testamento. p. 453.
12

queimada, não sobrando nenhuma parte, nem para o sacerdote, nem para a pessoa que está
fazendo a oferta.33 A pessoa que faz a oferta impõe sua mão sobre a cabeça da vítima
enquanto ela era morta, sendo o seu sangue derramado na base do altar. 34 A vítima pode ser
um gado, contanto que seja macho e sem defeito, ou pode ser também aves, sendo rolas ou
pombinhos.35 Este holocausto das aves é conhecido como o holocausto dos pobres e tem o
mesmo valor do sacrifício de um gado.36 Esse sacrifício não tem caráter expiatório, mas
parece exprimir uma adoração suprema feita a Deus.37
A oblação (minhah) é designada como uma oferta, um tributo ou um dom oferecido a
Deus. Pode ser tanto uma oferta vegetal como uma oferta animal, mas que provenha dos
frutos do trabalho do homem.38
Em relação aos sacrifícios de comunhão (zebah), existem três tipos: o sacrifício de
louvor (todah), o sacrifício espontâneo (nedabah), que são os oferecidos fora de alguma
prescrição ou promessa, e o sacrifício votivo (neder), que é quando o ofertante está obrigado a
fazê-lo por um voto.39
Os sacrifício de comunhão, também conhecido como “sacrifício pacífico” ou “sacrifício
de salvação”40, se fundamenta em uma característica fundamental do seu rito, ou seja, no fato
de que ele é dividido com outras pessoas, com as quais se esteja em paz.41 Na prática, a oferta
é dividida em três partes: uma para Deus, outra para o sacerdote e a terceira para o ofertante.
A parte de Deus é queimada e a parte do sacerdote e do ofertante são consumidas por eles
como coisa santa. Esses sacrifícios podem ser divididos em três tipos: sacrifício de louvor,
sacrifício espontâneo ou sacrifício votivo. 42

33
Cf. DANTAS. Filhos no Filho. p. 158.
34
Em geral, o rito do holocausto consistia em seis momentos: “apresentação da vítima; a imposição da mão por
parte o ofertante; a incisão ritual da vítima (degolamento); a aspersão do sangue da vítima; a combustão da
vítima.” PANIMOLLE. Gesù, Sommo Sacerdote, há offerto la vita in sacrificio per noi. p.7. Tradução minha.
Quando a oferta de holocausto for uma ave, é possível que haja uma pequena alteraçã o do rito, pois nesse caso
não consta a imposição de mãos por parte do ofertante, como é previsto para o bezerro, em Lv 1,4. Cf.
PANIMOLLE. Gesù, Sommo Sacerdote, há offerto la vita in sacrificio per noi. p. 57, e DANTAS. Filhos no
Filho. p. 158.
35
Cf. Lv 1,1-17.
36
Sobre o Holocausto dos pobres, Cf. PANIMOLLE. Gesù, Sommo Sacerdote, há offerto la vita in sacrificio per
noi. p.56-57.
37
Cf. McKENZIE. Dicionário Bíblico. p. 821.
38
Cf. CARDELLINI. I Sacrifici Dell’Antica Alleanza. p. 52.
39
VAUX. Instituições de Israel no Antigo Testamento. p. 455.
40
Cf. VAUX. Instituições de Israel no Antigo Testamento. p. 455.
41
Cf. DEIANA. Sacrificio e sacerdozio nell’Antico Testamento e negli scritti giudaici. p.64.
42
Cf. DANTAS. Filhos no Filho. p. 159.
13

Os sacrifícios expiatórios, que têm por fim restabelecer com Deus a aliança rompida
pelas faltas do homem,43 são de dois tipos: sacrifício pelo pecado (hatta’t) e sacrifício de
reparação (‘asam).
A palavra hatta’t significa ao mesmo tempo o pecado e o rito que o apaga. No sacrifício
pelo pecado, há uma variação da vítima segundo a qualidade do delinquente:44

Delinquente Vítima
Sumo sacerdote (o seu pecado mancha a totalidade do
Touro
povo) ou Povo
Príncipe (chefe leigo da comunidade) Bode
Indivíduo Cabra ou Ovelha
Duas rolinhas ou dois pombos (um serve para o
sacrifício hatta’t e o outro é oferecido como
Pobre
holocausto (eles podem também fazer uma oferta de
farinha)

O que diferencia esse sacrifício dos outros é a função do sangue e o uso da carne, tendo
a função do sangue uma maior importância, pois o sangue tem um valor ligado à expiação e a
sua função é reconhecida como suporte da vida. Em relação à gordura, ela é toda queimada
sobre o altar, mas o destino da carne vai para o sacerdote, não ficando nada com o ofertante,
que é reconhecido como culpado.45
Apesar dos sacrifícios expiatórios serem previstos para consagração dos sacerdotes, dos
levitas e do altar, existia um dia no ano, que era o décimo do sétimo mês (cf. Lv 16,29), em
que o sacrifício pelo pecado constitui um elemento dominante. Esse dia refere-se ao Yom
Kippur, que era considerado o dia da expiação por excelência.46
Já a palavra ‘asam significa “ofensa”, ou o meio de reparação da ofensa e, por fim, o
sacrifício de reparação. Esse sacrifício é previsto somente para indivíduos. A vítima desse
sacrifício é somente o cordeiro e, além disso, há uma reparação ou multa, uma restituição ao
sacerdote ou à pessoa lesada do valor do sacrifício.47

43
Cf. VAUX. Instituições de Israel no Antigo Testamento. p. 456. Segundo Giovanni Deiana, “o sacrifício
expiatório procura responder à necessidade de purificação do homem e constitui uma tentativa de neutralizar o
terrível poder corrosivo do pecado”. Cf. DEIANA. Sacrificio e sacerdozio nell’Antico Testamento e negli scritti
giudaici. p.72. Tradução minha.
44
Tabela presente em DANTAS. Filhos no Filho. p. 160.
45
Cf. VAUX. Instituições de Israel no Antigo Testamento. p. 457.
46
Cf. DEIANA. Sacrificio e sacerdozio nell’Antico Testamento e negli scritti giudaici. p.74.
47
Cf. VAUX. Instituições de Israel no Antigo Testamento. p. 458.
14

Por fim, há outras ofertas, como as ofertas vegetais (minhah), os pães da oblação (lehem
happanim) e as ofertas de incenso (qetoret).
Segundo a etimologia mais antiga, minhah significa “dom” e é uma oferta que
“normalmente acompanha um sacrifício de sangue (holocausto ou sacrifício de comunhão) e
uma libação de vinho”48. Podem ser cozidas ou não, com ou sem óleo, acompanhadas ou não
por incenso.49
Os pães da oblação podem ser ligados às oferendas vegetais. Lv 24,5-9 fala de doze
bolos de farinha que ficavam diante do Santo dos Santos e renovados a cada sábado, sendo
comido pelos sacerdotes. Eles eram um penhor da aliança das doze tribos com YHWH.50
A palavra qetoret significa “o que vira fumaça” e é aplicada às oferendas aromáticas,
sendo o incenso (lebonah) somente um elemento. Para a realização da oferta, com uma pá
pegavam-se brasas sobre o altar do holocausto, espalhando sobre ela o pó aromático e levando
tudo para o altar do perfume que ficava diante do Santo dos Santos. Essa oferta, feita pelo
sacerdote, devia acontecer de manhã e à tarde e fazia parte do rito do Dia da Expiação, onde o
incensário era excepcionalmente introduzido no Santo dos Santos.51

1.3 O Sacrifício de Cristo: realização da economia sacrificial da Antiga


Aliança

Ao fazermos uma leitura teológica da história dos cultos sacrificiais de Israel, podemos
detectar que ela conduz de modo consequente e intrínseco a Jesus Cristo e ao Novo
Testamento, de modo que percebemos uma relação de uma profunda consequência do Novo
Testamento em relação à Antiga Aliança.52
A doutrina da Igreja sempre recusou qualquer forma de contraposição entre o Antigo e o
Novo Testamento. São Gregório Magno, em uma de suas homilias onde explicava a relação
íntima entre os dois Testamentos, recordou que aquilo que “o Antigo Testamento prometeu, o
Novo Testamento fê-lo ver; o que aquele anuncia de maneira oculta, este proclama
abertamente como presente. Por isso, o Antigo Testamento é profecia do Novo Testamento; e
o melhor comentário do Antigo Testamento é o Novo Testamento”53.

48
DANTAS. Filhos no Filho. p. 162.
49
Cf. DANTAS. Filhos no Filho. p. 162.
50
Cf. VAUX. Instituições de Israel no Antigo Testamento. p. 458.
51
Cf. VAUX. Instituições de Israel no Antigo Testamento. p. 460-461.
52
Cf. RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 28.
53
GREGÓRIO MAGNO. “Homiliae in Ezechielem”. I, VI, 15: PL 76, 836B. In: Exort. Ap. Pós-Sin. Verbum
Domini. São Paulo: Paulinas, 2010. p. 82.
15

A Constituição Dogmática Dei Verbum, do Concílio Vaticano II, ensina que:

Deus (...) dispôs sabiamente que o Novo Testamento estivesse escondido no


Antigo, e o Antigo se tornasse claro no Novo. Pois, apesar de Cristo ter
alicerçado a Nova Aliança no seu sangue (cf. Lc 22,20; 1 Cor 11,25), os
livros do Antigo Testamento, integralmente aceitos na pregação evangélica,
adquirem e manifestam a sua significação completa no Novo Testamento (cf.
Mt 5,17; Lc 24,17; Rm 16,26-26; 2Cor 3,14-16), que por sua vez o iluminam
e explicam.54

O papa Bento XVI, na Verbum Domini, ressalta essa conformidade entre o Antigo e o
Novo Testamento, de forma que o Antigo encontra no mistério da vida de Cristo o seu
perfeito comprimento.55 O mesmo documento apresenta três aspectos do conceito de
cumprimento nas Escrituras que nos ajudam a perceber o modo de como compreendermos a
relação entre o culto sacrificial veterotestamentário com o mistério do sacrifício de Cristo:

um aspecto de continuidade com a revelação do Antigo Testamento, um


aspecto de ruptura e um aspecto de cumprimento e superação. O mistério de
Cristo está em continuidade de intenção com o culto sacrificial do Antigo
testamento; mas realizou-se de um modo muito diferente (...), e alcançou
assim uma perfeição nunca antes obtida. (...) O mistério pascal de Cristo está
plenamente de acordo – embora de uma forma que era imprevisível – com as
profecias e o aspecto prefigurativo das Escrituras; mas apresenta evidentes
aspectos de descontinuidade relativamente às instituições do Antigo
Testamento.56

Ratzinger ensina que os sacrifícios da Antiga Aliança foram superados em Cristo: “Os
sacrifícios do templo – o centro cultual da Torá – estavam superados, Cristo tomara o seu
lugar. O templo permanecia um lugar venerável de oração e de anúncio; porém, os seus
sacrifícios já não eram válidos para os cristãos”57.
Muitos aspectos nos fazem perceber essa realidade, como o caráter temporário dos
sacrifícios anuais (do Yom Kippur). Sua ineficácia é demonstrada pela própria repetição das
cerimônias, indicando que a purificação não era realizada de modo definitivo, necessitando
que o rito seja repetido. A recordação anual dos pecados com necessidade de nova repetição
do rito expiatório indica tanto que essa expiação anual não expia de fato, como também que a
consciência não foi realmente purificada.58

54
CONCÍLIO VATICANO II. “Constituição Dogmática Dei Verbum”. In: Documentos do Concílio Ecumênico
Vaticano II. São Paulo: Paulus, 2001. n. 16, p. 360.
55
Cf. BENTO XVI. Verbum Domini. p. 40.
56
BENTO XVI. Verbum Domini. p. 40.
57
BENTO XVI, papa. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. São Paulo: Planeta, 2011.
p. 208.
58
ANDRADE, Aíla. “Sombra & Realidade”. Revista Bíblica Brasileira. Fortaleza: Nova Jerusalém, 2003. p. 78.
16

Os cultos realizados no templo eram acompanhados pelo conhecimento da sua


insuficiência.59 Segundo Vanhoye, os sacrifícios são um meio para agradar a Deus e obter
seus benefícios, gerando uma transformação naquele que os oferece. Todavia, os sacrifícios
rituais eram ineficazes, pois não transformavam as consciências, mas apenas uma
transformação ritual exterior, no sentido da destruição da vítima. Dessa forma, ao reconhecer
que a imolação de um animal não é capaz de aperfeiçoar a consciência do homem, somos
obrigados a reconhecer a impotência do culto antigo e a sua ineficácia radical.60
A Carta aos Hebreus fala da impossibilidade do sangue de touros e cabritos removerem
os pecados (Cf. Hb 10,4). Essa ação litúrgica, enquanto um rito de carne puramente exterior,
era ineficaz, incapaz de transformar o homem interiormente e de renovar e estabelecer uma
autêntica relação com Deus. Uma grande diferença desse sacrifício com o de Cristo é que o
sacrifício de animal não tem nenhuma relação com o ofertante, enquanto que a oferta de
Cristo não é separável da sua existência humana e foi capaz de estabelecer entre Deus e o
homem uma plena comunicação, levando a vocação humana ao pleno cumprimento.61
Dessa forma, entendemos que o sangue de animais não podiam expiar os pecados.
Assim, na Nova Aliança, Jesus dá o seu sangue, ou seja, a oferta total de si, para a remissão
plena do homem:

O sangue de animais não pudera “expiar” o pecado, nem unir Deus e o


homem. Podia ser apenas um sinal da esperança e da expectativa de uma
obediência maior e verdadeiramente salvífica. Na frase de Jesus sobre o
cálice, tudo isto está compendiado e feito realidade: Ele dá a “Nova Aliança
no seu sangue”. O “seu sangue”, isto é, o dom total de Si mesmo, no qual
Ele sofre até o fundo todo o mal da humanidade, transforma toda a traição
absorvendo-a na sua fidelidade incondicionada. Este é o novo culto, que Ele
instituiu na Última Ceia: atrair a humanidade, na sua obediência vicária.62

Na sua obediência plena, que o levou à cruz,63 Cristo, supera os sacrifícios da Antiga
Aliança e reconcilia a humanidade com o Pai. “A obediência vale mais que sacrifícios e a
submissão vale mais do que gorduras de carneiros” (I Sm 15,22).

