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SACRAMENTO PASCAL:
Uma Introdução Teológica à Dimensão Sacrificial da Eucaristia
Fortaleza
2013
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SACRAMENTO PASCAL:
Uma Introdução Teológica à Dimensão Sacrificial da Eucaristia
Fortaleza
2013
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SACRAMENTO PASCAL:
Uma Introdução Teológica à Dimensão Sacrificial da Eucaristia
Banca Examinadora
_____________________________________
Prof. Orientador
_____________________________________
Prof. Examinador
Fortaleza
2013
3
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo dom da vida e da vocação, e por sua graça e misericórdia que sempre me
acompanharam.
Ao Prof. Dr Pe João Paulo Dantas, pela dedicação em orientar essa minha pesquisa.
Aos meus irmãos da Comunidade Católica Shalom, por me sustentarem nesse período dos
estudos teológicos com suas orações e presença na minha vida.
Ao Padre Denys Lima, pela dedicação na formação dos seminaristas da Comunidade Católica
Shalom.
Aos meus familiares, meus pais Gabriel e Nely, meus irmãos, Rodrigo, Rafael e Gabriel
Júnior, pelo apoio e o amor de vocês nos meus estudos e em toda a minha vida.
Aos meus irmãos seminaristas, pela presença fraterna que muito me sustentou nesses anos de
estudo.
Ao meus amigos do grupo de estudo, Alex de Brito, Vicente, Diácono José Carlos, Laura,
Livandro e Cledison, pela amizade sempre presente nesses anos.
Aos benfeitores dos seminaristas, por serem grandes instrumento da providência de Deus com
suas orações e com o custeio dos nossos estudos.
À Faculdade Católica de Fortaleza, onde pude estudar durante sete anos, à sua direção,
professores e funcionários, por todo o empenho em favorecer uma boa formação aos seus
alunos.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 5
CAPÍTULO 1 – O SACRIFÍCIO NO ANTIGO TESTAMENTO E O SACRIFÍCIO DE
CRISTO ...................................................................................................................................... 7
1.1 Conceito geral de Sacrifício .............................................................................................. 7
1.2 A economia sacrificial no Antigo Testamento ............................................................... 10
1.2.1 Tipos de sacrifícios na Antiga Aliança .................................................................... 11
1.3 O Sacrifício de Cristo: realização da economia sacrificial da Antiga Aliança ............... 14
1.4 A instituição da Eucaristia .............................................................................................. 18
CAPÍTULO 2 – DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA TEOLOGIA DO SACRIFÍCIO
EUCARÍSTICO ........................................................................................................................ 22
2.1 Período patrístico ............................................................................................................ 22
2.1.1 A Didaché ................................................................................................................ 22
2.1.2 Inácio de Antioquia .................................................................................................. 23
2.1.3 Justino....................................................................................................................... 25
2.1.4 Irineu de Lyon .......................................................................................................... 26
2.1.5 Eusébio de Cesaréia ................................................................................................. 27
2.1.6 Agostinho ................................................................................................................. 28
2.2 O Concílio de Latrão IV e a Teologia de Tomás de Aquino .......................................... 29
2.3 Reforma Protestante e Concílio de Trento ...................................................................... 30
2.3.1 Lutero ....................................................................................................................... 31
2.3.2 Calvino ..................................................................................................................... 32
2.3.3 Zwinglio ................................................................................................................... 33
2.3.4 Concílio de Trento .................................................................................................... 33
2.4 O debate pós-tridentino: tendências imolacionista e oblacionista .................................. 35
2.5 O movimento litúrgico e a Encíclica Mediator Dei de Pio XII ...................................... 36
CAPÍTULO 3 – A TEOLOGIA DO SACRIFÍCIO EUCARÍSTICO NO MAGISTÉRIO
RECENTE ................................................................................................................................ 38
3.1 Concílio Vaticano II........................................................................................................ 38
3.2 Teorias pós-conciliares e a Encíclica Mysterium Fidei de Paulo VI .............................. 39
3.3 João Paulo II ................................................................................................................... 41
3.3.1 Encíclica Redemptor Hominis .................................................................................. 41
3.2.2 Catecismo da Igreja Católica.................................................................................... 42
3.3.3 Encíclica Ecclesia de Eucharistia ............................................................................ 43
3.3.4 Carta Apostólica Mane Nobiscum Domine .............................................................. 45
3.4 A Exortação Apostólica Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis de Bento XVI ................ 45
3.5 Observações conclusivas ................................................................................................ 47
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 52
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 54
5
INTRODUÇÃO
1
Sobre demais dimensões do sacramento da Eucaristia, cf. Catecismo da Igreja Católica, n.1328-1332.
7
Para que possamos falar de uma dimensão sacrificial da Eucaristia, nossa reflexão terá
como ponto de partida uma análise introdutória da categoria de sacrifício na fenomenologia
das religiões e os diversos sacrifícios da Antiga Aliança, levados ao seu cumprimento na
Nova Aliança realizada por Jesus Cristo. Enfim, veremos como no sacramento da Eucaristia
se faz presente a dimensão do seu sacrifício.
2
Cf. SESBOÜÉ, Bernard. Jesucristo, El Único Mediador. Ensayo sobre la redención y la salvación. Tomo I.
Salamanca: Secretariado Trinitario, 2010. p. 326.
3
Cf. SESBOÜÉ. Jesucristo, El Único Mediador. p. 327.
4
VAUX, R. de. Instituições de Israel no Antigo Testamento. Trad. Daniel de Oliveira. São Paulo: Teológica,
2003. p. 453.
5
Cf. ZINGARELLI, N. Il Nuovo Zingarelli. Vocabolario Della Lingua Italiana. XI Ediz. Bologna: Copyright,
1984.
8
Para Santo Tomás de Aquino, o ato de oferecer sacrifício a Deus, visto ser constatado
que em todos os tempos e povos se oferece sacrifício, é de lei natural 6, ou seja, é originário
das inclinações mais profundas da natureza humana. Para Santo Tomás,
6
Cf. TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Vol.VI. II-II. São Paulo: Loyola, 2005. Q.85, a.1, sed contra.
(Será utilizada a abreviação “STh” para referir-se a essa obra).
7
STh. II-II, q.85, a.1, respondeo.
8
Cf. SESBOÜÉ, Bernard. Os sinais da salvação. Coleção História dos Dogmas. Tomo 3. São Paulo: Loyola,
2003. p. 148.
9
Cf. STh. II-II, q.85, a.4, c.
10
Cf. STh. II-II, q.85, a.4, ad.2.
11
Cf. STh. II-II, q.85, a.4, c.
12
Cf. STh. II-II, q.85, a.4, ad.2.
13
Cf. STh. II-II, q.85, a.4, c.
14
Cf. McKENZIE, John L. Dicionário Bíblico. São Paulo: Paulus, 1983. p. 819.
9
Segundo Ratzinger, a verdadeira intenção dos cultos nas religiões é a paz do Universo.
Essa paz acontece como consequência da paz com Deus, ou seja, uma união de cima para
baixo. O homem reconhece sua queda, tem consciência da sua culpa que pesa sobre a
humanidade e da necessidade de penitência, absolvição e reconciliação, e busca através dos
cultos restaurar no mundo e na sua vida a devida ordem.15
É difícil falar historicamente do surgimento dos cultos sacrificiais, pois sua existência
sempre foi constatada em diversas religiões no decorrer da história. É um fenômeno de caráter
universal.16
Há uma tentativa de diversos historiadores em buscar identificar aquilo que há de
essencial nos rituais sacrificais. Suas pesquisas nos levaram a identificar alguns elementos,
como:17
a) o dom do homem à divindade: esse é um elemento básico contido em todos os
sacrifícios. O homem reconhece que tudo pertence à divindade e é originário dela.
Assim, é justo retribuir a ela os dons recebidos;
b) a homenagem do súdito ao senhor: refere-se ao costume existente no mundo antigo
de se um visitante levar antecipadamente um presente a um rei por meio de um
súdito para assegurar-lhe a benevolência, ou restaurá-la;
c) a expiação das ofensas: visava reatar a comunhão perdida com a divindade pelo
pecado do homem, que havia provocado a ira divina;
d) a comunhão com a divindade no banquete sacrificial: refere-se aos elementos de
banquete em muitos rituais sacrificais como expressão de comunhão com a
divindade. Para muitos povos, a refeição comum era considerada um sinal
comunhão, de amizade. Assim, o banquete sacrifical era uma expressão de
comunhão com a divindade;
e) a vida subtraída da vítima, oferecida à divindade e conferida aos adoradores: em
alguns rituais sacrificais, a vítima, após de morta, era dividida em partes, sendo uma
delas queimada, dando o sentido de ser consumida pela divindade, as outras eram
consumidas pelos adoradores. Em outros ritos, a oferta era consumida inteiramente
pela divindade.
15
Cf. RATZINGER, Joseph. Introdução ao Espírito da Liturgia. Prior Velho: Paulinas, 2010. p. 27.
16
Cf. McKENZIE. Dicionário Bíblico. p. 819.
17
Cf. McKENZIE. Dicionário Bíblico. p. 819-820.
10
18
Eles só não são vistos nos livros de Abdias, Naum, Rute, Cântico dos Cânticos Lamentações e Ester.
19
Cf. DANTAS, João Paulo de M. Filhos no Filho. Uma Introdução aos Sacramentos da Iniciação Cristã.
Aquiraz: Shalom, 2012. p. 158.
20
Cf. DEIANA, Giovanni. “Sacrificio e sacerdozio nell’Antico Testamento e negli scritti giudaici.” In:
Dizionario di Spiritualità Biblico-Patristica. I grandi temi della S. Scrittura per la “Lectio Divina”. Sacerdozio-
Sacrificio nella Bibbia. Roma: Borla, 2012. p.25.
21
PANIMOLLE, Salvatore A. “Gesù, Sommo Sacerdote, há offerto la vita in sacrificio per noi.” In: Dizionario
di Spiritualità Biblico-Patristica. I grandi temi della S. Scrittura per la “Lectio Divina”. Sacerdozio-Sacrificio
nella Bibbia. Roma: Borla, 2012. p.7. Tradução minha.
22
Cf. VANHOYE, Albert. Sacerdotes Antigos e Sacerdote Novo. Segundo o Novo Testamento. São Paulo:
Academia Cristã, 2007. p. 58.
23
Cf. VANHOYE. Sacerdotes Antigos e Sacerdote Novo. p. 59.
24
Cf. VANHOYE. Sacerdotes Antigos e Sacerdote Novo. p. 59.
11
Não há no Antigo Testamento uma definição objetiva do que seja sacrifício, nem sequer
uma palavra exata com o qual possa ser exprimida essa noção. O que podemos encontrar é
uma vastidão de termos técnicos com os quais podemos exprimir a categoria dos sacrifícios.26
Encontramos alguns termos que ajudam a especificar as oferendas que eram feitas. Por
exemplo, o termo ‘ishshah era utilizado para uma oferenda feita por meio do fogo; o termo
minhah para especificar um tributo pago a um soberano.27 O termo minhah ficou sendo o mais
conhecido para significar tanto os sacrifícios cruentos, como os incruentos.28 Quando as
ofertas eram totalmente queimadas, se utilizava o termo ‘olah, isto é, que sobe. Quando eram
parcialmente queimadas se utilizava o termo zebah, que significa vítima sagrada. Esse
sacrifício tem referência a um acordo selado, um pacto, e faz referência também ao cordeiro
da Páscoa.29
Os sacrifícios podem também ser agrupados segundo tempos regulares e ocasionais:
“sacrifício quotidiano, sacrifícios durante os sábados, as neomênias e as festas anuais; ou
segundo tempos ocasionais: cerimônias de investidura, dedicação (templo, altar), ocorrências
privadas, como nascimentos, doenças, votos, impureza”30.