No momento da morte de Jesus, a função do templo velho é extinta. Ele é


“dissolvido”. (...) a entrega do Filho que se encarnou e se tornou “cordeiro”,
“o primogênito”, que agora recolhe e absorve toda a veneração a Deus. (...)
No fim foi o “zelo” de Jesus que o levou a cruz. Foi precisamente assim que

59
RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 30.
60
Cf. VANHOYE. Sacerdotes Antigos e Sacerdote Novo. p. 296-297.
61
Cf. ANDRADE. Sombra & Realidade. p. 80-81.
62
BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. p. 126.
63
Cf. RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 33.
17

se libertou o caminho para a verdadeira casa de Deus (...): o corpo


ressuscitado de Cristo.64

Vemos, assim, que os aspectos de novidade do sacrifício de Cristo de certa maneira se


entrelaçam com os aspectos de continuidade entre a Antiga e a Nova Aliança. Dessa forma,
entendemos que Cristo veio superar os sacrifícios veterotestamentários, mas realizando
também o seu cumprimento, pois seu mistério pascal está em pleno acordo com as profecias e
o aspecto prefigurativo das Escrituras.65
A figura do cordeiro sempre foi entendida pela teologia do culto cristã como
relacionada com Cristo, desde o testemunho de João Batista, ao reconhecê-lo como o
“cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29), até o Apocalipse, “descreve o
cordeiro sacrificado, que vive sacrificado, como o centro da Liturgia celeste, agora presente
no centro do mundo através do sacrifício de Cristo, tornando desnecessárias as Liturgias de
substituição (Ap 5)”66.
Ratzinger faz uma relação entre o sacrifício de Abraão e o sacrifício de Cristo.67 Por sua
obediência, Abraão quer oferecer a Deus em sacrifício o seu filho Isaac, que é o filho da
promessa. Deus o impede de fazer esse sacrifício e ele recebe o carneiro, um cordeiro macho,
para oferecer a Deus em substituição do seu filho. Abraão oferece a Deus o cordeiro dado
pelo próprio Deus, como que restituindo a Deus o cordeiro dado. Segundo Ratzinger, “essa
história deve ter deixado um estímulo, uma expectativa de um verdadeiro ‘cordeiro’ provindo
de Deus e, precisamente por isso, não um substituto, mas sim uma verdadeira representação
em que somos levados a Deus”68.
Ratzinger explica uma coincidência teológica de grande importância apresentada no
Evangelho de São João, onde Jesus morre na mesma hora em que eram imolados os cordeiros
pascais no templo. Assim como acontecia nos rituais pascais, onde nenhum osso do cordeiro
era quebrado (cf. Ex 12,46), assim também não foi quebrado nenhum osso de Jesus na cruz,
mas, na mesma hora em que os cordeiros pascais eram degolados, seu lado foi traspassado.
Jesus “morre como o verdadeiro Cordeiro, que estava apenas prenunciado nos cordeiros”. 69

Ele é o verdadeiro Cordeiro pascal, puro e sem defeito, que carrega o pecado do mundo e
“tira-o fora”70.

64
RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 33.
65
Cf. BENTO XVI. Verbum Domini. p. 40.
66
RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 29.
67
Cf. RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 29.
68
RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 29.
69
BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. p. 105.
70
Cf. BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. p. 203-204.
18

1.4 A instituição da Eucaristia

É um dado aceito universalmente que o sacramento da Eucaristia tenha seu início nos
gestos de Jesus na Última Ceia com os seus discípulos.71 A narrativa da Última Ceia é
apresentada nos Evangelhos sinóticos (Cf. Mt 26,26-29; Mc 14,22-25; Lc 22,15-20) e na Primeira
Carta aos Coríntios (Cf. I Cor 11,23-25). Em todas elas, apesar das variações, identificam-se as
mesmas ações de Jesus em tomar o pão, pronunciar a oração de bênção e agradecimento e,
depois, parti-lo.
O termo “Eucaristia” vem do grego eucharistia, que significa “ação de graças”. Paulo e
Lucas utilizam o termo eucharistia e Marcos e Mateus utilizam o termo eulogia, Todavia,
ambos os termos correspondem ao termo judaico berakah. A Berakah, na tradição judaica, era
entendida como uma grande oração de agradecimento e de bênção, fazendo parte tanto do
ritual pascal como de outras refeições.72 Ela era composta de um breve louvor, de uma
narração (memorial ou anamnesis) e de uma doxologia, tornando atual, para aqueles que a
celebram, o evento recordado.73
A relação entre a Eucaristia com o termo hebraico berakah não é somente de caráter
etimológico, mas é de caráter profundamente teológico. Ratzinger nos ensina que as palavras
da instituição situam-se nesse contexto de oração de ação de graças:

Desde seus primeiros inícios, a Igreja compreendeu as palavras da


consagração não simplesmente como uma espécie de ordem quase mágica,
mas como parte da oração feita juntamente com Jesus; como parte central do
louvor repleto de gratidão pelo qual o dom terreno nos é devolvido por Deus
como corpo e sangue de Jesus, como auto-doação de Deus no amor
acolhedor do Filho.74

Marcos e Mateus apresentam a frase pronunciada sobre o pão como: “Isto é o meu
corpo”. Já Lucas e Paulo acrescentam: “que é dado por vós”. Mateus acrescenta “para a
remissão dos pecados, mostrando de um modo mais explícito o caráter expiatório do
sacramento.75 Jesus, ao falar do seu corpo, refere-se à totalidade da sua pessoa que será
entregue na cruz e que, como que antecipadamente, por um ato livre de doação, a oferece por

71
Cf. VISENTIN, P. Verbete “Eucaristia”. In: SARTORE, Domenico e TRIACCA, Achille M. (Org.)
Dicionário de Liturgia. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 1992. p. 395.
72
Cf. BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. p. 121.
73
Cf. DANTAS. Filhos no Filho. p. 165.
74
Cf. BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. p. 122.
75
Cf. McKENZIE. Dicionário Bíblico. p. 315.
19

si mesmo naquela ceia, realizando como que um ato profético do que poucas horas depois se
consumaria seu sacrifício cruento no Calvário.76
Em relação à frase relativa ao cálice, Ratzinger apresenta três textos
veterotestamentários que mostram que nas palavras proferidas sobre o cálice se fazem
presentes e resumidas toda a história da salvação anterior: a Aliança no Sinai (Ex 24,8), a
promessa da Nova Aliança (Jer 31,31) e promessa do Servo de YHWH (Is 53,12).
Na Aliança do Sinai, Moisés aspergia o altar e o povo com o sangue de animais
sacrificados, o “Sangue da Aliança”. Após a aspersão, Moisés dizia solenemente: “Este é o
sangue da Aliança que o Senhor fez conosco, através de todas essas cláusulas” (Ex 24,8).
Antes, o povo havia respondido à leitura do livro da Aliança: “Tudo o que o Senhor falou, nós
o faremos e obedeceremos” (Ex 24,7).
Com a desobediência do povo à Aliança, Deus abandona o povo ao exílio e o templo à
destruição. Surge, então, a esperança da “Nova Aliança” que será escrita nos corações (Cf. Jer
31,33), baseada não na frágil vontade humana, mas em uma obediência estável e inviolável.
Tal obediência é a do Filho que se fez servo, o Servo de Deus que carrega o pecado de muitos
(Cf. Is 53,12), que, por sua obediência até a morte, vence a desobediência do homem. Por sua
fidelidade de homem diante de Deus, funda de modo irrevogavelmente estável a Nova
Aliança.77
O ato de partir o pão era entendido como uma função do pai de família, que de certo
modo representa a Deus Pai que dá a todos o necessário para a vida, sendo também um gesto
de hospitalidade para com o estrangeiro, acolhendo-o na comunhão do banquete. Assim,
entendemos que a partilha gera comunhão. Na Última Ceia, esse gesto de Jesus de partir o pão
apresenta uma nova profundidade, que é o fato de que ele se dá a si mesmo. A bondade de
Deus se torna radical quando seu Filho, no pão, é comunicado e distribuído a nós e por nós.
Na Eucaristia somos beneficiados pela hospitalidade de Deus que se entrega a nós em Jesus
Cristo crucificado e ressuscitado.78
Os evangelhos apresentam um contraste acerca da data da Última Ceia. Por um lado, os
sinóticos mostram uma precisão que ela tenha acontecido durante uma ceia pascal, por outro

76
Cf. Dicionário de Liturgia. p. 396, e BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a
Ressurreição. p. 124.
77
Cf. BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. p. 126.
78
Cf. BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. p. 122-123.
20

lado o quarto evangelho não a apresenta na ceia pascal. Surge daí o grande dilema de saber se
a Última Ceia foi ou não uma ceia pascal.79
Sobre essa questão, Jungmann, grande pesquisador da história da celebração eucarística,
defende uma posição de que o âmbito da Ceia Pascal não possui grande importância, visto a
omissão de muitos detalhes particulares da Ceia Pascal no relato da Santa Ceia.
Para ele, esses textos narrativos apresentam poucas informações dessa refeição,
omitindo quase todos os detalhes da Ceia Pascal, podendo nos dar a entender que o rito dessa
refeição não estava destinado a ser o quadro da celebração. 80 Jungmann faz uma afirmação
sobre o acredita ser o essencial do acontecimento da Última Ceia:

A forma fundamental é a oração de agradecimento sobre o pão e o vinho. Foi


da oração de agradecimento, depois do banquete daquela última noite, que a
liturgia da Missa teve seu início, não do próprio banquete. Este último era
considerado tão pouco essencial e tão facilmente separável que ficou omitido
na Igreja primitiva. Ao contrário, a liturgia e todas as liturgias
desenvolveram a oração de agradecimento pronunciada sobre o pão e sobre o
vinho (...). Aquilo que a Igreja celebra na Missa não é a Última Ceia, mas o
que o Senhor, durante a Última Ceia, instituiu e confiou à Igreja: o memorial
da sua morte sacrificial.81

Já Césare Giraudo defende indícios de que a Última Ceia de Jesus com os discípulos
aconteceu como uma verdadeira ceia pascal judaica.82 Segundo Giraudo, os relatos dos
sinóticos fazem vir à tona os “elementos que podem autorizar-nos a falar da última ceia do
Senhor, não só como de um banquete ritual, ordinário ou festivo, senão como de uma
verdadeira celebração pascal judaica”83.
Ratzinger, por sua vez, defende uma visão de que a cronologia apresentada no
evangelho segundo São João é mais provável que a dos sinóticos, ou seja, que a Última Ceia
não seria uma ceia pascal judaica. Todavia, afirma uma profunda ligação da Última Ceia de
Jesus com a tradição da Páscoa, a tal ponto de ser muito problemática a negação do caráter
pascal da Última Ceia.84

79
Cf. JUNGMANN, Josef Andreas. Missarum Sollemnia. Origens, Liturgia, História e Teologia da Missa
Romana. 2ª Edição. São Paulo: Paulus, 2010. p. 25-39.
80
Cf. JUNGMANN. Missarum Sollemnia. p. 25.
81
JUNGMANN, Josef Andreas. “Messe im Gottesvolk”. p. 24. In: BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Da entrada
em Jerusalém até a Ressurreição. p. 133. Para Jungmann, a própria história constata essas realidade pelo fato
antes da Reforma do século XVI nunca se usou para a Eucaristia um nome que signifique banquete.
82
Cf. GIRAUDO, Cesare. Num Só Corpo. Tratado mistagógico sobre a eucaristia. São Paulo: Loyola, 2003. p.
127-143.
83
GIRAUDO. Num Só Corpo. p. 131.
84
Cf. BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. p. 104-111.
21

Para Ratzinger, a Última Ceia era “uma Ceia que não pertencia a nenhum rito judaico
determinado, mas era a sua despedida, na qual Ele dava algo novo, isto é, dava-Se a Si mesmo
como o verdadeiro Cordeiro, instituindo assim a sua Pascoa”85. Dessa forma, entendemos
inicialmente que aquilo que é essencial nesta ceia de despedida foi a novidade que Jesus
realizou, e não a Páscoa antiga. Entregando a Si mesmo e, assim, celebrando verdadeiramente
a Pascoa, Jesus não nega os ritos antigos, mas o leva ao seu sentido pleno.86
Assim, vemos que, apesar dos evangelhos não indicarem à noção dos sacrifícios rituais
à pessoa de Jesus, podemos falar da sua vida e morte com a categoria de sacrifício. Na
Eucaristia, ao dar o pão e o vinho, Jesus já nos indica o sentido da sua morte, que é dar a vida
pelos que ama.87

85
BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. p. 110.
86
Cf. BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. p. 110.
87
Cf. SESBOÜÉ. Jesucristo, El Único Mediador. p. 336.
22

CAPÍTULO 2 – DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA


TEOLOGIA DO SACRIFÍCIO EUCARÍSTICO

Nesse capítulo será abordada uma visão geral e introdutória de como se deu o
desenvolvimento da teologia do sacrifício eucarístico, desde o período patrístico até a
encíclica Mediator Dei de Pio XII.88

2.1 Período patrístico

É de grande importância abordarmos o nosso tema recorrendo inicialmente aos


testemunhos patrísticos, visto tratarem de escritores cristãos que viveram, alguns no período
apostólico, outros nos períodos posteriores a esses, podendo nos dar um precioso testemunho
da atualização da mensagem evangélica na vida dos primeiros cristãos.

2.1.1 A Didaché

O testemunho da Didaché sobre a Eucaristia aparece nos capítulos IX, X e XIV. Ela
prescreve três ações de graças: a primeira sobre o cálice (IX, 2), a segunda pelo pão partido
(IX, 3-4) e a terceira pelo seu santo nome (X, 2).
A precedência da ação de graças sobre o cálice apresenta uma forte motivação
cristológica.89 Na espiritualidade judaica, o cálice do vinho possui todo um significado que
“refere-se à divina bênção da abundância, da alegria, da terra prometida, da felicidade
messiânica e até mesmo do juízo escatológico de Deus”90. Assim, o cálice que primeiro se
bendiz no testemunho da Didaché, refere-se ao cumprimento em Cristo, pela sua paixão e
morte, de todas aquelas esperanças judaicas.91 Pelo seu sofrimento, cumpre toda a salvação

88
Vale ressaltar que nos limitaremos a abordar neste trabalho aquilo que, na teologia desenvolvida pelos autores
aqui tratados, percebermos fazer menção ao sacrifício eucarístico, sabendo que a teologia desenvolvida por eles
pode se expandir para demais aspectos desse sacramento.
89
Cf. LOMBINO, Vincenzo. “Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli”. In: Dizionario di Spiritualità
Biblico-Patrística. Sacerdozio-Sacrificio nei Padri dei primi secoli. Roma: Borla, 2013. p. 65-66.
90
LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 66.
91
Cf. LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 66.
23

iniciada nos pais: “Pela santa vinha de Davi, teu servo, que tu nos revelastes por Jesus, teu
servo; a ti, a glória pelos séculos!”92.
A bênção sobre o pão apresenta um aspecto interessante, que é o fato da ação de graças
ser feita pela vida e pelo conhecimento: “Sobre o pão a ser quebrado [partido]: Nós te
bendizemos (agradecemos), nosso Pai, pela vida e pelo conhecimento que nos revelastes por
Jesus, teu servo; a ti, a glória pelos séculos!”93. Essa vida e conhecimento são relacionadas a
Cristo. A Didaché coloca-se na mesma corrente teológica joanina que reconhece Cristo como
o Verbo da Vida, que dá a vida. O pão partido é relacionado com a vida eterna, pois Jesus deu
seu corpo para que aquele que o comer tenha a vida e vida eterna.94
O capítulo XIV vemos o convite a reunir-se no dia do Senhor “para a fração do pão e
agradecei (celebrai a eucaristia), depois de haverdes confessado vossos pecados, para que
vosso sacrifício seja puro”95. Essa terminologia faz referência ao culto judaico que insiste na
“pureza” e recorda os fiéis a viverem a ação de graças com a consciência pura.96 Logo a
seguia a Didaché faz referência ao texto de Malaquias que convida a oferecer um sacrifício
puro: “Esse é o sacrifício do qual o Senhor disse: ‘em todo lugar e em todo tempo, seja
oferecido um sacrifício puro porque sou um grande rei – diz o Senhor – e o meu nome é
admirável entre as nações”97.
Vemos, assim, que na Didaché o termo sacrifício, mais do que uma indicação da
natureza sacrificial da Eucaristia, recorda a piedade judaico-cristã que indica a conversão do
coração. “Em resumo, antes de render graças, os fiéis devem abandonar a centralização em si
mesmos, confessar os pecados e reconciliar-se com os irmãos (XIV,2), em uma palavra,
devem viver o ágape da fraternidade”98.

2.1.2 Inácio de Antioquia

As cartas de Santo Inácio de Antioquia nos deixaram precioso ensinamento sobre a


Eucaristia. Seu pensamento sobre a eucaristia se enquadra em duas perspectivas: cristológica
e eclesiológica, com um fundo bíblico de particular influência paulina e joanina. Os textos das
cartas que tratam mais especificamente da Eucaristia são quatro (Aos Efésios 113,1, Aos
92
Didaché. O Catecismo dos Primeiros Cristãos. Trad. do original grego de Urbano Zilles. Petrópolis: Vozes,
1970. IX,2.
93
Didaché, IX,3.
94
Cf. LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 67.
95
Didaché, XIV,1
96
Cf. LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 69.
97
Didaché, XIV,3.
98
LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 70. Tradução minha.
24

Filadelfos 4 e Aos Esmirniotas 7,1 e 8,1). Todavia, traz em outros momentos pensamentos
sobre a Eucaristia, enquanto sacramento do amor de Cristo.99
Na sua espiritualidade, o mistério salvífico de Cristo ocupa o lugar central.100 Essa
salvação vem “do Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo, sua paixão e ressurreição” 101. Seu
sacrifício vem ligado à sua paixão. Todavia, ele alude frequentemente ao sangue de Cristo. A
menção do sangue de Cristo nas cartas de Santo Inácio possui um duplo desenvolvimento:
primeiro “o sangue recapitula toda a realidade do mistério de Cristo, da encarnação, paixão e
morte e a ressurreição; e segundo, o sangue nos lembra o mistério salvífico na vida da
Igreja”102. Todavia, a expressão “carne e sangue de Cristo” pode ser uma alusão à
Eucaristia.103
Inácio, condenando aqueles que refutam a historicidade na encarnação e,
consequentemente, a presença de Cristo na Eucaristia, declara: “Eles se afastam da eucaristia
e da oração, porque não professam que a eucaristia é a carne do nosso Salvador Jesus Cristo,
que sofreu por nossos pecados e que, na sua bondade, o Pai ressuscitou”104. Podemos perceber
aspectos da dimensão sacrificial da Eucaristia nessa afirmação de Santo Inácio. Ele nos faz
perceber uma relação da presença de Cristo na Eucaristia com a dimensão sacrificial, pois
essa presença é a carne do nosso Salvador que sofreu por nossos pecados.
Enfim, Inácio considera uma forte relação do martírio com a Eucaristia, pois, para ele, o
martírio é um sacrifício e uma participação na morte e ressurreição de Cristo.105 Fala diversas
vezes do seu martírio como oferta a Deus pela Igreja: “Sou vossa vítima expiatória, e me
ofereço em sacrifício por vós, efésios, Igreja famosa pelos séculos”106.
No contexto do seu martírio pessoal, recordando a imagem do altar, ele pede na Carta
aos Romanos que não ponham obstáculos para a consumação desse sacrifício: “Não desejeis
nada para mim, senão ser oferecido em libação a Deus, enquanto ainda existe altar preparado,
afim de que, reunidos em coro no amor, canteis ao Pai, por meio de Jesus Cristo”107.

99
MARITANO, Mario. “L’Eucaristia nei Padri apostolici”. In: Dizionario di Spiritualità Biblico-Patrística.
L’Eucaristia nei Padri della Chiesa. Roma: Borla, 1998. p. 33-34.
100
Cf. LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 104.
101
INÁCIO DE ANTIOQUIA. “Aos Filadelfienses”, 9,2. In: Padres Apostólicos. Coleção Patrística. Trad. Ivo
Storniolo, Euclides M. Balanci. São Paulo: Paulus, 1995. Todas as citações das cartas de Santo Inácio de
Antioquia que citaremos neste trabalho serão retiradas dessa edição citada.
102
LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 107-108. Tradução minha.
103
Sobre a alusão da expressão “corpo e sangue de Cristo” à Eucaristia em Inácio de Antioquia, cf. SCHOEDEL,
R. “Ignatius of Antioch. A commentary on the Letters of Ignatius of Antioch”. Philadelphia, 1985. Cf. Nota In:
LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 108.
104
INÁCIO DE ANTIOQUIA. Aos Esmirniotas. 7,1.
105
Cf. MARITANO. L’Eucaristia nei Padri apostolici. p. 47.
106
INÁCIO DE ANTIOQUIA. Aos Efésios, 8,1. Cf. Também: Aos Romanos, 2,2; Aos Trailanos, 13,3.
107
INÁCIO DE ANTIOQUIA. Aos Romanos, 2,2.
25

“Deixai que eu seja pasto das feras, por meio das quais me é concedido alcançar a Deus.
Sou trigo de Deus, e serei moído pelos dentes das feras, para que me apresente como trigo
puro de Cristo”108. Vemos em particular a imagem do trigo e do pão como uma evocação à
Eucaristia. Sua morte, assim como a Eucaristia, é um sacrifício a Deus; é uma oferta total e
completa a Ele que atualiza em si mesmo o profundo significado da Eucaristia, possibilitando
o ingresso na vida eterna e sendo uma fonte de salvação para a Igreja.109

2.1.3 Justino

Criticando os costumes dos sacrifícios pagãos, Justino vai falar de um sacrifício


espiritual. Ele reconhece o valor dos sacrifícios tanto nos cultos pagãos, como no judaísmo.
Todavia, na sua crítica demonstra a inutilidade e inconsistência dos cultos pagãos e o caráter
provisório dos sacrifícios realizados no Templo, pois o verdadeiro culto que agrada a Deus se
realiza na assembleia eucarística, onde os cristãos oram com simplicidade e com um autêntico
espírito de amor fraterno110:

Que não somos ateus, quem estiverem são juízo não o dirá, pois cultuamos o
Criador deste universo, do qual dizemos, conforme nos ensinaram, que não
tem necessidade de sangue, libações ou incenso. Em lugar de todas as
ofertas, nós o louvamos conforme nossas forças, com palavras de oração e
ação de graças. Aprendemos que o único louvor digno dele não é queimar no
fogo o que por ele foi criado para nosso alimento, mas oferecê-lo para nós
mesmos e para os necessitados.111

Justino afirma que a profecia de Malaquias (1,10-12), naquilo que tange à oferta pura, é
realizada de modo pleno na Eucaristia, substituindo e superando, dessa forma, os sacrifícios
judaicos.112
A finalidade do sacrifício de Cristo é para a redenção dos nossos pecados. Na cruz ele
consuma seu sacrifício em nosso favor de se revela como “eterno sacerdote segundo a ordem
de Melquisedeque”113. Os cristãos, pelo sacerdócio comum dos fiéis, oferecem a Deus um
sacrifício espiritual de oração, e esse se dá de um modo especial da celebração da
Eucaristia.114

108
INÁCIO DE ANTIOQUIA. Aos Romanos, 4,1.
109
Cf. MARITANO. L’Eucaristia nei Padri apostolici. p. 48-49.
110
Cf. LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 147-149.
111
JUSTINO. I Apologia, 13,1. Cf. também 66,2; 67,1s.
112
Cf. JUSTINO. Diálogo com Trifão. 41 e 117. In: Cf. LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi
secoli. p. 151.
113
JUSTINO. Diálogo com Trifão. 33,2.
114
Cf. LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 151-157.
26

Enfim, para Justino, “a eucaristia é um verdadeiro sacrifício espiritual, o sacrifício de


Cristo presente na liturgia”115, o memorial da sua paixão, do qual os cristãos participam.116

2.1.4 Irineu de Lyon

Irineu traz sempre presente nas suas obras a ideia de continuidade entre a Antiga e a
Nova Aliança. Ao tratar do tema da Eucaristia, traz presente essa ideia, pois o mesmo Deus
Criador e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo é o autor das duas Alianças. Assim como
prescreveu as antigas oblações e sacrifícios, dá aos povos da Nova Aliança uma nova oblação,
que é a Eucaristia.117 Dessa forma, entendemos que a Eucaristia comporta o cumprimento dos
sacrifícios antigos.
Para Santo Irineu, a oblação da Igreja é o sacrifício puro e aceito por Deus, pois é
realizado como o Senhor ensinou a oferecer.118 Essa não é mais a oblação oferecida em
caráter de oblação servil, mas é a livre oblação oferecida com alegria e generosidade pelos
filhos.119
Irineu também critica aqueles que fazem o sacrifício puramente exterior, mas que não
partilham com o seu próximo nem trazem em si o temor de Deus. É necessária uma postura
interior ao oferecer o sacrifício a Deus, porque “os sacrifícios não santificam o homem, pois
Deus não precisa de sacrifício, mas a consciência de quem oferece santifica o sacrifício, se é
pura faz com que Deus aceite como provindo de amigo”120. Para ele, o sacrifício da Igreja,
que é a Eucaristia, é julgado puro diante de Deus por ser oferecido com simplicidade.121
Santo Irineu afirma que a Eucaristia é a verdadeira comunhão com carne e sangue de
Cristo, oferecida para nossa salvação. Aqueles que são membros do corpo de Cristo são
fortificados pelo corpo e sangue do próprio Cristo.122

115
DANTAS. Filhos no Filho. p. 180-181.
116
Cf. MARITANO. L’Eucaristia nei Padri apostolici. p. 64.
117
Cf. DIDONE, Marisa. “Reminiscenze di celebrazione eucarística in Ireneo di Lione”. In: Dizionario di
Spiritualità Biblico-Patrística. L’Eucaristia nei Padri della Chiesa. Roma: Borla, 1998. p. 79.
118
Cf. IRINEU DE LIÃO. “Contra as Heresias”. V,18,1. Coleção Patrística. Trad. Lourenço Costa. São Paulo:
Paulus, 1995.
119
Cf. IRINEU DE LIÃO. Contra as Heresias. V,18,2.
120
Cf. IRINEU DE LIÃO. Contra as Heresias. V,18,3. Cf. também DIDONE, Marisa. Reminiscenze di
celebrazione eucarística in Ireneo di Lione. p. 88-89.
121
Cf. IRINEU DE LIÃO. Contra as Heresias. V,18,4.
122
Cf. IRINEU DE LIÃO. Contra as Heresias. III,11,5; V,2,2. Cf. também DIDONE, Marisa. Reminiscenze di
celebrazione eucarística in Ireneo di Lione. p.93.
27

2.1.5 Eusébio de Cesaréia

Eusébio de Cesaréia, falando sobre o sacrifício espiritual dos cristãos, afirma que Jesus
“recebe com fisionomia jovial e mãos estendidas o odorífero incenso e os sacrifícios
incruentos e imateriais das orações, oferecidos por todos os fiéis, e apresenta-os ao Pai do céu,
o Deus do universo”123. Na prática, podemos perceber que o sacrifício espiritual dos crentes,
de que fala Eusébio, é a Eucaristia.124
Ele fala também do nexo existente entre os sacrifícios antigos e a Eucaristia. No Antigo
Testamento se sacrificava a vida dos animais em troca da própria vida. Mas os animais não
pecavam, pois não são dotados de uma alma racional. Todavia, esses sacrifícios
preanunciavam o verdadeiro sacrifício perfeito de Cristo.125 Ele é o cordeiro sem mancha que
foi sacrificado para a redenção de todos os homens, redimindo seus pecados.126
“Cristo, o Logos Encarnado, é ao mesmo tempo sacerdote e vítima deste grande
sacrifício; e ‘tudo isto foi feito por nós e por nosso favor (D.E. I,10,21)’”127. Dessa forma, não
há mais necessidade dos cristãos ofereceres sacrifícios por seus pecados, mas sim de celebrar
a memória e o memorial da Paixão de Cristo.128
Eusébio, ao falar desse sacrifício eucarístico, dá grande aceno ao “sangue salvífico” de
Cristo, atribuindo a este grande valor expiatório.129
Enfim, Eusébio fala de dois tipos de sacrifícios: o primeiro é a Eucaristia, que é a
“memória do grande sacrifício” 130
, o sacrifício incruento da Igreja, feito pão e vinho, e a
oferta completa de si mesmo feita a Deus, onde nos dispomos a “acolher o Logos, Sumo
sacerdote (de Deus), no nosso corpo e na nossa alma”131.