O livro do Levítico apresenta algumas categorias dos sacrifícios da Antiga Aliança:
“Este é o ritual referente ao holocausto, à oblação, ao sacrifício pelo pecado, aos sacrifícios de
reparação, de investidura e de comunhão”31.
A palavra “holocausto” provém originariamente do hebraico ‘olah, cuja raiz significa
“subir”, ou seja, “é o sacrifício que se faz subir sobre o altar ou, mais provavelmente, do qual
sobe a fumaça para Deus quando é queimada”32. No rito do holocausto toda a vítima é
25
VAUX. Instituições de Israel no Antigo Testamento. p. 491.
26
Cf. CARDELLINI, Innocenzo. I Sacrifici Dell’Antica Alleanza. Tipologie, Rituali, Celebrazioni. Milano: San
Paolo, 2001. p. 37.
27
Cf. McKENZIE. Dicionário Bíblico. p. 821.
28
Cf. IMSCHOOT, J. Vam. Verbete “Sacrifício”. In: BORN, A. Van Den (Red.). Dicionário Enciclopédico da
Bíblia. Petrópolis: Vozes, 1971. p. 1356.
29
Cf. McKENZIE. Dicionário Bíblico. p. 821.
30
CARDELLINI. I Sacrifici Dell’Antica Alleanza. p. 249. Tradução minha.
31
Lv 7,37.
32
VAUX. Instituições de Israel no Antigo Testamento. p. 453.
12
queimada, não sobrando nenhuma parte, nem para o sacerdote, nem para a pessoa que está
fazendo a oferta.33 A pessoa que faz a oferta impõe sua mão sobre a cabeça da vítima
enquanto ela era morta, sendo o seu sangue derramado na base do altar. 34 A vítima pode ser
um gado, contanto que seja macho e sem defeito, ou pode ser também aves, sendo rolas ou
pombinhos.35 Este holocausto das aves é conhecido como o holocausto dos pobres e tem o
mesmo valor do sacrifício de um gado.36 Esse sacrifício não tem caráter expiatório, mas
parece exprimir uma adoração suprema feita a Deus.37
A oblação (minhah) é designada como uma oferta, um tributo ou um dom oferecido a
Deus. Pode ser tanto uma oferta vegetal como uma oferta animal, mas que provenha dos
frutos do trabalho do homem.38
Em relação aos sacrifícios de comunhão (zebah), existem três tipos: o sacrifício de
louvor (todah), o sacrifício espontâneo (nedabah), que são os oferecidos fora de alguma
prescrição ou promessa, e o sacrifício votivo (neder), que é quando o ofertante está obrigado a
fazê-lo por um voto.39
Os sacrifício de comunhão, também conhecido como “sacrifício pacífico” ou “sacrifício
de salvação”40, se fundamenta em uma característica fundamental do seu rito, ou seja, no fato
de que ele é dividido com outras pessoas, com as quais se esteja em paz.41 Na prática, a oferta
é dividida em três partes: uma para Deus, outra para o sacerdote e a terceira para o ofertante.
A parte de Deus é queimada e a parte do sacerdote e do ofertante são consumidas por eles
como coisa santa. Esses sacrifícios podem ser divididos em três tipos: sacrifício de louvor,
sacrifício espontâneo ou sacrifício votivo. 42
33
Cf. DANTAS. Filhos no Filho. p. 158.
34
Em geral, o rito do holocausto consistia em seis momentos: “apresentação da vítima; a imposição da mão por
parte o ofertante; a incisão ritual da vítima (degolamento); a aspersão do sangue da vítima; a combustão da
vítima.” PANIMOLLE. Gesù, Sommo Sacerdote, há offerto la vita in sacrificio per noi. p.7. Tradução minha.
Quando a oferta de holocausto for uma ave, é possível que haja uma pequena alteraçã o do rito, pois nesse caso
não consta a imposição de mãos por parte do ofertante, como é previsto para o bezerro, em Lv 1,4. Cf.
PANIMOLLE. Gesù, Sommo Sacerdote, há offerto la vita in sacrificio per noi. p. 57, e DANTAS. Filhos no
Filho. p. 158.
35
Cf. Lv 1,1-17.
36
Sobre o Holocausto dos pobres, Cf. PANIMOLLE. Gesù, Sommo Sacerdote, há offerto la vita in sacrificio per
noi. p.56-57.
37
Cf. McKENZIE. Dicionário Bíblico. p. 821.
38
Cf. CARDELLINI. I Sacrifici Dell’Antica Alleanza. p. 52.
39
VAUX. Instituições de Israel no Antigo Testamento. p. 455.
40
Cf. VAUX. Instituições de Israel no Antigo Testamento. p. 455.
41
Cf. DEIANA. Sacrificio e sacerdozio nell’Antico Testamento e negli scritti giudaici. p.64.
42
Cf. DANTAS. Filhos no Filho. p. 159.
13
Os sacrifícios expiatórios, que têm por fim restabelecer com Deus a aliança rompida
pelas faltas do homem,43 são de dois tipos: sacrifício pelo pecado (hatta’t) e sacrifício de
reparação (‘asam).
A palavra hatta’t significa ao mesmo tempo o pecado e o rito que o apaga. No sacrifício
pelo pecado, há uma variação da vítima segundo a qualidade do delinquente:44
Delinquente Vítima
Sumo sacerdote (o seu pecado mancha a totalidade do
Touro
povo) ou Povo
Príncipe (chefe leigo da comunidade) Bode
Indivíduo Cabra ou Ovelha
Duas rolinhas ou dois pombos (um serve para o
sacrifício hatta’t e o outro é oferecido como
Pobre
holocausto (eles podem também fazer uma oferta de
farinha)
O que diferencia esse sacrifício dos outros é a função do sangue e o uso da carne, tendo
a função do sangue uma maior importância, pois o sangue tem um valor ligado à expiação e a
sua função é reconhecida como suporte da vida. Em relação à gordura, ela é toda queimada
sobre o altar, mas o destino da carne vai para o sacerdote, não ficando nada com o ofertante,
que é reconhecido como culpado.45
Apesar dos sacrifícios expiatórios serem previstos para consagração dos sacerdotes, dos
levitas e do altar, existia um dia no ano, que era o décimo do sétimo mês (cf. Lv 16,29), em
que o sacrifício pelo pecado constitui um elemento dominante. Esse dia refere-se ao Yom
Kippur, que era considerado o dia da expiação por excelência.46
Já a palavra ‘asam significa “ofensa”, ou o meio de reparação da ofensa e, por fim, o
sacrifício de reparação. Esse sacrifício é previsto somente para indivíduos. A vítima desse
sacrifício é somente o cordeiro e, além disso, há uma reparação ou multa, uma restituição ao
sacerdote ou à pessoa lesada do valor do sacrifício.47
43
Cf. VAUX. Instituições de Israel no Antigo Testamento. p. 456. Segundo Giovanni Deiana, “o sacrifício
expiatório procura responder à necessidade de purificação do homem e constitui uma tentativa de neutralizar o
terrível poder corrosivo do pecado”. Cf. DEIANA. Sacrificio e sacerdozio nell’Antico Testamento e negli scritti
giudaici. p.72. Tradução minha.
44
Tabela presente em DANTAS. Filhos no Filho. p. 160.
45
Cf. VAUX. Instituições de Israel no Antigo Testamento. p. 457.
46
Cf. DEIANA. Sacrificio e sacerdozio nell’Antico Testamento e negli scritti giudaici. p.74.
47
Cf. VAUX. Instituições de Israel no Antigo Testamento. p. 458.
14
Por fim, há outras ofertas, como as ofertas vegetais (minhah), os pães da oblação (lehem
happanim) e as ofertas de incenso (qetoret).
Segundo a etimologia mais antiga, minhah significa “dom” e é uma oferta que
“normalmente acompanha um sacrifício de sangue (holocausto ou sacrifício de comunhão) e
uma libação de vinho”48. Podem ser cozidas ou não, com ou sem óleo, acompanhadas ou não
por incenso.49
Os pães da oblação podem ser ligados às oferendas vegetais. Lv 24,5-9 fala de doze
bolos de farinha que ficavam diante do Santo dos Santos e renovados a cada sábado, sendo
comido pelos sacerdotes. Eles eram um penhor da aliança das doze tribos com YHWH.50
A palavra qetoret significa “o que vira fumaça” e é aplicada às oferendas aromáticas,
sendo o incenso (lebonah) somente um elemento. Para a realização da oferta, com uma pá
pegavam-se brasas sobre o altar do holocausto, espalhando sobre ela o pó aromático e levando
tudo para o altar do perfume que ficava diante do Santo dos Santos. Essa oferta, feita pelo
sacerdote, devia acontecer de manhã e à tarde e fazia parte do rito do Dia da Expiação, onde o
incensário era excepcionalmente introduzido no Santo dos Santos.51
Ao fazermos uma leitura teológica da história dos cultos sacrificiais de Israel, podemos
detectar que ela conduz de modo consequente e intrínseco a Jesus Cristo e ao Novo
Testamento, de modo que percebemos uma relação de uma profunda consequência do Novo
Testamento em relação à Antiga Aliança.52
A doutrina da Igreja sempre recusou qualquer forma de contraposição entre o Antigo e o
Novo Testamento. São Gregório Magno, em uma de suas homilias onde explicava a relação
íntima entre os dois Testamentos, recordou que aquilo que “o Antigo Testamento prometeu, o
Novo Testamento fê-lo ver; o que aquele anuncia de maneira oculta, este proclama
abertamente como presente. Por isso, o Antigo Testamento é profecia do Novo Testamento; e
o melhor comentário do Antigo Testamento é o Novo Testamento”53.
48
DANTAS. Filhos no Filho. p. 162.
49
Cf. DANTAS. Filhos no Filho. p. 162.
50
Cf. VAUX. Instituições de Israel no Antigo Testamento. p. 458.
51
Cf. VAUX. Instituições de Israel no Antigo Testamento. p. 460-461.
52
Cf. RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 28.
53
GREGÓRIO MAGNO. “Homiliae in Ezechielem”. I, VI, 15: PL 76, 836B. In: Exort. Ap. Pós-Sin. Verbum
Domini. São Paulo: Paulinas, 2010. p. 82.
15
O papa Bento XVI, na Verbum Domini, ressalta essa conformidade entre o Antigo e o
Novo Testamento, de forma que o Antigo encontra no mistério da vida de Cristo o seu
perfeito comprimento.55 O mesmo documento apresenta três aspectos do conceito de
cumprimento nas Escrituras que nos ajudam a perceber o modo de como compreendermos a
relação entre o culto sacrificial veterotestamentário com o mistério do sacrifício de Cristo:
Ratzinger ensina que os sacrifícios da Antiga Aliança foram superados em Cristo: “Os
sacrifícios do templo – o centro cultual da Torá – estavam superados, Cristo tomara o seu
lugar. O templo permanecia um lugar venerável de oração e de anúncio; porém, os seus
sacrifícios já não eram válidos para os cristãos”57.