123
EUSÉBIO DE CESARÉIA. História Eclesiástica. Trad. Monjas Beneditinas do Mosteiro de Maria Mãe de
Cristo. São Paulo: Paulus, 2000. 10,4,68.
124
Cf. LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 316.
125
Cf. EUSÉBIO DE CESARÉIA. Demonstração Evangélica. I,10,11-12 (Será utilizada a abreviação “D.E.”
para referir-se a essa obra). Cf. também LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 316-
317.
126
Cf. EUSÉBIO DE CESARÉIA. D.E. I,10,14.
127
LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 317 (tradução minha).
128
Cf. LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 317.
129
Cf. EUSÉBIO DE CESARÉIA. D.E. I,10,28s. Cf. Também LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei
primi secoli. p. 317 (cf. nota).
130
EUSÉBIO DE CESARÉIA. D.E. I,10,38. In: LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli.
p. 317 (tradução minha).
131
EUSÉBIO DE CESARÉIA. D.E. I,10,38. In: LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli.
p. 317 (tradução minha).
28

2.1.6 Agostinho

Santo Agostinho trata da Eucaristia como sacrifício de um modo mais extenso na obra
“Cidade de Deus” (Livro 10). Ele explica que Deus não tem necessidade da nossa adoração,
mas os adoradores é que são beneficiados.132
Segundo Agostinho, a finalidade do sacrifício é a união com Deus. Ele explica que “o
verdadeiro sacrifício é toda a obra que praticamos para nos unirmos a Deus em santa
comunhão, quer dizer, toda obra relacionada com o supremo bem, princípio único de nossa
verdadeira felicidade”133. Assim, “o sacrifício visível é sacramento do sacrifício invisível, ou
seja, é sinal sagrado”134.
Cristo é o sumo sacerdote que ofereceu-se a si mesmo na cruz. Esse é o verdadeiro
sacrifício da nossa redenção.135 Seu sacrifício é o sacrifício que a Igreja celebra na liturgia:
“Tal mistério a Igreja celebra assiduamente no sacramento do altar, conhecido dos fiéis, em
que mostra que se oferece a si mesma na oblação que faz”136. Assim, vemos que, por
intermédio de Cristo, o Sumo Sacerdote, a comunidade dos remidos é oferecida a Deus como
sacrifício.137 “Na eucaristia, Cristo, o mediador entre Deus e a humanidade, recebe o sacrifício
da Igreja ‘na forma de Deus’ em união como o Pai”138.
Cristo, na sua forma de servo, mais do que receber o sacrifício, prefere ser o
sacrifício.139 Portanto, “é Ele o sacerdote, Ele o ofertante e Ele a oblação” 140. Ele dá, portanto,
a celebração eucarística para a Igreja, de quem ele é Cabeça, como sacramento constante do
seu sacrifício; e os cristãos, ao oferecerem a si mesmos na celebração da Eucaristia, são
unidos a esse sacrifício de Cristo.141

132
Cf. AGOSTINHO. Cidade de Deus. Parte I. Coleção Pensamento Humano. 7ª edição. Trad. Oscar Paes
Lemes. Petrópolis: Vozes, 2002. 10,5.
133
AGOSTINHO. Cidade de Deus. 10,6.
134
AGOSTINHO. Cidade de Deus. 10,5.
135
Cf. AGOSTINHO. Confissões. 9,11 e 12.
136
AGOSTINHO. Cidade de Deus. 10,6.
137
Cf. JACKSON, Pamela. Verbete “Eucaristia”. In: FITZGERALD, Allan D. (diretor). Diccionario de San
Agustín. San Agustín a través del tempo. Trad. Del inglês: Constantino Ruiz-Garrido. Burgos: Monte Carmelo,
2001. p. 542.
138
JACKSON. Verbete “Eucaristia”. In: FITZGERALD, Allan D. (diretor). Diccionario de San Agustín. p. 543.
139
Cf. AGOSTINHO. Cidade de Deus. 10,20.
140
Cf. AGOSTINHO. Cidade de Deus. 10,20.
141
Cf. AGOSTINHO. Cidade de Deus. 10,20. Cf. também JACKSON. Verbete “Eucaristia”. In: FITZGERALD,
Allan D. (diretor). Diccionario de San Agustín. p. 543.
29

2.2 O Concílio de Latrão IV e a Teologia de Tomás de Aquino

A doutrina eucarística do Concílio Lateranense IV pode ser resumida nas seguintes


afirmações: Jesus Cristo é sacerdote e sacrifício; sob as espécies do pão e do vinho, seu corpo
e sangue são contidos verdadeiramente no sacramento do altar; pelo poder divino, o pão é
transubstanciado no corpo e o vinho no sangue; recebemos o corpo e sangue do Senhor para
realizar plenamente em nós o mistério da unidade com Cristo Salvador.142
Percebemos, no que concerne ao aspecto sacrificial, que o Concílio identifica Jesus
como sacerdote, ou seja, aquele que oferece o sacrifício eucarístico, e como vítima, ou seja, a
oblação oferecida no sacrifício eucarístico. Jesus, enquanto sacerdote e sacrifício, é
identificado sob as espécies eucarísticas.
O Concílio Lateranense IV usa termos novos para falar da doutrina eucarística:
“espécies”, no sentido de aparência, e “transubstanciação”, não mais de uma “conversão
substancial”. Essa nova linguagem, de influência da filosofia aristotélica, é adotada pelo
Magistério da Igreja e usada abundantemente na doutrina eucarística de Santo Tomás de
Aquino.
A doutrina de Santo Tomás de Aquino sobre a Eucaristia na Suma Teológica é bem
ampla.143 Todavia, trata nessa obra acerca do aspecto sacrificial do sacramento da Eucaristia
de um modo bem específico em somente um artigo, ao propor a uma pergunta se Cristo é
imolado na celebração deste sacramento.144
Ao falar da dimensão sacrificial da Eucaristia, ele recorre inicialmente a uma frase de
Santo Agostinho: “Cristo foi imolado uma só vez em si mesmo, contudo cada dia é imolado
no sacramento”145. Vemos aí a profunda relação existente entre a Eucaristia e o sacrifício de
Cristo. Pelo sacramento da Eucaristia, o único sacrifício de Cristo se torna presente a cada
dia.146

142
Cf. CONCÍLIO DE LATRÃO IV. “A fé católica”. In: DENZINGER, Heinrich; HÜNERMANN, Petrus.
Compêndio dos Símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas, 2007. n. 802. (Será
utilizada a abreviação “DH” para referir-se a essa obra).
143
Cf. STh III, q.73-83.
144
Cf. STh. III, q.83, art.1. Muito provavelmente Santo Tomás não tratou mais amplamente a dimensão
sacrificial da Eucaristia pelo fato de que na sua época não haver oposições entre o sacrifício e o sacramento da
eucaristia. Todavia, trata de um modo mais amplo sobre os sacrifícios de um modo geral e o sacrifício de Cristo
em si. cf. STh II-II, q.85; III, q.48, a.3; III, q.85, a.3. Sobre o sacrifício de Cristo em Santo Tomás de Aquino, cf.:
SESBOUÉ. Jesucristo el Único Mediador. p.352-355.
145
AGOSTINHO. “Sententiarum Prosperi”. In: STh. III, q.83, art.1, c.
146
Ambrósio e Tomás de Aquino não ignorava a problemática sobre a unicidade do sacrifício de Cristo em
relação à multiplicidade das celebrações eucarísticas. Todavia, julgavam já ter encontrado explicações
suficientes para explicar contraste. Cf. ROGUET, Aimon-Marie. “Os Sacramentos da Fé”. Introdução e notas do
Vol. 9 da Suma Teológica. p. 428. Cf. Nota.
30

Santo Tomás explica que a Eucaristia é chamada imolação de Cristo por duas razões.
Primeiramente, “a celebração (...) deste sacramento é uma certa imagem representativa da
paixão de Cristo, que é uma verdadeira imolação”147. Explicando seu pensamento, ele cita
Santo Ambrósio: “Em Cristo, foi oferecida uma só vez a vítima eficaz para a salvação eterna.
Que fazemos então? Porventura não a oferecemos todos os dias em comemoração de sua
morte?”148
A segunda razão está relacionada ao efeito da paixão: “por este sacramento tornamo-nos
participantes do fruto da paixão do Senhor”149, que é a redenção. Assim, o mistério da
redenção é renovado em nós a cada vez que celebramos a memória do sacrifício de Cristo.
Ele explica também que, quando o livro do Apocalipse fala de “todos aqueles cujo
nome não está inscrito, desde a fundação do mundo no livro da vida do Cordeiro (Ap 13,8),
pode-se concluir que, de certa maneira, Cristo era imolado também nas figuras do Antigo
Testamento”150. Percebemos aí a ideia de prefiguração do sacrifício de Cristo na Antiga
Aliança.
Tomás relaciona o altar onde é celebrado o sacramento da Eucaristia com a cruz, pois
“da mesma maneira que a celebração desse sacramento representa a paixão de Cristo, assim
também o altar representa a cruz, onde Cristo foi imolado em sua própria imagem”151.

2.3 Reforma Protestante e Concílio de Trento

Tendo analisado a compreensão da dimensão sacrificial da Eucaristia do período


patrístico até Santo Tomás de Aquino, iremos apresentar a problemática pré-tridentina
levantada pelos reformadores protestantes, no que concerne ao nosso assunto, e a resposta
católica através do Concílio de Trento.152

147
STh. III, q.83, art.1, c.
148
AMBRÓSIO. “Epistolam ad Heb”. STh. III, q.83, art.1, c.
149
STh. III, q.83, art.1, c.
150
STh. III, q.83, art.1, c.
151
STh. III, q.83, art.1, ad.2.
152
Vale ressaltar que nos limitaremos a apresentar aqui a problemática acerca da dimensão sacrificial da
eucaristia nos reformadores e a resposta de Trento, visto ser nosso objetivo neste trabalho. Todavia, lembramos
que a discursão se estende por outras dimensões da eucaristia, como, por exemplo, a problemática acerca da
transubstanciação, que Lutero nega, afirmando a ideia de consubstanciação, onde há uma presença real de Cristo
na eucaristia, mas somente durante a celebração. Já Calvino irá falar que a presença de Cristo na eucaristia seria
só uma presença espiritual e dinâmica, onde o cristão usufrui da comunhão com Cristo por uma ação do Espírito
Santo. Já Zwinglio fala que não há presença de Cristo na eucaristia, mas que ela é apenas um símbolo que,
agindo no sujeito, gera sentimentos de comunhão. Sobre a problemática acerca da eucaristia nos reformadores,
cf. GIRAUDO. Num só corpo. p. 415-460; DANTAS. Filhos no Filho. p. 195-205; RATZINGER, Ioseph. “La
celebrazione dell’Eucaristia”. In: Teologia della Liturgia. La fondazione sacramentale dell’esistenza Cristiana.
Opera Omnia. Volume XI. Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2010. p. 294-346.
31

A reflexão escolástica sobre a Eucaristia, o magistério precedente e sua linguagem


foram rejeitados pelos reformadores. São unânimes em rejeitar, por exemplo, a linguagem
teológica da transubstanciação e o caráter sacrificial da Eucaristia, pois, pelo princípio Sola
Scriptura, não aceitam nada que não esteja contido nas Sagradas Escrituras. Rejeitando
também a Tradição, colocam em risco a objetividade do dado bíblico, ficando reféns da
subjetividade de cada indivíduo que lê e interpreta as Sagradas Escrituras.153

2.3.1 Lutero

Para Martinho Lutero, só existe duas formas do homem se reportar a Deus: pela Lei e
pela fé.154 Pela Lei o homem busca por conta própria uma reconciliação com Deus. Pela fé,
Deus, por iniciativa própria e por intermédio de Cristo, dá a salvação que o homem não pode
merecer por suas obras e sacrifícios. A orientação da fé não consiste no homem oferecer dons
a Deus, mas consiste no acolhimento da graça divina.155
A consequência que ele tira disso é que o culto cristão está deformado na sua essência.
“Para Lutero, a Missa, isto é, a Eucaristia mesma como sacrifício, é idolatria, um horror,
porque recai no uso sacrifical pagão, anterior à novidade cristã”156. Assim, a lei novamente
toma o lugar da graça, negando a suficiência da obra salvífica de Cristo e tornando ao homem
a tentativa da auto redenção.
Entendemos, dessa forma, que, para Lutero, a ideia do sacrifício da Missa comporta
uma negação da graça e uma revolta do poder autônomo do homem em buscar auto redimir-
se. Sua controvérsia sobre a Missa implica, na realidade, em um problema de aplicação do
problema fundamental da justificação.157
Ele se posiciona radicalmente contra à possibilidade de se falar em Eucaristia como
sacrifício. O sacrifício redentor de Cristo é único e suficiente. Falar de caráter sacrificial da
Missa seria, portanto, negar a unicidade e o valor do sacrifício de Cristo. 158 “Por esta razão, se
a missa fosse um sacrifício, isto significaria uma tentativa de multiplicar o único sacrifício de
Cristo, e isto seria inaceitável”159.

153
Cf. DANTAS. Filhos no Filho. p. 195.
154
Cf. RATZINGER. La celebrazione dell’Eucaristia. p. 294.
155
Cf. RATZINGER. La celebrazione dell’Eucaristia. p. 294-295.
156
RATZINGER. La celebrazione dell’Eucaristia. p. 295. Tradução minha.
157
Cf. RATZINGER. La celebrazione dell’Eucaristia. p. 295.
158
Cf. ALDAZÁBAL, J. “A Eucaristia”. In: BOROBIO, Dionísio (Org.). A Celebração na Igreja II.
Sacramentos. 2ª edição. São Paulo: Loyola, 2008. p.237.
159
DANTAS. Filhos no Filho. p. 196.
32

Lutero interpretava a Eucaristia como “memorial”. Contudo, sua concepção de


memorial não é a mesma concepção objetiva que será adotada por Trento. Devido sua
formação nominalista, ele interpreta “memorial” como uma recordação subjetiva, não como
uma atualização do sacrifício de Cristo. Assim, segundo ele, pelo fato da Eucaristia ser
“memorial” ela não é sacrifício.160 Podemos considera-la como uma recordação da Última
Ceia e uma “memória” da paixão de Cristo, mas não uma renovação do único e irrepetível
sacrifício de Cristo.161
Na sua obra Vom Missbrauch der Messen, lemos o seguinte:

Dizei-nos, sacerdotes de Baal, onde está escrito que a missa é sacrifício? Ou


onde está dito que Cristo ensinou que é necessário sacrificar a Deus o pão e
o vinho bentos? Não estais ouvindo? Cristo sacrificou-se a si mesmo uma só
vez, não quer continuar a ser sacrificado por algum outro; quer que se faça a
memória do seu sacrifício. Como podeis, então, se tão audaciosos ao ponto
de fazer do memorial um sacrifício? ... Temo, e mais: infelizmente sei, que o
vosso sacrifício é sacrificar Cristo novamente.162

2.3.2 Calvino

O ponto de partida de João Calvino está no grande acento que dá à humanidade de


Cristo. Sendo verdadeiro homem, não pode estar em toda parte. Jesus não está nos nossos
altares e em outro lugar senão sentado à direita do Pai. A união que o cristão faz com Cristo
através dos dons eucarísticos se dá através de uma ação do Espírito Santo.163
Dessa forma, Calvino nega a possibilidade de se falar em uma dimensão sacrificial da
Eucaristia. Não estando Cristo presente nos dons eucarísticos, somos impossibilitados de falar
que haja um caráter sacrifical no sacramento da Eucaristia.164
Ao recebermos a Eucaristia, o Espírito Santo produz nos predestinados uma
participação do corpo celestial de Cristo. Não se trata de Cristo mesmo, mas da vida que vem
da redenção realizada na cruz de uma vez por todas. Todavia, isso vale só para os crentes
eleitos de Deus, os predestinados à salvação.165

160
ALDAZÁBAL. A Eucaristia. p. 236-237.
161
Cf. ROCCHETTA, Carlo. “Il Sacramento dell’Eucaristia”. In: FLORIO, Mario e ROCCHETTA, Carlo.
Sacramentaria Speciale I. Battesmo, confermazione, eucaristia. Corso di Teologia Sistematica. Bologna:
Dehoniane Bologna, 2008. p. 258.
162
Cf. LUTERO, Martinho. “Vom Missbrauch der Messen”. In: Dicionário de Liturgia. p. 1076-1077.
163
Cf. RATZINGER. La celebrazione dell’Eucaristia. p. 312.
164
DANTAS. Filhos no Filho. p. 197.
165
Cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 258.
33