Muitos aspectos nos fazem perceber essa realidade, como o caráter temporário dos
sacrifícios anuais (do Yom Kippur). Sua ineficácia é demonstrada pela própria repetição das
cerimônias, indicando que a purificação não era realizada de modo definitivo, necessitando
que o rito seja repetido. A recordação anual dos pecados com necessidade de nova repetição
do rito expiatório indica tanto que essa expiação anual não expia de fato, como também que a
consciência não foi realmente purificada.58
54
CONCÍLIO VATICANO II. “Constituição Dogmática Dei Verbum”. In: Documentos do Concílio Ecumênico
Vaticano II. São Paulo: Paulus, 2001. n. 16, p. 360.
55
Cf. BENTO XVI. Verbum Domini. p. 40.
56
BENTO XVI. Verbum Domini. p. 40.
57
BENTO XVI, papa. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. São Paulo: Planeta, 2011.
p. 208.
58
ANDRADE, Aíla. “Sombra & Realidade”. Revista Bíblica Brasileira. Fortaleza: Nova Jerusalém, 2003. p. 78.
16
Na sua obediência plena, que o levou à cruz,63 Cristo, supera os sacrifícios da Antiga
Aliança e reconcilia a humanidade com o Pai. “A obediência vale mais que sacrifícios e a
submissão vale mais do que gorduras de carneiros” (I Sm 15,22).
59
RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 30.
60
Cf. VANHOYE. Sacerdotes Antigos e Sacerdote Novo. p. 296-297.
61
Cf. ANDRADE. Sombra & Realidade. p. 80-81.
62
BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. p. 126.
63
Cf. RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 33.
17
Ele é o verdadeiro Cordeiro pascal, puro e sem defeito, que carrega o pecado do mundo e
“tira-o fora”70.
64
RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 33.
65
Cf. BENTO XVI. Verbum Domini. p. 40.
66
RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 29.
67
Cf. RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 29.
68
RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 29.
69
BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. p. 105.
70
Cf. BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. p. 203-204.
18
É um dado aceito universalmente que o sacramento da Eucaristia tenha seu início nos
gestos de Jesus na Última Ceia com os seus discípulos.71 A narrativa da Última Ceia é
apresentada nos Evangelhos sinóticos (Cf. Mt 26,26-29; Mc 14,22-25; Lc 22,15-20) e na Primeira
Carta aos Coríntios (Cf. I Cor 11,23-25). Em todas elas, apesar das variações, identificam-se as
mesmas ações de Jesus em tomar o pão, pronunciar a oração de bênção e agradecimento e,
depois, parti-lo.
O termo “Eucaristia” vem do grego eucharistia, que significa “ação de graças”. Paulo e
Lucas utilizam o termo eucharistia e Marcos e Mateus utilizam o termo eulogia, Todavia,
ambos os termos correspondem ao termo judaico berakah. A Berakah, na tradição judaica, era
entendida como uma grande oração de agradecimento e de bênção, fazendo parte tanto do
ritual pascal como de outras refeições.72 Ela era composta de um breve louvor, de uma
narração (memorial ou anamnesis) e de uma doxologia, tornando atual, para aqueles que a
celebram, o evento recordado.73
A relação entre a Eucaristia com o termo hebraico berakah não é somente de caráter
etimológico, mas é de caráter profundamente teológico. Ratzinger nos ensina que as palavras
da instituição situam-se nesse contexto de oração de ação de graças:
Marcos e Mateus apresentam a frase pronunciada sobre o pão como: “Isto é o meu
corpo”. Já Lucas e Paulo acrescentam: “que é dado por vós”. Mateus acrescenta “para a
remissão dos pecados, mostrando de um modo mais explícito o caráter expiatório do
sacramento.75 Jesus, ao falar do seu corpo, refere-se à totalidade da sua pessoa que será
entregue na cruz e que, como que antecipadamente, por um ato livre de doação, a oferece por
71
Cf. VISENTIN, P. Verbete “Eucaristia”. In: SARTORE, Domenico e TRIACCA, Achille M. (Org.)
Dicionário de Liturgia. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 1992. p. 395.
72
Cf. BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. p. 121.
73
Cf. DANTAS. Filhos no Filho. p. 165.
74
Cf. BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. p. 122.
75
Cf. McKENZIE. Dicionário Bíblico. p. 315.
19
si mesmo naquela ceia, realizando como que um ato profético do que poucas horas depois se
consumaria seu sacrifício cruento no Calvário.76
Em relação à frase relativa ao cálice, Ratzinger apresenta três textos
veterotestamentários que mostram que nas palavras proferidas sobre o cálice se fazem
presentes e resumidas toda a história da salvação anterior: a Aliança no Sinai (Ex 24,8), a
promessa da Nova Aliança (Jer 31,31) e promessa do Servo de YHWH (Is 53,12).
Na Aliança do Sinai, Moisés aspergia o altar e o povo com o sangue de animais
sacrificados, o “Sangue da Aliança”. Após a aspersão, Moisés dizia solenemente: “Este é o
sangue da Aliança que o Senhor fez conosco, através de todas essas cláusulas” (Ex 24,8).
Antes, o povo havia respondido à leitura do livro da Aliança: “Tudo o que o Senhor falou, nós
o faremos e obedeceremos” (Ex 24,7).
Com a desobediência do povo à Aliança, Deus abandona o povo ao exílio e o templo à
destruição. Surge, então, a esperança da “Nova Aliança” que será escrita nos corações (Cf. Jer
31,33), baseada não na frágil vontade humana, mas em uma obediência estável e inviolável.
Tal obediência é a do Filho que se fez servo, o Servo de Deus que carrega o pecado de muitos
(Cf. Is 53,12), que, por sua obediência até a morte, vence a desobediência do homem. Por sua
fidelidade de homem diante de Deus, funda de modo irrevogavelmente estável a Nova
Aliança.77
O ato de partir o pão era entendido como uma função do pai de família, que de certo
modo representa a Deus Pai que dá a todos o necessário para a vida, sendo também um gesto
de hospitalidade para com o estrangeiro, acolhendo-o na comunhão do banquete. Assim,
entendemos que a partilha gera comunhão. Na Última Ceia, esse gesto de Jesus de partir o pão
apresenta uma nova profundidade, que é o fato de que ele se dá a si mesmo. A bondade de
Deus se torna radical quando seu Filho, no pão, é comunicado e distribuído a nós e por nós.
Na Eucaristia somos beneficiados pela hospitalidade de Deus que se entrega a nós em Jesus
Cristo crucificado e ressuscitado.78
Os evangelhos apresentam um contraste acerca da data da Última Ceia. Por um lado, os
sinóticos mostram uma precisão que ela tenha acontecido durante uma ceia pascal, por outro
76
Cf. Dicionário de Liturgia. p. 396, e BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a
Ressurreição. p. 124.
77
Cf. BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. p. 126.
78
Cf. BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. p. 122-123.
20
lado o quarto evangelho não a apresenta na ceia pascal. Surge daí o grande dilema de saber se
a Última Ceia foi ou não uma ceia pascal.79
Sobre essa questão, Jungmann, grande pesquisador da história da celebração eucarística,
defende uma posição de que o âmbito da Ceia Pascal não possui grande importância, visto a
omissão de muitos detalhes particulares da Ceia Pascal no relato da Santa Ceia.
Para ele, esses textos narrativos apresentam poucas informações dessa refeição,
omitindo quase todos os detalhes da Ceia Pascal, podendo nos dar a entender que o rito dessa
refeição não estava destinado a ser o quadro da celebração. 80 Jungmann faz uma afirmação
sobre o acredita ser o essencial do acontecimento da Última Ceia:
Já Césare Giraudo defende indícios de que a Última Ceia de Jesus com os discípulos
aconteceu como uma verdadeira ceia pascal judaica.82 Segundo Giraudo, os relatos dos
sinóticos fazem vir à tona os “elementos que podem autorizar-nos a falar da última ceia do
Senhor, não só como de um banquete ritual, ordinário ou festivo, senão como de uma
verdadeira celebração pascal judaica”83.
Ratzinger, por sua vez, defende uma visão de que a cronologia apresentada no
evangelho segundo São João é mais provável que a dos sinóticos, ou seja, que a Última Ceia
não seria uma ceia pascal judaica. Todavia, afirma uma profunda ligação da Última Ceia de
Jesus com a tradição da Páscoa, a tal ponto de ser muito problemática a negação do caráter
pascal da Última Ceia.84
79
Cf. JUNGMANN, Josef Andreas. Missarum Sollemnia. Origens, Liturgia, História e Teologia da Missa
Romana. 2ª Edição. São Paulo: Paulus, 2010. p. 25-39.
80
Cf. JUNGMANN. Missarum Sollemnia. p. 25.
81
JUNGMANN, Josef Andreas. “Messe im Gottesvolk”. p. 24. In: BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Da entrada
em Jerusalém até a Ressurreição. p. 133. Para Jungmann, a própria história constata essas realidade pelo fato
antes da Reforma do século XVI nunca se usou para a Eucaristia um nome que signifique banquete.
82
Cf. GIRAUDO, Cesare. Num Só Corpo. Tratado mistagógico sobre a eucaristia. São Paulo: Loyola, 2003. p.
127-143.
83
GIRAUDO. Num Só Corpo. p. 131.
84
Cf. BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. p. 104-111.
21
Para Ratzinger, a Última Ceia era “uma Ceia que não pertencia a nenhum rito judaico
determinado, mas era a sua despedida, na qual Ele dava algo novo, isto é, dava-Se a Si mesmo
como o verdadeiro Cordeiro, instituindo assim a sua Pascoa”85. Dessa forma, entendemos
inicialmente que aquilo que é essencial nesta ceia de despedida foi a novidade que Jesus
realizou, e não a Páscoa antiga. Entregando a Si mesmo e, assim, celebrando verdadeiramente
a Pascoa, Jesus não nega os ritos antigos, mas o leva ao seu sentido pleno.86
Assim, vemos que, apesar dos evangelhos não indicarem à noção dos sacrifícios rituais
à pessoa de Jesus, podemos falar da sua vida e morte com a categoria de sacrifício. Na
Eucaristia, ao dar o pão e o vinho, Jesus já nos indica o sentido da sua morte, que é dar a vida
pelos que ama.87
85
BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. p. 110.
86
Cf. BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. p. 110.
87
Cf. SESBOÜÉ. Jesucristo, El Único Mediador. p. 336.
22
Nesse capítulo será abordada uma visão geral e introdutória de como se deu o
desenvolvimento da teologia do sacrifício eucarístico, desde o período patrístico até a
encíclica Mediator Dei de Pio XII.88
2.1.1 A Didaché
O testemunho da Didaché sobre a Eucaristia aparece nos capítulos IX, X e XIV. Ela
prescreve três ações de graças: a primeira sobre o cálice (IX, 2), a segunda pelo pão partido
(IX, 3-4) e a terceira pelo seu santo nome (X, 2).