2.3.3 Zwinglio

Para Ulrich Zwinglio não há uma presença real de Cristo no sacramento da Eucaristia.
Para ele, a Eucaristia é apenas um símbolo que age no sujeito criando sentimentos subjetivos
de comunhão. Sendo um símbolo, a Santa Missa não é um sacramento, nem um sacrifício.
Ele parte da ideia de que a Santa Ceia é apenas uma comemoração comunitária antes da
ação sacrifical realizada uma só vez na cruz. Essa ação histórica não pode mais ser repetida ou
atualizada. Dessa forma, não pode haver na Eucaristia um conteúdo sacrifical objetivo. A
Missa não é e nem pode ser um sacrifício.166

2.3.4 Concílio de Trento

O Concílio de Trento foi de grande importância para o desenvolvimento da teologia


eucarística. Como forte reação à discursão feita pelos reformadores sobre pontos da doutrina
católica acerca da Eucaristia, o Concílio apresentou três documentos que tratam da doutrina
eucarística: “Decreto sobre o sacramento da Eucaristia” (13ª sessão, 1551)167, “Doutrina e
cânones sobre a comunhão sob as duas espécies e a comunhão das crianças” (21ª sessão,
1562)168 e “Doutrina e cânones sobre o sacrifício da Missa” (22ª sessão, 1562)169. Iremos nos
deter nesse terceiro decreto, visto nosso trabalho tratar da dimensão sacrificial da Eucaristia.
Enfrentando a posição dos reformadores sobre o valor sacrificial da Eucaristia, o
Concílio apresenta o decreto que fala sobre o sacrifício da Missa. Vimos que os reformadores
defendiam que o sacrifício de Cristo foi único e irrepetível. Assim, não se poderia falar de
uma dimensão sacrificial da Eucaristia. O Concílio de Trento também afirma que, de fato, o
sacrifício de Cristo foi único e irrepetível, todavia afirma que esse sacrifício único e
irrepetível se torna “atual” pelo sacramento da Eucaristia.170
Esse decreto apresenta afirmações de grande importância para a doutrina de Trento
acerca do sacrifício eucarístico. Para realizar a redenção do homem, Cristo ofereceu-se a Deus
Pai de uma vez por todas no altar da cruz. Na Última Ceia, ele deixa, sob as espécies do pão e
do vinho, um sacrifício visível à Igreja do seu sacrifício cruento, que se torna presente sob
forma de memorial, ordenando aos seus sucessores no sacerdócio que oferecessem

166
Cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 258.
167
Cf. DH 1635-1661.
168
Cf. DH 1725-1734.
169
Cf. DH 1738-1759.
170
Cf. DANTAS. Filhos no Filho. p. 202.
34

continuamente esse sacrifício. “Com efeito, uma só e mesma é a vítima, pois quem agora se
oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que então se ofereceu na cruz; só o modo de
oferecer é diferente”171.
Assim, na Missa se realiza esse divino sacrifício, pois nela o mesmo sacrifício cruento
de Cristo no altar da cruz, é oferecido de modo incruento. Essa é a Nova Páscoa a ser
celebrada pela Igreja, por intermédio dos seus ministros.172 Sua oferta é a oblação pura de que
fala Malaquias (Cf. Ml 1,11), a oblação que foi prefigurada pelas diversas imagens dos
sacrifícios, a consumação dos sacrifícios prefigurados na Antiga Aliança.173
Por se tratar da Nova Páscoa, entendemos que a Eucaristia, enquanto mistério de cruz,
também é mistério de Ressurreição.

Cruz e Ressurreição são inseparáveis, como duas faces de uma mesma


moeda (Pascoa). A Ressurreição é fruto direto do Sacrifício de Cristo. Como
no caso de Jesus, nós celebramos o seu sacrifício, para termos parte na sua
ressurreição. A transubstanciação faz com que Cristo ressuscitado, que
passou pela Cruz, se torne presente substancialmente; ao comungarmos,
recebemos o penhor da Sua ressurreição.174

Dessa forma, podemos entender o que o Concílio fala acerca do valor propiciatório da
Missa, pois nela recebemos em abundância os frutos da oblação de Cristo, ou seja, concede-
nos a graça, a penitência e, por meio desses, o perdão dos pecados. Esses frutos podem ser
oferecidos não só pelo perdão dos próprios pecados, mas também por outra pessoa, seja viva
ou falecida.175
O Concílio fala ainda do significado da gota d´água derramada sobre o vinho no
momento do ofertório: recorda o mistério do sangue e água que saiu do lado de Jesus e
representa a união da Igreja com Cristo Cabeça, que se oferece nesse sacrifício.176
Enfim, as afirmações de Trento acerca do aspecto sacrificial eucarístico, com os demais
decretos acerca da Eucaristia, e a controvérsia com os reformadores marcam uma etapa
importante do desenvolvimento doutrinário sobre esse sacramento. Suas declarações
orientarão radicalmente a dogmática eucarística desenvolvida nos séculos posteriores.177

171
CONCÍLIO DE TRENTO. Decreto sobre a doutrina da Santa Missa. In: DH 1743.
172
Cf. CONCÍLIO DE TRENTO. Decreto sobre a doutrina da Santa Missa. In: DH 1739-1740.
173
Cf. CONCÍLIO DE TRENTO. Decreto sobre a doutrina da Santa Missa. In: DH 1741-1742.
174
DANTAS. Filhos no Filho. p.203-204.
175
Cf. CONCÍLIO DE TRENTO. Decreto sobre a doutrina da Santa Missa. In: DH 1743.
176
Cf. CONCÍLIO DE TRENTO. Decreto sobre a doutrina da Santa Missa. In: DH 1749.
177
Cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 261.
35

2.4 O debate pós-tridentino: tendências imolacionista e oblacionista

Trento desenvolveu declarações doutrinais acerca do sacrifício eucarístico. Todavia,


apesar de sua doutrina ser fundamentada em dados bíblicos e na Tradição da Igreja, Trento
deixou para a teologia posterior a tarefa de justificar suas afirmações.178
Surge no período pós-tridentino uma problemática acerca do caráter sacrificial da
celebração eucarística: como se pode explicar a identidade sacrificial da Eucaristia?179
Essa pergunta parece mais provir de uma perspectiva fenomenológica religiosa e do
culto veterotestamentário do que da novidade da única oblação de Cristo. Gabriele Vásquez,
por exemplo, segue nessa linha ao afirmar que a essência do sacrifício reside na destruição
total da vítima, pois manifesta o poder de Deus sobre a vida e a morte. Para ele, isso não se
aplica à missa.180
Todavia, esse conceito de destruição pode-se aplicar ao sacrifício histórico de Jesus,
mas não à sua memória eucarística. O erro dessa tendência imolacionista 181 consiste em que
não perceber que o sacrifício feito na celebração eucarística é um sacrifício relativo. A missa
é o verdadeiro e próprio sacrifício de Cristo e a ação eucarística é a representação memorial
do sacrifício da cruz, portanto, não absoluto, mas relativo em relação àquele de Jesus,
ofertado uma vez para sempre.182
Nos séculos XVIII e XIX surge uma tendência oblacionista183. Essa tendência defende a
perspectiva de uma “oferta interior”. Refere-se ao significado único da oblação de Cristo,
onde a essência do seu sacrifício é uma oferta interior, pessoal, vivida por Cristo na cruz. A
memória eucarística seria apenas uma presença sacramental. “Como Cristo foi, durante toda a
sua vida oferta viva ao Pai, basta que Cristo esteja presente na Missa, para poder-se falar de

178
Cf. DANTAS. Filhos no Filho. p. 205.
179
Cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 261.
180
Cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 262.
181
Para a tendência imolacionista, no sacrifício eucarístico deve haver uma mudança, uma “destruição”, que
afete o pão ou o vinho, ou o próprio Cristo. Suarez fala que pela substanciação cessam as forças dos elementos
naturais. Cano vê essa destruição na fração da hóstia e no mergulho no sangue. Lugo e Franzelin falam do fato
de que Cristo se reduz a um estado inferior, tomando a humilde forma de alimento. Bellarmino fala do momento
em que os dons eucarísticos são mastigados na comunhão. Enfim, para os imolacionistas, há sempre no sacrifício
eucarístico uma espécie de “imolação”, seja “imolação virtual”, seja “imolação atual”. Cf. ROCCHETTA. Il
Sacramento dell’Eucaristia. p. 262. Cf. também DANTAS. Filhos no Filho. p.206.
182
Cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 262. Cf. também DANTAS. Filhos no Filho. p.206.
183
Os oblacionistas defendem a ideia de uma oferta interior, pessoal de Cristo e que sua presença sacramental na
missa nos permite falar de sacrifício. Porém, falar da presença sacrifical de Cristo na Missa não explica que a
Missa é o sacrifício de Cristo.
36

sacrifício”184. V. Thalhofer, por exemplo, fala que, pela força da Eucaristia, Cristo mesmo
atualiza o único ato interior oblativo que viveu sobre a cruz.185
M. de Taille fala que Jesus se oferece ao Pai toda vez que a Igreja faz sua memória. Pela
memória eucarística, a Igreja perpetua a oblação pessoal de Cristo manifestada na ceia e
consumada na paixão e morte. De fato, ele mostra que a ideia de uma morte místico-
sacramental de Cristo na Missa. Todavia, A. Voiner, com sua obra A Key to the Doctrine of
the Eucharist, publicada em 1925, em Londres, e que tomando grande repercussão com a
tradução francesa em 1942, dá uma contribuição decisiva mostrando que a missa não é um
sacrifício natural, mas é o sacrifício de Cristo na forma sacramental. Enquanto sacrifício da
Nova Lei, sinal da paixão e glorificação de Cristo, a Eucaristia significa e contém a morte de
Cristo. Nela Cristo mesmo se faz presente no gesto da sua única e eterna oblação ao Pai.186

2.5 O movimento litúrgico e a Encíclica Mediator Dei de Pio XII

O século XX foi um período em que a Igreja pode redescobrir os melhores valores da


Eucaristia.187 Surge nesse período o movimento litúrgico. Esse não parte de especulações, mas
de instâncias pastorais. Percebe a liturgia como uma ação salvífica da páscoa de Cristo sob o
véu dos símbolos e deseja promover uma participação mais ativa dos fiéis no sacrifício
eucarístico.188
Nesse contexto, o papa Pio XII deu grande contribuição, no que concerne ao aspecto
sacrificial eucarístico, com a encíclica Mediator Dei, em 1947. Esse documento trata
intensamente da doutrina sacrificial da Eucaristia. Reafirma as declarações doutrinais de
Trento sobre a teologia do sacrifício da Missa. Todavia, dá uma grande ênfase à participação
dos fiéis no sacrifício eucarístico.
O documento fala da necessária colaboração dos fiéis para poderem usufruir dos frutos
salutares da cruz do Redentor, distribuídos aos crentes pelo sacrifício do altar. Sua
participação não deve ser passiva, mas devem participar com empenho e fervor.189

Exige de todos os cristãos que reproduzam em si, enquanto está em poder do


homem, o mesmo estado de alma que tinha o divino Redentor quando fazia o

184
DANTAS. Filhos no Filho. p.207.
185
Cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 262-263. Cf. também DANTAS. Filhos no Filho. p.206-
207.
186
Cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 263-264.
187
ALDAZÁBAL. A Eucaristia. p. 242.
188
Cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 265.
189
Cf. PIO XII. Mediator Dei. n. 71-73.
37

sacrifício de si mesmo, a humilde submissão do espírito, isto é, a adoração,


a honra, o louvor e a ação de graças à majestade suprema de Deus; requer,
além disso, que reproduzam em si mesmos as condições da vítima: a
abnegação de si conforme os preceitos do evangelho, o voluntário e
espontâneo exercício da penitência, a dor e a expiação dos próprios pecados.
Exige, em uma palavra, a nossa morte mística na cruz com Cristo, de
modo que possamos dizer com Paulo: ‘Estou crucificado com Cristo na cruz’
(Gl 2,19).190

Corrigindo algumas compreensões errôneas existentes na época acerca dessa


participação, Pio XII explica que essa participação não significa que os fiéis gozem dos
poderes sacerdotais. Os fiéis oferecem a vítima divina, mas sob um aspecto diverso. O
sacerdote, enquanto representante de Cristo Cabeça, oferece a oblação da vítima em união
com o povo e em nome do povo. Assim, o fiel, tendo-se tornado delegado ao culto divino pelo
seu batismo, toma parte como ofertante nesse sacrifício.191
Os fiéis que imolam a vítima divina no sacrifício eucarístico devem também imolar-se a
si mesmo como vítimas. Devem desejar tornar-se semelhantes a Jesus Cristo, o Sumo
Sacerdote, oferecendo-se a ele, e por meio dele, como hóstias espirituais.192

Assistindo, pois, ao altar, devemos transformar a nossa alma de modo que se


apague radicalmente todo o pecado que está nela, e com toda diligência se
restaure e reforce tudo aquilo que, mediante Cristo, dá a vida sobrenatural: e
assim nos tornemos, junto com a hóstia imaculada, uma vítima agradável a
Deus Pai.193

190
PIO XII. Mediator Dei. n. 74. Grifo meu.
191
Cf. PIO XII. Mediator Dei. n. 75-83.
192
Cf. PIO XII. Mediator Dei. n. 88-94.
193
PIO XII. Mediator Dei. n. 90.
38

CAPÍTULO 3 – A TEOLOGIA DO SACRIFÍCIO


EUCARÍSTICO NO MAGISTÉRIO RECENTE

Esse último capítulo do nosso trabalho visa apresentar como o magistério recente da
Igreja, desde o Vaticano II até a Encíclica Sacramentum Caritatis de Bento XVI, tem tratado
da teologia do sacrifício eucarístico. Por fim, encerraremos com algumas considerações de
Ioseph Ratzinger sobre a participação dos fiéis no sacrifício eucarístico.