A precedência da ação de graças sobre o cálice apresenta uma forte motivação
cristológica.89 Na espiritualidade judaica, o cálice do vinho possui todo um significado que
“refere-se à divina bênção da abundância, da alegria, da terra prometida, da felicidade
messiânica e até mesmo do juízo escatológico de Deus”90. Assim, o cálice que primeiro se
bendiz no testemunho da Didaché, refere-se ao cumprimento em Cristo, pela sua paixão e
morte, de todas aquelas esperanças judaicas.91 Pelo seu sofrimento, cumpre toda a salvação
88
Vale ressaltar que nos limitaremos a abordar neste trabalho aquilo que, na teologia desenvolvida pelos autores
aqui tratados, percebermos fazer menção ao sacrifício eucarístico, sabendo que a teologia desenvolvida por eles
pode se expandir para demais aspectos desse sacramento.
89
Cf. LOMBINO, Vincenzo. “Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli”. In: Dizionario di Spiritualità
Biblico-Patrística. Sacerdozio-Sacrificio nei Padri dei primi secoli. Roma: Borla, 2013. p. 65-66.
90
LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 66.
91
Cf. LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 66.
23
iniciada nos pais: “Pela santa vinha de Davi, teu servo, que tu nos revelastes por Jesus, teu
servo; a ti, a glória pelos séculos!”92.
A bênção sobre o pão apresenta um aspecto interessante, que é o fato da ação de graças
ser feita pela vida e pelo conhecimento: “Sobre o pão a ser quebrado [partido]: Nós te
bendizemos (agradecemos), nosso Pai, pela vida e pelo conhecimento que nos revelastes por
Jesus, teu servo; a ti, a glória pelos séculos!”93. Essa vida e conhecimento são relacionadas a
Cristo. A Didaché coloca-se na mesma corrente teológica joanina que reconhece Cristo como
o Verbo da Vida, que dá a vida. O pão partido é relacionado com a vida eterna, pois Jesus deu
seu corpo para que aquele que o comer tenha a vida e vida eterna.94
O capítulo XIV vemos o convite a reunir-se no dia do Senhor “para a fração do pão e
agradecei (celebrai a eucaristia), depois de haverdes confessado vossos pecados, para que
vosso sacrifício seja puro”95. Essa terminologia faz referência ao culto judaico que insiste na
“pureza” e recorda os fiéis a viverem a ação de graças com a consciência pura.96 Logo a
seguia a Didaché faz referência ao texto de Malaquias que convida a oferecer um sacrifício
puro: “Esse é o sacrifício do qual o Senhor disse: ‘em todo lugar e em todo tempo, seja
oferecido um sacrifício puro porque sou um grande rei – diz o Senhor – e o meu nome é
admirável entre as nações”97.
Vemos, assim, que na Didaché o termo sacrifício, mais do que uma indicação da
natureza sacrificial da Eucaristia, recorda a piedade judaico-cristã que indica a conversão do
coração. “Em resumo, antes de render graças, os fiéis devem abandonar a centralização em si
mesmos, confessar os pecados e reconciliar-se com os irmãos (XIV,2), em uma palavra,
devem viver o ágape da fraternidade”98.
Filadelfos 4 e Aos Esmirniotas 7,1 e 8,1). Todavia, traz em outros momentos pensamentos
sobre a Eucaristia, enquanto sacramento do amor de Cristo.99
Na sua espiritualidade, o mistério salvífico de Cristo ocupa o lugar central.100 Essa
salvação vem “do Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo, sua paixão e ressurreição” 101. Seu
sacrifício vem ligado à sua paixão. Todavia, ele alude frequentemente ao sangue de Cristo. A
menção do sangue de Cristo nas cartas de Santo Inácio possui um duplo desenvolvimento:
primeiro “o sangue recapitula toda a realidade do mistério de Cristo, da encarnação, paixão e
morte e a ressurreição; e segundo, o sangue nos lembra o mistério salvífico na vida da
Igreja”102. Todavia, a expressão “carne e sangue de Cristo” pode ser uma alusão à
Eucaristia.103
Inácio, condenando aqueles que refutam a historicidade na encarnação e,
consequentemente, a presença de Cristo na Eucaristia, declara: “Eles se afastam da eucaristia
e da oração, porque não professam que a eucaristia é a carne do nosso Salvador Jesus Cristo,
que sofreu por nossos pecados e que, na sua bondade, o Pai ressuscitou”104. Podemos perceber
aspectos da dimensão sacrificial da Eucaristia nessa afirmação de Santo Inácio. Ele nos faz
perceber uma relação da presença de Cristo na Eucaristia com a dimensão sacrificial, pois
essa presença é a carne do nosso Salvador que sofreu por nossos pecados.
Enfim, Inácio considera uma forte relação do martírio com a Eucaristia, pois, para ele, o
martírio é um sacrifício e uma participação na morte e ressurreição de Cristo.105 Fala diversas
vezes do seu martírio como oferta a Deus pela Igreja: “Sou vossa vítima expiatória, e me
ofereço em sacrifício por vós, efésios, Igreja famosa pelos séculos”106.
No contexto do seu martírio pessoal, recordando a imagem do altar, ele pede na Carta
aos Romanos que não ponham obstáculos para a consumação desse sacrifício: “Não desejeis
nada para mim, senão ser oferecido em libação a Deus, enquanto ainda existe altar preparado,
afim de que, reunidos em coro no amor, canteis ao Pai, por meio de Jesus Cristo”107.
99
MARITANO, Mario. “L’Eucaristia nei Padri apostolici”. In: Dizionario di Spiritualità Biblico-Patrística.
L’Eucaristia nei Padri della Chiesa. Roma: Borla, 1998. p. 33-34.
100
Cf. LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 104.
101
INÁCIO DE ANTIOQUIA. “Aos Filadelfienses”, 9,2. In: Padres Apostólicos. Coleção Patrística. Trad. Ivo
Storniolo, Euclides M. Balanci. São Paulo: Paulus, 1995. Todas as citações das cartas de Santo Inácio de
Antioquia que citaremos neste trabalho serão retiradas dessa edição citada.
102
LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 107-108. Tradução minha.
103
Sobre a alusão da expressão “corpo e sangue de Cristo” à Eucaristia em Inácio de Antioquia, cf. SCHOEDEL,
R. “Ignatius of Antioch. A commentary on the Letters of Ignatius of Antioch”. Philadelphia, 1985. Cf. Nota In:
LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 108.
104
INÁCIO DE ANTIOQUIA. Aos Esmirniotas. 7,1.
105
Cf. MARITANO. L’Eucaristia nei Padri apostolici. p. 47.
106
INÁCIO DE ANTIOQUIA. Aos Efésios, 8,1. Cf. Também: Aos Romanos, 2,2; Aos Trailanos, 13,3.
107
INÁCIO DE ANTIOQUIA. Aos Romanos, 2,2.
25
“Deixai que eu seja pasto das feras, por meio das quais me é concedido alcançar a Deus.
Sou trigo de Deus, e serei moído pelos dentes das feras, para que me apresente como trigo
puro de Cristo”108. Vemos em particular a imagem do trigo e do pão como uma evocação à
Eucaristia. Sua morte, assim como a Eucaristia, é um sacrifício a Deus; é uma oferta total e
completa a Ele que atualiza em si mesmo o profundo significado da Eucaristia, possibilitando
o ingresso na vida eterna e sendo uma fonte de salvação para a Igreja.109
2.1.3 Justino
Que não somos ateus, quem estiverem são juízo não o dirá, pois cultuamos o
Criador deste universo, do qual dizemos, conforme nos ensinaram, que não
tem necessidade de sangue, libações ou incenso. Em lugar de todas as
ofertas, nós o louvamos conforme nossas forças, com palavras de oração e
ação de graças. Aprendemos que o único louvor digno dele não é queimar no
fogo o que por ele foi criado para nosso alimento, mas oferecê-lo para nós
mesmos e para os necessitados.111
Justino afirma que a profecia de Malaquias (1,10-12), naquilo que tange à oferta pura, é
realizada de modo pleno na Eucaristia, substituindo e superando, dessa forma, os sacrifícios
judaicos.112
A finalidade do sacrifício de Cristo é para a redenção dos nossos pecados. Na cruz ele
consuma seu sacrifício em nosso favor de se revela como “eterno sacerdote segundo a ordem
de Melquisedeque”113. Os cristãos, pelo sacerdócio comum dos fiéis, oferecem a Deus um
sacrifício espiritual de oração, e esse se dá de um modo especial da celebração da
Eucaristia.114
108
INÁCIO DE ANTIOQUIA. Aos Romanos, 4,1.
109
Cf. MARITANO. L’Eucaristia nei Padri apostolici. p. 48-49.
110
Cf. LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 147-149.
111
JUSTINO. I Apologia, 13,1. Cf. também 66,2; 67,1s.
112
Cf. JUSTINO. Diálogo com Trifão. 41 e 117. In: Cf. LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi
secoli. p. 151.
113
JUSTINO. Diálogo com Trifão. 33,2.
114
Cf. LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 151-157.
26
Irineu traz sempre presente nas suas obras a ideia de continuidade entre a Antiga e a
Nova Aliança. Ao tratar do tema da Eucaristia, traz presente essa ideia, pois o mesmo Deus
Criador e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo é o autor das duas Alianças. Assim como
prescreveu as antigas oblações e sacrifícios, dá aos povos da Nova Aliança uma nova oblação,
que é a Eucaristia.117 Dessa forma, entendemos que a Eucaristia comporta o cumprimento dos
sacrifícios antigos.
Para Santo Irineu, a oblação da Igreja é o sacrifício puro e aceito por Deus, pois é
realizado como o Senhor ensinou a oferecer.118 Essa não é mais a oblação oferecida em
caráter de oblação servil, mas é a livre oblação oferecida com alegria e generosidade pelos
filhos.119
Irineu também critica aqueles que fazem o sacrifício puramente exterior, mas que não
partilham com o seu próximo nem trazem em si o temor de Deus. É necessária uma postura
interior ao oferecer o sacrifício a Deus, porque “os sacrifícios não santificam o homem, pois
Deus não precisa de sacrifício, mas a consciência de quem oferece santifica o sacrifício, se é
pura faz com que Deus aceite como provindo de amigo”120. Para ele, o sacrifício da Igreja,
que é a Eucaristia, é julgado puro diante de Deus por ser oferecido com simplicidade.121
Santo Irineu afirma que a Eucaristia é a verdadeira comunhão com carne e sangue de
Cristo, oferecida para nossa salvação. Aqueles que são membros do corpo de Cristo são
fortificados pelo corpo e sangue do próprio Cristo.122
115
DANTAS. Filhos no Filho. p. 180-181.
116
Cf. MARITANO. L’Eucaristia nei Padri apostolici. p. 64.
117
Cf. DIDONE, Marisa. “Reminiscenze di celebrazione eucarística in Ireneo di Lione”. In: Dizionario di
Spiritualità Biblico-Patrística. L’Eucaristia nei Padri della Chiesa. Roma: Borla, 1998. p. 79.
118
Cf. IRINEU DE LIÃO. “Contra as Heresias”. V,18,1. Coleção Patrística. Trad. Lourenço Costa. São Paulo:
Paulus, 1995.
119
Cf. IRINEU DE LIÃO. Contra as Heresias. V,18,2.
120
Cf. IRINEU DE LIÃO. Contra as Heresias. V,18,3. Cf. também DIDONE, Marisa. Reminiscenze di
celebrazione eucarística in Ireneo di Lione. p. 88-89.
121
Cf. IRINEU DE LIÃO. Contra as Heresias. V,18,4.
122
Cf. IRINEU DE LIÃO. Contra as Heresias. III,11,5; V,2,2. Cf. também DIDONE, Marisa. Reminiscenze di
celebrazione eucarística in Ireneo di Lione. p.93.
27
Eusébio de Cesaréia, falando sobre o sacrifício espiritual dos cristãos, afirma que Jesus
“recebe com fisionomia jovial e mãos estendidas o odorífero incenso e os sacrifícios
incruentos e imateriais das orações, oferecidos por todos os fiéis, e apresenta-os ao Pai do céu,
o Deus do universo”123. Na prática, podemos perceber que o sacrifício espiritual dos crentes,
de que fala Eusébio, é a Eucaristia.124
Ele fala também do nexo existente entre os sacrifícios antigos e a Eucaristia. No Antigo
Testamento se sacrificava a vida dos animais em troca da própria vida. Mas os animais não
pecavam, pois não são dotados de uma alma racional. Todavia, esses sacrifícios
preanunciavam o verdadeiro sacrifício perfeito de Cristo.125 Ele é o cordeiro sem mancha que
foi sacrificado para a redenção de todos os homens, redimindo seus pecados.126
“Cristo, o Logos Encarnado, é ao mesmo tempo sacerdote e vítima deste grande
sacrifício; e ‘tudo isto foi feito por nós e por nosso favor (D.E. I,10,21)’”127. Dessa forma, não
há mais necessidade dos cristãos ofereceres sacrifícios por seus pecados, mas sim de celebrar
a memória e o memorial da Paixão de Cristo.128
Eusébio, ao falar desse sacrifício eucarístico, dá grande aceno ao “sangue salvífico” de
Cristo, atribuindo a este grande valor expiatório.129
Enfim, Eusébio fala de dois tipos de sacrifícios: o primeiro é a Eucaristia, que é a
“memória do grande sacrifício” 130
, o sacrifício incruento da Igreja, feito pão e vinho, e a
oferta completa de si mesmo feita a Deus, onde nos dispomos a “acolher o Logos, Sumo
sacerdote (de Deus), no nosso corpo e na nossa alma”131.
123
EUSÉBIO DE CESARÉIA. História Eclesiástica. Trad. Monjas Beneditinas do Mosteiro de Maria Mãe de
Cristo. São Paulo: Paulus, 2000. 10,4,68.
124
Cf. LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 316.
125
Cf. EUSÉBIO DE CESARÉIA. Demonstração Evangélica. I,10,11-12 (Será utilizada a abreviação “D.E.”
para referir-se a essa obra). Cf. também LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 316-
317.
126
Cf. EUSÉBIO DE CESARÉIA. D.E. I,10,14.
127
LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 317 (tradução minha).
128
Cf. LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli. p. 317.
129
Cf. EUSÉBIO DE CESARÉIA. D.E. I,10,28s. Cf. Também LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei
primi secoli. p. 317 (cf. nota).
130
EUSÉBIO DE CESARÉIA. D.E. I,10,38. In: LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli.
p. 317 (tradução minha).
131
EUSÉBIO DE CESARÉIA. D.E. I,10,38. In: LOMBINO. Sacerdozio e sacrificio nei Padri dei primi secoli.
p. 317 (tradução minha).
28
2.1.6 Agostinho
Santo Agostinho trata da Eucaristia como sacrifício de um modo mais extenso na obra
“Cidade de Deus” (Livro 10). Ele explica que Deus não tem necessidade da nossa adoração,
mas os adoradores é que são beneficiados.132
Segundo Agostinho, a finalidade do sacrifício é a união com Deus. Ele explica que “o
verdadeiro sacrifício é toda a obra que praticamos para nos unirmos a Deus em santa
comunhão, quer dizer, toda obra relacionada com o supremo bem, princípio único de nossa
verdadeira felicidade”133. Assim, “o sacrifício visível é sacramento do sacrifício invisível, ou
seja, é sinal sagrado”134.
Cristo é o sumo sacerdote que ofereceu-se a si mesmo na cruz. Esse é o verdadeiro
sacrifício da nossa redenção.135 Seu sacrifício é o sacrifício que a Igreja celebra na liturgia:
“Tal mistério a Igreja celebra assiduamente no sacramento do altar, conhecido dos fiéis, em
que mostra que se oferece a si mesma na oblação que faz”136. Assim, vemos que, por
intermédio de Cristo, o Sumo Sacerdote, a comunidade dos remidos é oferecida a Deus como
sacrifício.137 “Na eucaristia, Cristo, o mediador entre Deus e a humanidade, recebe o sacrifício
da Igreja ‘na forma de Deus’ em união como o Pai”138.
Cristo, na sua forma de servo, mais do que receber o sacrifício, prefere ser o
sacrifício.139 Portanto, “é Ele o sacerdote, Ele o ofertante e Ele a oblação” 140. Ele dá, portanto,
a celebração eucarística para a Igreja, de quem ele é Cabeça, como sacramento constante do
seu sacrifício; e os cristãos, ao oferecerem a si mesmos na celebração da Eucaristia, são
unidos a esse sacrifício de Cristo.141
132
Cf. AGOSTINHO. Cidade de Deus. Parte I. Coleção Pensamento Humano. 7ª edição. Trad. Oscar Paes
Lemes. Petrópolis: Vozes, 2002. 10,5.
133
AGOSTINHO. Cidade de Deus. 10,6.
134
AGOSTINHO. Cidade de Deus. 10,5.
135
Cf. AGOSTINHO. Confissões. 9,11 e 12.
136
AGOSTINHO. Cidade de Deus. 10,6.
137
Cf. JACKSON, Pamela. Verbete “Eucaristia”. In: FITZGERALD, Allan D. (diretor). Diccionario de San
Agustín. San Agustín a través del tempo. Trad. Del inglês: Constantino Ruiz-Garrido. Burgos: Monte Carmelo,
2001. p. 542.
138
JACKSON. Verbete “Eucaristia”. In: FITZGERALD, Allan D. (diretor). Diccionario de San Agustín. p. 543.
139
Cf. AGOSTINHO. Cidade de Deus. 10,20.
140
Cf. AGOSTINHO. Cidade de Deus. 10,20.
141
Cf. AGOSTINHO. Cidade de Deus. 10,20. Cf. também JACKSON. Verbete “Eucaristia”. In: FITZGERALD,
Allan D. (diretor). Diccionario de San Agustín. p. 543.
29
142
Cf. CONCÍLIO DE LATRÃO IV. “A fé católica”. In: DENZINGER, Heinrich; HÜNERMANN, Petrus.
Compêndio dos Símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas, 2007. n. 802. (Será
utilizada a abreviação “DH” para referir-se a essa obra).
143
Cf. STh III, q.73-83.
144
Cf. STh. III, q.83, art.1. Muito provavelmente Santo Tomás não tratou mais amplamente a dimensão
sacrificial da Eucaristia pelo fato de que na sua época não haver oposições entre o sacrifício e o sacramento da
eucaristia. Todavia, trata de um modo mais amplo sobre os sacrifícios de um modo geral e o sacrifício de Cristo
em si. cf. STh II-II, q.85; III, q.48, a.3; III, q.85, a.3. Sobre o sacrifício de Cristo em Santo Tomás de Aquino, cf.:
SESBOUÉ. Jesucristo el Único Mediador. p.352-355.
145
AGOSTINHO. “Sententiarum Prosperi”. In: STh. III, q.83, art.1, c.
146
Ambrósio e Tomás de Aquino não ignorava a problemática sobre a unicidade do sacrifício de Cristo em
relação à multiplicidade das celebrações eucarísticas. Todavia, julgavam já ter encontrado explicações
suficientes para explicar contraste. Cf. ROGUET, Aimon-Marie. “Os Sacramentos da Fé”. Introdução e notas do
Vol. 9 da Suma Teológica. p. 428. Cf. Nota.
30
Santo Tomás explica que a Eucaristia é chamada imolação de Cristo por duas razões.
Primeiramente, “a celebração (...) deste sacramento é uma certa imagem representativa da
paixão de Cristo, que é uma verdadeira imolação”147. Explicando seu pensamento, ele cita
Santo Ambrósio: “Em Cristo, foi oferecida uma só vez a vítima eficaz para a salvação eterna.
Que fazemos então? Porventura não a oferecemos todos os dias em comemoração de sua
morte?”148
A segunda razão está relacionada ao efeito da paixão: “por este sacramento tornamo-nos
participantes do fruto da paixão do Senhor”149, que é a redenção. Assim, o mistério da
redenção é renovado em nós a cada vez que celebramos a memória do sacrifício de Cristo.
Ele explica também que, quando o livro do Apocalipse fala de “todos aqueles cujo
nome não está inscrito, desde a fundação do mundo no livro da vida do Cordeiro (Ap 13,8),
pode-se concluir que, de certa maneira, Cristo era imolado também nas figuras do Antigo
Testamento”150. Percebemos aí a ideia de prefiguração do sacrifício de Cristo na Antiga
Aliança.
Tomás relaciona o altar onde é celebrado o sacramento da Eucaristia com a cruz, pois
“da mesma maneira que a celebração desse sacramento representa a paixão de Cristo, assim
também o altar representa a cruz, onde Cristo foi imolado em sua própria imagem”151.
147
STh. III, q.83, art.1, c.
148
AMBRÓSIO. “Epistolam ad Heb”. STh. III, q.83, art.1, c.
149
STh. III, q.83, art.1, c.
150
STh. III, q.83, art.1, c.
151
STh. III, q.83, art.1, ad.2.
152
Vale ressaltar que nos limitaremos a apresentar aqui a problemática acerca da dimensão sacrificial da
eucaristia nos reformadores e a resposta de Trento, visto ser nosso objetivo neste trabalho. Todavia, lembramos
que a discursão se estende por outras dimensões da eucaristia, como, por exemplo, a problemática acerca da
transubstanciação, que Lutero nega, afirmando a ideia de consubstanciação, onde há uma presença real de Cristo
na eucaristia, mas somente durante a celebração. Já Calvino irá falar que a presença de Cristo na eucaristia seria
só uma presença espiritual e dinâmica, onde o cristão usufrui da comunhão com Cristo por uma ação do Espírito
Santo. Já Zwinglio fala que não há presença de Cristo na eucaristia, mas que ela é apenas um símbolo que,
agindo no sujeito, gera sentimentos de comunhão. Sobre a problemática acerca da eucaristia nos reformadores,
cf. GIRAUDO. Num só corpo. p. 415-460; DANTAS. Filhos no Filho. p. 195-205; RATZINGER, Ioseph. “La
celebrazione dell’Eucaristia”. In: Teologia della Liturgia. La fondazione sacramentale dell’esistenza Cristiana.
Opera Omnia. Volume XI. Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2010. p. 294-346.
31
2.3.1 Lutero
Para Martinho Lutero, só existe duas formas do homem se reportar a Deus: pela Lei e
pela fé.154 Pela Lei o homem busca por conta própria uma reconciliação com Deus. Pela fé,
Deus, por iniciativa própria e por intermédio de Cristo, dá a salvação que o homem não pode
merecer por suas obras e sacrifícios. A orientação da fé não consiste no homem oferecer dons
a Deus, mas consiste no acolhimento da graça divina.155
A consequência que ele tira disso é que o culto cristão está deformado na sua essência.
“Para Lutero, a Missa, isto é, a Eucaristia mesma como sacrifício, é idolatria, um horror,
porque recai no uso sacrifical pagão, anterior à novidade cristã”156. Assim, a lei novamente
toma o lugar da graça, negando a suficiência da obra salvífica de Cristo e tornando ao homem
a tentativa da auto redenção.