3.1 Concílio Vaticano II

Apesar do Concílio Vaticano II não ter elaborado algum documento que tratasse
particularmente da Eucaristia, ele trata dela abundantemente em seus textos. Todavia, trata da
Eucaristia com insistência particular na Constituição Sacrosanctum Concilium.194
Através dessa constituição o Concílio confirma a doutrina tradicional sobre a eucaristia:
a Eucaristia é sacrifício (SC 47 e 49), sacramento (SC 47), banquete (SC 47-48), memorial da
paixão, morte e ressurreição de Cristo (SC 47) e presença real de Cristo (SC 55).195
O Concílio confirma a doutrina de Trento sobre a natureza sacrificial da Missa. Na
Constituição Sacrosanctum Concilium o sacrifício eucarístico é apresentado como meio pelo
qual é perpetuado o sacrifício da cruz de Cristo:

O nosso Salvador instituiu na última Ceia, na noite em que foi entregue, o


sacrifício eucarístico do seu corpo e do seu sangue para perpetuar no
decorrer dos séculos, até ele voltar, o sacrifício da cruz, e para confiar assim
à Igreja, sua esposa amada, o memorial da sua morte e ressurreição: sinal de
piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade, banquete pascal “em que se
recebe Cristo, a alma se enche de graça e nos é dado o penhor da glória
futura”.196

Esse documento apresenta a Eucaristia como centro da vida da Igreja. A própria


estrutura do documento nos aponta isso.197 O sacrifício eucarístico, apresentado no contexto

194
Cf. PIERRE-MARIE GY. Verbete “Eucaristia”. Teologia Histórica. In: LACOSTE, Jean-Yves (Org.).
Dicionário Crítico de Teologia. São Paulo: Paulinas: Loyola, 2004. p. 685. Esse documento foi assinado pelo
papa Paulo VI em 25 de Janeiro de 1964.
195
Cf. DANTAS. Filhos no Filho. p. 211.
196
Cf. CONCÍLIO VATICANO II. “Constituição Sacrosanctum Concilium”. In: Documentos do Concílio
Ecumênico Vaticano II. São Paulo: Paulus, 2001. n. 47.
197
Depois do proêmio, o primeiro capítulo trata da liturgia, como fonte e ápice da vida da Igreja (c. I); o segundo
é dedicado ao mistério eucarístico (c. II). Logo após, trata sobre os demais sacramentos e os sacramentais (c. III).
39

na vida litúrgica da Igreja, é o meio especial pelo qual, na liturgia, se atua a obra de nossa
redenção.198
Em torno da Eucaristia estão os sacramentos e os sacramentais. Por eles se atua, em
diversos níveis e com diferente eficácia, o único evento da nossa redenção. São meios pelos
quais a graça divina, que promana do mistério pascal de Cristo, santifica a vida dos fiéis.199
O documento afirma a presença de Cristo na Igreja, mas, de modo particular, nas ações
litúrgicas. Ele é o sujeito principal do agir litúrgico na Igreja. No sacrifício da Missa, Cristo
está presente na pessoa do ministro, mas de modo especial nas espécies eucarísticas.200
O Concílio também vai chamar atenção para a participação ativa, consciente e piedosa
dos fiéis no sacrifício eucarístico. Para facilitar essa participação dos fiéis, o Concílio orienta
para que seja feita uma restauração201 no ritual da Santa Missa, simplificando os ritos, mas
respeitando sua estrutura essencial.202

3.2 Teorias pós-conciliares e a Encíclica Mysterium Fidei de Paulo VI

Após o Concílio Vaticano II surgiram algumas teorias que dão grande ênfase ao
banquete eucarístico em detrimento da compreensão sacrificial da Santa Missa. Essas teorias
leem o dogma da presença real em uma perspectiva mais existencialista do que substancial.
Os dons do pão e do vinho adquirem depois da consagração um novo conceito e significado.
Partindo de uma redescoberta do pensar simbólico, esses autores interpretam que,
enquanto símbolos, o pão e o vinho sofrem uma mudança mais de significado e finalidade do
que de essência. Em lugar da terminologia “transubstanciação”, utilizam “transignificação” ou
“transfinalização” que, segundo eles, é equivalente. A presença de Cristo teria um caráter
mais dinâmico-funcional do que ontológico.203

Enfim, aborda o tema do Ofício Divino, ano litúrgico, música sacra e arte sacra e alfaias litúrgicas (c. IV-VII).
Cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 266.
198
Cf. CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium. n. 2.
199
Cf. CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium. n. 59-61.
200
Cf. CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium. n. 7.
201
Segundo Karl Rommer, houve uma tradução errônea do texto original da Sacrosanctum Concilium quando
fala da necessidade de uma instaurare liturgiam, que foi traduzido em muitas línguas por “reforma da liturgia”.
Todavia essa expressão latina significa “renovação ou restauração da liturgia”. Assim, a intenção do Concílio
não era propor uma “Reforma litúrgica”, mas uma renovação da liturgia que pudesse reconduzi-la ao seu
significado original e verdadeiro. Cf. ROMER, Karl. Liturgia: Reforma ou Renovação? In:
http://domromer.webnode.com.br/textos/liturgia/. Acesso: 28/10/2013.
202
Cf. CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium. n. 48-50.
203
Cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 268-269.
40

J. de Baciocchin parece ter sido o primeiro a elaborar essa concepção. 204 Alguns anos
mais tarde (em 1969), o Catechismo Olandese vai orientar esse pensamento:

A propriedade ou o ser das coisas materiais consiste em que são para o


homem, cada uma ao seu modo. Assim, para nós a propriedade do pão é de
ser alimento para o homem. No pão da mesa, esse ser se torna algo
totalmente diferente: o corpo de Jesus como alimento para a vida eterna.205

Esse pensamento apresenta caráter subjetivo da pessoa e da fé, pois confere ao banquete
eucarístico um novo significado, levando ao grande perigo de desaparecer o sentido objetivo
da presença real, consequentemente do aspecto sacrificial da Santa Missa.206
Nessa preocupação, Paulo VI escreve a encíclica Mysterium Fidei, que trata a sagrada
liturgia. Esse documento afirma um nexo de causalidade entre a transubstanciação e a
presença de Cristo.
Paulo VI dá grande ênfase à doutrina de Trento sobre o sacrifício da Missa: “No
Mistério Eucarístico é representado de modo admirável o Sacrifício da Cruz, consumado uma
vez para sempre no Calvário; e que nele se relembra perenemente a sua eficácia salutar na
remissão dos pecados que todos os dias cometemos”207. Ele ensina que o sacrifício faz parte
da essência da Missa, contudo, recorda que também é banquete, pois, pela recepção do corpo
e do sangue de Cristo, recebemos a graça, a antecipação da vida eterna e o remédio da
imortalidade.208
A Igreja desempenha, em união com Cristo, as funções de sacerdote e vítima, pois “é
ela toda que oferece o Sacrifício da Missa, como também ela toda é oferecida ao mesmo
tempo”209. Toda Missa é ação de Cristo e da Igreja. Nesse sacrifício que oferece, a Igreja
“aprende a oferecer-se a si mesma como sacrifício universal, e aplica, pela salvação do mundo
inteiro, a única e infinita eficácia redentora do Sacrifício de Cristo”210.
Enfim, Paulo VI ensina que não é possível fazer uma separação entre o Sacrifício e o
Sacramento da Eucaristia:

O Senhor Jesus imola-se de modo incruento no Sacrifício da Missa, que


representa o Sacrifício da Cruz e lhe aplica a eficácia salutar, no momento
em que, pelas palavras da consagração, começa a estar sacramentalmente

204
J. de Baciocchin desenvolve seu pensamento na sua obra Le mystère eucharistique dans les perspectives de la
Bible, cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 269.
205
Il Nuovo Catechismo Olandese, 689. In: ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 269.
206
Cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 270.
207
PAULO VI, papa. Encíclica Mysterium Fidei. São Paulo: Paulinas, 2005. n. 27.
208
Cf. PAULO VI. Encíclica Mysterium Fidei. n. 5.
209
PAULO VI. Encíclica Mysterium Fidei. n. 31.
210
PAULO VI. Encíclica Mysterium Fidei. n. 32.
41

presente, como alimento espiritual dos fiéis, sob as espécies do pão e do


vinho.211

3.3 João Paulo II

Iremos nos deter nessa parte do trabalho sobre três documentos do pontificado de João
Paulo II que trazem o tema do aspecto sacrificial da Eucaristia: a Encíclica Redemptor
Hominis (1979), a Encíclica Ecclesia de Eucharistia (2003) e a Carta Apostólica Mane
Nobiscum Domini (2004).212 Além desses documentos magisteriais, abordaremos também o
tema do sacrifício eucarístico no Catecismo da Igreja Católica, que foi elaborado e
promulgado sob o pontificado de João Paulo II (em 1992).

3.3.1 Encíclica Redemptor Hominis

João Paulo II escreve a primeira encíclica do seu pontificado com o título Redemptor
Hominis (1979). O conteúdo central dessa encíclica consiste no mistério da redenção de
Cristo. Esse mistério é o mistério da morte de Cristo na cruz e da sua Ressurreição, que a
Igreja revive cotidianamente celebrando, por mandato do próprio Cristo, a Eucaristia.213
Nesse sacramento, esse sacrifício é renovado continuamente. Dessa forma, celebrando a
Eucaristia, a Igreja participa da força redentora que emana desse sacrifício. 214 Assim, “a Igreja
permanece na esfera do mistério da redenção, que se tornou precisamente o princípio
fundamental da sua vida e da sua missão”215.
A Eucaristia é a forma sacramental mais expressiva do sacrifício que Cristo fez de si ao
Pai no altar da cruz. Esse sacramento é entendido como “o centro e o vértice de toda vida
sacramental”216. Pelos sacramentos, os cristãos recebem a força salvífica da redenção, como
vemos, por exemplo, no sacramento do batismo, onde os cristãos são imergidos no mistério
da morte e ressurreição de Cristo. Portanto, a Eucaristia, enquanto renovação contínua do

211
PAULO VI. Encíclica Mysterium Fidei. n. 34.
212
Vale lembrar que João Paulo II ainda escreveu outros documentos que também trazem essa temática, como,
por exemplo, a carta Dominicae Cenae, entre outros.
213
Cf. JOÃO PAULO II, papa. Encíclica Redemptor Hominis. São Paulo: Paulinas, 1990. n.7.
214
Cf. JOÃO PAULO II. Redemptor Hominis. n.20.
215
JOÃO PAULO II. Redemptor Hominis. n.7.
216
JOÃO PAULO II. Redemptor Hominis. n.20.
42

sacrifício que Cristo fez de si ao Pai no altar da cruz, se torna o centro e o vértice de toda a
vida sacramental da Igreja.217
Na Eucaristia nos unimos mais perfeitamente a Cristo. Essa união se dá mediante a
remissão realizada pelo ato redentor de Cristo, que nos torna filhos de Deus. Assim, nela se
exprime nosso novo ser, pois, enquanto participantes do mistério da redenção, temos acesso
aos frutos da filial reconciliação com Deus.218
A Igreja vive da Eucaristia, pois no sacrifício de Cristo ela é construída e regenerada.
Dessa forma, ela deve perseverar e progredir na piedade eucarística, respeitando a plena
dimensão do mistério de Cristo presente na Eucaristia:

Com maior razão, portanto, não é lícito nem no pensamento, nem na vida,
nem na ação tirar a este sacramento, verdadeiramente santíssimo, a sua plena
dimensão e o seu significado essencial. Ele é ao mesmo tempo sacramento-
sacrifício, sacramento-comunhão e sacramento-presença.219

3.2.2 Catecismo da Igreja Católica

O Catecismo da Igreja Católica, aprovado e promulgado por João Paulo II em 15 de


agosto de 1997, traz uma belíssima síntese sistemática acerca do sacramento da Eucaristia. 220
A Eucaristia é apresentada pelo Catecismo como “o memorial da Páscoa de Cristo, a
atualização e a oferta sacramental do seu único sacrifício na liturgia da Igreja, que é corpo
dele”221.
A ideia de “memorial” traz em si um sentido de rememorar e tornar atual. Assim,
“quando a Igreja celebra a Eucaristia, rememora a páscoa de Cristo e esta se torna presente: o
sacrifício que Cristo ofereceu uma vez por todas na cruz torna-se sempre atual”222.
Por se tratar de memorial, a Eucaristia pode ser entendida como sacrifício:

Por ser memorial da páscoa de Cristo, a Eucaristia é também um sacrifício.


O caráter sacrificial da Eucaristia é manifestado nas próprias palavras da
instituição: “Isto é o meu Corpo que será entregue por vós”, e “Este cálice é
a nova aliança em meu Sangue, que vai ser derramado por vós” (Lc 22,19-
20). Na Eucaristia, Cristo dá este mesmo corpo que entregou por nós na

217
Cf. JOÃO PAULO II. Redemptor Hominis. n.20.
218
Cf. JOÃO PAULO II. Redemptor Hominis. n.20.
219
JOÃO PAULO II. Redemptor Hominis. n.20.
220
Cf. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola, 2000. n.1322-1449. (Será utilizada a
abreviação “Cat.” para referir-se a esse documento). Sobre a Síntese sistemática acerca da eucaristia no
Catecismo, Cf. DANTAS. Filhos no Filho. p. 220-226.
221
Cat. 1362.
222
Cat. 1364.
43

cruz, o próprio sangue que “derramou por muitos para a remissão dos
pecados” (Mt 26,28)”.223

O Catecismo também confirma a doutrina de Trento acerca do caráter unitário do


sacrifício de Cristo que se realiza na Missa, pois na celebração é oferecido o mesmo Cristo,
embora de modos diferentes.224
O Catecismo afirma, por fim, que a Eucaristia é o sacrifício da Igreja, pois ela, enquanto
o corpo de Cristo, participa da oferta da sua Cabeça. Dessa forma, em Cristo sacrificado ela é
inteiramente oferecida, tornando-se também o sacrifício dos membros do seu Corpo e pode
ser oferecido pelos fiéis defuntos.225

3.3.3 Encíclica Ecclesia de Eucharistia

Com a Encíclica Ecclesia de Eucharistia (2003), João Paulo II coloca-se em profunda


unidade com o ensinamento dos Padres, com os Concílios Ecumênicos e com os seus
predecessores no que se refere à sua reflexão sobre a Eucaristia. A encíclica reafirma de modo
particular a doutrina do sacrifício eucarístico do Concílio Vaticano II, de que “o sacrifício
eucarístico é ‘fonte e centro de toda a vida cristã’”226.
Um dos intuitos de João Paulo II, ao escrever essa encíclica, é dissipar sombras de
abusos que obscurecem a fé e a doutrina do mistério eucarístico.227 “Às vezes transparece uma
compreensão muito redutiva do mistério eucarístico. Despojado do seu valor sacrificial, é
vivido como se em nada ultrapassasse o sentido e o valor de um encontro fraterno ao redor da
mesa”.228
No primeiro capítulo desse documento, João Paulo II apresenta um rico ensinamento
sobre o caráter sacrificial da Eucaristia, nos mostrando inúmeros pontos que nos remetem a
esse mistério. Inicia explicitando a condição dramática em que Jesus instituiu o sacrifício
eucarístico do seu corpo e sangue.229 As palavras da instituição da Eucaristia mostram que o
próprio Jesus exprime o valor sacrificial desse sacramento:

Ao instituí-lo, não se limitou a dizer “isto é o meu corpo”, “isto é o meu


sangue”, mas acrescenta: “entregue por vós (...) derramado por vós” (Lc 22,
19-20). Não se limitou a afirmar que o que lhes dava a comer e a beber era o
223
Cat. 1365.
224
Cf. Cat. 1367.
225
Cf. Cat. 1368-1361.
226
JOÃO PAULO II, papa. Encíclica Ecclesia de Eucharistia. São Paulo: Paulinas, 2003. n.1.
227
Cf. JOÃO PAULO II. Ecclesia de Eucharistia. n.10.
228
JOÃO PAULO II. Ecclesia de Eucharistia. n.10.
229
Cf. JOÃO PAULO II. Ecclesia de Eucharistia. n.11.
44

seu corpo e o seu sangue, mas exprimiu também o seu valor sacrificial,
tornando sacramentalmente presente o seu sacrifício, que algumas horas
depois realizaria na cruz pela salvação de todos. “A Missa é, ao mesmo
tempo e inseparavelmente, o memorial sacrificial em que se perpetua o
sacrifício da cruz e o banquete sagrado da comunhão do corpo e sangue do
Senhor”.230

Na Eucaristia celebrada pela Igreja, a obra de salvação se torna presente e realiza-se.