Entendemos, dessa forma, que, para Lutero, a ideia do sacrifício da Missa comporta
uma negação da graça e uma revolta do poder autônomo do homem em buscar auto redimir-
se. Sua controvérsia sobre a Missa implica, na realidade, em um problema de aplicação do
problema fundamental da justificação.157
Ele se posiciona radicalmente contra à possibilidade de se falar em Eucaristia como
sacrifício. O sacrifício redentor de Cristo é único e suficiente. Falar de caráter sacrificial da
Missa seria, portanto, negar a unicidade e o valor do sacrifício de Cristo. 158 “Por esta razão, se
a missa fosse um sacrifício, isto significaria uma tentativa de multiplicar o único sacrifício de
Cristo, e isto seria inaceitável”159.
153
Cf. DANTAS. Filhos no Filho. p. 195.
154
Cf. RATZINGER. La celebrazione dell’Eucaristia. p. 294.
155
Cf. RATZINGER. La celebrazione dell’Eucaristia. p. 294-295.
156
RATZINGER. La celebrazione dell’Eucaristia. p. 295. Tradução minha.
157
Cf. RATZINGER. La celebrazione dell’Eucaristia. p. 295.
158
Cf. ALDAZÁBAL, J. “A Eucaristia”. In: BOROBIO, Dionísio (Org.). A Celebração na Igreja II.
Sacramentos. 2ª edição. São Paulo: Loyola, 2008. p.237.
159
DANTAS. Filhos no Filho. p. 196.
32
2.3.2 Calvino
160
ALDAZÁBAL. A Eucaristia. p. 236-237.
161
Cf. ROCCHETTA, Carlo. “Il Sacramento dell’Eucaristia”. In: FLORIO, Mario e ROCCHETTA, Carlo.
Sacramentaria Speciale I. Battesmo, confermazione, eucaristia. Corso di Teologia Sistematica. Bologna:
Dehoniane Bologna, 2008. p. 258.
162
Cf. LUTERO, Martinho. “Vom Missbrauch der Messen”. In: Dicionário de Liturgia. p. 1076-1077.
163
Cf. RATZINGER. La celebrazione dell’Eucaristia. p. 312.
164
DANTAS. Filhos no Filho. p. 197.
165
Cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 258.
33
2.3.3 Zwinglio
Para Ulrich Zwinglio não há uma presença real de Cristo no sacramento da Eucaristia.
Para ele, a Eucaristia é apenas um símbolo que age no sujeito criando sentimentos subjetivos
de comunhão. Sendo um símbolo, a Santa Missa não é um sacramento, nem um sacrifício.
Ele parte da ideia de que a Santa Ceia é apenas uma comemoração comunitária antes da
ação sacrifical realizada uma só vez na cruz. Essa ação histórica não pode mais ser repetida ou
atualizada. Dessa forma, não pode haver na Eucaristia um conteúdo sacrifical objetivo. A
Missa não é e nem pode ser um sacrifício.166
166
Cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 258.
167
Cf. DH 1635-1661.
168
Cf. DH 1725-1734.
169
Cf. DH 1738-1759.
170
Cf. DANTAS. Filhos no Filho. p. 202.
34
continuamente esse sacrifício. “Com efeito, uma só e mesma é a vítima, pois quem agora se
oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que então se ofereceu na cruz; só o modo de
oferecer é diferente”171.
Assim, na Missa se realiza esse divino sacrifício, pois nela o mesmo sacrifício cruento
de Cristo no altar da cruz, é oferecido de modo incruento. Essa é a Nova Páscoa a ser
celebrada pela Igreja, por intermédio dos seus ministros.172 Sua oferta é a oblação pura de que
fala Malaquias (Cf. Ml 1,11), a oblação que foi prefigurada pelas diversas imagens dos
sacrifícios, a consumação dos sacrifícios prefigurados na Antiga Aliança.173
Por se tratar da Nova Páscoa, entendemos que a Eucaristia, enquanto mistério de cruz,
também é mistério de Ressurreição.
Dessa forma, podemos entender o que o Concílio fala acerca do valor propiciatório da
Missa, pois nela recebemos em abundância os frutos da oblação de Cristo, ou seja, concede-
nos a graça, a penitência e, por meio desses, o perdão dos pecados. Esses frutos podem ser
oferecidos não só pelo perdão dos próprios pecados, mas também por outra pessoa, seja viva
ou falecida.175
O Concílio fala ainda do significado da gota d´água derramada sobre o vinho no
momento do ofertório: recorda o mistério do sangue e água que saiu do lado de Jesus e
representa a união da Igreja com Cristo Cabeça, que se oferece nesse sacrifício.176
Enfim, as afirmações de Trento acerca do aspecto sacrificial eucarístico, com os demais
decretos acerca da Eucaristia, e a controvérsia com os reformadores marcam uma etapa
importante do desenvolvimento doutrinário sobre esse sacramento. Suas declarações
orientarão radicalmente a dogmática eucarística desenvolvida nos séculos posteriores.177
171
CONCÍLIO DE TRENTO. Decreto sobre a doutrina da Santa Missa. In: DH 1743.
172
Cf. CONCÍLIO DE TRENTO. Decreto sobre a doutrina da Santa Missa. In: DH 1739-1740.
173
Cf. CONCÍLIO DE TRENTO. Decreto sobre a doutrina da Santa Missa. In: DH 1741-1742.
174
DANTAS. Filhos no Filho. p.203-204.
175
Cf. CONCÍLIO DE TRENTO. Decreto sobre a doutrina da Santa Missa. In: DH 1743.
176
Cf. CONCÍLIO DE TRENTO. Decreto sobre a doutrina da Santa Missa. In: DH 1749.
177
Cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 261.
35
178
Cf. DANTAS. Filhos no Filho. p. 205.
179
Cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 261.
180
Cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 262.
181
Para a tendência imolacionista, no sacrifício eucarístico deve haver uma mudança, uma “destruição”, que
afete o pão ou o vinho, ou o próprio Cristo. Suarez fala que pela substanciação cessam as forças dos elementos
naturais. Cano vê essa destruição na fração da hóstia e no mergulho no sangue. Lugo e Franzelin falam do fato
de que Cristo se reduz a um estado inferior, tomando a humilde forma de alimento. Bellarmino fala do momento
em que os dons eucarísticos são mastigados na comunhão. Enfim, para os imolacionistas, há sempre no sacrifício
eucarístico uma espécie de “imolação”, seja “imolação virtual”, seja “imolação atual”. Cf. ROCCHETTA. Il
Sacramento dell’Eucaristia. p. 262. Cf. também DANTAS. Filhos no Filho. p.206.
182
Cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 262. Cf. também DANTAS. Filhos no Filho. p.206.
183
Os oblacionistas defendem a ideia de uma oferta interior, pessoal de Cristo e que sua presença sacramental na
missa nos permite falar de sacrifício. Porém, falar da presença sacrifical de Cristo na Missa não explica que a
Missa é o sacrifício de Cristo.
36
sacrifício”184. V. Thalhofer, por exemplo, fala que, pela força da Eucaristia, Cristo mesmo
atualiza o único ato interior oblativo que viveu sobre a cruz.185
M. de Taille fala que Jesus se oferece ao Pai toda vez que a Igreja faz sua memória. Pela
memória eucarística, a Igreja perpetua a oblação pessoal de Cristo manifestada na ceia e
consumada na paixão e morte. De fato, ele mostra que a ideia de uma morte místico-
sacramental de Cristo na Missa. Todavia, A. Voiner, com sua obra A Key to the Doctrine of
the Eucharist, publicada em 1925, em Londres, e que tomando grande repercussão com a
tradução francesa em 1942, dá uma contribuição decisiva mostrando que a missa não é um
sacrifício natural, mas é o sacrifício de Cristo na forma sacramental. Enquanto sacrifício da
Nova Lei, sinal da paixão e glorificação de Cristo, a Eucaristia significa e contém a morte de
Cristo. Nela Cristo mesmo se faz presente no gesto da sua única e eterna oblação ao Pai.186
184
DANTAS. Filhos no Filho. p.207.
185
Cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 262-263. Cf. também DANTAS. Filhos no Filho. p.206-
207.
186
Cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 263-264.
187
ALDAZÁBAL. A Eucaristia. p. 242.
188
Cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 265.
189
Cf. PIO XII. Mediator Dei. n. 71-73.
37
190
PIO XII. Mediator Dei. n. 74. Grifo meu.
191
Cf. PIO XII. Mediator Dei. n. 75-83.
192
Cf. PIO XII. Mediator Dei. n. 88-94.
193
PIO XII. Mediator Dei. n. 90.
38
Esse último capítulo do nosso trabalho visa apresentar como o magistério recente da
Igreja, desde o Vaticano II até a Encíclica Sacramentum Caritatis de Bento XVI, tem tratado
da teologia do sacrifício eucarístico. Por fim, encerraremos com algumas considerações de
Ioseph Ratzinger sobre a participação dos fiéis no sacrifício eucarístico.
Apesar do Concílio Vaticano II não ter elaborado algum documento que tratasse
particularmente da Eucaristia, ele trata dela abundantemente em seus textos. Todavia, trata da
Eucaristia com insistência particular na Constituição Sacrosanctum Concilium.194
Através dessa constituição o Concílio confirma a doutrina tradicional sobre a eucaristia:
a Eucaristia é sacrifício (SC 47 e 49), sacramento (SC 47), banquete (SC 47-48), memorial da
paixão, morte e ressurreição de Cristo (SC 47) e presença real de Cristo (SC 55).195
O Concílio confirma a doutrina de Trento sobre a natureza sacrificial da Missa. Na
Constituição Sacrosanctum Concilium o sacrifício eucarístico é apresentado como meio pelo
qual é perpetuado o sacrifício da cruz de Cristo:
194
Cf. PIERRE-MARIE GY. Verbete “Eucaristia”. Teologia Histórica. In: LACOSTE, Jean-Yves (Org.).
Dicionário Crítico de Teologia. São Paulo: Paulinas: Loyola, 2004. p. 685. Esse documento foi assinado pelo
papa Paulo VI em 25 de Janeiro de 1964.
195
Cf. DANTAS. Filhos no Filho. p. 211.
196
Cf. CONCÍLIO VATICANO II. “Constituição Sacrosanctum Concilium”. In: Documentos do Concílio
Ecumênico Vaticano II. São Paulo: Paulus, 2001. n. 47.
197
Depois do proêmio, o primeiro capítulo trata da liturgia, como fonte e ápice da vida da Igreja (c. I); o segundo
é dedicado ao mistério eucarístico (c. II). Logo após, trata sobre os demais sacramentos e os sacramentais (c. III).
39
na vida litúrgica da Igreja, é o meio especial pelo qual, na liturgia, se atua a obra de nossa
redenção.198
Em torno da Eucaristia estão os sacramentos e os sacramentais. Por eles se atua, em
diversos níveis e com diferente eficácia, o único evento da nossa redenção. São meios pelos
quais a graça divina, que promana do mistério pascal de Cristo, santifica a vida dos fiéis.199
O documento afirma a presença de Cristo na Igreja, mas, de modo particular, nas ações
litúrgicas. Ele é o sujeito principal do agir litúrgico na Igreja. No sacrifício da Missa, Cristo
está presente na pessoa do ministro, mas de modo especial nas espécies eucarísticas.200
O Concílio também vai chamar atenção para a participação ativa, consciente e piedosa
dos fiéis no sacrifício eucarístico. Para facilitar essa participação dos fiéis, o Concílio orienta
para que seja feita uma restauração201 no ritual da Santa Missa, simplificando os ritos, mas
respeitando sua estrutura essencial.202
Após o Concílio Vaticano II surgiram algumas teorias que dão grande ênfase ao
banquete eucarístico em detrimento da compreensão sacrificial da Santa Missa. Essas teorias
leem o dogma da presença real em uma perspectiva mais existencialista do que substancial.