Assim, é aplicada aos homens de hoje a reconciliação obtida por Cristo através desse
sacrifício. O sacrifício eucarístico é, portanto, o único sacrifício de Cristo que
incessantemente é atualizado no tempo. “A natureza sacrificial do mistério eucarístico não
pode ser entendida como algo isolado, independente da cruz ou com uma referência apenas
indireta ao sacrifício do Calvário”231.
Dessa forma não podemos entender o sacrifício de Cristo na Eucaristia como um
sacrifício apenas genérico, como se sua oferta consistisse apenas pelo fato de se dar em
alimento aos fiéis, mas o sacrifício eucarístico é sacrifício em sentido próprio, relacionado
diretamente com o sacrifício do Gólgota.232
Todavia, não somente o mistério da paixão e morte de Jesus se torna presente no
sacrifício eucarístico, “mas também o mistério da sua ressurreição, que dá ao sacrifício sua
coroação”233.
O documento fala também da orientação do sacrifício eucarístico. Sua eficácia salvífica
se realiza de maneira plena quando recebemos seu corpo e sangue na comunhão. Assim, esse
sacrifício se orienta de maneira particular à união dos fiéis com Cristo na comunhão.234
Enfim, o sacrifício eucarístico possui uma dimensão escatológica, pois “ao celebrarmos
o sacrifício do Cordeiro unimo-nos à liturgia celeste, associando-nos àquela multidão imensa
que grita: ‘A salvação pertence ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro (Ap
7,10)’”235.

230
JOÃO PAULO II. Ecclesia de Eucharistia. n.12.
231
JOÃO PAULO II. Ecclesia de Eucharistia. n.12.
232
Cf. JOÃO PAULO II. Ecclesia de Eucharistia. n.13.
233
JOÃO PAULO II. Ecclesia de Eucharistia. n.14.
234
Cf. JOÃO PAULO II. Ecclesia de Eucharistia. n.16.
235
JOÃO PAULO II. Ecclesia de Eucharistia. n.19.
45

3.3.4 Carta Apostólica Mane Nobiscum Domine

João Paulo II publica a Carta Apostólica Mane Nobiscum Domine em outubro de 2004,
por ocasião do Ano da Eucaristia que se iniciava.
Em relação ao que essa carta aborda acerca da dimensão sacrificial da Eucaristia, o papa
reforça aquilo que já expressou na Ecclesia de Eucharistia, que não deve ser descuidada
nenhuma dimensão desse sacramento. Ele ensina que o homem deve abrir-se à dimensão do
Mistério e não podemos cair na tentação de reduzir a Eucaristia às suas próprias dimensões.236
Ele enfatiza que, de fato, a dimensão mais evidente seja a do banquete, devido ser
instituída em um contexto de banquete pascal, trazendo na sua estrutura o sentido de convívio.
O papa ensina que “este aspecto exprime bem a relação de comunhão que Deus quis
estabelecer conosco e que nós mesmos devemos desenvolver mutuamente”237.
Todavia, afirma que o sentido profundo e primordial da Eucaristia é sacrificial, pois a
Santa Missa é memorial do sacrifício de Cristo no Gólgota. “Mesmo estando presente nele
ressurgido, ele traz os sinais da paixão, da qual a Santa Missa é ‘memorial’, como a liturgia
nos recorda com a aclamação depois da consagração: ‘Anunciamos vossa morte, Senhor,
proclamamos vossa ressurreição [...]’”238.

3.4 A Exortação Apostólica Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis de Bento


XVI

Em 2007, o papa Bento XVI escreve a Exotação Apóstólica Pós-Sinodal Sacramentum


Caritatis como fruto do Sínodo dos Bispos dedicado ao tema da Eucaristia.
Bento XVI apresenta a Eucaristia como o “Sacramento da Caridade”, pois ela é a
doação que Jesus faz de si mesmo e, assim, nos revela o amor infinito de Deus por cada
homem. No dom do seu corpo e sangue dado por nós, Jesus continua a nos amar até o fim.239
A Eucaristia contém a novidade radical da realização da Nova e Eterna Aliança,
realizada pela oferta sacrificial que o próprio Jesus, o verdadeiro Cordeiro pascal, faz de si.
Essa novidade nos é oferecida a cada celebração.240

236
Cf. JOÃO PAULO II, papa. Carta Ap. Mane Nobiscum Domine. São Paulo: Paulinas, 2005. n. 14.
237
JOÃO PAULO II. Mane Nobiscum Domine. n. 15.
238
JOÃO PAULO II. Mane Nobiscum Domine. n. 15.
239
Cf. BENTO XVI, papa. Exort. Ap. Pós-Sin. Sacramentum Caritatis. São Paulo: Paulinas, 2007. n. 1.
240
Cf. BENTO XVI. Sacramentum Caritatis. n. 9.
46

Bento XVI explica que o contexto da instituição da Eucaristia mostra a dimensão de


libertação radical que Jesus veio realizar na humanidade. A Eucaristia foi instituída por Jesus
em um contexto da ceia ritual onde se celebrava a libertação do povo de Israel da escravidão
do Egito. Todavia, se entendia que essa libertação não era definitiva, mas que abria-se a uma
libertação mais profunda, radical, universal e definitiva.241
Jesus, no Berakah, dá graças ao Pai não só pelos acontecimentos da história, mas pela
sua própria exaltação que realiza a libertação definitiva da humanidade:

Ao instituir o sacramento da Eucaristia, Jesus antecipa e implica o sacrifício


da cruz e a vitória da ressurreição; ao mesmo tempo, revela-Se como
o verdadeiro Cordeiro imolado, previsto no desígnio do Pai desde a
fundação do mundo, como se lê na Primeira Carta de Pedro (cf. 1,18-20). Ao
colocar o dom de Si mesmo neste contexto, Jesus manifesta o sentido
salvífico da sua morte e ressurreição, mistério este que se torna uma
realidade renovadora da história e do mundo inteiro. Com efeito, a
instituição da Eucaristia mostra como aquela morte, de per si violenta e
absurda, se tenha tornado, em Jesus, acto supremo de amor e libertação
definitiva da humanidade do mal.242

Apesar da novidade radical de Jesus ser inserida no âmbito da ceia pascal hebraica, os
cristãos não tem mais necessidade de repetir tal ceia, pois “aquilo que anunciava as realidades
futuras cedeu agora lugar à própria Verdade. O antigo rito consumou-se e ficou
definitivamente superado mediante o dom de amor do Filho de Deus encarnado”243.
Ao ordenar “fazei isto em memória de mim” (Lc 22,19; 1 Cor 11,25), Jesus espera que a
Igreja, que nasceu do seu sacrifício, desenvolva a forma litúrgica desse sacramento, confiando
a ela, dessa forma, a missão de entrar na sua “hora”.244
Enfim, cita a Encíclica Deus Caritas Est, ao falar que a Eucaristia nos arrasta à sua
dinâmica de doação: “A eucaristia arrasta-nos ao ato oblativo de Jesus. Não é só de modo
estático que recebemos o Logos encarnado, mas ficamos envolvidos na dinâmica da sua
doação”245.

241
Cf. BENTO XVI. Sacramentum Caritatis. n. 10.
242
BENTO XVI. Sacramentum Caritatis. n. 10.
243
BENTO XVI. Sacramentum Caritatis. n. 11.
244
Cf. BENTO XVI. Sacramentum Caritatis. n. 11. Bento XVI analisa as mudanças da forma litúrgica no
decorrer da história em uma ótica de unidade no desenvolvimento histórico do rito litúrgico. A Igreja, guiada
pelo auxílio do Espírito Santo, desenvolve no tempo e no espaço as formas litúrgicas. Cf. BENTO XVI.
Sacramentum Caritatis. n. 3 e 12. Bento XVI fala da necessidade de uma hermenêutica da continuidade para
uma correta leitura da reforma litúrgica proposta pelo Concílio Vaticano II. Ele afirma que a hermenêutica da
reforma é uma hermenêutica de continuidade, não de descontinuidade. Cf. BENTO XVI, papa. Discurso do papa
Bento XVI à Cúria Romana, em 22 de Dezembro de 2005. In: http://www.vatican.va/. Acesso: 26/10/2013. Cf.
também MARINI, Guido. Liturgia. Mistério da Salvação. São Paulo: Paulus, 2012. p. 5-9.
245
BENTO XVI, papa. Encíclica Deus Caritas Est. São Paulo: Paulinas, 2006. n. 13.
47

3.5 Observações conclusivas

Tendo analisado os aspectos teológicos da dimensão sacrificial da Eucaristia,


gostaríamos de encerrar com algumas observações conclusivas. Vimos como o magistério
eclesial confirmou a doutrina do sacrifício eucarístico, onde a realidade do sacrifício de Cristo
faz parte da essência desse sacramento e que é uma dimensão que não pode ser negligenciada.
Na reflexão atual sobre a dimensão sacrificial da Eucaristia, Joseph Ratzinger aparece
como um grande expoente da teologia contemporânea que apresentou problemáticas que
implicam diretamente nessa reflexão. Diante do que foi analisado acerca do sacrifício
eucarístico, acreditamos que suas reflexões parece-nos das mais plausíveis no que se refere à
apresentar possíveis caminhos de respostas diante de questões da vivência litúrgica atual.
As mudanças litúrgicas ocorridas no período pós-Vaticano II marcam de maneira
profunda a vivência eucarística da Igreja de hoje.246 A partir dela, foi dado grande realce ao
aspecto de banquete, que não deixa de fazer parte de uma dimensão desse sacramento,
todavia, tendendo para uma compreensão da celebração eucarística em uma perspectiva
meramente convivial.
Essa discursão se estende sobre a problemática do espaço sagrado no período pós-
Vaticano II. A dimensão sacrificial é uma coordenada importante para a questão do espaço
sagrado, e que precisa ser explicada na arquitetura sagrada. É preciso nos questionar se essa
dimensão sacrificial está sendo levada em conta na produção do espaço sagrado. Assim,
poderíamos nos perguntar se a perspectiva da oração versus populum favorece ou não a
vivência do mistério eucarístico na sua dimensão sacrificial. Ratzinger ensina que a orientação
versus populum, propostas pelas inovações litúrgicas do período pós-Vaticano II, expressam
essa redescoberta do valor do banquete.247
Segundo Ratzinger, a perspectiva da orientação da oração versus populum na celebração
eucarística pode fazer realçar mais o aspecto convivial do que o aspecto sacrificial. Ele
levanta essa problemática acerca da orientação da oração na celebração eucarística, visto a
reforma litúrgica ter orientado que a Eucaristia fosse celebrada voltada para o povo (versus
populum), e não mais voltada para o Oriente, lugar da encarnação de Jesus e do seu sacrifício.
O sentido de volta-se para o Oriente era semelhante ao sentido das orações que eram feitas na
Sinagoga, voltadas para Jerusalém, no sentido de estarem voltados para o Senhor. De fato, a
Sacrosanctum Concilium não fala de uma celebração voltada para o povo. Essa forma versus

246
Cf. ALDAZABAL. A Eucaristia. p. 314.
247
Cf. RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 57.
48

populum não tem origem na tradição católica, nem ortodoxa, mas protestante, visto ser Lutero
o primeiro a celebrar versus populum na sua missa reformada, em 1526. Lutero, negando o
caráter sacrificial da Santa Missa, prefere um aspecto mais convivial. A proposta de Ratzinger
para “corrigir” essa orientação da oração na liturgia da Missa, que dava mais ênfase ao
aspecto convivial em detrimento ao aspecto essencial do sacrifício, é colocar a cruz no centro
do altar, onde todos estão voltados para o Senhor. 248
O grande debate de fundo aí parece-nos ser que o realce que se deu no pós-Vaticano II
ao aspecto do banquete acarretou em uma redução da compreensão do sentido sacrificial da
Eucaristia, reduzindo-o a uma dimensão simplesmente convivial. Isso pode acarretar outras
questões, como a própria perda da diferença entre o sacerdócio ministerial e o sacerdócio
comum dos fiéis.
O documento Sacerdotium Ministeriale da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé,
de 1983, alerta para esse risco de se entender a celebração da Eucaristia somente como uma
reunião da comunidade local para comemorar a Última Ceia de Cristo, exprimindo mais um
aspecto de uma reunião de convívio fraterno do que a renovação do Sacrifício de Cristo.
Dessa forma, se excluiria também a compreensão da diferença essencial entre o sacerdócio
comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial, correndo-se o risco de desassociar a eucaristia do
sacramento da Ordem.249
Muitas dessas problemáticas ligadas à práticas litúrgicas pós-Vaticano II, segundo
Ratzinger, parecem provir de uma não-correta compreensão de alguns aspectos do Concílio.
Ele coloca essa questão mostrando-se, de certa maneira, insatisfeito com algumas atuações
litúrgicas vistas nos decênios pós-conciliares, onde houve certo abuso no espírito das linhas
traçadas pelo Concílio, buscando corrigir os fundamentos teológicos de manifestações,250 e
alertando para uma correta hermenêutica do Concílio.251
Assim, percebemos também que as debilidades e os problemas das práticas litúrgicas
estão ligados à falta de claridade na relação das esferas dogmáticas e litúrgicas. João Paulo II
já falava na encíclica Ecclesia de Eucharistia sobre as luzes e sombras de doutrinas práticas

248
Cf. RATZINGER. Introdução ao espírito da liturgia. p. 55-62. Cf. também comentário de BUX, Nicolas.
Come andare a Messa e non perdere da fede. Milano: Piemme, 2010. p. 22-28.
249
SAGRADA CONGRAGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Sacerdotium Ministeriale. In:
http://www.vatican.va/. Acesso: 26/10/2013.
250
Cf. PÉREZ, Ricardo. “Liturgia y Teologia em Joseph Ratzinger”. In: MADRIGAL, Santiago. El Pensamiento
de Joseph Ratzinger. Teologo y Papa. Madrid: San Pablo, 2009. p. 303-304.
251
O papa Bento alertava para uma correta recepção do Concílio, para não cairmos em uma hermenêutica da
descontinuidade e da ruptura, que pode desencadear em uma ruptura da Igreja pré-conciliar e a Igreja pós-
conciliar, mas em uma hermenêutica da reforma, que realça o aspecto da continuidade da Igreja, que, como um
único sujeito, cresce e se desenvolve. Cf. BENTO XVI, papa. Discurso à cúria Romana, em 22 de Dezembro de
2005.
49

que reduzem a compreensão do mistério eucarístico.252 “A falta de claridade nas relações


entre as esferas dogmáticas e litúrgicas, que segue presente no Concílio Vaticano II, constitui
o problema central da reforma litúrgica; por este lastre se explica uma boa parte dos
problemas que nos ocupam desde então”253.
Ratzinger percebe que a tese que fala da Eucaristia apenas como alimento, praticamente
destituindo-a do seu conteúdo sacrificial, é a que mais se deve esclarecer.254 Devemos
reconhecer na celebração eucarística o seu caráter sacrificial, e estarmos atentos para não
considerá-la simplesmente como uma “celebração comunitária, um ato em que a comunidade
se configura e se experimenta como tal”255, correndo o risco de considerar a liturgia,
acrescenta ironicamente, como “uma festa de vizinhos”.256
Ele nos explica que a Última Ceia que Jesus celebrou com seus discípulos foi
ritualmente judia. Todavia, essa não é a base da sua forma litúrgica: “A Última Ceia é a base
do conteúdo dogmático da Eucaristia cristã, mas não sua forma litúrgica”.257 Na época dos
apóstolos ela começa a ganhar sua forma própria na medida em que o memorial da Ceia do
Senhor é distinguido do ágape da comunidade. A Eucaristia não é uma simples comida de
amigos, mas é Jesus ofertado e ressuscitado que se dá em alimento para nós:

A “Eucaristia” significa o dom de comunhão em que o Senhor se dá em


comida para nós, como a entrega de Jesus Cristo, que completa seu sim
trinitário ao Pai com o seu sim da cruz, reconciliando-nos com o Pai por este
“sacrifício”. Entre “comida” e “sacrifício” não há contradição: no novo
sacrifício do Senhor ambas são inseparáveis.258

Vemos, assim, a intrínseca união que a forma litúrgica deve ter com o conteúdo
dogmático. Isso supera as compreensões superficiais que convergem a Eucaristia em uma
comida de amigos que celebram sua vida e amizade, e nos faz ver a Eucaristia como a entrega
de Jesus ao Pai, nos fazendo participantes do seu Corpo e Sangue. 259 Dessa forma, ao
recebermos esse sacramento, entramos em comunhão de sangue com Jesus, onde a vida de
Cristo é compenetrada com a nossa.260

252
Cf. JOÃO PAULO II. Ecclesia de Eucharistia. n. 10.
253
RATZINGER, Joseph. La Fiesta de la Fe. Ensayo de Teología Litúrgica. 4ª ed. Bilbao: Desclée de Brouwer,
2010. Tradução minha. p. 47.
254
Cf. RATZINGER. La Fiesta de la Fe. p. 47. Cf. também PÉREZ. Liturgia y Teologia em Joseph Ratzinger.
p. 305.
255
RATZINGER. La Fiesta de la Fe. p. 84. Tradução minha.
256
Cf. PÉREZ. Liturgia y Teologia em Joseph Ratzinger. p. 305.
257
RATZINGER. La Fiesta de la Fe. p. 54. Tradução minha.
258
RATZINGER. La Fiesta de la Fe. p. 66. Tradução minha.
259
Cf. PÉREZ. Liturgia y Teologia em Joseph Ratzinger. p. 305. Lembremos que na visão hebraica “sangue”
significa “vida”.
260
Cf. RATZINGER. La celebrazione dell’Eucaristia. p. 495.
50

Todavia, a Eucaristia é, por natureza celebração e festa. É a festa da Ressurreição, do


mistério Pascal, em que fazemos memória da vitória do Ressuscitado que vence a morte e o
pecado:

A liturgia cristã – eucaristia – é por natureza a festa da ressurreição,


Mysterium Paschae. Como tal leva consigo o mistério da cruz, que é
condição da ressurreição. Chamar a eucaristia de comida da comunidade é
torná-la trivial, porque custou a morte de Cristo, e a alegria que leva
pressupõe a entrada no mistério da morte. A eucaristia tem uma orientação
escatológica e se centra na teologia da cruz. Isso é o que a Igreja quer dizer
quando mantém o caráter do sacrifício da Missa.261

Por fim, o cristão deve saber-se como vivenciar essa grande festa do mistério pascal de
Cristo. O Concílio Vaticano II nos apontou as indicações de como deve ser a participação dos
fiéis no sacrifício eucarístico. Ele nos ensina que os cristãos e a comunidade devem participar
consciente, piedosa e ativamente da celebração litúrgica.262 Tendo como alvo essa
participação ativa dos fiéis na liturgia, “para permitir ao povo cristão o acesso mais seguro à
abundância de graças que a liturgia contém”263, foram feitas mudanças litúrgicas após o
Concílio.264
Segundo Ratzinger, essa participação ativa proposta pelo Concílio pode ser facilmente
mal interpretada, visto que “o sentido dessa palavra facilmente leva a equívocos, pensando
que se trata de um ato geral e apenas exterior, como se todos tivesses de – quanto mais
possível tanto melhor – ver-se em ação”265. Na Exortação Sacramentum Caritatis, o papa
Bento XVI recorda que a actuosa participatio, que envolve o homem por inteiro, é
primordialmente interior, sem esquecer a sua dimensão exterior.266
Ratzinger nos ensina que, ao falarmos de “participação”, entendemos a existência de
uma actio principal na qual todos devem participar. O estudo das fontes litúrgicas nos
apontam que essa actio central na liturgia, ou seja, o verdadeiro ato litúrgico, é a oração
eucarística, ou seja, a oratio que constitui o núcleo da celebração eucarística.267
Essa actio, no sentido mais elevado do termo, mais do que uma actio humana, é actio
divina, ou seja, é o sacrifício do Verbo encarnado, o Logos de Deus que, representando nossa
humanidade, se dirige a Deus, nos envolvendo, assim, na verdadeira adoração. 268 A actio

261
RATZINGER. La Fiesta de la fe. p. 89. Tradução minha.
262
Cf. CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium. n. 48.
263
CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium. n. 21.
264
Cf. BUX. Come andare a Messa e non perdere da fede. p. 160.
265
RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 127.
266
Cf. BENTO XVI. Sacramentum Caritatis. n. 55.
267
Cf. RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 127.
268
Cf. RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 128-129.
51

divina é a obra de Cristo, a obra de nossa redenção, que possui como núcleo o mistério pascal
de Cristo,269 e encontra no sacrifício da Eucaristia a forma especial pela qual é realizada.270
Assim, “a novidade e a particularidade da Liturgia cristã é o fato de ser o próprio Deus quem
age e concretiza o essencial, elevando a Criação nova, fazendo-se acessível, de modo a que
seja possível comunicar pessoalmente com ele”271.
Dessa forma, Ratzinger nos ensina que, na Liturgia eucarística, o agir de Deus nos
envolve nos seus atos, ou seja, não há uma actio de Cristo e outra nossa, mas uma só actio,
pois “aquele, porém, que se une ao Senhor constitui, com ele, um só espírito” (1 Cor 6,17).272
Isso nos aponta que uma educação litúrgica para a participação dos fiéis na liturgia deve
conduzir para a verdadeira actio.273 Assim, participação ativa dos fiéis é uma participação
interior e exterior. A comunidade litúrgica deve exprimir uma expressão comum que não se
reduza a mera exterioridade, mas é necessária uma interiorização comum.274

Esta participação ativa significa participação consciente, livre, crente,


acolhedora, responsável e frutuosa. Ante a Palavra de Deus e a Eucaristia
está o homem solicitado a dar a suprema resposta. Não pode esquivar o
coração, nem adormecer o espírito, nem limitar-se a cumprir seu papel, nem
ficar impermeável ao chamado de Deus, nem estar de corpo presente e
espírito ausente na celebração, nem assistir distraído ao acontecimento da
graça. Participar não é o mesmo que intervir, se participa também escutando;
a acolhida é também ação.275

Todavia, a compreensão da dimensão sacrificial da Eucaristia, entendida como essa


actio de Deus, tanto por parte da assembleia, como do sacerdote, é um fator que favorece em
profundidade e fecundidade a participação da Santa Missa. Entendendo essa actio de Deus
como a oferta do corpo e sangue de Cristo, o Logos encarnado, e que estamos em união com
essa actio, significa dizer que, com nosso corpo, particularmente a nossa existência corporal
cotidiana, participamos do ato litúrgico. E essa participação transcende o culto litúrgico e
torna-se Liturgia de Fé, atingindo, assim, nosso cotidiano e tornando-o “litúrgico”, ou seja,
missão para transformação do mundo.276

269
RATZINGER, Joseph. “La discurssione su ‘Lo Spirito della Liturgia’”. In: RATZINGER, Ioseph. Teologia
della Liturgia. La fondazione sacramentale dell’esistenza Cristiana. Opera Omnia. Volume XI. Città del
Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2010. p. 729-730.
270
CONCILIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium. n. 2.
271
RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 128.
272
Cf. RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 129.
273
Cf. RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 130.
274
Cf. RATZINGER. La Fiesta de la fe. p. 94-95.
275
PÉREZ. Liturgia y Teologia em Joseph Ratzinger. p. 314. Tradução minha.
276
Cf. RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 130.
52

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo de todo o nosso trabalho pudemos percorrer um caminho teológico de


encontro com um aspecto tão essencial do sacramento da Eucaristia, que é sua dimensão
sacrificial. Cremos que esse tema é de profunda importância para a teologia e para a prática
litúrgica.
Com o intuito de expormos elementos que nos permitam falar do sacrifício eucarístico,
iniciamos nosso trabalho com a perspectiva do sacrifício na fenomenologia das religiões. Em
seguida, tentamos recuperar os traços veterotestamentários da dimensão sacrificial da
Eucaristia.
Nessa perspectiva da economia sacrificial veterotestamentária, percebemos a linha de
continuidade da Sagrada Escritura, onde a Antiga Aliança é levada à sua plenificação em
Jesus Cristo. Assim, não podemos falar em uma ruptura entre a Antiga e a Nova Aliança, mas
é necessário pensar em uma relação entre elas. Dessa forma, entendemos que o sacrifício de
Cristo veio plenificar e cumprir toda a economia do Antigo Testamento.
No sacramento da Eucaristia, instituído por ele mesmo na Última Ceia, deixa para a
Igreja o memorial do seu sacrifício. Na Última Ceia, Jesus dá a si mesmo como o verdadeiro
Cordeiro, como que antecipando a sua oferta na cruz, instituindo, assim, a sua Páscoa.
Os Padres da Igreja, grandes testemunhas do início do cristianismo, apontaram
diretrizes para o desenvolvimento da teologia do mistério do sacrifício eucarístico. Pelos seus
ensinamentos, de profunda riqueza teológica, deram grande contribuição à Igreja para a
elaboração da sua doutrina eucarística.
As problemáticas surgidas no decorrer da história levaram a Igreja a um posicionamento
claro da sua doutrina eucarística, como vimos na posição de Trento em relação à teologia
protestante. Todavia, surgiram outras discursões, como a questão do oblacionismo e do
imolacionismo. A Igreja, contudo, reagiu com o posicionamento do magistério, como vimos
com a Mediator Dei de Pio XII.
Os novos termos utilizados pelo Concílio de Latrão abriram à teologia uma nova
linguagem para poder se falar do mistério eucarístico. Essa nova linguagem, de influência da
filosofia aristotélica, é utilizada abundantemente por Santo Tomás de Aquino, possibilitando-
o dar uma riquíssima contribuição na compreensão da teologia do mistério eucarístico.
53

A doutrina eucarística da reforma trouxe grande prejuízo à compreensão da dimensão


sacrificial da Eucaristia. Suas objeções, apesar de combatidas rigorosamente pelo Concílio de
Trento, tiveram (e ainda tem) uma forte influência sobre a compreensão e a vivência do
mistério eucarístico. Lutero, considerando como um horror e uma idolatria o fato de se falar
em uma dimensão sacrificial na Santa Missa, abriu as porta para uma compreensão da
celebração eucarística em uma perspectiva sempre mais convivial.
Vimos, assim, que a teologia protestante acerca da Eucaristia deixou marcar profundas
na liturgia. Um dos aspectos dessa influência protestante que a Igreja enfrentou, e, de certa
maneira, enfrenta na atualidade, é a questão do realce extremo dado ao aspecto do banquete,
em detrimento da dimensão sacrificial da Eucaristia.
O Concílio de Trento, reagindo aos reformadores sobre os pontos referentes da doutrina
da Eucaristia, contribuiu grandemente para o desenvolvimento da teologia eucarística. Sua
doutrina veio ser reafirmada e aprofundada por todo o magistério posterior.
Já o movimento litúrgico, a Mediator Dei e o Concílio Vaticano II, apontaram para a
perspectiva de uma participação mais ativa e frutuosa dos fiéis no sacrifício eucarístico. Essa
participação será alvo das mudanças na liturgia feitas após o Concílio. Na Mediator Dei de
Pio XII, em particular, a Igreja expressa sua redescoberta da perspectiva de uma participação
mais frutuosa dos fiéis no mistério eucarístico. Essa perspectiva foi reafirmada pelo Concílio
Vaticano II quando convida os fiéis a uma participação mais ativa na celebração do sacrifício
eucarístico.
Toda a teologia desenvolvida pelo magistério posterior ao Concílio Vaticano II veio
reafirmar a doutrina sacrificial declarada pelo magistério precedente. Todavia, foi preciso
dialogar com perspectivas teológicas que dão grande ênfase ao aspecto de banquete
eucarístico em detrimento da dimensão sacrificial desse sacramento.
Essa problemática apresenta-se atual, pois traz influência profunda nas práticas
litúrgicas atuais. Além de toda a riqueza que tivemos no magistério de Paulo VI e João Paulo
II, vimos que o teólogo Joseph Ratzinger nos apontou perspectivas dessa problemática e
possíveis soluções para o assunto.
Esse trabalho visou, antes de tudo, uma redescoberta do valor sacrificial da Eucaristia.
Propomos essa pesquisa com o desejo de que, no futuro, a reflexão litúrgica encontre o
pêndulo entre esses polos do sacrifício e do banquete. Sabemos que visões extremistas nos
levam a excluir um ou outro aspecto. Todavia, sem negar uma ou outra realidade, deve-se
encontrar esse equilíbrio na teologia e na pastoral litúrgica.
54

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Citações Bíblicas:

Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2008.

Documentos Magisteriais:

BENTO XVI, papa. Discurso do papa Bento XVI à Cúria Romana, em 22 de Dezembro de
2005. In: http://www.vatican.va/. Acesso: 26/10/2013.

BENTO XVI, papa. Encíclica Deus Caritas Est. São Paulo: Paulinas, 2006.

BENTO XVI, papa. Exort. Ap. Pós-Sin. Sacramentum Caritatis. São Paulo: Paulinas, 2007.

BENTO XVI, papa. Exort. Ap. Pós-Sin. Verbum Domini. São Paulo: Paulinas, 2010.

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola, 2000.

CONCÍLIO DE LATRÃO IV. A Fé Católica. In: DH 800-802.

CONCÍLIO DE TRENTO. Decreto sobre o Sacramento da Eucaristia. In: DH 1635-1760.

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