Os dons do pão e do vinho adquirem depois da consagração um novo conceito e significado.
Partindo de uma redescoberta do pensar simbólico, esses autores interpretam que,
enquanto símbolos, o pão e o vinho sofrem uma mudança mais de significado e finalidade do
que de essência. Em lugar da terminologia “transubstanciação”, utilizam “transignificação” ou
“transfinalização” que, segundo eles, é equivalente. A presença de Cristo teria um caráter
mais dinâmico-funcional do que ontológico.203
Enfim, aborda o tema do Ofício Divino, ano litúrgico, música sacra e arte sacra e alfaias litúrgicas (c. IV-VII).
Cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 266.
198
Cf. CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium. n. 2.
199
Cf. CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium. n. 59-61.
200
Cf. CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium. n. 7.
201
Segundo Karl Rommer, houve uma tradução errônea do texto original da Sacrosanctum Concilium quando
fala da necessidade de uma instaurare liturgiam, que foi traduzido em muitas línguas por “reforma da liturgia”.
Todavia essa expressão latina significa “renovação ou restauração da liturgia”. Assim, a intenção do Concílio
não era propor uma “Reforma litúrgica”, mas uma renovação da liturgia que pudesse reconduzi-la ao seu
significado original e verdadeiro. Cf. ROMER, Karl. Liturgia: Reforma ou Renovação? In:
http://domromer.webnode.com.br/textos/liturgia/. Acesso: 28/10/2013.
202
Cf. CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium. n. 48-50.
203
Cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 268-269.
40
J. de Baciocchin parece ter sido o primeiro a elaborar essa concepção. 204 Alguns anos
mais tarde (em 1969), o Catechismo Olandese vai orientar esse pensamento:
Esse pensamento apresenta caráter subjetivo da pessoa e da fé, pois confere ao banquete
eucarístico um novo significado, levando ao grande perigo de desaparecer o sentido objetivo
da presença real, consequentemente do aspecto sacrificial da Santa Missa.206
Nessa preocupação, Paulo VI escreve a encíclica Mysterium Fidei, que trata a sagrada
liturgia. Esse documento afirma um nexo de causalidade entre a transubstanciação e a
presença de Cristo.
Paulo VI dá grande ênfase à doutrina de Trento sobre o sacrifício da Missa: “No
Mistério Eucarístico é representado de modo admirável o Sacrifício da Cruz, consumado uma
vez para sempre no Calvário; e que nele se relembra perenemente a sua eficácia salutar na
remissão dos pecados que todos os dias cometemos”207. Ele ensina que o sacrifício faz parte
da essência da Missa, contudo, recorda que também é banquete, pois, pela recepção do corpo
e do sangue de Cristo, recebemos a graça, a antecipação da vida eterna e o remédio da
imortalidade.208
A Igreja desempenha, em união com Cristo, as funções de sacerdote e vítima, pois “é
ela toda que oferece o Sacrifício da Missa, como também ela toda é oferecida ao mesmo
tempo”209. Toda Missa é ação de Cristo e da Igreja. Nesse sacrifício que oferece, a Igreja
“aprende a oferecer-se a si mesma como sacrifício universal, e aplica, pela salvação do mundo
inteiro, a única e infinita eficácia redentora do Sacrifício de Cristo”210.
Enfim, Paulo VI ensina que não é possível fazer uma separação entre o Sacrifício e o
Sacramento da Eucaristia:
204
J. de Baciocchin desenvolve seu pensamento na sua obra Le mystère eucharistique dans les perspectives de la
Bible, cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 269.
205
Il Nuovo Catechismo Olandese, 689. In: ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 269.
206
Cf. ROCCHETTA. Il Sacramento dell’Eucaristia. p. 270.
207
PAULO VI, papa. Encíclica Mysterium Fidei. São Paulo: Paulinas, 2005. n. 27.
208
Cf. PAULO VI. Encíclica Mysterium Fidei. n. 5.
209
PAULO VI. Encíclica Mysterium Fidei. n. 31.
210
PAULO VI. Encíclica Mysterium Fidei. n. 32.
41
Iremos nos deter nessa parte do trabalho sobre três documentos do pontificado de João
Paulo II que trazem o tema do aspecto sacrificial da Eucaristia: a Encíclica Redemptor
Hominis (1979), a Encíclica Ecclesia de Eucharistia (2003) e a Carta Apostólica Mane
Nobiscum Domini (2004).212 Além desses documentos magisteriais, abordaremos também o
tema do sacrifício eucarístico no Catecismo da Igreja Católica, que foi elaborado e
promulgado sob o pontificado de João Paulo II (em 1992).
João Paulo II escreve a primeira encíclica do seu pontificado com o título Redemptor
Hominis (1979). O conteúdo central dessa encíclica consiste no mistério da redenção de
Cristo. Esse mistério é o mistério da morte de Cristo na cruz e da sua Ressurreição, que a
Igreja revive cotidianamente celebrando, por mandato do próprio Cristo, a Eucaristia.213
Nesse sacramento, esse sacrifício é renovado continuamente. Dessa forma, celebrando a
Eucaristia, a Igreja participa da força redentora que emana desse sacrifício. 214 Assim, “a Igreja
permanece na esfera do mistério da redenção, que se tornou precisamente o princípio
fundamental da sua vida e da sua missão”215.
A Eucaristia é a forma sacramental mais expressiva do sacrifício que Cristo fez de si ao
Pai no altar da cruz. Esse sacramento é entendido como “o centro e o vértice de toda vida
sacramental”216. Pelos sacramentos, os cristãos recebem a força salvífica da redenção, como
vemos, por exemplo, no sacramento do batismo, onde os cristãos são imergidos no mistério
da morte e ressurreição de Cristo. Portanto, a Eucaristia, enquanto renovação contínua do
211
PAULO VI. Encíclica Mysterium Fidei. n. 34.
212
Vale lembrar que João Paulo II ainda escreveu outros documentos que também trazem essa temática, como,
por exemplo, a carta Dominicae Cenae, entre outros.
213
Cf. JOÃO PAULO II, papa. Encíclica Redemptor Hominis. São Paulo: Paulinas, 1990. n.7.
214
Cf. JOÃO PAULO II. Redemptor Hominis. n.20.
215
JOÃO PAULO II. Redemptor Hominis. n.7.
216
JOÃO PAULO II. Redemptor Hominis. n.20.
42
sacrifício que Cristo fez de si ao Pai no altar da cruz, se torna o centro e o vértice de toda a
vida sacramental da Igreja.217
Na Eucaristia nos unimos mais perfeitamente a Cristo. Essa união se dá mediante a
remissão realizada pelo ato redentor de Cristo, que nos torna filhos de Deus. Assim, nela se
exprime nosso novo ser, pois, enquanto participantes do mistério da redenção, temos acesso
aos frutos da filial reconciliação com Deus.218
A Igreja vive da Eucaristia, pois no sacrifício de Cristo ela é construída e regenerada.
Dessa forma, ela deve perseverar e progredir na piedade eucarística, respeitando a plena
dimensão do mistério de Cristo presente na Eucaristia:
Com maior razão, portanto, não é lícito nem no pensamento, nem na vida,
nem na ação tirar a este sacramento, verdadeiramente santíssimo, a sua plena
dimensão e o seu significado essencial. Ele é ao mesmo tempo sacramento-
sacrifício, sacramento-comunhão e sacramento-presença.219
217
Cf. JOÃO PAULO II. Redemptor Hominis. n.20.
218
Cf. JOÃO PAULO II. Redemptor Hominis. n.20.
219
JOÃO PAULO II. Redemptor Hominis. n.20.
220
Cf. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola, 2000. n.1322-1449. (Será utilizada a
abreviação “Cat.” para referir-se a esse documento). Sobre a Síntese sistemática acerca da eucaristia no
Catecismo, Cf. DANTAS. Filhos no Filho. p. 220-226.
221
Cat. 1362.
222
Cat. 1364.
43
cruz, o próprio sangue que “derramou por muitos para a remissão dos
pecados” (Mt 26,28)”.223
seu corpo e o seu sangue, mas exprimiu também o seu valor sacrificial,
tornando sacramentalmente presente o seu sacrifício, que algumas horas
depois realizaria na cruz pela salvação de todos. “A Missa é, ao mesmo
tempo e inseparavelmente, o memorial sacrificial em que se perpetua o
sacrifício da cruz e o banquete sagrado da comunhão do corpo e sangue do
Senhor”.230
230
JOÃO PAULO II. Ecclesia de Eucharistia. n.12.
231
JOÃO PAULO II. Ecclesia de Eucharistia. n.12.
232
Cf. JOÃO PAULO II. Ecclesia de Eucharistia. n.13.
233
JOÃO PAULO II. Ecclesia de Eucharistia. n.14.
234
Cf. JOÃO PAULO II. Ecclesia de Eucharistia. n.16.
235
JOÃO PAULO II. Ecclesia de Eucharistia. n.19.
45
João Paulo II publica a Carta Apostólica Mane Nobiscum Domine em outubro de 2004,
por ocasião do Ano da Eucaristia que se iniciava.
Em relação ao que essa carta aborda acerca da dimensão sacrificial da Eucaristia, o papa
reforça aquilo que já expressou na Ecclesia de Eucharistia, que não deve ser descuidada
nenhuma dimensão desse sacramento. Ele ensina que o homem deve abrir-se à dimensão do
Mistério e não podemos cair na tentação de reduzir a Eucaristia às suas próprias dimensões.236
Ele enfatiza que, de fato, a dimensão mais evidente seja a do banquete, devido ser
instituída em um contexto de banquete pascal, trazendo na sua estrutura o sentido de convívio.
O papa ensina que “este aspecto exprime bem a relação de comunhão que Deus quis
estabelecer conosco e que nós mesmos devemos desenvolver mutuamente”237.
Todavia, afirma que o sentido profundo e primordial da Eucaristia é sacrificial, pois a
Santa Missa é memorial do sacrifício de Cristo no Gólgota. “Mesmo estando presente nele
ressurgido, ele traz os sinais da paixão, da qual a Santa Missa é ‘memorial’, como a liturgia
nos recorda com a aclamação depois da consagração: ‘Anunciamos vossa morte, Senhor,
proclamamos vossa ressurreição [...]’”238.
236
Cf. JOÃO PAULO II, papa. Carta Ap. Mane Nobiscum Domine. São Paulo: Paulinas, 2005. n. 14.
237
JOÃO PAULO II. Mane Nobiscum Domine. n. 15.
238
JOÃO PAULO II. Mane Nobiscum Domine. n. 15.
239
Cf. BENTO XVI, papa. Exort. Ap. Pós-Sin. Sacramentum Caritatis. São Paulo: Paulinas, 2007. n. 1.
240
Cf. BENTO XVI. Sacramentum Caritatis. n. 9.
46
Apesar da novidade radical de Jesus ser inserida no âmbito da ceia pascal hebraica, os
cristãos não tem mais necessidade de repetir tal ceia, pois “aquilo que anunciava as realidades
futuras cedeu agora lugar à própria Verdade. O antigo rito consumou-se e ficou
definitivamente superado mediante o dom de amor do Filho de Deus encarnado”243.
Ao ordenar “fazei isto em memória de mim” (Lc 22,19; 1 Cor 11,25), Jesus espera que a
Igreja, que nasceu do seu sacrifício, desenvolva a forma litúrgica desse sacramento, confiando
a ela, dessa forma, a missão de entrar na sua “hora”.244
Enfim, cita a Encíclica Deus Caritas Est, ao falar que a Eucaristia nos arrasta à sua
dinâmica de doação: “A eucaristia arrasta-nos ao ato oblativo de Jesus. Não é só de modo
estático que recebemos o Logos encarnado, mas ficamos envolvidos na dinâmica da sua
doação”245.
241
Cf. BENTO XVI. Sacramentum Caritatis. n. 10.
242
BENTO XVI. Sacramentum Caritatis. n. 10.
243
BENTO XVI. Sacramentum Caritatis. n. 11.
244
Cf. BENTO XVI. Sacramentum Caritatis. n. 11. Bento XVI analisa as mudanças da forma litúrgica no
decorrer da história em uma ótica de unidade no desenvolvimento histórico do rito litúrgico. A Igreja, guiada
pelo auxílio do Espírito Santo, desenvolve no tempo e no espaço as formas litúrgicas. Cf. BENTO XVI.
Sacramentum Caritatis. n. 3 e 12. Bento XVI fala da necessidade de uma hermenêutica da continuidade para
uma correta leitura da reforma litúrgica proposta pelo Concílio Vaticano II. Ele afirma que a hermenêutica da
reforma é uma hermenêutica de continuidade, não de descontinuidade. Cf. BENTO XVI, papa. Discurso do papa
Bento XVI à Cúria Romana, em 22 de Dezembro de 2005. In: http://www.vatican.va/. Acesso: 26/10/2013. Cf.
também MARINI, Guido. Liturgia. Mistério da Salvação. São Paulo: Paulus, 2012. p. 5-9.
245
BENTO XVI, papa. Encíclica Deus Caritas Est. São Paulo: Paulinas, 2006. n. 13.
47
246
Cf. ALDAZABAL. A Eucaristia. p. 314.
247
Cf. RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 57.
48
populum não tem origem na tradição católica, nem ortodoxa, mas protestante, visto ser Lutero
o primeiro a celebrar versus populum na sua missa reformada, em 1526. Lutero, negando o
caráter sacrificial da Santa Missa, prefere um aspecto mais convivial. A proposta de Ratzinger
para “corrigir” essa orientação da oração na liturgia da Missa, que dava mais ênfase ao
aspecto convivial em detrimento ao aspecto essencial do sacrifício, é colocar a cruz no centro
do altar, onde todos estão voltados para o Senhor. 248
O grande debate de fundo aí parece-nos ser que o realce que se deu no pós-Vaticano II
ao aspecto do banquete acarretou em uma redução da compreensão do sentido sacrificial da
Eucaristia, reduzindo-o a uma dimensão simplesmente convivial. Isso pode acarretar outras
questões, como a própria perda da diferença entre o sacerdócio ministerial e o sacerdócio
comum dos fiéis.
O documento Sacerdotium Ministeriale da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé,
de 1983, alerta para esse risco de se entender a celebração da Eucaristia somente como uma
reunião da comunidade local para comemorar a Última Ceia de Cristo, exprimindo mais um
aspecto de uma reunião de convívio fraterno do que a renovação do Sacrifício de Cristo.
Dessa forma, se excluiria também a compreensão da diferença essencial entre o sacerdócio
comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial, correndo-se o risco de desassociar a eucaristia do
sacramento da Ordem.249
Muitas dessas problemáticas ligadas à práticas litúrgicas pós-Vaticano II, segundo
Ratzinger, parecem provir de uma não-correta compreensão de alguns aspectos do Concílio.
Ele coloca essa questão mostrando-se, de certa maneira, insatisfeito com algumas atuações
litúrgicas vistas nos decênios pós-conciliares, onde houve certo abuso no espírito das linhas
traçadas pelo Concílio, buscando corrigir os fundamentos teológicos de manifestações,250 e
alertando para uma correta hermenêutica do Concílio.251
Assim, percebemos também que as debilidades e os problemas das práticas litúrgicas
estão ligados à falta de claridade na relação das esferas dogmáticas e litúrgicas. João Paulo II
já falava na encíclica Ecclesia de Eucharistia sobre as luzes e sombras de doutrinas práticas
248
Cf. RATZINGER. Introdução ao espírito da liturgia. p. 55-62. Cf. também comentário de BUX, Nicolas.
Come andare a Messa e non perdere da fede. Milano: Piemme, 2010. p. 22-28.
249
SAGRADA CONGRAGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Sacerdotium Ministeriale. In:
http://www.vatican.va/. Acesso: 26/10/2013.
250
Cf. PÉREZ, Ricardo. “Liturgia y Teologia em Joseph Ratzinger”. In: MADRIGAL, Santiago. El Pensamiento
de Joseph Ratzinger. Teologo y Papa. Madrid: San Pablo, 2009. p. 303-304.
251
O papa Bento alertava para uma correta recepção do Concílio, para não cairmos em uma hermenêutica da
descontinuidade e da ruptura, que pode desencadear em uma ruptura da Igreja pré-conciliar e a Igreja pós-
conciliar, mas em uma hermenêutica da reforma, que realça o aspecto da continuidade da Igreja, que, como um
único sujeito, cresce e se desenvolve. Cf. BENTO XVI, papa. Discurso à cúria Romana, em 22 de Dezembro de
2005.
49
Vemos, assim, a intrínseca união que a forma litúrgica deve ter com o conteúdo
dogmático. Isso supera as compreensões superficiais que convergem a Eucaristia em uma
comida de amigos que celebram sua vida e amizade, e nos faz ver a Eucaristia como a entrega
de Jesus ao Pai, nos fazendo participantes do seu Corpo e Sangue. 259 Dessa forma, ao
recebermos esse sacramento, entramos em comunhão de sangue com Jesus, onde a vida de
Cristo é compenetrada com a nossa.260
252
Cf. JOÃO PAULO II. Ecclesia de Eucharistia. n. 10.
253
RATZINGER, Joseph. La Fiesta de la Fe. Ensayo de Teología Litúrgica. 4ª ed. Bilbao: Desclée de Brouwer,
2010. Tradução minha. p. 47.
254
Cf. RATZINGER. La Fiesta de la Fe. p. 47. Cf. também PÉREZ. Liturgia y Teologia em Joseph Ratzinger.
p. 305.
255
RATZINGER. La Fiesta de la Fe. p. 84. Tradução minha.
256
Cf. PÉREZ. Liturgia y Teologia em Joseph Ratzinger. p. 305.
257
RATZINGER. La Fiesta de la Fe. p. 54. Tradução minha.
258
RATZINGER. La Fiesta de la Fe. p. 66. Tradução minha.
259
Cf. PÉREZ. Liturgia y Teologia em Joseph Ratzinger. p. 305. Lembremos que na visão hebraica “sangue”
significa “vida”.
260
Cf. RATZINGER. La celebrazione dell’Eucaristia. p. 495.
50
Por fim, o cristão deve saber-se como vivenciar essa grande festa do mistério pascal de
Cristo. O Concílio Vaticano II nos apontou as indicações de como deve ser a participação dos
fiéis no sacrifício eucarístico. Ele nos ensina que os cristãos e a comunidade devem participar
consciente, piedosa e ativamente da celebração litúrgica.262 Tendo como alvo essa
participação ativa dos fiéis na liturgia, “para permitir ao povo cristão o acesso mais seguro à
abundância de graças que a liturgia contém”263, foram feitas mudanças litúrgicas após o
Concílio.264
Segundo Ratzinger, essa participação ativa proposta pelo Concílio pode ser facilmente
mal interpretada, visto que “o sentido dessa palavra facilmente leva a equívocos, pensando
que se trata de um ato geral e apenas exterior, como se todos tivesses de – quanto mais
possível tanto melhor – ver-se em ação”265. Na Exortação Sacramentum Caritatis, o papa
Bento XVI recorda que a actuosa participatio, que envolve o homem por inteiro, é
primordialmente interior, sem esquecer a sua dimensão exterior.266
Ratzinger nos ensina que, ao falarmos de “participação”, entendemos a existência de
uma actio principal na qual todos devem participar. O estudo das fontes litúrgicas nos
apontam que essa actio central na liturgia, ou seja, o verdadeiro ato litúrgico, é a oração
eucarística, ou seja, a oratio que constitui o núcleo da celebração eucarística.267
Essa actio, no sentido mais elevado do termo, mais do que uma actio humana, é actio
divina, ou seja, é o sacrifício do Verbo encarnado, o Logos de Deus que, representando nossa
humanidade, se dirige a Deus, nos envolvendo, assim, na verdadeira adoração. 268 A actio
261
RATZINGER. La Fiesta de la fe. p. 89. Tradução minha.
262
Cf. CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium. n. 48.
263
CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium. n. 21.
264
Cf. BUX. Come andare a Messa e non perdere da fede. p. 160.
265
RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 127.
266
Cf. BENTO XVI. Sacramentum Caritatis. n. 55.
267
Cf. RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 127.
268
Cf. RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 128-129.
51
divina é a obra de Cristo, a obra de nossa redenção, que possui como núcleo o mistério pascal
de Cristo,269 e encontra no sacrifício da Eucaristia a forma especial pela qual é realizada.270
Assim, “a novidade e a particularidade da Liturgia cristã é o fato de ser o próprio Deus quem
age e concretiza o essencial, elevando a Criação nova, fazendo-se acessível, de modo a que
seja possível comunicar pessoalmente com ele”271.
Dessa forma, Ratzinger nos ensina que, na Liturgia eucarística, o agir de Deus nos
envolve nos seus atos, ou seja, não há uma actio de Cristo e outra nossa, mas uma só actio,
pois “aquele, porém, que se une ao Senhor constitui, com ele, um só espírito” (1 Cor 6,17).272
Isso nos aponta que uma educação litúrgica para a participação dos fiéis na liturgia deve
conduzir para a verdadeira actio.273 Assim, participação ativa dos fiéis é uma participação
interior e exterior. A comunidade litúrgica deve exprimir uma expressão comum que não se
reduza a mera exterioridade, mas é necessária uma interiorização comum.274
269
RATZINGER, Joseph. “La discurssione su ‘Lo Spirito della Liturgia’”. In: RATZINGER, Ioseph. Teologia
della Liturgia. La fondazione sacramentale dell’esistenza Cristiana. Opera Omnia. Volume XI. Città del
Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2010. p. 729-730.
270
CONCILIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium. n. 2.
271
RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 128.
272
Cf. RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 129.
273
Cf. RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 130.
274
Cf. RATZINGER. La Fiesta de la fe. p. 94-95.
275
PÉREZ. Liturgia y Teologia em Joseph Ratzinger. p. 314. Tradução minha.
276
Cf. RATZINGER. Introdução ao Espírito da Liturgia. p. 130.
52
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Citações Bíblicas:
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